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1 RENÚNCIA FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER ROMANCE DITADO PELO ESPÍRITO EMMANUEL Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version

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  • 1RENNCIAFRANCISCO CNDIDO XAVIER

    ROMANCE DITADO PELO ESPRITO EMMANUEL

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  • 2NDICE

    VELHAS RECORDAES

    PRIMEIRA PARTECAPTULO 1 = Sacrifcios do amorCAPTULO 2 = Anseios da mocidadeCAPTULO 3 = A caminho da AmricaCAPTULO 4 = A varolaCAPTULO 5 = Na infncia de AlcioneCAPTULO 6 = Novos rumosCAPTULO 7 = Caminhos de luta

    SEGUNDA PARTECAPTULO 1 = O padre CarlosCAPTULO 2 = Novamente em ParisCAPTULO 3 = Testemunhos de fCAPTULO 4 = ReencontroCAPTULO 5 = Provas redentorasCAPTULO 6 = Solido amargaCAPTULO 7 = A despedida

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  • 3VELHAS RECORDAES

    Quem poder deter as velhas recordaes que iluminam os caminhos daeternidade?

    Lembramo-nos de Alcione, desde os dias de sua infncia. Muitas vezes avi, com o Padre Damiano, num velho adro de Espanha, passeando ao pr doSol.

    No raro, levantava o semblante infantil para o cu e perguntava,atenciosa:

    Padre Damiano, quem ter feito as nuvens, que parecem flores grandese pesadas, que nunca chegam a cair no cho?

    Deus minha filha dizia o sacerdote.Mas, como se no corao pequenino no devesse existir esquecimento

    das coisas simples e humildes, voltava ela a interrogar:E as pedras? quem teria criado as pedras que seguram o cho? Foi Deus tambm.Ento, aps meditar de olhos mergulhados no grande crepsculo, a

    pequenina exclamava: Ah! como Deus bom! Ningum ficou esquecido!E era de ver-se a sua bondade singular, o interesse pelo dever cumprido,

    dedicao verdade e ao bem.Cedo compreendi que a famlia afetuosa de vila se constitua de amizades

    vigorosas, cujas origens se perdiam no tempo.Os anos minutos do relgio da eternidade correram sempre

    movimentados e cheios de amor. A criana de outros tempos tornara-se nabenfeitora cheia de sabedoria. Sua vida no representava um feixe de atoscomuns, mas um testemunho permanente de sacrifcios santificantes. Desde aprimeira juventude, Alcione transformara-se em centro de afeies, em fonte deluz viva, onde se podiam vislumbrar as claridades augustas do Cu. Suaconduta, na alegria e na dor, na facilidade e no obstculo, era um ensinamentogeneroso, em tdas as circunstncias.

    Creio mesmo que ela nunca satisfez a um desejo prprio, mas nunca foiencontrada em desateno aos desgnios de Deus. Jamais a vi preocupadacom a felicidade pessoal; entretanto, interessava-se com ardor pela paz e pelobem de todos. Demonstrava cuidado singular em subtrair, aos olhos alheios,seus gestos de perfeio espiritual, porm queria sempre revelar as idiasnobres de quantos a rodeavam, a fim de os ver amados, otimistas, felizes.

    Minhas experincias rolaram deva garinho para os arcanos do Tempo, amorte do corpo arrastou-me a novos caminhos e, no entanto, jamais pude esquecer a meiga figura de anjo, em trnsito pela Terra.

    Mais tarde, pude beijar-lhe os ps e com preender-lhe a histria divina. Oresultado dsse conhecimento vibra neste esfro singelo, que no tempretenses a obra literria.

    Este um livro de sentimento, para quem aprecie a experincia humanaatravs do corao. Em particular, falar a todos os que se encontrem en-carcerados, sentenciados, esquecidos daquele amor que cobre a multido dospecados, consoante os ensinamentos de Jesus. A maioria dos aprendizes doEvangelho deixa-se tomar, em sentido absoluto, pelas idias de resgateescabroso, de olho por olho, ou, ento, pela preocupao de recompensas naTerra ou no Cu. Aqui, comentam-se reencarnaes criminosas; ali, esperam-

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  • 4se to s prantos amargos; alm, existem coraes anelantes de remansado eocioso pousio. A esperana e a responsabilidade parecem tesourosesquecidos. razovel que se no possa negar o carter incorruptvel daJustia, porm, no se dever esquecer o otimismo, a confiana, a dedicao etdas as energias que o amor procura despertar no mago das conscincias.

    Para as almas sinceras, que ainda solucem nos laos do desnimo edesalento, a histria de Alcione um blsamo reconfortador. Naturalmente queela prpria, qual amorosa viso da Espiritualidade eterna, emergir daspginas luminosas da sua experincia, perguntando ao leitor que se sintaoprimido e exausto:

    Por que retns a noo dos castigos implacveis, quando Nosso Pai nosoferece o manancial inexaurvel do seu amor? Por que atribuis tamanhaimportncia ao sofrimento? Levanta-te! Esqueceste Jesus? J que o Mestrepadeceu por todos, sem culpa, onde ests que no sentes prazer em trabalhar,de qualquer forma, por amor ao seu nome?A psicologia de Alcione bem mais complexa do que se possa imaginar aoprimeiro exame. Na grandeza da sua dedicao, vemos o amor renunciando glria da luz, a fim de se mergulhar no mundo da morte. Com seu gesto divino,a Terra no apenas um lugar de expiao destinado a exlio amarguroso,mas, tambm, uma escola sublime, digna de ser visitada pelos gnios celestes.Dentro dos horizontes do Planta, ainda vigem a sombra, a morte, a lgrima...Isso incontestvel. Mas, quem seguir nas estradas que Alcione trilhou,converter todo esse patrimnio em tesouros opinos para a vida imortal.

