Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    RUPERT SHELDRAKE

    A ressonncia mrfica &A PRESENA DO PASSADOOs hbitos da Natureza

    INSTITUTO PIAGET

    Ttulo original: The Presence of the Past Rupert Sheldrake, 1988,1995Direitos reservados para a lngua portuguesaInstituto PiagetAv. Joo Paulo II, lote 544, 2.", 1900 LISBOATelef.:83717 25

    Coleco Crena e Razosob a direco de Antnio de Oliveira CruzTraduoAna RabaaReviso cientfica e de traduo: Joo PazCapa: Dorindo CarvalhoFotocomposio e montagem: CVArtes Grficas, Lda.Impresso e acabamento: Grfica Manuel Barbosa e Filhos, Lda.ISBN: 972-8329-03-2

    A todos os meus professores,passados e presentes

    PREFACIO

    Pretendo, com este livro, levar mais longe as ideias expostas em

    A New Science of Life, publicado pela primeira vez em Inglaterra

    em 1981. Nesse livro avancei a hiptese audaciosa da causalidadeformativa e discuti algumas das suas inmeras implicaes, em

    particular nos sectores da qumica e da biologia.

    A obra que hoje proponho menos tcnica. Nela situo a hiptese da

    causalidade formativa nos seus contextos histrico, filosfico e

    cientfico mais amplos, nela resumo as suas principais implicaes

    para os sectores da qumica e da biologia e nela evoco as suas

    consequncias nos planos da psicologia, da sociedade e da cultura.

    Mostro de que maneira ela esboa uma compreenso nova e

    radicalmente evolucionista do homem e do mundo onde ele vive uma

    compreenso que, segundo me parece, est em harmonia com a ideia

    moderna de que a natureza, no seu conjunto, evolutiva.

    A hiptese da causalidade formativa sugere que a memria

    inerente natureza. Ope-se, nisto, a diversas teorias

    cientficas ortodoxas. Estas ltimas viram o dia no contexto da

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    cosmologia pr-evolucionista, segundo a qual a natureza e as suas

    leis so eternas esta viso dominou o pensamento at aos anos

    60. Durante todo este livro, apresentarei as interpretaes

    prprias da hiptese da causalidade

    formativa, em comparao com as defendidas pela cinciaconvencional e proporei uma ampla variedade de experincias que

    permite

    testar uma e outra destas abordagens.

    Em 1982, o Grupo Tarrytown de Nova Iorque anunciou uma competio

    internacional dotada de prmios monetrios importantes.

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    o objectivo era testar experimentalmente a hiptese da causalidade

    formativa os participantes deveriam propor experincias que

    permitissem

    verificar ou refutar essa hiptese. Ao mesmo tempo, a revistabritnica New Scientist organizava uma competio relativamente a

    novos projectos de testes experimentais. Os projectos

    seleccionados

    por uma comisso de cientistas ingleses foram publicados no nmero

    de Abril de 1983 e inspiraram inmeros investigadores, entre os

    quais

    eu mesmo. Os resultados da competio Tarrytown foram anunciados

    e os prmios entregues em Junho de 1986. As experincias

    premiadas,

    seleccionadas por uma comisso internacional de cientistas,

    resumem-

    se no captulo 10.

    Estas competies permitiram ao grande pblico tomar conhecimento

    da hiptese da causalidade formativa e das tentativas empreendidas

    para

    testar a sua validade. Devo, consequentemente, exprimir a minha

    gratido

    a Robert L. Schwartz, que imaginou a competio Tarrytown, que a

    organizou e que ofereceu o primeiro prmio. Agradeo igualmente a

    Tiger Trust, da Holanda, assim como a Meyster Verlag, de Munique,

    oseditores da traduo alem de A New Science of Life, que

    ofereceram

    o segundo e o terceiro prmios. Estou igualmente reconhecido

    revista New Scientist em particular a Michael Kenward, seu

    editor,

    e a Colin Tudge, redactor-chefe na alturapor ter organizado a

    competio; assim como aos cientistas (citados no captulo lOj'que

    aceitaram fazer parte do jri destas duas competies.

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    Tive o privilgio de discutir a noo de causalidade formativa por

    ocasio de seminrios e conferncias em universidades e

    instituies

    diversas na ustria, Gr-Bretanha, Canad, Tinlndia, Trana,Alemanha, Holanda, ndia, Sucia, Sua e Estados Unidos. No

    quero

    deixar de exprimir a minha gratido a todas as pessoas que

    possibilitaram

    estes encontros e a todas aquelas, cujo nome me escapa, que

    me deram as suas crticas, comentrios, sugestes, interrogaes,

    informaes,

    entusiasmo e encorajamentos. Um agradecimento muito

    particular a quatro grupos que me forneceram, por vrias vezes, um

    ambiente de trabalho estimulante: o Centro Internacional de

    Estudos

    Integrativos, em Nova Iorque, assim como o Instituto de Esalen, o

    Instituto de Cincias Noticas e a Tundao Ojai, na Califrnia.

    Este livro beneficiou amplamentede maneira directa e indirecta

    de trocas de opinio diversas com interlocutores situados nos

    quatro

    cantos do mundo, assim como de inmeras conversas e discusses

    10

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    com amigos e colegas. Gostaria de agradecer aqui a todos aqueles

    que

    to generosamente partilharam comigo o seu saber, a sua

    experincia eintuies: Ralph Abraham, David Abram, Andra Akers, Patrick

    Bateson, John Beloff, Anthony Blond, David Bhm, Richard

    Braithwaite, John Brockman, Keith Campbell, Fritjof Capra,

    Jennifer

    Chambers, Jeremy Cherfas, Christopher Clarke, Isabel Clarke,

    Virginia Coyle, Tom Creighton, Paul Davies, Larry Dossey, Lindy

    Dufferin e Ava, Dorothy Emmet, Susan Fassberg, Marylin Ferguson,

    Jim Garrison, Alan Gauld, Adele Getty, Elmar Gruber, Brian

    Goodwin, George Greer, David Griffin, Bede Griffiths, Stanislav

    Grof,

    Lola Hardwick, David Hart, Nick Herbert, Rainer Hertel, Joan

    Halifax, Jean Hustoun, Caroline Humphrey, Nicholas Humphrey,

    Tim Hunt, Francis Huxley, Brian Inglis, Brother John, Colleen

    Kelley, Arnold Keyserling, Stanley Krippner, o falecido

    J. Krishnamurti, Peter Laurence, David Lorimer, a falecida

    Margeret

    Masterman, Terence McKenna, Noel Mclnnis, Ralph Metzner, John

    Michell, Joan Miller, Michael Murphy, Tom Myers, Claudio Naranjo,

    Jim Nollman, o falecido Frank O'Meara, Brendan O'Reagan, Robert

    Ott, 0 falecido Michael Ovenden, Alan Pickering, Nigel Pennick,

    Jeremy Prynne, Anthony Ramsay, Martin Rees, Micky Remann,

    Keith Roberts, Steve Rose, Janis Roze, Peter Rssel, GarySchwartz,

    Robert L. Schwartz, Irene Seeland, John Steele, Ian Stevenson,

    Dennis Stillings, Harley Swiftdeer, Jeremy Tarcher, George Tracy,

    Patrice van Eersel, Francisco Varela, Melanie Ward, Lyall Watson,

    Rene Weher, Christopher Whitmont, George Wickmann, Ion Will,

    Roger Williams, Arthur Young e Connie Zweig.

    Mais de vinte pessoas tiveram a gentileza de reler as primeiras

    verses

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    deste livro, quer no todo, quer em parte, de acordo com as suas

    competncias pessoais. A reescrita da obra foi grandemente

    enriquecida

    graas aos seus comentrios, crticas e conselhos. Agradeo, muito

    particularmente, a Christopher Clarke, Paul Davies, Peter Fry,Brian

    Goodwin, Bede Griffiths, David Hart, Anthony Laude, minha esposa

    Jill Puree, Anthony Ramsay, Steven Rosee, sobretudo, a

    Nicholas Humphrey, que foi para mim uma fonte permanente de bom

    senso e inteligncia durante os trs anos que durou a redaco

    deste

    trabalho. A verso final foi consideravelmente melhorada pelas

    sugestes

    felizes dos meus editores: Helen Fraser da Collins, em Londres; e

    Hugh O'Neill da Times Books, em Nova Iorque.

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    A escrita deste livro foi para mim uma espcie de viagem de

    explorao

    das mais apaixonantes. A minha mulher fill acompanhou-me

    durante todo o meu priplo e estou-lhe infinitamente reconhecidopelos

    seus encorajamentos incessantes e por mltiplas conversas que

    permitiram que as ideias expressas nas pginas que se seguem

    tomassem

    forma; ajudou-me de mil maneiras e foi, para mim, uma fonte

    constante de inspirao e encorajamento.

    Obrigado a Keith Roberts, Jeni Fox e Craig Robson pelos desenhos

    e diagramas.

    Obrigado a Melanie Ward pela dactilografia dos diversos rascunhos

    desta obra e pelo trabalho de secretariado.

    Obrigado, finalmente, a todos os vegetais e animais que foram,

    para

    mim, uma fonte de ensinamento preciosa e, em particular, ao animal

    que conheo melhor, o nosso gato Remedy.

    Hampstead, Inglaterra,

    Pscoa de 1987.

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    INTRODUO

    OS HBITOS DA NATUREZA

    Dizem que o hbito uma segunda natureza... Quem sabe seessa natureza no passa, ela mesma, de um primeiro hbito.

    BLAISE PASCAL, Pensamentos

    Este livro explora a possibilidade de a memria ser inerente

    natureza. Sugere que os sistemas actuais, tais como colnias

    de trmitas, pombos, orqudeas, molculas de insulina herdam

    uma memria colectiva de todos os fenmenos respeitantes

    sua espcie, por muito distantes que estejam no espao e no

    tempo. Devido a esta memria cumulativa, a natureza das

    coisas torna-se cada vez mais habitual por repetio. As coisas

    so o que so porque foram o que foram. Parece, pois, que os

    hbitos so inerentes natureza de todos os organismos vivos,

    dos cristais, das molculas, dos tomos e, mesmo, de todo

    o cosmos.

    Deste modo, uma semente de faia tomar, durante o seu

    desenvolvimento,

    a forma, a estrutura e os hbitos caractersticos

    de uma faia. Est apta a faz-lo porque herda a sua natureza

    das faias precedentes; mas esta herana no uma simples

    questo de genes qumicos. Depende, tambm, da transmissodos hbitos de crescimento e de desenvolvimento de inmeras

    faias que existiram no passado.

