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Agricultura familiar e Agroecologia: um olhar sobre o caminhar da juventude rural no sudoeste paranaense Family farming and Agroecology: a look at the journey of the rural youth in Paraná southwest PASQUALOTTO, Nayara 1 ; GODOY, Wilson Itamar 2 ; VERONA, Luiz Augusto Ferreira 3 1Mestre em Desenvolvimento Regional pela UTFPR – Campus Pato Branco, Pato Branco/PR - Brasil, [email protected]. 2 Docente no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da UTFPR – Campus Pato Branco, Pato Branco/PR - Brasil, [email protected]. 3 Pesquisador da EPAGRI – Chapecó, Chapecó/SC - Brasil, [email protected] RESUMO O objetivo do artigo é apresentar algumas reflexões sobre os padrões sucessórios da agricultura familiar em agroecossistemas hortícolas de base ecológica no sudoeste paranaense. Os dados apresentados apontam que a mão de obra familiar nestas unidades de produção tem como tendência a sua escassez, visto que grande parte dos envolvidos nas atividades tem idade superior a trinta anos. Dos seis agroecossistemas pesquisados, os jovens integram apenas duas das famílias agricultoras, porém os mesmos não participam das atividades dos agroecossistemas. Este cenário proporciona uma reflexão a respeito do futuro da agricultura familiar e da Agroecologia na região, evidenciando assim a necessidade de ações para o seu fortalecimento, sendo que este é um dos caminhos para o desenvolvimento regional sustentável. PALAVRAS-CHAVE: Agroecologia, sucessão familiar, gênero, sustentabilidade, juventude rural. ABSTRACT The mainly of this article is to present some reflections about the standard succession of family farming in vegetable agroecosystems of ecologic basis on the southwest Paraná. The presented data shows that familiar labor in these production units has a shortage tendency, since most of the involved in the activities are older than thirty years. Of the six agroecosystems searched, only two farm families have the young integrate, but they don’t participate of the agroecosystems activities. This scenery provides a reflection about the familiar agriculture future and the agroecology in the region, highlighting the need of actions to its fortification, being one way to the sustainable regional development. KEY WORDS: Agroecology, standard succession, gender, sustainable, rural youth. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 8(3): 72-79 (2013) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 05/03/2013

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  • Agricultura familiar e Agroecologia: um olhar sobre o caminhar da juventuderural no sudoeste paranaense

    Family farming and Agroecology: a look at the journey of the rural youth in ParanásouthwestPASQUALOTTO, Nayara1; GODOY, Wilson Itamar2; VERONA, Luiz Augusto Ferreira3

    1Mestre em Desenvolvimento Regional pela UTFPR – Campus Pato Branco, Pato Branco/PR - Brasil,[email protected]. 2 Docente no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional daUTFPR – Campus Pato Branco, Pato Branco/PR - Brasil, [email protected]. 3 Pesquisador da EPAGRI –Chapecó, Chapecó/SC - Brasil, [email protected]

    RESUMOO objetivo do artigo é apresentar algumas reflexões sobre os padrões sucessórios da agricultura familiarem agroecossistemas hortícolas de base ecológica no sudoeste paranaense. Os dados apresentadosapontam que a mão de obra familiar nestas unidades de produção tem como tendência a sua escassez,visto que grande parte dos envolvidos nas atividades tem idade superior a trinta anos. Dos seisagroecossistemas pesquisados, os jovens integram apenas duas das famílias agricultoras, porém osmesmos não participam das atividades dos agroecossistemas. Este cenário proporciona uma reflexão arespeito do futuro da agricultura familiar e da Agroecologia na região, evidenciando assim a necessidadede ações para o seu fortalecimento, sendo que este é um dos caminhos para o desenvolvimento regionalsustentável.

    PALAVRAS-CHAVE: Agroecologia, sucessão familiar, gênero, sustentabilidade, juventude rural.

    ABSTRACTThe mainly of this article is to present some reflections about the standard succession of family farming invegetable agroecosystems of ecologic basis on the southwest Paraná. The presented data shows thatfamiliar labor in these production units has a shortage tendency, since most of the involved in the activitiesare older than thirty years. Of the six agroecosystems searched, only two farm families have the youngintegrate, but they don’t participate of the agroecosystems activities. This scenery provides a reflectionabout the familiar agriculture future and the agroecology in the region, highlighting the need of actions to itsfortification, being one way to the sustainable regional development.