    Aqui, pois, oferecemos-te, leitor amigo, to velhas recordaes.Cr, no entanto, que, por velhas, no so menos preciosas. So heranas

    sagradas do escrnio do corao, jias de subido valor que espalharemos asmo, recordando que, se muita gente presume haver alcanado os xitosretumbantes e a felicidade ilusria no campo vasto do mundo, em verdadeainda no aprendeu nem mesmo a estabelecer a vitria da paz, na experinciasagrada que se verifica entre as paredes de um lar.

    Pedro Leopoldo, 11 de janeiro de 1942.

    EMMANUEL

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  • 5PRIMEIRA PARTE

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  • 61Sacrifcios do amor

    Captulo 10, item 11

    A paisagem era formada de sombras, numa regio indefinvel na linguagemhumana. Substncias diferentes das que compem o solo terrestre constituama sua crosta sulcada de caminhos tortuosos entre arbustos mirrados, semelhana dos cactos prprios das zonas ridas. Os horizontes perdiam-seao longe, nas linhas escuras do quadro melanclico, como se aquela horaassinalasse pesado crepsculo.

    Fazia frio, agravado pelas rajadas fortes do vento mido, que soprava rijo,deixando no espao vaga expresso de doloroso lamento. O lugar dava aimpresso de triste pas de exlio, destinado a criminosos condenados a penasingratas.

    Entretanto, ouviam-se vozes que a ventania quase abafava, como deprisioneiros cheios de expectao e de esperana.

    Em singular e sombrio recncavo, pequeno grupo de espritos culpososcomentava largos projetos de atividades futuras. Suas tnicas exticas egrandes capuzes pareciam identific-los como estranhos ministros de um cultoignorado na Terra. Alguns se revelavam inquietos, taciturnos, outros deixavamtransparecer nos olhos enorme desalento.

    Agora dizia um que evidenciava posio de relvo necessitamosrenovar ideais, imprimir novo impulso nossa volio enfraquecida. O passadovai longe e faz-se imprescindvel arregimentar tdas as fras para as lutasque vm perto. A providncia misericordiosa do Todo-Poderoso nos concedeensanchas de novas experincias na Terra. Meditemos em nossas quedasdolorosas no redemoinho das paixes do mundo e firmemo-nos nos santospropsitos de triunfo. Quantos anos temos perdido em amarissimossofrimentos, no plano dos remrsos devastadores?... Recordemos as angstiasda via expiatria e agradeamos a Deus o ensejo de voltar s tarefaspurificadoras. Esqueamos a vaidade que nos envileceu o corao; a ambioe o egosmo que nos torturam a alma ingrata, e preparemo-nos para asexperincias justas e necessrias.

    A voz do locutor, porm, embargava-se afogada em lgrimas. A lembranadolorosa do passado empolgava o grupo de antigos sacerdotes desviados donobre caminho que o Senhor lhes havia traado.

    Iniciara-se a troca de impresses entre todos. Alguns expunhamdificuldades ntimas, outros comentavam a inteno de trabalhardevotadamente, at vitria.

    O que mais me impressiona proclamava um companheiro ofantasma do esquecimento que nos obscurece o espirito, l na Terra. Antes daexperincia, arquitetamos mil projetos de esfro, dedicao, perseverana;somos nababos de preciosas intenes, mas, chegado o momento de as exe-cutar, revelamos as mesmas fraquezas ou incidimos nas mesmas faltas quenos compeliram aos desfiladeiros do crime e das reparaes acerbas.

    Mas, onde estaria o mrito explicava o amigo a quem eram dirigidasaquelas observaes se o Criador no nos felicitasse com sse olvidotemporrio? Quem poderia aguardar o xito desejvel, defrontando velhosinimigos, sem o blsamo dessa bno celestial sbre a chaga da lembrana?Sem a paz do esquecimento transitrio, talvez a Terra deixasse de ser escola

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  • 7abenoada para ser ninho abominvel de dios perptuos. Entretanto objetava o interlocutor semelhante situao me

    atemoriza. Sinto enorme angstia s em pensar que perderei novamente amemria, que ficarei quase inconsciente de meu patrimnio espiritual, aopalmilhar as estradas terrestres, qual enterrado vivo a quem fsse subtraida afaculdade de respirar.

    Mas, como aprenderias a humildade com as reminiscncias ativas doorgulho? Poderias, acaso, beijar um filho, sentindo nele a presena de uminimigo figadal? Conseguirias, de pronto, a fora precisa para santificar, peloselos conjugais, a mulher que manchaste noutros tempos, induzindo-a aomeretrcio e s aventuras infames? No percebes, no olvido terreno uma dasmais poderosas manifestaes da bondade divina para com as criaturascriminosas e transviadas? Concordo em que a experiencia humana para quemobservou, mesmo de longe, como aconteceu a ns outros, as resplendnciasda vida espiritual, significa, de fato, a reparao laboriosa no seio de umsepulcro; mas ns, meu caro Menandro, estamos desde h muito mumificadosno crime. Nossa conscincia necessita do toque das expiaes salvadoras. Amorte mais terrvel a da queda, mas a Terra nos oferece a medicao justa,proporcionando-nos a santa possibilidade de nos reerguermos. Renasceremosem suas formas perecveis e, em cada dia da experincia humana, morreremosum pouco, at que tenhamos eliminado, com o auxlio da poeira do mundo, osmonstros infernais que habitam em ns mesmos...

    O amigo pareceu meditar aqules conceitos profundos e, dando aentender que se convencera, interrogou com ateno, encaminhando apalestra para outros rumos:

    - Quando se verificar nossa localizao definitiva nos fluidos terrestres,com vistas nova experincia?

    A qualquer momento. Como sabes, muitos dos nossos j partiram. Osbenfeitores de nosso destino, que advogaram a concesso de novas opor-tunidades ao nosso esfro remissor, j nos enviaram a mensagem derradeira,desejando-nos realizaes felizes nos trabalhos futuros.