    De igual modo, medida que cresce, uma andorinha voa, alimenta-

    se, alisa as penas, migra, reproduz-se e nidifica tal como

    fazem habitualmente as andorinhas. Herda o instinto da sua espcie

    atravs de influncias invisveis que actuam distncia; estastm por efeito devolver, em certa medida, o comportamento

    de andorinhas passadas, presente nela. E formada pela memria

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    colectiva da sua espcie que, por sua vez, contribui para formar.

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    Todos os seres humanos recorrem, igualmente, a uma memria

    colectiva, para a qual todos, por sua vez, contribuem.

    Se esta viso da natureza estiver correctanem que sejaaproximadamentedever ser possvel observar o estabelecimento

    progressivo de hbitos novos ao longo da sua propagao

    no seio de uma espcie.

    Quando aves tais como os melharucos azuis aprendem um

    hbito novoroubar leite arrancando a cpsula da garrafa,

    por exemplo, todos os melharucos azuis, onde quer que estejam,

    mesmo fora do alcance dos meios de comunicao normais,

    deveriam revelar uma tendncia crescente para aprender

    o mesmo comportamento.

    Quando as pessoas aprendem algo novo, o ivindsurf, por

    exemplo, a sua aprendizagem deveria ser cada vez mais fcil

    com o tempo, pela simples razo de que um nmero importante

    de indivduos j o aprendeu.

    Quando os cristais de uma substncia qumica recentemente

    sintetizada, por exemplo um tipo novo de medicamento, surgem

    pela primeira vez, no tm precedentes exactos; mas,

    medida que o mesmo composto cristalizado uma e outra vez,

    os cristais deveriam tender para se formar mais rapidamente

    em todo o mundo, s porque j se formaram noutro stio". *

    Tal como esta herana de hbitos pode depender de influncias

    directas de fenmenos semelhantes anteriores, a memria

    de organismos individuais pode depender de influncias directas

    do seu prprio passado. Se a memria inerente natureza

    das coisas, a herana de hbitos colectivos e o desenvolvimento

    de hbitos individuais

    o desenvolvimento da segunda natureza do indivduopodem considerar-se como aspectos

    diferentes do mesmo processo fundamental: o processo pelo

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    qual o passado se torna, num certo sentido, presente com base

    na similaridade.

    Assim, os nossos hbitos pessoais podem depender de influncias

    cumulativas do nosso comportamento passado, comas quais nos sintonizamos. Se for este o caso, no necessrio

    que estes se conservem sob uma forma material no nosso sistema

    nervoso. Passa-se o mesmo quanto s nossas recordaes

    conscientesde uma cano que fixmos ou de um aconteci-

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    mento em que participmos no ano passado. O passado pode,

    num certo sentido, tornar-se-nos presente de modo directo.

    possvel que as nossas recordaes no se conservem nos

    nossos crebros, tal como supomos habitualmente.

    Todas estas possibilidades podem ser concebidas no quadro

    de uma hiptese cientfica, que baptizei hiptese da causalidade

    formativa. Esta sugere que a natureza das coisas depende

    de camposos campos mrficos. Cada tipo de sistema natural

    possui o seu prprio tipo de campo; h um campo para a insulina,

    um campo para a faia, um campo para a andorinha, etc.

    Estes campos moldam os diferentes tipos de tomos, de molculas,

    de cristais, de organismos vivos, de sociedades, de costumes

    e de hbitos de pensamento.

    Os campos mrficos, tal como os campos conhecidos da fsica,

    so regies no materiais de influncia que se estendem no

    espao e se prolongam no tempo. Quando um sistema organizado

    particular deixa de existirquando um tomo desintegrado,

    quando um floco de neve se derrete, ou quando um animal

    morreo seu campo organizador desaparece do lugar especfico

    onde existia o sistema. Mas, num outro sentido, os

    campos mrficos no desaparecem: so padres de influncia

    organizadores potenciais, susceptveis de se manifestarem

    fisicamente

    de novo, noutros tempos, noutros lugares, por todo olado, onde e sempre que as condies fsicas forem apropriadas.

    Quando este o caso, encerram uma memria das suas

    existncias fsicas anteriores.

    O processo pelo qual o passado se torna presente no seio

    de campos mrficos chama-se ressonncia mrfica. A ressonncia

    mrfica implica a transmisso de influncias causaisformativas atravs do espao e do tempo. A memria no seio

    dos campos mrficos cumulativa e essa a razo pela qual

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    todas as espcies de fenmenos se tornam cada vez mais habituais

    por repetio. Quando esta repetio se produziu escala

    astronmica ao longo de bilies de anos, tal como foi o

    caso de inmeros tipos de tomos, de molculas e de cristais,

    a natureza dos fenmenos adquiriu uma qualidade habitualto profunda que efectivamente imutvel, ou aparentemente

    eterna.

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    Todas estas reflexes esto em contraste flagrante com as

    teorias ortodoxas em vigor. Nada existe de semelhante

    ressonncia

    mrfica, no mbito da fsica, da qumica, ou da biologiacontemporneas; os cientistas, em geral, tm tendncia para

    considerar os campos conhecidos da Fsica como governados

    por leis naturais eternas. Ora, os campos mrficos manifestam-

    -se e evoluem no tempo e no espao e so influenciados por

    aquilo que aconteceu efectivamente no mundo. Os campos

    mrficos so encarados num esprito evolucionista, o que no

    o caso dos campos conhecidos da fsica. Ou, pelo menos, no

    era o caso at h pouco tempo.

    At aos anos 60, os fsicos, na sua maioria, acreditaram que o

    Universo era eternoo Universo, mas tambm as propriedades

    da matria e dos campos; assim eram as leis naturais.

    Sempre foram e sempre seriam iguais a si mesmas. Mas considera-

    se, agora, que o Universo nasceu na sequncia de uma exploso

    primordial, h cerca de quinze mil milhes de anos e

    que no cessou de aumentar e de evoluir desde ento.

    Actualmente, nos anos 80, a fsica terica est em plena

    efervescncia.

    Surgem teorias que incidem sobre os primeiros instantes

    da criao. Vrios cientistas avanam concepes inteiramente

    novas, evolucionistas, da matria e dos campos. - * '

    O cosmos aparece mais como um organismo em pleno

    crescimento e em plena evoluo do que como uma mquina

    eterna. Dentro deste contexto, os hbitos podem ser mais naturais

    do que as leis imutveis.

    esta possibilidade que este livro estuda. Parece-me, todavia,til, antes de iniciar a nossa explorao, considerar de maneira

    um pouco mais pormenorizada as nossas concepes

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    habituais relativas natureza das coisas. A hiptese da

    causalidade

    formativa ope-se a diversas teorias cientficas consideradas

    como ortodoxas desde h vrios decnios, at mesmo

    vrios sculos; importa, pois, possuir um certo conhecimentodestas teorias, assim como da maneira como so desenvolvidas

    e ter em considerao os seus xitos e limitaes.

    Teremos ocasio, regularmente, durante esta obra, de avaliar

    as interpretaes de fenmenos precisos em funo, por um lado,

    das teorias ortodoxas em comparao com a sua interpretao

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    de acordo com a hiptese da causalidade formativa. Esta comparao

    permitir-nos- uma melhor compreenso das abordagens

    alternativas; permitir-nos-, igualmente, ver em que pontos

    divergem as suas previses que se prestam a testesexperimentais. Com base nestes testes deveria ser possvel

    determinar qual destas abordagens se adapta melhor ao

    Universo em que vivemos.

    O PLANO DESTE LIVRO

    Qualquer modo novo de pensamento nasce, pela fora das

    circunstncias, dentro do mbito dos hbitos de pensamento

    existentes. O domnio cientfico no excepo regra. Em

    qualquer altura, os modelos de realidade vulgarmente aceites

    e muitas vezes chamados paradigmasassentam em

    suposies, mais ou menos consideradas evidentes, as quais

    depressa se tornam habituais.

    Nos trs primeiros captulos examinaremos os dois modelos

    de realidade que predominam na cincia contempornea: por

    um lado, a ideia de que a realidade fsica constante e

    inteiramente

    governada por leis eternas, por outro a ideia de que a

    natureza evolutiva.

    No primeiro captulo, debruar-nos-emos sobre a maneiracomo estes dois modelos de realidade coexistiram durante mais

    de um sculo e como se encontram agora numa situao conflitual

    na sequncia da revoluo recente da cosmologia. A totalidade

    da natureza aparece, agora, como evolutiva e o postulado

    da existncia de leis naturais eternas encontra-se,

    consequentemente,

    posto em causa. A natureza das coisas poderiaser habitual em vez de governada por leis eternas. Os filsofos

    e bilogos j tinham admitido esta possibilidade cerca do final

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    do sculo passado, mas fora rejeitada pela concepo ortodoxa

    de uma realidade fsica eterna, de natureza essencialmente

    constante.

    Veremos, no captulo 2, a histria da ideia da eternidade danatureza. Esta baseia-se, de facto, numa intuio mstica; foi

    transmitida cincia moderna pelas tradies do pensamento

    17

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    herdadas da Grcia antiga. As eternidades tericas da fsica

    nasceram de concepes antigas, pr-evolucionistas, da realidade,

    e encontram-se, hoje em dia, em desacordo com a nova

    cosmologia evolucionista.

    Abordaremos, no captulo 3, a evoluo da ideia de evoluo.

    As suas razes histricas encontram-se na f crist, num

    movimento progressivo da histria humana em direco realizao

    de desgnios divinos. Uma nova viso do progresso humano

    emergiu, na Europa do sculo xvii, desta crena: uma f

    na transformao do mundo em benefcio da humanidade atravs

    dos progressos cientficos e tecnolgicos. Esta convico foi

    reforada, continuamente, pelos xitos alcanados pela cincia,

    pela indstria, pela medicina e pela agricultura, a ponto de

    ocupar, actualmente, uma posio predominante a uma escala

    global. No sculo xix, chegou a considerar-se o progresso da

    humanidade dentro de um contexto mais amplo; este tornou-

    -se, com efeito, um aspecto de um grande processo evolutivo

    que engendrara todas as formas de vida na Terra. Finalmente, a

    ideia de evoluo foi levada at s ltimas consequncias no

    mbito da nova cosmologia: todo o Universo evolutivo.

