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ÍndiceEditorial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -Nota de apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

DOSSIER

Desenvolvimento Prossional Docente: passado e futuroC M . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

Desenvolvimento prossional e carreira docenteFases da carreira, currículo e supervisão J A G . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

Construção e desenvolvimento das competências prossionais dos professoresM E . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

Ética prossional e Formação de ProfessoresA P C , M L S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

Formação de Professores em contextos colaborativosUm projecto de investigação em cursoA M V S , M A F , J CM , A M F , T F A . . . . . . . . . . . -

O lugar da afectividade na Relação PedagógicaContributos para a Formação de Professores J A , I F , E C , M J A . . . . . . . -

Formação de Professores para a prevenção da indisciplina J E S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

Especicidades da formação de professores de artes e de humanidadesS B . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

RECENSÕES

Recensão deHandbook of Research on Teacher Education. Enduring questionsin changing contexts, de Marilyn Cochran-Smith; Sharon Feiman-Nemser;D. John McIntyre & Kathy E. Demers [ ]. rd Edition. New York:Routledge & ATEM E . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

Recensão de Juventudes e inserção prossional , de Natália Alves[ ]. Lisboa: Educa/Ui&dCE J B . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

CONFERÊNCIAS

Formação e Supervisão de ProfessoresUma nova abrangência Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidadede Lisboa, de Maio de I A . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

OUTROS ARTIGOS

Saberes e práticas — Uma experiência de análise sobredimensões culturais na atividade docenteR P , G F S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

S , :Instruções para os Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -

SÍSIFOREVISTA DE CIÊNCIAS

DA EDUCAÇÃO

N.º 08 Formação de Professores

E

Responsáveis Editoriais deste número: Maria Teresa Estrela e Isabel Freire

Director: Rui Canário

Director Adjunto: Jorge Ramos do Ó

Conselho Editorial: Rui Canário,Luís Miguel Carvalho, Fernando

Albuquerque Costa, Helena Peralta, Jorge Ramos do Ó

C : Autoria dos artigos: Isabel Alarcão,

Teresa Fragoso de Almeida, JoãoAmado, Maria João André, SaraBahia, João Barroso, Ana Paula

Caetano, Elsa Carvalho, José EspíritoSanto, Manuela Esteves, Maria

Assunção Flores, Ana Maria Forte,Isabel Freire, José Alberto Gonçalves,Carlos Marcelo, José Carlos Morgado,

Rejane Penna, Gilberto Ferreira daSilva, Maria de Lurdes Silva, Ana

Margarida Veiga Simão.

Traduções: Mark Ayton, ThomasKundert, Filomena Matos e Tânia

Lopes da Silva

Secretariado de Direcção: GabrielaLourenço e Mónica Raleiras

L SDesenho de Pedro Proença

A GPedro Serpa

I I

Propriedade: Unidade de I&Dde Ciências da Educação

da Faculdade de Psicologiae de Ciências da Educação,da Universidade de Lisboa

: -

Apoios: Fundação para a Ciênciae a Tecnologia

C Morada: Alameda da Universidade,

- Lisboa.

Telefone: Fax:

e-mail: [email protected]

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/ · .º · / Editorial

Este número da revistaSísifo, consagrado à temáticada formação de professores, foi pensado e elaboradodurante o ano de . Esse ano, no que diz respeitoaos professores dos ensinos básico e secundário, emPortugal, foi também o ano de todos os descontenta-mentos. Em , em resposta ao apelo de todas asorganizações sindicais e também de diversos movi-mentos espontâneos e autónomos, por duas vezes,os professores se concentraram e deslaram nas ruasde Lisboa. A primeira manifestação realizou-se em de Março e conseguiu reunir cerca de . pro-fessores, ou seja, dois terços da classe prossional.A surpresa pelo carácter inédito deste nível de ade-são viria a repetir-se no dia de Novembro, quando,por pressão da base sobre os sindicatos, os docentesvoltaram a encher as ruas de Lisboa. Neste segundocaso, a adesão foi ainda maior, . professores,o que corresponde a três quartos da totalidade dosprofessores, vindos, em condições difíceis, de todosos pontos do país. As duas manifestações tiveramlugar num m de semana (Sábado) e o número demanifestantes foi conrmado, de forma convergente,por uma diversidade de observadores independen-tes, nomeadamente a imprensa, a rádio e a televisão.Na sequência destes protestos, os professores reali-zaram duas greves nacionais (a de Dezembro de

e a de Janeiro de ), com taxas de adesãosuperiores a %.

Face a tão eloquentes provas de descontenta-mento e de revolta, e às medidas adoptadas peloMinistério da Educação, será oportuno lembrar queem Setembro de , no quadro da Presidência

Portuguesa da União Europeia, decorreu em Lis-boa a Conferência “Desenvolvimento Prossionaldos Professores. Para a qualidade e para a equidadeda aprendizagem ao longo da vida”¹. O documen-to de base dessa conferência explicita os problemasque se colocam e que decorrem, quer de questõesdemográcas, quer da crescente complexidade daprossão docente, à qual correspondem novos pa-péis, novas exigências e um alargamento do âmbitoda sua missão prossional.

Para dar resposta a uma situação que é problemá-tica, reconhece-se a necessidade de melhorar as po-líticas e as práticas de formação de professores que,no conjunto dos países europeus, são tidas como in-satisfatórias. Essa aposta na qualidade da formação,com desejáveis consequências num melhor desem-penho prossional, é indissociável, como se armano documento, de um esforço a fazer para construiruma opção atractiva de carreira. Tal objectivo im-plica recrutar os melhores, persuadir trabalhadoresa mudar de prossão em favor da carreira docente,contrariar saídas da prossão, quer precoces, querde professores mais experientes.

Em síntese, aponta-se como objectivo centralmotivar prossionalmente os professores, fazendocorresponder a uma elevação dos níveis de exigên-cia uma aposta na formação e na criação de melho-res condições de exercício prossional. Enunciam--se, como orientadores da acção a desenvolver, qua-tro grandes princípios: fazer do ofício de professoruma prossão altamente qualicada, baseada emprocessos de formação ao longo de toda a carreira,

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marcada pela mobilidade e apoiada em dispositivosde parceria.

Do debate realizado foi possível identicar a ne-cessidade de, no plano político, encontrar respostasadequadas para três grandes desaos:

· O primeiro consiste, como se disse, em tor-nar a prossão docente uma prossão atrac-tiva. Está em causa resolver os problemasde recrutamento e de renovação do corpodocente, superando a contradição entre a ge-neralizada retórica sobre o papel chave dosprofessores e, por outro lado, a dura realida-de de uma prossão marcada pelo individu-alismo defensivo, estratégias de fuga, crise deautoridade, níveis crescentes de sofrimentono trabalho;

· O segundo corresponde a tentar contrariar ainvasão da escola pelos problemas sociais quelhe são externos. O crescimento de processosde dualização social e de vulnerabilidade so-cial de massa confronta escolas e professorescom tarefas de carácter “assistencial”, o queprejudica a missão fundamental da escola e éfonte de perturbações da identidade pros-sional docente;

· O terceiro diz respeito à necessária superaçãodo paradoxo entre a autonomia e o controlo.Estudos comparados recentes, no espaçoeuropeu, vieram evidenciar a emergência denovas formas de regulação que privilegiam onível local e a autonomia das escolas, mas queé, paradoxalmente, concomitante com umreforço do controlo e a percepção, por partedos professores, de uma perda crescente dasua autonomia prossional.

Em Portugal, as razões de tão elevados níveis dedescontentamento e revolta dos professores radi-

cam, obviamente, na forma e no conteúdo das medi-das assumidas pela actual equipa do Ministério daEducação. Os professores sentem na pele a preca-riedade e o desemprego, vêem reduzidos os saláriosreais e aumentado o seu período de trabalho, vêemcortada, ou fortemente dicultada, a sua progressãona carreira por via da denição de uma nova estru-tura da carreira docente, são objecto de um kafkianoprocesso de avaliação do desempenho.A situação evoluiu num tal sentido que não é maispossível circunscrever o debate às suas dimensõestécnicas. O caso assume contornos sociais e políti-cos de uma acção muito injusta. Aos investigadoresem ciências da educação e formadores de professo-res deveria caber um papel importante no esclareci-mento da situação actual. Estranhamente, a maioriapor omissão (envergonhada ou prudente) ou poracção (precipitada) assume uma atitude venerandaperante o poder e estabelece juízos de valor (depre-ciativos) sobre os professores. Estes são encaradoscomo os “outros”, com quem não há manifestaçõesvisíveis de solidariedade. Por que será?

N

. Cf. . Presidência Portu-guesa do Conselho da União Europeia. Conferência“Desenvolvimento prossional de professores paraa qualidade e para a equidade da Aprendizagem aolongo da Vida”. Lisboa, - de Setembro de .

R C(Lisboa, Março de )

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A educação escolar é, actualmente, um campo deacção em constante mutação. Mudanças organiza-cionais, curriculares, extra-curriculares e outras, de-nidas no quadro de sucessivas reformas e políticaseducativas, exigem dos professores novos papéis enovas competências. O próprio quadro legislativo daformação inicial de professores, para responder àsnovas orientações impostas pela Declaração de Bo-lonha, foi profundamente alterado e os Centros deFormação Contínua, em função do novo quadro or-ganizativo, foram objecto de grandes reformulações.

Se é certo que esta realidade interpela todos osprofessores, também as instituições formadoras e,obviamente, os investigadores são chamados a con-tribuir para a busca de respostas a estes desaos.

A Formação de Professores continua a ser, jus-ticadamente, uma área importante da investigaçãoeducacional. É indubitável que muito se tem publi-cado neste domínio e que vamos conhecendo umpouco melhor o modo como os professores cons-troem o seu conhecimento prossional. No entanto, julgamos que para além do conhecimento de reali-dades locais e da conrmação de quadros teóricosque têm orientado a investigação, esta é ainda muitodependente das grandes temáticas que se desenvol-vem a partir dos anos .

A aposta na qualidade da formação de profes-sores continua a ser um objectivo central a atingir,quer ao nível político, quer da investigação e dasinstituições formadoras, quer ainda ao nível dasescolas e dos agrupamentos. Por isso, a questão dacompetência docente, no quadro de um processo

de desenvolvimento prossional responsável e com-prometido, é crucial para a melhoria da qualidadeda educação e também da motivação e da realizaçãoprossional dos docentes.

Pensar a formação e a prossionalidade docentelevanta-nos hoje em dia um conjunto vasto de in-terrogações, que vão muito para além dos lugarescomuns e dos grandes chavões da formação. Elasnão podem deixar de passar pelos problemas dodesenvolvimento e da identidade prossional dosprofessores, pela claricação do próprio conceitode competências e de competência, pela diferentenatureza das competências requeridas pelo desem-penho das suas funções na escola, com especial rele-vo para competências geralmente menos abordadasna investigação e na formação, como as relacionais,éticas e estéticas.

Neste número da revistaSísifo, cuja temática eleitaé a da Formação de Professores, trazemos um con- junto de artigos, com os quais pensamos contribuirpara o aprofundamento destas questões. Preten-demos com estes textos proporcionar aos leitoresacesso a alguns dos estudos realizados neste âmbitopor investigadores da Faculdade de Psicologia e deCiências da Educação. Porque investigação é aber-tura ao mundo e aos outros, quisemos trazer tam-bém o contributo de outros investigadores.

Assim, no primeiro texto, Carlos Marcelo apre-senta-nos uma visão geral e actualizada do desenvol-vimento prossional e da construção da identidadeprossional, articulando a vertente mais pessoal

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Nota de apresentaçãoFormação de Professores

M T EI F

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com a colectiva, que envolve as experiências vividasem contexto laboral, com carácter formal e informal.Nesta última vertente, o autor dá especial ênfase àarticulação do desenvolvimento prossional dosprofessores com o desenvolvimento organizacionaldas escolas.

No segundo texto, José Alberto Gonçalves ana-lisa, em particular, o conceito de carreira docentecomo um percurso relacional e contextualmenteconstruído. Detém-se depois na formação inicial e,a partir de dois estudos realizados sob sua orienta-ção na Universidade do Algarve, caracteriza práticasde supervisão de alguns formadores relacionando-as com a fase da carreira em que se encontram.

Manuela Esteves, no texto seguinte, analisa de-talhadamente a polissemia do conceito de compe-tência, em diferentes campos cientícos e dentro domesmo campo, para concluir sobre a necessidadeda construção de uma acepção especíca de com-petência em educação e formação de professores.Discute a seguir a construção e o desenvolvimentodas competências dos professores em programasportugueses actuais de formação de professores,destacando a importância dos modelos e das estra-tégias relativamente à importância da estrutura.

O texto de Ana Paula Caetano e Lurdes Silvaaborda a questão da ética prossional na docência,apresentando os resultados da primeira etapa deuma investigação realizada no âmbito do projecto“Pensamento e formação ético-deontológicos deprofessores”, nanciado pela FCT. A partir da aná-lise de conteúdo de entrevistas semi-directivas fei-tas a professores de diferentes níveis de ensino, asautoras caracterizam as concepções éticas, pessoaise prossionais dos professores e a sua atitude face àeventual existência de um código deontológico do-cente, e perspectivam algumas estratégias de forma-ção ética desejadas pelos professores.

No quinto texto deste dossier temático, AnaMargarida Veiga Simão e outros, apresentam oprojecto “Formação de Professores em ContextosColaborativos”. Este projecto constitui uma parce-ria entre investigadores da Universidade de Lisboa(FPCE), da Universidade do Minho e da Univer-sidade Nova de Lisboa e nele participam, com osseus projectos de doutoramento, dez doutorandasde cursos destas universidades. É um projecto quetem como grandes linhas orientadoras, por um lado,

a da formação de professores em contexto laboral,por outro, a da formação através da investigação-acção em contextos colaborativos.

Porque a formação de professores tem comoreferente necessário os alunos, realidade que osescritos sobre a formação muitas vezes colocam en-tre parêntesis, os dois textos seguintes abordam oproblema da formação relacional dos professores,partindo de investigações realizadas sobre compor-tamentos relacionais dos alunos. O primeiro, da au-toria de João Amado e outros, partem de duas inves-tigações centradas na afectividade na relação peda-gógica, a partir das perspectivas de alunos. Combi-nando análises de natureza qualitativa e quantitativae cruzando-as com a revisão da literatura do tema,os autores discutem os resultados destas investiga-ções e retiram algumas implicações para a formaçãode professores.

O texto de José Espírito Santo traz-nos os resul-tados de dois conjuntos de estudos realizados a par-tir de duas abordagens diferentes à problemática daindisciplina, uma inspirada pela corrente de organi-zação da sala de aula (classroom management ), outraassente na criação de dispositivos que promovam oenvolvimento do aluno na construção da disciplina.Das experiências formativas realizadas e do estudodos processos e dos resultados, o autor tece consi-derações acerca da formação de professores nestedomínio.

O conjunto dos textos “fecha” com um artigode Sara Bahia, no qual a autora foca uma outra di-mensão que se apresenta como central no traba-lho dos professores e que Bahia equaciona comocrítica e a exigir reexão na formação de professo-res – a generalidade e a especicidade do conhe-cimento veiculado e o modo como os professoresem formação dele se apropriam. O texto argumen-tativo, parte de um estudo de inquérito realizadocom professores de humanidades e de artes quefrequentaram o Curso de Prossionalização emServiço da FPCE-UL.

O dossier completa-se, ainda, com o texto daconferência “Formação e supervisão de professo-res: uma nova abrangência”, proferida por IsabelAlarcão, Professora Catedrática aposentada da Uni-versidade de Aveiro, no dia de Maio de , in-tegrada num Ciclo de Conferências organizado pelaUnidade de Investigação e Desenvolvimento de Ci-

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ências da Educação e que se realizou na FPCE-UL.A autora alarga o conceito de supervisão à formaçãocontínua, situa-o na escola e liga-o ao próprio con-ceito de desenvolvimento organizacional.

Finalmente, na rubrica recensões, ManuelaEsteves apresenta a obraHandbook of research onteacher education. Enduring questions in changingcontexts ( ).

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R :Entende-se o desenvolvimento prossional dos professores como um processo individual ecolectivo que se deve concretizar no local de trabalho do docente: a escola; e que contribuipara o desenvolvimento das suas competências prossionais, através de experiências deíndole diferente, tanto formais como informais. O conceito de desenvolvimento prossio-nal tem vindo a modicar-se durante a última década, sendo essa mudança motivada pelaevolução da compreensão de como se produzem os processos de aprender a ensinar. Nosúltimos tempos, tem-se vindo a considerar o desenvolvimento prossional como um pro-cesso a longo prazo, no qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências,planicadas sistematicamente para promover o crescimento e desenvolvimento do docente.

Deve entender-se o desenvolvimento prossional dos professores enquadrando-o naprocura da identidade prossional, na forma como os professores se denem a si mesmose aos outros. É uma construção doeu prossional, que evolui ao longo das suas carreiras.Que pode ser inuenciado pela escola, pelas reformas e contextos políticos, e que integrao compromisso pessoal, a disponibilidade para aprender a ensinar, as crenças, os valo-res, o conhecimento sobre as matérias que ensinam e como as ensinam, as experiênciaspassadas, assim como a própria vulnerabilidade prossional. As identidades prossionaisconguram um complexo emaranhado de histórias, conhecimentos, processos e rituais.

P - :Desenvolvimento prossional, Identidade prossional, Aprender a ensinar, Formação deProfessores.

/ · .º · /

Desenvolvimento Prossional Docente:passado e futuro

C [email protected] de Sevilha (Espanha)

Marcelo, Carlos ( ). Desenvolvimento Prossional Docente: passado e futuro.Sísifo. Revista deCiências da Educação, , pp. -Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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A formação de professores ainda tem a honra de ser,simultaneamente, o pior problema e a melhor solu-ção em educação.

M F ,

INTRODUÇÃO

Quando falo ou escrevo sobre desenvolvimentoprossional docente tenho sempre o hábito de refe-rir a obra de Linda Darling-Hammond, “O Direitode Aprender” (Darling-Hammond, ). E faço-oporque entendo que é necessário recordar que asescolas foram criadas com o intuito de transformaras mentes dos alunos em mentes educadas e que,hoje em dia, para que esse direito se continue a res-peitar, exige-se dos professores um esforço redobra-do de conança, compromisso e motivação (Marce-lo, ).

Muito se tem escrito sobre a inuência que as ac-tuais mudanças sociais estão a ter na sociedade pro-priamente dita, na educação, nas escolas e no traba-lho dos professores. Sempre soubemos que a pro-ssão docente é uma “prossão do conhecimento”.O conhecimento, o saber, tem sido o elemento legi-timador da prossão docente e a justicação do tra-balho docente tem-se baseado no compromisso emtransformar esse conhecimento em aprendizagensrelevantes para os alunos. Para que este compromis-so se renove, sempre foi necessário, e hoje em dia éimprescindível, que os professores — da mesma ma-neira que é assumido por muitas outras prossões

— se convençam da necessidade de ampliar, apro-fundar, melhorar a sua competência prossional epessoal. Zabalza ( ) armava que convertemos“a agradável experiência de aprender algo de novocada dia, num princípio de sobrevivência incontor-nável” (p. ). Sendo assim, para os docentes, serprofessor no século XXI pressupõe o assumir que oconhecimento e os alunos (as matérias-primas comque trabalham) se transformam a uma velocidademaior à que estávamos habituados e que, para secontinuar a dar uma resposta adequada ao direitode aprender dos alunos, teremos de fazer um esfor-ço redobrado para continuar a aprender.

Relatórios internacionais recentes têm centradoa sua investigação e destacado a importância do pa-pel dos professores nas possibilidades de aprendi-zagem dos alunos. Vai neste sentido o título do rela-tório recentemente publicado pela OCDE:Teachersmatter: attracting, developing and retaining effecti-ve teachers (OCDE, ). No título diz-se que osprofessores contam, ou seja, têm que ser tomadosem consideração na melhoria da qualidade do en-sino que os alunos recebem. Neste relatório arma--se que: “Actualmente existe um considerável volu-me de investigação que indica que a qualidade dosprofessores e a forma como ensinam é o factor maisimportante para explicar os resultados dos alunos.Também existem evidências consideráveis de queos professores variam na sua ecácia. As diferençasnos resultados dos alunos são, por vezes, maioresdentro de uma mesma escola do que entre escolas.O ensino é um trabalho exigente e não é qualquer

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pessoa que consegue ser um professor ecaz e man-ter essa ecácia ao longo do tempo” (p. ). Esterelatório é reexo da preocupação, a nível interna-cional, com os professores: como fazer com que adocência seja uma prossão atractiva, como conser-var no ensino os melhores professores e como con-seguir que os professores continuem a aprender aolongo das suas carreiras.

Mais recentemente, no âmbito da II Reunião In-tergovernamental do Projecto Regional de Educa-ção para a América Latina e Caribe, que se celebrouem Buenos Aires nos dias e de Março de ,apresentou-se um documento de discussão sobrepolíticas educativas, no qual se armava que “os do-centes são actores fundamentais para assegurar o di-reito à educação das populações e contribuir para amelhoria das políticas educativas da região” (p. ).

Em paralelo com o estudo da OCDE, a prestigia-da Associação Americana de Investigação Educacio-nal (AERA) tornou público o relatório que tenta re-sumir os resultados da investigação que se tem feitoem Formação de Professores, bem como propor po-líticas educativas que tenham em conta esses resul-tados. Arma-se que: “em todas as nações existe umconsenso emergente de que os professores inuemde maneira signicativa na aprendizagem dos alunose na ecácia da escola” (Cochran-Smith & Fries,

, p. ). Na mesma linha, Darling-Hammond( ) armava que a aprendizagem dos alunos “de-pende principalmente daquilo que os professoressabem e do que podem fazer”.

Deste modo, centramos o tema deste artigo numaspecto fundamental das discussões sobre a pros-são docente: os processos usados pelos professoresnas suas aprendizagens, processos esses que de-senvolvem e melhoram o seu reportório de compe-tências. É importante relembrar que não partimosdo zero, o desenvolvimento prossional docente ea análise dos processos do aprender a ensinar têmsido uma preocupação constante dos investigadoreseducacionais nas últimas décadas. Têm sido feitascentenas de investigações e dezenas de revisões como intuito de compreender estes processos. Tantoa terceira (Wittrock, ) como a quarta edição(Richardson, ) doHandbook of Research onTeaching , integram capítulos de revisão e sínteseacerca dos professores, da sua formação e evolução.Estas obras, bem como artigos de revisão recentes,

publicados em revistas especializadas (como os deCochran-Smith & Zeichner, ; Feiman-Nemser,

; Putnam & Borko, ; Wideenet al. ;Wilson & Berne; Zeichner, ) permitem-noscongurar um panorama bastante actualizado noque diz respeito ao conhecimento acumulado sobreo processo de aprender a ensinar, tanto nos seus as-pectos consensuais como nos mais discutíveis. Par-tindo destas revisões, já bastante amplas, podemosfazer o ponto de situação e estabelecer um corpo deconhecimento acumulado suciente para começara dar uma resposta à pergunta: Como se aprende aensinar?

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONALDOCENTE: A QUE NOS REFERIMOS?

Neste artigo optamos pelo conceito de desenvolvi-mento prossional de professores. No nosso con-texto podemos fazer referência a outras noções: for-mação permanente, formação contínua, formaçãoem serviço, desenvolvimento de recursos humanos,aprendizagem ao longo da vida, cursos de recicla-gem ou capacitação (Bolam & McMahon, ; Te-rigi, ). No entanto, pensamos que a denomina-ção desenvolvimento prossional se adequa melhorà concepção do professor enquanto prossional doensino. Por outro lado, o conceito “desenvolvimen-to” tem uma conotação de evolução e continuidadeque, em nosso entender, supera a tradicional justa-posição entre formação inicial e formação contínuados professores

Rudduck referia-se ao desenvolvimento pros-sional do professor como “a capacidade do profes-sor em manter a curiosidade acerca da sua turma;identicar interesses signicativos nos processos deensino e aprendizagem; valorizar e procurar o diálo-go com colegas experientes como apoio na análisede situações” (Rudduck, , p. ). Deste pon-to de vista, o desenvolvimento prossional docentepode ser entendido como uma atitude permanentede indagação, de formulação de questões e procurade soluções.

De seguida apresentamos algumas das maisrecentes denições do conceitodesenvolvimento prossional de professores, formuladas por autoresde relevo:

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· “O desenvolvimento prossional dos profes-sores vai para além de uma etapa meramenteinformativa; implica adaptação à mudançacom o m de modicar as actividades deensino-aprendizagem, alterar as atitudes dosprofessores e melhorar os resultados escola-res dos alunos. O desenvolvimento prossio-nal de professores preocupa-se com as neces-sidades individuais, prossionais e organiza-tivas” (Heideman, , p. );

· “O desenvolvimento prossional de profes-sores constitui-se com uma área ampla aoincluir qualquer actividade ou processo quetenta melhorar destrezas, atitudes, compre-ensão ou actuação em papéis actuais ou futu-ros” (Fullan, , p. );

· “Dene-se como todo aquele processo quemelhora o conhecimento, destrezas ou ati-tudes dos professores” (Sparks & Loucks--Horsley, , pp. - );

· “Implica a melhoria da capacidade de con-trolo sobre as próprias condições de traba-lho, uma progressão de status prossional ena carreira docente” (Oldroyd & Hall, ,p. );

· “O desenvolvimento prossional docente in-clui todas as experiências de aprendizagemnatural e aquelas que, planicadas e cons-cientes, tentam, directa ou indirectamente,beneciar os indivíduos, grupos ou escolase que contribuem para a melhoria da quali-dade da educação nas salas de aula. É o pro-cesso mediante o qual os professores, sós ouacompanhados, revêem, renovam e desen-volvem o seu compromisso como agentesde mudança, com os propósitos morais doensino e adquirem e desenvolvem conheci-mentos, competências e inteligência emocio-nal, essenciais ao pensamento prossional, àplanicação e à prática com as crianças, comos jovens e com os seus colegas, ao longo decada uma das etapas das suas vidas enquantodocentes” (Day, , p. );

· “Oportunidades de trabalho que promovamnos educadores capacidades criativas e re-exivas, que lhes permitam melhorar as suaspráticas” (Bredeson, , p. );

· “O desenvolvimento prossional docente é

o crescimento prossional que o professoradquire como resultado da sua experiência eda análise sistemática da sua própria prática”(Villegas-Reimers, ).

Como podemos vericar, as denições, tanto asmais recentes como as mais antigas, entendem odesenvolvimento prossional docente como um processo, que pode ser individual ou colectivo, masque se deve contextualizar no local de trabalho dodocente — a escola — e que contribui para o de-senvolvimento das suas competências prossionaisatravés de experiências de diferente índole, tantoformais como informais.

O conceito de desenvolvimento prossional do-cente tem vindo a modicar-se na última década,motivado pela evolução da compreensão de comose produzem os processos de aprender a ensinar.Na revisão da investigação que se tem feito em tornodo desenvolvimento prossional docente, Villegas--Reimers ( ) mostra que nos últimos tempos setem vindo a considerar que este é um processo alongo prazo, que integra diferentes tipos de opor-tunidades e de experiências, planicadas sistema-ticamente, de forma a promover o crescimento edesenvolvimento prossional dos professores. As-sim sendo, está a emergir uma nova perspectiva queentende o desenvolvimento prossional docentecomo tendo as seguintes características:

. Baseia-se no construtivismo, e não nos mo-delos transmissivos, entendendo que o pro-fessor é um sujeito que aprende de forma ac-tiva ao estar implicado em tarefas concretasde ensino, avaliação, observação e reexão;

. Entende-se como sendo um processo a lon-go prazo, que reconhece que os professoresaprendem ao longo do tempo. Assim sendo,considera-se que as experiências são maisecazes se permitirem que os professores re-lacionem as novas experiências com os seusconhecimentos prévios. Para isso, é necessá-rio que se faça um seguimento adequado, in-dispensável para que a mudança se produza.

. Assume-se como um processo que tem lugarem contextos concretos. Ao contrário daspráticas tradicionais de formação, que nãorelacionam as situações de formação com as

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práticas em sala de aula, as experiências maisecazes para o desenvolvimento prossionaldocente são aquelas que se baseiam na escolae que se relacionam com as actividades diá-rias realizadas pelos professores;

. O desenvolvimento prossional docente estádirectamente relacionado com os processosde reforma da escola, na medida em que esteé entendido como um processo que tendea reconstruir a cultura escolar e no qual seimplicam os professores enquanto prossio-nais;

. O professor é visto como um prático reexi-vo, alguém que é detentor de conhecimentoprévio quando acede à prossão e que vaiadquirindo mais conhecimentos a partirde uma reexão acerca da sua experiência.Assim sendo, as actividades de desenvolvi-mento prossional consistem em ajudar osprofessores a construir novas teorias e novaspráticas pedagógicas;

. O desenvolvimento prossional é concebidocomo um processo colaborativo, ainda quese assuma que possa existir espaço para otrabalho isolado e para a reexão;

. O desenvolvimento prossional pode adop-tar diferentes formas em diferentes contextos.Por isso mesmo, não existe um e só um mo-delo de desenvolvimento prossional que sejaecaz e aplicável em todas as escolas. As esco-las e docentes devem avaliar as suas própriasnecessidades, crenças e práticas culturais paradecidirem qual o modelo de desenvolvimentoprossional que lhes parece mais benéco.

Na mesma linha, Sparks e Hirsh ( ) identica-ram algumas das mudanças que se tinham vindo aproduzir no desenvolvimento prossional docente:

· De um desenvolvimento prossional orien-tado para o desenvolvimento do indivíduo,para outro orientado para o desenvolvimentoda organização;

· De um desenvolvimento prossional frag-mentado e desconexo para um coerente eorientado por metas claras;

· De uma organização da formação a partir daadministração, para outra centrada na escola;

· De uma focagem centrada nas necessidadesdos adultos, para outra centrada nas necessi-dades de aprendizagem dos alunos;

· De uma formação desenvolvida fora da esco-la para formas múltiplas de desenvolvimentoprossional realizadas na escola;

· De uma orientação baseada na transmissãoaos docentes de conhecimentos e das com-petências feita por especialistas, ao estudodos processos de ensino e de aprendizagem,pelos professores;

· De um desenvolvimento prossional dirigi-do aos professores, como principais destina-tários, a um outro dirigido a todas as pessoasimplicadas no processo de aprendizagem dosalunos;

· De um desenvolvimento prossional dirigi-do ao professor, a título individual, à criaçãode comunidades de aprendizagem, em quetodos — professores, alunos, directores, fun-cionários — se consideram, simultaneamen-te, professores e alunos.

IDENTIDADE PROFISSIONALE PROFISSÃO DOCENTE

Dado que assumimos, claramente, o desenvolvi-mento prossional como um processo que se vaiconstruindo à medida que os docentes ganham ex-periência, sabedoria e consciência prossional, gos-taria agora de aprofundar o papel que a identidadeprossional joga no desenvolvimento prossional enos processos de mudança e melhoria da prossãodocente. Esta é uma reexão que considero neces-sária uma vez que é através da nossa identidade quenos percebemos, nos vemos e queremos que nosvejam. A identidade prossional é a forma como osprofessores se denem a si mesmos e aos outros. Éuma construção do seueu prossional, que evoluiao longo da sua carreira docente e que pode ser in-uenciada pela escola, pelas reformas e contextospolíticos, que “integra o compromisso pessoal, adisponibilidade para aprender a ensinar, as crenças,os valores, o conhecimento sobre as matérias queensinam e como as ensinam, as experiências pas-sadas, assim como a própria vulnerabilidade pro-ssional”. As identidades prossionais conguram

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um “complexo emaranhado de histórias, conheci-mentos, processos e rituais” (Lasky, ).

Temos que considerar identidade docente comouma realidade que evolui e se desenvolve de formaindividual e colectiva. A identidade não é algo quese possui, mas sim algo que se desenvolve ao longoda vida. A identidade não é um atributo xo de de-terminada pessoa, mas sim um fenómeno relacional.O desenvolvimento da identidade ocorre no terrenodo intersubjectivo e caracteriza-se como sendo umprocesso evolutivo, um processo de interpretação desi mesmo enquanto indivíduo enquadrado em deter-minado contexto. Sendo assim,identidade pode serentendida como resposta à pergunta: “Quem sou eu,neste momento?” (Beijaardet al ., ).

Os autores supracitados, através de uma revisãodas investigações recentes, deniram as seguintescaracterísticas:

. A identidade prossional é um processo evo-lutivo de interpretação e reinterpretação deexperiências. Uma perspectiva que assumea ideia que o desenvolvimento prossionaldos professores nunca pára, constituindo-secomo uma aprendizagem ao longo da vida.Assim sendo, a formação da identidade pro-ssional não se constrói respondendo à per-gunta: “Quem sou eu, neste momento? Massim em resposta à pergunta: “Quem é que euquero ser?”

. A identidade prossional depende tanto dapessoa como do contexto. A identidade pro-ssional não é única. Espera-se que os pro-fessores se comportem de uma maneira pro-ssional, mas não porque adoptam caracte-rísticas prossionais prescritas (conhecimen-tos e atitudes). Os professores distinguem-seentre si em função da importância que dãoas essas características, desenvolvendo umaresposta própria ao contexto.

. A identidade prossional docente compõe--se de sub-identidades mais ou menos inter-relacionadas. Estas sub -identidades têm a vercom os diferentes contextos em que os pro-fessores se movem. É importante que estassub-identidades não entrem em conito. Oconito aparece, por exemplo, quando sur-gem mudanças educativas ou nas condições

de trabalho. Quanto mais importante umasub-identidade é, mais difícil é modicá-la.

. A existência de uma identidade prossionalcontribui para a percepção de auto-ecácia,motivação, compromisso e satisfação no tra-balho do professor e é um factor importantepara que este se converta num bom profes-sor. A identidade é inuenciada por aspectospessoais, sociais e cognitivos.

Neste momento, o conceito de identidade pros-sional docente está sujeito a uma revisão. Do pon-to de vista de Bolívar, “as mutações das últimasdécadas geraram ambiguidades e contradições nasituação prossional dos professores. A crise daidentidade prossional docente deve ser entendi-da no quadro de um certo desmoronamento dosprincípios da modernidade, que davam sentido aosistema escolar” ( , p. ).

Estas mudanças não têm só a ver com a própriaprossão docente, mas também com “um quadromais geral de transformações sociais, que tem esba-tido os espaços tradicionais de identicação sexual,religiosa, familiar ou laboral” (Bolívar, , p. ).Transformações essas em que o local e o global, aestabilidade e a mudança, estão a assumir um pa-pel desestabilizador, quando comparamos com ascertezas que as nossas sociedades tinham noutrasépocas. As mudanças e as novas realidades, referi-das por Bolívar, requerem que se observem as reper-cussões que estão a ter nos professores.

Qualquer discussão sobre o desenvolvimentoprossional deve tomar em consideração o signi-cado do que é ser um prossional e qual o grau deautonomia destes prossionais no exercício do seutrabalho. Nos últimos anos temos assistido a umasituação de stress e desmotivação entre os docentes.Em muitos países existem altos níveis de deserçãoe muita diculdade em recrutar novos docentes,vericando-se situações de erosão da prossão, di-minuição do status, interferências externas, aumen-to da carga de trabalho (Bolam & McMahon, ).

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O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONALE O PROCESSO DESE TORNAR PROFESSOR

Ser um bom professor pressupõe um longo pro-cesso. Os candidatos que chegam às instituições deformação inicial de professores não são recipientesvazios. Nas suas investigações, Lortie ( ) armaque as milhares de horas de observação enquantoestudantes contribuem para a conguração de umsistema de crenças acerca do ensino, por parte dosaspirantes a professores, e, por outro lado, ajuda--os a interpretar as suas experiências na formação.Por vezes, estas crenças estão tão enraizadas que aformação inicial é incapaz de provocar uma trans-formação profunda nessas mesmas crenças (Pajares,

; Richardson & Placier, ).A formação inicial tem sido sujeita a múltiplas

investigações e estudos (Cochran-Smith & Fries,). De uma maneira geral, nota-se uma grande

insatisfação, tanto por parte das instâncias políti-cas como da classe docente em exercício, acerca dacapacidade de resposta das actuais instituições deformação às necessidades da prossão docente. Ascríticas que as consideram como tendo uma organi-zação burocratizada, em que se assiste a um divórcioentre a teoria e a prática, uma excessiva fragmenta-ção do conhecimento ensinado, um vínculo ténuecom as escolas, estão a fazer com que algumas vozesproponham a redução temporal da formação iniciale o incremento da atenção dada ao período de in-serção prossional dos professores. Neste sentidovão as conclusões do relatório da OCDE, a que jázemos referência, que arma, em concreto, que:“As etapas da formação inicial, inserção e desenvol-vimento prossional deveriam estar muito mais in-terrelacionadas, de forma a criar aprendizagens co-erentes e um sistema de desenvolvimento da pros-são docente… O assumir a perspectiva de aprendi-zagem ao longo da vida obriga a maioria dos paísesa darem um maior apoio aos seus professores nosprimeiros anos de ensino e a proporcionarem-lhesincentivos e recursos para um desenvolvimento pro-ssional contínuo. De uma maneira geral, seria maisadequado melhorar a inserção e o desenvolvimentoprossional dos professores ao longo da sua carrei-ra, em vez de aumentar a duração da formação ini-cial” (OCDE, , p. ).

Por contraponto, vale a pena recordar o excelen-te artigo escrito por David Berliner ( ), no qualeste refuta uma dúzia de críticas que habitualmen-te se fazem à formação inicial de professores (quepara ensinar basta saber as matérias, que ensinar éfácil, que os formadores de professores vivem numatorre de marm, que as disciplinas de metodologiae didáctica são dadas de forma supercial que noensino não há princípios gerais válidos, etc.). Doponto de vista do autor, são críticas não isentas eque reectem uma visão bastante limitada acercada contribuição da formação inicial para o desem-penho dos professores. Diz Berliner: “penso que setem dado pouca atenção ao desenvolvimento dosaspectos evolutivos do processo de aprender a en-sinar, desde a formação inicial, à inserção e à for-mação contínua” ( , p. ). Neste processo, aformação inicial joga um papel importante e não éde pouca importância ou substituível, como algunsgrupos ou instituições têm sugerido.

Os professores passam por diferentes etapas noseu processo de aprendizagem. Bransford, Darling--Hammond e LePage ( ) defendem que, paradar resposta às novas e complexas situações em quese encontram os docentes, é conveniente pensar nosprofessores como “peritos adaptativos”, ou seja,pessoas que estão preparadas para fazer aprendiza-gens ecientes ao longo da vida. Isto, porque as con-dições sociais estão em constante mudança e cadavez mais se pede às pessoas que saibam combinarcompetência com capacidade de inovação. Nestecontexto, as investigações que se têm realizado têmprocurado estabelecer diferenças entre os professo-res em função da idade, bem como desenvolver oconceito de perícia. Sendo assim, tem -se analisadoesta evolução, salvo em casos excepcionais, desdeo primeiro ano de experiência docente. Encontra-mos, igualmente, estudos que tentam compreendero processo de conversão em perito; assim comoinvestigações que analisam o que faz e quais as ca-racterísticas de um docente perito. Da análise destesestudos ressalta o contraste entre professores peri-tos e professores principiantes. É importante assina-lar que, quando falamos de professores peritos, es-tamos a falar não só de um professor com pelo me-nos anos de experiência, mas também de pessoascom “um elevado nível de conhecimento e destreza,coisas que não se adquirem de forma natural, mas

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adoptar a ideia de perícia adaptativa como padrãode desenvolvimento prossional.

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONALE PROCESSOS DE MUDANÇA NOSDOCENTES

Como já dissemos, desenvolvimento prossional eprocessos de mudança são variáveis intrinsecamen-te unidas. O desenvolvimento prossional procurapromover a mudança junto dos professores, paraque estes possam crescer enquanto prossionais— e também como pessoas. Muitas investigações setêm dedicado a tentar perceber como se dão estasmudanças e desenvolvimentos, no fundo, como seconstroem as aprendizagens. No estudo dos pro-cessos de mudança, dá-se um grande destaque aospreconceitos e crenças dos docentes. Na formaçãode professores tem-se dado uma especial atenção àanálise das crenças que os professores em formaçãotrazem quando iniciam o seu percurso prossional.Entende-se crenças como as proposições, premis-sas que as pessoas têm sobre aquilo que consideramverdadeiro. As crenças, ao contrário do conheci-mento proposicional, não necessitam da condiçãode verdade refutável e cumprem duas funções noprocesso de aprender a ensinar. Em primeiro lugar,as crenças inuenciam a forma como os professo-res aprendem e, em segundo lugar, inuenciam osprocessos de mudança que os professores possamencetar (Richardson, ).

A literatura resultante das investigações que setêm feito acerca do aprender a ensinar, identicoutrês categorias de experiências que inuem nascrenças e conhecimentos que os professores têmsobre o ensino:

· Experiências pessoais: incluem aspectos davida que conformam determinada visão domundo, crenças em relação a si próprio e aosoutros, ideias sobre a relação entre escola esociedade, bem como família e cultura. Aorigem socio-económica, étnica, de género,religião pode afectar as crenças sobre comose aprende a ensinar.

· Experiência baseada em conhecimento for-mal: o conhecimento formal, entendido como

aquele que é trabalhado na escola — as cren-ças sobre as matérias que se ensinam e comose devem ensinar.

· Experiência escolar e de sala de aula: incluitodas as experiências, vividas enquanto estu-dante, que contribuem para formar uma ideiasobre o que é ensinar e qual é o trabalho doprofessor.

Das descobertas mais divulgadas conta-se aque-la que arma que as crenças que os professores játrazem consigo, quando realizam actividades dedesenvolvimento prossional, afectam directamen-te a interpretação e valorização que os professoresfazem das suas experiências de formação de profes-sores. Esta modalidade deaprender a ensinar faz--se através daaprendizagem por observação (Lortie,

). Uma aprendizagem que, muitas vezes, não segera de forma intencional, mas que vai penetrando,de forma inconsciente, as estruturas cognitivas — eemocionais — dos futuros professores, chegando acriar expectativas e crenças difíceis de eliminar.

Ainda que, em muitas investigações, se costumeconfundir crenças de conhecimentos, estes são fenó-menos que se deveriam diferenciar. Muitas vezes, oconhecimento é descrito como estando baseado emevidências, dinâmico, sem inuências emocionais,internamente estruturado e que se desenvolve coma idade e a experiência. O conhecimento conceptu-al é usado para resolver problemas. A quantidade,organização e acessibilidade do conhecimento con-ceptual diferenciam os peritos dos principiantes.Pelo contrário, as crenças por vezes são descritascomo estáticas, vinculadas a emoções, organizadasem sistemas e sem apoio em evidências. As crençastêm funções afectivas e valorativas, actuando comoltro de informação que inuencia a forma como seusa, guarda e recupera o conhecimento. Por outrolado, também predizem condutas (Gess-Newsome,

, p. ).A investigação que se tem feito sobre os siste-

mas de crenças tem tido grande importância, por-que tem apontado explicações sobre o porquê demuitas acções de desenvolvimento prossional nãoterem um impacto real na mudança das práticas deensino e, menos ainda, na aprendizagem dos alu-nos. Portanto, se se quer facilitar o desenvolvimentoprossional dos docentes, devemos compreender

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o processo mediante o qual os professores crescemprossionalmente, bem como as condições que aju-dam e promovem esse crescimento.

O modelo que está implícito na maioria dos pro-gramas de desenvolvimento prossional pode serobservado nas etapas da gura seguinte. O desen-volvimento prossional pretende provocar mudan-ças nos conhecimentos e crenças dos professores.Por sua vez, a mudança nos conhecimentos e cren-ças provoca uma alteração das práticas docentes emsala de aula e, consequentemente, uma provável me-lhoria nos resultados da aprendizagem dos alunos.

No entanto, como demonstraram Guskey e Sparks( ), os processos não funcionam desta forma.Do ponto de vista destes autores, os professoresmudam as suas crenças, não como consequência dasua participação em actividades de desenvolvimen-to prossional, mas sim comprovando, na prática,da utilidade e exequibilidade dessas novas práticasque se querem desenvolver. A mudança de crenças éum processo lento, que se deve apoiar na percepçãode que os aspectos importantes do ensino não serãodistorcidos com a introdução de novas metodolo-gias ou procedimentos didácticos.

Mudançanos resultados

da aprendizagemdos alunos

Mudançanas condutasdas turmas

Mudança noconhecimento e

crenças

Formaçãode

professores

Mudançanas crenças e

atitudesdos professores

Mudançanos resultados

da aprendizagemdos alunos

Mudançade práticas

na sala de aula

Formaçãode

professores

,

Clarke e Hollinsworth têm criticado os modelosanteriores por serem lineares e não representarema complexidade dos processos de aprendizagemdos professores nos programas de desenvolvimentoprossional. Eles propõem um novo modelo não li-near, mas sim interrelacionado. Segundo este mode-lo, a mudança ocorre através da mediação dos pro-cessos de aplicação e reexão, em quatro âmbitos:

o domínio pessoal (conhecimentos, crenças e atitu-des do docente), o domínio das práticas de ensino,as consequências na aprendizagem dos alunos e odomínio externo. Estes autores defendem que o de-senvolvimento prossional se produz tanto pela re-exão dos docentes, como pela aplicação de novosprocedimentos (evidentemente que nem sempre areexão conduz a aprendizagens).

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OS CONTEÚDOS DODESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

Sobre o que versa o desenvolvimento prossionaldocente? Quais são as suas matérias e conteúdos?Esta é uma pergunta incontornável quando abor-damos a temática do desenvolvimento prossionaldocente. E, basicamente, esta pergunta leva a quecoloquemos outras: o que é que os professores co-nhecem e o que é que devem conhecer? Quais osconhecimentos relevantes para a docência e para oseu desenvolvimento prossional? Como é que esteconhecimento se adquire?