    Nesse instante, sucedeu qualquer coisa que o grupo de almas sofredoras eesperanosas no conseguiu perceber. Uma forma luminosa descia do planoconstelado, semelhante a uma estria desprendida do imenso colar dos astrosda noite, que agora se caracterizava pela sombra mais envolvente e profunda.Quase ao tocar no centro da paisagem escura, tomou a forma humana, emborano se lhe pudesse determinar os traos fisionmicos, tal a sua aurola deofuscante esplendor. No entanto, como acontece no crculo das impresseshumanas condicionadas s necessidades de cada criatura, nenhum doscircunstantes lhe registrou, de maneira absoluta, a presena generosa, senomediante uma ntima alegria, permeada de santas esperanas. Ningumpoderia definir o sentimento de bom nimo que se estabelecera, de modogeral. Elevada perspectiva de vitria no porvir palpitava, agora, nasconversaes. Algum declarou que naquele instante, por certo, estavamdescendo novas bnos de Deus sbre o grupo antes receoso e abatido.

    Menandro e Plux, os dois amigos cuja palestra foi particularmenteregistrada, salientaram a sublime alegria que lhes inundava o corao e o maissanto entusiasmo perdurou, entre todos, at que a pequena assemblia sedissolveu em meio de comovedoras despedidas e compromissos sagrados.

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  • 8Plux, todavia, ainda ali ficou longos minutos a meditar na magnanimidadedo Altssimo e na magnitude do porvir. No percebia a presena da sublimeentidade envlta em luz, que se conservava a seu lado, em atitude carinhosa,mas profundas emoes se lhe apoderaram do esprito, conduzindo-o sreminiscncias do pretrito remoto. Naquele instante, sentia-se tocado porsentimentos intraduzveis. Por que razo havia cado tantas vzes ao longo doscaminhos humanos? Numerosas lutas sustentara, a fim de unir-se a Deus parasempre, atravs do amor purificado e divino. Experincias laboriosas haviaempreendido no Evangelho de Jesus, para servi-lo em esprito e verdade, econtudo, na luta consigo mesmo, as paixes subalternas sempre saamvencedoras, em sinistros triunfos. Em que constelao permaneceria Alcione, aalma de sua alma, vida de sua vida? E recordava as renncias e sacrifciosdela, em prol da sua redeno, lembrando que, se a sua alma de santa estavasempre repleta de abnegao, le, por si, fra quase invarivelmente frgil evacilante, agravando os prprios fracassos. Principiara, de alguns sculos, atarefa de resgate e aperfeioamento sob as claridades do Evangelho de Jesus-Cristo; procedera nobremente at certo ponto, mas, no instante de coroar aobra para a vida eterna, cara miservelmente, como criminoso comum.Desesperara-se. Chafurdara-se no lodo cruel. A revolta, porm, agravara-lheas penas ntimas, compelindo-o a ceder ante o crco apertado de novastentaes. Reme-morava, agora, a figura da alma bem amada, com lgrimasde amarguroso enternecimento. Sua memria parecia mais lcida. sua retinaespiritual, desenhavam-se os sculos transcorridos. Alcione sempre pura edevotada, le sempre incorrigvel e cruel. Nas ltimas experincias haviapedido o hbito de sacerdote do catolicismo romano, desejoso de entregar-seao ascetismo regenerador. Preferira tentar o esfro de abster-se dascomodidades santas de um lar, a fim de sofrer o insulamento e as neces-sidades profundas do corao, buscando gravar no esprito, com o ferrete depadecimentos ntimos, o amor acrisolado e fiel. Mas, nas recapitulaes pe-rigosas, tal propsito falhara sempre. Conspurcara os santurios, traira osdeveres santos, esquecera os compromissos sagrados e sara novamente domundo como criminoso revel. Plux considerou os erros do passado execrvele, premido pelas angstias da conscincia, comeou a chorar.

    Onde estava Alcione que parecia estranha s suas desventuras? Muitosanos haviam decorrido sbre as suas peregrinaes, como esprito desolado,entre remorsos acerbos, e nunca obtivera a dita de lhe beijar as moscarinhosas e benfeitoras. De quando em quando, recebia-lhe as mensagens deincitamento e confrto sagrado; no entanto, no conseguia saciar a saudadetorturante, nem evitar o prprio desalento do esprito cado no resvaladouro dasamarguras crueis.

    Em palestra com os amigos. Plux encontrava sempre poderososargumentos para convencer os mais rebeldes ou consolar os mais tristes. Suasvastas reservas de conhecimento conferiam-lhe recursos espirituais que osdemais no possuiam.

    E contudo, naquela hora da sua eternidade, sentia-se profundamente s edesventurado.

    Sob o jugo de atrozes recordaes, sentindo que o instante de retrno aoorbe terrqueo estava prximo, procurou o refgio caricioso da orao emurmurou baixinho, de olhos erguidos para o alto:

    Jesus, Mestre querido e generoso, concedei-me fras ao corao

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  • 9enfrmo e perverso!... Dignai-vos cerrar os olhos para as minhas fraquezas evde, Senhor, quanto sofro!... Fortalecei minha vontade vacilante e, sepossvel, meu Salvador, dai-me a graa de ouvir Alcione, antes de partir!.

    Mas, a essa evocao direta da bem-amada, o pranto lhe embargou aprece comovedora e dolorosa. Em atitude humilde, baixou os olhos nevoadosde lgrimas e soluou, discretamente, como se estivesse envergonhado daprpria dor.

    Nesse instante, a entidade amorosa que o assistia pareceu orarintensamente, despendendo notvel esfro para se lhe tornar visvel.Gradualmente, extinguiram-Se os raios de luz que a envolviam em reflexosdivinos. A sombra da paisagem cercou-a inteiramente, e uma jovem de singularbeleza tocou o penitente nos ombros, num gesto de ternura encantadora.

    Plux! murmurou com indizvel doura. le ergueu a fronte e soltouum grito de inefvel surprsa.

    Alcione!... Alcione!... respondeu com jbilo incoercvel, postando-sede joelhos ao mesmo tempo que lhe osculava as mos reconhecidamente.