    J no podemos, por conseguinte, considerar as leis naturais

    eternas como evidentes. Contudo, se as pensarmos comer sendo

    de natureza habitual, encontramo-nos em conflito com as hipteses

    convencionais da fsica, da qumica e da biologia, as quaisforam formuladas dentro do contexto de um universo mecanicista

    eterno. Abordaremos, no captulo 4, a natureza dos tomos,

    das molculas, dos cristais, dos vegetais e dos animais.

    Todas estas entidades so estruturas de actividade complexas

    que surgem espontaneamente? Por que razo tm as estruturas

    que lhes conhecemos? Como esto organizadas? Como que

    organismos vivos complexos, tais como rvores, se desenvolvema partir de estruturas mais simples, tais como sementes?

    Examinaremos as respostas ortodoxas a estas perguntas, assim

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    como as hipteses que delas derivam e veremos, no captulo 5,

    que o nascimento de organismos vivoso crescimento de

    uma mosca, por exemplo, a partir de um ovo fertilizadocontinua

    a ser misterioso, a despeito das descobertas impressionantes

    da biologia do sculo xx. Se considerarmos a biologia

    18

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    contempornea, uma das maneiras mais prometedoras de encarar

    o desenvolvimento dos organismos vivos consiste em pensar

    em termos de campos organizadores, chamados campos

    morfogenticos. A natureza destes campos continua, todavia, aser, tambm ela, misteriosa.

    Trataremos, no captulo 6, da natureza destes campos e veremos

    a interpretao que dela d a hiptese da causalidade formativa;

    interrogar-nos-emos, no captulo 7, sobre a maneira como

    esta hiptese se aplica ao desenvolvimento de molculas, de

    cristais e de organismos vivos. Podemos considerar que os

    campos mrficos de todos estes sistemas encerram uma memria

    inerente, devida ressonncia mrfica de todos os sistemas

    semelhantes anteriores.

    Evocaremos, no captulo 8, a nova interpretao da hereditariedade

    biolgica que deriva desta hiptese e procuraremos

    meios da a testar de maneira experimental.

    Os quatro captulos seguintes sero consagrados memria,

    aprendizagem e ao hbito entre os animais e os seres humanos.

    A ideia da ressonncia mrfica permite compreender a

    memria em termos de influncias causais directas do passado

    de um organismo. isto que fornece uma alternativa radical

    teoria convencional que pretende que os hbitos e a memria

    esto, de uma maneira ou de outra, armazenados sob a formade traos materiais no sistema nervoso. Esta nova maneira de

    encarar os fenmenos no familiar, mas parece mais de acordo

    com as provas disponveis do que a teoria convencional.

    Conduz a uma srie de previses verificveis empiricamente

    descreverei, nesta ocasio, vrias experincias que j foram

    realizadas

    para testar a sua validade.

    Alargaremos, no captulo 13, o conceito dos campos mrficos

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    s sociedades de animais sociaiscolnias de trmitas e

    bandos de pssarose examinaremos, no captulo 14, as sociedades

    e culturas humanas luz desta noo. Demonstrarei, no

    captulo 15, que o conceito de ressonncia mrfica sugere uma

    interpretao nova dos rituais, costumes e tradies, incluindoas tradies da cincia.

    A evoluo dos campos mrficos por seleco natural e o

    papel da ressonncia mrfica no processo evolutivo sero

    19

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    objecto do captulo 16 e, no captulo 17, trataremos da natureza

    dos campos mrficos em relao com as novas teorias evolucionistas

    desenvolvidas pela fsica. O captulo 18 coloca a questo

    da criatividade evolutiva: quais so as fontes possveis denovos padres de organizao? Como que surgem os novos

    campos mrficos?

    Esforcei-me por reduzir tanto quanto possvel a gria tcnica,

    mas o emprego de determinados termos cientficos e filosficos

    particulares inevitvel. Estes sero explicados ao longo da

    obra e espero, assim, torn-los compreensveis ao profano. Este

    encontrar, alm disso, no fim do livro, um glossrio que precisa

    o sentido geral dessas palavras e expresses.

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    CAPITULO 1

    ETERNIDADE E EVOLUO

    A EVOLUO NUM MUNDO ETERNO

    A cincia do sculo xix legou-nos uma viso dual do mundo:

    por um lado, um grande processo evolutivo na Terra; por outro,

    a eternidade fsica de um Universo mecanicista. A matria e a

    energia contidas no cosmos eram supostas eternas e sujeitas s

    leis da natureza, tambm elas eternas.

    De acordo com esta perspectiva dual, a vida evoluiu

    sobre a Terra no seio de uma eternidade fsica. A evoluo da

    vida no exerceu qualquer influncia sobre as realidades

    fundamentais do Universo fsico. A extino da vida no nosso

    planeta seria igualmente insignificante. A quantidade total

    de matria, de energia e de carga elctrica permaneceria

    exactamente a mesma, tal como o conjunto das leis da

    natureza. A vida evolui, mas a realidade fsica fundamental

    imutvel.

    Esta dupla viso do mundo tornou-se profundamente

    habitual e continua, sob muitos aspectos, a moldar o pensamento

    cientfico. Neste captulo, examinaremos, de maneira

    mais pormenorizada, esta mundiviso convencional e demonstraremos

    que a investigao actual comea a transcend-la. Noseu lugar, emerge uma viso evolucionista da realidade a cada

    nvel: subatmico, atmico, qumico, biolgico, social, ecolgico,

    cultural, mental, econmico, astronmico e csmico.

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    A ETERNIDADE FSICA

    O Universo mecnico que nos foi legado pela fsica do sculo

    XIX era eterno. Era uma ampla mquina regida por leis eternas.

    O mundo-mquina da fsica surgiu no sculo xvii. Para

    comear, foi suposto criado por Deus, posto em movimento

    pela sua vontade e funciona, de maneira inexorvel, de acordo

    com as suas leis imutveis. Considerar-se-, todavia, durante

    cerca de um sculo, que o mundo-mquina newtoniano tinha

    uma tendncia persistente para se esgotar. Deus devia, de vez

    em quando, dar corda ao relgio celeste.

    No incio do sculo xix, a maquinaria terica fora aperfeioada

    e o mundo tornou-se uma mquina animada por um

    movimento perptuo. A maquinaria era eterna e funcionaria

    para sempre, tal como o fizera durante toda a eternidade, de

    uma maneira totalmente determinista e previsvelou, pelo

    menos, de uma maneira, em princpio, totalmente previsvel

    para uma inteligncia omnisciente sobre-humana, se uma

    inteligncia

    destas existisse.

    Para o grande fsico francs Pierre Laplace e para muitos

    cientistas depois dele. Deus j no era necessrio para dar corda

    mquina de vez em quando, ou no incio. Deus tprneu-seuma hiptese desnecessria. As suas leis universais subsistiam,

    mas j no como ideias concebidas no seu esprito eterno. J

    no tinham razo ltima para existir. Tudo, incluindo os fsicos,

    se tornou matria inanimada submetida a essas leis cegas.

    Cerca do final do sculo xix, o mundo-mquina comeou de

    novo a ficar sem combustvel. J no podia ser uma mquinamovida por um movimento perptuo a partir do momento em

    que os princpios da termodinmica demonstraram que essas

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    mquinas eram impossveis. O Universo evoluiria em direco

    a uma morte trmica final, em direco a um estado de equilbrio

    termodinmico em que o movimento da mquina se deteria

    para j no voltar a arrancar. A mquina encontrar-se-ia

    com falta de carburante e j no poderamos contar com umDeus tornado uma hiptese desnecessria, para a fazer arrancar

    de novo. Seja como for, a totalidade da matria e da energia

    do mundo subsistiria para toda a eternidade; os vestgios da

    maquinaria esgotada nunca se deteriorariam.

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    As revolues registadas na fsica do sculo xx transcenderam,

    de diversas maneiras, as antigas metforas mecanicistas^.

    Os tomos, apreendidos at ento como simples bolas de bilhar

    indestrutveis, tornaram-se complexos sistemas de partculasem vibrao e em rbita, sendo elas mesmas estruturas de

    actividade

    complexas. O determinismo rigoroso da teoria mecanicista

    clssica flexibilizou-se para dar lugar a uma cincia de

    probabilidades. A espontaneidade emergiu em todas as coisas.

    At mesmo o vcuo deixou de ser vazio; tornou-se um oceano

    de energia fervilhante, produzindo, permanentemente, inmeras

    partculas vibratrias e retomando-as em seguida. Um

    vazio no algo de inerte e sem caractersticas, mas sim algo

    vivo, palpitante de energia e de vitalidade-.

    A relatividade e a fsica quntica transformaram o mundo-

    -mquina da matria em movimento num sistema csmico de

    campos e de energia. O Universo, tal como o concebeu Einstein,

    existe eternamente no seio do campo universal de gravitao.

    No foram as suas equaes que o levaram concluso de que

    o Universo era essencialmente constante. Foi ele mesmo que

    ajustou as suas equaes de maneira a dotar o Universo de

    uma estabilidade eterna:

    Quando Einstein aplicou, pela primeira vez, as suas

    equaes do campo da relatividade geral ao problema csmico,descobriu a impossibilidade das solues estticas.

    Modificou, portanto, as equaes de campo de maneira a

    incluir a constante cosmolgica. A, visto que no existia, na

    poca, qualquer indcio que permitisse supor que o

    Universo estivesse num estado no esttico, tanto mais que

    preconceitos filosficos seculares apoiavam a noo de um

    Universo de fundo imutvel. As equaes de Einstein, coma constante cosmolgica, encerram uma soluo cosmolgica

    esttica: o Universo esttico einsteiniano^.

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    Os modelos estticos do Universo permaneceram ortodoxos

    at aos anos 60, e inmeros hbitos de pensamento, engendrados

    pela noo de uma eternidade fsica, subsistem actualmente

    e continuam a possuir uma vitalidade espantosa.

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    A EVOLUO

    A cincia do sculo xix tambm nos legou uma grande viso

    evolucionista que difere consideravelmente, no seu esprito, doUniverso eterno da fsica. Todas as formas de organismos vivos

    centopeias, golfinhos, bambus, pardais e milhes de

    outrossurgiram graas a um vasto processo criativo. A rvore

    evolutiva cresce e ramifica-se de maneira espontnea h

    mais de trs mil milhes de anos. Ns mesmos somos produtos

    da evoluo, a qual prossegue a um ritmo acelerado ao nvel

    da humanidade. As sociedades e culturas evoluem, as civilizaes

    evoluem, as economias evoluem, a cincia e a tecnologia

    evoluem.