    KEY WORDS: Agroecology, standard succession, gender, sustainable, rural youth.

    Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 8(3): 72-79 (2013)ISSN: 1980-9735

    Correspondências para: [email protected] para publicação em 05/03/2013

  • IntroduçãoO processo modernizador pelo qual passou a

    agricultura brasileira nas últimas décadas,sobretudo a partir de 1960, resultou em grandestransformações econômicas, ambientais, políticas esociais no campo. Este cenário resultou no modeloatual de produção, no qual se evidenciam grandesconcentrações de terras por parte de poucosproprietários e um número elevado de famíliasagricultoras que sobrevivem em pequenas áreas.

    Embora ocupe cerca de 30% das terrasagricultáveis no Brasil, a agricultura familiar éresponsável por cerca de 80% dos alimentosproduzidos para o abastecimento interno do país(IBGE, 2011). Esses dados evidenciam arelevância dessas famílias agricultoras, que alémde contribuírem para a economia local, geramemprego, diversificam a produção e cooperam comações que acarretam em menores impactos aoambiente.

    A região sul do Brasil mantêm um elevadopercentual de agricultores familiares em seuterritório, sobretudo no sudoeste paranaense. Issose deve ao fato de que desde a sua colonização,grande parte deste território foi dividido empequenos lotes de terras, que se constituíram emantiveram como propriedades familiares.

    De acordo com Fritz (2008), muitas famíliasagricultoras do sudoeste paranaense optaram porpráticas que garantiram a sua sobrevivência nocampo sem interferirem de forma agressiva noambiente. Dentre essas práticas encontram-se asfamílias que optaram pela produção agroecológica.

    Essas famílias garantem a sustentabilidade doagroecossistema no qual estão inseridasaproveitando os recursos naturais disponíveis naregião, visto que o sudoeste paranaense apresentadiversidade de clima propício para o cultivo deelevada variedade de espécies de frutas eolerícolas. Os hortigranjeiros proporcionam para aagricultura familiar da região uma alternativa deprodução, pois, de acordo com Fritz (2008), nas

    últimas décadas houve uma queda na renda obtidacom a produção de grãos em pequenaspropriedades devido ao crescimento naconcorrência pela comercialização dos produtoscom os grandes produtores. Verifica-se então que,a partir desse ocorrido, a agroecologia, asagroindústrias e a produção leiteira se tornaramalternativas de renda para as famílias agricultoras.

    Porém, o cultivo desses produtos e odesenvolvimento de determinadas atividadesocasionam o acúmulo gradativo de trabalho naunidade de produção. Isso se deve ao fato de que adiversificação mantém as famílias em constanteatividade, aumentando assim a demanda por mãode obra nas propriedades familiares.

    Dentre os indicadores que avaliam asustentabilidade de um agroecossistema, verifica-se que as questões ligadas à mão de obra e arespectiva sucessão nas unidades de produção,encontram-se entre os principais impassesenfrentados pela agricultura familiar na atualidade.Essas questões justificam-se pelo crescentenúmero de jovens que migram do campo para oscentros urbanos.

    A crescente ocorrência do êxodo rural aconteceem tempo concomitante ao aumento da demandapor mão de obra na agricultura familiar. Dessaforma, algumas indagações surgem ao analisar-seo cenário da agricultura familiar referente aosprocessos sucessórios e a reprodução destaparcela tão significativa para o desenvolvimentolocal.

    Dentre os questionamentos, destacam-se asindagações referentes aos impactos damodernização na dinâmica sucessória, oscaminhos percorridos pelos jovens do campo, asalternativas de reprodução encontradas por eles, ea questão de gênero nas unidades de produçãofamiliar.

    Diante desse contexto, o presente artigoapresenta uma análise sobre os padrõessucessórios na agricultura familiar no Sudoeste do

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  • Paraná. Esta análise integra-se no projeto depesquisa “Avaliação da sustentabilidade emagroecossistemas hortícolas com base deprodução na Agroecologia e na agricultura familiarna região oeste do sul do Brasil”, apoiado peloedital REPENSA do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

    Como universo de pesquisa entrevistou-se seisfamílias agricultoras com produção de baseagroecológica no sudoeste paranaense. Dentreessas, três pertencem ao município de CoronelVivida, duas à Pato Branco e uma a Vitorino.