    H quanto tempo me vejo privado dos teus carinhos! Meus dias somilnios de inenarrveis angstias. Vieste atender ao msero que sou?. .. Ah!sim, Deus sempre envia seus anjos aos desgraados, como enviou Jesus aospecadores...

    Levanta-te para o testemunho de amor ao Altssimo disse ela comanglica ternura ; no te julgues abandonado nos caminhos da regenerao.O Senhor est conosco, como estou sempre contigo. Anima-te para novasexperincias! Jesus no desampara nossos propsitos elevados. Sofre etrabalha, Plux, e, um dia, nos reuniremos para sempre na radiosa eternidade.Deus a fonte da alegria imortal, e quando houvermos triunfado de tda aimperfeio, banhar-nos-emos nessa fonte de jbilos infinitos.

    Ai de mim! replicou revelando amargurosa desesperana.No lamentes! tornou a entidade generosa no perseveres em lastimar,quando o Todo Poderoso nos faculta o direito de renovar o esfro para asdivinas conquistas. Novas tarefas te aguardam no seio amigo da Terragenerosa. Solicitaste uma oportunidade nova de consagrao a Deus, e aProvidncia te concedeu sse precioso ensejo.

    Sim esclareceu Plux desfeito em lgrimas roguei a recapituLaodo esfro dos sacerdotes devotados ao labor divino. Uma vez mais, querotentar as provas da abnegao e do ascetismo, na exemplificao do amor aoprximo. Mobilizarei tdas as minhas energias para avanar alguns graus nadistncia imensa que nos separa na escala evolutiva. Quero viver sem lar esem filhos carinhosos, quero conhecer a solido que muitas vzes jexperimentaste no mundo, nos estrnuos sacrifcios por mim. Minhas noitesho de ser desertas e tristes, caminharei junto dos que caem e padecem sbrea Terra, no propsito de servir a Jesus, atravs da sua seara de amor eperdo.

    Alcione contemplou-o embevecidamente, olhos mareados de pranto, numadoce emoo de jbilo e reconhecimento. As afirmativas e promessas doamado penetravam-lhe o corao como brandas carcias. De h muitotrabalhava com fervor pela obteno daquele minuto divino, em que Plux con-seguisse compreender e sentir o Mestre no corao antes de interpret-lointelectualmente, apenas.

    Jesus abenoar nossas esperanas exclamou afetuosa. Ns que

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  • 10

    samos juntos do mesmo spro de vida, chegaremos juntos aos braosamorveis do Eterno.

    Plux soluou convulsivamente.Esperar-te-ei disse ela atravs dos caminhos do Infinito. Lutarei ao

    teu lado nos dias mais speros, dar-te-ei as mos sbre os abismostenebrosos.

    Perdoaste-me, como sempre? interrogou Plux, voz entrecortada pelaemoo do encontro.

    Os que se amam fundem as almas no entendimento recproco. Deusperdoa, concedendo-nos a oportunidade da redeno, e ns nos compreende-mos uns aos outros.

    E, evidenciando o desejo de restaurar as energias do amado, continuou: Quantas vzes tambm ca nas estradas longas e rspidas. Acaso tenho

    um passado sem mcula?... No s o nico a padecer nos resgates justos epenosos. Milhes de almas, neste mesmo instante, clamam as desventuras doremorso e invocam as bnos do Altssimo para o trabalho retificador. E noser razo de infinita alegria a certeza da concesso divina para recomear?J recebeste a permisso do Senhor para o reincio da luta, avizinha-se oinstante bendito do retrno tarefa e pensaste, acaso, nas torturas imensas dequantos, neste minuto, se sentem oprimidos e amargurados, na expectativaansiosa de alcanar a ddiva que j obtiveste?.

    Plux contemplou-a reconfortado, mas, objetou melancolicamente Ah! sinto que poderia atingir culminnciaS nas necessrias reparaes;

    entretanto, Alcione, precisava para isso da tua constante assistncia. Sei quepreciso recorrer a provas difceis de abnegao e de ascetismo, mas... sepudesse, ao menos, ver-te na Terra... Serias, para a minha tarefa, a radiosaestrla dAlva e, noite, quando flussem do cu as bnos da paz, lembrar-me-ia de ti e encontraria nessa recordao o manancial da coragem e dosestmulos santos!.

    Ela pareceu meditar profundamente e redargiu: Implorarei a Jesus me conceda a alegria de voltar Terra a fim de

    atender ao meu ideal, que se constitui, aos meus olhos, de sacrossantosdeveres.

    Tu! Voltares? perguntou o precito, brio de esperana.Por que no? explicou Alcione com meiguice. O planta terrestre noser um local situado igualmente no Cu? Esqueceste o que a Terra nos temensinado qual me carinhosa, na grandeza de suas experincias? Muitasvzes, ns, na qualidade de filhos dela, manchamos-lhe a face generosa comdelitos execrveis e, entretanto, foi em seu seio que o Mestre surgiu namanjedoura singela e levantou a cruz divina, encaminhando-nos ao servio daremisso.

    Ah! se Deus permitisse ao msero penitente que sou disse Pluxdominado por indisfarvel alegria a ventura de ouvir-te no estreito circuloterrestre, acredito que nada teria a temer na senda reparadora...

    Alcione notou-lhe o surto de alegria transbordante e, ponderando-lhe asobservaes, palavra por palavra, obtemperou:

    - Antes da minha, precisars ouvir a voz do Cristo, e se Ele com suainfinita bondade permitir minha volta Terra, jamais olvidemos que vamos lregressar, no para auferir gozos prematuros, mas para sofrer juntos nocaminho redentor, at podermos desferir o vo supremo de felicidade e unio,

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  • 11

    em demanda de esferas mais altas. Na obra de Deus, a paz sem trabalho ociosidade com usurpao. No afastes os olhos do quadro de sacrifcios quenos compete fazer a favor de ns mesmos!