    Experimentamos o processo evolutivo na nossa prpria

    existncia; o mundo que nos rodeia muda como nunca aconteceu

    antes. Para alm das modificaes que ns mesmos observmos,

    estende-se a evoluo da civilizao moderna, ela

    prpria enraizada em civilizaes anteriores e em formas de

    sociedade mais primitivas. Mais alm, encontramos um perodo

    longo e misterioso de humanidade pr-histrica; ainda

    mais alm e encontraremos, uns a seguir aos outros: os nossos

    antepassados smios, mamferos primitivos, rpteis' peixes,

    vertebrados primitivos, depois, talvez uma qualquer forma de

    verme, at chegarmos finalmente s clulas, aos micrbios

    e, por fim, s primeiras clulas que viveram na Terra. Seprosseguirmos

    a viagem no tempo, culminaremos num Universo

    qumico de molculas e de cristais e, finalmente, nos tomos

    e nas partculas subatmicas. E esta a nossa linhagem evolutiva.

    No decurso da nossa criao e educao, a maior parte dens, como pessoas modernas, aceitouimplcita ou explicitamente

    estes dois modelos de realidade: uma eternidade fsica

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    e um processo evolutivo. Estes coexistiam, tranquilamente, de

    modo independente. A evoluo aplicava-se Terra, a eternidade

    aos cus. A evoluo terrestre acantonava-se nos domnios

    da geologia, da biologia, da psicologia e das cincias sociais.

    A fsica reserva para si o sector celeste, a energia, oscampos e as partculas fundamentais da matria.

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    Charles Darwin e os bilogos seus adeptos tiveram de se esforar

    por integrar a rvore evolutiva da vida num universo

    mecnico que no evolua e, no melhor dos casos, se esgotava.

    O mundo-mquina no tinha objectivo ltimo e no se podiaadmitir qualquer noo de inteno no seu seio. Do ponto de

    vista mecanicista, os organismos vivos so mquinas complexas,

    inanimadas e desprovidas de finalidades. A doutrina dar-

    winista afirma que a evoluo dos organismos vivos no envolve,

    de modo algum, um processo de esforo finalizado, tal como

    no concebida nem guiada por qualquer entidade divina; antes

    pelo contrrio, os organismos variam ao acaso, a progenitura

    tende para herdar as suas variaes e as diversas formas

    de vida evoluem sem desgnio nem razo, seja consciente ou

    inconsciente, sob a influncia das actividades cegas da seleco

    iiatural. Olhos e asas, mangueiras e teceles, colnias de

    formigas

    e de trmitas, o sistema de ecolocalizao das toupeiras e,

    na verdade, todos os aspectos da vida so frutos do acaso atravs

    da operao mecanicista de foras inanimadas e do poder

    da seleco natural.

    A teoria darwinista da evoluo sempre foi controversa e

    continua a s-lo. H quem negue a prpria realidade da evoluo;

    h, tambm, quem, tendo-a aceite, v mais longe do que

    Darwinchegam, assim, a considerar o processo evolutivo j

    no como um fenmeno local, momentneo, limitado Terrano seio de um mundo-mquina eterno, mas como parte integrante

    de um processo evolutivo universal.

    As filosofias da evoluo universal, tal como as teorias do

    progresso geral to populares na Inglaterra vitoriana,

    encontraram-

    se em conflito com a viso do Universo prpria da fsica.Passou-se o mesmo com as vises evolucionistas, nomeadamente

    a de Teilhard de Chardin-*, segundo a qual o processo

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    evolutivo tende para um fim ou um objectivo, para um estado

    inconcebvel de unidade final. Para a cincia mecanicista, estas

    noes so ilusrias: a evoluo da vida na Terra no faz parte

    integrante de um processo evolutivo csmico que leva a qualquer

    parte, uma espcie de flutuao local no seio de umUniverso mecanicista desprovido de qualquer finalidade.

    Estamos todos familiarizados com esta viso, que exerceu

    uma influncia profunda no pensamento do sculo xx. Vejamos

    25

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    em que termos Bertrand Rssel exprimiu esta ideia no mbito

    do mundo-mquina:

    O homem o produto de causas que no tmconcepo prvia do objectivo visado; a sua origem,

    crescimento, esperanas e medos, os seus amores e crenas

    no passam dos produtos de colises fortuitas de

    tomos; nenhum fogo, nenhum herosmo, nenhuma

    intensidade de pensamento e de sentimento susceptvel

    de preservar uma vida individual para alm do

    tmulo; todas as tarefas de todas as idades, toda a devoo,

    toda a inspirao, todo o brilho do gnio humano

    esto votados extino na fabulosa morte do sistema

    solar; o prprio templo da realizao do Homem deve,

    inevitavelmente, ser enterrado sob os destroos de um

    Universo em runastodos estes factos, embora no

    sendo indubitveis, nem por isso deixam tambm de

    ser quase to certos que nenhuma filosofia que os negue

    pode esperar subsistir. No se poder, portanto,

    construir a habitao da alma a no ser sobre a base

    destas verdades, sobre os fundamentos slidos de um

    desespero inabalveis

    Muitos pensadores modernos subscreveram esta perspectiva

    pouco alegre e a substituio do mundo-mquina por um

    Universo esttico einsteiniano no afectou esta perspectivapessimista.

    A teoria mecanicista mais do que uma teoria cientfica;

    foi aceite como uma verdade temvel que nenhum ser racional

    poderia contestar, apesar da angstia existencial que suscita.

    Alimentado desta f austera, o bilogo molecular Jacques

    Monod proclamou:

    preciso que o homem desperte, finalmente, do seu

    sonho milenar, para descobrir a sua total solido, o seu

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    isolamento radical. Sabe agora que, tal como um cigano,

    vive margem de um mundo estranho; um mundo surdo

    sua msica, indiferente s suas esperanas, assim como

    aos seus sofrimentos ou crimes 6.

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    Porm, as teorias cientficas esto sujeitas mudana e, nos

    anos 60, o Universo terico da fsica fez estalar o verniz da sua

    eternidade. Agora, j no aparece como uma mquina eterna,

    mas como um organismo eni desenvolvimento. Tudo evolutivona natureza. A evoluo da vida na Terra e o desenvolvimento

    da humanidade j no constituem uma flutuao local

    numa realidade fsica eterna; so aspectos de um processo

    evolutivo

    csmico. Vrios filsofos e visionrios afirmam isto h

    anos, mas agora faz parte da fsica ortodoxa''.

    O UNIVERSO EVOLUTIVO

    A maior parte dos cosmlogos est, hoje, convencida de que

    o Universo surgiu graas a uma exploso inicial, h uma quinzena

    de milhares de milhes de anos e que no deixou de aumentar

    desde ento. Esta expanso atribuda, no a qualquer

    fenmeno de repulso csmica, mas ao prprio big bang. A

    velocidade

    a que as galxias se afastam umas das outras diminui

    progressivamente, sob a influncia da gravitao. Se a densidade

    da matria do Universo for bastante baixa, a expanso

    prosseguir indefinidamente. Mas, se a quantidade de matria

    contida no Universo ultrapassar um limite crtico, a expanso

    parar e o Universo comear a contrair-se para produzir, em

    definitivo, o inverso de um big bang, uma imploso final: o bigcrunch. Parece que os favores da maioria dos fsicos vo para

    a hiptese da expanso contnua, mas alguns deixaram-se

    seduzir por esse big crunch que lhes surge como uma maneira

    de voltar a uma eternidade repetitivao big crunch podendo

    ser o big bang do prximo Universo e assim por diante, para

    sempre.

    Contudo, mesmo se aceitarmos a ideia de que o nosso

    Universo um numa srie interminvel, continuar a ser impossvel

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    sabermos se todos se desenvolvem de maneira idntica,

    ou se cada um deles conhece uma evoluo prpria. S

    podemos conhecer a evoluo do Universo em que vivemos.

    As opinies variam quanto quilo que se produziu nos primeiros10-30 segundos mas, a avaliar pelo modelo inflacionista

    actualmente em voga, o Universo conheceu um perodo

    27

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    muito breve de expanso extraordinariamente rpida durante

    o qual toda a matria e energia foi criada a partir de

    virtualmente

    nada*^. O modelo inflacionista coincide, depois disto,com aquilo a que se chama, agora, o modelo standard do big

    bang.

    Aproximadamente um centsimo de segundo depois do comeo,

    quando arrefeceu at alcanar uma temperatura da ordem

    de uma centena de milhares de milhes de graus, o

    Universo era uma espcie de sopa indiferenciada de matria e

    de radiao. No espao de trs minutos, os neutres e os protes

    comearam a combinar-se e formaram ncleos de hlio. Trinta

    minutos mais tarde, a maior parte tinha terminado as combinaes

    ou subsistia sob a forma de protes livres, de ncleos de

    hidrognio''.

    Aps 700 mil anos de expanso e de arrefecimento, a temperatura

    ficou suficientemente baixa para que electres e ncleos

    pudessem constituir tomos estveis. Como j no havia electres

    livres, o Universo tornou-se transparente radiao e o

    divrcio entre a matria e a radiao permitiu que se comeassem

    a formar galxias e estrelas.

    A evoluo da matria prosseguiu nas estrelas, oxid-reac-

    es nucleares produziram os mltiplos elementos qumicosque se encontram nas nuvens interestelares, nos cometas,

    nos meteoros e nos planetas. Julga-se que estes elementos se

    fornram com uma intensidade particular quando h estrelas

    que explodem em supernovas. A formao de molculas tornou-

    se possvel nas condies de frio intenso existentes no

    espao interestelar; nos agregados frios de matrianos

    planetas, por exemplo

    formou-se uma grande variedadede cristais, nomeadamente os que engendraram os rochedos

    terrestres.

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    Dentro desta sequncia, o unoa singularidade inicial

    tornou-se mltiplo, medida que formas cada vez mais

    complexas se diferenciam com a expanso do Universo.

    Esta viso est muito distante da do Universo mecnico

    imutvel da fsica clssica. A concepo evolucionista v-se,

    agora, alargada at englobar tudo, incluindo as partculas fun-

    28

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    damentais e os campos da fsica. Vejamos uma descrio recente

    que se deve a um terico da fsica. Paul Davies:

    No comeo, o Universo era um fermento de energiaquntica sem caractersticas, um estado de simetria

    excepcionalmente

    elevada. De facto, o estado inicial do

    Universo poderia muito bem ter sido o mais simples possvel.