Cochran-Smith e Lytle ( ) diferenciaram estetipo de conhecimento — o conhecimento para o en-sino — tendo em consideração a origem, processoe papel dos professores no processo de produçãodesse mesmo conhecimento. Assim, estabeleceramdiferenças entre:

· Conhecimento para a prática: nesta primei-ra concepção entende-se que a relação entreconhecimento e prática é aquela na qual oconhecimento serve para organizar a práticae, desta forma, conhecer mais (conteúdos,

teorias educativas, estratégias instruccionais)conduz, de maneira mais ou menos directa,a uma prática mais ecaz. O conhecimentopara ensinar é um conhecimento formal, quederiva da investigação universitária, ou sejaaquele de que se fala quando os teóricos di-zem que o ensino gera um corpo de conhe-cimento distinto do conhecimento comum.Nesta perspectiva, a prática tem muito a vercom a aplicação do conhecimento formal àssituações práticas de ensino.

· Conhecimentona prática: a ênfase da inves-tigação sobre aprender a ensinar tem sido co-locada na procura do conhecimento na acção.Pensa-se que aquilo que os professores co-nhecem está implícito na prática, na reexãosobre a prática e na indagação e narrativa des-sa prática. Um pressuposto desta perspectivaresulta da convicção de que o ensino é umaactividade envolta em incerteza, espontânea,contextualizada e construída como respostaàs particularidades do dia-a-dia das escolase salas de aula. O conhecimento emerge daacção, das decisões e juízos que os professo-res tomam. Este é um conhecimento que se

Resultadosobtidos

Experimentaçãoprossional

Fontes externasde informaçãoou estímulo

Conhecimentos,crenças

e atitudes

- (

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adquire através da experiência e deliberação,sendo que os professores aprendem quandotêm a oportunidade de reectir sobre o quefazem.

· Conhecimentoda prática: esta última ten-dência está incluída na linha de investigaçãoqualitativa, mas próxima do movimento de-nominado “o professor como investigador”.Parte-se da ideia que em ensino não tem sen-tido distinguir entre conhecimento formal eprático, mas que o conhecimento é constru-ído de forma colectiva no interior de comu-

nidades locais, formadas por professores quetrabalham em projectos de desenvolvimentoda escola, de formação ou de indagação cola-borativa (Cochran-Smith & Lytle, ).

Um dos contributos que continua a ser utilizadopara compreender o conhecimento dos professoresé o de Grossman ( ). Morine-Dershimer e Kent( ) alteram o modelo proposto por Grossman,incorporando as descobertas de investigações maisrecentes. No seu modelo, o conhecimento dos pro-fessores inclui os seguintes elementos:

( -

Conhecimentodidáctico

do conteúdo

Conhecimentode contextosespecícos

Conhecimentosde contextos

educativos gerais

Conhecimentodo currículo

Conhecimentodo conteúdo

Procedimentos deavaliação de resultados

Fins educativos,propósitos e valores

Conhecimentopedagógico

Conhecimentosobre os alunos e sua

aprendizagem

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Em primeiro lugar, destaca-se a necessidade de queos professores possuam um conhecimento pedagó-gico geral, relacionado com o ensino, com os seusprincípios gerais, com a aprendizagem e com os alu-nos, assim como com o tempo académico de apren-dizagem, o tempo de espera, o ensino em pequenosgrupos, a gestão da turma, etc. Inclui, também, oconhecimento sobre técnicas didácticas, estruturasdas turmas, planicação do ensino, teorias do de-senvolvimento humano, processos de planicaçãocurricular, avaliação, cultura social e inuências docontexto no ensino, história e losoa da educação,aspectos legais da educação, etc.

Para além de conhecimento pedagógico, os pro-fessores têm que possuir conhecimento sobre asmatérias que ensinam. Conhecer e controlar comuidez a disciplina que ensinamos, é algo incontor-nável no ofício docente. A este respeito, Buchmanndiz que “conhecer algo permite-nos ensiná-lo; co-nhecer um conteúdo em profundidade signicaque, de uma maneira geral, se está mentalmente or-ganizado e bem preparado para ensiná-lo” ( , p. ). Quando o formador não possui conhecimentosadequados acerca da estrutura da disciplina queestá a ensinar, pode representar o conteúdo aos seusalunos de forma errónea. O conhecimento que osformadores possuem do conteúdo a ensinar tam-bém inuenciao quê ecomo o ensinam.

O Conhecimento Didáctico do Conteúdo apa-rece como um dos elementos centrais do saber doformador. Representa a combinação adequada en-tre o conhecimento da matéria a ensinar e o cor-respondente conhecimento pedagógico e didáctico

necessário para o fazer. Nos últimos anos, tem-setrabalhado em diferentes contextos educativos como intuito de claricar quais os elementos deste tipode conhecimento prossional do ensino. Como li-nha de investigação, o Conhecimento Didáctico doConteúdo representa a conuência de esforços deinvestigadores do ramo da didáctica com investiga-dores de matérias especícas preocupados com aformação de professores. O Conhecimento Didácti-co do Conteúdo leva-nos a um debate sobre a formade organização e de representação do conhecimen-to, utilizando analogias e metáforas. Coloca a neces-sidade de que os professores que se encontram emformação adquiram um conhecimento próprio deum perito do conteúdo a ensinar, para que possamdesenvolver um ensino propício à sua compreensãopor parte dos alunos.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento prossional docente é um campode conhecimento muito amplo e diverso, do qual ten-támos mostrar algumas das suas ideias gerais. Apro-fundar requer uma análise mais pormenorizada dosdiferentes processos e conteúdos que levam os do-centes a aprender a ensinar. E não existe apenas umaresposta a esta questão. Mas, seja qual for a orienta-ção que se adopte, é necessário que se compreendaque a prossão docente e o seu desenvolvimentoconstituem um elemento fundamental e crucial paraassegurar a qualidade da aprendizagem dos alunos.

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R :O presente artigo toma como ideia central e ponto de partida o conceito de que a carreiraprossional docente é um percurso relacional e contextualmente vivenciado e construído,em que a pessoa-professor se vai diacronicamente desenvolvendo, segundo um conjuntode etapas ou fases com características próprias, em espaços e tempos diferenciados e comnecessidades especícas de formação.

No processo contínuo de “tornar-se professor”, cada docente, face aos desaos e exi-gências da sociedade, da escola, dos alunos, das famílias e das comunidades, assume múl-tiplas funções. Entre estas estão as de construtor e de gestor do currículo e as de formador,designadamente como supervisor das práticas pedagógicas dos cursos de formação ini-cial, cujo desempenho depende e traduz a pessoa e o professor que cada docente é, peloque, para as investigarmos e melhor compreender, não podemos deixar de as situar nomomento da carreira em que o mesmo se encontra, com as suas características e necessi-dades especícas.

P - :Etapas da carreira, Formação de Professores, Currículo, Supervisão.

/ · .º · /

Desenvolvimento prossional e carreira docente —Fases da carreira, currículo e supervisão

J A G [email protected] do Algarve

Gonçalves, José Alberto ( ). Desenvolvimento prossional e carreira docente — Fases da carreira,currículo e supervisão.Sísifo. Revista de Ciências da Educação, , pp. -Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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INTRODUÇÃO

É hoje inquestionável que a formação ao longo davida é uma resposta necessária aos permanentesdesaos da inovação e da mudança e, simultanea-mente, condição de promoção do desenvolvimentopessoal e prossional dos professores.

Importa, assim, que nos preocupemos em compre-ender como os docentes se vão “tornando professores”ao longo da sua carreira, para, deste modo, se encontra-rem as respostas formativas mais adequadas às caracte-rísticas especícas de cada momento da sua condiçãode pessoas-prossionais, tendo presentes, ao mesmotempo, as diferentes conjunturas sócio-educativas.

Esta foi uma preocupação que sempre marcou aminha actividade tanto na formação de professorescomo na investigação, designadamente nos estudosque constituíram a minha dissertação de Mestrado(Gonçalves, ) e a minha tese de Doutoramento(Gonçalves, ) e ainda em dissertações e tesesque tenho vindo a orientar, cujas linhas de investiga-ção se têm centrado quer em dimensões especícasda acção docente quer em campos da formação ini-cial de educadores e professores.

No presente artigo, tomando como ponto departida o “itinerário-tipo” da carreira que delineeie considerando dois campos correlativos da forma-ção — o currículo e a supervisão —, integrarei numareexão mais global alguns dos resultados obtidosem duas dissertações de Mestrado que orientei(Gaspar, ; Severino, ), após o respectivoenquadramento conceptual.

A CARREIRA DOCENTE COMOPERCURSO DE DESENVOLVIMENTOE FORMAÇÃO

A carreira docente congura-se como um processode formação permanente e de desenvolvimento pes-soal e prossional do adulto-professor, que compre-ende não apenas os conhecimentos e competênciasque o mesmo constrói na formação, mas também apessoa que ele é, com todas as suas crenças, idiossin-crasias e história de vida, e o contexto em que exercea actividade docente (Hargreaves & Fullan, ).

Assim sendo, necessário se torna compatibilizar odesenvolvimento do professor com o desenvolvimen-to organizacional da escola, processo que, segundoDay ( ), deve atender a seis princípios: i) o desen-volvimento do docente é contínuo, realizando-se aolongo de toda a vida; ii) deve ser auto-gerido, sendocontudo da responsabilidade conjunta do professor eda escola; iii) deve ser apoiado e dispor dos recursosmateriais e humanos necessários à sua concretização;iv) deve responder aos interesses do professor e daescola, embora nem sempre em simultâneo; v) devecongurar-se como um processo credível; e vi) deveser diferenciado, de acordo com as necessidades dosprofessores, designadamente as especícas da suaetapa de desenvolvimento prossional.

A maneira de ser professor varia, pois, ao longoda carreira, congurando um processo evolutivoem que é possível identicar momentos especícos,marcados por diferenças de atitude, de sentimentose de empenhamento na prática educativa, resultantes

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real”, e o entusiasmo da “descoberta” de um mundoprossional ainda algo idealizado, que se abre às pro-fessoras que estão a iniciar a sua carreira.

Aquelas para quem o primeiro aspecto se consti-tui como determinante, o início do percurso pros-sional pauta-se por uma luta pessoal entre a vontadede se armar e o desejo de abandonar a prossão,onde pesam, de acordo com as suas palavras, a “fal-ta de preparação”, real ou suposta, para o exercícioda docência, as “condições difíceis de trabalho” e o“não saber como fazer-se aceitar como professora”,fruto da inexperiência.

Quando o “traço” determinante é o entusiasmoda “descoberta”, a entrada na carreira é vivida “semdiculdades”, dada a convicção ou o sentimento dese “sentirem preparadas”, ainda que essa “facilida-de” inicial — tal como algumas rememoraram —não seja mais que aparente ou ilusória.

F : EA segunda etapa, que oscilará entre os e os anosdo percurso prossional, podendo prolongar-se,em alguns casos, até cerca dos anos, caracteriza--se por um assumir de conança, a que não sãoalheios a tomada de consciência de que se “é capaz”de gerir o processo de ensino-aprendizagem, a sa-tisfação pelo trabalho desenvolvido e um gosto peloensino, por vezes até então não pressentido.

É uma fase de “acalmia”, relativamente uniformepara todas as professoras, quer o “início” tenha sido“fácil” ou problemático.

F : DDe cerca dos aos anos de serviço, o “desequilí-brio” torna-se dominante, divergindo a carreira dasentrevistadas, por referência à fase anterior, pela po-sitiva ou pela negativa, independentemente do sen-tido do início do seu percurso prossional.

É esta “divergência” que leva umas a continua-rem a investir, de forma empenhada e entusiástica,na carreira, procurando uma cada vez maior valo-rização prossional, enquanto outras, pelo contrá-rio, se alheiam, alegando “cansaço” e “saturação”,deixando-se, mesmo, cair na rotina.

F : SA quarta fase situa-se entre os e os anos da car-reira, caracterizando-se, tal como a sua designação

expressa, por uma “acalmia” distendida, fruto nãopropriamente de uma quebra no entusiasmo pros-sional da etapa anterior, mas, sobretudo, por um “dis-tanciamento afectivo” e por uma capacidade de ree-xão e ponderação, determinadas tanto por um proces-so de “reinteriorização” como pela experiência.

O sentimento dominante é, nesta altura, a satis-fação pessoal por saber “o que se está a fazer”, naconvicção de que “se faz bem”, o que, por vezes, jánão será alheio a um certo “conservadorismo”.

F : R “ ”

Em “m de carreira”, isto é, entre aproximadamenteos e os cerca de anos de serviço, os percursosprossionais podem voltar a divergir em sentidosopostos. A maior parte das entrevistadas demons-trou, então, cansaço, saturação e impaciência na es-pera pela aposentação, enquanto algumas, segundoas suas próprias palavras, já não se sentiam mesmo“capazes de ouvir e aguentar as crianças”. Outras,por seu lado, em número bem menos signicativo,pareciam ter “reinvestido” na prossão, revelandoum interesse renovado, mostrando-se “entusiasma-das” e desejando “continuar a aprender coisas no-vas”. Rera-se, ainda, que algumas destas últimasacabaram por “derivar” para o desencanto, mas quetal nunca se vericou em sentido contrário.

Resta-me acrescentar que, sendo os percursos pro-ssionais pessoalmente vivenciados e socialmenteconstruídos, neles pesando, por vezes, de modo de-terminante, factores de natureza aleatória, o desen-volvimento da carreira docente não deve ser tomadonum sentido determinístico, dada até a sua possibi-lidade de alteração conguracional, designadamen-te em termos de “limites” temporais das etapas oufases, sempre que a estrutura da carreira e/ou algu-mas das suas condicionantes se modicam.

PERSPECTIVAS CURRICULARESAO LONGO DA CARREIRA

Mudando, como referi, em diversos aspectos, opensamento e a acção dos professores, ao longo dasdiferentes fases ou etapas da sua carreira, para issoconcorrendo também a “formação contínua” e o

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conhecimento experiencial construído ao longo dotempo como resultado da prática educativa desen-volvida e do trabalho com os pares, lógico é admitirque também se alterará diacronicamente o modocomo os mesmos perspectivam e gerem o currículo.

Foi este o “tema” central do estudo, que orien-tei, realizado por Gaspar ( ), cujos objectivosprincipais visavam a identicação e caracterizaçãodas perspectivas curriculares de professoras do

º Ciclo do Ensino Básico do concelho de Mértolae a compreensão da inuência do seu percurso pro-ssional na construção dessas perspectivas, pela lei-tura triangulada destas com as características do seupercurso prossional, tomando como referencial deanálise o “itinerário-tipo” de carreira descrito noponto anterior.

Em termos conceptuais, o currículo é entendido,neste estudo, como “um campo crítico de aquisiçãode saberes de referência e de competências paraaprender (...) que viabilizem processos realistas deformação ao longo da vida” (Roldão, a, p. ) e,ao mesmo tempo, como um projecto integrado decultura e de formação, que “fundamenta, articula eorienta todas as actividades e experiências educa-tivas realizadas na escola, dando-lhes um sentido eintencionalidade e integrando todo um conjunto deintervenções diferenciadas num projecto unitário”(Alonso, , p. ).

Tomado como projecto, o currículo implicatomadas de decisão, a diversos níveis, contextos epráticas, que supõem diferentes momentos (con-cepção, desenvolvimento e avaliação), no âmbito deum tempo e espaço próprios, e opções, de acordocom três aspectos essenciais: modelo curricular aadoptar, organização interna que o currículo podeassumir e papel a desempenhar pelos professores(Pacheco & Paraskeva, ).

Assim sendo, compete à escola o reajustamen-to e a denição dos instrumentos curriculares queconsubstanciam a concretização das orientações de-nidas a nível nacional, delineadas no âmbito da po-lítica educativa adoptada, competindo ao professora sua adequação à realidade singular de cada turmae de cada aluno.

Estamos, assim, no campo do desenvolvimentocurricular, dizendo Roldão ( b, p. ), a propó-sito, que o mesmo corresponde a um “processo dedecisão e gestão curricular, o que implica construir

e fundamentar propostas, tomar decisões, avaliar re-sultados, refazer e adequar processos — ao nível daescola e dos professores”.

Os professores assumem-se, então, neste contex-to, como construtores e gestores do currículo, papelnão alheio, por certo, ao seu processo de desen-volvimento prossional, na medida em que as suasconcepções pessoais sobre o mesmo dependem dosvalores que defendem e do seu conhecimento práti-co, de acordo com a sua maturidade e as suas expe-riências prossionais (Brazão, ).

Em termos de resultados, o estudou permitiunão só caracterizar, na generalidade, as perspecti-vas curriculares das professoras ( por cada umadas cinco etapas do “itinerário-tipo”), mas tambéma “evolução” destas ao longo da carreira, dimensãoque, de modo especíco, agora nos interessa.

Numa análise interpretativa global e transver-sal dos dados, obtidos através de entrevistas semi--estruturadas de natureza retrospectiva, passarei, deimediato, a referir apenas os aspectos mais signi-cativos da “evolução” das perspectivas curricularesdas protagonistas do estudo ao longo da sua carrei-ra, tomando por referência as quatro categorias queemergiram no processo de análise de conteúdo dasentrevistas: “início da carreira”, “momento actual”,“momentos considerados de mudança na sua práti-ca” e “expectativas prossionais futuras”.

Quanto à primeira, todas as entrevistadas se pro-nunciaram, sobretudo as da quarta e quinta etapasda carreira (serenidade e renovação do “interesse” edesencanto), como resultado, porventura, do maiordistanciamento em termos temporais relativamenteao início do seu percurso prossional. Relevam dasarmações proferidas, em termos de valores percen-tuais, os seguintes indicadores: “utilizava muito osmanuais escolares”, numa nítida e tradicional “co-lagem” do conceito de currículo a manual, e “eramenos criativa”, querendo por certo signicar umaainda menor competência na gestão e operacionali-zação dos princípios e conteúdos curriculares. Me-recem ainda referência os indicadores “só pensavano que tinha que ensinar”, que traduz uma centra-ção na tarefa, fruto da inexperiência e de um aindapouco elaborado conhecimento experiencial, e “tra-balhava mais de modo individual”, signicando umfechar-se em si próprias fruto da insegurança e doindividualismo docente ainda não vencido.

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A categoria “momento actual”, compreende “vi-vências” positivas e negativas. As primeiras, commuito maior peso relativo, caram a dever-se, prin-cipalmente, às entrevistadas que se situavam nasfases da divergência e da renovação do “interesse”e desencanto, talvez como resultado de alguns tra-ços caracterizadores que as “aproximam”. Curiosa-mente, as professoras que se encontravam na fase daserenidade não se pronunciaram sobre o aspecto.Os indicadores mais expressivos desta subcategoriasão: “gosto daquilo que faço”, “tenho muito entu-siasmo” e “tenho mais experiência”, signicandoum assumir-se denitivo como prossional e umacompetência construída de gestão do processo edu-cativo, nas suas diferentes dimensões.

No que às “vivências” negativas se refere, devem--se as mesmas, quase exclusivamente, às entrevista-das da primeira fase da carreira, expressando-se, so-bretudo, em referências a “ansiedade”, “indecisão”,“cansaço” e “pouca experiência”, sentimentos e/ouatitudes perfeitamente compreensíveis para quemestá a iniciar o seu múnus prossional.

Passando à referida terceira categoria de análi-se — “momentos considerados de mudança na suaprática” — nela se destaca, por presente no discursode todas as entrevistadas, o indicador “tenho vindoa mudar”, que traduz a sua tomada de consciênciaquanto à “evolução” na sua actividade docente.Mais especicamente, identicam como momentosde mudança no plano curricular: o aparecimento daÁrea-Escola, as alterações dos programas e a intro-dução/alteração do “modelo de gestão das escolas”.Sem negar a importância efectiva destes aspectos, asua prevalência em termos de referências, traduz, naverdade, que os professores mudam as suas práticascurriculares mais por “imposição” externa do quepor um processo natural de desenvolvimento in-trínseco ao funcionamento pedagógico da escola ea uma auto-reexão sobre a sua prática.

Quanto a esta categoria, detenhamo-nos, ainda,na identicação dos “aspectos mudados na sua prá-tica”, que constitui uma das respectivas subcatego-rias. Deles relevam, como mais indicados e pelo seusignicado curricular: “diminuição da importânciado manual escolar” (devido a entrevistadas de to-das as fases da carreira, excepto, como é natural, daprimeira), “valorização com colegas/comunidade”e “valorização das vivências dos alunos” (presentes

nos discursos das professoras das três últimas fasesda carreira) e, ainda, “valorização da participaçãodos alunos no processo de aprendizagem”, de acor-do com as armações das protagonistas das etapasda estabilidade, da divergência e da renovação do“interesse” e desencanto. Todos estes indicadoresindiciam uma descentração de si e da tarefa, umamaior abertura ao trabalho cooperativo e uma aten-ção redobrada às condições de aprendizagem e aosproblemas dos alunos, resultantes não só de umamaior mestria educativa, para que concorre, porcerto, uma leitura compreensiva mais aprofundadados princípios, conceitos e orientações curricularese uma acrescida capacidade de os operacionalizare implementar, construídas diacronicamente, mastambém da “descoberta” do signicado e importân-cia formativa do trabalho inter-pares.

Centremo-nos, por último, na categoria “ex-pectativas prossionais futuras”, cujos indicadoresmais signicativos são: “quero aprender mais” e“gostava de continuar entusiasmada”, que expres-sam, respectivamente, um sentido de construçãopermanente do ser professor e um sentimento desatisfação e/ou realização prossional.

Uma análise de conjunto dos dados, feita emfunção das etapas da carreira, permite-nos, então,evidenciar os seguintes aspectos, em termos de“evolução” das perspectivas curriculares das entre-vistadas:

· a primeira fase da carreira caracteriza-se, principalmente, pelo reconhecimento de umamenor participação no desenvolvimento docurrículo, a que não é alheio o relevo dado aosmanuais escolares, e por uma menor “preocu- pação” com os alunos, congruentes, aliás, comas características desta etapa do seu percurso prossional, marcada por uma centração nas suas pessoas e/ou nos conteúdos; é nesta etapatambém que o trabalho conjunto com as enti-dades locais é menos valorizado;

· nas três primeiras etapas da carreira (“início”,estabilidade e divergência) é mais valorizado otrabalho realizado em grupo pelos alunos, in- uência, porventura, das alterações sobrevin-das, desde , na formação dos professores;

· as três últimas fases do percurso prossional são aquelas em que o “trabalho com os colegas”

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é mais considerado como importante em ter-mos de aprendizagens e formação;

· as etapas da divergência e da serenidade sãoaquelas em que mais se arma o protagonismodas entrevistadas quanto ao desenvolvimentocurricular, dada, porventura, a experiênciaacumulada, o entusiasmo que caracteriza a primeira, se vivida pela positiva, e o distan-ciamento reexivo que a segunda pressupõe;

· a valorização dos alunos aumenta ao longo dacarreira, sendo, sobretudo, nas duas últimas fases que as entrevistadas os consideram como“parceiros do processo educativo”; é igualmen-te nestas duas últimas etapas que as protago-nistas do estudo denotam maior tendência para considerarem os pais como parceiroseducativos e em que assumem algum protago-nismo face a outros agentes educativos locaiscom que a escola desenvolve projectos;

· nas três últimas fases do percurso prossional,mas sobretudo nas da serenidade e na da reno-vação do “interesse” e desencanto, as entrevis-tadas revelam uma maior capacidade de ree-xão e de sentido de mudança, o que não deve ser alheio a um certo distanciamento afectivoe sentido crítico acerca do vivido, facilitado pelo fenómeno de (re)interiorização sócio--psicológica que começa, então, a denir-se.

SUPERVISÃO E FASES DA CARREIRA

Reportando-nos, agora, à formação inicial e, maisexactamente, ao campo da supervisão das práticaspedagógicas, Severino ( ) desenvolveu, sob mi-nha orientação, um estudo, cujos objectivos princi-pais eram: i) identicar e caracterizar os estilos desupervisão das educadoras cooperantes do Cursode Formação de Educadores de Infância da EscolaSuperior de Educação da Universidade do Algarvee ii) conhecer se e como os estilos de supervisão dasmesmas são inuenciados pelo desenvolvimentodas respectivas carreiras.

Este estudo parte do pressuposto de que a prá-tica pedagógica ou iniciação à prática prossional ea respectiva supervisão são componentes essenciaisdo processo formativo docente. Toma a primeirana acepção de componente curricular da formação

que tem por nalidade explícita a iniciação dos fu-turos educadores/professores no mundo da práticadocente e proporcionar-lhes o desenvolvimento decompetências necessárias a um desempenho ade-quado e responsável (Formosinho, ). Entendea segunda como “supervisão sinérgica”, na concep-tualização que dela fazem Janosik e Creamer ( ),quando a perspectivam como um processo que re-conhece as necessidades de desenvolvimento dosformandos e as metas das organizações educativas,numa relação dual em que supervisor e supervi-sando têm que aprender a utilizar conuências deenergias e de esforços e uma comunicação bi-lateralcom enfoque nas competências e metas necessáriasao desenvolvimento interpessoal e construtivo detodos os sujeitos envolvidos.

Na formação inicial, o supervisor (tanto o dainstituição de formação como o educador/profes-sor cooperante, isto é, aquele em cuja sala/turma oformando realiza a sua prática pedagógica) deveráassumir-se como um mediador entre o supervisandoe o seu ambiente formativo, salientando dados po-tencialmente relevantes, a partir dos quais o forman-do poderá construir novos signicados (Garmstonet al., ). Para tal, e dando corpo substantivo aoprocesso supervisivo, deverá o supervisor criar situ-ações geradoras de uma interacção verdadeiramenteeducativa que favoreçam “a comunicação, a nego-ciação, a argumentação e a actuação estratégica dosinterlocutores” em presença (Vieira, , p. ).

Assim sendo, e sem menosprezo pelas suas di-mensões cientíca e pedagógico-didáctica, a su-pervisão deve congurar-se como um processohumanista e desenvolvimentista, de natureza es-sencialmente relacional, cuja essência se traduz noestabelecimento de relações facilitadoras do desen-volvimento dos futuros educadores/professores, ba-seadas em atitudes de ajuda, disponibilidade auten-ticidade, encorajamento e empatia dos superviso-res, as quais se constituem, anal, como factores depromoção do crescimento e da aprendizagem dosformandos (Gonçalves, ).

Em congruência, para que se produza uma co-municação autêntica, de colaboração, compreensãoe encorajamento, o supervisor deve ser detentor deuma vasta gama de competências, a que Glickman( ) chama skills interpessoais e que Acheson eGall ( ) consideram que se expressam nos se-

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guintes comportamentos comunicativos: i) escutarprimeiro, falar depois, ii) aceitar e utilizar as ideiasdos formandos, iii) colocar questões de claricaçãoe iv) felicitar os formandos pelos seus sucessos.

São estes comportamentos que conguram aconsecução da interacção comunicativa, consubs-tanciada em quatro processos: o diálogo de acon-

selhamento e os seus enfoques, o feedback, comoestratégia construtiva da comunicação, a comunica-ção não-verbal, como factor de compreensão do for-mando e a metacomunicação e o seu papel no pro-cesso de supervisão, na sistematização de Gonçal-ves e Gonçalves ( ), que a Figura representa.

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Os enfoques do diálogo deaconselhamento

A comunicação não verbalcomo factor de compreensão

do formando

A metacomunicação e oseu papel no processo de

supervisão

O feeddback como estratégiaconstrutiva da comunicação

Fonte: Gonçalves e Gonçalves, , p. .

De forma sintética, caracterizemos, então, cada umdestes processos comunicativos:

a) Odiálogo de aconselhamento deve ser colabo-rativo, aberto, franco e empático e perspecti-vado como uma forma de ajudar o formandoa desenvolver o pensamento reexivo sobre asua prática, a relacionar conhecimentos teó-ricos com situações experienciadas e a cons-truir um estilo pessoal de actuação.

b) O feedback, enquanto estratégia construtivada comunicação, deve ser objectivo, descri-tivo, construtivo, formativo e não apenas crí-tico, salientando os aspectos mais positivosda acção do formando, ajudando-o a tomardecisões sobre a sua acção futura.

c) Acomunicação não-verbal, como factor decompreensão do formando, possibilita aosupervisor interpretar as mensagens não--verbais do supervisando, no sentido de oajudar a superar as dúvidas, anseios e pre-ocupações que não manifesta verbalmente,por inibição ou receio de ser mal compre-endido.

d) Ametacomunicação signica a relação decompreensão, a nível superior, entre o có-digo digital da comunicação (o “conteúdo”ou mensagens verbais) e o respectivo códi-go analógico (formas de comunicação não--verbal).

Na realidade, o supervisor deve ser, antes de mais,um perito em relações humanas, gerando uma co-municação dialéctica, que passe pelo saber ouvir e pelodesejar compreender , com o intuito de pro-mover o desenvolvimento dos formandos. Segun-do Glickman ( ), são três os pré-requisitos quedevem estar presentes na acção do supervisor: oconhecimento, as competências interpessoais e ascompetências técnicas, os quais conguram e se ex-pressam no seu modo de actuação, dando corpo aorespectivo estilo de supervisão.

Distintas são as conceptualizações acerca dosestilos de supervisão, tendo Severino ( ) adop-tado a de Zahorik ( ), esquematicamente repre-sentada na Figura .

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Sinteticamente, são três os estilos de supervisão:

i. prescritivo: o supervisor realiza uma supervi-são activa, preocupando-se, fundamentalmen-te, com os comportamentos a desenvolver pe-los formandos, isto é, privilegia a competênciatécnica, traduzida, sobretudo, no desenvolvi-mento de skillsinstrucionais e de técnicas degestão do grupo/turma. Está, assim, particu-larmente atento à quantidade e solidez dosconhecimentos do formando (o académico),prescreve comportamentos, apresentando-secomo especialista e modelo (o mestre), acon-selha como tutor, não abdicando, porém dasua autoridade (o mentor) e elenca, analisa einterpreta os comportamentos dos supervi-sandos, sugerindo e apoiando acções que osmesmo devem ter em conta (o crítico);

ii. interpretativo: o supervisor desenvolve tam-bém uma supervisão activa e valoriza maisas próprias ideias, em que se centra, do queos pontos de vista dos formandos, levando--os, no entanto, a tomar consciência do queocorre na sala de aula, questionando a suaprática e sugerindo processos que conduzamà mudança (o humanista), e enfatizando asacções que devem desenvolver, prescrevendoe exemplicando comportamentos (o refor-mulador);

iii. apoiante: o formador usa uma supervisão re-activa, valorizando a pessoa, o que o leva aanalisar e a aceitar os pensamentos e as ac-ções dos supervisandos. Em conformidade, é

afectivo, empático e encorajador, centrando--se na pessoa do formando e ajudando-o aprojectar o seu plano de acção (o terapeuta),serve de mediador e coopera com o supervi-sando, que impele a tomar decisões respon-sáveis, eliminando ou reduzindo as diculda-des com que este se depara na sala de aulaou na escola (o defensor) e assume-se comoquestionador, visando conhecer em porme-nor as práticas de ensino do supervisando,avaliando a eciência destas e decidindo ca-minhos futuros para a acção (o investigador).

Foi tomando este modelo como referente que a au-tora do estudo, de acordo com o primeiro dos doisobjectivos atrás enunciados e recorrendo à técnicado questionário, identicou e caracterizou os es-tilos de supervisão do universo de educadorasde infância cooperantes do º. Ano do Curso deFormação Inicial de Educadores de Infância daESE da Universidade do Algarve. Feito isto, e pelorecurso a tabelas de conguração sucessivas, selec-cionou os quatro “casos” considerados como maisrepresentativos dos estilos de supervisão identi-cados, com base no seu posicionamento nas etapasda carreira do “itinerário-tipo” por nós construí-do, com vista à consecução do segundo objectivoanteriormente referido (Ana, do estilo apoiante eque se encontrava na fase da estabilidade, Joana eInês, ambas na fase da divergência, mas a primeirado estilo prescritivo e a segunda do interpretativoe, por último, Matilde, na fase de serenidade e doestilo prescritivo).

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Prescritivo

Interpretativo

Apoiante

Supervisão activa

Supervisão activa

Supervisão reactiva

Os comportamentosa desenvolver

As ideias

A pessoa

· académico · mestre

· mentor · crítico

· humanista· reformulador

· terapeuta· defensor · investigador

Fonte: Severino, , p. .

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Ora, não havendo estilos “puros” de supervisão,na medida em que todos os supervisores, indepen-dentemente da sua experiência pessoal, prossionale no campo da formação apresentam, transversal-mente, características de uns e outros estilos, em-bora havendo um que é sempre dominante, seria,no entanto, de esperar que, acompanhando o uirnatural da sua carreira, até pela sua crescente matu-ridade, segurança, mestria e saber experiencial dia-cronicamente construído, designadamente na prá-tica da supervisão, se vericasse uma passagem doestilo prescritivo para o interpretativo e deste para oapoiante. A ser assim, vericar-se-ia a existência deum processo progressivo de descentração pessoal ede sentido acrescido de ajuda, acompanhamento,encorajamento e relação empática das supervisorascom os formandos, ao longo das suas carreiras.

Todavia, na análise interpretativa dos dados rela-tivos aos quatro “casos” estudados, recolhidos comrecurso a entrevistas semi-directivas, tais expectati-vas, não sendo negadas, também não se conrmam,tal como, de seguida, se evidencia:

Supervisora AnaEncontra-se na fase da estabilidade ( anos de servi-ço). Tem, portanto, pouca experiência prossional eevidencia o estilo apoiante, que signicará uma ca-pacidade de análise, de reexão e de relacionamentoaberto pouco comum numa fase ainda relativamenteinicial da carreira.

Supervisora JoanaSitua-se na etapa da divergência, pela positiva (anos de percurso prossional), e apresenta caracte-rísticas que a situam no estilo prescritivo, emboracom um peso já sinicativo das que conguram oapoiante e não o interpretativo, como seria “lógi-co” esperar se o processo evolutivo fosse linear. Talcircunstância poder-se-á, porventura, car a devera uma estabilização supostamente alcançada e queagora é posta em causa pela “divergência”, que abrecaminho à diversicação de pontos de vista, aspira-ções e actividades.

Supervisora InêsEncontra-se na fase da divergência ( anos de car-reira), agora pela negativa, evidenciando o estiloapoiante, embora tendendo, ainda que moderada-

mente, para o interpretativo. De acordo com os da-dos, este “caso” poderá constituir-se como expres-são de um agudo sentido crítico, que leva simulta-neamente, mas de forma antitética, tanto a uma visãohumanista da supervisão como a um “desencanto”prossional.

Supervisora MatildePosicionada na fase da serenidade ( anos de servi-ço), deveria evidenciar, de acordo com a nossa hipó-tese de estudo, o estilo apoiante, quando apresentao prescritivo, embora evidenciando algumas carac-terísticas do apoiante.

Sumariamente, este estudo, ainda que de nature-za exploratória, leva-nos a armar que os estilosde supervisão das suas protagonistas dependerãomais das suas características pessoais do que pro-priamente das respectivas fase da carreira, embora,numa leitura mais na dos dados, se encontrem in-dícios evidentes de uma interpenetração de factorese circunstâncias que apontam para uma certa ‘com-plementaridade’ entre os dois campos.

CONCLUSÃO

O “itinerário-tipo” da carreira, que elaborei, nãodeve ser considerado como uma inevitabilidade,mas, sim, como um “percurso tendencial”, que aju-da, não só a sistematizar os diferentes momentos ecircunstâncias que dão sentido e forma e ainda legi-bilidade investigativa e interpretativa à carreira dosprofessores, mas também a compreender melhor assuas reais necessidades de formação, nos diversoscampos da sua acção educativa, designadamente nasuas funções de gestores curriculares e de formado-res (supervisores).

Constituindo a pessoa e o prossional umaunidade intrínseca, natural se torna admitir que oprofessor que cada docente é, em cada momentodo seu vivido, contextualmente situado, seja o con- junto idiossincrático da pessoa e do professor, coma sua personalidade, conhecimentos, competências,crenças, atitudes e experiências, que marcam, deci-sivamente, a sua posição na sociedade, na docênciae nas relações com os outros, designadamente comos alunos, com os pares e com a comunidade.

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Deste modo, tal como evidenciámos, através dabreve síntese de alguns resultados de dois estudosempíricos, embora de carácter exploratório, é possí-vel estabelecer um certo paralelismo “evolutivo” en-tre as etapas da carreira genericamente entendida e aperspectiva e a acção curricular dos professores, por

um lado, e, por outro, ainda que de forma poucomais que indiciada, daquela com o exercício da fun-ção de supervisor da formação inicial de educado-res de infância, processo em que pesam, de maneiradecisiva, as características pessoais, designadamen-te as competências relacionais.

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R :O conceito de competência é denido e interpretado de múltiplas formas, quer entre cam-pos cientícos diferentes, quer mesmo dentro de um único desses campos. Defende-se nopresente artigo que há a necessidade de forjarmos uma acepção especializada de “com-petência” em educação e em formação de professores, em torno da qual os investigadorespossam convergir e que contribua para intervenções mais consistentes dos prossionais.A construção e o desenvolvimento das competências dos professores no contexto dosactuais programas portugueses de formação são discutidos e é defendida a ideia de que,mais do que da estrutura desses programas, importa cuidar do modelo ou modelos que osinspiram e das estratégias que são postas em marcha.

P - :Competência, Competência prossional, Conhecimento prossional, Formação de Pro-fessores.

/ · .º · /

Construção e desenvolvimento das competênciasprossionais dos professores

M [email protected] de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

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Como sucede com quase todos os conceitos emeducação, também o conceito de “competência” ésusceptível de múltiplas formas de denição e de in-terpretação, quer nos coloquemos numa perspecti-va sincrónica e consideremos o seu uso num mesmotempo mas em espaços diversos, quer observemos aevolução histórica dos sentidos dominantes que foiadquirindo.

É nesta perspectiva que se compreendem os epí-tetos de conceito “nómada”, “volátil”, “bastardo”com que tem sido qualicado, como recorda Jonnaert( , p. ). Para alguns autores, seria então o casode, em Educação, se dever pura e simplesmente aban-donar um termo que se presta a tão grandes confusões.Obviamente não nos reconhecemos em tal posição, edaí este artigo com o qual pretendemos (imodesta-mente) contribuir para a análise crítica e a discussãodo conceito de competência prossional dos profes-sores e, simultaneamente, dar nota dos resultados dealguns trabalhos portugueses recentes de investigaçãoque se orientaram para esta problemática.

Utilizada pela psicologia, pela linguística, pelasciências do trabalho, pelas ciências da educação eda formação, a noção de competência muda de sen-tido consoante o domínio em que é utilizada. Em-bora nesta oportunidade pretendamos focar o con-ceito de competência quando usado a propósito daprossão docente e da formação para essa prossão,será inevitável referir outros campos de saber cien-tíco e de acção onde o mesmo é utilizado, até paraoperarmos a sua distinção, por oposição, no campoque nos interessa.

COMPETÊNCIA(S) E EDUCAÇÃO

O conceito de competência ressurgiu em força nocampo educacional, nos anos do século passado,relacionado com a aprendizagem dos alunos, a for-mação dos professores e a formação prossional emgeral, assumindo conteúdos e sentidos não neces-sariamente idênticos nessas diferentes áreas e, comisso, contribuindo para dissonâncias importantesmesmo entre os investigadores dos campos men-cionados, para já não falar dos sentidos ainda maisdíspares presentes nos discursos dos professores edos formadores.

Como se constroem as competências? E as com-petências prossionais? Como se desenvolvem?Quais as mais importantes no desempenho docen-te? Podem as competências ser avaliadas? E, se sim,como? Anal, de que falamos quando falamos emcompetências? Tais são algumas das questões quehoje estão no centro de muitas discussões tanto naacção prossional dos professores em relação aosseus alunos como na formação para a docência e nagestão das carreiras docentes.

Uma primeira aclaração que nunca é despicien-do tentar fazer, embora de há muito tenha sido as-sinalada, é a da diferença entre o conceito no sin-gular (a competência) e o conceito usado no plural(competências). Na primeira forma,a competência,o conceito remete para a qualidade que separaráprossionais competentes de prossionais incom-petentes, prossionais mais e menos competentes.Nesta acepção, competência é tomada como um

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traço global inerente à acção do indivíduo ou dogrupo prossional, traço sobre o qual é possívelemitir um juízo de valor.

Já nas formas “uma competência”, “as compe-tências”, o conceito remete para um certo número detraços particularizáveis evidenciados na acção, quepodem ser observados e descritos sem que neces-sariamente se lhes tenha que atribuir um valor. Emexemplos como “questiona os alunos”, “diversicaos materiais”, “usa recursos tecnológicos”, estamosperante traços sobre os quais nos podemos limitar aconstatar a presença e a respectiva frequência, ou aausência, sem os qualicarmos. O somatório destascompetências entendidas em sentido analítico tãopouco habilitará por si só à emissão de juízos de va-lor sobre a competência global de um prossional.

Dizer, então, a competência, em sentido global,ou uma competência, em sentido analítico ou par-ticular, faz toda a diferença em termos conceptuais.

OS PROGRAMAS P/CBTE(PERFORMANCE / COMPETENCYBASED TEACHER EDUCATION)

Existe um consenso alargado entre os especialis-tas de que o movimento de formação baseada nascompetências teve o seu início nos EUA, no campoespecíco da formação de professores, nos anos do séc. XX, movimento que posteriormente viriaa alastrar a outros campos de formação prossio-nal (Burkeet al., ; Elam, ; Houston, ).Embora se possam encontrar casos de formaçãoprossional baseada nas competências desde osanos , no quadro da aliança entre desenvolvi-mento industrial e formação prossional, parecefora de dúvida que foi sob a inuência da psico-logia behaviorista triunfante nos anos que seassistiu, sucessivamente, a reformas dos currículosescolares de forma a centrá-los em objectivos com-portamentalistas de aprendizagem (corporizandoo que cou popularizado como pedagogia por ob- jectivos) e às reformas dos programas de formaçãode professores centrados ou baseados na aquisiçãode competências entendidas como comportamen-tos observáveis que tivessem uma correlação posi-tiva com o aumento ou a melhoria dos resultadosdos alunos.

Discutiu-se então (e, em outros termos, aindahoje se discute) se uma competência é o mesmoque uma performance, mas na acepção dominanteem que a competência era tomada até aos anos (comportamento directamente observável), conve-nhamos que ambas se confundiam efectivamente.E, desse modo, os programas que começaram porse designar uns como CBTE, outros como PBTE,rapidamente passaram a ser conhecidos mais sim-plesmente como P/CBTE (Performance/Compe-tency Based Teacher Education), como se de umasó entidade se tratasse.

O sucesso do movimento, particularmente assi-nalável nos EUA e no Reino Unido entre os anos e , deveu-se em boa parte ao apoio e à consagra-ção que recebeu das políticas educativas levadas acabo pelos governos respectivos.

Swanchek e Campbell ( ) sintetizaram as ca-racterísticas dos programas P/CBTE nos seguintestraços:

· a especicação precisa das competências oucomportamentos a serem aprendidos;

· a modularização da instrução;· a avaliação e o feedback;· a personalização;· a experiência de campo.

A selecção das competências a adquirir era feita deentre aqueles comportamentos dos professores quea investigação cientíca de natureza experimentaltivesse mostrado que estavam positivamente corre-lacionados com aprendizagens dos alunos.

Para as autoridades governamentais, a formaçãocentrada nos comportamentos observáveis dos pro-fessores era uma garantia de maior exigência em ter-mos de qualicação e certicação para a entrada naprossão e, por isso, em alguns casos, impuseramou induziram fortemente o desenvolvimento uni-versal de programas deste tipo. Tal imposição en-controu sempre reacções por parte de instituiçõesdo ensino superior que não se reconheciam nessemodelo de formação. Mas os problemas tambémexistiam entre os que se mostravam dispostos a ade-rir ao movimento.

Burkeet al.( , p. i), anotaram que “um dosproblemas persistentes enfrentados pelas institui-ções que pretendem redenir os seus programas de

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formação de professores na direcção de actividadesbaseadas na competência é a falta geral de deniçãoe de critérios sobre o que constitui exactamente umprograma de formação de professores baseado nascompetências”.

O mesmo autor, Burke, viria mais tarde, em ,a considerar que se mantinham válidos os critériospara descrever e avaliar os programas baseados na

competência, desenvolvidos pelo National Consor-tium of Competency Based Education Centres, nosanos .

Trata-se de um conjunto de vinte e quatro crité-rios que vale a pena aqui transcrever na medida emque iluminam de modo muito preciso o que foi (é?)o movimento de inspiração behaviorista de forma-ção de professores baseado em competências.

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. As competências baseiam-se numa análise do papel ou papéis prossionais e/ou numa formulação teórica das responsa-bilidades prossionais.

. As armações sobre as competências descrevem resultados esperados da performance de funções relacionadas com aprossão ou aqueles conhecimentos, skills e atitudes que se considera serem essenciais para a performance dessas funções.

. As denições das competências facilitam uma avaliação referida ao critério.

. As competências são tomadas como preditores potenciais da ecácia prossional e são sujeitas a procedimentos de vção contínua.

. As competências são especicadas e tornadas públicas antes da instrução.

. Os formandos que completam programas de formação baseada nas competências mostram uma vasta gama de percompetências.

. O programa de instrução deriva de e está articulado com competências especícas.

. A instrução que suporta o desenvolvimento de uma competência está organizada em unidades com uma extensão tapossa ser gerida.