    Sim, Alcione, tu s o meu anjo bom murmurou le entre lgrimas. Ensina-me a percorrer as estradas depuradoras. No me desam pares. Dize-me como devo proceder na Terra. Repete que te no afastars do meucaminho. Inspira-me o desejo santo de resgatar meus pesados dbitos, at aofim...

    Sentado, em atitude humilde, o msero sofredor guardava a cabea entreas mos, enxugando as lgrimas copiosas.

    Alcione afagou-lhe os cabelos com ternura e falou docemente: No temas a prova de purificao que te conduzir ao jbilo na sendaeterna, O clice do remdio deve ser estimado por sua virtude curativa, nopelo travo do contedo, que apenas produz a penosa sensao de algunssegundos. S reconhecido a Deus nos sacrifcios, Plux! No desejes, nemesperes regalias na escola de edificao, onde o prprio Mestre encontrou abofetada e a cruz do martrio. No escutes as falsas promessas nem atendasaos caprichos perniciosos que nascem do corao. Obedece ao Pai e tomaJesus por cireneu de tdas as horas. A porta estreita, ainda e sempre, omaravilhoso smbolo para a divina iluminao. Foge das fantasiasenvenenadas que trabalham contra as santificantes aspiraes do esprito. Re-corda as angustiosas experincias que tantas vzes empreendemos na Terra,para a conquista de nossa perptua unio. No temos sde de enganosas sa-tisfaes. Temos sde de Deus, Plux! O infinito amor que nos transfunde asalmas tem sua origem sagrada em sua misericrdia paternal. Quero-teeternamente, como sei que a unio comigo a tua sublime aspirao:entretanto, seria justo encerrar nosso jbilo num crculo egostico, tosomente? Amamo-nos para sempre, a eternidade nos santifica os destinos,mas o Pai est acima de ns. Entreguemo-nos ao seu amor, no santo trabalhode suas obras. Em suas mos augustas, meu querido, palpita a luz que encheos abismos. Haver maior glria que praticar-lhe a divina vontade, que setraduz em amor, dedicao e alegria? Nos caminhos novos a percorrer, lembrao Pai Amado e atende-o em tdas as circunstncias. No acalentes no coraoos germes da vaidade e do egosmo. Sacrifica-te. D combate a ti mesmo. Ostriunfos exteriores so aparentes e podem ser mentirosos. A vitria espiritualpertence alma herica que soube unir-se ao cu, atravs de tdas astempestades do mundo, trabalhando por burilar-se a si prpria.

    Plux chorava, compungidamente, mas rogou com expressocomovedora: Compreendo-te as palavras sbias e afetuosas! Farei tudo por unir-me aDeus e a ti, eternamente. Pede por mim a Jesus para que eu tenha reflexo ebondade no mundo...

    No entanto, como se experimentasse um choque inesperado, levou asmos ao peito, calou-se por momentos, para depois retomar a palavra, espan-tado e hesitante:

    Alcione, querida, no sei se a emoo desta hora divina abalou minhasenergias mais profundas; contudo, sinto que algo me envolve a fronte, umafra incoercvel parece ameaar o crebro vacilante: experimento penosassensaes, como quando perdemos as fras devagarinho, antes de cair...

    E, aps outra pausa ligeira, voltava a exclamar, revelando amarga

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  • 12

    estranheza: Chamam por mim... ouo vozes que me chegam de longe... que vem a

    ser isto?...O rosto se lhe cobrira de intenso livor, de profunda palidez, e, deixando

    perceber que escutava interpelaes de um mundo diferente, interrogou entreatemorizado e surpreendido:

    Como interpretar stes apelos? ste o triste momento? Ah! no, nopode ser!...

    Mas, nesse instante, a jovem sentou-se a seu lado; carinhosa, tomou-lhe afronte cansada no regao generoso e, afagando-lhe os cabelos com extrematernura, esclareceu:

    Acalma-te. Chamam-te da Terra. Vais adormecer para despertar naexperincia nova, nos crculos da vida humana. Partirs de meus braos para oseio da afetuosa mezinha que Jesus te destinou.

    Plux experimentava estranhas sensaes, caracterizadas por sbitoabatimento; mas, sentindo-se conchegado ao amoroso regao de Alcione, tinhaa impresso de ser a mais venturosa das criaturas. Impresses dominadorasde sono senhoreavam-no e, no entanto, lutava desesperadamente contra elas,tentando dilatar a ventura daqueles momentos sublimes, obtemperandocarinhosamente:

    No desejaria outra me, seno tu mesma. Renes, para mim, todosos sagrados requisitos de me, de irm, de companheira e noiva bem-amada...

    Ela, que tambm demonstrava grande emoo nos olhos rasos dgua,acrescentou com meiguice:

    Sim, somos dois coraes numa s alma, sob os desgnios do Altssimo!Plux, agora, evidenciava intraduzvel angstia. Os olhos moviam-se

    inquietos, obedecendo s ansiosas expectativas do seu mundo interior. O peitoarfava dolorosamente, como se o corao tentasse romper o trax, causando-lhe indefinvel angstia. Seu estado geral dava a impresso de um moribundona Terra, nas vascas da morte. Fixou os olhos inquietos na bem-amada, talqual criana necessitada de carinho, e falou com dificuldade:

    Alcione, no ser ste padecimento igual ao da morte que conhecemosno mundo?... (1)

    Sim, meu querido, tua angstia de agora outra crise peridica. Reconheo disse le completando o raciocnio e estou certo de

    que terei crises semelhantes na Terra, ou noutros planos, at que me liberte damorte no pecado... Um dia encontrarei a ressurreio eterna, a harmonia semfim... Permanecerei a teu lado para sempre!...

    A jovem aconchegou-o ao corao, com mais ternura. Alcione murmurou dificilmente , no sei se me perdoaste a ponto

    de permitir ao meu esprito miservel a solicitao de uma ddiva celestial...