    S depois de uma expanso e de um arrefecimento

    rpidos as estruturas familiares do mundo gelaram e

    emergiram da fornalha original. Uma a uma, as quatro

    foras fundamentais dissociaram-se da superfora. As

    partculas, que iriam formar toda a matria do mundo,

    adquiriram, por sua vez, as suas identidades actuais. (...)

    Pocieria dizer-se que o cosmos altamente ordenado e

    complexo que conhecemos hoje um produto congelado

    da uniformidade amorfa do big bang. A estrutura

    fuiidamental que nos envolve uma relquia ou um fssil

    dessa fase inicial. Quanto mais primitivo for o objecto,

    mais cedo foi moldado na fornalha primordial'".

    O Universo ter-se-ia desenvolvido de maneira totalmente diferente

    se as leis e as constantes da fsica tivessem sido, nem

    que ligeiramente, diferentes. No existe qualquer razo a priori

    conhecida dos fsicos para que estes parmetros sejam o que

    so. Todavia, so como so; consequentemente, a vida e nsmesmos puderam desenvolver-se na Terra. As leis da fsica devem

    ter em considerao o facto de que existem fsicos. Esta reflexo

    essencial no mbito da cosmologia moderna; inerente

    ao Princpio Antrpico Cosmolgico. A verso fraca deste

    princpio , hoje em dia, amplamente aceite": Os valores

    observados

    de todas as quantidades fsicas e cosmolgicas noso igualmente provveis, mas tomam valores limitados pela

    necessidade da existncia de locais onde possa evoluir a vida

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    dependente do carbono e por essa outra necessidade de que o

    Universo seja suficientemente idoso para j ter desenvolvido

    tais locaisi2.

    Alguns fsicos vo mais longe e defendem uma versoforte do Princpio Antrpico: O Universo tem de possuir

    propriedades

    que permitam vida desenvolver-se num momento

    da sua histria".

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    Esta afirmao parece, primeira vista, tautolgica; parece

    no passar de uma reformulao presunosa de uma verdade

    bvia. Encontra-se, todavia, na origem de uma viva controvrsia,

    porque implica que o Universo pode, afinal, ter um grandedesgnio, um fito. Alguns cosmlogos vo ainda mais longe:

    Suponhamos que, por uma razo desconhecida qualquer,

    o princpio antrpico forte esteja correcto e que uma

    vida inteligente tem de surgir num momento da histria

    do Universo. Seria difcil compreender por que razo a

    vida teve de surgir num dado momento, se se extinguisse

    na nossa fase de desenvolvimento, muito antes de ter

    exercido uma influncia no quntica avalivel sobre o

    Universo no seu conjunto. Esta reflexo justifica a generalizao

    seguinte do princpio antrpico forte, dito Princpio

    Antrpico Final: Um tratamento inteligente da informao deve

    surgir no Universo e, quando surgir, nunca se apagar^'^.

    Esta , claramente, uma questo de opinio. Pornn, a prpria

    existncia destes debates entre os fsicos contemporneos

    demonstra at que ponto a cosmologia moderna j ultrapassou

    a dupla viso do mundo, ortodoxa durante tantos anos.^Uma

    eternidade fsica desprovida de inteno parece ter constitudo

    o fundamento de toda a realidade para inmeras geraes de

    cientistas. No se tratava, contudo, de uma verdade cientfica

    absoluta, mesmo se foi tantas vezes considerada como tal; nopassava de uma teoriaagora rejeitada pela prpria fsica.

    Quer o processo evolutivo possua, ou no, um desgnio, a nova

    cosmologia afirma que a vida na Terra e ns mesmos nos

    desenvolvemos

    num Universo em evoluo.

    SERA QUE AS LEIS DA NATUREZA EVOLUEM?

    Ser que as leis da natureza evoluem? Ou ser que a realidade

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    fsica evolui enquanto as leis da natureza permanecem

    imutveis? Em qualquer dos casos, o que entendemos por leis

    da natureza?

    A gua ferve da mesma maneira na Esccia, na Tailndia, naNova Guin e em qualquer outro lugar. Em determinadas condi-

    30

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    es, ferve a temperaturas previsveisa 100 C, por exemplo,

    sob uma presso atmosfrica normal. No mundo inteiro, os

    cristais de acar formam-se de maneira sensivelmente idntica

    desde que as condies sejam semelhantes. Por todo o lado, osembries de frango desenvolvem-se sensivelmente da mesma

    maneira desde que os ovos fertilizados da galinha sejam incubados

    em condies adequadas. Temos tendncia para postular

    que estes fenmenos se produzem porque os materiais apropriados,

    colocados nas condies fsicas e qumicas apropriadas,

    esto sujeitos influncia das leis da natureza leis invisveis

    e

    intangveis mas, todavia, presentes em todos os lugares e em todos

    os tempos. H ordem na natureza; e a ordem depende da lei.

    Estas leis hipotticas da natureza so, em certa medida,

    independentes

    dos fenmenos que regem. Deste modo, as leis que

    governam a formao dos cristais de acar no operam

    exclusivamente

    dentro e em redor dos cristais em crescimento; existem,

    tambm, fora deles. A sua existncia transcende, em certa medida,

    os tempos e os lugares particulares. Assim, os cristais de

    acar que se formam, hoje, nas refinarias de Cuba, no respeitam

    leis locais, mas leis da natureza vlidas em toda a Terra e,

    alis, em todo o Universo. As leis da natureza no podem ser

    alteradas por uma legislao governamental, e no so afectadaspelo que as pessoas pensamnem sequer se forem cientistas.

    O acar cristalizava perfeitamente (tanto quanto sabemos)

    antes de a estrutura das suas molculas ser descoberta pelos

    qumicos orgnicos; de facto, estes cristais formavam-se

    perfeitamente

    mesmo muito antes de nascer o primeiro cientista. Os

    cientistas talvez tenham descoberto, e mais ou menos descrito,as leis que regem a formao desses cristais, mas estas leis

    possuem

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    uma existncia objectiva independente dos seres humanos

    e, mesmo, independente da existncia propriamente dita dos

    prprios cristais. So eternas. Existiam antes de as primeiras

    molculas de acar aparecerem, fosse onde fosse, no Universo.

    De facto, existiam antes mesmo de existir um Universosorealidades eternas que transcendem o tempo e o espao.

    Mas esperem a! Como poderamos saber que as leis da natureza

    existiam antes da formao do Universo? Ser-nos-ia impossvel

    demonstr-lo recorrendo experimentao. Esta .

    31

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    sem dvida, apenas uma hiptese metafsica. Nem por isso deixa

    de ser verdade que considerada como um facto estabelecido

    pela maioria dos cientistas, incluindo os cosmlogos

    evolucionistase que faz, agora, parte integrante do senso comum

    do mundo moderno. provvel que todos ns a possamos

    reconhecer no fundo do nosso prprio pensamento.

    Esta hiptese tornou-se habitual quando a realidade fsica

    ainda era considerada como eterna e persistiu a despeito da

    revoluo

    registada no mbito da cosmologia. Mas ento, onde se

    encontravam e o que eram as leis da natureza antes do big bang?

    O nada antes da criao do Universo era o vazio

    mais completo que possamos imaginarno existia, ento,

    nem espao, nem matria. Era um mundo sem lugar,

    sem durao neni eternidade, sem nmero aquilo a

    que os matemticos chamam o conjunto vazio.

    Todavia, este vazio inconcebvel transformou-se num pleno

    de existnciauma consec]uncia necessria das leis

    fsicas. Onde esto essas leis escritas neste vazio? O que

    que diz ao vazio que contm em si uni Universo possvel?

    Pareceria c]ue mesmo o vazio estava sujeito a uma

    lei, a uma lgica anterior ao tempo e ao espao^\ .

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    para sempre. Por exemplo, as leis que regem a cristalizao

    do acar podem ter surgido no instante em que as primeiras

    molculas de acar se cristalizaram pela primeira vez algures

    no Universo; podem s ter adquirido o seu carcter universal

    e imutvel depois desse instante. Ou talvez as leis da naturezatenham evoludo a par dela, e talvez continuem ainda a

    evoluir. Talvez a prpria ideia de leis seja inadequada e se

    tratem, na verdade, de hbitos.

    32

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    o conceito das leis da natureza metafrico. Baseia-se numa

    analogia com as leis humanas, que so regras de conduta

    vinculativas

    decretadas por autoridades e que se aplicam a quem quer queesteja submetido jurisdio dessa autoridade soberana. No sculo

    XVII, a metfora era bastante explcita: as leis da natureza

    tinham

    sido concebidas por Deus, o Senhor de toda a Criao. As suas leis

    eram imutveis; eram vlidas em todo o lado e para sempre.

    Embora muitos j no acreditem num tal Deus, as suas leis

    universais sobreviveram-lhe. Se nos dermos ao trabalho de

    considerar

    a sua natureza, aperceber-nos-emos bem depressa de que

    so misteriosas. Regem a matria e o movimento, mas elas mesmas

    no so nem materiais nem esto em movimento; transcendem,

    de facto, o domnio da experincia sensorial. No possuem

    fonte ou origem fsica. De facto, mesmo na ausncia de Deus,

    partilham muitos dos seus atributos tradicionais. So

    omnipresentes,

    imutveis, universais e bastam-se a si mesmas. impossvel

    dissimular-lhes seja o que for e nada escapa ao seu domnio.

    As leis eternas da natureza faziam sentido visto serem ideias

    no esprito divino, e foi assim que as apreenderam os pais da

    cincia moderna. Ainda pareciam fazer sentido quando regiamum Universo eterno de que tinha sido expurgado o esprito de

    Deus. Mas, ser que ainda tm sentido num Universo em evoluo,

    produto de urri big bang?

    Se considerarmos, de novo, a fonte da nossa metfora, a saber

    os sistemas legislativos humanos, constataremos imediatamente

    que as leis reais se desenvolvem e evoluem efectivamente. Odireito

    civil, na tradio inglesa, rege uma parte importante da nossa

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    existncia, assente em costumes ancestrais e precedentes

    judicirios;

    no parou de se desenvolver medida que se modificavam

    as circunstncias e que se manifestavam situaes novas. Em

    todos os pases so promulgadas leis novas, so modificadas ourevogadas leis antigas pelas autoridades em funes. Os governos

    constitucionais esto eles mesmos sujeitos a leis constitucionais

    que se modificam e evoluem. De vez em quando, antigas

    constituies

    so eliminadas por revolues e substitudas por novas,

    elaboradas por especialistas em direito constitucional. Aplicamos,

    de facto, esta mesma ideia cincia, quando falamos de revolues

    cientficasuma outra metfora. Estas estabelecem novas

    constituies cientficas, em que se enquadram leis cientficas.