. A instrução é organizada e concretizada de modo a acomodar o estilo de aprendizagem do formando, a sua preferênciuma dada sequência, o ritmo e as necessidades detectadas.. A progressão do formando é decidida após ter demonstrado uma competência.. A extensão do progresso do formando é dada a conhecer a este ao longo do programa.. As especicações da instrução são revistas e modicadas com base nos dados do feedback.

. As medidas de uma competência estão validamente relacionadas com a denição dessa competência.

. As medidas de uma competência são especícas, realistas e sensíveis a utuações.

. As medidas de uma competência discriminam, com base em padrões ( standards), o cenário para a demonstração das com-petências.. Os dados proporcionados pela medição das competências são utilizáveis e úteis para a tomada de decisões.. As medidas e os padrões das competências são especicados e tornados públicos antes do processo de instrução.

. São produzidas declarações políticas escritas para orientar, em termos gerais, a estrutura, o conteúdo, a operacionalize a base de recursos do programa.. As funções, responsabilidades, procedimentos e mecanismos de gestão são denidos claramente e tornados explícito

. O pessoal docente associado ao programa tem a intenção de modelar as atitudes e os comportamentos desejados da dos estudantes do curso.. São tomadas medidas para orientação, avaliação, aperfeiçoamento e recompensa do pessoal docente.. A investigação e as actividades de disseminação são parte integrante de todo o programa de instrução.. É necessária exibilidade institucional em relação a todos os aspectos do programa.

. O programa é planeado e operacionalizado como um sistema completamente unicado e integrado.

Fonte: Burkeet al., , citado em Burke, , pp. - .

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Apesar de longo, este quadro tem o mérito de tornarextraordinariamente claros o conceito de compe-tência adoptado, os papéis atribuídos aos forman-dos, aos formadores e às instituições de formação,bem como o lugar reservado à investigação.

Os conhecimentos e atitudes dos formandos, talcomo referido no tópico , parecem representar umaconcessão àqueles que entenderiam excessivo consi-derar a competência como sendo exclusivamente daordem da performance. Nesse aspecto, já anteriormen-te Elam ( ) tinha sido nítido no mesmo sentido, aoarmar que “a avaliação de uma competência exige a performance como primeira evidência, mas tambémtoma em consideração o conhecimento” (p. ).

Os micro-ensino na sua feição inicial (anos -- ), a simulação, particularmente a do tipo jogo depapéis, a supervisão concebida num cenário beha-viorista concorreram, como opções metodológicas,para a concretização de programas em que as com-petências a desenvolver pelos professores em for-mação se confundiam inteiramente ou quase com arespectiva performance.

DAS MICRO-COMPETÊNCIASÀS COMPETÊNCIAS GENÉRICAS

As críticas ao conceito de competência de recortebehaviorista e aos programas de formação a ele as-sociados foram permanentes mas tornaram-se parti-cularmente vigorosas a partir dos anos .

Dois argumentos foram mais persistentementeinvocados: a inadequação da denição analítica dascompetências para retratar o perl dos prossionaismais bem sucedidos, perl esse que não se limita-ria ao mero somatório de competências isoladas; afalta de evidências cientícas que corroborassem asuperioridade dos programas baseados nas compe-tências em relação a outros.

Entretanto, estudos realizados na Europa con-tinental em diversas áreas da formação prossio-nal que não exclusivamente a de professores forampondo em evidência que os prossionais excelentesapresentavam um conjunto de competências genéri-cas ou globais bem mais importantes para explicar oseu sucesso do que as competências analíticas mui-to numerosas a que a análise das funções laboraistinha conduzido.

Esta abordagem pelas competências genéricasfocou sobretudo os modos como os prossionaisse tornam competentes e destacou um conjunto dequalidades pessoais relevantes, para além das carac-terísticas cientíco-técnicas inerentes à acção.

Em lugar de centenas ou mesmo de milhares decompetências associadas a um dado desempenhoprossional, nesta corrente foram identicadas lis-tas bem menos numerosas de competências gené-ricas (geralmente, entre oito e quinze) que estariamem condições de retratar o perl de prossionaiscompetentes.

Uma dessas listas, proposta por Boyatzis ( ),foi construída a partir do estudo de uma amostra decerca de gestores que actuavam em tipos deempregos diferentes. A título de exemplo, vejam-seas doze competências que foram enunciadas:

· Preocupação com o impacto· Uso diagnóstico de conceitos· Orientação para a eciência· Pro-actividade· Conceptualização· Auto-conança· Uso de apresentações orais· Gestão de processos grupais· Prática de um poder socializado· Objectividade perceptiva· Auto-controlo· Energia e adaptabilidade

Mais do que no movimento CBE, nesta perspectivade adopção das competências genéricas discutiu-sese estas seriam inatas, aprendidas ou ambas as coi-sas. O que não obstou ao desenvolvimento de pro-gramas de formação orientados expressamente paraa construção e o desenvolvimento de competênciasdeste tipo, em relação a muitas prossões. A estepropósito, rera-se, por exemplo, a lista de dez com-petências para ensinar no ensino fundamental, emtorno das quais se organizou o programa de aperfei-çoamento dos professores e professoras de Genebrae de que Perrenoud ( ) dá notícia detalhada:

· Organizar e dirigir situações de aprendizagem· Administrar a progressão das aprendizagens· Conceber e fazer evoluir os dispositivos de

diferenciação

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· Envolver os alunos na sua aprendizagem e noseu trabalho

· Trabalhar em equipa· Participar na administração da escola· Informar e envolver os pais· Utilizar novas tecnologias· Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da

prossão· Administrar a sua própria formação contínua.

QUALIFICAÇÃO, CONHECIMENTOE COMPETÊNCIA: QUE RELAÇÕES?

Jonnaert ( ) defende a tese de que a noção dequalicação prossional foi evoluindo nas últimasdécadas até se aproximar muito da de competência.

Num primeiro momento (anos a ), a qua-licação era denida como “o conjunto de capaci-dades e de conhecimentos socialmente denidos erequeridos para realizar um determinado trabalho”(Jonnaert, , p. ). Tratava-se de entender aqualicação como conjunto de qualidades eviden-ciadas pelo sujeito antes de desenvolver uma acçãoprossional — concepção que, segundo Jonnaert,sustenta uma visão instrumentalista e prescritivada prossão (e, por inerência, da formação para aprossão).

Num segundo momento (anos ), a qualica-ção passou a ser denida preferencialmente como acapacidade individual para dominar uma dada situ-ação de trabalho, mobilizando cada prossional, oseu próprio potencial. Há aqui já uma nítida aproxi-mação à noção de competência, pela associação docampo de trabalho concreto à evidência da quali-cação do prossional.

Num terceiro momento (sobretudo desde osanos ), a qualicação é denida como aquilo queacompanha a estruturação da acção. O m e o espa-ço da acção do prossional, bem como a autonomiaque este tem, passam a fazer parte integrante da no-ção de qualicação.

Segundo De Terssac ( , citado por Jonnaert,, p. ), a competência ultrapassará, contudo,

mesmo esta terceira acepção de qualicação, por re-presentar “tudo o que é posto em jogo numa acçãoe tudo o que permite dar conta da organização daacção”.

As competências são então denidas por Jonna-ert como as formas como os sujeitos gerem os seusrecursos cognitivos e sociais na acção, numa dadasituação.

É muito frequente encontrarmos quem consi-dere que, sempre que se fala em competências, emformação baseada nas competências, isso signica omenosprezo e a subalternização do conhecimento,em favor da mera aprendizagem e treino de perfor-mances, com um sentido utilitário imediato.

A evolução do conceito de competência queacima acabámos de evocar retira legitimidade a esteponto de vista. Tal posição não é sequer autorizadaà luz da concepção comportamentalista das compe-tências e muito menos à luz das concepções sobreas competências de inspiração construtivista. Umase outras aceitam, ainda que com graus diferentes derelevância atribuída, que o conhecimento e a com-preensão, e o desenvolvimento de disposições cog-nitivas de ordem mais elevada, de análise, de síntese,de avaliação, de crítica, de pensamento divergenteque os currículos de educação escolar são supostosestimular e fazer desenvolver, são pilares fundamen-tais da construção das competências, tanto maisquanto maior for a complexidade dos problemas aresolver e/ou da prossão a desempenhar.

O que ocorre, e é importante assinalar é que nasformações orientadas para o desenvolvimento decompetências, a conceptualização que se zer destasbem como a selecção das que devem ser desenvol-vidas num dado cenário de formação, subordinam adenição dos objectivos de aprendizagem, a selec-ção e organização dos conteúdos e, especialmente,as metodologias a utilizar. Os conhecimentos que oscurrículos proporcionam não valem por si mesmos,mas pela possibilidade de ajudarem a desenvolveras competências de cada sujeito e de serem, poreste, investidos na acção.

M. Éraut ( ), na sequência de muitos outrosautores que se dedicaram ao exame e análise da re-lação entre conhecimento e competência, oferece al-gumas perspectivas que consideramos interessantespara a discussão dos conceitos de conhecimento ede conhecimento prossional. O autor apercebeu-sede que só parte daquilo que um prossional compe-tente faz, encontra raízes no programa de formaçãoorientado para o desenvolvimento de competên-cias que lhe possa ter sido proporcionado. Haverá

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largas áreas do saber-fazer omissas nos programasde formação, e mesmo quando há coincidências, oconhecimento comum a ambos os cenários — o daformação e o da acção prossional — é estruturado,nomeado e percebido de formas diferentes.

A prática prossional reclamará o concurso, orade sequências xas de acções para enfrentar situa-ções de rotina, ora de combinações originais de ac-ções para enfrentar e resolver problemas novos ouinesperados, situações estas últimas em que avultaa competência para tomar decisões pertinentes. Asituação pode ainda variar em complexidade conso-ante o problema a resolver esteja bem denido ou seapresente mal denido nos seus contornos.

Falar simplesmente em “teoria” e “prática”,como tradicionalmente se fez e, muitas vezes, porfacilidade e rotina, se continua ainda a fazer emmuitos discursos relativos à formação, é redutor dacomplexidade dos conhecimentos postos em jogona acção prossional.

As teorias (e não a teoria) que o prossional usa,integram seja as teorias com valor universal que aciência produziu, seja teorizações que esse pros-sional construiu — generalizações que revestem aforma de teorias implícitas, crenças, convicções, deque, por exemplo, os estudos sobre o pensamentodo professor nos foram dando conta e ajudando adistinguir e analisar.

Conhecimento proposicional (ou declarativo),conhecimento processual, conhecimento procedi-mental, conhecimento prático, conhecimento tácito,são categorias que permitem dar conta da complexi-dade do conhecimento prossional e que nos levama compreender melhor as diculdades, tantas vezessentidas em trabalhos de investigação sobre a acçãoprática e as competências dos professores, em des-velar tanto conceptual como empiricamente os tiposde conhecimento e modos de cognição associados às performances. Mesmo sabendo destas diculdades,Éraut sugere que só se pode caracterizar o conheci-mento prossional se o entendermos e analisarmoscontextualizado no modo como é aprendido e nomodo como é usado em situação de trabalho.

Seguindo estas reexões, pensamos que predo-mina hoje um cenário bem distinto do que prevale-ceu nos anos - (ainda que as concepções desteperíodo não tenham desaparecido por completo),na medida em que parece incontornável:

· Assumir que não há competências sem co-nhecimento e sem conhecimento prossio-nal, mesmo que parte deste seja tácito ou im-plícito;

· Assumir que o conhecimento prossionalé mais complexo do que a dicotomia tradi-cional conhecimento teórico-conhecimentoprático levaria a pensar;

· Assumir que o conhecimento prossional éou pode ser fundamento e resultado do exer-cício de competências, seja para os que sepreparam para a prossão, seja para os pro-ssionais já em exercício.

Estamos ainda na fase de testar diferentes hipótesessobre quais os tipos de conhecimento e de conheci-mento prossional que melhor servem o propósitode contribuir para a construção das competênciasdos professores, com alguns resultados por vezesespantosos em relação ao que algumas ideias per-sistentemente repetidas ao longo de décadas nostinham levado a acreditar (Kennedy, ).

“COMPETÊNCIA”: FORJARUMA SIGNIFICAÇÃO ESPECÍFICAEM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃOE DA FORMAÇÃO

Le Boterf ( , , ), fazendo a distinçãentre prossões simples e prossões complexas,interessa-se, a certo passo, especialmente pelo tipode competências necessárias ao desempenho dasprossões complexas. Dene estas últimas, comoaquelas prossões em que os prossionais devemenfrentar o desconhecido e a mudança permanente( , p. ). O aumento da complexidade dos pro-blemas a tratar, o carácter incerto do contexto detrabalho, as possibilidades oferecidas pelas novastecnologias e pelas novas formas de organização dotrabalho, a evolução dos sistemas de valor e das as-pirações dos indivíduos, são aspectos aduzidos paraalicerçar a tese de que a ecácia do trabalho nãoconsente que o prossional simplesmente se limitea executar instruções que lhe sejam dadas ( , p.

). Embora o autor não esteja a referir-se especi-camente à prossão docente mas a uma gama diver-sicada de prossões, julgamos que aquela preen-

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che largamente os atributos mencionados, integran-do portanto o leque das prossões complexas.

Inscrevendo-se na linha de pensamento dos quepreferem denir as competências como um conjun-to pouco numeroso de traços genéricos, Le Boterf( , pp. - ) identica seis competências ine-rentes aos prossionais que sabem gerir a comple-xidade:

· Saber agir com pertinência;· Saber mobilizar num dado contexto;· Saber combinar;· Saber transpor;· Saber aprender e saber aprender a aprender;· Saber empenhar-se.

Não só se está longe das listas de competências ana-líticas propostas no âmbito do movimento P/CBTE,como a denição de cada competência associa ex-plicitamente o saber ou conhecimento, a acção e ocontexto da acção. Contextos e situações de traba-lho que, como se disse, são marcados pela indeter-minação, pela incerteza, muitas vezes também pelaurgência e, sempre, pela necessidade de encontrode respostas que tenham algum grau de originalida-de em relação ao já sabido, ao já feito anteriormente.Importa ainda sublinhar a natureza da última dascompetências listadas — saber empenhar-se — queremete para um domínio eminentemente social ousocio-afectivo, onde a motivação, o interesse, a von-tade do prossional, avultam.

Na mesma senda de Le Boterf quanto à concep-tualização da competência em educação e forma-ção, Perrenoud ( ) sugere que nos libertemosda signicação do conceito recebida da linguística(potencialidade inata do sujeito que se actualiza na performance) e procedamos a uma reapropriaçãoespecíca do conceito quando usado no âmbito dasciências da educação. Indo um pouco mais longe, Jonnaert ( , p. ) sugere, então, a seguinte de-nição: “uma competência faz, no mínimo, referênciaa um conjunto de recursos que o sujeito pode mobi-lizar para tratar uma situação com sucesso”.

Desta concepção importa reter que:

· A competência não se refere exclusivamentea recursos cognitivos, mas também a uma sé-rie de outros recursos de origem diversa;

· A competência está subsumida numa acçãocontextualizada — não é uma disposição dosujeito anterior à acção (o que a distingue decapacidade e de saber-fazer genérico);

· Entre os recursos que o sujeito mobiliza naacção poderão estar disposições inatas;

· A mobilização de recursos pelo sujeito é feitasegundo redes operatórias e não por simplesadição ou numa lógica de sequência linear;

· A competência não se confunde, portanto,com a performance.

Parte dos programas educativos e formativos quevisam o desenvolvimento de competências dos alu-nos/formandos dirigir-se-ão apenas à promoção decompetências virtuais — disposições que poderãovir a ser activadas pelo sujeito no futuro, sem se sa-ber bem onde nem quando. Outros programas lidamcom a promoção de competências efectivas — ouseja, a situação formativa incorpora cenários reais ousimulados onde o sujeito deve enfrentar e resolvercom êxito problemas de acção contextualizados.

Os conhecimentos, as capacidades, os saberes--fazer, as habilidades ou skills, as motivações, aindaque sendo elementos constitutivos das competên-cias efectivas, não se confundem com estas, por fal-tar a situação contextualizada onde a sua mobiliza-ção em rede seja de facto feita.

UMA LINHA DE PESQUISASOBRE SABERES E COMPETÊNCIASDOCENTES

Nos últimos anos, tem-se desenvolvido na Faculda-de de Psicologia e de Ciências da Educação de Lis-boa uma linha de pesquisa empírica em torno dossaberes prossionais e das competências dos pro-fessores. Os resultados dos trabalhos que em segui-da referiremos ajudam a aprofundar e sistematizaro conceito de competência, ao mesmo tempo queproporcionam uma visão sobre os modos como ascompetências se constroem e modicam.

M. Fryxell, num trabalho concluído em ,ocupou-se das representações de professores doensino secundário de línguas estrangeiras, sobre ossaberes prossionais de que os mesmos eram por-tadores. Sem surpresa, os professores inquiridos

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realçavam o papel primordial da experiência, da ac-ção contextualizada, como tendo sido o esteio maisimportante da constituição desses saberes. Ainda quereconhecendo a importância dos saberes cientícosadquiridos antes de passarem à prática prossional,sublinharam o papel incontornável da experiênciapara a apropriação e consolidação das competênciasde que se consideravam detentores no momento emque foram inquiridos. Um outro aspecto que julga-mos de sublinhar foi o facto de, nas entrevistas, essesprofessores recorrerem com grande frequência a nar-rativas de casos especícos ocorridos em determina-dos momentos das suas carreiras, para conseguiremelucidar melhor competências novas que pensavamter passado a possuir. Tal facto, a nosso ver, reforçaa ideia de que as situações e os contextos de traba-lho são imprescindíveis se se quiser compreender agénese e a natureza das competências, corroboran-do opiniões de Jonnaert, Le Boterf ou Perrenoud jáacima mencionadas, ou ainda de M. Éraut quandoarmou: “Não se pode caracterizar conhecimentoprossional sem ter em conta o modo como este éaprendido e como é usado”¹ ( , p. ).

Num outro estudo, concluído em , H. Ber-nardes obteve alguns resultados que vão no mesmosentido. Ao inquirir professores do º ciclo para es-clarecer quais as fontes dos seus saberes prossio-nais e das suas competências constatou que aque-les valorizavam predominantemente a aquisição/construção desses saberes realizada em contextopedagógico e na interacção com os pares, e faziamuma relativa secundarização das aprendizagens re-alizadas em ambientes formais de formação, comosão os cursos de formação inicial. Aliás, convergen-temente, a componente mais valorizada nesses cur-sos era a do estágio pedagógico enquanto fonte maisrelevante da formação das competências.

E. Mesquita ( ) ocupou-se do estudo das re-presentações de alunos/futuros professores, na fasede conclusão da sua formação inicial, acerca dascompetências mais necessárias para a docência e domodo mais adequado de as construírem. Os inquiri-dos caracterizavam o exercício da prossão docentecomo tendo por base um saber especíco e multi-dimensional. Na acção do professor destacavamsobretudo os aspectos relacionais com os alunos, asfamílias, os colegas e a comunidade em geral. Outrosdomínios de competências também consideradas re-

levantes eram as de administrar a sua própria forma-ção, enfrentar deveres e problemas éticos, conceberdispositivos de diferenciação pedagógica, adminis-trar as aprendizagens dos alunos, envolver estes noprocesso e organizar as situações de aprendizagem.Quanto ao dispositivo de formação que lhes tinhasido proporcionado, destacavam a componente deprática pedagógica supervisionada como a mais rele-vante para a construção das suas competências.

G. Barreira ( ), embora trabalhando sobreas concepções de professores cooperantes de esco-las do º ciclo, chegou a resultados idênticos aos deMesquita acima citados.

L. Lousada ( ) pretendeu comparar concep-ções de professores principiantes e de professoresexperientes no que respeita à competência docente.Constatou que tanto uns como outros destacavam oprimado dos valores éticos no exercício da pros-são e atribuíam à acção do professor as nalidadesde instruir e de educar. Registou diferenças de opi-nião quanto às competências mais valorizadas pelosinquiridos: os professores principiantes tendiam adar maior importância à manutenção da disciplinana aula e à motivação dos alunos, e a competênciasde ordem cientíca e técnica; os professores expe-rientes tendiam a valorizar mais fortemente compe-tências de ordem pessoal e relacional (segurança,auto-conança, proximidade em relação aos alunose aos seus problemas, tolerância). O papel da expe-riência para o desenvolvimento das competênciasfoi reconhecido por todos.

A. Reis e C. Teixeira concluíram em estu-dos em que os inquiridos eram professores super-visores da prática pedagógica de candidatos à do-cência no º e no º ciclos do ensino básico, respec-tivamente.

Reis visou esclarecer as concepções de compe-tência reexiva sustentadas pelas suas inquiridas.Estas destacaram tratar-se de uma competênciamanifestada através do questionamento, da proble-matização, da análise das práticas e das suas conse-quências, mediante a qual se descobrem nexos entreprática e teoria e se alcança uma relativização dossaberes. Falando do modo como os seus formandosdesenvolvem essa competência, referem tratar-se deuma construção gradual que apenas começa na for-mação inicial e que encontra um suporte adequadona produção de narrativas pelos estagiários.

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Teixeira ocupou-se das concepções de pro-fessores supervisores acerca das competênciasnecessárias ao exercício dessa função. Os inquiri-dos discriminaram competências em dois planos:o do saber cientíco e o das qualidades pessoais,tendo atribuído à experiência e à auto-formação aorigem das competências de que se julgavam por-tadores.

Outros estudos desenvolvidos no âmbito daformação de enfermeiros e focados nas competên-cias dos supervisores da prática clínica chegaram aresultados convergentes com os que acabam de serreferidos, no que se refere às competências pros-sionais dos formadores.

FORMAÇÃO E COMPETÊNCIASPROFISSIONAIS DOSFUTUROS PROFESSORES

A digressão breve que acaba de ser feita por algu-mas etapas marcantes da evolução do conceito decompetência, até à reclamação contemporânea deum signicado especíco do campo das ciências daeducação, ajuda a examinar a uma nova luz algunsdos velhos problemas com que nos defrontamos re-correntemente na formação de professores.

A formação prossional de professores é, pordenição, uma formação compósita para a qual con-correm diversas componentes.

Se admitirmos que a competência ou as compe-tências só se vericam na acção prossional contex-tualizada (ponto de vista que defendemos), há queadmitir que nem todas essas componentes da for-mação estejam orientadas, de forma imediata, paraa construção e o desenvolvimento de competênciasdos professores. O que não signica que não sedeva discutir estratégias e condições para uma re-orientação dos programas de formação de forma aque todas as componentes contribuam efectivamen-te para a construção das competências necessáriasaos prossionais do ensino.

No caso português, em , a nova legislaçãosobre habilitações para a docência consagrou seiscomponentes de formação inicial, cuja relevânciapassará pela superação de problemas com que nostemos defrontado e que estão devidamente identi-cados.

A componente de “ formação na área da do-cência”, que contempla a aprendizagem do conhe-cimento relativo aos futuros conteúdos a ensinar,organiza-se com independência (por vezes, excessi-va, como é notório nos casos da preparação para o ºciclo do ensino básico e para o ensino secundário)em relação ao uso que esse conhecimento virá a terpor parte daqueles que irão ser professores. Conti-nuará a repetir-se muito provavelmente aquilo quealguns trabalhos de investigação mostraram em rela-ção ao passado: lacunas graves de preparação cien-tíca dos professores recém-formados em relação adeterminados conteúdos constantes dos programasde ensino básico ou secundário; uma relação com osaber mais do tipo “consumidor do saber” do quede “produtor” do mesmo (Estrelaet al., , p.

). Falta, também, do conhecimento pedagógico doconteúdo, noção de que Shulman ( ) fala parasignicar a combinação adequada entre o conheci-mento da matéria a ensinar e o modo pedagógico dea fazer aprender pelos alunos. Será aqui já o caso decontemplarmos uma segunda componente de for-mação, a da “didáctica especíca”, onde deveria serprocurada essa aliança mais forte e bem sustentadaentre a matéria de ensino (sem ignorar a sua naturezaepistemológica particular), por um lado, e, por ou-tro, os conhecimentos relevantes sobre os processosde aprendizagem de crianças, jovens e adultos, pú-blicos diferenciados com os quais os professores sãochamados a trabalhar regularmente.

A investigação realizada em Portugal nos anos sobre a formação inicial de professores assinalou,

em alguns casos, deciências importantes no desen-volvimento de competências de ordem didácticaem programas oferecidos por instituições de ensinosuperior, especialmente por escolas superiores deeducação, no que respeitava às disciplinas de Mate-mática, Ciências da Natureza, Línguas Estrangeiras,Tecnologias da Informação e da Comunicação, Físi-ca e Química (Estrelaet al., , pp. - ). O saberpelo “amor do saber” com desprezo total pelo usoque os estudantes de ensino superior virão a fazerdesse saber, a prevalência de uma lógica transmissi-va do saber entendido como património estático e ainerente não iniciação dos estudantes nas questõesepistemológicas da sua área de conhecimento nemna investigação cientíca, que ainda marcam muitosdos cursos de licenciatura, constituem limitações

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sérias na preparação de quem vai ser professor. É apartir de cenários como estes que, depois, não sejade admirar que haja professores que não desenvol-vem o ensino experimental das ciências com os seusalunos, ou que não têm nenhuma noção de como sepodem usar os saberes das humanidades ao serviçode projectos de promoção de competências efecti-vas dos seus alunos.

Outras componentes de formação como as de“ formação educacional geral ” e “ formação cultural, social e ética”, formalmente mais próximas do de-sempenho prossional especíco de um professor,poderão não conduzir ao desenvolvimento de com-petências prossionais efectivas se nelas tambémprevalecer a lógica que acima referimos como afec-tando pelo menos parte, se não mesmo boa parte,das formações superiores.

Alguns trabalhos de investigação têm assinaladolacunas de formação no âmbito das ciências da edu-cação, desarticulação entre os diversos saberes queestas proporcionam, desfasamentos temporais entreo momento em que esses saberes são adquiridos e omomento em que devem ser usados ao serviço daspráticas prossionais, e, consequentemente, falta designicado desses saberes para os formandos pornão percepcionarem a sua relevância para o campode trabalho prossional.

Do mesmo modo, poucos têm sido os programasde formação que se ocupam deliberadamente do de-senvolvimento pessoal, social e ético-deontológicodo formando. Em regra, não são reconhecidosnem tidos em conta nos espaços formativos os pré--conceitos e preconceitos, as crenças, as atitudese os valores que os estudantes desenvolveram en-quanto alunos, muito antes de terem decidido serprofessores.

A quase unanimidade de declarações quanto àintenção de formar prossionais reexivos tem, de-pois, pouca tradução ao nível das estratégias e méto-dos usados na formação, levando a presumir que, namelhor das hipóteses, a reexividade de que se fala

não ultrapassará a área das competências do profes-sor como um técnico que aplica conhecimentos queoutros produziram.

Resta referir as componentes de “iniciação à prática prossional ” e de “ formação em metodolo- gias de investigação educacional ” como últimos re-dutos de que se deverá legitimamente esperar queproporcionem o desenvolvimento de competênciasnecessárias ao desempenho de uma prossão com-plexa. Para que tal aconteça, importa superar as li-mitações, por vezes graves, que os antigos estágiosapresentavam: falta de articulação entre instituiçõese formadores do ensino superior e do ensino nãosuperior; uma visão predominantemente técnica daacção do professor; a falta de formação especiali-zada de muitos supervisores e orientadores para afunção que estão a desempenhar.

A iniciação dos futuros professores nas metodo-logias de investigação educacional poderá, por seulado, não vir a ter a relevância esperada para o de-senvolvimento da autonomia dos mesmos, se a for-mação nessa área se apresentar afastada da procurade soluções para problemas da prática prossionalreal com que cada formando se esteja a confrontarnum dado contexto escolar concreto.

Em síntese: por muito interessante que seja (eé) observar as componentes da formação dos pro-fessores que num dado momento histórico sãoconsideradas necessárias para a construção e o de-senvolvimento de competências, aquilo que se nosagura como mais elucidativo da prossionalidadeque efectivamente se perspectiva e estimula é o mo-delo conceptual e a estratégia que se adopta, não emabstracto mas no campo das práticas de formaçãoefectivamente postas em marcha. Mutatis mutandi ,também as competências das instituições de forma-ção e dos formadores serão o conjunto de recursosde diversas naturezas que umas e outros podem mo-bilizar e mobilizam de facto para tratar com sucessoo problema da formação dos professores como pro-ssionais competentes.

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. No original: “Professional knowledge cannotbe characterized in a manner that is independent ofhow it is learned and how it is used”.

R

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R :Inseridas num projecto de investigação sobre pensamento ético-deontológico, no qual,numa primeira fase, se entrevistaram trinta e seis professores dos diversos níveis de en-sino, consideramos neste artigo as questões relativas à ética e à formação. Identicamosalguns aspectos que dizem respeito à formação ética de professores e que relacionam estaformação com as outras dimensões em estudo, nomeadamente com a regulação e a elabo-ração de um código deontológico e com as concepções éticas, pessoais e prossionais, dosprofessores. Para além de uma análise interpretativa dos dados e de uma breve revisão dosestudos e da legislação actual, tecemos reexões em torno de perspectivas e estratégias aconsiderar na formação ética dos professores.

P - :Ética, Formação de Professores, Deontologia, Dilemas.

/ · .º · /

Ética prossional e Formação de Professores

A P [email protected] de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

M L [email protected] , Fernando Pessoa, Lisboa

Caetano, Ana Paula & Silva, Maria de Lurdes ( ). Ética prossional e formação de professores.Sísifo. Revista de Ciências da Educação, , pp. -Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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INTRODUÇÃO

As questões éticas, entendidas como dimensõescomplexas e integradoras, onde se imbrica o racio-nal e o emocional, o afectivo e o intuitivo, o pensa-mento e a acção, o objectivo e o subjectivo, extra-vasam a reexão sobre os valores e intersticiam-seno quotidiano dos indivíduos e das comunidades,contribuindo para que aí equacionem os seus senti-dos individuais e colectivos.

A educação, como empreendimento social, me-diadora entre um passado que se pretende veiculare um futuro que se visa preparar, em tensão entrea socialização e conservadorismo, por um lado, e atransformação e desenvolvimento, por outro, é elaprópria intérprete, construtora e difusora de sen-tidos. Deste modo, os seus intervenientes, organi-zados em torno de estruturas de diversos níveis eabrangências, ao confrontarem-se com as questõesdo sentido e das nalidades, mas também dos meiose dos processos, implicam-se de modo mais ou me-nos consciente com as questões éticas. Trata-se deum diálogo que cada um tem de fazer, nos contextosdiversos onde essas dimensões se evidenciam. Des-de os normativos legislativos que determinam e re-gulam o sistema, até às interacções particulares quese estabelecem nas escolas e nas salas de aula, há umencadeamento de decisões que importa conscien-cializar e aprofundar.

Consideraremos neste artigo as questões relati-vas à ética e à formação e iremos identicar algunsaspectos que dizem respeito à formação ética de

professores e que relacionam esta formação com asoutras dimensões em estudo, nomeadamente com aregulação e a elaboração de um código deontológi-co e com as concepções éticas, pessoais e prossio-nais, dos professores.

ÉTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Sendo embora poucos, os estudos realizados emPortugal e que se debruçaram sobre a concepçãoda docência e a regulação da prossão já permitemarmar que os professores portugueses vêem a suaocupação como eminentemente ética. Esses traba-lhos de natureza empírica dão-nos a conhecer queos professores, quando lhes é pedido para se expri-mirem acerca do que pensam que é ser professor, de-nem a sua prossão como uma actividade constitu-tivamente ética: ética porque o professor deve agir naobservância de um conjunto de princípios de natu-reza moral e também porque o que se espera do pro-fessor é que ele recorra a uma estratégia, desenvolvaum método e disponha de recursos para promover aformação ética dos alunos. Com efeito, “relativamen-te ao modo como os professores denem a docência,assume particular relevo a função de educar, formaros alunos e contribuir para o desenvolvimento pes-soal e social das crianças e jovens”, sublinhando-seque “ser professor (…) obriga a um modo particularde ser e de estar” (Silva, , p. ). Pensam assim,tanto os professores mais jovens, e que se encon-tram no início da carreira, como os professores mais

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velhos, já no topo ou no meio da carreira, que cola-boraram no estudo de Silva. Para todos eles, a ideiade docência organiza-se em torno de dois pólos: um,a armação que o desempenho da prossão recla-ma dos prossionais características especiais e lhesimpõe exigências de comportamento e, outro, que adocência se realiza na transformação do aluno comvista a que se conduza por referência a valores de na-tureza ética. Para estes docentes parece ser claro que“levar cada pessoa à descoberta do que em si é huma-no e a constituir-se, desse modo, como sujeito morale ético autodeterminado é, propriamente falando,a tarefa educativa” (Seiça, , p. ). A educaçãoé, e deve ser, concebida “como formação global doindivíduo para a cidadania e, indirectamente, comoconstrutora da coesão da cidade, sendo, nessa medi-da, um verdadeiro instrumento político (…) uma ac-ção política” (Seiça, , p. ). Como para Platão,ética, política e pedagogia estão assim estreitamenteligadas. Ao entenderem que a prossão de professortem essencialmente estas dimensões, tal não signicaque considerem que a docência não tenha por fun-ção a transmissão-aquisição de conhecimentos. Cla-ro que tem, mas a dimensão ética da docência pareceser sublinhada. Também vão nesse sentido os resul-tados de uma investigação levada a cabo por AlineSeiça que, ao estudar as representações de profes-sores sobre a sua praxis, visando compreender “seé possível encontrar (…) uma conceptualização éti-ca comum capaz de fundamentar uma deontologiaprossional”, conclui que as referências aos deveresprossionais, pelos professores, parecem sugerir, àluz de uma ética da virtude, de inspiração aristotéli-ca, um elenco de “virtudes” pessoais e prossionaisa desenvolver pelos professores e apontam para anecessidade de “formar os alunos mediante a trans-missão de valores” (Seiça, , pp. - ). Numoutro estudo, ao procurar saber-se, junto de profes-sores estagiários, qual a interpretação que atribuíamà acção educativa, “salientam-se aspectos que conr-mam o carácter eminentemente ético e moral da pro-ssão [… que] tem portanto uma base ou substratoaxiológico” (Mourinha, , p. ). Estes professo-res consideraram fundamentais os papéis relativos àorganização de aprendizagens curriculares “mas, defacto, o maior número de referências situa-se ao nívelda categoria professor educador moral e axiológico”(Mourinha, , p. ).

Em artigo de síntese publicado em e des-tinado a caracterizar o pensamento ético deonto-lógico de professores portugueses do ensino pós--primário a partir de estudos de natureza empírica,Maria Teresa Estrela diz que “ressalta a evidênciaque a quase totalidade dos docentes por eles abran-gidos se identica com a função de educador dosseus alunos e (…) descrevem a sua função em ter-mos morais” (Estrela, , p. ).

Estes estudos apontam, nas suas conclusões,para a necessidade de promover uma formação éti-ca dos professores, bem como para a reexão e in-vestigação sobre esta. Para Maria Teresa Estrela “aformação ética dos professores, quer inicial, quercontínua, poderá dar um contributo decisivo para osalto qualitativo que representa a passagem da cons-ciencialização para a conscientização (…) e poderiapartir da reexão sobre as situações de ensino quedevem ser exploradas e questionadas à luz da éticapessoal e prossional, elas próprias sujeitas a ree-xão e questionamento (…), e ser confrontadas como pensamento de grandes pensadores da ética” (Es-trela, , p. ).

Verica-se, no entanto, que “as escolas de forma-ção de professores e educadores têm concedido umlugar menor ou ignorado totalmente à formação éti-ca dos seus formandos” (Estrela, , p. ), sendoa investigação nessa área quase omissa. Também sãomuito poucos os estudos a nível internacional quese debruçam sobre estas questões. Tal é conrmadopor revisões da literatura de Oser ( ), Hansen( ), Colnerud ( ), Willemseet al. ( ).

O estudo a que este artigo reporta visa precisa-mente aprofundar as questões associadas à ocorrên-cia e necessidades de formação ética dos professo-res, bem como promover práticas de investigação--formação nesta área.

ÉTICA E SISTEMA EDUCATIVO

A natureza propriamente ética da docência já asso-ma na legislação portuguesa, ainda que timidamente.

As dimensões éticas são consideradas como im-portantes no nosso sistema educativo e estão presen-tes em vários documentos legislativos, quer no querespeita à formação dos alunos, quer no que respei-ta à formação dos professores, sendo consideradas

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componentes relevantes para o exercício prossio-nal. Veja-se, por exemplo, a Lei de Bases do SistemaEducativo, onde as questões éticas, associadas aosvalores sociais, espirituais, morais e cívicos, estãoimplícitas, quer como princípios organizativos, quercomo objectivos do ensino básico e secundário.

Assim, nos princípios organizativos faz-se refe-rência a uma preparação para “uma reexão cons-ciente sobre os valores espirituais, estéticos, moraise cívicos (…); c) assegurar a formação cívica e moraldos jovens (…) contribuir para desenvolver o espí-rito e prática democráticos” (Lei nº / , de de Agosto, artigo º, alíneas b), c) e l)).

Também ao nível da formação dos professores,no Decreto-Lei que aprova o regime jurídico dahabilitação prossional para a docência na educa-ção pré-escolar e nos ensinos básico e secundáriosurgem como componentes da formação inicial a“formação cultural, social e ética (…) que abrange,nomeadamente: c) a preparação para as áreas cur-riculares não disciplinares e a reexão sobre as di-mensões ética e cívica da actividade docente” (De-creto Lei nº / , de de Fevereiro, artigo º).Para a formação contínua, uma das áreas privilegia-das é a “formação ética e deontológica” (Decreto--Lei / , de de Janeiro, artigo º, alínea d).

Esta formação pretende, por um lado, ajudar osprofessores na formação ética dos seus alunos, e,por outro lado, apoiá-los no exercício de uma pro-ssão eminentemente ética: veja-se o Decreto-Leinº / , de de Agosto, que aprova o perlgeral de desempenho prossional do educador deinfância e dos professores dos ensinos básico e se-cundário, onde expressamente no capítulo II doanexo se faz referência à dimensão ética, desdobra-da em diversas alíneas, bem como o que se diz sobreos direitos e deveres dos professores presentes noEstatuto da Carreira Docente dos educadores deinfância e dos professores dos ensino básico e se-cundário (Decreto-Lei nº / , de de Janeiro,artigos º e º).

Infelizmente, neste domínio, a legislação não temtido uma concretização que se considere satisfatória.Tal é a opinião dos professores quando, no âmbitodo estudo actual e de outros estudos anteriores, sãoquestionados acerca da pertinência e acerca da suaexperiência de formação neste campo. Aqui, comotantas vezes acontece, o que é considerado desejável

não tem correspondência na realidade presente epassada dos professores. Note -se, ainda, que se tratade um desejável hipotético idealizado no plano dopossível, parecendo haver, por outro lado, resistên-cias por parte dos professores a uma formação nestaárea, quando esta se torna uma realidade provável.Pretendemos ultrapassar estas resistências e para talé importante ouvir os professores acerca das suasnecessidades mais concretas e das suas propostasem termos de conteúdos, modalidades e estratégiasde formação. Esta fase da investigação, de questio-namento através de entrevistas e questionários, visatambém uma recolha de dados a este propósito,não apenas para uma compreensão do pensamen-to ético-deontológico dos professores, mas tambémpara a preparação de uma fase de formação ética dosprofessores, a ser efectivada posteriormente.

UM ESTUDO SOBRE PENSAMENTO EFORMAÇÃO ÉTICO-DEONTOLÓGICOSDE PROFESSORES

Este artigo baseia-se em dados recolhidos numa ªfase de um projecto de investigação intitulado “Pen-samento e Formação Ético-Deontológicos de Profes-sores”, desenvolvido em duas instituições de ensinosuperior, por uma equipe que abrange docentes detodos os níveis de ensino, e da qual fazemos parte.Neste projecto, iniciado em e com nancia-mento a partir de , da FCT, pretende-se conhe-cer o pensamento ético-deontológico de docentes dediferentes níveis de ensino, identicar necessidadesde formação no domínio ético e deontológico, iden-ticar práticas docentes em ordem à promoção dodesenvolvimento ético dos seus alunos e identicare pôr em acção estratégias de formação adequadasàs necessidades detectadas e construir materiaisdestinados à reexão. A ª fase, referente à prossecu-ção dos dois primeiros objectivos, iniciou-se com apreparação, condução e análise de entrevistas semi--directivas feitas a trinta e seis professores dos dife-rentes níveis de ensino, desde o pré-escolar ao ensi-no superior. A análise de conteúdo, do tipo indutivo,foi o método de análise considerado, tendo em contaa diversidade e uidez de perspectivas, que não seenquadram de forma clara em esquemas conceptu-ais bem delimitados. As entrevistas foram o ponto de

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partida para a elaboração de um questionário, já tes-tado, e do qual se fez um primeiro tratamento estatís-tico descritivo e uma análise factorial. A aplicação doquestionário está na sua fase de nalização. A partirdas entrevistas e questionários serão inventariadosprincípios, dilemas, práticas, necessidades de for-mação e pistas de organização da formação que po-derão ser considerados na concepção de projectosde formação, a desenvolver numa segunda fase, comvista à prossecução do terceiro e quarto objectivos.

FORMAÇÃO ÉTICA DE PROFESSORES

Que implicações para a formação decorrem dasconcepções dos professores acerca da ética e acercade como esta é aprendida? Que conceitos de éticaemergem? Como se posicionam os professores facea uma formação ética? Em que medida se sentemsatisfeitos com a formação recebida? Como pode(ou não) ser articulada a formação e um código de-ontológico da prossão docente, na regulação éticada prossão? Estas são algumas das questões a queprocurámos responder neste e no próximo ponto.Serão tratadas de forma interpretativa, articulandoos dados recolhidos nas entrevistas com algumasreexões que estes suscitaram.

F Num discurso que questiona a relação entre éticapessoal e prossional, muitos dos professores en-trevistados têm uma visão centrada em princípiose valores, orientadores da acção, que, segundo amaioria, são comuns aos domínios pessoais e pro-ssionais. Numa lógica expressamente aplicativa,mas que pode ser bem mais complexa e recursiva,os princípios e valores são por vezes entendidoscomo dimensões intrínsecas (“que não se podemdescolar de mim”, professor de º ciclo), pelo que seinterligam nos dois domínios. Estes dados podemser entendidos no sentido dos professores consi-derarem maioritariamente que a ética prossionalé de algum modo um prolongamento de uma éticapessoal, dando ênfase a uma perspectiva em que aidentidade prossional e pessoal se integram numtodo, mais do que se diferenciam segundo diferen-tes papéis. Este é talvez um factor que explica por-que consideram que a mudança, nestes domínios, é

lenta e difícil. Daí que se questione o papel da for-mação nessa mudança.

Mais do que visar a mudança de princípios e va-lores, os discursos sobre formação parecem privile-giar uma perspectiva contextualista e consequencia-lista, de desenvolvimento prossional, embora comdiversidade de propostas que apontam para a ree-xão sobre situações concretas (metodologia de pro- jecto, uso de narrativas, dramatizações e debates),sem descurar linhas de estudo sobre normativos efundamentos éticos e linhas de reexão conceptual.

Numa perspectiva de aprendizagem das di-mensões éticas, pela qual se acentua o seu carác-ter adquirido, a formação e o estudo surgem comofontes de formação ética, mas referidas por vezesde um modo um pouco vago e sem muita ênfase.Na escola, as regras e os modelos encontrados nosprofessores, também as experiências de justiça ede injustiça constituem as principais fontes. Naformação inicial são poucas as referências que real-cem o seu papel formativo a nível ético. As leiturassão referidas por professores de todos os níveis deensino, com ênfase, nomeadamente na área da Psi-cologia, Pedagogia, Antropologia, Filosoa, e ain-da na área da Literatura. São enunciadas, por ve-zes com um grau de detalhe que assinala títulos delivros considerados signicativos. Por outro lado,acentuam, como outras fontes de desenvolvimentoético, a família (um factor amplamente referido porprofessores de todos os níveis de ensino). Acentu-am, ainda, o percurso de vida na sua complexidadee totalidade, aí assinalando acontecimentos sócio--históricos relevantes e experiências em contextosmúltiplos, prossionais e não prossionais, muitasdestas feitas de modo mais autónomo. Os amigos eoutros eus signicativos, bem como a religião, sãooutras fontes referidas com menos destaque, nãosendo assinaladas por professores de todos os ní-veis de ensino.

Esta ideia de que a formação do sujeito ético sefaz em grande parte fora do âmbito educativo for-mal, escolar e formativo, parece dar pouca esperan-ça para uma formação mais estruturada. Esta ree-xão também nos leva a questionar o papel de umcódigo deontológico que consigne os princípios, di-reitos e deveres dos professores, pois se a formaçãotem potencialmente pouco impacto, o que dizer deuma via mais normativa?

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A noção de ética gira em torno de princípios evalores, orientando a acção o estabelecimento deregras para o bem, nomeadamente o bem do aluno.Os professores orientam-se maioritariamente poruma perspectiva contextualista e consequencialistaque considera, no particular, a protecção do outro eo cuidado, através do diálogo e da análise de situa-ções concretas, mas também são orientados por va-lores como o respeito e a solidariedade, a liberdadee autonomia, a justiça, imparcialidade e igualdade,a honestidade e verdade, a responsabilidade e dig-nidade humanas, o rigor e a competência. Estes sãoprincípios e valores que se revelam e expressam emdomínios diversos da actividade docente, em parti-cular na relação com os alunos, na organização cur-ricular e condutas docentes dentro e fora da escola,em relação a colegas, ao sistema educativo e à suaprossão, mas também na relação entre professores,a família e a comunidade.