    Os impactos da modernização na dinâmicasucessória e a Agroecologia comopossibilidade de permanência do jovem nocampo

    A dinâmica produtiva e o processo histórico daatividade agrícola no país também impactaram nospadrões sucessórios da agricultura familiar. Amodernização da agricultura, com a implantação de“pacotes” impostos pelas grandes multinacionais,resultou na utilização intensiva de maquinários einsumos agrícolas, acarretando na drásticaredução da mão de obra no campo (STÉDILE,2005).

    Entre as transformações resultantes damodernização dos sistemas agroindustriais,Strapasolas (2011) destaca os efeitos dossistemas de integração entre as indústrias dealimentos e as famílias agricultoras, onde asfamílias se tornam dependentes das regras eexigências do mercado, necessitando cada vezmais da especialização da produção e do aumentoda tecnologia, através da utilização desenfreada deinsumos e equipamentos produzidos pelo capital.

    No sistema de parceria desenvolvido pelasagroindústrias no Brasil, destacam-se asuinocultura, a avicultura, a fruticultura e afumicultura. Este modelo de produção coloca asfamílias em crescente dependência tecnológica e

    econômica das indústrias as quais estãointegradas, seja pela subordinação ao método deproduzir, seja pela influência na determinação dovalor do produto (STRAPASOLAS, 2011).

    Outra questão resultante desses circuitosprodutivos é a redefinição na divisão social dotrabalho das famílias, pois através da adequaçãoàs normas produtivas das indústrias, muitos jovensrurais acabam por desiludir-se com a vida nocampo, sentindo-se atraídos pelas alternativas devida nos centros urbanos. Esse fenômeno ocasionano espaço rural uma série de consequências, entreas quais se destacam a sobrecarga de trabalho damão de obra que persiste no campo (na maioriadas vezes idosos) e a consequente impossibilidadede sucessão no trabalho rural.

    A necessidade de mão de obra contínua emdeterminadas atividades agrícolas, como ademandada pela criação de animais, é outro fatorimportante derivado dos sistemas de integração.Essa situação nem sempre garante às famíliasrendimentos maiores, o que resulta no desestímuloprincipalmente dos jovens e mulheres, econsequentemente o desencadeamento deconflitos familiares (STRAPASOLAS, 2011).

    Em contraposição aos sistemas de integração,muitas famílias agricultoras optaram por práticasmais sustentáveis, através da utilização reduzidade insumos químicos e da combinação de duas oumais atividades na unidade de produção, quegarantem a sua qualidade de vida e a contribuiçãodos conhecimentos e trabalho de todos os seusmembros. Dentre os sistemas de produção que seutilizam destes princípios, destaca-se aAgroecologia como uma forma de produção emodo de vida que garante também aos jovens emulheres satisfação com o sistema produtivo e suainserção no mesmo.

    A Agroecologia é considerada um passofundamental para que se alcance asustentabilidade de um agroecossistema, dado que

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  • é realizada com o objetivo de garantir a segurançaalimentar, a renda da família e o acesso aomercado mantendo a qualidade dos recursosnaturais. Ela possibilita a sustentabilidade por meiodo reequilíbrio e conservação da biodiversidade, daágua, do solo e seus nutrientes e demais seresvivos, resultando no aumento da capacidadeprodutiva do território, sem degradar os recursos aliexistentes (ALTIERI, 2004).

    Assim, entende-se que a Agroecologia busca aprodução de alimentos sem a adição de produtosquímicos que possam acarretar danos à população,garantindo uma produção equitativa. Neste sentido,verifica-se que a agricultura familiar, que estáessencialmente baseada no emprego da mão deobra da família para a produção agrícola, torna-se aprincipal aliada no anseio por práticas maissustentáveis, pois possui os mesmos desejos jáevidenciados por grande parte da sociedade nãorural (MAYER e BURG, 2001).

    Dessa forma torna-se indispensável que asfamílias agricultoras optem por sistemas deprodução que garantam para toda a família asatisfação econômica, social, política e ambiental. Eque tais sistemas produtivos comtemplem tambémos desejos dos jovens rurais, visto que essesdesempenham um papel fundamental para o futuroagrícola do país.