    (1) Os fenmenos da reencarnao, como aqueles que assinalam odesprendimento do esprito no mundo, abrangem as mais variadasformas e se verificam de acrdo com as necessidades de cada um. Nota de Emmanuel

    Ela adivinhou-lhe os pensamentos mais secretos e, todavia, com adelicadeza de quem no deseja parecer superior, retrucou carinhosamente:

    Dize, Plux! Que no farei por tua felicidade?

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  • 13

    Desejava... que me beijasses... ao menos uma s vez, antes de partir...Lgrimas ardentes repontaram nos olhos da noiva espiritual, que,

    estreitando-o ternamente de encontro ao corao, como se atendesse a tenracriana, replicou cheia de brandura:

    Antes disso, elevemos a Jesus nosso beijo de amor e reconhecimento.Roguemos ao seu corao magnnimo proteo e amparo ao nosso idealdivino,

    O interlocutor fixou no seu rosto anglico os grandes olhos atormentados emurmurou:

    Acompanharei tuas preces...Alcione ergueu o olhar lcido ao cu conste-lado, que esplendia alm das

    sombras que envolviam aquela regio de amargura, e orou fervorosamente: Mestre amado...

    Depois da pausa natural, Plux repetiu comovedoramente: Mestre amado...

    A jovem sentiu que o pranto quase lhe embargava a voz, mas, seguida porle, continuou: Com venerao e carinho, ns, meu Jesus, desejamos oscular vossosps. Recebei no santurio de vossas glrias divinas a pobre lembrana dosservos humildes e necessitados, Nossas almas esto cheias de gratido vossa bondade, Permiti, meu Salvador, que Possamos honrar O vosso nometrabalhando na seara de perdo, de verdade e de amor, com a vossa doutrina,Abenoai nossas lutas salvadoras, dai-nos a fra para vos testemunhar eternafidelidade, amparai nossos espritos at ao dia em que nos possamos unir emvosso seio, na claridade sem fim da eternidade luminosa!...

    Alcione interrompeu a orao, que se assemelhava a um cntico divinofragmentado por doce estacato. Na paisagem desolada, fizera-se luz intensa,que Plux no conseguia perceber. Generosos emissrios acercaram-se dosdois filhos de Deus, que imploravam, de todo o corao, o amparo de Jesus.

    A jovem, nesse momento, inclinou-se para o bem-amado e, na composturade me carinhosa e desvelada, beijou-o longamente nos lbios com infinitaternura.

    Plux desejou proclamar seu precioso jbilo, dizer da suave emoo quelhe banhava o esprito, suplicar a dilao daquela hora gloriosa do caminhoeterno, mas no conseguiu articular palavra. As lgrimas ardentes, porm, quelhe rolavam dos olhos qual lcido colar de prolas divinas, diziam bem alto dasua comoo indefinvel. Olhar fixo em Alcione, qual agonizante na Terra quedesejasse guardar para sempre o quadro mais querido, cerrou as plpebrascansadas e rendeu-se ao grande sono.

    Foi a que os mensageiros do Cristo se aproximaram da comovida jovem,que lhes entregou o bem-amado com profundo desvlo, falando-lhesbrandamente:

    Irmos, no esqueais de que vos confio um tesouro!...Em seguida, tomou sua roupagem de luz e afastou-se da paisagem

    nevoenta, dando a impresso de uma estrla solitria que regressava aoparaso.

    Pouco depois, ei-la que aporta em portentosa esfera, inconfundvel emmagnificncia e grandeza. O espetculo maravilhoso de suas perspectivas ex-

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    cedia a tudo que pudesse caracterizar a beleza no sentido humano. A sagradaviso do conjunto permanecia muito alm da famosa cidade dos santos,idealizada pelos pensadores do Cristianismo. Trs sis rutilantes despejavamno solo arminhoso oceanos de luz inirfica, em cambincias inditas, comolampadrios celestes acesos para ednico festim de gnios imortais.Primorosas construes, engalanadas de flores indescritiveis, tomavam aforma de castelos talhados em filigrana dourada, com irradiaes de efeitospolicromos. Sres alados iam e vinham, obedecendo a objetivos santificados,num trabalho de natureza superior, inacessvel compreenso dos terrcolas.

    Alcione penetrou num templo de majestosas propores, dominada porpensamentos intraduzveis. Muito acima da nave radiosa, elevava-se uma trretranslcida, trabalhada em substncia slida e transparente, semelhante aocristal, de cujo interior jorravam melodias harmoniosas.

    O santurio augusto era uma vasta colmeia de trabalho e orao.Alcione passou por companheiros muito amados, atravessou

    compartimentos repletos de luz nitente e, aproximando-se de Antnio aentidade angelical que, por sua excelsa posio hierrquica, ali cumpria asordenaes de Jesus, falou com humildade:

    Anjo amigo, deliberei suplicar ao Senhor a permisso de voltartemporariamente s tarefas terrenas.

    Como assim? inquiriu Antnio admirado .acaso todos nspermanecemos aqui impossibilitados de auxiliar o planta terreno? Noestamos a servio do Cristo, no af espiritual de reerguer sse orbe?

    Explico-me disse a recm-chegada timidamente : rogo a concessode um corpo carnal, caso Jesus me conceda essa ddiva.

    O generoso mentor contemplou-a com amoroso respeito, compreendeu-lheas intenes mais ntimas, esboou um sorriso de bondade e perguntou: Mas, teus trabalhos no sistema de Srius? No ests cooperando com osbenfeitores da Arte terreal? Acredito no vir longe a poca de serem levadosao mundo terreno os necessrios elementos de inspirao, depois do resultadode tantos esforos para a soluo de certos problemas do ritmo e da harmonia.

    Se possvel acrescentou a jovem com emoo desejariainterromper essas pesquisas que me falam gratamente alma, para retom-lasno porvir.

    Mas, Alcione obtemperou o orientador dando fra s palavras ,porque um novo e arriscado compromisso? Compreendo as razes que inter-ferem na tua splica; entretanto, pondero que podes trabalhar aqui mesmo, afavor daqueles a quem amas, encorajando-os e assistindo-os da esfera em quete encontras.