Verica-se, ainda, que os professores entrevis-tados não atribuem quase nunca aos princípios evalores uma natureza universal, mas uma naturezasubjectiva e intersubjectiva, não os considerandocomo um património comum a todos, assinalandoprocessos de relativismo contextual, associado àformação, à conformidade e regulação social, queaproximam prossionais de um mesmo ofício e aju-dam a construir a(s) cultura(s) de escola. Mais umavez se reforça a ideia de que a formação deverá partirdesta dimensão subjectiva e contextual, embora emarticulação com uma dimensão mais universalista.

Os valores e os princípios descontextualizadosnão deverão estar à cabeça numa formação comoesta, se nos procurarmos adaptar ao modo como osprofessores concebem, ligam estas vertentes éticas.A serem trabalhados, precisam ainda de ser articu-lados com as questões de educação e formação éticados alunos.

D Os dados analisados, relativos aos educadores eprofessores da educação pré-escolar, dos º, º e º ciclos do ensino básico e do ensino secundárioapontam para uma desfasamento entre a formaçãorecebida e a necessidade sentida de uma formaçãona área da ética. A experiência terá sido nula ou qua-se nula, quer na formação inicial, quer na formaçãocontínua. Só no pré-escolar, uma educadora diz ter

tido uma disciplina de ética na sua formação iniciale são muito poucos os que armam ter trabalhadoquestões éticas em áreas e disciplinas que se debru-çavam sobre outros temas. Na formação contínua opanorama mantém-se e as questões éticas são porvezes, raramente segundo as entrevistadas, trabalha-das a propósito de temas mais abrangentes.

Por contraste, são frequentes as referências àpertinência de uma formação inicial e contínua naárea da ética, embora entendida de modo diferen-ciado, pelos professores dos diversos níveis de ensi-no. Uma formação inicial que forneça fundamentospara a prática, que se constitua como uma formaçãorigorosa e organizada, motivadora para as questõeséticas e que seja ela própria uma experiência ondese vive a ética. Uma formação contínua que, numafase em que poderá haver mais sensibilidade para otema, permita colmatar a distância entre a teoria e aprática, pela consciencialização de si próprio, quecrie condições nas quais os professores possam pa-rar para pensar, que mobilize o tratamento de temasactuais, que ajude a gerir relações de grupo e queoriente a formação ética dos alunos.

E

Para além desta similaridade de experiências e po-sições face à necessidade de uma formação na áreada ética, quer inicial, quer contínua, surgem muitasoutras similaridades no modo como se concebea formação desejável. Assim, ao nível dos conteú-dos, os valores, as atitudes e comportamentos sãoreferências frequentes, quer para a formação inicial,quer para a formação contínua. Também o trabalharsobre situações prossionais concretas e debruçar--se sobre questões da sociedade são assuntos referi-dos para a formação inicial e contínua. Em termosde modalidades e estratégias de formação, são cen-trais, para todos os níveis de ensino, as referências àreexão como estratégia de formação, uma reexãocolaborativa e introspectiva, sobre si, sobre os con-textos, sobre as nalidades, sobre as práticas, sobreos outros, privilegiando a análise de situações con-cretas e de experiências pessoais.

A ideia de se organizar a formação na forma deuma disciplina é bastante referida quer para a for-mação inicial quer para a formação contínua, nãosendo no entanto consensual.

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Mas os dados também apontam para algumasdiferenças de perspectivas sobre a formação iniciale a contínua, que poderão ser aprofundadas coma continuação do estudo. Veja-se, por exemplo, asmodalidades de formação, com propostas muitomais diversicadas na formação contínua, em rela-ção à qual surgem sugestões como o estudo de ca-sos para a resolução de problemas e de situações dodia-a-dia, a discussão, a simulação, a troca de expe-riências, a construção de materiais, mas também oestudo e leitura, conferências, seminários e acçõesde formação, a colaboração de peritos, a dinâmicade grupos, o lúdico, a investigação-acção, a reexãosobre códigos éticos.

Estas propostas são interessantes para quem,como nós, perspectiva avançar concretamente noterreno, para a formação contínua, e parece-nos quepodem ser conjugadas em modalidades diversas,onde se privilegiem os círculos de estudo e projec-tos de investigação-acção que, partindo de situaçõesdo quotidiano, e em situações colaborativas, promo-vam a pesquisa empírica, a fundamentação teórica,a reexão ética e a transformação emancipatória. Acriação de diferentes núcleos de formação, de dife-rentes níveis de ensino, cujos formadores estejamenvolvidos neste projecto de investigação pode fa-vorecer o desenvolvimento de uma rede alargada deprojectos de formação-investigação na área da ética.Esta ideia de rede é, aliás, uma ideia mobilizada poralguns dos professores entrevistados. É, ainda, nes-te sentido, que perspectivámos um “projecto colec-tivo a partir de grupos de formação que se alarguemem rede, rentabilizando as possibilidades das novastecnologias, e se transformem em comunidades”(Estrela, , p. ).

FORMAÇÃO E REGULAÇÃO ÉTICADA PROFISSÃO — O PAPEL DEUM CÓDIGO DEONTOLÓGICO

Apesar dos dados sobre regulação ética da prossãoindicarem que há professores que consideram que“a formação não dá tudo” (educadora) e que um có-digo deontológico pode ser importante, não é nor-malmente feita uma relação explícita sobre como aformação pode ser associada a um código, apesar dehaver quem, quando questionado sobre a formação

inicial, a ligar implicitamente ao código, armandoque era importante as pessoas já iniciarem com umcódigo de ética, e de haver quem considere que o có-digo poderia facilitar a formação da consciência pro-ssional e ser a base de uma formação deontológica.Assim, mais do que processos que se alimentassementre si, surgem como modos paralelos e comple-mentares de regulação. No entanto, os dados tam-bém não negam ou recusam formas recursivas pelasquais o código pudesse ser uma meta a claricar noâmbito de uma formação, ou pelas quais um códigopudesse ser entrada para reexão e debate em pro-cessos de formação. Destacam ao nível da formação,isso sim, uma via menos apriorística e mais contex-tualista, reexiva e prática, embora não excluindo orecurso a leituras e por vezes apontando para linhasinvestigativas nas quais a teoria e a prática se alimen-tariam mutuamente. Destacam, ainda, a importânciade que o processo de elaboração do código seja ca-racterizado por esses mesmos processos contextua-listas e reexivos, no interior da prossão, devendoser os próprios professores, mesmo que mobilizadosexternamente, aqueles que deveriam denir os seusprincípios orientadores, através de diálogos e dis-cussões, em contextos diversicados.

Com efeito, se é verdade que os educadores eprofessores entrevistados vêem como nalidadepara a regulação ética da prossão a salvaguarda dosprossionais e a publicitação das obrigações, dosdeveres e direitos dos professores, o código surgetambém como um instrumento para que os valorese princípios relativos às crianças sejam respeitados.

Este ponto de vista sugere que o código é, senãoindispensável, pelo menos útil a três níveis: ao ní-vel da intervenção e da relação dos professores comos alunos, ao nível da intervenção e da relação dosprofessores junto da sociedade e ao nível da relaçãocom os seus pares.

Seguindo esta linha de raciocínio, o que se agu-ra é que, para os professores e educadores entrevis-tados, o código havia de dizer duas coisas — quaissão os valores e princípios relativos às crianças (e,por extensão, relativos aos alunos) e quais são osdireitos e deveres dos professores. O código e a ela-boração do código poderiam ter um potencial for-mativo por proporcionarem, seja aquando da suafeitura, seja posteriormente, uma reexão centra-da nos próprios ns da educação, isto é, sobre os

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valores e os princípios da educação. O código, peloseu conteúdo, oferecer-se-ia como material de for-mação sobre o que é e para que serve a prossão deprofessor e como deve ser desempenhada. Isto, porum lado. Por outro, como diz uma professora do

º ciclo, “na prossão de professor, tal como na domédico, a questão é a ética”, querendo-se com istotalvez dizer que o cerne do exercício prossional éo bem do outro. E será por causa de a questão ser aética que não se vê como não se seja formado parabem lidar com a questão ética.

Outros docentes, pelo facto de haver um código,não sabem “se isso mudaria (…); a base é a formaçãodas pessoas”: não vêem, parece, que uma coisa e aoutra se poderia conjugar. E acrescentam que “maisdo que um código, a escola devia ter um centro derecursos, para todos os professores, que as escolasdeviam ser dotadas das infra-estruturas básicas”.Quase se poderia dizer que melhores condições detrabalho, uma formação adequada e um melhor fun-cionamento das escolas tornariam desnecessário ocódigo, não apenas não se estabelecendo uma van-tagem para a formação da existência de um código,como se considerando mesmo o código como dis-pensável. Esta perspectiva padeceria de “uma visãoredutora da prossionalidade docente” (Reis Mon-teiro, , p. ), subestimando a dimensão deon-tológica do agir prossional, para além de parecernão partilhar da noção de que o porquê e o para quêda docência devem ser objecto tanto da formaçãocomo do código, dada a “natureza questionadorae questionável da docência” (Seiça, , p. ) eque, por isto mesmo, o código e a formação poderãoalimentar-se reciprocamente. Mas sendo a questãoa ética, voltando àquela docente, estar-se-ia próxi-mo da consideração de que “a preparação das no-vas gerações de cidadãos é uma das nalidades emtorno da qual existe um amplo consenso (…) e quea cidadania tem uma dimensão tanto política comosocial e que uma e outra envolvem uma componen-te ética” (Howard, , p. ). Esta componenteética é manifesta porque “no caso das prossões daeducação (…) não está apenas em causa a ética dosujeito, isto é, o respeito da dignidade e direitos doeducando, mas está essencialmente em jogo o sujei-to ético, ou seja, a formação da consciência moral eo desenvolvimento da capacidade de autonomia eresponsabilidade das crianças, adolescentes, jovens,

e eventualmente, adultos” (Reis Monteiro, , p.). Sendo evidente esta componente ética, a forma-

ção de professores como educadores morais deviaocupar os currículos de formação de professores e aquestão da regulação ética da prossão não poderiaestar ausente desses programas.

REFLEXÃO FINAL — PARA UMAFORMAÇÃO ÉTICA DE PROFESSORES

Partindo da análise dos dados recolhidos atravésde entrevistas, numa primeira fase de investigação,postos à prova pela aplicação de questionários acentenas de docentes, preparam-se agora os passospara uma segunda fase, onde a formação ética dosprofessores seja posta em curso e seja objecto, elaprópria, de investigação. Tendo em conta as pers-pectivas dos professores, mas também diversasperspectivas teóricas sobre ética e formação de pro-fessores, equaciona-se uma via que acentue o traba-lho colaborativo e reexivo, onde o professor tome aresponsabilidade pela sua actuação ética e desenvol-vimento ético dos seus alunos. Procurar-se-á “partirda própria experiência e dos dilemas que ela lhe co-loca, para questionar as concepções éticas de cadaum e dos seus pressupostos” (Estrela, , p. ).

No sentido de dar voz aos professores, perspec-tiva-se, entre outras estratégias, partir dos seus dile-mas reais (Beyer, ; Caetano, , ; Woodet al ., ) e tensões, entendidas aqui num concei-to amplo que agrega as diculdades, problemas, di-lemas subjectivamente colocados pelos sujeitos emsituações prossionais, constituindo assim experi-ências subjectivas de conito, discrepância, ques-tionamento e incerteza, que empurram as pessoaspara direcções opostas, tendo uma dimensão pes-soal e emocional associada de inquietação, impa-ciência ou mesmo ansiedade, e que resultam numprocesso de decisão mais ou menos reexivo quepõe em confronto diversas perspectivas, sentimen-tos, acções, interacções e suas consequências bemcomo elementos de ordem contextual. O conceitoaponta assim para uma dialógica através da qual astensões se equacionam, se aprofundam e, por ve-zes, se atenuam ou superam, de uma forma mais oumenos intensa, mais ou menos problemática e difí-cil, mais ou menos criativa ou estratégica, mais ou

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menos livre ou limitada por constrangimentos situ-acionais (Caetano, ). Esta opção é sustentadapelas entrevistas, em que foram diversos os dilemase tensões referidos, nomeadamente na relação comos alunos, com os pais e com os colegas e funcio-nários. Pretende-se, assim, usar os dilemas-tensões,dos próprios ou de terceiros (pela apresentação decasos e leitura de extractos das entrevistas efectua-das), para aprofundar as questões éticas, o pensa-mento ético-deontológico e competências diversas,quer de ordem pessoal, nomeadamente de ordemcognitiva (como o conhecimento ético, a reexi-vidade ética e a conceptualização ética — com aconstrução de modelos e sistemas próprios), emo-cional e volitiva (ligadas à motivação, decisão e ac-ção), quer competências de ordem interpessoal (taiscomo empatia, escuta activa, resolução de conitos,etc), quer, ainda, competências transversais, como aresponsabilidade, autonomia e criatividade.

Ao equacionar os dilemas e as tensões, em ge-ral, como ponto de partida e eixos de análise para aformação, podemos encaminhar o trabalho do seuaprofundamento apelando para a escrita reexivaem torno das dimensões éticas, práticas e contex-tuais (partindo de uma formulação mais genéricaà tensão-dilema e solicitar que cada um elaboreregistos narrativos de situações concretas que ope-rem com esses dilemas mais amplos), para leiturasdiversicadas, modelizações complexas, debates ouroleplaying . Também é importante procurar umaunidade criativa que supere o conito e faça a in-tegração. Isso pode e deve passar por dar atençãoa cada dimensão do conito e por fazer o diálogoentre as diversas posições alternativas, mas tambémpode passar pela cumulatividade das alternativas,por superar o conito por uma unidade criati-va onde, por exemplo, se apelem a novos valores,outras soluções onde os valores não estejam emcontradição; ou mesmo por manter a contradição,desenvolvendo imagens que tornem conciliáveis osaparentes inconciliáveis. Equacionar o dilema pode,ainda, ser trabalhado através de um compromisso,por remeter para o bem do todo, em vários níveis deabrangência, ou para princípios e valores conside-rados hierarquicamente mais básicos e fundamen-tais. Pode, por outro lado, passar por manter aber-tura a soluções particulares e contextualizadas, pelaparticipação do todo, pela vigilância ao instante e

à totalidade singular de cada situação. A tensão é,assim, entendida num sentido positivo, geradora demovimentos criativos que podem ser aproveitadoscomo oportunidades de reexão e de mudança, emcontextos formativos.

Mas as tensões e os dilemas são apenas uma, demuitas outras entradas possíveis. Trata-se, pois, deprocurar integrar objectivos e perspectivas distin-tas, de ética e de formação, onde as dimensões aqui-sitivas, analíticas e processuais-experienciais se con- juguem numa via dialógica e investigativa e onde aabordagem deliberativa, relacional e crítica se apro-fundem, emergindo diferenciadamente a partir dosinteresses e necessidades de cada grupo. Trata-sede uma formação assente numa “ética da discussão,destinada a promover (…) verdadeiras comunida-des comunicacionais (Moreau, , p. ) e ondeos professores se assumem como verdadeiros agen-tes morais. Trata-se de um modelo integrador quedeverá obedecer a uma dupla orientação, que “visaa tomada de consciência dos aspectos e problemasde carácter ético (…) e a tomada de consciência desi em acção, enquanto pessoa total, eticamente res-ponsável” (Estrela, , p. ).

Esta é uma formação que reforça uma perspec-tiva ética assente numa fundamentação intrínseca,numa reexividade crítica e criativa, prática e teó-rica, mas também numa experiência emocional eintuitiva, aberta e exível aos contextos, pelo quedela emergem princípios e valores a um tempo sin-gulares e universalizáveis, construídos em comuni-dade, pela participação democrática de todos e decada um dos implicados. Deste modo preconiza-seo desenvolvimento de uma ética que opera criati-vamente na conuência entre várias perspectivas:onde uma ética da compreensão, pela reexão, em-patia e equanimidade, se conjuga com uma ética docuidado e da rel(ig)ação, pela valorização do outro edas consequências dos actos sobre os outros, onde“se dá primazia às emoções e sentimentos moraiscomo estímulos para a acção e o juízo moral (…)com ênfase no particular mais do que no universal”(Howard, , p. ), conjugadas numa linha deética experiencial de atenção ao próprio, aos outrose aos contextos, e de uma ética das virtudes, queemergem de toda essa experiência, sem descurarvias mais deontológicas e teleológicas que apoiame direccionam as experiências e que delas resultam.

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Esta é uma formação que assume o que de posi-tivo a pós-modernidade acentua — nomeadamentea voz plural, local, historicamente contextualizadados seus intervenientes, vozes e visões que conitu-am no interior de cada um e no confronto entre osdiversos. Mas as vozes e visões transportam dentrode si essas dimensões transversais dos princípios evalores básicos, entendidos como universalizáveis.Trata-se, assim, de uma formação na qual o diálogo,intrínseco à relação entre a modernidade e a pós--modernidade, se actualiza.

Esta é, ainda, uma formação que se comprome-te com uma visão complexa, onde as esferas indi-viduais, interpessoais, institucionais, comunitáriase mesmo planetárias se consideram de uma forma

interdependente. Uma visão complexa pressupõeuma articulação entre o todo e a parte, entre o bemcomum e o bem individual, sobressaindo princí-pios e valores como a responsabilidade, a autono-mia e a solidariedade, considerados em contextosparticipativos e democráticos (Morin, , ).Trata-se de uma formação que favorece a dialógicacriativa, reexiva e auto-reguladora entre o univer-sal e o singular, o pensamento e a acção, a razão e aafectividade, as intenções e os resultados, os conte-údos e os contextos, sendo a exibilidade e uidezqualidades que interpenetram o que é mais estável eque actualizam os sentidos, pelo que o instante e omovimento são partes relevantes do processo.

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INTRODUÇÃO

Num momento em que a escola, enquanto institui-ção educativa e formativa, se depara com inúmerosdesaos e enfrenta profundas alterações, a educaçãoe a formação ganham um sentido renovado e vêemreforçado o seu valor estratégico como factores de-terminantes de inovação, de progresso, de compe-titividade, de excelência e de bem-estar económicoe social. Neste contexto, a questão da qualidade doensino e das aprendizagens (e também da qualidadedos professores) tem sido uma das palavras-chavedos discursos políticos e debates que se têm geradoem torno do tema Educação.

Ora, como lembra Nóvoa ( , p. ), não é pos-sível existir “ensino de qualidade, nem reforma edu-cativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequadaformação de professores”. Um preceito que contri-buiu para que a formação de professores se transfor-masse numa área de investigação e conhecimento ca-paz de oferecer soluções para alguns dos problemascom que se deparam os sistemas educativos (Marcelo,

). Assim se compreende que, tanto a nível nacio-nal como internacional, a formação de professorescontinue a preencher uma boa parte dos debates emeducação e a ser elemento de referência nas políticaseducativas, o que demonstra a sua inuência na quali-dade do desempenho prossional dos docentes e, porconsequência, na melhoria dos processos de ensino--aprendizagem que se desenvolvem nas escolas.

É, pois, em torno dos contributos que a forma-ção de professores pode propiciar, tanto ao nível do

desenvolvimento prossional docente, quanto damudança e melhoria das práticas curriculares que sedesenvolvem nas escolas, que pretendemos reectirneste texto, no sentido de enquadrar e apresentarum projecto de investigação em curso.

Partindo dos desaos que, nesta matéria, se têmvindo a colocar mais recentemente à formação deprofessores, apresentamos na segunda parte do tex-to um projecto de investigação que temos vindo adesenvolver em torno formação de professores emcontextos colaborativos.

DESAFIOS NA FORMAÇÃODE PROFESSORES

À semelhança do que tem acontecido no campo daeconomia, as questões de carácter social e cultural têmmerecido uma atenção crescente por parte da Comis-são Europeia, com sucessivos apelos aos distintos pa-íses comunitários para encetarem reformas no campoda educação e da formação e concretizarem os objec-tivos estratégicos do programa de trabalho “ Educa-ção & Formação para ”¹. Estes visam colocar aEuropa na rota daeconomia baseada no conhecimento e transformá-la num espaço competitivo à escala doplaneta, sem que esse processo resulte do sacrifício donível e da qualidade do emprego, da debilidade da coe-são social ou da agressão à sustentabilidade ambiental.

Tais propósitos inserem-se num movimento deregulação mais amplo que serve de esteio à constru-ção de umanova ordem educativa mundial (Laval

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& Weber, ), cujos autores, actores e acções gra-vitam essencialmente no domínio supranacional eque, na opinião de Antunes ( , p. ), têm sidoos principais propulsores das mudanças conceptu-ais, institucionais, axiológicas e relacionais que hojese vericam no campo educativo.

Com efeito, tanto a nível político como territo-rial, têm sido evidentes os esforços da União Eu-ropeia para “ampliar a sua capacidade de actuaçãoe inuência”, para denir umamatriz política quenorteie os destinos educativos dos vários países quea integram e para conceber novas entidades que,não se confundindo com os sistemas educativos e deformação nacionais, “aparecem codicadas sobre adesignação deespaço europeu (do conhecimento, doensino superior, de educação e formação, de apren-dizagem ao longo da vida, de investigação e inova-ção…)” (Antunes, , pp. - ) e visam cumpriros desígnios estipulados para o desenvolvimento deum novo modelo social na Europa².

Neste empreendimento, a qualidade do ensinoministrado é um factor determinante, o que confe-re um papel central aos processos de educação eformação e uma responsabilidade acrescida a pro-fessores e formadores, já que da qualidade da suaformação académica e prossional e do serviço quedesempenham depende, em muito, o melhor oupior desempenho dos estudantes.

Também a este nível, a Comissão Europeia temrevelado grande sensibilidade, criando mecanismospara consolidar o conceito de uma dimensão euro-peia na formação de professores³ e desenvolvendoprogramas comunitários para promover a mobili-dade e apoiar o desenvolvimento de competênciaspelos docentes⁴. Em qualquer dos casos, estamosconvictos de que não se trata de desenvolver um“tipo” único de professor, já que os sistemas edu-cativos europeus são diferentes e “ninguém podepensar em qualquer tipo de uniformização” (Frei-tas, , p. ). Sendo certo que a prossão docenteé construída na base de “valências comuns”, o quepermite que professores de diferentes países se re-conheçam facilmente como pares, a verdade é que“subsistem diferenças que, não sendo sucientespara descaracterizar a prossão, não permitem umaverdadeira identidade (Freitas, , p. ). Daí a ne-cessidade de encontrar caminhos que apontem parao desenvolvimento de um paradigma de professor

europeu, ancorado num conjunto de conhecimen-tos e competências reconhecidos como essenciaispara a docência e que, além de tentar harmonizardiferentes tipos de formação docente e estimular ointercâmbio e a cooperação entre professores de di-ferentes países, facilite a construção de um espaçoeducativo europeu a várias vozes, sem deixar de terem conta princípios e objectivos comuns.

Esse perl de professor, para além dos saberescientícos, especícos da área de conhecimento aque o professor se encontra vinculado, deve incluiruma série de competências didácticas e pedagógi-cas inerentes à função docente que permitam nãosó recorrer a métodos de ensino e aprendizagemmais construtivos e mais centrados no trabalho emequipa, mas também desenvolver acções que res-pondam aos problemas éticos e às diferenças queainda persistem no interior de muitas salas de aula.Nesse leque de competências, devem ainda ser ti-das em conta destrezas que permitam aos docentesexplorar oportunidades fornecidas pelas novas tec-nologias, fazendo delas um recurso para engendrarformas de aprendizagem mais individualizada, bemcomo as que permitam desenvolver atitudes inves-tigativas, aqui vistas como meio de actualização eaprofundamento de conhecimentos, de reexão so-bre o trabalho desenvolvido, de tomadas de decisão,de resolução de problemas e de desenvolvimentoprossional contínuo.

É nesta ordem de ideias que a formação de pro-fessores se congura como uma dimensão estrutu-rante da mudança e melhoria das práticas curricula-res e, por consequência, dos sistemas de educação eformação. A partir do momento em que se compre-endeu que a formação inicial representa apenas umaetapa precedente à entrada na prossão, a formaçãocontínua e o conceito de desenvolvimento prossio-nal contínuo (Day, ) ganharam novos sentidos epassaram a ser tidos como elementos de referência,tanto ao nível da construção da identidade pros-sional docente, como da concepção e operacionali-zação dos processos de ensino-aprendizagem.

Na verdade, se ao nível da formação inicial sedeve propiciar aos futuros professores a aquisiçãode conhecimentos e o desenvolvimento de compe-tências inerentes à tarefa educativa, a formação con-tínua, que deve começar quando o docente iniciafunções, tem a seu cargo a tarefa de “compaginar

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pensamento e acção, reformular e actualizar a pre-paração dos professores, questionar as práticas deensino, identicar problemas e necessidades (…)e desenvolver novas formas de relacionamento enovos modos de trabalho” (Morgado, , p. ).Formação inicial e formação contínua assumem-se,assim, como componentes nucleares do desenvolvi-mento prossional e da mudança ou inovação daspráticas curriculares.

Porém, o sucesso da formação de professores, so-bretudo ao nível da formação contínua, depende dacapacidade das escolas se envolverem na concepçãoe desenvolvimento colectivo de projectos de forma-ção que respondam às suas necessidades e que per-mitam encontrar respostas para os problemas comque se deparam no seu dia-a-dia. Não deixando dereconhecer a importância de um plano de formaçãode âmbito mais global, bem como de alguns apoiosexternos (recursos humanos, nanceiros e materiais),estamos convictos de que se tais projectos eclodiremno seio de cada instituição, ou conjunto de institui-ções que se organizem para esse efeito, serão maisprofícuos e relevantes, por responderem melhor àsnecessidades e interesses das escolas e permitiremque os docentes se assumam como autores dos seuspróprios processos de formação.

Aliás, o momento de mudança que, no terrenoda formação de professores, se vive actualmente nasinstituições de ensino superior, só surtirá os efeitosdesejados se, ao nível das escolas, a formação con-tínua se estruturar numa lógica mais contextualiza-da, isto é, se repousar numa identicação constantede necessidades e problemas para, a partir deles, seidealizarem projectos de formação e (re)deniremlinhas de acção pedagógica. No fundo, uma forma-ção que viabilize uma aprendizagem contínua nodecorrer do próprio exercício prossional (Cam-pos, ), privilegie a investigação como estratégiade formação, capacite os professores para “uma to-mada de consciência prossional de si em situação”(Estrela & Estrela, , p. ) e os mobilize paraconceber e desenvolver práticas pedagógicas querespondam com ecácia às exigências prossionaiscom que actualmente se deparam.

Além disso, a formação contínua deve, ainda,cumprir dois aspectos essenciais. Por um lado, “serinformada pela investigação”, o que implica que sedesenvolva no sentido de preparar os professores,

tanto para recorrer à investigação produzida no do-mínio da educação, quanto para agir com espíritoinvestigativo (Campos, , p. ). Os desaos quehoje se colocam à prossionalidade docente assim oexigem, já que a actividade prossional fundada emrotinas se revela obsoleta, prevalecendo a singula-ridade de cada contexto educativo e a necessidadede uma constante (re)adaptação da acção educativa.

Por outro lado, a formação contínua deve fo-mentar o desenvolvimento de práticas colaborativasnas escolas. Ao desempenho mais individualistado professor, típico do ensino de cariz disciplinarque prevaleceu durante muito tempo, contrapõe-sea necessidade do trabalho em equipa, sem o qualserá inviável qualquer tentativa de gestão curricularexível e diferenciada, de desenvolvimento de umaatitude docente mais autónoma e de construção deuma “nova” cultura docente.

Foi com base nos princípios que vimos enun-ciando que delineámos o projecto deinvestigação--formação que apresentamos de seguida.

O PROJECTO “FORMAÇÃO DEPROFESSORES EM CONTEXTOSCOLABORATIVOS”

P JTrata-se de um projecto iniciado em ⁵ que as-senta na ideia da colaboração como pilar central dotrabalho dos professores, da sua formação e do seudesenvolvimento prossional, desenvolvendo-senum contexto de colaboração (desde a sua géneseaté à sua concretização e avaliação) entre três inves-tigadoras da Universidade de Lisboa, uma da Uni-versidade Nova de Lisboa e dois da Universidadedo Minho, nove professoras/doutorandas em Edu-cação (cinco a iniciar e outras quatro a terminar) ecinco colaboradoras, num total de vinte elementosda equipa de investigação.

O desenvolvimento do conhecimento acercados processos de aprendizagem dos adultos real-ça claramente a importância da reexividade e daaprendizagem em contexto, reforçando a necessi-dade de articulação entre os processos de trabalhoe os processos de formação. No que diz respeito àformação de professores, também se reclama, cadavez mais, a importância da procura, em cada escola,

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prossional, limitando a compreensão e o impactocolectivos”.

No âmbito deste projecto, pretendemos que osprofessores, em colaboração, melhorem, não só osseus próprios desempenhos prossionais, comotambém que essa melhoria constitua uma mais -valiapara a comunidade educativa. A este propósito, Day( , p. ) defende que os professores devem ter“oportunidades para participar numa variedade deactividades formais e informais indutoras de pro-cessos de revisão, renovação e aperfeiçoamento doseu pensamento e da sua acção e, sobretudo, doseu compromisso prossional”. A investigação temvindo a demonstrar que o crescimento prossionaldos professores aumenta quando é valorizado umtrabalho colaborativo, em que existe uma constanteinteracção que permite a partilha de experiências desucesso e a aprendizagem com os erros dos seus pa-res (Lave & Wenger, ; Gallagher & Ford, ;Boyd, , citados por Glazer & Hannan, ).

Também um estudo de Lee e Judith Shulman( , citados por Roldão, , p. ), que defen-de a aprendizagem como processo formativo na ac-tividade de um professor, requer a ancoragem “nareexão colectiva; na análise e observação conjuntadas situações concretas da acção docente; na pro-cura colaborativa de mais informação, geradora denovo conhecimento prossional e na realização deacções de ensino em formato partilhado”.

Assim, o projecto que aqui se descreve propõea colaboração como factor de aprendizagem pro-ssional, através da estimulação de interacções re-cíprocas entre os professores. Neste contexto decolaboração, torna-se visível a articulação entre osprocessos de melhoria da escola e a formação e odesenvolvimento prossional dos professores.

Investigação-acçãoNesta dinâmica de formação colaborativa que de-fendemos, pensamos que a investigação-acção co-laborativa constitui a metodologia de investigaçãomais adequada.

A expressão investigação-acção tem sido utiliza-da com diferentes usos e sentidos mas, de uma for-ma genérica, pode denir-se como uma “vasta gamade estratégias realizadas para melhorar o sistemaeducativo e social” (Latorre, , p. ). A existên-cia de concepções diversas sobre esta metodologia

de investigação ocasionou o aparecimento de mo-delos diferentes, muito embora todos se inspiremna conceptualização de Kurt Lewin (- ).O modelo defendido por Kemmis ( , citadopor Latorre, ) pareceu-nos o mais adequadopor ser aquele que melhor se aplica ao ensino. Estemodelo organiza-se em dois eixos: um estratégico(acção e reexão) e outro organizativo (planicaçãoe observação). Estes eixos relacionam-se de formainteractiva, o que permite a compreensão e a reso-lução de situações da prática educativa. A modali-dade defendida por Kemmis e Carr ( , citadospor Latorre, , p. ), que nos parece adequadaaos objectivos que defendemos, é a investigação--acção crítica ou emancipatória que acrescenta àsoutras duas modalidades que surgem na literaturasobre esta temática (“técnica” e “prática”) a preocu-pação, não só com “a transformação da organizaçãoe prática educativa, mas também com a organizaçãoe prática social”.

Nesta perspectiva, os professores envolvidos,numa estrutura horizontal, partilham reexões, de-cisões e responsabilidades, não só sobre eles pró-prios mas também sobre a comunidade educativa, e“as suas respostas serão em forma de prática trans-formada, práticos transformados e cenários ondeas suas práticas ocorrem transformados, em deter-minado tempo e em determinado lugar” (Kemmis,

, p. ).Perez Serrano ( ) destaca, como aspectos do

conceito de investigação-acção, os seguintes: pres-supõe mudança, transformação e melhoria da rea-lidade social; implica a colaboração; desenvolve-seseguindo uma espiral de ciclos; é um processo sis-temático de aprendizagem contínua; orienta-se paraa criação de grupos de reexão autocríticos; é par-ticipativa; metodologicamente concebe-se de ummodo amplo e exível; propõe um novo tipo de in-vestigador; parte da prática; pretende ter rigor me-todológico; começa por operar pequenas mudan-ças; permite criar registos das melhorias realizadas.

Kemmis e McTaggart ( , citados por Latorre,, p. ) consideram, por sua vez, como metas

da investigação-acção, “melhorar e/ou transformara prática social e/ou educativa, em vez de procuraruma melhor compreensão dessa prática; articularde maneira permanente a investigação, a acção e aformação; aproximar-se da realidade, vinculando

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a mudança e o conhecimento; fazer os professoresprotagonistas da investigação”.

Assim, a investigação-acção colaborativa induzos professores a teorizar acerca das suas práticas,questionando, nos seus contextos, a acção e as suasconsequências e compreendendo as relações entrea circunstância, as acções e as consequências nassuas próprias vidas. O trabalho colaborativo dainvestigação-acção pressupõe um trabalho conjun-to de investigadores e práticos, com a consequenteimplicação de ambos. Pressupõe um processo deaprendizagem focalizado, fundamentalmente, naplanicação da acção e na avaliação dos resultados.Latorre ( , p. ) considera a investigação-acção“como um questionamento prático realizado pelosprofessores de forma colaborativa, com a nalidadede melhorar a sua prática educativa através de ciclosde acção e de reexão”.

O movimento contínuo, de natureza cíclica,entre a acção e a reexão, permite um processo dequestionamento entre aquilo que são as evidênciase a interpretação do grupo colaborativo, ou seja,“uma espiral dialéctica entre a acção e a reexão, demodo a que ambos os momentos quem integradose se complementem” (Latorre, , p. ).

Formação e Desenvolvimento Prossional de ProfessoresA formação de professores tem sido situada por al-guns autores (Estrela & Estrela, ; Nóvoa, )numa “encruzilhada”. Maria Teresa Estrela e AlbanoEstrela ( , p. ) argumentam que o “discurso te-órico da formação é pouco sustentado em trabalhosempíricos que conrmem a sua adequação ao real”.Por outro lado, referem, baseando-se na literatura aque tiveram acesso, “uma certa incapacidade de ino-vação de práticas e de renovação do discurso”.

Mas, esse facto não retirou importância à forma-ção contínua. Pelo contrário, os autores consideram--na relevante a vários títulos:i) pela valorização dotrabalhador consignada na legislação referente aotrabalho;ii) pelas práticas formativas que ocupammilhares e milhares de horas a formadores e for-mandos;iii)pelos investimentos nanceiros mobi-lizados por organismos privados e estatais, a nívelnacional e internacional;iv) pelo conhecimento ge-rado pela necessidade de fundamentar, desenvolvere avaliar as práticas de formação e os seus efeitos.

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A formação contínua constitui um conceito po-lissémico remetendo para diferentes visões, diferen-tes sensibilidades ideológicas e diferentes epistemo-logias (Estrela & Estrela, ). A partir da análisedas várias denições de formação contínua, os auto-res isolam dois pontos consensuais, isto é, “trata-sede uma formação que se segue à formação inicial”e “supõe uma intencionalidade, orientando-se paradeterminados ns” (Estrela & Estrela, , p. ).

Contudo, como reconhece Corcoran ( , ci-tado por Pacheco & Flores, ), muitas vezes osconceitos de desenvolvimento prossional e forma-ção contínua são utilizados como sinónimos. MariaTeresa Estrela e Albano Estrela ( , p. ) enca-ram a formação contínua como “o conjunto de acti-vidades institucionalmente enquadradas que, após aformação inicial, visam o aperfeiçoamento prossio-nal, pessoal do professor” remetendo para o desen-volvimento prossional o conjunto de “processosde mudança da pessoa em relação com o trabalho,operados ao longo da carreira e que decorrem deuma pluralidade de factores (…)”.

Por seu turno, Day ( ) defende que o conceitode desenvolvimento prossional não exclui a forma-ção contínua de professores na forma de cursos, massitua-a num contexto de aprendizagem mais vasto, nosentido de promover o crescimento dos indivíduose das instituições, realizando-se tanto dentro comofora dessas mesmas instituições. Trata-se de “umavisão holística do desenvolvimento prossional con-tínuo dos professores” que engloba os desaos e osconstrangimentos que afectam a sua capacidade parase empenharem prossionalmente e para desenvol-verem as suas competências, cujo sentido “dependedas suas vidas pessoais e prossionais e das políticase contextos escolares nos quais realizam a sua acti-vidade docente” (p. ). Salienta, ainda, o autor (p.

), que o conceito de desenvolvimento prossionalinclui “quer a aprendizagem eminentemente pesso-al, sem qualquer tipo de orientação, a partir da ex-periência (…), quer as oportunidades informais dedesenvolvimento prossional vividas na escola, querainda as mais formais oportunidades de aprendiza-gem ‘acelerada’”. No entanto, sublinha Day ( ),para promover e gerir o desenvolvimento pros-sional, de uma forma ecaz, é mais importante umaperspectiva centrada no aprendente do que centra-da na instrução, chamando a atenção para os vários

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factores que, estando interligados, contribuem paraa qualidade da aprendizagem e do desenvolvimentoprossionais. Assim, “um bom ensino exige que osprofessores (re)analisem e revejam regularmente aforma como aplicam princípios de diferenciação, co-erência, progressão, continuidade e equilíbrio, nãosó no ‘que’ e no ‘como’ ensinar, mas também no ‘por-quê’, ao nível dos seus propósitos ‘morais’ básicos”(Day, , p. ).

A formação contínua, como tem sido sustenta-do, pretende melhorar as competências prossio-nais, mas, para isso, a forma como se organiza e secontratualiza é de enorme importância para a suaadequação às situações prossionais. Assim, nummundo caracterizado pela mudança, Day ( )sustenta como factores-chave no desenvolvimentoprossional contínuo, o tempo e as oportunidades,bem como as disposições e capacidades dos profes-sores para aprenderem com outros no local de tra-balho e com outros elementos da escola.

Todo o desenvolvimento prossional envolvealguma aprendizagem e, necessariamente, algumamudança. Nesse sentido, desenvolvimento e mu-dança apresentam-se de modo indissociável. Noentanto, a mudança só ocorre se o professor quisermudar. Como refere Day ( , p. ), “os profes-sores não podem ser formados (passivamente). Elesformam-se (activamente)”. Assim, os vários estudostêm mostrado que a mudança requer a cooperaçãoactiva dos professores. No entanto, existem váriosconstrangimentos que constituem obstáculos à mu-dança, nomeadamente ao nível das culturas pros-sionais. É neste sentido que McLaughlin e Talbert( , referenciados por Day, , p. ) defen-dem que “as comunidades de aprendizagem de pro-fessores constituem o melhor contexto para o cres-cimento prossional e para a mudança”.

Nesta sequência de ideias, Day ( , p. ) ar-gumenta que, “embora por denição o professor sejaresponsável pela qualidade do seu trabalho na salade aula, as escolas que adoptam os ideais e práticasdecomunidadetêm uma responsabilidade colectivaem relação às condições em que os professores e osalunos trabalham”. Neste sentido, Sachs ( , cita-do por Day, , p. ) defende que os professo-res desempenham um papel essencial na deniçãoda cultura da escola, devendo transformar-se em“prossionais activistas”. Embora a construção de

redes de aprendizagem colaborativas leve bastantetempo, a literatura sugere que estas oferecem bene-fícios signicativos, quer para os docentes quer paraos alunos. Segundo Day ( , p. ), a colabora-ção tende a reduzir o sentimento de impotência dosprofessores e a aumentar a sua auto-ecácia colecti-va e individual.

Maria Teresa Estrela e Albano Estrela ( ,pp. - ), recorrendo a vários estudos sobre aformação contínua, reectem “um olhar desen-cantado”, levando-os a considerar que se tratoude “uma oportunidade parcialmente perdida derenovação da escola e da cultura dos professores”,devido ao “grande desfasamento entre as inten-ções e as realizações, entre as retóricas e os norma-tivos da formação e a sua concretização no real”.Os autores argumentam que “contrariando os seuspróprios pressupostos, não tiveram em considera-ção as culturas docentes e as culturas das escolase não deram voz à voz dos professores, de forma apartir delas para, com elas, se promover a mudan-ça” (p. ). Os mesmos autores advogam, ainda, oreforço do caminho da investigação empírica e aconstrução sobre os seus resultados dos modelosteóricos para a sustentação da mudança, o que im-plica “ouvir mais a voz dos professores, associá-losmais à investigação, ter mais em consideração asculturas docentes, não para as eternizar, mas paraque elas mudem de dentro para fora e, não como setem pretendido e apesar de todos os discursos emcontrário de fora para dentro” (p. ).

Também nós partimos destas premissas e iniciá-mos o projecto que a seguir descrevemos de formabreve.

B Para o desenvolvimento do projecto de investi-gação (que inclui vários sub-projectos), optou-sepela combinação de métodos quantitativos e qua-litativos, embora com maior ênfase nos segundos.Recorreu-se à utilização de questionários⁶, de en-trevistas semi-estruturadas, da observação e da es-timulação da recordação. Na maior parte dos casosdos sub-projectos, a investigação-acção colabora-tiva (Kemmis, ), foi a opção privilegiada pois,como salienta Caetano ( , p. ), esta estratégiade investigação permite: “um processo sistemáticoe continuado de pesquisa e transformação pelo qual

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o conhecimento se constrói na acção e para a ac-ção”. A documentação de todo o processo, atravésdas próprias produções realizadas pelos professorese alunos em momentos de planicação, desenvolvi-mento das actividades de intervenção e avaliaçãosão objecto de análise.

De referir ainda que o projecto se desenvolveu(ver gura ) de acordo com um conjunto de fasesque tiveram em conta as dimensões transversais econcorrentes dos vários sub-projectos, por um lado,e a sua especicidade, por outro. Assim, numa pri-meira vertente, para além da constituição da equi-pa de investigação com base num conjunto de in-teresses comuns, foram desenvolvidos os seguintesaspectos: construção colaborativa do projecto, dis-cussão e claricação das metodologias de investi-gação e construção de instrumentos de recolha dedados comuns (de acordo com os conceitos estrutu-rantes atrás mencionados, mas sem perder de vistaa especicidade de cada projecto). A reexão sobre

a investigação e os projectos de intervenção, bemcomo a divulgação da investigação em congressosnacionais e estrangeiros, foram também questõesque ocuparam grande parte das reuniões de traba-lho e jornadas de reexão, no âmbito do projecto.

Numa segunda vertente, já mais direcciona-da para a concretização dos vários sub-projectos,incluíram-se as seguintes actividades: intervenção— formação dos professores nos vários contextosescolares, com duração variável em função da na-tureza, âmbito e participantes dos respectivos sub--projectos; construção colaborativa do projecto (nafase dos projectos de intervenção); discussão e con-cepção de metodologias de formação-intervenção,desenvolvimento, monitorização e revisão daintervenção-formação; reexão sobre a formação ea intervenção; devolução de dados nos vários con-textos escolares e nas reuniões da equipa de inves-tigação e divulgação da intervenção-formação nosvários contextos.

Equipa de Investigação

Formaçãodos investigadores

Construção colaborativa do projecto

Co-construção dosinstrumentos de investigação

Reexão sobre a investigaçãoe a intervenção — investigação — impactonos alunos, nos docentes e na instituição

Investigação

Concepção de metodologiasde investigação

Recolha e análise de dados

Devolução de resultados

Disseminação

Intervenção/formação dos professoresnos vários contextos

Concepção da intervenção — formação

Desenvolvimentoda intervenção — formação

Monitorização da intervenção — formação

Revisão da intervenção — formação

Primeiros resultados/pistas de investigação

Sub-projectosInvestigação/Formação em contexto laboral

Investigação-acção colaborativa

E -

O projecto de investigação que caracterizamos nesteartigo inclui, como já dissemos, um conjunto de vá-rios sub-projectos/projectos de intervenção/forma-ção em vários contextos escolares. Assim, e muitosumariamente, os diferentes sub-projectos ocorremem agrupamentos de escolas e em escolas no Nortee Centro do país e incluem:

· Um grupo de professores de Língua Maternado Ensino Secundário

· Uma equipa de professores de uma turma dealunos em risco de abandono escolar do En-sino Básico

· Um grupo de professores do º Ciclo do En-sino Básico de uma Escola Privada

· Um grupo de professores do º e º Ciclosque leccionam em contextos multiculturais

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· Docentes que desempenham cargos de ges-tão num agrupamento de escolas

· Um grupo de professores de vários departa-mentos numa EB ,

· Ocina de formação com professores do En-sino Básico

· Círculo de estudos com professores do Ensi-no Básico

· Dois grupos de Educadores de Infância

REFLEXÕES FINAIS

Alguns resultados preliminares deste projecto têmsido divulgados em vários congressos nacionais einternacionais (Floreset al., a, b; Forte &Flores, , ; Freire & Santos, ; Santos,

a; b; Veiga Simão, Flores, Forte & Cadó-rio, , entre outros), decorrentes sobretudo detrês sub-projectos.