    De acordo com Abramovay et al. (1998), o papeldos jovens rurais vai além da sua importância parao futuro da produção agrícola do país. Elesrepresentam, muitas vezes, importante papel napossibilidade de continuidade histórica de algumasregiões que passam por grandes processos deêxodo rural em seus territórios.

    Vista importância das questões referentes àjuventude rural e aos padrões sucessórios queemergem com o processo de modernização daagricultura, torna-se primordial um olhar maisapurado sobre os desejos e os anseios dessaparcela da população. Deve-se ter consciência das

    suas necessidades, bem como das suasdivergências, pois, de acordo com Abramovay et al.(1998), o olhar dos rapazes sobre o campo muitasvezes diverge do apresentado pelas moças.

    A juventude rural e os padrões sucessóriosOs debates que ocorrem sobre a juventude rural

    no Brasil têm evidenciado que essa parcela dapopulação carrega o peso da hierarquia e dasubmissão, e é marcada pelas difíceis condiçõesfamiliares principalmente no âmbito social eeconômico (CASTRO, 2009). Muitos dessesdebates têm constatado que, mesmo os jovensrurais desempenhando um papel de extremaimportância para a agricultura familiar, questõesque abordam o “ficar” ou “partir” ainda sãoconstantes entres eles (WEDIG et al.,2007).

    A tendência ao êxodo rural dos jovens tem sidoo tema de diversas pesquisas no Brasil e no mundo.No âmbito acadêmico, o problema vem sendoanalisado através de dois vieses, sendo que oprimeiro aborda os problemas enfrentados pelosjovens no campo e o segundo a atração do jovempelo meio urbano (CASTRO, 2009).

    A análise do cenário da juventude rural no Brasilé de extrema importância para que se tenha umpanorama dos desafios e desejos dessa parte dapopulação. É importante ressaltar que os caminhospercorridos por esses, “ficando” ou “partindo”, vãoinfluenciar diretamente na unidade de produçãofamiliar, trazendo consequências tanto nosaspectos sociais como econômicos.

    Segundo Abramovay et al. (1998), em regiõescom predomínio da agricultura familiar, como é ocaso do sudoeste paranaense, o êxodo rural atingemais os jovens do que o restante da população. Osfatores que influenciam essa debandada do campopor parte dos jovens, podem estar aliados àsdificuldades enfrentadas por muitos deles no seulocal de vivência.

    Dentre as dificuldades enfrentadas pelos jovens

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  • do campo, Castro (2009, p.193) refere-se ao“peso” da autoridade paterna. A autoridade dospais vai além das relações familiares, e muitasvezes ela “é reproduzida nas relações de trabalhofamiliar e na organização do lote”.

    A educação também influencia a decisão dosjovens em sair do meio rural. O que se constata éque atualmente grande parte da população que viveno campo não possui nível superior. Muitas vezesisso está ligado ao fato de que para muitas famíliaso alto grau de escolaridade significa a ascensãosocial, ou seja, neste contexto parece haver umaoposição entre “quem estuda quer sair; quem nãoestuda não tem outra alternativa que não seja ficar”(STRAPASOLAS, 2011, p.27).

    Os caminhos percorridos pela juventude ruralirão influenciar diretamente nos padrõessucessórios da agricultura familiar brasileira. Nestecontexto, Abramovay et al.(1998, p. 16) enfatizam aurgência de estancar o processo do êxodo ruraljovem, que funciona como “o processo que ameaçafazer da reforma agrária um jogo de soma zero (ounegativa), onde os assentamentos realizados deum lado jamais compensam os“desassentamentos” sofridos do outro”.

    Assim, os padrões sucessórios no campo nãopodem ser analisados apenas como um tema decaráter econômico. Eles perpassam os aspectossociais e políticos, colocando em jogo o futuro dasregiões onde predominam as unidades deprodução familiar (ABRAMOVAY et al., 1998).

    O gênero nas unidades de produção familiarAnalisando a dinâmica populacional da

    agricultura familiar, constata-se o crescentepercentual de homens que permanecem no campo,em relação ao de mulheres. Esse fator estádiretamente ligado aos costumes culturais e sociaisempregados pelas famílias que vivem no campo.