    33

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    Para prolongarmos esta metfora legal, deveramos supor

    que o mundo actual em evoluo regido por um sistema de

    direito civil natural, em vez de por um sistema legislativo

    preestabelecidodesde a origem, maneira de um cdigo napolenico

    universal.

    Mas ento, qual o correspondente do sistema judicirio

    que estabelece os precedentes? Quem (ou o qu) promulgou a

    constituio do big bang em primeiro lugar? Que fora, ou que

    autoridade, zela pela sua aplicao? Estas perguntas surgem

    inevitavelmente porque esto implcitas na metfora legislativa.

    Leis implicam legisladores e so mantidas pelo poder da

    autoridade. Se recusarmos a ideia de que as leis da natureza

    so concebidas e mantidas por Deus, deveremos perguntar: ento,

    o que foi que as criou e como se preservaram?

    Muitos filsofos afirmaro que estas perguntas no tm sentido.

    Do ponto de vista da tradio empirista, as nossas leis da

    natureza so, de facto, conceitos humanos que se referem,

    exclusivamente,

    a regularidades que os cientistas observam, descrevem

    e modelizam. So desprovidas de existncia real, objectiva.

    So teorias e hipteses sediadas no esprito humano^". ,

    pois, insensato interrogarmo-nos como adquiriram o estatuto

    de realidades objectivas ou que fora zela pelo seu respeito.

    Mas, ento, que dizer das regularidades observveis a que

    se referem estas leis? Em que fundamento assentam as regularidades

    da natureza? No podem depender de leis naturais se estas

    no passarem de produtos do esprito humano. Por outro

    lado, no existe qualquer razo vlida para supor que essas

    regularidadessejam eternas. As regularidades no seio de um

    Universo evolutivo evoluem: eis o que significa a evoluo.

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    O DESENVOLVIMENTO DOS HBITOS

    Se as regularidades da natureza no so regidas por leis

    transcendentais,no poderiam ser semelhantes a hbitos? Os hbitos

    desenvolvem-se com o tempo; dependem dos acontecimentos

    anteriores e da sua frequncia. No so, de modo algum,

    predeterminados

    por leis eternas independentes dos factos reaise,

    mesmo, independentes da existncia do Universo. Os hbitos de-

    34

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    sen volvem-se dentro da natureza; no so impostos j prontos ao

    naundo. Deste modo, os cristais de acar formam-se, por exemplo,

    da maneira que nos familiar, porque inmeros cristais de

    acar j se formaram desta maneira no passado.

    De facto, a possibilidade de que as regularidades da natureza

    sejam mais hbitos do que produtos de leis transcendentais

    constitui o prprio objecto deste livro. O nosso trabalho inte-

    grar-se- no mbito de uma hiptese especfica que se presta a

    verificaes cientficas: a hiptese da causalidade formativa, a

    qual ser pormenorizada no captulo 6 e nos captulos seguintes.

    A ideia geral que pretende que a natureza habitual, no ,

    contudo, nova: j foi antes testada e foi objecto de uma discusso

    aprofundada por volta do final do sculo passado e no incio

    deste. Mas a vaga de interesse que levantou diminuiu depois

    da Primeira Guerra Mundial. Esta noo passou de moda

    e caiu no esquecimento. Porqu?

    Os hbitos da natureza foram concebidos dentro de um esprito

    evolucionista e no do ponto de vista de uma eternidade

    terica. Deste modo, h cerca de um sculo, o filsofo americano

    C. S. Peirce observou que a ideia de leis fixas, imutveis,

    impostas

    desde a origem ao Universo, incompatvel com uma filosofia

    evolucionista consistente. Na sua opinio, as leis da natureza

    eram mais semelhantes a hbitos. A tendncia para formarhbitos desenvolve-se espontaneamente como se segue:

    Os seus primeiros germes so frutos do puro acaso. Havia leves

    tendncias para respeitar regras estabelecidas por outros e,

    depois, estas tendncias adquiriram fora de leis pela sua prpria

    acoi7

    Para Peirce, a lei do hbito a lei do esprito e concluiuque o cosmos em expanso estava vivo. A matria no passa

    de esprito abafado por hbitos que se desenvolveram a tal

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    ponto que se tornou extremamente difcil elimin-losi.

    Na mesma poca, o filsofo alemo Friedrich Nietzsche chegou

    a sugerir que as leis da natureza no apenas evoluem,

    mas ainda esto sujeitas a uma espcie de seleco natural:

    No incio das coisas, podemos ter de depreender, como

    a forma mais geral da existncia, um mundo que ainda

    no era n\ecnico, que estava acima de todas as leis mec-

    35

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    nicas, apesar de ter acesso a elas. Assim, a origem do

    mundo mecnico seria um jogo sem leis que acabaria por

    adquirir a consistncia que as leis orgnicas parecem ter

    agora... Todas as nossas leis mecnicas no seriam eternas,mas evoluiriam e teriam sobrevivido a inmeras leis

    mecnicas alternativas^^.

    Algum tempo mais tarde, William James escrevia num sentido

    semelhante a Peirce:

    Se (...) se considerar a teoria da evoluo de uma maneira

    radical, convm aplic-la no apenas aos estratos

    rochosos, aos animais, aos vegetais, mas tambm s estrelas,

    aos elementos qumicos e s leis da natureza. -se

    tentado a imaginar uma longnqua antiguidade, durante

    a qual o Universo foi verdadeiramente catico. Pouco a

    pouco, algumas coisas e hbitos coerentes emergiram do

    conjunto das possibilidades fortuitas da poca, e assim se

    manifestaram os rudimentos da regularidade^".

    Outros filsofos defenderam ideias semelhantes cerci do final

    do sculo XIX e incio do xx2i, mas, pouco a pouct), as suas

    vozes calaram-se. Os fsicos, com efeito, agarravam-se viso

    de um Universo eterno regido por leis eternas; esta ideia ganhou,

    alis, novo alento graas teoria geral da relatividade de

    Einstein. Este postulou um Universo no relativo, mas absolutoe eterno. Os acontecimentos no seio deste Universo eram relativos

    uns em relao aos outros; mas a realidade que formava o

    pano de fundo era imutvel. No esqueamos que foi preciso

    esperar pelos anos 60 para que uma cosmologia evolucionista

    adquirisse uma posio predominante na fsica.

    A noo de hbito tambm foi explorada na biologia. Os organismosvivos parecem conter uma espcie de memria. O desenvolvimento

    dos embries presentes no passa, de facto, de

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    uma repetio do dos seus antepassados. Os animais possuem

    instintos que parecem encarnar experincias ancestrais. Todos

    os animais so, por outro lado, capazes de aprendizagem;

    desenvolvem

    hbitos que lhes so prprios. Samuel Butler de-

    36

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    monstrou esta questo com uma clareza admirvel, h cerca de

    cem anos. A memria, conclui, em Life and Habit, a

    caracterstica

    fundamental da vida: A vida essa propriedade da matriaque lhe permite lembrar-sea matria capaz de se lembrar

    est viva. A matria incapaz de se lembrar, est morta. Dois

    anos mais tarde, em Unconscious memory, foi mais longe: No

    consigo imaginar uma matria totalmente desprovida de memria,

    uma matria que no esteja viva face ao que consegue

    recordar. No vejo como uma aco, seja ela qual for, seria

    concebvel

    sem supor que cada tomo conserva a lembrana de determinados

    antecedentes22.

    Durante o desenvolvimento, os embries passam por fases

    que lembram as formas embrionrias de tipos ancestrais distantes;

    o desenvolvimento de um organismo individual parece,

    de uma certa maneira, ligado ao conjunto do processo evolutivo

    que lhe deu origem. Os embries humanos, por exemplo,

    passam por uma fase tipo peixe, com fendas branquiais

    (Fig. 1.1.). Butler via nisto uma manifestao da memria que o

    organismo tem da sua histria anterior. O pequeno vulo, sem

    estrutura, fecundado, de que todos somos oriundos, encerra a

    lembrana potencial de tudo o que aconteceu a cada um dos

    seus antepassados23.

    Os bilogos discutiram amplamente estas ideias at aos anos

    20 24 e a teoria que pretende que a hereditariedade uma forma

    de memria orgnica inconsciente^s, foi objecto de um estudo

    pormenorizado2&. Mas, com o desenvolvimento da gentica,

    a hereditariedade pareceu dever explicar-se em termos de

    genes formados de molculas complexas. Sabe-se, hoje, que o

    material gentico composto de ADN. A memria, de que falaramButler e outros, estava, afinal, incorporada numa matria

    inerte e era produzida de maneira mecanicista. A noo de hbitos

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    de forma e de comportamento inatos desapareceu do

    campo da biologia.

    Todaviae veremos isso mais em pormenor nos captulos

    4 e 8todos os xitos da gentica, da biologia molecular, daneurofisiologia, etc, nem sempre permitiram aos bilogos explicar,

    em termos mecanicistas, o desenvolvimento dos embries,

    assim como a transmisso dos instintos. Os genes qumicos e a

    37

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    PEIXE

    TARTARUGA

    FRANGO

    COELHO

    HOMEM

    Fig. 1.1 Desenvolvimento embrionrio de cinco espcies de

    vertebrados,

    ilustrando as semelhanas impressionantes registadas durante as

    primeiras fases do desenvolvimento. Reparem nas fendas braquiais

    entre o olho e o membro anterior (segundo Haeckel, 1892).

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    sntese de protenas especficas tm, sem contestao, algo a ver

    com isso. , contudo, permitido interrogarmo-nos: como que

    a transmisso de um conjunto especfico de genes qumicos e a

    sntese de certas protenas do conta da migrao das andorinhas,que abandonam as nossas regies pelo Sul de Africa, nas

    vsperas do Inverno e regressam ao nosso pas na Primavera?

    Ningum est em condies de responder a esta pergunta.

    Ningum sabe como que os instintos se transmitem, como

    que os hbitos se desenvolvem, como que a memria funciona.

    E, evidentemente, a prpria natureza do esprito permanece

    obscura.

    Em suma, todos estes aspectos da vida permanecem profundamente

    obscuros. Muitos bilogos esto persuadidos de que o

    vu do mistrio se erguer mais cedo ou mais tarde e que

    encontraro

    uma resposta mecanicista para todas estas perguntas.

    Ou seja, estaro em condies de tudo explicar em funo de

    modelos fsicos e qumicos e de tudo compreender em funo

    das propriedades eternas da matria, dos campos e da energia.