De um modo geral, uma leitura dos dados ana-lisados até ao momento sugere que os contextos eprocessos colaborativos proporcionam o desenvol-vimento da competência técnico-prossional dosprofessores, ao mesmo tempo que as representaçõessobre os contextos de trabalho, sobre si próprios esobre os outros também sofrem mudanças. Por ou-tro lado, estas mudanças parecem traduzir-se numamaior valorização das oportunidades prossionaise numa maior conança para enfrentar novas situa-ções. Os participantes reconhecem e valorizam a im-portância e o potencial da colaboração, mas tambémressalvam a necessidade de valorizar mais esta dimen-são do seu trabalho, sobretudo no que se refere a con-dições e recursos, nomeadamente tempo, incluindoainda formação e oportunidades de desenvolvimentoprossional em colaboração. Alguns dados apontampara concepções de colaboração docente algo redu-toras, associadas à diculdade em denir o concei-to. O trabalho colaborativo surge relacionado com aplanicação e outras actividades mais circunscritasno tempo. Diculdades pessoais, falta de formaçãoe de oportunidades de desenvolvimento prossional

relevantes, aliados a factores de natureza organizacio-nal e contextual, emergem como principais constran-gimentos ao trabalho colaborativo. A importância daliderança, das oportunidades para partilhar experi-ências, a motivação e a satisfação prossional surgemcomo aspectos centrais na promoção e nos efeitos dacolaboração.

Estes resultados corroboram, entre outros, VeigaSimão, Flores e Ferreira ( ), quando salientam aimportância das lideranças para a criação e manu-tenção de culturas orientadas para a aprendizageme para o desenvolvimento prossional dos professo-res, a motivação dos professores como motor da suaaprendizagem e desenvolvimento prossional, asso-ciada à criação de um sentido para o seu trabalho e amaior atenção às condições de trabalho e às oportu-nidades de aprendizagem no local de trabalho.

Os dados apontam ainda para a discussão porparte dos professores de assuntos prossionais,sendo que os problemas a este nível não se situamnos docentes, mas na falta de espaços e de tempo.Embora expressem que há facilidade de relacio-namento, destacam sobretudo os espaços formais,nomeadamente reuniões, o que também é corrobo-rado pela natureza de alguns projectos em que estãoenvolvidos (projectos decorrentes da Administra-ção Central ou projectos iniciados pelos órgãos dedirecção). Também referenciam alguns constran-gimentos que existem a nível de escola, nomeada-mente as condições para investirem no seu desen-volvimento prossional. Embora do cômputo geralsobressaia uma visão positiva, manifestam algumaambiguidade em relação a alguns aspectos, nomea-damente em relação à colaboração e cultura pros-sional, aspecto que vai ser objecto de intervenção na

.ª fase do projecto.No âmbito dos vários sub-projectos procura-

-se, agora, averiguar em que medida o impacto dasoportunidades formativas, que o trabalho de cola-boração proporciona, persiste no tempo, e se estesprofessores (participantes nos projectos de inter-venção) mantêm, noutros contextos, as suas práticasde trabalho de equipa.

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N

. Cf. http://ec.europa.eu/education/policies/ .

. Existem autores, como Readings ( ), paraquem as mudanças na educação reectem a perdade capacidade do Estado conduzir os destinos edu-cacionais, dando azo ao protagonismo do mercado,com as consequências mercantilistas que daí podemadvir para a escola pública. Em idêntica linha depensamento, Laval e Weber ( ) sublinham quea educação está a deixar de ser um bem comum ea transformar-se num factor decisivo de produção,numa lógica utilitarista que a reduz a um serviço, um“produto” comercializável.

. Referimo-nos à ENTEP ( European Networkon Teacher Education Policies), criada em (Cf.http://entep. bildung.hessen.de/) e que tem comoobjectivos a análise e discussão das políticas edu-cativas a nível nacional e europeu, e ao documento Princípios Comuns Europeus para as Competênciase Qualicações dos Professores e Formadores (http://www.eu .min-edu.pt/np / .html), produzidocom o objectivo de concorrer para a denição dereferenciais e princípios comuns nas qualicações ecompetências dos professores, de modo a melhorara qualidade do seu desempenho.

. São exemplos os programas “Socrates”, “Leo-nardo da Vinci” e o novo Programa no domínio daaprendizagem ao longo da vida ( - ), desen-volvidos para melhorar e promover o desenvolvi-mento de competências dos docentes (Cf. COM( ) nal, de . . ).

. Para uma leitura mais profunda sobre algunsaspectos que estiveram na base deste projecto,ver Veiga Simão, Caetano & Freire ( ); Flores,Rajala, Veiga Simão, Tornberg, Petrovic & Jerkovic( ); Veiga Simão, Flores & Ferreira ( ).

. Uma versão adaptada do questionário Desen-volvimento Prossional dos Professores, de Flores eVeiga Simão, no âmbito de um estudo internacional(Portugal, Finlândia e Sérvia e Montenegro).

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/ · .º · /

O lugar da afectividade na Relação Pedagógica.Contributos para a Formação de Professores

J A [email protected] de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

I [email protected] de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

E [email protected] Básica dos º e º Ciclos do Cadaval

M J [email protected] Básica dos º e º Ciclos de Pataias

R :Depois de analisarmos algumas linhas de investigação sobre a dimensão afectiva da re-

lação pedagógica, apresentamos os principais resultados de duas investigações recentes,conduzidas em escolas portuguesas, a partir das perspectivas de alunos do º e do º ciclosdo ensino básico (Carvalho, ; André, ). A primeira, entre outras metodologias,recorre à análise de narrativas dos alunos para pôr em evidência a sua (in)satisfação faceà qualidade da relação com os professores. A segunda, parte da análise de dados recolhi-dos através de entrevistas e da aplicação da sub-escalaRelacionamento com Professores doQuestionário da Vivência Académica(QVA) (Almeidaet al., ), pondo em evidênciaas qualidades apreciadas nos professores, mormente as do domínio relacional, em funçãoda idade e do género dos alunos e retirando algumas implicações para a formação de pro-fessores.

P - :Relação Pedagógica, Afectividade, Perspectivas dos alunos.

Amado, João; Freire, I.; Carvalho, Elsa & André, Maria João ( ). O lugar da afectividade na Re-

lação Pedagógica. Contributos para a Formação de Professores.Sísifo. Revista de Ciências da Edu-cação, , pp. -Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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INTRODUÇÃO

Apesar do investimento generalizado na formaçãode professores, continuam a sentir-se diculdadesno domínio da relação pedagógica. Tem sido dadopouco espaço a esta dimensão da actividade docen-te, quer na formação inicial quer nas modalidadesde formação contínua. Particularmente na primei-ra, a problemática da relação pedagógica é aborda-da (quando o é) de forma dispersa, assistemática epouco fundamentada. Todavia, quando se analisamas necessidades de formação dos professores ou seestudam os efeitos do primeiro choque com a reali-dade, verica-se que este é um domínio relevante ereferenciado. Sabemos, ainda, que existe um núme-ro substancial de professores que, ao longo da car-reira, não consegue superar diculdades no camporelacional, o que se reecte negativamente no su-cesso dos alunos, no bem-estar e na realização pro-ssional dos próprios, como os estudos o têm evi-denciado. Se é certo que a actual conjuntura sócio--económica e cultural desaa a formação docenteno sentido de dar respostas inovadoras em camposcomo, por exemplo, do desenvolvimento curricularou da tecnologia da comunicação e da informação,também não podemos ignorar que a dimensão rela-cional é um verdadeiroultimatumà criatividade, àcapacidade de auto-controlo e de auto-armação e,concomitantemente, à capacidade de descentraçãoe de trabalho em equipa dos docentes. A par destascapacidades e competências de âmbito pessoal e so-cial, o professor precisa de estar “apetrechado” para

saber observar e analisar as situações educativas,através da aplicação de técnicas e instrumentos depesquisa, e da capacidade de “olhar” a informaçãoà luz de uma multirreferencialidade teórica que lhefacilite bons diagnósticos e respostas adequadas aosdiferentes contextos.

Cabe à investigação construir conhecimentoacerca desta realidade, fornecendo os quadros dereferência e as orientações metodológicas que en-quadrem esta dimensão da formação prossionaldos professores e da sua praxis. O presente textodecorre, pois, da nossa convicção de que, para alémde outras dimensões da relação pedagógica se tornanecessário produzir conhecimento em torno da re-levante dimensão afectiva das vidas dos professores,dos alunos e da interacção entre ambos.

O modelo de relação pedagógica dominante nostempos modernos “abafou”, durante muito tempo,a expressão da afectividade, uma vez que o ideal derelação assentava na transmissão do saber e no dis-tanciamento entre o mestre e o aluno. A par dessarealidade, e apesar do impacto lento e progressivode outros modelos pedagógicos que salientam o pa-pel da afectividade e da sua expressão na relação pe-dagógica, a investigação não tem dado uma atençãoparticular ao seu estudo.

Neste artigo, depois de claricarmos alguns dosconceitos fulcrais para a análise do tema, ensaiare-mos uma revisão da investigação e dos modelos pe-dagógicos que têm contribuído para a compreensãoda mesma. Focaremos sobretudo a relação pedagó-

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gica em sentido restrito, designadamente nas inte-racções entre aluno-professor e entre alunos. Numasegunda parte apresentaremos resultados de duasinvestigações realizadas junto de alunos do ensinobásico acerca da sua percepção do relacionamentocom os docentes.

LINHAS DE ESTUDODA AFECTIVIDADENA RELAÇÃO PEDAGÓGICA

Concebemos arelação pedagógica como uma dasconcretizações darelação educativa. Esta ocorresempre que “se estabelece uma relação entre pelomenos dois seres humanos, em que um deles procu-ra, de modo mais ou menos sistemático e intencio-nal e nas mais diversas circunstâncias, transmitir aooutro determinados conteúdos culturais (educar),desde os mais necessários à sobrevivência a ou-tros que podem ser da ordem da fruição gratuita”(Amado, , p. ). Já a relação pedagógica, no seusentido mais restrito, consiste no “contacto inter-pessoal” que se estabelece, num espaço e num tem-po delimitados, no decurso do “acto pedagógico”(portanto, num processo de ensino-aprendizagem),entre professor-aluno-turma (agentes bem determi-nados) (Estrela, , p. ). Quer a qualidade des-ses contactos, quer os seus resultados dependemde múltiplos factores, de entre os quais a pessoado professor e a pessoa do aluno são determinan-tes, envolvendo a subjectividade, as interpretações(individuais e partilhadas) em torno das situações evivências da aula e da escola, os trajectos de vida eos projectos pessoais.

É esta combinação de subjectividades que tornafundamental a exigência de uma ética que mantenhao professor alerta para a sua responsabilidade como“mediador” na construção do “itinerário” do aluno,enquanto autoridade nos planos cognitivo, moral eafectivo. Uma responsabilidade que se alarga paraalém da construção de cada rumo particular e queatinge a sociedade e o futuro. Tal como se esperaque ele diga a verdade (lógica, cientíca e moral),também se espera que ele tenha comportamentose atitudes “que relevam dos seus valores cívicos,éticos e morais” (Sêco, , p. ) e, consequen-temente, interaja com justiça, não se limitando ao

respeito pela lei e pela regra, mas com desvelo e oreconhecimento do outro (Amado, ).

O conceito de afectividade é polissémico. Aconsulta de dicionários aponta para sentimentos deapego e de ternura, relação de cuidado e de ajudae, ainda, empatia, amizade, afecto, amor e carinho.Espinosa ( ), na esteira de outros autores (Mar-tin & Briggs, ), propõe uma análise da afectivi-dade em cinco componentes: motivação, conançaem si, atitudes, emoções e atribuição causal. Estascinco componentes jogam “um papel de grande im-portância na aprendizagem e no ensino” (Espinosa,

, p. ). A investigação sobre o tema vai acen-tuado, conforme os pressupostos dos seus autores,este ou aquele domínio e, até, acrescentando outros,como crenças, sentimentos, interesses, valores, etc.,o que traduz a complexidade e amplitude do ob- jecto de estudo em causa. A nossa abordagem nãoconseguirá libertar-se destas ambiguidades; contu-do, privilegiaremos os sentidos que apontam paraatitudes de respeito, de empatia, de abertura ao ou-tro, e que se prendem com sentimentos (bem-estarsubjectivo) e emoções (alegria, satisfação, conança,sentimento de si), decorrentes de situações e con-textos de interacção pedagógica em que aquelas ati-tudes prevalecem.

A discussão sobre o papel da afectividade naeducação vem de tão longe como a própria discus-são das relações entre pensamento e sentimento,razão e emoção, mente e coração. Segundo Dewey( [ ]), os grandes problemas da educaçãoprovinham da ausência de uma ideia de continuida-de entre a razão e o corpo, a pessoa e a sociedade, apessoa e a natureza; e Montessori ( ) consideraque o grande problema da educação tradicional estáno fosso que ela manteve entre a criança e o adulto,este pretendendo a todo o custo sujeitar aquela. Emgeral, todo o pensamento pedagógico reformadordo Século XX, independentemente das diferençasconceptuais e processuais de cada corrente, propu-nha a ligação e a interdependência funcional entreas capacidades intelectuais, emocionais, sociais emanuais, em nome do desenvolvimento integral eda autonomia da criança.

A investigação vem mostrando que é pela afec-tividade que o indivíduo tem acesso aos sistemassimbólico-culturais “originando a actividade cog-nitiva e possibilitando o seu avanço, pois são os

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desejos, intenções e motivos que vão mobilizar acriança na selecção de actividades e objectos” (Lei-te & Tagliaferro, , p. ). Processos cogniti-vos e afectivos interrelacionam-se e inuenciam-semutuamente. Essa linha de investigação está forte-mente apoiada nos trabalhos de Wallon ( ) e deVygotsky ( ). Uma das ideias centrais do pensa-mento de Vygotsky, contida no conceito de zona dedesenvolvimento proximal , é a de que relações con-cretas entre pessoas estão associadas ao desenvol-vimento das funções superiores, tornando-se assimfundamentais as atitudes de ajuda e apoio exercidaspelo professor. Também as recentes investigaçõesno campo das neurociências vêm demonstrandoque sentimentos e consciência não são estranhos eseparados; sentimentos e emoções têm um forte im-pacto na mente, podendo dizer-se que constituemas raízes da consciência (Damásio, ). Estudosdeste domínio sugerem, ainda, que “o cérebro hu-mano precisa de um certo desao para activar emo-ções e aprendizagem”, e que “um ambiente físicoseguro é particularmente importante na redução deníveis exagerados de stress”, nocivos ao bem-estare à aprendizagem (Muijs & Reynolds, , p. ).Parece, pois, haver uma forte relação entre as apren-dizagens dos alunos e:

· a qualidade das relações educador-criança,nomeadamente a segurança e o confortoemocional, em fases precoces da escolarida-de (Piantaet al., , p. );

· o apoio social (tradução de social support ¹) que obtêm por parte dos educadores (Hu-gheset al ., );

· oethos de escola onde se cultive a proximida-de nas relações humanas, em articulação coma autoridade dos adultos (Freire, ).

Estas conclusões vieram reforçar a ideia já defendi-da pelos pedagogos da Escola Nova, de um indis-pensável investimento nas condições do ensino,incluindo condições afectivas favoráveis, para quese verique a aprendizagem de conteúdos a par deuma educação integral do aluno, contemplandoconhecimentos, emoções, valores e atitudes. Es-sas aprendizagens tornam-se facilitadas “quandoo indivíduo trabalha com prazer e quando os seusesforços são coroados de êxito. Isto signica que o

êxito escolar depende tanto dos aspectos intelectu-ais como dos afectivos” (Neves & Carvalho, ,p. ). Dito de outro modo, se as aprendizagensescolares dependem de um conjunto de exigênciasde ordem técnica, assentes num “saber fazer” queo avanço nos conhecimentos e novas tecnologiasgarante e exige, não podem deixar de assentar, poroutro lado, num conjunto de características afecti-vas identicáveis que faça com que os conteúdosto-quem a pessoa do aluno e activem “os mecanismoscognitivos para trabalhar a informação e para quea aprendizagem signicativa se efectue” (Gonçalves& Alarcão, , p. ).

Torna-se, pois, fundamental analisar a questãoda afectividade em sala de aula, o que “signica ana-lisar as condições concretas pelas quais se estabele-cem os vínculos entre o sujeito (aluno) e o objecto(conteúdos escolares)” (Leite, , p. ), tendoem conta a interacção e as condições de ensinopropostas pelo professor. Para operacionalizar essaanálise há que vericar o modo como as interac-ções são produzidas e interpretadas no íntimo dossujeitos implicados nelas. Sendo assim, o lugar daafectividade na relação pedagógica é uma questãoque tem de ser perspectivada e analisada segundodiversos ângulos.

Analisar a questão na perspectiva darelação do professor para com os alunos, implica dar conta domodo como estes percebem a acção daquele nodomínio do respeito (incluindo a capacidade de osescutar), no plano da competência (preocupaçãopelas aprendizagens efectivas de cada um), no planoda justiça relacional e da gestão dos poderes (au-sência de favoritismos, ausência de exclusão, parti-lha de decisões e de iniciativas), e no plano pessoal(abertura aos interesses e problemas do aluno, cui-dado e preocupação, valorização da sua liberdade esentimentos, etc.).

Neste campo, entre as conclusões evidenciadaspela investigação, salientamos as que demonstramque, quanto mais os alunos percepcionam a ausên-cia de favoritismo e a neutralidade por parte dosprofessores, mais conam neles e lhes atribuem umestatuto de autoridade (Gouveia-Pereira, ).Amado ( , p. ) chama a atenção para o fenó-meno da reciprocidade de sentimentos e de com-portamentos que “se traduz numa relação directaentre a ‘simpatia’ do professor e a adesão afectiva e

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gógica. A investigação (Estrela, ; Richmond &McCroskey, ) tem vindo a concluir que as basescoercitiva e legítima do poder estão negativamenteassociadas às aprendizagens afectivas e cognitivasdos alunos; ao passo que o uso do poder referen-te (pessoal) e de perito (cognoscitivo), suscitando aadesão do aluno à pessoa do professor, se correla-ciona com a aprendizagem e com o comportamentodisciplinado. Embora o professor nas situações deperturbação deva fazer prevalecer a sua autoridade,tem de o fazer dentro dos parâmetros do respeitopela pessoa do aluno. É o próprio aluno que valori-za a capacidade de “constranger” do professor (talcomo a capacidade de “ensinar”), mas exige que elase exerça com “humanismo” (Amado, ).

Outra perspectiva de análise da relação do pro-fessor com o aluno remete para a intenção de alcan-çar, na prática docente, um conjunto de objectivosde carácter afectivo. Martin e Briggs ( , citadospor Neves & Carvalho, ) consideram que paraos docentes é difícil conceptualizar e avaliar taiscomportamentos e, muitos deles julgam impossí-vel não só falar desses temas como atingir objec-tivos dessa ordem. No entanto, a necessidade defomentar, a par dos saberes curriculares, um climasócio-afectivo positivo entre os alunos (capacidadede trabalhar em grupo, solidariedade e entreajuda,aceitação do outro-diferente, consciência da incom-pletude dos indivíduos e dos saberes) é tida não sócomo necessária e urgente mas possível, o que apelaa um forte investimento da formação de professoresnesse domínio.

Um outro plano de análise éo da atitude do alu-no para com o professore as consequências pessoaisque daí decorrem. Os sentimentos do professor faceàs características das turmas e ao comportamento edesempenho de alguns alunos têm motivado estu-dos sobre a motivação para a docência (Jesus, ),o mal-estar docente (Esteve, ), as emoções (me-dos, culpa, prazeres e sofrimentos) dos professores(Blanchard-Laville, ). Como diz Hargreaves( , p. ), embora se tenha vindo a obter umbom conhecimento acerca do pensamento do pro-fessor nas diversas dimensões da sua actividadeprossional, “sabemos bastante menos acerca domodo como sentem quando leccionam, das emo-ções e desejos que motivam e moderam o seu traba-lho”. Esta dimensão emocional do ensino, apesar de

alguns estudos recentes (Fernandes, ) continuauma linha aberta para mais investigação.

O terceiro plano de análise a que nos referimosé oda relação entre alunos. A investigação tem mos-trado que a escola é um lugar de que o aluno gosta,mais pelo convívio e pelas amizades entre os pa-res, do que pelas aulas e pelas aprendizagens. Noentanto, também se tem vericado uma associaçãopositiva entre o gostar da escola, a atenção prestadapelo professor e o sucesso académico (Feitosaet al .,

). A relação de amizade e companheirismo en-tre alunos e as suas repercussões na consecução dosobjectivos educacionais, ainda que pouco estuda-das, têm-se revelado fundamentais para que o alunogoste da escola e obtenha sucesso (Berndt & Kee-fe, ). Sabe-se desde Lewin ( ) que um bomclima de grupo é condição fundamental para bonsdesempenhos e para a satisfação pessoal de todos osseus membros. Pode dizer-se até que “grande partedas informações, das atitudes e dos valores que os jovens adquirem na escola elaboram-se no seio des-te território complexo e mais ou menos inexploradoque constitui o sistema de pares” (Ortega, , p.

). Retomando o que acima dizíamos, é neces-sário considerar que o professor, enquanto ensina,tem de se empenhar de forma equilibrada em duasgrandes categorias de actividades: as deinstrução,como perito,e as deanimação da turma, como me-diador e como líder. Se a primeira tem um sentidocomum, a segunda dene-se como um conjunto deprocessos que permitem organizar e coordenar osesforços voluntários e colectivos dos alunos, paraque se atinjam os objectivos, pessoais, de grupo e daescola, objectivos que não são apenas do domíniocognitivo, mas também de ordem afectiva e social.

O “BOM” E O “MAU” ENSINO…E A (IN)SATISFAÇÃO DOS ALUNOS

Nesta segunda parte dão-se a conhecer, de formasintética, duas investigações realizadas sobre a te-mática da afectividade e das emoções no contextoda relação pedagógica.

O primeiro estudo, de autoria de Elsa Carvalho(Carvalho, ²), teve como objectivos, entre ou-tros, conhecer como é que os alunos interpretam asinteracções da “vida na aula”, como percepcionam

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a relação didáctico-pedagógica que aí se estabelece,quais são os principais factores que, do seu pon-to de vista, favorecem a aprendizagem, emoções ebem-estar. Foi usado como instrumento de recolhade dados um questionário de perguntas “abertas”,aplicado a uma amostra de alunos, repartidospelos º, º e º anos de escolaridade de duas esco-las públicas da Região Centro.

O questionário, composto por questões, pro-curava caracterizar o pensamento do aluno acercado que ocorria nas aulas em que “aprendia e sesentia feliz”, e nas aulas em que os resultados e ossentimentos eram inversos. Por exemplo, a primeiraquestão era formulada nestes termos: “Coloca-te nasituação das aulas em que consideras ter aprendidoalgo mais e que, ao mesmo tempo, te sentiste bem efeliz. Escreve o que zeram os professores nas aulasem que aprendeste e te sentiste bem”.

A análise de conteúdo permitiu estabelecercomo áreas temáticas: os métodos de ensino, o esti-lo de comunicação e a dimensão relacional da acçãodocente. Faremos um breve resumo das conclusõesa propósito da dimensão relacional. Globalmente, oque sobressai é um enorme contraste nos sentimen-tos e emoções que se geram, no íntimo dos alunos,em função de uma ou de outra das situações, comose pode ver no quadro nº .

Fonte: Carvalho, , p. .

Pode dizer-se que, para além dos métodos e do estilode comunicação, há todo um conjunto de caracterís-ticas relacionais estabelecidas na aula a considerar

como responsáveis pelos sentimentos positivos ounegativos do aluno: a) o estilo de relação sustentadopelo professor; b) as características pessoais do pro-fessor e suas atitudes e valores; c) o modo como con-trola e regula o comportamento discente.

a)O estilo de relação sustentado pelo professor . Nasaulas em que o aluno se sente satisfeito e feliz, a rela-ção é pautada pelo entendimento e, acima de tudo,pela compreensão e pela conança. “Essa aula fez--me sentir bem, como se estivesse em casa, à-vonta-de, sem ninguém a dizer: — Pára quieto, não mexasnisso! — Foi bom”.

O ideal, para muitos dos inquiridos, é um pro-fessor “(…) que saiba ser divertido, brincalhão eque saiba impor o respeito ao mesmo tempo”. Ohumor, quando integrado nos próprios conteú-dos de ensino, permite uma melhor aprendizagem,desperta o interesse, ameniza as tarefas e permite oenvolvimento do aluno na aprendizagem, ao pontode este ter a percepção de que o tempo “passa maisdepressa” e que até “apetece lá car mais tempo”.

Mas estes aspectos não deixam de estar associa-dos com a gestão da comunicação verbal e não ver-bal, com as metodologias empregues pelos profes-sores e com os próprios conteúdos. Testemunhoscomo o seguinte são expressão dessa perspectiva:“Eu, em E.V.T. senti-me bem porque não sabia fa-zer uma cara e perguntei à stora e ela soube-me ex-plicar muito bem. Ela foi ao pé de mim, muito que-rida e com muita paciência”. O feedback positivo, dainiciativa do professor, surge como um outro factorcomunicativo para a satisfação do aluno, com fortesrepercussões no reforço da sua auto-estima: “Senti--me uma pessoa mais inteligente, mais completa.Esforcei-me por compreender”.

b) As características pessoais do professor , invocadase valorizadas positivamente nesta amostra, foram:simpatia, serenidade, tolerância, paciência, com-preensão, respeito, equidade, igualdade, justiça eimparcialidade. Estas características, bem como osvalores e as atitudes docentes, têm um peso consi-derável na relação que se estabelece na sala de aula e jogam com a aprendizagem e sentimentos positivosdo aluno. Muitos destes aspectos estão bem presen-tes neste outro testemunho: “Nas aulas em que con-siderei ter aprendido algo mais e em que me senti

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Na situação de bom ensino

FelicidadeSatisfaçãoOrgulhoConançaAuto-estimaMotivação

Na situação de mau ensino

InfelicidadeInsatisfaçãoTristezaCulpaDesânimoRevoltaImpaciênciaMedoAborrecimentoDesmotivação

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bem e feliz, o professor era simpático, meigo (…)olhava de maneira igual para todos (…) e tratavatodos da mesma forma. Para o professor éramos to-dos iguais, não embirrava com os alunos e não haviapreferências”.

Para além disso trata-se de professores que es-tão ali para ajudar, demonstram compreensão, ofe-recem iguais oportunidades de intervir e participare são justos: “não havia injustiças: se eu levantasseprimeiro o braço, era eu a falar (…)”; “(…) a profes-sora é justa com todos, deixa todos irem ao quadro(…)”. c) Para a gestão dos comportamentos da aula éfundamental um pequeno conjunto de regras, cla-ras, negociadas e que comprometam os actores noseu cumprimento. Fazer cumprir as regras implicaa adopção de estratégias que se revelarão mais oumenos ecazes consoante os professores e a imagemque eles passam de si aos seus alunos. Uma sínte-se das representações do aluno em torno da manu-tenção da ordem e do controlo das suas condutas,e que o aluno associa ao “bom” ensino, contemplaaspectos como: criar um clima de respeito, estabele-cer regras e fazê-las cumprir, repreender com razão,repreender serenamente, castigar justamente, moni-torizar as tarefas.

Existe uma frequência expressiva de testemu-nhos indicando que nas aulas em que aprendem ese sentem emocionalmente bem existe umambientede respeito e de regra. Para que este ambiente existatorna-se necessário que os alunos compreendam arazão de ser da regra, o que também depende do es-forço do professor: “Quando alguém diz uma piadaa turma começa a rir e depois não pára de brincar,mas se os professores falassem connosco calmamen-te e nos explicassem que não podemos fazer isso,acho que resultaria. Apesar de ele poder achar que já somos grandes para isso”.

Enm, os resultados das análises efectuadas“indicam-nos que, entre o vasto conjunto de dimen-sões e factores apontados por estes alunos como pro-motores da sua aprendizagem e satisfação, contam-se,em primeiro lugar, as competências comunicacionaisdo professor e, em segundo lugar, o tipo e a quali-dade da relação que com eles estabelece” (Carvalho,

, p. ).

EMOÇÕES E AFECTOS…NA VIVÊNCIA ESCOLAR

O estudo de Maria João André (André, ³), per-seguindo a obtenção de objectivos semelhantes aosdo estudo anterior, apoiou-se na aplicação de umasub-escala doQuestionário da Vivência Académica(QVA) que procura avaliar a forma como os jovensse adaptam a algumas das exigências pessoais, re-lacionais e institucionais da vida académica⁴. Estasub-escala, centrada sobre oRelacionamento com Professores,foi sujeita a um conjunto de alteraçõesna sua estrutura linguística, de forma a adequar me-lhor os itens ao nível de ensino e de desenvolvimen-to dos alunos a inquirir; procedeu -se, posterior-mente, à análise das suas qualidades psicométricas,tendo-se concluído que as mesmas eram boas (DP,

. ; Alfa, ). Só depois desses procedimentosfoi aplicada a alunos do º (n= , %) e do ºanos (n= , %) de uma escola pública da RegiãoCentro. Na distribuição por género, considerandoos dois níveis de ensino, alunos eram do géneromasculino ( , %) e do género feminino ( , %)As idades oscilavam entre os e os anos, sendo amédia de idades no º ano de , (DP=. ) e no ºano de , (DP=. ). A sub-escala é composta por

itens, relativos ao diálogo com os professores, aocontacto dentro e fora da sala de aula e à percepçãoda disponibilidade de tempo dos professores paracom os alunos.

As diferenças entre as médias na sub-escala, emfunção do ano de escolaridade, permitem vericarque os alunos do º ano apresentaram médias sig-nicativamente superiores aos do º ano. Este re-sultado sugere que o ano de escolaridade apresentaum efeito diferencial no relacionamento percebidopelos alunos com os seus professores. Os resultadossugerem, pois, que à medida que os alunos avançamno nível de escolaridade, os aspectos relacionaiscom os professores deixam de ser tão relevantes.

A análise da correlação entre a idade dos alunose os dados obtidos permite concluir, também, queà medida que a idade aumenta, diminuem as pon-tuações na referida sub-escala; parecea, pois, quea idade dos alunos se correlaciona negativamen-te com o relacionamento percebido pelos alunoscom os seus professores. À medida que os alunos“crescem”, passam a desvalorizar um pouco mais

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N

. Segundo Cobb (citado por Hugheset al.,, p. ), social support dene-se como “o sen-

timento de ser apoiado, amado e valorizado pelosoutros”.

. Investigação realizada por Elsa Carvalho comvista à obtenção do Grau de Mestre em Ciências daEducação, orientada por João Amado.

. Investigação realizada por Maria João Andrécom vista à obtenção do Grau de Mestre em Ciênciasda Educação, orientada por Graça Seco.

. Instrumento construído e validado porAlmeida, Soares e Ferreira ( ), com o objectivode compreender os processos pessoais, interpesso-ais e institucionais experienciados pelos alunos nasua entrada no ensino superior. Na sua estrutura ori-ginal é constituído por itens, com um formatotipo Likert de cinco níveis de resposta, que se distri-buem por sub-escalas.

R

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Formação de Professores paraa prevenção da indisciplina

J E S [email protected] Superior de Educação do Instituto Politécnico de Beja

R :Neste artigo revisitam-se dois conjuntos de estudos, tendo em vista repensar a proble-mática da formação de professores para a prevenção da indisciplina, à luz da experiên-cia adquirida como formador de cursos de formação inicial e contínua de professoresnuma Escola Superior de Educação. Pese embora as diferenças em termos das orientaçõesteóricas e das estratégias metodológicas que os enquadram e estruturam, se procurou,através deles, ensaiar estratégias, a partir de uma intervenção de carácter formativo comprofessores, tendo em vista a criação de uma disciplina pró-activa na sala de aula. Em am-bos se valoriza o papel do professor para a consecução destedesideratum. No primeiro,conceptualizando-o enquanto agente de organização da aula através do uso de compe-tências postas em relevo pela chamada corrente daclassroom management . No segundo,perspectivando-o, enquanto prossional que integra nas suas práticas dispositivos peda-gógicos e competências, valorizadas especialmente por modelos de extracção psicológica,susceptíveis de promover nos alunos um envolvimento participativo e motivado na criaçãoda disciplina em sala de aula. Dos elementos de caracterização das intervenções formativasseguidas e dos principais resultados obtidos através destes estudos é feita uma reexãocontributiva para a organização e estruturação da formação de professores no domínio daprevenção da indisciplina. P - :Indisciplina, Formação de Professores, Superação de dicotomias paradigmáticas, Tempoe suporte.

Espírito Santo, José ( ). Formação de Professores para a prevenção da indisciplina.Sísifo. Revistade Ciências da Educação, , pp. -Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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INTRODUÇÃO

A indisciplina dos alunos é hoje um fenómeno,que, pela sua extensão e ressonância social nãopode deixar de interpelar todos quantos directa ouindirectamente estão ligados ao território pedagó-gico, em especial os que talvez sofram mais os seusefeitos: os professores. A minha experiência deinvestigação nesta matéria tem vindo a evidenciar,contrariando até posições há muito rmadas na li-teratura de referência, que, actualmente em muitoscasos, são mesmo os professores há mais tempoem actividade que correm o risco de sofrer mais osefeitos da indisciplina discente na esfera pessoal eprossional, por estarem cultural, e nalguns casos,técnica e emocionalmente, mais desmunidos doque os seus colegas recém-chegados à prossãopara prevenirem as situações em que ocorrem inci-dentes disciplinares.

A intervenção disciplinar de carácter preventivo,concebida como a competência que permite com-preender e neutralizar as causas dos comportamen-tos de indisciplina na sala de aula, é, pela sua com-plexidade, uma das facetas mais exigentes da acti-vidade docente. A investigação, realizada nacionale internacionalmente, tem mostrado que esta com-petência nem sempre está presente no repertóriocognitivo e procedimental de muitos docentes, peloque, a formação, enquanto eixo fundamental do de-senvolvimento prossional dos professores, podedar um contributo para uma mudança positiva dassuas práticas e das representações que as suportam.

Cientes da importância do contributo da forma-ção para este domínio da prossionalidade docente,apresentamos, neste artigo, uma síntese do dispo-sitivo de formação adoptado em dois conjuntos deestudos, apresentados em provas de Doutoramentoconcluídas em , através dos quais se visava en-saiar estratégias para promover a prevenção da in-disciplina. Procuramos, com base na reexão sobrealgumas das características e dos resultados maisrelevantes dessa investigação-formação e na experi-ência posterior adquirida como formador, assinalaralguns eixos básicos em torno dos quais se poderáarticular e organizar a formação de professores nodomínio da prevenção da indisciplina.

PRIMEIRO CONJUNTO DE ESTUDOS

B O primeiro conjunto de estudos que seleccionámospara apresentar neste artigo envolveu professorese alunos pertencentes a turmas do sexto, sétimo eoitavo anos de escolaridade. Combinou uma meto-dologia de estudo de caso, própria de uma estraté-gia de investigação qualitativa, com uma perspectivamais positivista e experimentalista através da utiliza-ção de um planeamento experimental de caso únicoA-B-A mitigado.

Através desta investigação pretendeu-se, prima-riamente, analisar os efeitos de um processo de for-mação/supervisão (levado a cabo para implementarnos formandos um estilo de disciplinação preventiva

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centrado em estratégias decorrentes da corrente daClassroom Management ), nas conceptualizações dosprofessores, na prática docente e no comportamen-to dos alunos. Pretendeu-se, secundariamente, emrelação a turmas de duas professoras participantesna experiência, apurar se havia ou não transferênciados efeitos da intervenção (em termos de modica-ção do comportamento dos alunos) para o contextode outras disciplinas, cujos professores não tinhamparticipado na acção de formação.

Os instrumentos metodológicos utilizados fo-ram: uma grelha para observação das estratégias degestão da aula e de disciplinação dos professores(IOEGAD), uma grelha de observação sistemáticados comportamentos de indisciplina dos alunos,observações de carácter naturalista e entrevistasemi-directiva a professores e a alunos.

O Pressupostos de baseAs intervenções formativas desencadeadas assenta-ram no reconhecimento de que uma adequada actu-ação disciplinar dos professores depende essencial-mente do uso de estratégias de gestão da aula iden-ticadas na fundamentação teórica ligada à correntedaClassroom Management .

Pretendia-se que os professores/formandos seaproximassem deste modelo, adquirindo, parafrase-ando Brophy ( ), não só conhecimento propo-sicional (descrição das estratégias demanagement ),mas também conhecimento procedimental (comoimplementar essas estratégias) e conhecimentocondicional (quando e porquê implementá-las).Para a consecução destes dois últimos propósitosreconhecia-se, e essa era uma das assumpções nãomenos importantes das intervenções formativas re-alizadas, que a prática do professor, com mais oumenos limitações, tem estatuto epistemológico e,por isso, não se tratava de aplicar, simplesmente,o modelo daClassroom Management na aula, mas,sim, de adquirir saber contextual, que permitisseescolher, como salienta Alarcão ( , p. ), o maisrelevante desse mesmo modelo e adequado a cadasituação, sem, contudo, estar preso a ele.

Nessa perspectiva organizou-se a formação nabase de pressupostos de supervisão colaborativa e deinvestigação-acção, adoptando um processo que con-duz o formando à reexão e à resolução de problemas

pedagógicos, que ocorrem na especicidade das situ-ações de ensino-aprendizagem, de modo a permitir--lhe uma apropriação e uma reconstrução contextua-lizada das estratégias decorrentes do quadro teóricoe empírico daclassroom management . Procurou-se,por outro lado, à luz de uma perspectiva construtivis-ta, aprofundar o trabalho tendente à tomada de cons-ciência e a uma possível transformação das crençaseventualmente inadequadas dos professores sobre ofenómeno da indisciplina.

O modelo de formação prosseguido, aproxima--se, por essa razão, do “modelo construtivista paraa formação de professores” proposto por Thomaz( )¹. Este modelo, de que a seguir se fará umacaracterização mais detalhada, foi por mim ensaiadoem várias situações de carácter formativo, como sãoas que envolveram os seis professores participantesno conjunto de estudos ora em abordagem

Descrição do modelo de formação seguidoPara ajudar os professores a adoptarem a abordagemda Classroom Management utilizou-se um modelode formação que comportou as seguintes etapas:

· Encontro de pré-observação: uma sessão comvista, por um lado, a pôr cada participante a pardo programa de formação, cimentar a relação deconança entre os intervenientes; e, por outro, afazer emergir, através da resposta a um conjuntode questões abertas, o universo de signicaçõesdos formandos face ao fenómeno da indiscipli-na, de modo a fomentar a tomada de consciênciadas suas próprias ideias sobre este fenómeno.

· Observações pré-experimentação: realização deobservações de carácter sistemático e naturalis-ta, a cargo do formador, para o registo das com-petências de disciplinação dos professores e doscomportamentos de indisciplina dos alunos.

· Encontros para promover o confronto das ideiasdos professores com as ideias-chave do mode-lo da Classroom Management : uma etapa quese desdobrou em duas fases. Numa primeirafase, através de uma única sessão (deliberada-mente organizada para promover nos forman-dos a tomada de consciência das suas própriasperspectivas ou teorias sobre o fenómeno da

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indisciplina), proporcionava-se a devoluçãodas opiniões emitidas anteriormente (nas res-postas às questões colocadas pelo formador naprimeira etapa) e dos resultados das observa-ções, conduzindo-se, com base nestes elemen-tos, uma discussão em grupo, de modo a quecada um pudesse expor as sua ideias sobre oconceito e causas da indisciplina, bem comosobre as suas estratégias reais e desejadas dedisciplinação, as razões para a sua utilização, assuas implicações educacionais e os motivos dasdiculdades sentidas. Nas sessões correspon-dentes à segunda fase, procurava-se levar osformandos a confrontar as suas concepções eas suas práticas com as ideias-chave do modelodaClassroom Management .

· Experimentação: a etapa mais longa do proces-so formativo, que teve uma duração que oscilouem relação aos seis professores a que se repor-ta este estudo, entre e semanas. Esta etapaenvolveu, para cada formando, a realização devários ciclos de investigação-acção. Cada cicloera constituído por três fases — planeamento/ ensaio, acção/observação ereexão/avaliação.

Na fase de planeamento/ensaio tinha lugar,num primeiro momento, a selecção dos com-portamentos de disciplinação do professor quedeveriam ser promovidos e reforçados ou, ao in-vés, que deveriam ser reduzidos e, se possível,eliminados.

Num segundo momento procurava-se criarcondições para otransfert destas competên-cias para a sala de aula, utilizando -se para esseefeito (quando comportavam algum grau decomplexidade), duas das estratégias recomenda-das por Joyce & Showers ( ): amodelagem ou demonstração, através de casos práticos quedessem oportunidade aos professores para seaperceberem de como funcionam na prática ascompetências de ensino alternativas; e práticada competência em condições de simulação².

Na fase deacção/observação procurava-seque cada formando cumprisse o que tinha sidoprogramado anteriormente, quer no tocante àprática de competências desejáveis quer em rela-ção à redução ou eliminação dos seus comporta-mentos inadequados de gestão da aula.

A intervenção orientou-se, também, em di-recção a uma abordagem de Disciplina Asserti-va, procurando-se ajudar os professores poucoarmativos ou agressivos quando lidavam com ofenómeno da indisciplina a fazerem valer os seusdireitos sem atropelar os dos alunos. Nesta apro-ximação à Disciplina Assertiva a intervençãodirigiu-se, em maior ou menor grau (conformeas necessidades de cada um dos professores), àscomponentes não verbais³ da comunicação.

O desempenho de cada formando, duranteesta fase do ciclo de investigação-acção, era acom-panhado pelo formador que fazia, para cada novoconjunto de competências introduzido, observa-ções sobre o comportamento dos alunos e sobreas condutas de disciplinação dos professores.

Cada ciclo da espiral de investigação-acçãocompletava-se com aanálise/avaliação dos ele-mentos recolhidos nas observações realizadas nafase anterior e nos relatos e impressões de cadaprofessor sobre as incidências das suas aulas.

Antes de se passar à última etapa decorria umperíodo de tempo de, pelo menos, três semanas,que designámos de moratória, durante o qual osformandos, se assim o entendessem, solicitariamo apoio do formador. Pretendia-se que a passa-gem de uma situação de suporte e acompanha-mento frequentes a uma situação que se desejavade maior autonomia, não fosse feita de formabrusca, de modo a evitar condutas regressivaspor parte dos professores.

· Adopção da inovação: Esta última etapa refere-se àprática autónoma dos comportamentos de discipli-nação e de gestão da aula introduzidos na etapa an-terior, depois da cessação do acompanhamento dosupervisor aos formandos. Para vericar se tinhahavido, ou não, adopção da inovação realizavam-se,

meses após o último apoio prestado aos forman-dos mais um conjunto de observações referentesquer às estratégias de disciplinação dos professoresquer ao comportamento dos alunos.

RTendo em conta os objectivos prosseguidos atravésdeste programa de formação, de que atrás demosconta, procuraremos, de seguida pôr em evidênciaos resultados que consideramos mais salientes.

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Conceptualizações dos professores sobre indisciplinaA vivência do percurso formativo provocou algumasmudanças no discurso dos participantes sobre o fe-nómeno da indisciplina no que diz respeito às duasdimensões que foram objecto de análise: causas daindisciplina e estratégias de disciplinação conside-radas adequadas.

Os dados apurados mostraram que houve emtermos gerais, da parte dos professores, um acolhi-mento de novas concepções procedentes do modeloempírico-teórico daclassroom management que su-portou as intervenções formativas, sem que, todavia,esse acolhimento fosse feito à custa da substituiçãodas concepções mais enraizadas dos professores.Ou seja, não obstante as lacunas que uma investi-gação deste tipo comporta, pode-se armar que oimpacto desta acção não ocorreu, contrariamente àsvisões, em meu entender idílicas, de alguns teóricosdamudança conceptual, com base em rupturas, sal-tos qualitativos bruscos, recticação dos conteúdosprecedentes, mas sim pela reconciliação das novasconcepções com as já existentes através de um pro-cesso de hibridação e de reestruturação.

Estratégias de disciplinação dos professoresDe um modo geral houve, para todos os professores,entre o período de pré-teste e o de intervenção, umamelhoria na utilização das diferentes estratégias queforam objecto de intervenção, melhoria essa que setraduziu por um incremento signicativo ou poruma redução signicativa (consoante se tratassemde estratégias consideradas desejáveis ou indesejá-veis) nos valores dos registos efectuados.

Entre o período de intervenção e de seguimento( meses após oterminus da intervenção) manteve--se em relação a três professores a tendência nosentido de uma melhoria na utilização das referidasestratégias, tendência essa, que, de um modo geral,não teve tradução para as diferentes estratégias in-tervencionadas, em termos de signicância estatís-tica. Contrariamente, em relação a outros dois pro-fessores, vericou-se uma tendência reversiva paraa maioria das estratégias utilizadas, e em relação aum professor essa reversão circunscreveu-se a umleque menor de estratégias. Rera-se que a reversãonos resultados no período de seguimento ocorreucom os professores que passaram por um processosupervisivo mais curto, o que deixa entender uma

relação entre a dimensão temporal das acções decarácter formativo e os seus benefícios junto dosformandos.

De salientar, que houve efeitos colaterais ao níveldas estratégias, constantes da grelha de observaçãoutilizada, que não foram intencionalmente objectode intervenção, o que, penso, poderá ser explica-do quer pelo “princípio da implicação de compe-tências” formulado por Albano Estrelaet al. ( )quer pelo facto dos professores terem tido ao longodo período de experimentação uma atitude maisatenta a essas estratégias do que habitualmente te-riam se não tivessem cado despertos para elas porvia da sua participação nestas acções de formação.

Comportamento dos alunosEntre a fase de pré-teste e de pós-teste, houve parao conjunto dos professores uma redução no com-portamento de indisciplina dos alunos, sendo essaredução estatisticamente signicativa entre a distri-buição de comportamentos nos dois períodos de ob-servação, nas aulas de professores. Esta tendênciano sentido de um decréscimo dos valores registadosfoi, no entanto, contrariada, devido a um incremen-to da indisciplina, em relação a três professores nacategoriaConvenções Sociais e em relação a todos osprofessores na categoriaRelação Aluno-Aluno.