    Confesso-te, porm, bondoso Antnio, que profundas saudades melancinam rudemente o corao. Ser condenvel o desejo firme de alcanar afelicidade atravs das renncias do amor e nos propsitos de semear o bem?Perdoa-me se a presente rogativa causa estranheza tua alma carinhosa, quetanto me tem amado no glorioso caminho para Deus. Releva-a, recordando queo prprio Jesus teve saudade de Lzaro e, ainda agora, na majestade da suaglria divina, experimenta cuidados pelos discpulos cados, que padecem echoram!...

    A bondosa e sbia entidade ouviu-a comovida, em afetuoso silncio. Alm disso prosseguiu mais animada no desejo regressar forma

    estruturada em poeira, to smente para seguir o amado Plux, a quem me

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  • 15

    permitiste advertir e consolar. Quase todos os meus companheiros bem-amados, no esfro evolutivo de outras eras, esto atualmente no Planta,mas, em sua generalidade, envenenados por conseqncias sinistras deoportunidades menosprezadas e perdidas. As vzes, suas queixas dolorosas eaflitivas me repercutem penosamente nalma, ouo-lhes as preces ansiosas enossos cooperadores nos fluidos pesados do orbe me enviam mensagens queso verdadeiros brados de socorro, aos quais no pOSSO ficar insensvel, pormais que me procure confugir perfeita confiana no Todo-Poderoso.

    Sim atalhou Antnio, sensibilizado , conheo os teus motivossacrossantos.

    E, como quem desejava ministrar todos os esclarecimentos possveis aoseu alcance, continuou:

    Apesar de nossos bons desejos, querida Alcione, no creio que Pluxobtenha desta vez o xito imprescindvel. Seu esfro de agora ser umaexperincia proveitosa, mas, possivelmente, ainda no lograr a coroa da vida.Embora a dedicao que me compele a falar-te em trmos to sinceros, devoacrescentar que essa a verdade clara aos nossos olhos. Entretanto, tambmsei que outros velhos amigos teus caram em tenebrosos desvios deimpiedade, traindo sagradas obrigaes. Os que te foram pais, algumas vzes,perderam-se na embriaguez da autoridade e nas fantasias da fortuna; os que teforam irmos e familiares tombaram vencidos no despotismo e na desvairadaambio. E o mais lamentvel que se complicaram mtuamente, alimentandoa fornalha do dio com a lenha do egosmo, carbonizando intenes generosase anulando estrnuos esforos de quantos os auxiliam com abnegao enobreza. Nenhum cedeu em caprichos, ningum perdoou nem esqueceu o mal.As ervas daninhas invadiram o campo de tuas esperanas divinas. Teuscompromissos com o Senhor sofrem pesadas ameaas. Justifico, dsse modo,as tuas razes, embora no possa aplaudir a extenso dos sacrifcios que pre-tendes fazer.

    A jovem demonstrou, no olhar, sincero reconhecimento por semelhantespalavras de compreenso e exclamou:

    Anjo amigo, tenho tanto desejo de acariciar aquela que me foi medesvelada em outros tempos!... No ser justo procurar assistir aos que,noutras eras, me auxiliaram a penetrar as sendas da redeno?

    Ouve, porm, Alcione observou Antnio solenemente , tuas rogativasso louvveis e tuas aspiraes so mais que justas; mas, assim como teaconselhei advertir Plux, devo tambm exortar-te por minha vez. Deves sabero volume dos trabalhos e responsabilidades que solicitas do Mestre.

    Sim, replicou a jovem sem hesitao, estou disposta a procurar minhasdracmas perdidas, se mo permitires em nome do Senhor.J ponderaste nos obstculos imensos? Lembra que o prprio Jesus,penetrando na regio terrena, foi compelido a se aniquilar em sacrifciospungentes. Recorda que as leis planetrias no afetam smente os espritosem aprendizado ou reparao, mas, tambm, os missionrios da mais elevadaestirpe. Experimentars, igualmente, o olvido transitrio e, embora no tantoagravados em virtude das tuas conquistas, sentirs o mesmo desejo decompreenso e a mesma sde de afeto que palpitam nos outros mortais. Paraesclarecimento dsses problemas, minha querida, o Mestre deixou comunidade dos discpulos profundos ensinamentos no Evangelho. O mundo,representado por maus sacerdotes e falsos doutores, buscou tentar o prprio

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  • 16

    Jesus. J meditaste na tua aproximao de Plux, investida num corpo decarne? Sabemos que Plux parte com deveres de suma importncia, emfuno de coletividade; e tu te sentes preparada para neutralizar a poderosa leida atrao das almas? No o digo no sentido de preocupaes subalternas,mas ponderando a grandeza dos teus sentimentos afetivos, em relao grandeza mais sublime das obrigaes assumidas para com Deus. Tersnimo para lhe ouvir no mundo os rogos amorosos, mantendo-o no seu psto,inclume e sobranceiro solido de si mesmo? Sem dvida, a lei terrestre teencher de desejos e te induzir a considerar a possibilidade de proporcionar-lhe filhos afetuosos, em obedincia aos seus princpios naturais. Alm disso,teus afetos de outras pocas, como, por exemplo, os que te foram paisamorosos, recebero a palma de lutas speras e agudas provaes. A sendade quase todos os teus amigos est semeada de espinhos, que les prpriosplantaram no seu desapgo misericrdia do Todo-Poderoso. Sentes-tebastante forte para assumir to grave compromisso? Conheo numerososirmos que, depois de pedirem misses arriscadas como esta, voltaramonerados de mil problemas a resolver, retardando assim preciosas aquisies.

    Conheo a gravidade da minha deciso esclareceu a jovem commuita humildade mas, sabendo-me fraca pelo muito que amo, espero que oSenhor me fortalea nos dias de sombra e aflio. Pela cruz que suamagnanimidade aceitou em nosso benefcio na Terra, rendo-me sua augustavontade, mantendo, contudo, minha sincera rogativa!...