    Tornar-se-, ento, intil invocar uma memria ou campos no

    materiais misteriosos que evoluem com o tempo. Poder-se-ia,

    em contrapartida, voltar hiptese das leis da natureza eternas,

    que transcendem o tempo e o espao.

    Como a viso da eternidade inspirou as teorias da fsica durantetantos sculos, continua a ser uma fora poderosa e se

    quisermos compreender por que razo assim, temos de nos

    debruar sobre a sua histria. Faremos isso no captulo seguinte;

    depois, no Captulo 3, interessar-nos-emos, de novo, pela viso

    evolucionista da realidade, uma viso que no pra de tomar

    amplitude e que se revela mais poderosa do que a viso de

    uma eternidade fsica

    mesmo no cerne da fsica terica.

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    CAPITULO 2

    LEIS IMUTVEIS,

    ENERGIA PERMANENTE

    INTUIES DE UMA REALIDADE

    INTEMPORAL

    No mbito da nova cosmologia, qualquer realidade fsica

    evolutiva.

    A antiga noo de eternidade sobreviveu, contudo, no prprio

    conceito de leis eternas que transcendem o Universo fsico.

    Se nos interrogarmos acerca desta assuno constataremos

    que est firmemente enraizada. Mas, ser que existe uma razo

    concludente, para alm da fora da tradio, para que aceitemos

    a ideia de leis fsicas eternas? Como que, num Universo

    em evoluo, poderamos excluir a eventualidade de que as leis

    da natureza evolussem, tambm elas, ou de que a natureza

    possusse uma memria e que as suas regularidades dependessem

    do hbito?

    Estas perguntas e o simples facto de se colocarem, esto em

    ruptura radical com a tradio. Com efeito, desembocam,

    inevitavelmente,

    numa nova compreenso da natureza... da natureza.Implicam o levar at ao fim a mudana de paradigma j

    iniciada; a saber, a passagem da noo de eternidade fsica a

    uma concepo evolucionista do cosmos.

    A tradio exerce, contudo, um poder muitas vezes mais forte

    do que imaginamos, exactamente devido sua influncia ser em

    grande parte inconsciente. Se vamos pr em questo a hiptese deuma eternidade terica, ser bom que tenhamos conscincia das

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    longas tradies sobre as quais ela assenta. por isso que

    proponho

    examinar, neste captulo, o seu desenvolvimento histrico.

    A noo de uma eternidade fsicauma eternidade cia matria

    em movimento regida por leis eternasfoi-nos transmitida

    pela cincia mecanicista, mas est enraizada em tradies ainda

    mais antigas, cujas origens so mais msticas do que cientficas.

    A intuio de um estado de existncia intemporal, de uma

    realidade que nada altera, foi descrita, tanto quanto possvel,

    pelos msticos ao longo dos sculos. Para a maior parte daqueles

    que a experimentaram, esta viso de uma realidade imutvel

    era to poderosa, to evidente, que concluram c|ue o mundo

    em mudana da experincia c[uotidiana era, em certa medida,

    menos real do que ela. A impermanncia das coisas deste mundo

    apenas aparncia, reflexo, iluso. A todas as coisas est

    subjacente

    a realidade verdadeira que no nasce, nem morre.

    OS PITAGORICOS

    Uma das principais correntes de pensamento cientfico remonta

    comunidade religiosa grega fundada por Pitgcwas no

    sculo VI antes de Cristo. Os pitagricos eram influenciados por

    ideias originrias das antigas civilizaes do Egipto, da Prsia eda Babilnia. Veneravam o deus Apolo e respeitavam uma srie

    de prticas msticas.

    Tal como outros investigadores gregos, lanavam os olhares

    para alm do mundo em mudana da experincia quotidiana,

    em direco ao divino que, para eles, era concebido como o que

    no tinha nem comeo, nem fim. Descobriram este princpionos nmeros. Os nmeros eram divinos e constituam os princpios

    imutveis subjacentes ao mundo em mudana da experincia.

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    Eram os smbolos da ordem, os indicadores de posio,

    os determinantes da extenso espacial, assim comopelas

    suas relaes e proporesos princpios da lei naturaP.

    Conta-se que o prprio Pitgoras se encontra na origem dadescoberta das leis numricas da harmonia. As propriedades das

    cordas tensas so tais que a relao de comprimentos 1:2, d a

    oitava;

    a relao 3:2, a quinta, e 4:3, a quarta. Pitgoras constatou

    42

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    que estas relaes no se aplicavam apenas s cordas em tenso,

    mas tambm aos metais e s flautas. So, portanto, propores

    harmnicas susceptveis de serem expressas com exactido e

    compreendidas pela razo, ao mesmo tempo que so audveis.Esta descoberta fornece uma sntese espantosa de qualidade e

    quantidadesom e nmerocomplementada por uma outra

    sntese, a da aritmtica e da geometria, onde relaes e

    propores

    numricas podiam ser vistas e ilustradas por figuras geomtricas.

    Deste modo, as relaes e as propores eram perceptveis

    directamente pelos sentidos e, ao mesmo tempo, compreendidas

    como princpios intemporais, fundamentais. O prprio cosmos

    aparecia como um amplo sistema harmonioso de relaes.

    Pitgoras teria pretendido ouvir esta msica csmica, a harmonia

    das esferas, apesar de no com o ouvido vulgar2.

    A experincia mstica pitagrica no estava em conflito, mas

    em harmonia, com a razo; com efeito, esta era considerada, acima

    de tudo, como a aptido para conhecer as propores e as relaes.

    De facto, esta intuio contribuiu para moldar a compreenso

    grega do racionalou seja, aquilo que diz respeito s

    relaes. A razo torna-se o aspecto mais elevado da alma, que

    no s est prximo do divino como participa da natureza divina.

    Segundo a cosmologia pitagrica, existiam dois primeiros

    princpios primordiais, peras e apeiron, que poderamos traduzir,grosseiramente, por Limitado e Ilimitado. Estes opostos primrios

    produziram o Um por imposio de limites ao

    Ilimitado. K4as uma parte do Ilimitado permaneceu exterior ao

    cosmos enquanto vazio, que o Um respirava para preencher o

    espao entre as coisas^. Do Um, que , ao mesmo tempo mpar

    e par, originaram-se os nmeros. Estes so a substncia do cosmos,

    ao mesmo tempo causa e substrato, modificaes e estadosdas coisas que existem.

  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    Embora os pitagricos sejam, muitas vezes, considerados como

    modelos de cientistas naturais, estavam, de facto, ancorados

    numa experincia mstica, pr-cientfica do mundo. Nas

    culturas que no conhecem a escrita, os nmeros no so conceitos

    abstractos, mas seres misteriosos animados de uma vidaprpria. Cada nmero possui o seu carcter particular, uma

    espcie de atmosfera mstica e de 'campo de aco' prprio.

    43

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    o pitagorismo levou ao extremo tal misticismo dos nmeros,

    tal como se encontra, sob uma ou outra forma, nas culturas

    tradicionais do mundo inteiro4.

    A viso pitagrica continua a fascinar e no unicamente por

    causa dos mtodos racionais da matemtica, nem dos xitos

    alcanados

    pela fsica matemtica. O mais importante esse

    sentimento de que existe uma espcie de conhecimento que penetra

    no corao do Universo e desvenda a verdade como algo

    beatfico e tranquilizador, e apresenta o ser humano enraizado

    numa harmonia universals.

    Esta viso foi regularmente retomada pelos matemticos e

    dentistas ao longo dos sculos e inspirou a maior parte dos

    fsicos

    mais importantes, nomeadamente Albert Einstein^.

    PLATONISMO, ARISTOTELISMO

    E A EMERGNCIA DA CINCIA OCIDENTAL

    As intuies dos pitagricos exerceram uma influncia profunda

    sobre Plato e a tradio platnica. Impressionado pela certeza

    que as matemticas ofereciam, Plato considecm'que o

    conhecimento deveria ser real, unitrio e imutvel. Todavia, omundo abunda em entidades em mudana. Estas deveriam ser,

    por conseguinte, de uma determinada maneira, reflexos de

    Formas, de Ideias, ou de essncias eternas, as quais existem fora

    do espao e do tempo, independentemente de todas as manifestaes

    particulares no mundo da experincia sensorial. As Formas

    eternas no podem ser percebidas pelos sentidos, mas apenas

    apreendidas pela intuio intelectual. Esta intuio no alcanvel

    pelo simples pensamento, mas sim pela intuio mstica.

  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    Dentro deste esprito, entidades particulares, como por

    exemplo um cavalo, imitam, participam em, ou so moldadas

    por, a sua Forma, neste caso a Ideia-de-Cavalo. E isto a essncia,

    o que significa ser um cavalo; , por outras palavras, a ca-validade eterna. Esta concepo de Ideias eternas continuou a

    ser o elemento central da tradio platnica e neoplatnica; no

    neoplatonismo cristo, que se desenvolveu no Imprio Romano

    44

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    desde os primeiros sculos da era crist, as Formas platnicas

    foram concebidas como Ideias no Esprito de Deus.

    O aristotelismo a outra grande tradio filosfica legadapelo mundo clssico cristandade. Aristteles, estudante de

    Plato, negou a existncia das Formas transcendentes; para ele,

    as formas de entidades de tipos particulares eram inerentes s

    ditas entidades. A forma da espcie cavalo, por exemplo,

    existia em animais particulares, conhecidos sob o nome de cavalos,

    mas no numa qualquer Ideia-de-Cavalo transcendente.

    A filosofia de Aristteles era animista. Julgava a natureza

    animada e todos os seres vivos dotados de psiques, ou de almas.

    Estas no eram transcendentes, como as ideias de Plato,

    mas imanentes aos seres vivos reais. Deste modo, a alma de

    uma faia dirigia o plano de crescimento em direco forma

    madura da sua espcie, em direco florao, frutificao e

    produo de sementes. A alma da faia dava matria da rvore

    a sua forma e guiava o seu desenvolvimento progressivo. As almas

    encerravam a finalidade do desenvolvimento e do comportamento

    dos organismos vivos; conferiam-lhes as suas

    formas e razes de ser e eram a fonte da sua actividade

    finalista^.

    No sistema aristotlico, os processos naturais da mudana

    eram impelidos em direco a objectivos ou fins imanentes natureza, a qual era viva e animada de desgnios naturais. At

    mesmo as pedras tinham um objectivo ao carem: voltar terra,

    que o seu lugar prprio.