A análise dos dados mostrou também que hou-ve um aumento na frequência de comportamentosque ou são menos valorizados pelos professores,porque menos perturbadores do ritmo da aula, ouescapam mais ao seu controle (e. g.,atirar papéis ououtros desperdícios para o chão); o que signica queos alunos encontraram na sua emissão como queuma válvula de escape para o aumento da frustraçãoe da instabilidade causadas por uma relação prova-velmente mais restritiva do que a que tinham antesda intervenção.

Entre as fases de pós-teste e de seguimentovericou-se uma tendência já anteriormente cons-tatada em relação às estratégias de gestão e organi-zação da aula dos professores: por um lado, um de-créscimo dos comportamentos de indisciplina nasaulas dos professores onde se vericara uma evolu-ção sustentada na utilização das referidas estratégiase, por outro, um incremento nas ocorrências de in-disciplina nas aulas dos professores, onde se veri-cara reversão na utilização dessas estratégias.

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Relativamente à procura de indícios da transferênciatranssituacional das mudanças positivas vericadasno comportamento dos alunos de duas participan-tes na intervenção formativa, os dados obtidos combase nos registos efectuados nas aulas de seis pro-fessores ( por turma) apontaram para a não projec-ção para esses contextos pedagógicos dos efeitos daintervenção.

Dados procedentes da análise qualitativaNuma análise qualitativa à informação recolhida nodomínio das opiniões dos intervenientes no proces-so pedagógico, conrmaram-se os dados de natu-reza quantitativa relativamente aos efeitos positivosda intervenção sobre o comportamento dos alunose sobre o desenvolvimento das competências de ac-tuação disciplinar dos professores.

Com efeito, as opiniões expendidas pelos últi-mos, “a quente”, revelaram que a formação recebidapermitiu a tomada de consciência de terem existi-do mudanças no comportamento dos alunos, terácontribuído para o desenvolvimento de práticas dedisciplinação mais adaptadas, terá gerado efeitospositivos na própria esfera emocional e afectiva dealguns professores e, curiosamente, parece ter pro-vocado também nalguns professores, um incremen-to da metacognição (conhecimento, consciência econtrole das suas práticas).

Da análise qualitativa⁴ quanto às razões explica-tivas para a não reversão dos resultados, na fase deseguimento ( meses após oterminus da interven-ção), nas aulas de três professoras, concluiu-se que:a facilidade de apropriação permitida pelo tipo deestratégias de disciplinação em jogo nas acções for-mativas, as características da supervisão prosseguida(prolongada no tempo, frequência e qualidade doapoio, gradual atenuação do processo supervisivo),o “apport” motivacional trazido pela observação daecácia das estratégias postas em prática, o hábito deauto-vigilância, foram factores que, salvaguardada adevida reserva em relação a conclusões provenientesdeste tipo de dados, criaram condições para o de-senvolvimento, por parte das formandas, de expec-tativas no sentido de uma maior controlabilidade⁵ e(também por este último motivo) para uma mudançasustentada das suas estratégias de disciplinação.

A extensão da análise qualitativa aos motivosque terão estado na origem da reversão, na fase de

seguimento, dos resultados registados nas aulas dedois professores, fez ressaltar, com base na reinter-pretação dos dados de natureza quantitativa, a ideiade que o factor tempo (as acções formativas realiza-das com estes dois professores tiveram uma duraçãosubstancialmente mais reduzida do que as realiza-das com os outros professores) teria sido o granderesponsável pela inexistência de uma mudança sus-tentada nas estratégias de disciplinação destes doisprofessores.

SEGUNDO CONJUNTO DE ESTUDOS

E

Em virtude dos resultados do conjunto de estudosque acabámos de apresentar não indiciarem transfe-rência das mudanças comportamentais para outroscontextos pedagógicos, foi desenhado, posterior-mente, um outro programa de intervenção inspi-rado em modelos teóricos de carácter psicológico,em especial, do modelo sócio-culturalvygotskyano e do modelo da auto-determinação formulado porDecy e Ryan, no âmbito das teorias sobre motivaçãointrínseca.

Com esta intervenção formativa, pretendia-sepromover nos participantes um estilo de actuaçãodisciplinar susceptível de desenvolver uma maiorauto-regulação comportamental por parte dos alu-nos e assumia-se que podia conduzir a mudançastranstemporais e transsituacionais no comporta-mento de indisciplina dos alunos.

Este programa de intervenção envolveu pro-fessoras que leccionam a disciplina de Língua Portuguesa e amostras de alunos pertencentes aturmas dos sexto, sétimo e oitavo anos. Para a amos-tra (composta por alunos) foi utilizado um pla-neamento quasi-experimental pré-teste-pós-testecom grupo de controlo e para as amostras (com

alunos) e (com alunos) um planeamentohíbrido com características quer de plano quasi--experimental pré-teste-pós-teste com grupo decontrolo, quer de plano experimental de caso únicode tipo A-B-A.

A duração da intervenção foi de um ano lectivopara as professoras do grupo experimental da amos-tra e de quatro meses para as das amostras e .

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O modelo de formação seguido nesta investi-gação procurou (tal como o que foi adoptado nosestudos anteriormente descritos) conciliar perspec-tivas opostas: a epistemologia sócio-construtivistae de racionalidade prática com a perspectiva dasaquisições ou de racionalidade técnica.

Como instrumento privilegiado para a aproxi-mação entre estas duas abordagens foi utilizada asupervisão pedagógica para permitir que as compe-tências a desenvolver não traduzissem receitas abso-lutistas baseadas no conhecimento teórico-empíricodisponibilizado nas sessões presenciais de forma-ção, mas antes pudesse contribuir para uma prática

de disciplinação personalizada que incorporasse re-exiva e criticamente esse conhecimento.

O processo formativo foi, na sua estrutura, idên-tico ao seguido por nós em relação aos estudos an-teriormente apresentados, sendo que as diferençasvericadas se situaram nos conteúdos introduzidos(orientados para promoverem a auto-regulação dosalunos) e ao nível de um maior volume de trabalhoprático, ligado, sobretudo, à construção de instru-mentos de observação e registo (que cada professoraadaptou de acordo com as particularidades e especi-cidades das suas aulas). Apresentam-se, de seguida,os objectivos e os conteúdos da acção de formação.

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· Problematizar o conceito de disciplina, perspectivando-ana óptica da auto-regulação dos alunos.

· Compreender os factores desencadeadores daindisciplina na sala de aula.

· Analisar e questionar as estratégias habitualmenteutilizadas pelas formandas para a resolução de situaçõesde indisciplina.

· Desenvolver competências para uma gestão preventiva daindisciplina.

· Distinguir os valores essenciais, para serem trabalhadosdidacticamente, tendo em vista a promoção dasregulações associados ao comportamento disciplinado.

· Desenvolver competências de condução de debates.· Promover a auto-regulação comportamental dos alunos

(dado que se assume que algumas das competênciasque se pretende estimular nas professoras, através deconteúdos conceptuais, procedimentais e atitudinais queo programa de formação contempla, são conducentes aum estilo de disciplinação susceptível de desenvolver nosalunos uma maior auto-disciplina).

. Conceito de (in)disciplina

. A prevenção da indisciplina — delimitação do conceitona perspectiva da auto-regulação comportamental:

. A importância dos primeiros encontros. . . Adopção de regras na sala de aula. . . . “Regras das regras”. . . . . Procedimentos para o estabelecimento

de regras com os alunos. . . Consequências lógicas. . . . Conceito; . . . Procedimentos para o estabelecimento de

consequências lógicas com os alunos. . . . Procedimentos para a sua administração. . . Contratos com os alunos. . . A observação e avaliação das infracções às

regras pelos alunos: técnicas e instrumentos. Mensagens-eu e mensagens-impacto.. Resolução pacíca de problemas.. Técnica de construção conceptual de valores.. Aplicação das técnicas de construção conceptual devalores e de resolução de problemas no contexto dotrabalho de análise e interpretação de textos em LínguaPortuguesa.

. Competências de condução de debates.

RRelativamente à disciplina onde decorreu a inter-venção, os resultados obtidos, de natureza quanti-tativa (baseados nas observações em sala de aula) equalitativa (baseados nas opiniões de professoras ede alunos), mostraram, para as três amostras, uma

redução signicativa do comportamento de indis-ciplina dos alunos, redução essa que atravessou

todas as categorias comportamentais, ao contrárioda investigação por nós conduzida à luz do quadroteórico-empírico daclassroom management .

Quanto à avaliação do impacto externo e da es-tabilidade temporal dos efeitos da intervenção nocomportamento dos alunos, só em relação à amos-

tra houve evidência estatística das suas potencia-lidades. No que diz respeito à avaliação dos efeitos

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da intervenção no discursos dos alunos, ao nível daorientação motivacional do seu comportamento, sóem relação à amostra , em especial aos alunos maisvelhos, houve indícios em termos estatísticos, de umincremento da orientação interna e de uma diminui-ção da orientação externa.

Importa, ainda, sublinhar os efeitos diferenciaisda intervenção em função da variável tempo: os alu-nos (da amostra ) que beneciaram da intervençãoao longo de um ano lectivo apresentaram melhoresresultados, do ponto de vista da auto-regulaçãocomportamental, do que os (das amostras e ) queestiveram sujeitos à intervenção apenas durante umquadrimestre lectivo. Conrmou-se um dos pres-supostos (embora não explícitos da investigação),qual seja, a de que só com intervenções de longoprazo é possível provocar mudanças em processoscomplexos, imbricados no próprio desenvolvimen-to sócio-cognitivo e afectivo dos alunos.

A avaliação exploratória, através da análise casoa caso e global aos dados referentes às estratégiase práticas que se pretendia desenvolver por inter-médio do programa de supervisão/formação, per-mitiu mostrar que o referido programa teve efeitospositivos, para todas as professoras, ao nível da ge-neralidade das competências nele contempladas,como as que dizem respeito ao uso demensagens--eu e demensagens-impacto, à utilização detécnicasde construção conceptual de valores e de resolução de problemas em situações de análise e interpretação detextos, àcondução de debates, e àmediação para o de-senvolvimento nos alunos não só da sua capacidadederealização de registos sobre o comportamento deindisciplina ocorrido em sala de aula comoda ad-ministração de consequências lógicas.

Conrmou-se, através desta avaliação o que jáera anunciado pelos dados (anteriormente expos-tos) de avaliação quantitativa e qualitativa sobre oimpacto da intervenção nos alunos, impacto esteque, como refere Albano Estrela ( , p. ), pa-rafraseando Arturo de la Orden, é o critério maisimportante na avaliação dos efeitos dos programasde formação no desenvolvimento das competênciasprossionais dos professores.

O reconhecimento de que a acção de formaçãocontribuiu para o desenvolvimento de competên-cias práticas esteve também presente no discursodas próprias formandas. Vericou-se através dos

seus depoimentos que a acção de formação condu-ziu a um maior enriquecimento prossional, com aaquisição de competências de actuação disciplinar,uma maior preparação para enfrentar e prevenir aindisciplina e, em dois casos, com o desenvolvimen-to de uma prática favorável à auto-disciplina dosalunos. Da análise do discurso das professoras res-saltou que para a maioria delas se vericaram tam-bém aquisições no âmbito da condução da análise einterpretação de textos.

Paralelamente a estas aquisições e em íntimaassociação com elas, a análise do discurso eviden-ciou que o programa de formação terá conduzidoà aquisição de conhecimento prossional utilizávelno contexto da sua prática e à mudança de atitudesface às questões da (in)disciplina na sala de aula.Em relação a este último aspecto e, de acordo como discurso de algumas participantes, o programa deformação teria contribuído para uma mudança nasua forma de encarar quer o papel do professor querdos alunos na regulação da disciplina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegados a este ponto deverá, desde logo, sublinhar--se que aos resultados positivos alcançados, atravésdas intervenções formativas realizadas, não é alheioo próprio processo formativo seguido nos dois con- juntos de estudos aqui referenciados, o qual, doponto de vista do seu enquadramento na problemá-tica da formação contínua de professores, se pautoupelas actuais propostas, feitas, nacional e interna-cionalmente, nesta matéria, que têm subjacentesquer as orientações de carácter sócio -construtivista ecognitivo-mediacional , quer as perspectivas dode- senvolvimento prossional do professor centrado naescola. Ou seja, para utilizar outro registo, este tipode formação partiu de pressupostos que se identi-cam com os modelos centrados na análise, segundoFerry ( ), ou orientados para a pesquisa (“inqui-ry oriented”), segundo Zeichner ( ). Relevoutambém, devido quer às especicidades do pró-prio processo de formação (especialmente as quedecorrem da necessidade de aquisição e treino decompetências não existentes no repertório procedi-mental dos professores), quer às imensas potencia-lidades que lhe reconhecemos do ponto de vista do

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carreira (Huling-Austin, ; Romatowskiet al.,; citados por Gordon, , p. ).

Mas a assistência aos professores deveria tam-bém ser extensiva aos que estão na fase de formaçãoinicial. A indisciplina é uma realidade nas escolasque urge ser combatida e, portanto, a formação deprofessores deve estar referida a essas questões.Há que contrariar esta realidade e transformar aformação inicial num período privilegiado para odesenvolvimento pessoal e prossional dos futurosprofessores.

Os curriculade formação inicial deverão pro-porcionar ao futuro professor um conhecimentodos processos de disciplinação na sua dimensãoteórica (causas e circunstâncias que favoreçam a in-disciplina, indicações para detectar os problemas,como estabelecer e manter a disciplina, como envol-ver os alunos). Mas a formação inicial não se podereduzir, como tanta investigação nacional e interna-cional tem mostrado, à dimensão académica, temde integrar uma dimensão prática e reexiva, sendofundamental que um dos objectivos da formaçãoinicial de professores seja o de proporcionar ao for-mando um ambiente de aprendizagem com amplasoportunidades (através de situações simuladas e re-ais, nos seus estágios pedagógicos) para resolveremuma variedade de problemas através da mobilizaçãode uma variedade de estratégias, nomeadamente asque integraram os programas de formação adopta-dos nos dois conjuntos de estudos que aqui sinteti-camente apresentámos.

A formação inicial, tal como a formação contínua,no domínio relacional e disciplinar requer o desen-volvimento de um tipo de conhecimento prossio-nal muito peculiar, um conhecimento complexo nãosó de saber, mas também de saber-fazer. É uma for-mação teórica-prática com uma mescla de técnica ede arte. Não têm, por isso, sentido em matéria deformação relacional e disciplinar, as posições exclu-sivistas, que levam, invariavelmente, ao estreitamen-to do campo de opções que a fundamentam.

Sintetizando, sugere-se que as estratégias formativaspara promover o desenvolvimento prossional dosprofessores em matéria relacional-disciplinar, à luzdo que foi exposto ao longo deste artigo, sejam or-ganizadas em torno dos seguintes vectores:

· Ser uma formação continuada no tempo,porque a mudança das práticas e das repre-sentações que as suportam é um processoduradoiro, complexo e lento;

· Ser uma formação que decorra das necessi-dades concretas sentidas pelos professoresnas suas práticas escolares e que tenha comonalidade colaborar com estes na reexãoe claricação das situações educativas e naprocura de soluções para os problemas comque se confrontam;

· Ser uma formação apoiada no diálogo inte-ractivo com um parceiro que tenha obser-vado a aula, com vista a levar o professor apensar retrospectivamente no que ocorreu ereconstruir os acontecimentos sob um pontode vista diferente;

· Ser uma formação que envolva a colaboraçãoentre professores e entre estes e formadores,de modo a que os sujeitos possam colocaros seus problemas especícos, as suas dúvi-das, as suas angústias perante as diculdadesque encontram e receber dos seus parceirosinformação teórica e prática, análises compa-rativas, sugestões para a resolução de proble-mas, de forma a que o sujeito sinta que nãoestá isolado e que pode contar com a experi-ência dos seus colegas e o conhecimento e oapoio dos formadores;

· Ser uma formação centrada na reexão e in-vestigação das práticas dos professores, vi-sando o aprofundamento da sua autoconsci-ência em relação, quer à sua forma de actuarquer aos pressupostos em que assenta a suaprática;

· Ser uma formação desaadora das assunçõestácitas, pelo que, deverá proporcionar opor-tunidades (através de debate, informaçãoteórica-técnica, demonstração com base emexemplos realistas) para os professores con-siderarem porque é que as novas práticas sãopreferíveis às suas práticas habituais;

· Ser uma formação enraizada na escola e noscontextos especícos em que o professor de-senvolve a sua acção, evitando problemas depertinência, relevância, transferência e uti-lização do conhecimento encontrados nosmodelos tradicionais de formação;

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· Ser uma formação orientada para proporcio-nar a aquisição e desenvolvimento de com-petências, enquanto saberes ligados à acçãoe partindo dela, tendo em vista um desempe-nho personalizado na prática prossional;

· Ser uma formação em que o recurso aos qua-dros teóricos de referência deverá surgir emestreita ligação com a análise das práticas,ultrapassando-se, assim, o discurso dico-tómico entre a racionalidade técnica e a ra-cionalidade prática, que tem caracterizado odebate em torno da formação e desenvolvi-mento prossional dos professores.

Terminamos, assim, este artigo, retomando as ideiascom que iniciámos este ponto: a formação relacio-nal e disciplinar para ser profícua terá de ser umaformação superadora de dicotomias paradigmá-ticas. Um dos princípios básicos que orienta estaperspectiva formativa é a do desenvolvimento noprofessor da capacidade de compreensão situacio-nal dos problemas educativos e da reconstrução

da própria experiência e do próprio conhecimentopedagógico através de apoios e de parcerias ade-quadas. Mas, por se tratar de um tipo de formaçãonuma área em que o repertório procedimental dosprofessores não é habitualmente muito diversica-do, como zeram notar alguns autores (Domingues,

; Estrela, ), é necessário alguma formaçãoteórico-técnica. Para superar o hiato entre formaçãoteórica necessária e a indispensável formação práti-ca, são importantes as aproximações entre o modeloepistemológico sócio-construtivista e de racionali-dade prática com o chamado modelo das aquisiçõesou de racionalidade técnica, devendo recorrer-se aestratégias e a metodologias, como a supervisão pe-dagógica e a investigação-acção, onde haja observa-ção e análise de situações, de modo a permitir queo docente (enquanto prossional desejavelmentereexivo em todos os domínios da sua actividade)construa “de forma idiossincrática o seu próprio co-nhecimento prossional, o qual incorpora e trans-cende o conhecimento emergente da racionalidadetécnica” (Gomez, , p. ).

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N

. O modelo proposto por esta autora baseia--se no que foi elaborado pelo sociólogo americanoEverett Rogers ( , citado por Thomaz, ),que é constituído por cinco estádios pelos quaispassam os indivíduos durante o processo tendentea favorecer a adopção de uma inovação. Esses está-dios são, segundo este autor, citado por Thomaz (p.

): “ ( ) Consciencialização: neste estádio o indi-víduo é exposto à inovação mas não possui infor-mação detalhada acerca dela; ( ) Interesse: duranteeste estádio, o indivíduo favoravelmente impres-sionado, procura informação adicional; ( ) Expe-rimentação: neste estádio a inovação é aplicada empequena escala de modo a que o indivíduo possaajuizar a sua utilidade; ( ) Avaliação: este estádioconstitui uma espécie de experimentação mentalem que o indivíduo considera as possíveis conse-quências da aplicação da inovação aos aconteci-mentos passados, presentes e futuros; ( ) Adopção:neste estádio nal tem lugar a decisão do uso alar-gado da inovação”.

. Quando estava envolvido mais do que um for-mando e no caso de um deles apresentar, segundo ocritério do formador, um domínio razoável de umadeterminada competência; o processo de desenvol-vimento desta competência por parte do colega quemanifestava mais diculdades na sua utilização, pas-sava também, sempre que possível, pela observaçãoem situação de sala de aula do modo como aquelea punha em prática e pela discussão dos resultadosdessa observação.

. As componentes da linguagem não verbalobjecto de intervenção foram:o olhar (olhar os alu-nos nos olhos em vez de baixar os olhos),a expres- são facial (eliminar expressões de insegurança,como a tremura nos lábios quando falava),a pos-tura (manter os ombros direitos em vez de os man-ter descaídos),volume de voz (aumento do volumede voz),tom de voz(procurar, conforme os casos,expressar menos rispidez, mais contundência,mais afecto). Para produzir as mudanças deseja-das foi realizado ensaio condutual nos encontrosformador-formando(s) e em casa, tendo-se uti-lizado o espelho e registos áudio para permitir aretroalimentação dos formandos em relação ao seudesempenho.

. Baseada no discurso dos participantes, do pró-prio investigador e na reinterpretação de elementosprovenientes dos resultados quantitativos.

. Traduzida na modicação (embora mitigada)das crenças das professoras, que se constatou naentrevista realizada após a intervenção, em relação àscausas e à forma de combater a indisciplina.

R

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Especicidades da formação de professoresde artes e de humanidades

S [email protected] de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

R :A questão de partida da presente reexão é a de saber se a formação de professores deveter em conta a especicidade do domínio de conhecimento dos formandos. Será que um

professor de artes e um professor de humanidades deve ter exactamente a mesma forma-ção que um professor de ciências naturais ou exactas? Ou será que deve haver uma dife-renciação em termos de formação? Se sim, a que nível?

Na base desta questão encontra -se o debate acerca da generalidadeversus especici-dade do desenvolvimento e da produção do conhecimento. Será que o desenvolvimentodo conhecimento e a sua produção são gerais, independentes dos domínios onde surgem,como no caso dos grandes criadores do Renascimento que “brilhavam” tanto nas ciênciascomo nas artes (Martindale, )? Ou será que se trata de conhecimentos isolados emmúltiplos domínios como avançam autores como Gardner ( )? Ou será, ainda, que aprodução do conhecimento num determinado domínio constitui uma forma de expressão

diferente de um mesmo processo de desenvolvimento que deve ser tido em conta na for-mação de professores?A análise dos argumentos esgrimidos por professores de humanidades e de artes

que frequentaram nos últimos anos o Curso de Prossionalização em Serviço da FPCE--UL sobre necessidade de uma formação especíca permite avançar com a ideia de que ocontexto particular deste domínio do conhecimento deve ser tido em conta na formação,nomeadamente, o seu carácter estético, crítico e criativo. Os professores inquiridos foramunânimes em armar que a formação deve ser especíca, referindo não só razões didác-ticas, como também aspectos de natureza teórica e meta-teórica relativas à especicidadenatureza das disciplinas que leccionam bem como às diculdades na implementação dos

seus conteúdos concretos. Estas respostas parecem ir ao encontro da assunção de Boors-tin e Pelikan ( ) de que existem algumas diferenças em termos dos domínios especí-cos do desenvolvimento e da produção do conhecimento e que essas diferenças devem sertomadas em consideração quando se procura fomentar o processo de desenvolvimento ede produção do conhecimento, que constitui, em última instância, o objectivo central daformação de professores.

P - :Formação de Professores, Educação artística, Pensamento crítico, Desenvolvimento estético.

Bahia, Sara ( ). Especicidades da formação de professores de artes e de humanidades.Sísifo.Revista de Ciências da Educação, , pp. -Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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TRÊS PARADIGMASDE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A conjuntura política, social e cultural de hoje atri-bui à formação de professores um papel cada vezmais relevante no desenvolvimento das qualidadesnecessárias para fazer face às múltiplas e rápidas mu-danças que o mundo da educação vive (van Huizenet al., ). No entanto, em termos meta-teóricos,teóricos e práticos a formação de professores temsido acusada de falta de explicitação (Ginsburg &Clift, ) e de integração dos diversos paradigmasem que assenta (e.g. Yargeret al., ), limitando--se muitas vezes à mera absorção de alguns elemen-tos dos paradigmas vigentes, mesmo que do pontode vista teórico sejam (ou pareçam ser) incompatí-veis (Clark & McNergney, ).

De acordo com van Huizenet al. ( ), a for-mação de professores tem tradicionalmente valori-zado um de três paradigmas teóricos: um centradonas competências do professor, outro centrado noprofessor como pessoa e, um outro, centrado na re-exão e na questionação. A formação de professo-res centrada em competências tem como base umpadrão impessoal de ensino e explicita os objecti-vos do trabalho docente bem como os critérios deavaliação a adoptar. De acordo com este paradigma,o professor deve ser formado para alcançar diaria-mente um desempenho ecaz no contexto da salade aula, podendo mesmo não reectir sobre as -nalidades e valores do ensino (e.g. Elam, ).A metáfora que melhor descreve este paradigma é

a do equipamento. Neste sentido, o professor deveter à sua disposição um manancial de competênciase de estratégias que deve aplicar da forma indicadanas situações e nos contextos adequados.

Por seu turno, a formação de professores cen-trada na dimensão pessoal salienta como principalferramenta de ensino a própria pessoa do professor,na medida em que o processo de ensino implica umajustamento adequado entre o professor prossio-nal e o professor pessoa (e.g. Combs, ; Fuller,

). Nesta linha, a formação de professores deve-rá incidir no desenvolvimento da dimensão pesso-al, nomeadamente a construção de uma identidadepessoal e prossional integrada (e.g. Nias, ),que para muitos teóricos passa pela construção denarrativas de onde emergem conteúdos simbóli-cos que possibilitam a categorização dos processossubjectivos do professor bem como a sua reorga-nização, abrindo, assim, novas possibilidades (e.g.Nóvoa, ). Como refere Polkinghorne ( ), aidentidade pessoal constrói-se através de uma con-guração narrativa pessoal que permite compreendera própria existência como um todo e compreendê-lacomo a expressão de uma história única em cons-tante desenvolvimento. Segundo Phinney ( ),existe uma necessidade universal para cada pessoase denir a si própria tendo em conta o contexto emque se desenvolve, desde as identicações precocescaracterísticas da infância até a uma compreensãopessoal mais interiorizada na vida adulta. As narra-tivas são ferramentas de interpretação e de constru-ção de signicado que sempre serviram o estudo da

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cultura (Bruner, ). Contudo, a construção denarrativas autobiográcas apresenta algumas limita-ções na medida em que os relatos de vida se tendema aproximar do modelo ocial de si, variando emtermos de forma e conteúdo segundo a qualidade eo contexto social em que ocorre (Bourdieu, ).Para além disso, a construção da identidade do do-cente implica não só o desenvolvimento pessoal eprossional, como também o institucional, devendoos processos de formação de professores atender atodas estas facetas (Nóvoa, ).

Um terceiro paradigma emergiu como alternati-va: a formação de professores centrada na reexãoe na questionação. A ideia de base desta linha con-siste na construção e reconstrução de repertóriosprossionais ao longo da prática docente atravésda constante avaliação, reexão e questionação, namedida em que professor é simultaneamente um in-vestigador e um prático reexivo (Stenhouse, ).Assim, a adopção de uma atitude de pesquisa emrelação à própria prática gera a reexão crítica. Nabase deste paradigma encontram-se as concepçõesde aprendizagem e de desenvolvimento que privi-legiam o pensamento crítico e criativo. A título deilustração, Vygotsky ( ) defendia que cada pes-soa é um inventor exível do seu futuro pessoal econtribui potencialmente para o futuro da sua cultu-ra. Também Piaget ( ) defendia que o principalobjectivo da educação deve ser o de criar pessoascapazes de realizarem coisas novas, e não simples-mente repetirem o que as gerações anteriores ze-ram. Piaget ( ) utilizava os termos criatividade,invenção e descoberta para realçar a necessidade deformar mentes críticas, capazes de ir para além daaceitação passiva daquilo que o meio oferece. Nestesentido, a formação de professores deveria consti-tuir uma oportunidade e reexão crítica, de questio-nação, e de produção criativa de novas abordagenspessoais ou mesmo mais alargadas, que possibilitema adaptação às mudanças que vão surgindo em ter-mos educacionais.

Sem dúvida que cada um dos paradigmas tra-dicionalmente valorizados pode conter aspectosenriquecedores para o professor na medida em queatendem a uma componente relevante da actividadedocente. Os três ênfases diferentes na formação deprofessores assentam em diferentes concepções daaprendizagem e do desenvolvimento e valorizam a

interiorização de diferentes ferramentas por partedo professor: equipamento facilitador da aprendi-zagem, capacidade de auto-ajuda e capacidade dereexão. No entanto, se cada um destes aspectosfor tomado isoladamente ou se for excessivamentesobrevalorizado pode envolver riscos em termos decentração excessiva numa característica (van Huizenet al., ) ou de negligência de outros aspectosimportantes no processo de ensino fundamentais eter pouco ou nenhum impacto limitado na práticadocente (van Huizenet al., ).

NOVOS PARADIGMAS PARAA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Embora a possibilidade de reconciliação dos trêsparadigmas clássicos seja questionável na medidaem que estes têm como base concepções episte-mológicas diversas, a tendência para olhar para osvários fenómenos naturais e culturais sob uma pers-pectiva sistémica, herdada da cibernética, possibili-ta a abertura à integração de paradigmas e ao ecletis-mo, o que pode constituir uma forma de superaçãodessa diculdade de reconciliação.

A perspectiva sistémica tem como base a ideiade que o todo é maior que a soma das partes, a ideiade que todos os sistemas possuem subsistemas inte-grados e relacionados entre si e, ainda, a ideia da cir-cularidade, ou seja, de que todos os componentesse inuenciam mutuamente (Schaffer, ). Nestaacepção, o cerne da formação deixa de pertencerexclusivamente ao formador e passa a depender doformando que é visto como um agente activo da suaprópria formação através da constante construçãoe reconstrução dos conhecimentos envolvidos noprocesso docente. Neste sentido, as perspectivas eas representações de que o formando parte para asua formação servem de base para a sua construçãode saberes, nomeadamente, a interiorização de no-vos conceitos e a reestruturação de esquemas, ati-tudes ou crenças vigentes, ou seja, a assimilação e aacomodação preconizados pela teoria da equilibra-ção (e.g. Piaget, ).

A valorização do todo e da complexidade do pro-cesso de construção prossional e pessoal do pro-fessor implica não só a tão almejada transformaçãoactiva e envolvente da informação em conhecimento

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mas também em sentimento, salientando-se, assim, adimensão afectiva que passa a ser vista como intrin-secamente inseparável da dimensão cognitiva. Inde-pendentemente do debate acerca da primazia da di-mensão cognitiva sobre a afectiva, ambas têm corres-pondência e podem inuenciar-se mutuamente (e.g.Piaget, ). Consequentemente, em termos de for-mação de professores, não basta a interiorização deferramentas e sua utilização e aplicação adequadas,como defende o paradigma centrado nas competên-cias. É necessário a integração de conhecimentos ecompetências no “ser” de forma a saber fazer e agire também a saber ser, permitindo mobilizar ecaz-mente esses saberes em função dos contextos e dosproblemas.

A ideia de circularidade entre as múltiplas com-ponentes do conhecimento encontra-se patente nanoção freiriana de diálogo (e.g. Freire, ) con-ducente à desestruturação-reestruturação do co-nhecimento. A circularidade estaria presente nodesao que a formação deverá constituir com baseno diálogo e na experiência prática, em particularno confronto com as situações do quotidiano sociale prossional. A horizontalidade e expressividadedo diálogo possibilitaria um desao conducente àconstrução do signicado enquanto pessoa (Freire,

) e, acrescente-se, prossional. Por seu turno, anoção de circularidade está igualmente presente nateoria de Wittgenstein ( ), na medida em que osconceitos são vistos como circunstâncias que reme-tem uns para os outros e a sua construção é conse-guida através da investigação pessoal dos múltiplosníveis dos sistemas simbólicos quotidianos, nomea-damente da linguagem estruturante. Consequente-mente, o processo de construção do conhecimentoestaria intrinsecamente associado às circunstânciasimediatas em que o processo de formação ocorre,remetendo para a noção de contexto realçada porVygotsky (e.g. ).

De acordo com van Huizenet al.( ), a teoriavygostkiana constituiria um paradigma alternativopara a formação de professores. A tónica no contex-to seria uma forma de integração das várias dimen-sões valorizadas pelos paradigmas clássicos e desuperação da limitação da centração exclusiva numdesses paradigmas. O conceito subjacente à teoriasócio-contextual é o de “construção de andaimes”inventado por Wood, Bruner e Ross ( ) para

descrever a interacção tutorial inerente à interacçãopessoa-meio, e constituiu uma metáfora que sugereo “apoio-para-se-chegar-mais-longe” (Lourenço,

). Neste sentido, a formação de professores se-ria um processo de construção de andaimes atravésda interacção, da co-questionação guiada e da inves-tigação reexiva que possibilitariam reestruturaçõese novas construções do conhecimento.

Os novos paradigmas da formação de professo-res emergem a partir da noção de que os processosde ensino e de aprendizagem ocorrem sempre emcontexto e são determinados pelas circunstâncias emque se desenvolvem. Numa altura em que o ensinoparece ser cada vez mais uma actividade caracteri-zada pela incerteza, a formação de professores deveproporcionar ferramentas que permitam lidar com aimprevisibilidade e a ambiguidade que essa incerte-za acarreta (Edwardset al., ). De entre essas fer-ramentas encontram-se a aprendizagem experienciale avaliação signicativa (e.g. Wood, ), a apren-dizagem através da participação social e cultural (e.g.Ten Dam & Blom, ), as estratégias colaborativas(e.g. Edwardset al., ) e a construção de andai-mes (van Huizenet al., ). Até que ponto estasferramentas são igualmente necessárias na formaçãode professores dos vários domínios do conhecimen-to? Há domínios em que a sua utilização parece sermais relevante do que outros?

GENERALIDADE VERSUSESPECIFICIDADE DO CONHECIMENTO

A educação formal, e, consequentemente a forma-ção dos agentes que nela actuam, privilegia quatrograndes pilares educacionais que, segundo Delors( ), incidem sobre o saber, o saber fazer, o saberrelacionar-se e o saber ser. As linhas orientadoras daeducação promulgadas pelos organismos responsá-veis ao nível mundial, nacional e local, visam, recor-rentemente, assegurar e aprofundar a cultura huma-nística, artística, cientíca e tecnológica, bem comodesenvolver capacidades de expressão e comuni-cação e a sensibilidade ética e estética. Em últimainstância, os contextos de educação formal possibi-litam a formação dos futuros guardiães do patrimó-nio natural e cultural da humanidade através da pas-sagem dememesà geração seguinte (Dawkins, ).

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Na sua essência, os conteúdos das disciplinas queveiculam o conhecimento cientíco, tecnológico eartístico constituem os saberes constituintes do pa-trimónio natural e cultural, e, nesse sentido, poder--se-á defender que a formação dos professores queos transmitem às futuras gerações não terá neces-sariamente de atender às eventuais diferenças emtermos de domínios do conhecimento. Contudo,a revolução cientíca iniciada em nais do séculoXVI acabou por divorciar ciência e arte (Jardine,

), ou na acepção de Snow ( ), a cultura dasArtes e das Ciências Humanas e a cultura das Ci-ências Exactas. Se bem que autores como Adams( , ), Snow ( ) ou Popper ( ) tenhamdefendido as vantagens de uma visão integradorado conhecimento face aos inconvenientes da sobre--especialização, valorizando o acesso à terceira cul-tura (Snow, ) ou ao mundo das ideias (Popper,

), esse acesso ao mundo integrador parece, deacordo com o paradigma sócio-contextual e sistémi-co, passar pelo reconhecimento da especicidade,em particular no que concerne a formação de pro-fessores. Esta ideia ganha mais peso quando se tomaem consideração a investigação que mostra que asrepresentações implícitas dos professores acerca dodesenvolvimento do conhecimento e a sua produ-ção variam de acordo com os seus domínios especí-cos de especialização (e. g. Sternberg, ). Estaideia é também reforçada pela análise das caracterís-ticas do conhecimento cientíco e artístico.

A discussão acerca da generalidadeversusespe-cicidade da formação de professores em função dodomínio do conhecimento implica necessariamenteum posicionamento face ao debate acerca da gene-ralidade ou especicidade do desenvolvimento e daprodução do conhecimento que ocorre no seio dosdebates teóricos acerca da criatividade. A criativi-dade é um processo geral, independente dos domí-nios onde surge, como no caso dos muitos criadoresIluministas que trilharam caminhos nas ciências esimultaneamente nas artes, como mostra Martinda-le ( )? Ou será, pelo contrário, um conjunto demúltiplos domínios, como avançam autores comoVernon ( ) que descreve a taxionomia da cria-tividade artística, cientíca e social e como Gardner( ) que defende que a produção criativa numdeterminado domínio está dependente do tipo deinteligência? A resposta a este debate poderá residir

na distinção entre processo e produto (Sternberg,). Ao perspectivar o desenvolvimento do co-

nhecimento e a sua produção como um processoenfatiza-se o modo como se organiza e disponibilizaa informação interiorizada, bem como as múltiplasconexões neuronais possíveis entre os conheci-mentos dos vários domínios (e.g. Martindale, )sugerindo a ideia de um processo criativo geralcom expressão em múltiplos domínios (Sternberg,

). No entanto, como referem Boorstin & Peli-kan ( ), em termos de investigação, é necessárioaprofundar as diferenças nos padrões de criativida-de nas ciências e nas artes, não só para as explicar,como também sugerir formas de as fomentar.

Uma das áreas em que a investigação tem veri-cado diferenças entre os domínios das artes e dasciências é o das denições e crenças pessoais dosprofessores acerca da criatividade. Sternberg ( )apurou que as teorias implícitas dos professoresacerca da criatividade variam de área para área deconhecimento. Enquanto que os professores de artevalorizam a imaginação e a originalidade, a abun-dância e a vontade de experimentar novas ideiascomo aspectos determinantes da criatividade, osprofessores de losoa salientam a capacidade de jogar imaginativamente com noções e combinaçõesde ideias, bem como a criação de classicações esistematizações do conhecimento que desaam asconvencionais. Por seu turno, os professores de fí-sica acentuam a componente da invenção, capacida-de para encontrar ordem no caos, questionação dosprincípios básicos; enquanto que os professores degestão explicam a criatividade como a capacidadepara encontrar e explorar novas ideias vendáveis.

Neste âmbito, três estudos realizados no módulode Actividades de Integração da Prossionalizaçãoem Serviço da Faculdade de Psicologia e de Ciênciasda Educação da Universidade de Lisboa por profes-sores de Artes Visuais, Línguas e Literaturas Mo-dernas, Filosoa, História e Geograa, encontraramalgumas das diferenças entre professores dos váriosgrupos disciplinares de algumas escolas do Distritode Lisboa. Muito embora os estudos tivessem ob- jectivos diferentes, todos vericaram que os profes-sores de artes e de humanidades valorizam aspectosdiferentes da expressão e apresentam convicçõesdiversas. Num estudo que envolveu professo-res, Jacob, Viana, Silva, Pichel e Domingues ( )

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constataram que os professores de ciências e de eco-nomia descrevem de forma literal a partir de adjecti-vos concretos doze rostos produzidos por pintores eescultores famosos, enquanto que os professores dehumanidades inquiridos utilizam descrições maisabstractas e subjectivas e os professores de educa-ção visual qualicavam os mesmos rostos de modosemelhante ao dos próprios artistas que os criaram.Uma tendência equivalente também se vericou numoutro estudo que procurou esclarecer a importânciaque as imagens têm na educação formal e vericouque embora professores reconheçam a relevânciada imagem, nem todos mostram tirar o máximo par-tido desta e explorar as suas múltiplas possibilidades(Matias, Senra, Carrola, Tomé, Sequeira & Pereira,

). Apenas os professores de artes e de humanida-des são capazes de descrever uma imagem de formanão-estereotipada, retirando dela mais informação doque os seus colegas de outros domínios do conheci-mento. Na mesma linha, a crença de que há um domparticular para o desenho conferido a uma minoriada população distingue professores de ciências ede economia de professores de artes e de humani-dades que não acreditam tão convicta e deterministi-camente na força do mito do jeito para o desenho. Denovo, só os professores de artes e de humanidadesconsideram a possibilidade de aprendizagem e demelhoria deste tipo de expressão (Moreno, Simões,Pinto, Godinho & Neves, ).

As diferenças entre os professores dos váriosdomínios do conhecimento não se centram apenasnas teorias implícitas, crenças, atitudes e opiniões.Essas diferenças prendem-se também com as nali-dades das disciplinas que leccionam. Não negandoos pontos em comum das múltiplas expressões doconhecimento, os objectivos curriculares propostospara as disciplinas cientícas e tecnológicas diferemnalguns pontos dos objectivos propostos para asdisciplinas de artes e humanidades, na medida emque estas possuem formas diversas de compreensãodo mundo, umas valorizando mais o mundo naturale outras o cultural, umas procurando mais a objecti-vidade e outras a subjectividade, umas almejando adecifração e outras a encriptação. Na aprendizagemdos padrões do conhecimento cientíco enfatiza-sea lógica e a interiorização das leis gerais da naturezaobtidas e testadas através do método cientíco, en-quanto que na aprendizagem dos padrões culturais

e artísticos valoriza-se a estética e a expressão deideias e de emoções. Como refere Leontiev ( ),a arte transmite signicados pessoais e exerce umprofundo impacto na personalidade humana na me-dida em que possui a capacidade de revelar, expres-sar e comunicar o sentido pessoal da realidade.

Face a estes dados, o paradigma vygostkiano deformação de professores preconizado por van Hui-zenet al. ( ), defenderia que o contexto especí-co da área disciplinar deve ser tido em conta paraa construção de andaimes quer do professor emformação quer também dos seus alunos. Do mesmomodo, do ponto de vista do paradigma centrado nascompetências, as ferramentas de uns de outros tam-bém difeririam pela maior ou menor valorização dalógica ou da expressividade. A construção da iden-tidade do professor também seria perspectivada sobdiferentes ângulos de acordo com a sua área de es-pecialização na medida em que a observam e com-preendem patrimónios diversos. E, inevitavelmente,a reexão crítica acerca da sua actividade e práticaprossional também variaria.

Partindo do pressuposto de que o desenvolvi-mento e a produção do conhecimento podem as-sumir diferentes formas de expressão que devemser contempladas na formação de professores,procurou-se conhecer as opiniões de professores deartes e humanidades acerca da especicidade da suaformação.

OPINIÕES DE PROFESSORESDE ARTES E DE HUMANIDADES

Foram recolhidas opiniões escritas de professo-res prossionalizados que frequentaram o Cursoda Prossionalização em Serviço na FPCE/UL emdiferentes anos lectivos. Este curso é frequentadopor professores em exercício de funções que in-gressaram num curso superior que não dava acessodirecto à carreira de ensino (no caso das Artes) ouque por razões inesperadas acabaram por mudar oseu percurso prossional (no caso das Humanida-des). Esta amostra de conveniência era constituídapor professoras e professores licenciados emArquitectura ou Artes Plásticas (Pintura, Escultura,Desenho) e Design, e professoras e professo-res de Línguas e Literaturas Modernas ou Clássicas,

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História ou Geograa, todos docentes do º Ciclo edo Secundário de escolas públicas ou privadas doDistrito de Lisboa.

O objectivo deste levantamento era o de averi-guar quais os aspectos da formação de professoresconsiderados como essenciais por professores deArtes e de Humanidades. Para tal, foi pedido a cadaprofessor que desse, por correio electrónico, a suaopinião acerca da necessidade de uma formação es-pecíca para professores nas suas áreas do conheci-mento. No caso de uma resposta armativa era-lhessolicitado que escrevessem quais os aspectos especí-cos que um professor de artes ou de humanidadesdeveria aprender durante a sua formação. Da análisede conteúdo das respostas obtidas emergiram trêsgrandes categorias: a estética, o pensamento críticoe a expressão criativa.

Na categoria “Estética” incluíram-se as respostasque defendiam a ideia de que os professores de artese de humanidades deveriam aprender a “contribuirpara a fruição e produção de bens culturais” (profes-sor de humanidades). De entre as múltiplas formasde valorização da estética encontram-se “amar to-das as artes em geral” (professora de humanidades),“aprender a inspirar os outros” (professor de artes)e “aprender a transmitir conhecimentos e emoções,amar a vida e os alunos” (professor de artes). Nes-ta categoria colocaram-se também respostas como“aprender a fazer um esforço para encontrar a es-sência da sua arte” (professora de humanidades) ou“mostrar o valor das disciplinas que lecciona” (pro-fessora de artes). Em termos mais concretos foramreferidas estratégias como “estimular o gosto pelaleitura” (professor de humanidades) “através da par-tilha de textos, leituras, opiniões, sentimentos” (pro-fessora de humanidades) ou saber “conversar com aObra, esgrimir argumentos, zangar-se e odiá-la paradepois, exausto, descansar... ofuscado pela sua bele-za e superioridade” (professora de artes). A noção deque os professores de artes e humanidades “devemaprender a ensinar aos alunos que as artes e as hu-manidades também se aprendem” e de que devemensinar os alunos estes domínios do conhecimento,que “pelo menos, merecem que se faça um esforçopara encontrar a sua essência” (professora de hu-manidades) foi adicionalmente apontada como umobjectivo especíco da formação destes professores.A valorização da dimensão estética da formação foi

referida vezes pelos professores de artes e ve-zes pelos professores de humanidades.