    Segundo Abramovay et al. (1998), a crescentemigração das mulheres para os centros urbanos já

    vem ocorrendo em número expressivo desde osanos 1980. Esses dados, segundo o autor, nãopodem ser atrelados à possibilidade das mulheresterem mais oportunidades de trabalho nas cidades,mas às condições sociais e às questões de gêneroque estão implícitas dentro das famíliasagricultoras.

    Na grande maioria das vezes o trabalhodesempenhado pelas mulheres no campo é omesmo se comparado ao exercido pelos homens,porém, “elas não têm nenhum acesso a tarefas queenvolvam algum grau de responsabilidade oualgum grau de tomada de decisão” (ABRAMOVAYet al., 1998, p.76). Muitas vezes, mesmo sem haverdiscriminação por parte do resto da família, asmoças não são preparadas para exercer o papel deliderança nas unidades de produção familiar.

    Outro fator que pode justificar a masculinizaçãono meio rural é a sucessão das terras, poissegundo Brumer (2004), de modo geral as filhasmulheres não herdam de fato as terras, exceto seseu esposo for agricultor. O que se verifica é quemesmo tendo os direitos garantidos por lei, o queprevalece nas famílias agricultoras ainda são ostraços de sua herança cultural. Assim, observa-seque grande parte das famílias agricultoras têmcomo sucessores os filhos homens. Essaconstatação difere dos desejos expressados pelosjovens do oeste catarinense estudados por Ferrariet al. (2004), onde evidenciou-se que há uminteresse maior entre as moças do que entre osrapazes em permanecer no campo.

    Em contrapartida aos dados expostos acima, asmoças que vivem no campo têm níveis deescolaridade maior que os rapazes. SegundoBrumer (2004, p.219), isso ocorre, de modo geral,porque “sabendo que serão preteridas na partilhada terra familiar ou na obtenção de um empregoestável no meio rural, ou rejeitando uma situaçãosemelhante à de suas mães, as moças investemmais do que os rapazes em sua educação, com

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  • vistas a uma possível migração para a zonaurbana”.

    Assim, ficam claras as diferenciações existentesentres moças e rapazes no meio rural. Essasdistinções perpassam as barreiras sociais eeconômicas, expressando as tradições culturaisdessas comunidades.

    A sucessão familiar no sudoeste paranaenseCom a finalidade de compreender as

    concepções e desejos dos jovens que residem emagroecossistemas localizados nos municípios deCoronel Vivida – PR, Pato Branco – PR e Vitorino -PR, bem como as possibilidades de sucessão dostrabalhos das famílias no campo, foramentrevistadas 17 pessoas que compõem as seisunidades de produção familiar de estudo. Desteuniverso, verificou-se que apenas 11,78% possuemidade inferior aos trinta anos, sendo uma do sexomasculino e outra do sexo feminino. Estes jovenscontribuem esporadicamente nas atividades doagroecossistema familiar, possuindo outrasocupações na área urbana, tais como trabalho eestudo.

    Sobre a intenção de viver no campo e continuarexercendo as atividades da família, esses jovens,que apenas vivem na área rural, afirmam que nãotêm a intenção de se tornarem agricultores. Algunsjustificaram suas respostas com declarações como:“na cidade eu tenho horário e salário fixo, coisasque no campo eu não tenho” e “não tenho aptidãopara trabalhar na agricultura, estou estudando paratrabalhar em algo que realmente me torne feliz”.

    Entre os demais entrevistados, 41,17% têmentre 31 e 50 anos de idade, 29,41% possuemidade entre 51 e 60 anos, e 17,65% têm mais de 61anos. Os agricultores pesquisados quecorrespondem a essas faixas etárias sedemonstraram satisfeitos com as funções queexercem na área rural, mesmo exercendo longasjornadas de trabalho nos agroecossistemas.

    No que se refere ao gênero, averiguou-se quedentre os entrevistados, 53% são do sexo feminino,sendo que desses, 33% possuem idade inferior aquarenta anos. Quanto ao sexo masculino,constatou-se um reduzido número de jovens, poisapenas 12,5% dos entrevistados têm menos dequarenta anos de idade (Tabela 01).