    Contudo, as formas e desgnios das coisasos fins em que

    as suas almas se actualizam, para empregar a terminologia

    aristotlicaeram imutveis. As almas no evoluam. A sua natureza

    era fixa.

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    Na Europa, na Idade Mdia, surgiu uma grande sntese da filosofia

    aristotlica e da teologia crist. Foi exposta de maneira

    sistemtica

    por Toms de Aquino no sculo xiii e desenvolvida nasuniversidades medievais. Segundo esta filosofia escolstica, a

    natureza

    era animada e os inmeros seres vivos possuam uma

    alma, criada por Deus e, por conseguinte, imutvel desde a sua

    criao. Em contrapartida, produzira-se, no reino humano, um

    processo de desenvolvimento progressivo, revelado pela histria.

    45

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    dirigida pelo divino, dos Judeus e, sobretudo, pela encarnao de

    Deus na pessoa de Jesus Cristo. A viagem da humanidadedepois

    do Pecado Original e da expulso do jardim do denem

    direco a um conhecimento novo de Deus foi cantada pelos profetasde Israel; Deus, ao fazer-se honrvem, tornou-o evidente e os

    homens, ao colocar a f nos desgnios divinos, perpetuaram-no.

    Mas s os seres humanos eram capazes de evoluir desta maneira;

    as almas dos vegetais, dos aniniais e dos outros seres vivos eram

    incapazes. Permaneceram e permanecero assim at ao fim deste

    mundo, tal como no dia da sua criao.

    Esta filosofia animista cristianizada passou a ser a ortodoxia

    dominante das universidades medievais; continuou a ser

    ensinada nas universidades europeias at ao sculo xvri e

    mesmo depois; de facto, continua a ser ensinada, sob uma

    forma modernizada, em muitos seminrios catlicos romanos.

    Na altura do Renascimento, no entanto, as tradies pitag-

    ricas e platnicas conheceram um grande aumento de adeso.

    Os fundadores da cincia moderna tiraram delas a sua inspirao;

    partiram das suas suposies quanto s Ideias eternas e

    incorporaram-

    nas nos fundamentos da sua cincia. Rejeitaram,

    simultaneamente, a filosofia aristotlica.

    DE NICOLAU DE CUSA A GALILEU

    No sculo XV, o matemtico Nicolau de Cusa elaborou uma

    concepo pitagrica do mundo que exerceu uma influncia

    persistente sobre a filosofia natural dos sculos xvi e xvii. Viu

    no mundo uma harmonia infinita em que todas as coisas tinham

    as suas propores matemticas. Para ele, o conhecimento sempre medida. E a cognio consiste em determinar

    relaes e s , pois, acessvel pelos nmeros. Pensava que o

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    nmero o primeiro modelo das coisas no esprito do

    criador**, que todo o conhecimento certo acessvel ao homem

    deve ser de natureza matemtica'*.

    Coprnico partilhava estas opinies e adquiriu a convicode que todo o Universo era formado de nmeros. Por conse-

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  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    guinte, o que verdade num plano matemtico tambm real

    ou astronomicamente verdadelo. Procedeu a um estudo pormenorizado

    dos antigos escritos dos astrnomos pitagricos e

    fez sua uma velha ideia da sua tradio: a Terra no o centrodo cosmos, gira em redor do Sol. Segundo a teoria ortodoxa da

    poca, a Terra era uma esfera em redor da qual a Lua, o Sol, os

    planetas e as estrelas se deslocavam numa srie de esferas

    concntricas.

    As razes pelas quais Coprnico adoptou uma viso

    heliocntrica do Universo tm a ver, para alm do respeito que

    sentia pelo Sol, com o fascnio intelectual que esta ideia exercia

    sobre ele:

    Quem, no nosso maravilhoso templo, poderia situar

    esta luz num lugar diferente ou melhor, do que aquele de

    onde ilumina o mundo? Sem falar do facto de que alguns

    lhe chamam, com razo, a luz do mundo, outros a alma,

    outros ainda o governador".

    Com base nesta suposio, calculou as rbitas da Terra e dos

    planetas e descobriu que lhe permitiam elaborar uma geometria

    mais racional e harmoniosa dos cus. A atraco intelectual

    desta teoria provocou o interesse dos matemticos e valeu-

    -Ihe o seu apoio, mas passaram mais de sessenta anos antes que

    a teoria de Coprnico pudesse ser apoiada de maneira mais

    emprica.

    Kepler conta-se no nmero dos adeptos entusiastas desta

    viso matemtica. Tambm ele estava penetrado da convico

    de que o Sol ocupava uma posio central, o Sol cuja essncia

    no seno a luz mais pura. Considerou-o como o primeiro

    princpio e o primeiro motor do Universo. S o Sol parece, em

    virtude da sua dignidade e fora, indicado para cumprir estedever motor e tornar-se a casa do prprio Deus12. Constatou

    com prazer que as rbitas dos planetas apresentavam uma

  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    vaga semelhana com as esferas hipotticas que podiam

    ser inscritas nos cinco slidos regulares de Plato (tetraedro,

    octaedro, cubo, icosaedro e dodecaedro, Fig. 2.1) e

    circunscrev-

    los.

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  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    Figura 2.1 O sistema solar segundo Kepler aparece como um

    sclido platnico

    circunscrito por um outro, correspondendo os raios das esferas

    concntricas intermdias s rbitas dos planetas.

    A sua terceira lei (os quadrados dos perodos de revoluo

    sideral dos planetas so proporcionais aos cubos da sua distncia

    mdia ao sol), publicada no seu Harmonices Mundi (1619),

    inscrevia-se num longo processo que visava determinar a msica

    das esferas segundo leis precisas e exprimi-la sob a forma

    de notao musical. Mas no se contentou em registar estas

    relaes matemticas: acreditou que a harmonia descoberta nos

    factos observados era a causa destes factos, a razo pela qual

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  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    so o que so. Deus criou o mundo de acordo com o princpio

    dos nmeros perfeitos; em consequncia, as harmonias matemticas,

    no esprito do criador, fornecem a causa pela qual o

    nmero, a dimenso e o movimento das rbitas so tais comoso e no de outra maneira".

    Para Kepler, o nosso conhecimento sensorial das coisas era

    obscuro, confuso e pouco fivel; as nicas caractersticas do

    mundo susceptveis de darem um conhecimento certo so as

    suas propriedades quantitativas; o mundo real a harmonia

    matemtica que se verifica nas coisas. As qualidades mutveis

    que experimentamos situam-se a um nvel de realidade inferior;

    no existem, verdadeiramente, enquanto tais. Deus criou o

    mundo de acordo com as harmonias numricas; foi por isso

    que concebeu o esprito humano de maneira tal que no pode

    ter conhecimentos certos a no ser atravs da quantidade.

    Tambm para Galileu a natureza aparecia como um sistema

    simples, ordenado, no qual tudo correspondia a uma necessidade

    inexorvel; ela no age seno por meio de leis imutveis

    que nunca transgride. Esta necessidade derivava do seu

    carcter essencialmente matemtico:

    A filosofia est escrita nesse grande livro que temos

    sempre debaixo dos olhos (falo do Universo) mas, para

    compreend-la preciso, em primeiro lugar, aprender alinguagem e decifrar os caracteres em que est escrita.

    Este livro est escrito em linguagem matemtica e os seus

    smbolos so tringulos, crculos e outras figuras geomtricas

    sem os quais este texto permanece letra morta para

    os homens; sem os quais s podem girar em vo dentro

    de um labirinto obscuro^"'.

    Esta ordem matemtica devia-se a Deus, que dotou o mundo

    da sua necessidade matemtica rigorosa e permitiu aos homens

  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    acederem a uma certeza absoluta em matria de saber

    cientfico, graas ao mtodo matemtico.

    Galileu estabeleceu, pois, uma distino clara entre aquilo

    que absoluto, objectivo, imutvel, matemtico e aquilo que relativo, subjectivo e flutuante. O primeiro o domnio do co-

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  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    nhecimento, humano e divino; o outro, o da opinio e da iluso.

    Os objectos que conhecemos atravs dos nossos sentidos

    no so os objectos reais, matemticos; nem por isso deixam de

    possuir determinadas qualidades que, sujeitas a regrasmatemticas,

    levam a um conhecimento verdadeiro. So as qualidades

    reais, ou primrias, tais como o nmero, a grandeza, a posio

    e o movimento. Todas as outras qualidades, que predominam

    para os sentidos, so efeitos secundrios, subordinados s

    qualidades primriasso subjectivas. Estes gostos, odores,

    cores, etc, ligados ao objecto no qual parecem existir, no passam

    de palavras e s tm existncia nos corpos sensveis; de

    forma que, se o animal desaparecer, cada uma destas qualidades

    ser abolida, aniquilada^^.

    Esta distino foi de grande importncia para o desenvolvimento

    posterior da cincia; representou um passo importante

    para banir a experincia humana directa do domnio da natureza.

    Antes de Galileu, parecia estabelecido que a humanidade e

    a natureza faziam parte integrante de um todo mais amplo.

    Agora, todos estes aspectos da experincia que no podiam ser

    reduzidos a princpios matemticos estavam excludos do mundo

    objectivo, exterior. A nica coisa que subsistiu em comum entre

    os seres humanos e o universo matemtico foi a aptido dos homens

    para apreenderem a ordem matemtica das coisas.

    DESCARTES E A FILOSOFIA MECANICISTA

    Descartes levou esta teoria matemtica da realidade a um

    extremo de onde continua a dominar a cincia ocidental. Havia,

    por um lado, um Universo material, que se estendia no espao

    matemtico e era inteiramente regido pelas leis matemticas e,

    por outro, os espritos humanos racionais que, semelhana dode Deus, eram de natureza no material. Eram substncias

    espirituais

  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    sem extenso espacial.

    Todos os vegetais e animais se tornaram mquinas inertes,

    assim como os corpos humanos. S os espritos racionais eram

    no mecnicoseram espirituaise os espritos humanospossuam a capacidade divina de apreender a ordem matemtica

    do mundo. O conhecimento matemtico era certo e verdadeiro.

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  • 7/27/2019 Ressonancia Morfica -Rupert Sheldrake

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    Descartes alimentava um interesse profundo pelas matemticas

    desde a juventude, mas a sua f foi o produto de uma experincia

    mstica que marcou uma verdadeira viragem na sua

    existncia. Na vspera do Saint-Martin de 1619, Descartesencontrava-

    se em Neuberg, no Danbio. O Anjo da Verdade apareceu-

    lhe em sonhos e confiou-lhe que as matemticas constituam

    a nica chave necessria para desvendar o