A categoria “Crítica” é construída pelas res-postas que reforçaram a necessidade do “profes-sor desenvolver o seu próprio pensamento crítico”bem como a “rejeição da formatação” (professor deartes) e a “aprendizagem da subversão” (professorde artes). Um professor de artes ou de humanida-des deve “aprender a criticar esquecendo-se do seupercurso e olhando para o dos outros” (professorde artes), “aprender a descontextualizar” (professorde humanidades), a “incutir o espírito de análise eo espírito crítico” (professora de humanidades) e “acultivar nos seus alunos o desejo de eterna inquie-tação” (professora de humanidades). A formaçãode professores deve, ainda, ensinar o professor a“aprender a ser curioso e levar à descoberta” (pro-fessora de humanidades). As estratégias especícaspropostas para esta categoria incluem “aprender acaptar o modo de olhar de cada aluno sobre o que orodeia e, em conformidade com essa especicidade,orientá-lo nessa descoberta e apropriação de novoshorizontes, com ferramentas que estruturem a sualeitura e análise dos factos e processos” (no caso deuma professora de humanidades), “aprender a lero aluno por detrás do trabalho, e mostrar-lhe comoinverter essas posições” (no caso de um professorde artes) e “aprender a nascer de novo todos os dias(como quem diz que, deve sempre estar predispos-to a ver o que o rodeia com novos olhos e novosolhares, sem nunca deixar de querer aprender)”(no caso de outro professor de artes). Nesta cate-goria incluíram-se, ainda, as respostas que apelampara a transdisciplinaridade: “deve aprender a his-tória das suas artes, e, tanto quanto possível (muitode preferência), a das outras também” (na opiniãode uma professora de humanidades). Um professorde artes refere, como especíco do seu grupo dis-ciplinar, a necessidade de “aprender a gerir o pou-quíssimo tempo que tem para leccionar a(s) sua(s)disciplina(s)”, enquanto que outra professora deartes refere como prioridade “aprender a encon-trar qualidade na diversidade”, outro “aprender alidar com as inúmeras e variadas disciplinas que lhepodem ser atribuídas”, e outro ainda “aprender aser polivalente. A área das artes inclui disciplinasde carácter mais técnico (Geometria Descritiva),disciplinas de carácter “mais artístico” (Desenho,

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Ocina de Artes, etc.) e disciplinas de carácter te-órico (História da Cultura e das Artes)”. A ideia dapolivalência é também expressa como a necessidadedos professores de ambos os domínios aprenderem“a considerar que a cultura não é apenas visual ouapenas literária” (professor de artes) e “a relacionar--se interdisciplinarmente com os seus colegas”(professora de artes). “Um professor de artes, e nãosó, deve aprender a que não há duas aulas iguais”,segundo outro professor de artes. A valorização dadimensão crítica da formação foi referida vezespelos professores de artes e vezes pelos pro-fessores de humanidades.

Uma última categoria de respostas incide sobrea dimensão criativa das disciplinas humanísticas eartísticas. A criatividade é produto da pessoa, doprocesso e do contexto envolvente (e.g. Csikzent-mihalyi, ), e implica a geração e a exploração deideias (Finkeet al., ) e a sua comunicação (e.g.Sternberg & Lubart, ). Face à multiplicidadede dimensões envolvidas, a categoria “Criatividade”incluiu respostas relativas às características criativaspessoais de professores e alunos, ao desenvolvimen-to do processo criativo, que abrange processos deobservação e de geração de ideias, e, ainda, a cria-ção de produtos criativos e a sua expressão. Relati-vamente às características pessoais do professor asrespostas descreveram a necessidade do professor“aprender a essência do ser humano como agentecriador” (professora de humanidades) e, inevitavel-mente “deve aprender a ser mais criativo” (profes-sora de artes). As respostas que ilustram a neces-sidade da formação atender ao processo criativoconsideraram, num primeiro momento, “aprendera ver” (professora de artes) e “observar tudo aquiloque nos rodeia, observar todos os estímulos e refe-rentes” (professor de artes). As outras respostas re-lativas ao processo incidiram na atenção dada à “uti-lização da linguagem de uma forma superior” (pro-fessor de artes) e “compreender que nenhum alunotem culpa de não escrever (ou desenhar) tão bemcomo o professor” (professora de humanidades).

A produção criativa esteve patente em respostasque referiam a necessidade dos professores de artese de humanidades aprenderem a “sujar-se, desenhare pintar palavras” (professora de humanidades) ou“aprender técnicas teatrais” (professor de artes).Nesta categoria incluíram-se, ainda, as respostas que

expressaram a necessidade de uma formação quepossibilite “estimular a criatividade” (professor deartes), “a ensinar para a criatividade (realçar a cria-tividade do aluno), não apenas no domínio plástico,mas através de estratégias criativas noutros domí-nios” (professora de artes) e, ainda, “aprender quea criatividade assume diferentes formas e é inesgotá-vel” (professora de humanidades). Enquanto que osprofessores de artes devem “aprender a estar dispo-níveis, pois podem receber mais do que dão”, os dehumanidades devem “aprender a não dar mais im-portância a uma ou outra vírgula (quantas vezes facul-tativa) e concentrar-se nas Palavras”. Uma última di-mensão criativa valorizada foi a expressividade querdo professor quer do aluno. “Um(a) professor(a) deartes ou de humanidades deve aprender a comunicaro que lhe vai na alma” (professora de artes). A valo-rização da dimensão criativa da formação foi referida

vezes pelos professores de artes e vezes pelos professores de humanidades.

ANÁLISE CONCLUSIVA

Mesmo não comparados com as opiniões de profes-sores de outros domínios do conhecimento, os ar-gumentos que os professores inquiridos esgrimiramvalem per se no sentido em que reectem o modocomo um grupo de professores de artes e de huma-nidades sentem as especicidades das suas discipli-nas e revelam as dimensões que entendem que de-vem ser incluídas na formação. A estética, a crítica ea criatividade constituem dimensões implícitas nasáreas disciplinares ligadas às artes e às humanidadese conduzem à exibilidade que Hargreaves e Fullan( ) referem ser uma mais-valia para pensadorese professores conseguirem lidar com a crescentediversidade e alcançarem uma mudança de atitudeface ao status quo.

Do ponto de vista vygotskiano (van Huizenetal., ), importa reconhecer na formação de pro-fessores o contexto especíco em que o processoeducativo ocorre. Uma forma de atender ao contex-to é compreender os domínios do conhecimentoque sensibilizam os alunos para o património na-tural. Assim, a construção de andaimes através dainteracção, da co-questionação guiada e da inves-tigação reexiva em que a formação de professores

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Recensões

Marilyn Cochran-Smith; Sharon Feiman-Nemser; D. John McIntyre & Kathy E. Demers (orgs.) ( ).Handbook of Research on Teacher Education. Enduringquestions in changing contexts. rd Edition. New York:Routledge & ATE

A TENTAÇÃO (E A NECESSIDADE)DA TOTALIDADE

O Handbook of Research on Teacher Education constitui

um clássico de consulta e estudo obrigatórios para todosaqueles que se interessam pela Formação de Professoresenquanto domínio de investigação cientíca em educação.

A terceira edição que acaba de ser publicada em mantém com as anteriores — a primeira, publicada em

sob a responsabilidade de W. R. Houston, e a se-gunda, publicada em sob a responsabilidade de J. Sikula — o escopo de ajudar a promover a mudançaeducativa com base em evidências cientícas sólidas,embora se distinga claramente destas em termos da suaconcepção geral e da estrutura adoptada.

Cada edição constitui, em relação ao momento emque é realizada, uma tentativa de responder a questõesque, sendo permanentes, vão conhecendo respostas ne-cessariamente diferentes, quer porque os contextos dodesempenho e da formação prossional vão mudando,quer porque os processos investigativos vão permitin-do acumular resultados em antigos e novos campos depesquisa, ao mesmo tempo que vão, também eles, co-nhecendo reorientações metodológicas por vezes muitosignicativas. Trata-se, pois, de tentar codicar a base deconhecimento cientíco disponível para, em cada tem-po, prosseguir com o empreendimento de investigar e

de formar professores da melhor forma possível. Tarefareconhecidamente difícil (se não impossível), tal codi-cação aspira a oferecer um sentido de globalidade ou de

totalidade a milhares de trabalhos de investigação que seproduziram nos Estados Unidos da América nos últimosdoze anos, sem iludir a diversidade de opções cientí-cas, paradigmáticas e metodológicas, que sustentam ostrabalhos, nem escamotear o quanto algumas dessas op-ções são mais inuenciadas pelas agendas políticas e so-ciais que impendem sobre a educação e a formação dosprofessores do que pelo curso “natural” do avanço doconhecimento. E necessariamente também, pondo emevidência aqueles casos em que a investigação realizadaaté agora chegou a resultados contraditórios.

Questões maiores continuam, então, a ser as dese saber como é que o conhecimento cientíco podeconstituir-se em fundamento de melhores progra-mas de formação e a de se saber o que é conhecimen-to cientíco válido e ável no campo da formação deprofessores. Nem uma nem outra das questões têm oualguma vez tiveram respostas fáceis nem lineares. Mastem havido um notório esforço de aprofundamento ede compreensão do que nelas está envolvido e avançosque nos parecem muito promissores no sentido de umaapropriação mais prevenida e crítica das evidências dainvestigação empírica.

EsteHandbook or Research on Teacher Education estáestruturado em nove partes que tentam sucessivamenteresponder às seguintes perguntas:

· Qual é a questão? Os propósitos da formação deprofessores

· O que é que os professores deveriam saber? As ca-pacidades dos professores: conhecimento, cren-ças, habilidades e compromissos

· Onde devem os professores ser formados? Con-textos e papéis na formação de professores

· Quem ensina? Quem deveria ensinar? Recruta-mento, selecção e permanência de professores naprossão

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· Será que a diferença faz a diferença? Diversidade eformação de professores

· Como é que as pessoas aprendem a ensinar? Aaprendizagem dos professores ao longo do tempo

· Quem manda? Autoridade na formação de profes-sores e política de certicação

· Como é que sabemos o que sabemos? Investiga-ção e formação de professores

· Para que serve a formação de professores? O lugarda formação de professores na formação dos pro-fessores.

Cada uma das nove partes obedece a uma estrutura co-mum: tem uma introdução da responsabilidade do editordessa parte, tem três a cinco capítulos de enquadramen-to do tema, tem uma secção denominada “artefactos”,onde foram acolhidos textos produzidos em diferentesépocas ou fotograas, e tem nalmente uma secção de

comentários elaborados por dois ou três investigadorescuja opinião foi tida como relevante sobre o conjunto dasproduções anteriores.

Tanto a secção de artefactos como a de comentárioscorrespondem aos aspectos mais inovadores da estruturadesta terceira edição. Com os artefactos proporciona-seao leitor uma perspectiva diacrónica da abordagem dotema, facilitando-se a constatação de permanências e derupturas no modo de abordar o tópico em questão. Comos comentários, fomenta-se a leitura crítica dos materiaisreunidos, na medida em que somos confrontados comuma certa multiplicidade de apropriações dos mesmospelos diversos autores convidados a comentá-los.

Não zemos uma leitura exaustiva da obra, nem ima-ginamos que seja quem for a faça — trata-se de um únicovolume de páginas (aliás, desagradável de manuse-ar). A leitura utuante que incluiu apenas as introduções,um capítulo aqui, outro ali, e a leitura integral de duaspartes, levam-nos a arriscar que se há uma palavra-chavedominante nesta obra, essa palavra é “diversidade”. Lu-gar paradoxal onde toda a educação, toda a formação deprofessores e toda a investigação sobre uma e outra hojese movem, como construir sobre essa (s) diversidade (s)as sínteses provisórias de que cada um de nós e todosem conjunto (investigadores, formadores de professores,instituições de formação) necessitamos para continuara percorrer os respectivos caminhos? Nesse aspecto, oHandbook fornece-nos os alicerces, é um bom ponto desustentação, mas remete a responsabilidade da sínteseinteiramente para cada um dos seus utilizadores. Como,aliás, pensamos que deve ser.

M [email protected] de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Esteves, Manuela ( ). Recensão da obra “Handbook of Research onTeacher Education. Enduring questions in changing contexts”, de MarilynCochran-Smith; Sharon Feiman-Nemser; D. John McIntyre & Kathy E. Dem-ers [ ]. rd Edition. New York: Routledge & ATE.Sísifo. Revista de Ciên-cias da Educação, , pp. -Consultado em [mês, ano], em: http://sisifo.fpce.ul.pt

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Alves, Natália ( ). Juventudes e inserção prossional .Lisboa: EDUCA & Unidade de I&D de Ciências daEducação.

Detentores de títulos académicos que certicam trajectó-rias escolares longas e qualicantes, os jovens licenciadossão, hoje em dia, confrontados com um futuro onde a in-certeza impera e os riscos espreitam. A licenciatura já nãogarante, a muitos jovens, o acesso imediato aos empregosmais qualicados e melhor remunerados e os processos de

inserção prossional perderam a linearidade que duranteséculos os caracterizou, transformando o emprego dos di-plomados num problema social e político (p. ).

Este excerto identica claramente o tema central da obrade Natália Alves, Juventudes e inserção prossional , edi-tada pela EDUCA e Unidade de I&D de Ciências daEducação da Faculdade de Psicologia e de Ciências daEducação da Universidade de Lisboa. O objectivo con-siste em interpretar e explicar esse fenómeno recente quefaz com que a passagem da formação universitária para omercado de emprego se tenha transformado num proble-ma “social e político”. O que está em causa neste trabalhonão é a “perda da ecácia” da formação universitária naobtenção dos melhores empregos, pois, como adverte aautora, “é verdade que a situação se deteriorou, mas oslicenciados continuam ainda a constituir um grupo privi-legiado no mercado de trabalho” (p. ). O que é motivode interpelação e reexão é o modo como se caracterizaesse processo social “longo e complexo” de transição daescola para o trabalho, captado à luz do conceito de “in-serção prossional” (com origem na sociologia francófo-na), que marca de forma evidente os percursos biográ-

cos e os processos de construção identitária dos jovens, eque põe em causa muitas das actuais políticas públicas deeducação (neste caso do ensino superior).

Baseada num profundo conhecimento da literaturada especialidade e na sua experiência pessoal de investi-gação sociológica, em particular na temática das relaçõesentre a educação/formação e o trabalho dos jovens, querno domínio da formação prossional quer no domíniodo ensino universitário, Natália Alves propõe-nos, nestaobra, uma síntese feliz entre o trabalho de construção deum quadro teórico de análise e a denição de uma pro-blemática.

O quadro teórico (objecto dos três primeiros capí-tulos) toma com referência os dois conceitos que dão o

título à obra: juventudes einserção prossional .No primeiro caso — juventudes — a autora apresen-ta, no capítulo , uma breve mas elucidativa descriçãodo “processo através do qual a juventude se generalizae adquire consistência social” que ocorreu na moderni-dade, principalmente através da massicação da experi-ência juvenil. É no quadro deste processo que a juven-tude é vista como um “problema social” e como “umaconstrução cientíca”, incluindo aqui a própria noçãode pluralidade de “juventudes”. Mobilizando um vastonúmero de autores de diferentes tradições sociológicas edados referentes a diversos países, Natália Alves aborda,de seguida, o conhecido fenómeno do “prolongamentoda juventude” e as suas consequências nas “políticas de juventude” e de educação, no aumento da heterogenei-dade das características dos próprios jovens e na diver-sidade dos momentos fronteira que os separam da “vidaadulta”. Finalmente, é analisada a situação existente emPortugal, neste domínio, à luz da investigação produzidaprincipalmente a partir dos anos do século XX.

No segundo caso —inserção prossional— a autoraapresenta, nos capítulos e , dois textos fundamentaispara a compreensão do fenómeno da inserção prossio-

nal dos jovens e para a análise das políticas de empregodirigidas a este público especíco. De realçar que estestextos são escritos com notável clareza e poder de síntese,

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tomando como base uma extensa revisão de literatura devárias quadrantes linguísticos, cientícos e teóricos, adop-tando, sempre que possível, uma perspectiva comparada,em especial no que se refere às “políticas de emprego” eaos resultados dos estudos sobre “inserção prossional”.

O capítulo tem como ponto de partida a análisedo conceito de “inserção prossional” (sua emergênciae desenvolvimento) no contexto de outras expressõesigualmente utilizadas para designar “esta fase do ciclo devida em que os jovens dão por concluída a sua formação einiciam o processo de procura de emprego”. A partir da-qui, a autora procede a uma discussão teórica de diferen-tes perspectivas em confronto que reforçam a dimensãosocial deste fenómeno e a sua conexão com as questõesmais gerais das políticas de mão-de-obra e de emprego eda “inclusão social”. O capítulo termina com uma análiseextremamente lúcida e persuasiva sobre o modo “comoa inserção prossional se transforma num problema so-

cial”, mobilizando para o efeito a situação existente emFrança, na Grã-Bretanha, em Portugal e na Alemanha.O capítulo toma a “inserção prossional” como

área de actuação das políticas públicas analisando sobre-tudo “os problemas do desemprego e as soluções parao resolver”. Mais uma vez, a perspectiva comparativa évalorizada, recorrendo, neste caso, aos exemplos ale-mão, britânico, francês, sueco e português. Através des-tes vários exemplos é possível pôr em evidência o factode “as políticas de inserção terem subjacentes diferentesconcepções de juventude e serem marcadas por entendi-mentos distintos quanto às causas do desemprego juve-nil”. É neste contexto que são apresentadas e analisadasdiferentes “teorias explicativas” do “desemprego juvenil”desde as mais “globalizantes” que remetem para a con- juntura económica a sua principal responsabilidade, àsque acentuam a responsabilidade do déce (ou desajus-te) de formação da população juvenil. Independentemen-te das perspectivas adoptadas a conclusão mostra que a“inserção prossional dos jovens” é vista pelos diversosestados como um problema político e social, o que estána origem da intervenção dos poderes públicos na gestãoda transição para a vida activa, seja qual for a modalida-

de adoptada. A existência destas políticas tem estado naorigem do desenvolvimento crescente de uma “sociolo-gia da inserção prossional” cujos principais resultadossão analisados por Natália Alves, a partir dos trabalhosproduzidos em França, Grã-Bretanha e Estados Unidos ecom particular enfoque nos realizados em Portugal.

Após a apresentação do quadro teórico de análise emtorno dos conceitos de “juventudes” e de “inserção pro-ssional”, a obra termina com um capítulo dedicado àconstrução de uma problemática especíca, relativa aocaso particular da inserção prossional das juventudesuniversitárias.

A construção desta problemática justica-se pelofacto de, como é assinalado na Introdução, esta obra

corresponder ao quadro conceptual que serviu desuporte à investigação empírica realizada no âmbitoda tese de doutoramento que a autora apresentou em

, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edu-cação da Universidade de Lisboa, com o título “Inser-ção prossional e formas identitárias. Percursos doslicenciados da Universidade de Lisboa”.

Na verdade, a questão da “inserção prossional dos jovens” ganha uma dimensão especíca no contexto damassicação do ensino superior, com o consequente au-mento de licenciados “que ingressam no mercado de tra-balho, num período em que as economias se confrontamcom ciclos de crescimento cada vez mais curtos e com osefeitos dos processos de internacionalização e globaliza-ção”. Por isso, Natália Alves traça um quadro extrema-mente sintomático do processo de expansão recente doensino superior e das suas “desigualdades” em Portugale em outros países, analisando os impactos que teve no

aumento da heterogeneidade da população estudantil enas mutações no mercado de trabalho dos licenciados.A conclusão que a autora retira da síntese dos estu-

dos que mobilizou para este capítulo é desaante não sópara a “reforma” do ensino superior, mas também para aanálise da relação entre formação e emprego: “A inserçãoprossional dos diplomados do ensino superior é, hojeem dia, uma problemática que faz parte da agenda polí-tica em praticamente todos os países industrializados. Aperda de alguns dos privilégios, que desde séculos usu-fruíram os detentores de títulos que sancionam trajectó-rias de sucesso neste nível de ensino, tem despoletadoum aceso debate sobre a situação no mercado de trabalhoao qual os estabelecimentos de ensino superior não têmescapado. (…) [Contudo] Os diplomados do Ensino Su-perior continuam a gozar de uma situação francamente fa-vorável no mercado de trabalho e que pouco ou nada temem comum com os discursos alarmistas produzidos pelosmedia e de que a opinião pública faz eco. É verdade que aprecariedade está mais difundida e a estabilidade demoramais tempo a chegar, mas as vantagens comparativas dodiploma do Ensino Superior no mercado de trabalho, emgeral, e nos processos de inserção prossional, em parti-

cular, continuam a ser inquestionáveis, quer em Portugalquer nos restantes países da UE” (p. ). Como se pode vericar pela recensão aqui feita esta-mos perante uma obra fundamental para compreenderas relações entre educação e trabalho, em geral e, maisparticularmente, a especicidade que elas adquirem noquadro da inserção prossional dos jovens licenciados.A temática é abordada com grande consistência teóricae, simultaneamente, com grande ecácia e acessibilida-de discursiva, o que, infelizmente, nem sempre aconteceneste tipo de textos de natureza mais académica. É porisso, também, uma obra com grande sentido pedagógi-co, construída, muitas vezes, a partir das questões que

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a própria autora formula face a algumas insuciênciasexplicativas das teorias que mobiliza.

Compreende-se, perfeitamente, os critérios editoriaisque determinaram que só fosse incluída na presente edi-ção a parte referente ao enquadramento teórico da tesede doutoramento de Natália Alves, atrás referida. Contu-do, recomenda-se vivamente, para os mais interessados,a consulta integral do trabalho empírico realizado e emparticular a análise feita a partir das signicativas entre-vistas obtidas pela autora junto de jovens licenciados emprocesso de inserção prossional. Só assim é possíveldescobrir, na sua plenitude, a potencialidade heurísticada argumentação e do quadro teórico aqui apresentado.

Uma referência nal deve ser feita ao momento emque a obra é editada. A reexão que foi realizada (e ainvestigação que se lhe seguiu) reporta-se a um períodoanterior ao que é hoje possível identicar como m deum ciclo económico (com a eclosão da “crise” de -

- ) e antes de se sentirem os efeitos das transforma-ções originadas pelo chamado “processo de Bolonha”na organização da oferta do ensino superior, na duraçãodos cursos e no “estatuto” da licenciatura na hierarquiados diplomas. É de prever que muitos dos pressupostose dos dados do problema educação/formação/emprego e

os consequentes processos de inserção prossional dos jovens licenciados estejam a ser alterados. E quando istoacontece não são só os problemas que mudam, são tam-bém o olhar que temos sobre eles e as soluções que en-contramos. Vale a pena esperamos pelo m da “história”deste período para conrmar a continuação (ou não) davalidade de muitas das conclusões que foi possível obtercom este trabalho.

J [email protected] de Psicologia e de Ciências da Educaçãoda Universidade de Lisboa

Barroso, João ( ). Recensão da obra “Juventudes e inserção prossional”,de Natália Alves [ ]. Lisboa: Educa/Ui&dCE.Sísifo. Revista de Ciênciasda Educação, , pp. -Consultado em [mês, ano], em: http://sisifo.fpce.ul.pt

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INTRODUÇÃO

A supervisão é um dos meus interesses prossionaisde preferência. Depois de ter sido, eu própria, profes-sora, dediquei-me à formação de professores e, dentrodessa temática, direccionei sempre os meus interessespara a supervisão. Dois anos após ter terminado o es-tágio pedagógico, tornei-me supervisora. É daí que mevem o interesse em estudar, por um lado, a activida-de supervisiva e, por outro, as questões da didáctica,nomeadamente da Didáctica de Línguas, dado que a

minha formação de base se alicerça no curso de Ger-mânicas. Ao longo da minha vida como supervisora einvestigadora na área, tenho combinado a experiênciaprossional com a reexão sobre a experiência. É omeu pensamento, resultado dessa combinatória, quehoje vos trago.

Não sei exactamente o que é que o título da conferên-cia fez ecoar em vós... Quando nós falamos em super-visão de professores, pensamos sobretudo na formaçãoinicial. O contributo que vos trago hoje vai para além daformação inicial e, por isso, dei a esta conferência o títulode: “Formação e Supervisão de Professores: uma novaabrangência”¹.

Numa espécie de organizador avançado, esclareçoque estruturei esta conferência em duas partes. Numaprimeira parte apresentarei uma re-conceptualizaçãodo conceito de supervisão que, na minha perspectiva,concede a esta actividade — a supervisão — uma maiorabrangência, porque a estende à escola. Hoje em dia con-sidero que a supervisão tem também por função a dina-mização e o acompanhamento do desenvolvimento daescola. Já não se ocupa só dos professores em formaçãoinicial, mas de toda a escola e de todos os que, na escola,

realizam o trabalho de ensinar, estudar ou apoiar a fun-ção educativa. Portanto, este será o primeiro momento,um momento de re-conceptualização.

Depois achei que também seria interessante trazer--vos o relato de um caso de inovação curricular que foiacompanhada de uma forma que considero supervisiva.E, assim, a segunda parte consistirá na apresentação des-se caso, no contexto de uma escola aprendente, ou ree-xiva, noção que, mais à frente, denirei. Tentarei analisaros factores que favoreceram a criação de uma cultura deaprendizagem partilhada e a inuência que essa culturateve no processo de inovação curricular, que foi — desde já digo, para não carem com falsas expectativas — umprojecto de inovação curricular no âmbito do ensino su-

perior (e não no âmbito do ensino básico ou secundá-rio). Eu própria acompanhei esse processo.

UMA NOVA ABRANGÊNCIAPARA A SUPERVISÃO

No contexto supervisivo português (e digo português,porque é diferente o contexto supervisivo português,ou o contexto supervisivo brasileiro, ou o contexto su-pervisivo americano) normalmente, quando se fala emsupervisão, pensa-se em supervisão de professores emformação inicial. Foi neste âmbito que eu trabalhei quasesempre a temática da supervisão. Primeiro, como super-visora na escola, depois como supervisora na universida-de. Na primeira fase das minhas reexões mais teóricase dos meus estudos empíricos sobre a supervisão, erasobretudo a formação inicial que estava em jogo.

Contudo, já num livro que publiquei com José Tava-res, em (e que foi um livro pioneiro no campo da su-pervisão em Portugal, foi, penso, o primeiro livro em Por-tugal onde apareceu, no título, a palavra supervisão, oupelo menos a expressão “supervisão da prática pedagógi-

ca”), nós dizíamos que no quadro da formação contínuaa supervisão da prática pedagógica “emerge como umaauto e hetero-supervisão, comprometida e colaborante,

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ConferênciasFormação e Supervisão de Professores:

uma nova abrangênciaFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidadede Lisboa, de Maio de

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em que os professores se entre-ajudam a desenvolver-see a melhorar o seu próprio ensino” (Alarcão & Tavares,

, p. ).Portanto, já em tínhamos esta convicção, mas

ela tem-se vindo a intensicar e, hoje, pretendo alertar--vos para o papel da supervisão na linha da formaçãocontínua mais do que propriamente da formação ini-cial. Penso que, no futuro, esta dimensão vai ser muitoimportante, embora não se possa esquecer a supervisãona formação inicial, até porque se estão atentos à legisla-ção que saiu recentemente sobre os cursos de formaçãode professores, vericaram com certeza na valorizaçãodesta componente, expressamente designada no arti-culado por “prática de ensino supervisionada”; é esta aexpressão utilizada. E é evidente que não se pode perdera oportunidade (agora que a formação de professores, anível de formação inicial, não nos está a pôr a pressão daquantidade) de se ter em atenção a qualidade da forma-

ção em estágio e a oportunidade de desenvolver e inves-tigar práticas supervisivas e assim criar, ou aprofundar,conhecimento sobre essa matéria.

Ultimamente, reconhecendo a importância do papelque a escola hoje assume, comecei a pensar em super-visão da instituição, ou da escola como organização, ouantes como comunidade, na explicitação de Sergiovanni( ). É que, quando se fala em supervisão, em termosde formação inicial, centramo-nos muito no professor;quando se fala em supervisão em formação contínua,o foco incide sobre o colectivo dos professores. Mas opapel importante que hoje em dia é atribuído à escola,levou-me a re-conceptualizar o âmbito da supervisão.Assim, em , portanto já mais recentemente, eu es-crevia: “Mantendo como objecto essencial da activida-de supervisiva a qualidade da formação e do ensino quepraticam, a supervisão deve ser vista, não simplesmenteno contexto da sala de aula”, e normalmente a formaçãoinicial era muito centrada na sala de aula, “mas num con-texto mais abrangente da escola, como um lugar e umtempo de aprendizagem para todos, crianças e jovens,educadores e professores, auxiliares e funcionários epara si própria”, si própria, a escola, “como organização

qualicante, que, também ela, aprende e se desenvolve”(Alarcão, , p. ).A evolução do meu pensamento teve consequências ao

nível da explicitação do conceito de supervisão. Enquantoque, em , deníamos a supervisão como “o proces-so em que um professor, em princípio mais experiente emais informado, orienta um outro professor ou candidatoa professor no seu desenvolvimento humano e prossio-nal” (Alarcão & Tavares, , p. ), na ª edição desselivro, revista e publicada em , apresentámos a supervi-são como o processo de “dinamização e acompanhamentodo desenvolvimento qualitativo da organização escola edos que nela realizam o seu trabalho de estudar, ensinarou apoiar a função educativa, através de aprendizagens

individuais e colectivas, incluindo as dos novos agentes”(Alarcão & Tavares, , p. ). Se repararem bem, a su-pervisão da formação inicial está incluída, mas está inseridanum contexto mais abrangente, que é a supervisão da esco-la e a supervisão da formação contínua, ou seja, do colec-tivo dos docentes. E todas estas dimensões se interligam.

Numa tentativa de síntese, no meu gosto por apanharas ideias principais, eu poderia dizer que, quando olha-mos para o desenvolvimento do percurso da supervisão,notamos um alargamento da área da sua inuência, no-tamos uma maior associação da supervisão ao desenvol-vimento prossional. Ao falar em desenvolvimento pro-ssional, estou a pensar não só nos candidatos a profes-sores, mas sobretudo, no desenvolvimento prossionaldos que já são prossionais e se encontram em ambientede formação contínua em contexto de trabalho; estou aconsiderar uma orientação mais colaborativa e menoshierárquica.

Esta minha opinião é corroborada pela de Sullivane Glantz que, em , armavam que a supervisão doséculo XXI (e é este o século em que estamos) terá fun-damentalmente duas características. Uma característicaque chamam de democraticidade e uma segunda carac-terística que chamam de liderança com visão. Demo-craticidade, porquê? Democraticidade, porque é umasupervisão baseada na colaboração entre os professores,em decisões participadas, e na prática reexiva, visandoprossionais auto-dirigidos ou, se quiserem, como se dizmais frequentemente, autónomos.

Mas também uma liderança que perspective o futuro.Portanto, uma liderança com visão, que promova os va-lores da democraticidade e desenvolva programas super-visivos com impacto… Com efeito, a supervisão tem queter impacto na melhoria do ensino e da aprendizagem.Ou seja, em última análise, quando trabalhamos com osprofessores, queremos, através deles, chegar aos alunos.Queremos que a educação seja melhor, que o ensino sejamelhor. Passa-se pelos professores, mas tem-se em men-te que o objectivo último é a qualidade da educação.

Pergunta-se, então, qual é a função dos supervisoresinstitucionais. Costumo dizer que a função dos super-

visores institucionais é, fundamentalmente, encorajaros professores a trabalharem em conjunto, como cole-gas, numa atitude indagadora e transformadora. O queé que está em causa nesta concepção? O supervisor nãoé aquele que faz, nem é aquele que manda fazer; é a pes-soa que cria condições para que os professores penseme ajam e façam isso de uma forma colaborativa, de umaforma crítica, indagadora, portanto, com um espírito deinvestigação que é hoje absolutamente necessário. Nãotêm que ser, costumo eu dizer, investigadores no sentidoverdadeiramente académico, mas têm que ter o espíritode investigação e têm que ser capazes de fazer algumaspequenas investigações, porque só isso é que possibilitaque, realmente, haja inovação e transformação.

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Se repararem, há uma constante na evolução do meupensamento… Constante que se mantém desde as pri-meiras denições, desde a denição de : é o pro-fessor mais experiente, é o professor que ajuda. Perma-nece a ideia da ajuda, do apoio, da atenção ao outro, àscircunstâncias e às necessidades. A essa ideia de apoioassocio sempre a de desao. Aliás, costumo dizer que asupervisão é fundamentalmente um processo de desa-os, acompanhados de apoios para que as pessoas sejamcapazes de responder aos desaos. Esta convicção tem--se mantido ao longo da história do meu pensamento.

Vou referir-vos agora uma pergunta que frequente-mente me tenho colocado e à qual ainda não conseguiresponder totalmente; apresento-vos, por isso, o pontoda situação do meu questionamento. E a pergunta é: mas,anal, quem são os supervisores institucionais? Quandose pensa em supervisor institucional, tem-se em menteuma pessoa que tem essa função especíca? Quem são

esses supervisores institucionais? O ponto da situaçãodo meu pensamento reside no seguinte: todos os que es-tão na escola são supervisores. Entendendo a supervisãocomo o processo auto-supervisivo e hetero -supervisivode que falámos atrás, todos têm a função de se entre--ajudarem e de contribuírem para uma escola melhor.Porém, há uns que desempenham mais essa função doque outros. Porquê? Se calhar, porque têm característicasque se adequam mais a essas funções. Destacam-se comolíderes do pensamento, como pessoas que apoiam, quedesaam. Concebo até que, ao nível das cúpulas, portan-to, ao nível dos Conselhos Executivos, haja alguém quetenha (ou venha a ter) uma responsabilidade acrescidaem relação à supervisão da escola. E, assim, quando digo“todos mas uns mais do que outros”, a minha ideia é aseguinte: em princípio todos são supervisores, e deve-sefazer os possíveis para que todos tenham o espírito deauto-supervisão e de hetero-supervisão, mas convém quehaja algumas pessoas que se sentem mais responsáveispor fazer correr a dinâmica supervisiva. Neste contexto,é oportuno recordar Sergiovanni e Starrat, dois america-nos que têm trabalhado muito as questões da supervisãoe que, em , anteciparam que o futuro mostrará que

a supervisão dos Presidentes dos Conselhos Directivose de outros ligados à gestão, como pessoas que lideram,será menos importante do que a supervisão colegial, aque envolve os pares, isto é, a supervisão colaborativa e ahetero-supervisão de que vos tenho vindo a falar.

UM CASO DE SUPERVISÃONUMA ESCOLA REFLEXIVA

Na segunda parte desta conferência dou-vos conta dasminhas reexões sobre um caso de supervisão. Acheique poderia ser interessante. Já o estudei de vários pon-tos de vista, e vou agora olhá -lo sob o ponto de vista da

supervisão. Chamei-lhe: “Um caso de supervisão numaescola reexiva”.

E E chamei-lhe “Um caso de supervisão numa escola re-exiva”, porque tenho vindo a considerar a escola coma capacidade de se pensar a si própria. A essa esco-la pensante atribui a designação de escola reexiva. Oconceito não é original. No fundo, trata-se do conceitode escola aprendente, qualicante, que vem na linha daSenge. Original é, talvez a designação. Achei interessantechamar-lhe escola reexiva, porque isso tem a ver coma história do meu pensamento. Como alguns dos pre-sentes sabem, eu introduzi em Portugal o pensamentodo Donald Schön sobre o prossional reexivo, na se-quência de uma licença sabática que tive a oportunidadede realizar nos Estados Unidos, em . Nessa altura,Schön era muito lido lá e também eu tive oportunidade

de o ler e de o estudar. No ano seguinte, em Portugal,no âmbito da disciplina de Supervisão que estava a lec-cionar no Mestrado em Supervisão na Universidade deAveiro (UA), achei interessante apresentar o pensamentode Donald Schön aos meus alunos. No nal do curso — eporque reconheci que os alunos tinham apreciado muitoessa temática — resolvi escrever um artigo sobre o pensa-mento do Donald Schön, o artigo que saiu no número dos Cadernos CIDInE, em , número que se esgotourapidamente porque as pessoas aderiram muito à ideiado professor reexivo. Mais tarde, em , peguei nes-se mesmo texto e reproduzi-o num livro que publiqueicom os meus alunos da edição seguinte do mesmo mes-trado, porque esses alunos, quando chegaram ao curso,disseram-me: “Pois é, professora, anda a falar muito deprofessor reexivo e nós queremos saber como é quese faz uma supervisão que leve os professores a seremreexivos!” É sempre a ideia do “como”, normalmentetodos querem saber “como fazer”! Fizeram-me então odesao: “é altura de começar a dizer de uma forma maisconcreta como é que se forma um professor reexivo”.E eu devolvi-lhes o desao, dizendo: “Pois bem; nósestamos a começar o mestrado, estamos a começar esta

disciplina, vocês vão ter que fazer trabalhos e, portanto,os trabalhos que vocês vão fazer vão ser orientados nestalinha, a de estudar estratégias de formação reexiva deprofessores”. E daí resultou o livro, que se chama exacta-mente Formação Reexiva de Professores: Estratégias deSupervisão (Alarcão, ).

Mas…voltemos ao caso em análise não sem que an-tes vos dê a minha denição de escola reexiva. A de-signação e concepção datam de , tendo aparecidonesse ano em diferentes livros, uns publicados em Por-tugal, outros no Brasil. Entendo a escola reexiva como“uma organização que continuadamente se pensa a siprópria, na sua missão social e na sua organização, ese confronta com o desenrolar da sua actividade, num

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processo heurístico, simultaneamente avaliativo e for-mativo” (Alarcão, , p. ).

Acho que também é interessante ressaltar um aspec-to que tem a ver com a minha experiência de vida e ainuência que ela exerceu sobre o meu pensamento.Primeiro trabalhei a questão do professor reexivo aonível individual, ao nível do professor — quando esta-va envolvida na supervisão de professores em formaçãoinicial — embora já nessa altura admitisse as vantagensda supervisão em formação contínua, como referi noinício. Entretanto assumi as funções de Vice-Reitora daUniversidade de Aveiro e passei a ter outra perspectiva,a perspectiva da escola, da organização, da comunidade.Foi essa perspectiva e essa necessidade de me preocuparcom a Universidade (que, por ser universidade não deixade ser escola, não é?) como organização e comunidade ede perceber como é que as várias coisas jogam e como éque é preciso monitorizar, como é que é preciso a esco-

la pensar-se e organizar-se em função daquilo que querser… Foi isso que me levou a esta conceptualização e aesta designação: “escola reexiva”.

Nesta conceptualização entraram, então, dois facto-res. Por um lado, a minha experiência de estar à fren-te de uma escola, e, por outro lado, a transferência deelementos da denição de professor reexivo para a deescola reexiva. Surge-me assim a escola a pensar-se a siprópria (há aqui obviamente uma metáfora) naquilo quequer ser, na missão que tem, e na forma como está or-ganizada (ou desorganizada!) para cumprir essa missão.A escola tem de ter um processo de monitorização, queinclui um processo de supervisão, que tem a ver com oprocesso de se confrontar com aquilo que quer ser e omodo como está organizada para concretizar essa mis-são. Implica um confronto com a realidade, com a activi-dade. Este confronto envolve um processo heurístico, eesse processo heurístico, que é desenvolvido, não pelasparedes da escola, mas pelas pessoas que a constituem, éum processo que é, simultaneamente, avaliativo do fun-cionamento da escola e formativo das pessoas que neleestão envolvidas e que, em princípio, devem ser todas.

Como vêem, por detrás desta concepção está tam-

bém, como disse há pouco, a ideia da organização apren-dente de Senge ( ) autor que, na altura, também li eme inuenciou.

E Ora bem, trata-se de um caso de quê, como diria Shul-man ( )?

Trata-se da introdução de uma inovação curricular— a “aprendizagem à base de projectos”(ABP) que é,no fundo, uma modalidade de aprendizagem à base deproblemas, normalmente conhecida como PBL, mas emque, porque se trata de cursos de Engenharia, os proble-mas se conguram em projectos.

O Aconteceu na ESTGA (Escola Superior de Tecnologiae Gestão de Águeda), na Universidade de Aveiro. Numabreve apresentação, a ESTGA é uma escola superiorpolitécnica — eu reforço isto, porque isto é muito im-portante para o caso — criada em . A Universidadede Aveiro integra actualmente quatro escolas superiorespolitécnicas. A ESTGA foi a primeira. A segunda foi oISCA (Instituto Superior de Contabilidade e Adminis-tração). A terceira, criada de raiz, é a Escola Superior deSaúde (ESSUA). Mais recentemente foi criada a Esco-la de Design, Gestão e Tecnologia de Produção, AveiroNorte. Integradas na Universidade de Aveiro, estas es-colas gozam de bastante autonomia. A ESTGA ministravários cursos de Engenharia e alguns de Gestão, como osde Direcção, Estudos Superiores de Comércio, etc., masnós vamos centrar-nos apenas nos cursos de Engenharia.Ou seja, o caso que vos vou apresentar tem a ver com os

cursos de Engenharia.A ESTGAA ESTGA foi criada em . Na sessão de inauguração, oentão Reitor, Júlio Pedrosa, acentuou a natureza da forma-ção que se pretendia para a ESTGA como ensino superiorpolitécnico. Uma escola integrada numa Universidadetem sempre uma tendência grande para resvalar para umensino universitário e, portanto, na própria inauguração,no próprio discurso de inauguração, o Reitor salientouque aquela Escola era uma escola politécnica. A formaçãoque se pretendia visava: um domínio profundo dos conhe-cimentos de base; uma cuidada formação técnica orienta-da para a prossão; e o desenvolvimento das competên-cias requeridas pelas necessidades das empresas locais. Amensagem implícita nas suas palavras não era menos im-portante do que a mensagem explícita. A mensagem im-plícita era a seguinte: Caros amigos (os caros amigos eramos professores da escola, naquela altura eram pouquinhos,ainda) é preciso explorar e desenvolver metodologias con-sonantes com a formação superior politécnica. Ou seja,ele acreditava que o ensino ministrado naquela escola nãopodia ser uma réplica do ensino ministrado na universida-

de, mas tinha que ter características diferentes, próprias edesaava… meus senhores, mãos à obra pois têm a missãode pensar quais são essas características!

O E entraram os primeiros alunos, em Outubro. Eram pou-cos alunos e tinham as seguintes características: grupomuito heterogéneo; com notas muito baixas no secundá-rio, alunos que não tinham conseguido entrar na univer-sidade, a maior parte deles habituado a um baixo nívelde exigência; desmotivados; sem hábitos de estudo, uti-lizando estratégias de aprendizagem supercial e não deaprendizagem profunda; incapazes de gerirem a sua pró-pria aprendizagem; muito dependentes dos professores.

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Esta foi a caracterização que nos foi feita pelos docentesnuma reunião em que nós (eu digo nós, porque eu eraVice-Reitora de Júlio Pedrosa) fomos à escola no iníciode Dezembro.

U Os professores mostraram-se muito preocupados. Pre-ocupados, mas com uma atitude muito pró-activa. Apósfazerem a caracterização que atrás apresentei, e bastantedesaados, nesta altura, nomeadamente pelo Reitor — ecomeça aqui a entrar uma componente de supervisão —manifestaram a convicção de que tinham de abandonaro tradicional método expositivo, o método que estavama utilizar porque também tinham sido ensinados dessaforma. Consideravam-no agora desadequado, não só àscaracterísticas dos alunos, mas também às característicasdo ensino superior politécnico, naquela área: as Enge-nharias. O “click” estava feito. Havia ali, nitidamente, um

problema a resolver e uma vontade de o solucionar.U . U Surgiu uma primeira solução, ou, melhor dizendo, umahipótese de solução, uma hipotética solução. É que oReitor tinha estado na Dinamarca e tinha contactadocom o Reitor da Universidade de Aalborg. Tinha ouvi-do falar no modo como todos os cursos dessa univer-sidade estavam estruturados: numa lógica de aprendi-zagem à base de projectos. Da conversa, tinha retido aideia como interessante. E para Portugal, tinha trazidoum livro, pequenino, sobre a experiência (Kjersdam &Enemark, ). Disse-nos: “Eventualmente, pode estaraqui uma solução a explorar!” Estávamos perante um de-sao. Parecia uma solução, mas seria mesmo? O que erapreciso fazer? Em primeiro lugar, era preciso conhecerbem o modelo de Aalborg, conhecê-lo em profundidadee saber de que é que se tratava. Nesse sentido, o Reitorassinou um despacho em que me cometia a missão deproporcionar condições “para explorar se a experiênciade Aalborg faria sentido no contexto da ESTGA”. Está-vamos perante uma solução hipotética; era preciso ver seseria ou não adequada.

I Aceitei o desao e comecei por organizar uma viagem deestudo. Pus muito cuidado na sua organização. Foram se-leccionados seis docentes para irem comigo passar umasemana em Aalborg, não para passear, mas para mergu-lhar na Universidade das nove da manhã até às seis datarde, permanentemente em contacto com os responsá-veis, em contacto com os professores (podendo inclusiva-mente entrar nas aulas), em contacto com os estudantes,conversando com eles quando estavam em trabalhos degrupo, nas horas de refeições, etc. A visita foi previamen-te preparada. Antes de partirmos, lemos o tal livro queo Reitor tinha trazido e no qual se descrevia a inovação.

Quer isto dizer que tivemos uma primeira informação te-órica, a partir do livro. E tivemos uma reunião, ainda emPortugal, em que zemos um levantamento das questõespara as quais queríamos trazer respostas. Também houveaqui um trabalho meu que considero que foi um traba-lho de supervisão. Naquela primeira reunião, elencámosa lista de questões. Quando chegámos, já sabíamos o queé que queríamos ver. É claro que observámos também ou-tros aspectos, mas a visita orientava-se por alguns focosde observação já direccionados. Já íamos com um quadrode referência, exível ainda…, mas um quadro. Durantea visita, todos os dias, ao m da tarde, nos reuníamos paraver se já tínhamos as respostas para as nossas questões,ou se ainda nos faltava saber alguma coisa importante eelencávamos as respostas obtidas e as perguntas que en-tretanto iam surgindo. Para além da coordenação do gru-po pela Vice-Reitora e do levantamento de um quadro decompreensão, devo destacar que a visita teve uma exce-

lente organização por parte dos nossos antriões. Eles or-ganizaram tudo como devia ser, com muita informação, avários níveis, e com possibilidade de observarmos, ques-tionarmos, interagirmos. Durante a visita, o cepticismoinicial dos seis docentes que comigo constituíam o grupodeu lugar ao entusiasmo. E o entusiasmo foi crescendode tal maneira que eu, que à partida era a pessoa maisentusiasmada, senti necessidade de lhes refrear o deslum-bramento. Por isso, a partir de certa altura, era eu quemdizia: “Cuidado! Isto talvez não seja tão bom como isso!É preciso pensar!” Foi, de facto, muito interessante ver aspessoas a transformarem-se nas suas convicções.