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    Tabela 01: Descrição do gênero e idade do público entrevistado

    Fonte: pesquisa de campo, 2011.

  • Considerando as atividades desenvolvidaspelas mulheres nos agroecossistemas, constatou-se que essas se diferenciam das praticadas peloshomens, pois elas, além de se encarregarem dosafazeres domésticos, assumem o papel deajudante dos homens. Essas informaçõescorroboram com Brumer (2004, p.210), queconstata que o trabalho da mulher, na agriculturafamiliar, “geralmente aparece como “ajuda”,mesmo quando elas trabalham tanto quanto oshomens ou executam as mesmas atividades queeles”.

    Quanto à jornada de trabalho na unidade deprodução, constatou-se que cerca de 50% dosagricultores entrevistados possuem jornadasuperior a 60 horas semanais. Quandoquestionados sobre os fatores que os levam atrabalhar excessivamente nas unidades deprodução, levantaram-se questões como aausência de mão de obra familiar, a grandediversificação das atividades desenvolvidas nosagroecossistemas e a dedicação que algumasatividades requerem, a exemplo da horticultura e daprodução leiteira.

    Os dados apresentados neste estudoconfirmaram a problemática da sucessão familiar,sobretudo no sudoeste paranaense, constatando-se que nos agroecossistemas estudados não háperspectivas evidentes de continuidade do trabalhodesenvolvido pelos agricultores em idade produtiva.

    Sendo assim, pode-se assegurar que osresultados obtidos refletem uma realidade localbastante peculiar, porém significativa, evidenciandoos diversos obstáculos enfrentados pelosprodutores familiares para a concretização de umaagricultura mais limpa, socialmente justa eeconomicamente viável.

    Considerações finaisDiante das discussões apresentadas sobre a

    juventude rural e os padrões sucessórios naagricultura familiar, constatou-se a relevância dotema para a sustentabilidade das unidades deprodução, visto que este acarreta emconsequências nos âmbitos econômico, político esocial. Nota-se que os caminhos adotados até omomento, no que se refere aos padrõessucessórios, levam-nos a refletir sobre o futuro daagricultura familiar no sudoeste do Paraná, bemcomo sobre o futuro das demais regiões do paísque, assim como essa, se caracteriza pelamarcante contribuição das famílias agricultoras.

    Os dados mostram a importância dos jovens nomeio rural e a necessidade de mudanças quedevem ocorrer tanto na organização social eeconômica das unidades de produção, como nacriação de políticas públicas que contemplem ajuventude rural.

    É fato, que ao abordarmos sobre os padrõessucessórios na agricultura familiar, nos deparamoscom um campo repleto de costumes e tradiçõesculturais, onde há, muitas vezes, conflitos devalores que afetam diretamente parte dos membrosda família. Desta forma, a tentativa de mudançadesses padrões não é uma tarefa fácil.

    Mesmo enfrentando alguns desafios, o debatesobre a sucessão nas unidades de produção nãodeve ser desvinculado a outras questões queafetam a reprodução social da agricultura familiar.Isso se deve ao fato de que esta dinâmica não iráinterferir apenas nos locais onde essas famílias seinserem, mas em toda a população rural brasileira.

    Neste contexto, nota-se que os padrõessucessórios no sudoeste paranaense não sediferem do restante do país. Essa microrregiãoainda pena com o êxodo rural e o consequenteenvelhecimento da população do campo.

    Verifica-se que os agroecossistemas com basede produção agroecológicos, assim como osdemais, sofrem com a escassez de mão de obra.Esses fatores acarretam em longas jornadas de

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  • trabalho aos que permanecem nas unidades deprodução, tornando-as muitas vezes insustentáveis.

    Mesmo existindo um percentual maior demulheres do que homens, o estudo evidenciou queestas desempenham, muitas vezes, como atividadeprincipal os afazeres domésticos e o apoio noprocesso de produção. Não foi verificado emnenhuma unidade de produção, o papel da mulhercomo o centro na tomada de decisões.

    Refletindo uma realidade específica, o presentetrabalho pode auxiliar na compreensão dos padrõessucessórios e a realidade da juventude rural dopaís. Através dessa análise, torna-se possível abusca por caminhos que nos levem a encontrarmeios de solucionar esses empasses que refletemem todas as dimensões do campo brasileiro.

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