D E o que aconteceu depois da visita? Da visita resultouum relatório feito pelos docentes. Relatório muito críti-co, muito circunstanciado, com a descrição pormenori-zada do modelo e a apresentação dos prós e dos contras.Eu não vou falar sobre os prós e os contras, porque issodaria uma outra conferência; neste contexto estou a abor-dar o caso numa perspectiva de supervisão. O relatório,muito sensato, continha um alerta, dizendo que nunca sedeveria proceder a uma transposição linear, ou seja, não

se podia pegar no modelo de Aalborg e pô-lo a funcio-nar em Águeda sem mais. O relatório foi objecto de umparecer meu, em que eu dizia: “Proponho que se expe-rimente na ESTGA. Divulgue-se o relatório por todosos departamentos da UA”. Porquê o teor deste parecer?Embora a Universidade estivesse envolvida num proces-so de revisão curricular, muito profunda e abrangendotodos os cursos, (processo que eu estava a coordenar ecou conhecido como o “Repensar os currículos”), euentendia que, por muito desaante que a nova aborda-gem pudesse ser, seria um enorme risco tentar organizartodos os cursos da instituição nessa lógica, como chegoua ser aventado. Não tinha dúvidas de que se devia expe-rimentar, na ESTGA, nos cursos de Engenharia, porque

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se tratava de uma escola nova, pequena ainda, uma esco-la que enfrentava um problema, uma escola que naquelemomento só tinha cursos de engenharia e um corpo do-cente muito motivado. A ESTGA parecia ser um cenáriomuito bom para fazer esta experiência. Por outro lado,como estávamos a querer mexer com os cursos univer-sitários também, numa abordagem que antevia Bolonha,a divulgação do relatório aparecia-me como mais umfactor indutor de mudança e aí residia a razão do meudesejo de divulgação.

E a experiência foi feita na ESTGA. Como? Quere-rão, naturalmente, saber a resposta.

P Houve um longo período de incubação. Este longo pe-ríodo de incubação foi intencional, porque nós, e nome-adamente eu, achamos que as inovações não acontecempor imposição hierárquica, mas se desenvolvem nas cul-

turas institucionais. E, portanto, era preciso tempo paraque a ideia amadurecesse na própria escola. Esse perío-do de incubação envolveu a passagem da mensagem dogrupo da visita para o colectivo da escola que, naquela al-tura, era constituído por uns vinte e tal docentes. Tínha-mos plena consciência de que só valeria a pena avançarpara um projecto daquela natureza, para uma inovaçãodaquelas — uma inovação que ia exigir muito dos alunose sobretudo ia exigir muito dos professores — se os do-centes, os vinte e tal e não os seis, estivessem de acordocom a inovação. Era preciso ganhar para a ideia aquelesdocentes que tinham cado em Portugal e que, portanto,não tinham visto o PBL — aqui chamo-lhe PBL, porqueestou a falar de lá, o PBL em acção. Eu tinha testemunha-do a conversão daqueles seis, mas agora era preciso queaqueles seis convertessem os outros. Era preciso envol-ver todos os docentes na discussão da ideia, para que adecisão fosse colectivamente assumida, e não fosse umadecisão de seis docentes e do Director da Escola, ou umadecisão da Reitoria da Universidade, que podia realmen-te dizer “Faça-se!”, mas não disse.

A

Simultaneamente, e ainda antes de os docentes da escolatomarem a decisão nal de quererem avançar com a ino-vação curricular, começámos a organizar um conjuntode acções de formação porque, obviamente, era precisoformar os docentes para trabalharem noutros moldes.Realizaram-se, assim, uma série deworkshops. Numa ca-racterização muito sintética, direi que essasworkshops deformação seguiram uma abordagem de “aprender a fazerfazendo”. Isto é, se se queria implementar um projecto,uma inovação curricular que assentava numa “aprendi-zagem à base de projectos”, então os próprios docentes,na sua formação, tinham de meter as mãos na massa eformar-se através de projectos. Qual era o projecto queeles tinham em mãos? Era exactamente o novo projecto

de desenvolvimento curricular. Com efeito, aprenderama trabalhar com a abordagem à base de projectos, ABP,fazendo, eles próprios, um projecto de desenvolvimentocurricular. Começou assim a criar-se uma comunidadede aprendizagem, num espírito de aprendizagem real-mente colaborativa entre os docentes todos.

Numa determinada altura, achámos interessanteperceber a opinião dos docentes sobre esta formação…De um estudo de caso que foi feito sobre esta inovação(Gilet al ., ), retirei as três ideias que me parecerammais signicativas relativamente à qualidade da forma-ção. A primeira é a ideia de que o formador era um fa-cilitador. Houve váriasworkshops, algumas feitas porpessoas de Aalborg e várias feitas por um professor es-cocês que tinha ajudado a Universidade de Aalborg naconcepção e implementação dos cursos e que, depoisde ter vindo cá uma vez, acabou por ser o principal fa-cilitador da aprendizagem. A sua losoa é a seguinte:

“Vocês não pensem que sou eu quem vou tomar as vos-sas decisões! Eu estou aqui para vos ajudar a decidir!”Colocava-se, nitidamente, numa posição de facilitador.A segunda ideia a reter é a da criação de uma comuni-dade de aprendizagem centrada na acção de desenvol-ver o currículo. Os docentes acharam que a ideia detomarem o currículo como um projecto a desenvolvertinha constituído uma excelente oportunidade de for-mação e possibilitado actividades cheias de signicado.Ou seja, aquilo que lhes estavam a pedir para fazer nasacções de formação — e fora das acções de formação,porque trabalharam imenso entre as acções — eramcoisas que faziam sentido para eles. Os docentes foramefectivamente muito envolvidos, porque, como já disse,sentimos que eles tinham que “meter as mãos na mas-sa”. Uma das maneiras de “meter as mãos na massa”,naquela fase em que ainda não estava decidido se se iapor esse caminho ou não, foi a construção de um cur-rículo virtual, ou seja, eles organizaram-se de forma aresponderem à seguinte pergunta: se nós formos poresta abordagem à base de projectos, o que é que issoimplica? O que é que implica em termos do currículo,que disciplinas deve haver, como é que essas discipli-

nas se organizam e se relacionam com o projecto, comoé que se distribuem as horas, como é que são os projec-tos, quais são as implicações que isso tem na distribui-ção de serviço docente, nos horários, nos calendários eaté quais são as implicações na própria arquitectura daEscola… (A Escola estava a ser construída, portanto,havia ainda a possibilidade de se tomarem decisões e,por isso, o arquitecto da Universidade tinha tambémintegrado o grupo que me acompanhou na visita a Aal-borg). Os docentes organizaram-se em três grupos paraestudar, realmente, quais as implicações da hipotéticainovação através da simulação de um currículo virtu-al, ainda antes de conceberem o próprio currículo, quedepois vieram a desenhar.

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A Um outro factor muito interessante e que também tema ver com a questão da hetero-supervisão é que, no de-correr do processo, surgiu um líder natural. A partir decerta altura nós começámos a pensar: “É preciso haveraqui uma pessoa que lidere este processo!”. Eu estava aliderar, mas estava a liderar à distância. Era preciso haverum, de entre eles, que liderasse. Mas nós não queríamosdizer: “É fulano!”. Houve, porém, um docente que, mes-mo sem nunca ter sido indigitado, emergiu como lídernatural devido ao seu entusiasmo, empenhamento, nívelde questionamento nas acções de formação e iniciativa,e, portanto, os colegas começaram a olhar para ele comoo tal líder, o tal supervisor institucional, se quiserem, naminha concepção. Quando zemos o estudo de caso, eledizia: “Eu não queria que os meus colegas me conside-rassem como ‘é ele que nos vai liderar’, pois receava queisso provocasse a atitude de ‘se é ele que lidera, então ele

que diga o que é para fazer!’”E Bom, em síntese — antes de passar depois a uma ree-xão sobre os aspectos supervisivos deste caso, direi quea consciência de um problema (o fraco nível de motiva-ção e de conhecimentos dos alunos e a natureza do en-sino superior politécnico) levou à análise de um cenáriopedagógico alternativo: a “aprendizagem à base de pro- jectos”. Este processo foi institucionalmente apoiado aomais alto nível. Penso que, pela maneira como fui con-tando o caso, já viram que houve intervenção desde omais alto nível: a Reitoria. Criou-se um cenário que foiexplorado nos seus princípios e nas suas implicações,não só através da visita a Aalborg, como na construçãodo currículo virtual, antes de a decisão ser tomada e co-lectivamente assumida pelos docentes da escola, tomadanuma reunião de escola em que os docentes disseramclaramente que queriam fazer a experiência. A inovaçãoenvolveu um projecto colaborativo (o desenvolvimentodo currículo) em íntima ligação com um programa dedesenvolvimento prossional docente. As duas dimen-sões, desenvolvimento curricular e desenvolvimento

prossional, estiveram sempre muito articuladas.R

Retomarei aqui as ideias expressas num artigo que escre-vi sobre o processo de mudança (Alarcão, ). Houveneste processo o equacionamento de um problema e avontade de agir. Muitas vezes equacionamos os proble-mas, mas depois falta-nos a vontade de agir. Neste casoexistiu, da parte dos docentes, uma vontade muito fortede agir, a tal atitude pró-activa a que me referi. Houvetambém uma visão. A ideia do Reitor, de que, eventual-mente, teríamos no PBL um cenário alternativo revela,realmente, uma visão. Assistiu-se a uma liderança desde

as cúpulas institucionais. Privilegiou-se a construção deum modelo mental estruturado e estruturante. As pes-soas, quando iniciaram este projecto, sabiam o que que-riam, como queriam realizá-lo, pois tinham compreendi-do o que era, efectivamente, a “aprendizagem à base deprojectos”. Houve uma partilha de ideias e o desenvolvi-mento de uma cultura comum. Existiu, e isto que eu voudizer foi muito salientado pelo tal facilitador escocês,pessoa com muita experiência de apoio a projectos emvários países. Ele disse-nos uma coisa que nos fez pensar.Disse que nunca tinha visto um alinhamento tão gran-de entre uma estratégia institucional, o desenvolvimen-to curricular e a requalicação dos recursos docentes.Normalmente, armava ele, verica-se a existência da re-qualicação dos recursos docentes e o desenvolvimentocurricular, mas falta a estratégia institucional. Neste pro-cesso houve um triângulo de coesão e de consolidaçãoque, na opinião dele, foi determinante. Para além disso,

procedeu-se a uma monitorização permanente do pro-cesso; nós estivemos sempre muito atentos.Considero que existiram várias fontes de supervisão.

Já referi algumas; vou referir ainda outras, ou vou, enm,trazê-las à luz do dia, mas quero dizer-vos que se tratousempre uma supervisão muito discreta. E desenrolou-seum processo reexivo sistemático num ambiente institu-cional que poderemos mesmo chamar de escola reexi-va, tendo em conta a denição que vos apresentei.

E Passarei agora a fazer alguns comentários sobre o proces-so supervisivo. Confesso-vos que só agora olhei para estecaso na perspectiva da supervisão. É esta a inovação quea preparação desta conferência me proporcionou. Nocaso apresentado, encontro a supervisão como o proces-so de criação de contextos de aprendizagem, muito nalógica do que disse no início da conferência. Ela permi-tiu um contacto com o PBL em acção, em Aalborg. Pos-sibilitou a criação de uma comunidade de aprendizagem,através do envolvimento dos docentes num processo deconcepção curricular. Criou, além disso, a articulaçãoentre a acção e a formação, porque houve uma grande

homologia de processos e a formação aconteceu em con-texto de acção prossional: o desenvolvimento de umcurrículo com uma nova abordagem.

T Reectindo um pouquinho mais, poderemos interrogar--nos sobre que tipos de supervisão estiveram envol-vidos neste processo. E encontro nitidamente três:uma supervisão hierárquica, uma hetero-supervisão ea auto-supervisão. Existiu uma supervisão hierárqui-ca, desempenhada pela Reitoria. Havia uma atençãomuito grande ao desenrolar do processo, lançavam-seSOS’s, apresentavam-se desaos… mas também ha-via os apoios, os docentes sabiam que podiam sempre

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Conferência proferida na Faculdade de Psicologiae de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa,

a de Maio de

I [email protected] catedrática aposentada da Universidade de Aveiro

Alarcão, Isabel ( ). Formação e Supervisão de Professores: Uma novaabrangência. Texto da conferência proferida na Faculdade de Psicologia e deCiências da Educação da Universidade de Lisboa, a de Maio de .Sísifo.Revista de Ciências da Educação, , pp. -Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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/ · .º · /

Outros artigosSaberes e práticas: uma experiência de análise

sobre dimensões culturais na atividade docenteR [email protected] Histórico do Rio Grande do Sul

G F [email protected] Universitário La Salle (UNILASALLE/Canoas)

R :Do exercício da aplicação de uma metodologia de análise de fontes orais na pesquisa em educação,especicamente no campo da formação de professores, este trabalho¹ dá continuidade a um per-curso que vem sendo realizado pelos autores na busca por construir alternativas de compreendera atividade docente, colocando como protagonistas no ato de narrar as experiências, os próprioseducadores. Nesse trabalho, direcionamos nosso foco à seguinte questão: ao narrar sua atividadeprossional, como o professor hierarquiza os diferentes saberes adquiridos em sua vida na prática

docente? O que lhe parece que o instrumentalizou melhor: a família, a universidade, a formaçãoacadêmica continuada ou a efetiva experiência prática do dia-a-dia escolar? O texto está estrutura-do em quatro momentos. No primeiro situa-se a origem da problemática, no segundo apresenta-seo suporte teórico-metodológico, no terceiro a estrutura das narrativas e, por último, apresentam-seas conclusões.

P - :Formação de Professores, Experiência docente, Dimensões culturais, Fontes orais.

Penna, Rejane & Silva, Gilberto Ferreira ( ). Saberes e práticas: uma experiência de análise sobredimensões culturais na atividade docente.Sísifo. Revista de Ciências da Educação, , pp. -Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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FORMAÇÃO CULTURAL ETRABALHO DOCENTE: A CONSTRUÇÃODE NOSSA PROBLEMÁTICA

A abordagem do presente texto tem sua origem na elabo-ração da proposta de trabalho apresentada em um even-to no campo da educação (Silva & Penna, ), ondeinvestigamos como os professores traduziam suas expe-riências de vida na prática docente.

A metodologia contou com entrevistas semi-estru-turadas, utilizando recursos da hermenêutica e da análisede discurso, possibilitando-nos esclarecimentos em rela-ção a alguns nexos existentes entre vida privada e vidaprossional, os laços entre cultura do cotidiano e culturaescolar, bem como as relações estabelecidas pelos atoressociais entre o seu passado e a experiência do presente.

Na verdade, nosso estudo, bem mais do que criticarou tentar estabelecer novas luzes sobre as questões dametodologia com fontes orais e a formação de profes-sores, demonstrou a necessidade de novas reexões, nosentido de enfocar a associação dos saberes da experiên-cia que foram mobilizados, dando especial destaque àsdimensões e práticas culturais na ação docente.

Em relação a nossa opção pelo uso das entrevistas,vericamos que a proliferação de pesquisas que as inte-gram como metodologia na área da Educação pode sercomprovado pela revisão bibliográca realizada por umgrupo de pesquisadoras da Faculdade de Educação daUniversidade de São Paulo, contemplando o período de

a (Buenoet al., , p. ), a partir, princi-palmente de informações contidas no banco de teses daCapes, demonstrando a polissemia de termos, enfoquese abordagens teóricas.

O conhecimento do conjunto de críticas, ambigüida-des e fragilidades que constituem os estudos que se am-param na metodologia de fontes orais (histórias de vida,entrevistas estruturadas ou semi-estruturadas, temáticas,

etc.) não desestimula a sua utilização, ao contrário, poiscompartilhamos da opinião de Nóvoa ( , p. ), queregistra acrença no seu potencial inovador, pois “pelashistórias de vida, pode passar a elaboração denovas pro-postas sobre formação de professores e sobre a prossãodocente”.

E assim, na abordagem da problemática existente,unimos as atividades necessárias à consecução de umTermo de Cooperação Técnica assinado entre o CentroUniversitário La Salle e a Prefeitura Municipal da cidadede Canoas, visando a pesquisar os bairros da cidade, àsaulas do Mestrado em Educação na instituição de ensinoem que trabalhamos, integrando na pesquisa os alunosde uma das disciplinas, denominada de “Linguagens daMemória”. Esta, desenvolve-se sob a forma de docênciacompartilhada, discutindo métodos de leitura e compre-ensão das diferentes formas de interpelação da memória,com ênfase nas fontes orais e na fotograa.

Dessa forma, enfrentando o desao de, mais uma vez,testar as possibilidades da metodologia qualitativa quedesenvolvemos (Silva & Penna, , ), direciona-mos nosso foco à seguinte questão: ao narrar sua ativida-de prossional, como o professor hierarquiza os diferen-

tes saberes adquiridos em sua vida na prática docente?O que lhe parece que o instrumentalizou melhor: a famí-lia, a universidade, a formação acadêmica continuada oua efetiva experiência prática do dia-a-dia escolar? Dessemodo, ao mesmo tempo em que exploramos o exercícioprático da proposta metodológica de análise de fontesorais nos utilizamos da problemática especíca apresen-tada como estratégia para a construção da reexão nocampo da formação de professores.

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ENFRENTANDO O DESAFIO:A CONSTRUÇÃO DO MÉTODO

Para dar sentido às nossas indagações e podermos con-tribuir na discussão da problemática, realizamos entre-vistas semi-estruturadas com professoras de uma escolada rede pública localizada no bairro Fátima, municípiode Canoas, escolhido pelos interconveniados para serpesquisado, selecionando duas entrevistas de profes-soras com experiência de docência, gestão e orientaçãoescolar².

Em sala de aula, conjuntamente aos alunos da disci-plina do curso de mestrado, elaboramos questões orien-tativas à entrevista, bem como nos instrumentalizamospara a experiência da intersubjetividade inerente a toda aentrevista, estudando e discutindo as questões mais pre-mentes a respeito dos mecanismos que regem as repre-sentações e a memória, bem como do método de analisar

narrativas.Partimos do pressuposto de que na construção socialda memória, um grupo trabalha intensamente em con- junto. Há uma tendência de criar esquemas coerentesde narração e de interpretação dos fatos, verdadeiros“universos de discurso” e “universos de signicado”,que dão ao material de base uma forma histórica própria,uma versão consagrada dos acontecimentos. Ou seja, oponto de vista do grupo constrói e procura xar a suaimagem para a História.

Essa memória, ao mesmo tempo una e múltipla, é oelemento básico para que o indivíduo situe-se no mundoe diga para si e para os outros quem ele é. Em outrostermos, a memória é a base da construção de uma auto--imagem.

Como entrevistamos professoras que atuam em es-colas, apreendemos essa realidade como interventora nanarrativa, pois se os depoimentos são, ao mesmo tempo,experiências individuais e coletivas, envolvem aspectosnão apenas de viver em determinado tempo e sociedade,mas a de integrar uma instituição, com toda a complexi-dade que esta variável carrega.

Consideramos, nos limites deste texto, o conceito de

instituição em seu sentido amplo, tendo em vista suascaracterísticas essenciais, quais sejam, algo estruturadohistoricamente, que existe na sociedade para a satisfaçãode necessidades, apresentando durabilidade no tempo ecom funções variáveis (Araújo, ).

Acreditamos, também, que a idéia de instituição sótem sentido e seu papel só é efetivamente desempenha-do a partir do esforço do grupo que a movimenta e lhedá vida, perpetuando-se alguns sentidos e renovando-seoutros com a chegada de novos membros. Esta dinâmi-ca pode ser apreendida, em parte, pelas narrativas dospróprios atores ao organizarem suas lembranças de traje-tórias diferenciadas, contraditórias ou complementares(Penna & Graebin, ).

Para compreender determinada dinâmica nas narra-tivas de pessoas que no momento da entrevista mantêmatividades na instituição relacionada de uma forma ououtra às questões abordadas, utilizamos o conceito de face³, criado por Goffman, na década de setenta, comple-mentado por Browm e Levinson (citados em Galembe-ck, ), que estabeleceram a distinção entre face positi-va (aquilo que o interlocutor exibe para obter aprovaçãoou reconhecimento) e face negativa (“território” que ointerlocutor deseja preservar ou ver preservado).

Também a noção de cultura adquiriu em nosso mé-todo papel central e estratégico, uma vez que compreen-demos cultura(s) como sistemas simbólicos que operama partir da existencialidade humana experienciada, do-tando a vida de sentidos e signicados, ou seja, sistemassimbólicos que possibilitam a construção de realidadesdinâmicas nas quais o homem se humaniza e se tornasingular. Ou como diz Denys Cuche ( , p. ) a cul-

tura “é uma produção histórica, isto é, uma construçãoque se inscreve na história e mais precisamente na histó-ria das relações dos grupos sociais entre si”.

Partindo-se do pressuposto de que o espaço social éintegrado pelos indivíduos que o percebem e represen-tam a partir dele, pois, de acordo com Stuart Hall ( ),o sujeito fala sempre a partir de uma posição histórica ecultural especíca. Então, todo o sistema de representa-ções, independente do que enfoca, poderá ser associadoa um quadro cultural, por intermédio do qual adotamosdeterminadas posições e narramos algo.

Esses pressupostos indicam que as palavras e expres-sões mudam de sentido de acordo com as posições sus-tentadas por aqueles que as empregam, adquirindo seusignicado em referência aos quadros culturais nos quaisessas posições se inscrevem, descentralizando a noçãode sujeito e centralizando a problemática nos sistemasde representação.

Trabalhando a interpretação das narrativas nessaperspectiva, levou-se em consideração que os discursosnão se revelam de imediato, necessitando de uma me-todologia de análise que desvende os nexos e relaçõesestabelecidos entre experiência, memória e narrativa,

buscando-se recursos para compreender a entrevistapara além de simples intuições, superando a ilusão detransparência (Bardin, , p. ).

Reconhecemos e valorizamos, por intermédio deuma leitura de base hermenêutica, que nossa análise en-volveu sempre nossa subjetividade, controlada porémpela própria exposição do método. Adotou-se comoponto de partida a metodologia descrita e aplicada porpesquisadoras na área da Educação, no caso o traba-lho desenvolvido por Szymanski, Almeida e Prandini( ), adaptando-a e articulando-a aos já mencionadosquadros culturais.

Aplicando a metodologia, na Descrição I escolheu--se trechos da entrevista que enunciavam o quadro cul-

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tural do depoente, a partir do qual ele construiria suaforma de ver a realidade em um sentido amplo. Após,na Descrição II, recortou-se trechos do relato rela-cionados com a trajetória prossional, no sentido dedestacar a visão da prática docente em seus múltiplosaspectos, bem como os elementos formadores destaprática, com uma primeira descrição. Então, iniciou--se a reexão, realizando-se o trabalho intradescritivo,a partir de leituras e releituras do texto de referência

(narrativa). Reescreveu-se a Descrição II, no sentidointerpretativo, a partir da seleção dos itens emergentes,referidos como unidades de signicado, relacionando--a com o quadro cultural, denominando-se de Descri-ção III, onde surgiu a síntese.

ESTUDANDO NARRATIVAS:A CONSTRUÇÃO DA INTERPRETAÇÃO

ªENTREVISTA —DADOS D A ENTREVISTA

: . . . Dados pessoais e prossionais: Sexo feminino, casada, uma -lha, idade em torno de anos. Magistério, curso de Jardimdo MEC. Trabalhou com alfabetização. Após, realizou umcurso de Pedagogia em uma universidade privada, às sextas

e sábados, formando-se em . Atualmente é professora doEstado, exercendo as funções de vice-diretora em um turno eorientadora educacional em outro.

: . . . . Dados pessoais e prossionais: Sexo feminino, casada, duas -lhas, idade em torno de anos. Graduação em letras e pós emPsicopedagogia Clínica e Institucional. Atualmente é profes-sora do Estado, exercendo as funções de diretora pela terceiravez na escola.

DESCRIÇÃO I QUADRO CULTURAL

. . .A visão da família e juventude atuais: “Eu, com onze anos jácozinhava, meus irmãos tudo trabalhavam fora, minha mãe erafuncionária aqui. Eu sempre estou dizendo, meu pai é militar,com horário para tudo. [...] Eu acho assim está faltando limitee tempo para as crianças. [...] Meu pai era militar, tinha horá-rio para almoçar e para jantar. Hoje em dia as crianças comemcom o prato na mão, vendo televisão. A mãe não está para es-

quentar a comida, não comem. Têm umas meninas da sétimaserie que chegam na hora do recreio com bolacha, com leitecom Nescau, ou com suco. Têm umas que comem, as funcio-nárias dizem assim: C. olha essa aqui, magra, magra, magra!A que mais consome bolacha. Ah não! (reproduz fala da me-nina), a mãe deixou comida lá pouquinha, meu irmão comeutudo e não sobrou pra mim. Ou: Ah! eu estava com preguiça,me acordei ia fazer uma Miojo mas não z. Aí vim sem almoçar(conclui a reprodução da fala da menina) Mas não é por quenão tem comida, entendeu, eu acho assim que a família estáfaltando nesse lado, assim... de compromisso, né?. Ensina tualha a cozinhar. Minha mãe era merendeira do Estado e meupai era militar naquela época. [...] Era nesta escola, a minhairmã foi secretária aqui, a outra minha irmã deu aula para o

pré-zinho, então por isso digo que eu tenho muita coisa, sabe,eu quando comecei a fazer a orientação na ULBRA eu diziaassim para a minha irmã: eu não vou car a vida inteira dandoaula, eu quero mais, porque eu me criei nesta escola, estudeiaté aqui na oitava série, então, eu tenho muito, muito amor”.

Exemplicando, cita conversa com uma mãe: “Aí vocêdiz — seu lho estava com sono, dormiu em aula — Ah, mas

eu nem sei que hora ele foi dormir. […] Ele tem televisão noquarto. Ele vê lme até tarde. Comenta: Não tem limites, sabe!Então, assim, porque eles trabalham muito, acabam dandotudo para o lho”.

. . . .Visão da família e da juventude atuais: “A sociedade está muitocruel. Hoje em dia a violência está imperando muito, sendomuito difícil trabalhar com a desestruturação familiar, que éo que mais nos incomoda e prejudica dentro da escola. [...] Agente aqui ama muito o aluno, conversa muito com o aluno e aívê que há falta de base. A falta de estrutura na família prejudicaem noventa por cento o nosso trabalho dentro da escola”.

Exemplicando: “Quando a gente chama o aluno para con-versar ou chama a mãe ou chama o pai, normalmente a mãenão tem tempo, o pai não tem tempo, dicilmente eles con-seguem vir a escola. Aí, quando tu consegue conversar eleste dizem: Ah, eu não sei mais o que fazer, eu não tenho maispulso, deixo com vocês, vocês que tentem. Eles passam o queé da família para nós”.

DESCRIÇÃO I I

DIMENSÕES E PRÁTICAS CULTURAIS N A AÇÃO DOCENTE

Como a professora descreve a escola em que atua:

. . .“É uma escola com um nível sócio-econômico que não é dosmais pobres. São poucos os alunos que tu tem que dar umaajuda. [...] A classe é média e até alta. Nossos alunos até temcelular, MP ”.

“Tem a Vila Prata. Foram abertas umas casas popularesque zeram com que o ônibus passe. Então, a gente logo queabriu a Vila Prata, viu que era gente bem pobre mesmo. Elesvêm a pé, vem de bicicleta de lá. [...] Então, o que acontece às

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escolas da região lá, no Rio Branco, né, eles vem vindo, elesnão têm vaga, eles vêm e pegam aqui”.

“Quando a gente começa, já chama e começa um trabalhoindividual do aluno. A gente chama ele, conversa muito”.

Exemplicando: “Teve um caso na sexta-série, de um alu-no que veio de lá. Claro já tem uma vida assim, oh, não é opai que cuida, é um tio que pegou para criar, que veio dointerior, então já vem numa vida bem… um currículo bem,né. Ele começou a não se dar com todos da sala, começouaté no recreio. O guri era da ª, já tinha anos e começoua olhar para as gurias da ª, ª e, sabe, um dia eu estou norecreio e ouvi um bolo. Entrei no meio do bolo e disse: — oque houve? Aí disseram: — Ah, é o fulano, começou a quererbrigar. Eu separei [...] Aí, eu chamei ele e disse: olha aqui ó,a nossa escola nunca fui uma escola de briga. Os professoressentam aqui, tomam café, não dá correria. [...] Se tu não estágostando — a nossa escola não precisa, não é uma escola par-ticular que precisa de salários para pagar os professores —

vocês estão aqui porque a gente quer que vocês estejam aqui.A gente não precisa de vocês aqui para isso. Então, se vocêquer, você tem que estar aqui gostando. Se tu não estás teadaptando no recreio, com as pessoas, com os professores, tutens que procurar uma escola que tu te sintas bem. Ninguémpodia olhar para ele que já saía dando. [...] Nós fomos doismeses fazendo ata com ele, chamamos ele e chamamos o queele tinha de responsável. E aí ele não cou”.

A partida do aluno: “Foi embora. Ninguém mandou.A gente não manda ninguém, entendeu; [...] A gente acaba fa-zendo a família enxergar que o aluno não está se adaptando naescola, o clima não é bom. Aí a gente consegue, por telefone,falar com outra escola — tem vaga para a ª série?”.

. . . .“Diferença de classe social a gente não tem, é bem parelha assima nossa classe social, são poucas exceções. Realmente a gentetem uma diversidade bem grande no primeiro ano, quando elesentram, que eles vêm de escolas como a Rio Branco, aqui dopróprio bairro mesmo, do outro lado ali de Niterói, daquela VilaFernandes, [...] e aí realmente ca difícil esse primeiro ano. Atéa gente passa as normas de convivência que a gente tem, até tumostra para o aluno que aqui no Guarani é assim e que lá onde

ele veio é diferente. Não entramos no mérito cada escola, masaqui é assim que funciona, tu entras às h e min e sai às h.Têm regras, é difícil, [...] e aí têm muitos que vão embora, né?Que não querem entrar nas regras e eles acabam saindo”.

FORMAÇÃO CULTURAL E PRÁTICA DOCENTE

Os conhecimentos teóricos adquiridos na universidadeou formação continuada

. . .“Acho que ajudou muito. [...] Claro que a teoria te ajuda ummonte. A gente trabalhou em cima de muitos teóricos”.

“A gente tem que se reciclar, eu acho que tem que ler mui-to. Eu leio bastante, a gente vê noticiários, coisas assim”.

“Nós não temos tempo aqui na escola, porque os cursossão sempre durante a semana [...] você sabe que escola esta-dual é difícil, não tem professor substituto”.

“Um dos que eu não abro mão, que eu sempre participo éo de Orientação que a ULbra dá todos os anos”.

. . . .“Meu pós está me ajudando muito mais do que a minha for-mação de graduação. Porque o meu pós me fez mudar bastantea minha visão das coisas, de entender melhor as pessoas e detentar ajudar mais do que eu era antes; tanto que na Psico-pedagogia a gente trabalha muito a relação com o outro, debuscar realmente”.

“A rede pública oferece alguma coisa, seminários, encon-tros... esse ano até está acontecendo bastante. A gente tentaproporcionar a ida dos colegas aos encontros, mas é difícil

porque cada vez que o colega vai a gente ca sem o professor;então, a gente tem que suprir mas nem sempre a gente conse-gue liberar o professor para isso”.

Os conhecimentos adquiridos na prática docentee as diculdades de colocá-los em prática

. . .“A gente trabalhou com professores do município de PortoAlegre, professores de Gravataí, professores do interior. Por-que Brasil, anos, veio muita gente de tudo que é lugar, dapraia, de Tramandaí... Daí que tu vês a realidade de cada mu-nicípio. [...] Aí um chega lê e fala, ah, mas a minha escola éassim, mas a minha não é assim...”

“Eu quando saí da ULBRA, eu saí fresquinha, sabe, achan-do que é tudo cor de rosa. Aí eu cheguei e nós fazíamos umatécnica lá. [...] Vamos fazer o programa com todo o gás e aíchega uma hora que começa a ter umas barreiras, que tu co-meça a ver que não é bem isso”.

. . . .“Os temas transversais e essa preocupação diminuiu bastante,existia a preocupação, mas não era tão fácil de botar na práti-

ca. Muitas vezes deniam um eixo, uma linha de trabalho, umtema né? Mas colocar na prática não era fácil de trabalhar”.

A valorização da equipe

. . .“Acho que a equipe é tudo. É o coração da escola. [....]. A gen-te é muito unida e isso faz com que a gente consiga”.

“Um tempo atrás, quando eu saí daqui na oitava, eu zmagistério e um monte de coisa, cou uma escola assim, bemcomeçou a cair e essa vice-direção e direção resgatou, sabe?Era para ser uma escola de maloqueiro, de marginal”.

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. . . .“A gente tem professores aqui na escola que trabalham assim,de fazer o aluno pensar e criar em cima do que ele está traba-lhando. Já outros são bem tradicionais, o livro, o giz, o quadroe vamos lá! E aqui na escola a gente tem muito essas duas li-nhas de trabalho bem denidos de professores que trabalhamcom a questão do aluno pensar, de criar, de ler livros, de tentarpor conta dele se aprimorar no conhecimento e outros queestá tudo pronto ali”.

“O Guarani quando eu entrei aqui tinha quatrocentos epoucos alunos, era uma escola pequena e tinha só o ensinofundamental. Daí, na gestão da minha outra colega, que eradiretora eu fui vice dela, a gente conseguiu, com a ajuda dealguns pais, colocar o ensino médio. A escola foi crescendo,foi melhorando, o Guarani cresceu. [...] Eu vi a escola crescer,eu ajudei ela a melhorar, então a gente tem esse carinho, né?”.

Vida privada: A herança cultural familiar

e as atividades de lazer . . .

“A gente sai muito de noite. Nós temos um grupo alemão, agente faz baile italiano e baile alemão, de chopp. Eu sou dacomenda, faz dez anos, agora dia de outubro que nós temosa comenda do Baile Alemão. Então, de em dias, desdemarço até outubro, que é o mês do baile, a gente se reúne, são

casais”.

. . . .“a gente tem cinqüenta e poucas pessoas e mais mil e poucosalunos nos teus ombros e aí ca difícil de tu não pensar, masrealmente eu tento separar as coisas. Final de semana, separaras coisas, família e casa não é tão difícil, mas a gente sai bas-tante, viaja”.

“Faço parte do CTG, que é aqui do bairro”.

Como a professora vê sua prática docente

. . .“Eu trato eles que nem meus lhos, quando eu converso. Àsvezes co duas horas conversando com cada um e tem uns que

me dizem: professora eu não tenho essa conversa com minhamãe”.“Tu tem que amar o que faz e amor a camiseta, gostar [...]

Então a minha vida é mais aqui dentro da escola que na minhacasa. Então, se eu não amo e não me sinto bem onde estoutrabalhando, não vai render, não vai ter nada”.

. . . .“A parte de conhecimento está cando em segundo plano. Agente está tendo muito mais que trabalhar o lado emocional

do aluno, a educação do aluno, do que o conhecimento em si,embora a gente tente reverter”.

“Na escola pública a gente tem essa questão de envolvi-mento que eu não vejo na escola particular; a direção aqui seenvolve e conhece seus alunos e na escola particular é difícil adiretora se envolver e conhecer os alunos”.

DESCRIÇÃO I I I

O papel da famíliaPais ausentes, lhos sem limites e consumistas.

Visão da escola públicaA escola não depende dos estudantes para sobreviver. Somen-te os que se adaptam é que têm espaço no local.

Apesar das diculdades, o professor da escola pública, emuma atitude de superação, motivada pelo afeto (amor), conse-

gue proporcionar um atendimento quase que personalizadoao aluno, ao contrário da escola privada.

Inclusão e integraçãoA escola não inclui, apenas integra indivíduos que respeitemas regras previamente estabelecidas.

O papel do aprimoramento cultural O relato das atividades de lazer não as diferencia de qualqueroutro tipo de prossional.

A leitura, a freqüência a teatros, cinema, exposições, semi-nários, concertos, etc., não integram suas preferências do quedescrevem como lazer.

Como uniram suas experiências na vivência familiar,universidade e trabalho na escola para construir suas visões de educadorasa) A teoria é necessária, mas o conhecimento que realmente

as orienta dene-se pela experiência adquirida ao longo dadocência.

b) O professor deve atualizar-se por intermédio de leituras ouda mídia (não especicado o grau de hierarquia ou o tipode leitura).

c) Lazer compartimentado. Fora do ambiente docente, nãobuscam atividades culturais que diversiquem ou ampliemos elementos de retorno para a docência (por exemplo, re-etir sobre como uma peça teatral ou lme pode integraruma atividade com seus alunos).

d) A professora, por vezes, exercita um diálogo com seu alunoque substitui aquele que deveria ocorrer na família, dei-xando o conhecimento técnico em segundo plano.

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CONSTRUINDO A CONCLUSÃO

É impossível esgotar as possibilidades dos depoimentosem um único artigo, mesmo que realizando recortes rela-cionados ao nosso objetivo. Sendo assim, abandonandoa ambição de desvendar todas as dobraduras de um de-poimento, discutiremos alguns aspectos que nos levarama construir algumas idéias do que ouvimos, transcreve-mos e discutimos.

A investigação crítica não pode desconsiderar que osdepoentes tiveram um interesse próprio no depoimen-to que prestaram aos pesquisadores: eles decidiram oque lembrar, qual História contar, o que recortar, o quemontar, o que esquecer. Ao se trabalhar com o indivíduorecolhe-se seu depoimento, mas não se domina o proces-so de produção do seu pensamento, com seus mecanis-mos internos, tanto físicos como psicológicos.

Há que se observar, preliminarmente, que as pessoas

entrevistadas ainda possuem vínculos com a instituição,estando conscientes dos possíveis efeitos positivos ounegativos de seus depoimentos. É uma questão a ser en-frentada para quem pretende abordar o recente segmentoda História Institucional. Mas, um certo risco do edolcu-ramento dos fatos e das relações, de forma inconscienteou proposital, não invalida os depoimentos, tomando -seapenas o cuidado de analisá-los sob a luz desta variável:envolvimento afetivo e prossional, além da organizaçãode uma memória imersa em locais, pessoas, relações efatos que a geraram.

Para compreender determinada dinâmica nas narra-tivas de pessoas que no momento da entrevista mantêmatividades na instituição relacionada de uma forma ououtra às questões abordadas, conforme mencionado noitem em que descrevemos a metodologia, levamos emconsideração o conceito de face. Partimos do pressu-posto de que, a partir do quadro geral de interação face--a-face, no qual são realizados os textos falados, o fatode alguém entrar em contato com outro constitui umaruptura de um equilíbrio social pré-existente e, assim,representa uma ameaça virtual à auto-imagem públicaconstruída pelos participantes do ato conversacional.

As circunstâncias particulares em que se desenvol-veram as entrevistas zeram com que a preservação da face fosse uma necessidade constante, pois no caso emquestão, as pessoas ainda atuam na instituição que servede suporte ao relato da experiência.

Com base nessa circunstância, passamos a exploraros aspectos sintetizados na descrição III, extraindo-seelementos potencializadores para a compreensão e pro-blematização da(s) narrativa(s).

Em um primeiro momento, destacamos a armaçãocategórica de que a escola não depende dos estudantes,somada a trechos dos depoimentos que descrevem situ-ações que demonstram que somente os que se adaptam éque têm espaço nela. Na realidade, ao criticar o modo de

vida contemporâneo: consumismo, pais ausentes peloexcesso de trabalho que sustenta este mesmo consu-mismo, os depoentes, paradoxalmente, inserem a escolapública na mesma lógica que nos remete para, metafo-ricamente, aludir ao lugar ocupado pelos modernos econtemporâneos shoppings em relação à cidade: “(...) oshopping tem uma relação indiferente com a cidade à suavolta: essa cidade é sempre espaço externo, sob forma deautopista ladeada por favelas, avenida principal, bairrosuburbano ou rua de pedestres” (Sarlo, , p. ).

Assim sendo, seria a escola, nessa alusão, uma espéciede shopping em relação ao seu espaço externo — a co-munidade. A mesma comunidade tão referenciada comodesao aos educadores para incluí-la nas práticas e açõesrealizadas pela instituição escolar. Pois se a escola nãodepende dos estudantes, oriundos deste espaço externo,qual seria então a nalidade da escola em localizar-se emdeterminada região ou comunidade? Simples ponto es-

tratégico para a montagem de uma arquitetura com pre-tensas funções pedagógicas? Se acaso fosse isso, as açõespedagógicas encontrariam seu sentido em que público,se não aquele que está do lado externo?

Por mais que se observe, igualmente, esta autonomia daescola em relação ao seu exterior, isso historicamente temse revelado contraditoriamente nos discursos dos profes-sores. Talvez aqui, inclusive, encontre-se a relação que seapregoa tão necessária na construção de propostas peda-gógicas que articulam relações com seu exterior, com a co-munidade, diga-se, com as famílias dos estudantes. Porqueaspirar a relação com o exterior se na verdade constrói-seum trabalho em que a escola mantém um distanciamentoregimentar deste mesmo espaço? É um desejo instaladoque não corresponde ao discurso que se revela na oralidadedos depoimentos. Por onde começar a desconstruir esse en-trelaçamento que sufoca e distancia escola e comunidade?

Sem a preocupação em esgotar esses questionamen-tos agregam-se outros, como por exemplo, a compreen-são sobre os atos de incluir e integrar derivados do fato deque é preciso, segundo as narrativas, que o estudante seadapte à escola, às suas regras, às suas normas. Por inclu-são no espaço escolar compreende-se a mudança radical

da perspectiva do trabalho educacional, não se limitandoa contemplar somente os alunos que apresentam algumtipo de deciência física ou mental, mas também aquelasoutras dimensões que encerram as questões de ordemsocial, cultural, étnica e econômica, apenas para lembraralgumas, visando o sucesso no âmbito das aprendizagensdesencadeadas pela instituição escolar (Mantoan, ).

Para que isso ocorra é preciso que a escola construaestratégias de adaptação e acolhimento das diferenças,valorizando e permitindo que esse outro contribua paraque a própria instituição amadureça e qualique sua açãoeducativa. Nessa perspectiva, há uma inversão da concep-ção de que o estudante deve adaptar-se à instituição es-colar, mas sim que a instituição procure alternativas para

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N

. O presente trabalho foi realizado com apoio doCNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-co e Tecnológico — Brasil.

. Defendemos a transparência na utilização das fon-Defendemos a transparência na utilização das fon-tes orais. Nesse sentido, as entrevistas, na íntegra, estãodisponibilizadas no Arquivo Histórico e Museu La Salle,o que as transforma de depoimentos em fontes históricas.O trabalho de pesquisa encontra-se em andamento, por-tanto, a seleção das duas entrevistas utilizadas neste traba-lho priorizou educadores que apresentavam maior tempode experiência no magistério, exercendo também funçõesde gestão escolar, igualmente, as análises desenvolvidasaqui são restritas aos dados obtidos das duas entrevistasutilizadas.

. Goffman denomina face a expressão social do euindividual, designando por processos de representação

( face-work) os procedimentos destinados a neutralizar asameaças (reais ou potenciais) à face dos interlocutores oua restaurar a face dos mesmos.

R

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. ASísifoé uma revista universitária de Ciências da Educação, em formato electrónico, publicada pela Unidde I&D de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa;

. ASísifo é de consulta livre e está disponível no endereço http://sisifo.fpce.ul.pt.. ASísifo é publicada em duas versões (portuguesa e inglesa). As traduções são da responsabilidade da revi

. Cada número da revista terá um responsável editorial que poderá solicitar o parecer de especialistas parconjunto com o Conselho Editorial, assegurar a qualidade e o rigor cientíco dos textos;

. O núcleo central de cada número da revista é constituído por um dossier temático. A revista aceita trabacadémicos sob a forma de artigos, notas e recensões de livros em Ciências da Educação. Pode aceitar ar já publicados em línguas estrangeiras desde que inéditos em português;

. As colaborações devem ser submetidas através do e-mail [email protected]; . Os artigos não devem exceder os . caracteres, incluindo espaços, notas e bibliograa (excepto q

e grácos); os estudos, notas ereview articles não deverão ultrapassar os . caracteres e as recensõesindividuais . caracteres;

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. As citações e referências a autores no texto seguem as normas seguintes: (autor, data) ou (autor, data, págse houver referências a mais de um título do mesmo autor no mesmo ano, elas serão diferenciadas por umminúscula a seguir à data: (Bastos, a), (Bastos, b). No caso de a referência se referir a maisautores: (Bastoset al., ).

. As notas de rodapé deverão ser reduzidas ao estritamente indispensável e conter apenas informacomplementares de natureza substantiva; a bibliograa será colocada no nal do artigo e conterá apenas das referências feitas no texto ordenadas alfabeticamente e por ordem cronológica crescente para as referêdo mesmo autor;

. Critérios bibliográcos: a. Livros: Bastos, C. ( ).Ciência, poder, acção. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.

b. Colectâneas: Bastos, C.; Almeida, M. & Feldman-Blanco (orgs.) ( ).Trânsitos coloniais: diálogoscríticos luso-brasileiros. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.

c. Clássicos, nomeadamente em tradução, indicar data da . ª edição e nome do tradutor: Espinosa, B. ([ ]).Tratado teológico-político. Tradução de D. P. Aurélio. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

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S , Instruções para os Autores

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