    Antnio contemplou-a tomado de nobre admirao e sentenciou: Louvo os teus propsitos firmes e sei que tua poderosa confiana no Cristo penhor sagrado de vitria; mas, devo ainda lembrar-te que a situao terrenados que se propem ao servio legtimo da virtude ainda e sempre inada de sofrimentos atrozes. No desconheces que, nessas missessublimes, a criatura disputa o direito de acompanhar o Mestre em seus passosdivinos, O discpulo da verdade e do amor, no mundo, alguma coisa de Jesuse de Deus, e a massa vulgar no lhe perdoa tal condio, sobrecarregando-ode pesados amargores, porque seus sentimentos no so anlogos quelesque a conduzem a incoerncias e desatinos. No poder haver acrdo entre avirtude e o pecado. E como o pecado ainda domina o mundo, a tarefaapostlica em seus trmites ser sempre um doloroso espetculo de sacrifciopara as almas comuns. Todos os que seguiram Jesus foram obrigados aidentificar o destino com o sinal do martrio. Os que se no desprendem daTerra, crucificados nas dores pblicas, retiram-se ao desamparo, esmagadospelos oprbrios humanos, caluniados, humilhados, encarcerados, feridos.Raros triunfaram conservando a serenidade e o amor imaculado, at ao fim!...Ponderaste semelhantes experincias em que tua alma peregrinar por algumtempo, retalhada de angstias!...

    Sim, querido amigo, refleti em tudo isso e estou resolvida aotestemunho, por mais cruel que seja o meu roteiro.

    Venturosa sers se puderes aceitar o sofrimento na Terra, dentro dsseconceito exclamou o mentor com grande tranqilidade. O homem comum,nos seus intersses mesquinhos, no considera a dor seno como resgate epagamento, desconhecendo o gzo de padecer por cooperar sincera-mente naedificao do Reino do Cristo.

    Jesus, que v o meu corao, ensinar-me-a transformar a tortura emcntico de graas e me auxiliar a esquecer as cogitaes menos dignas, de

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  • 17

    que me possam cercar os espritos vulgares, relativamente ao trabalho porfiadoe difcil da redeno e do engrandecimento da vida.

    Antnio comoveu-se profundamente em face de to valorosa resoluo erespondeu, afinal:

    Pois bem, j que te firmas em propsitos to altos e guardas todos ospreceitos justos e imprescindveis situao, permito o teu regresso Terra,em nome do Senhor.

    Alcione transbordava de jbilo santo. A suave emoo daquela hora abria-lhe portas resplandecentes de esperana e alegria inexcedveis.

    Considerando disse o amoroso instrutor que partirs no maisocasionalmente e sim para uma transformao sacrificial, que exigir muitotrabalho e renncia, ficas desde j desligada de tuas obrigaes nesta esfera, afim de te adaptares, vencendo as situaes adversas das regies inferiores quenos separam do mundo, no que, pressinto-o, devers gastar quase dez anosterrestres.

    Alcione, vertendo lgrimas de alegria e gratido, aproximou-se, tomou adestra de Antnio e murmurou:

    Deus te recompense!... Que a sua misericrdia te abenoe! exclamou o instrutor acariciando-

    lhe os cabelos. Seguir-te-ei daqui com as minhas preces e esperar-te-eiconfiante na vitria futura!.

    A criatura amada de Plux ainda se conservou no templo, at ao fim do dia.Ao crepsculo, quando se despediam no espao os raios dos trs sis

    diferentes, em deslumbramento de cres, Alcione reuniu-se a numeroso grupode amigos e orou com fervor, suplicando as bnos do Pai misericordioso.

    O firmamento enchia-se de claridades policrmicas e deslumbrantes.Satlites de prodigiosa beleza comeavam a surgir na imensidade, envolvendoa paisagem divina num oceano de luz.

    A carinhosa benfeitora osculou a fronte dos companheiros de servio divinoe partiu...

    Da a instantes, chegava ao templo pequena caravana de entidadesjubilosas. Era a reduzida expedio que operava nas esferas de Srius. Um dosseus componentes, depois de fitar a vastido do cu, entrou no templo edirigiu-se a Antnio, interrogando:

    Quem o viajor que vai seguindo na direo das Faixas Negras? Alcione, que se props novo trabalho entre os espritos encarnados na

    Terra. Que dizes? indagou tomado de espanto Alcione beber novamente o clice amargo de tamanha renncia? So os sacrifcios do amor, meu filho! respondeu o preposto do

    Cristo, evidenciando compreenso e serenidade. S o amor poderia com-peli-la a permanecer ausente do nosso Amado Lar.

    Ento, saram todos para o jardim resplendente que rodeava o santurio, e,contemplando a figura luminosa que se afastava rumo s zonas obscuras,enviaram abnegada companheira, que partia para to longa e perigosaviagem, seus votos de confiana e amor, em preces sinceras.

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  • 18

    2Anseios da mocidade

    No dia 7 de junho de 1662, Paris em pso no comentava outro assuntoseno as esplndidas festas populares do Carrousel, que Lus 14 haviaimprovisado em frente s Tulherias. Dizia-se que o rei estava perdidamenteapaixonado por Louise de La Vallire, e a festividade no obedecera a outromotivo seno homenagear a favorita, no obstante a reserva com que ambosse entregavam ao culto das relaes afetivas.

    As duas noites precedentes haviam assinalado ruidosas alegrias popularese animadas reunies elegantes nos sales mais ricos da Crte. Grande massade forasteiros invadia os hotis, principalmente as famlias abastadasprocedentes do Norte e das cidades vizinhas, atraidas pelo espetculo inditodo grande feito.

    Dizia-se que o soberano mostrava-se agora mais acessvel e generoso.Paris estava farta de guerras externas e recordava-se, com temor, dasgigantescas lutas internas pelas atividades da Fronda. Terminara o perodo deinfluncia do Cardeal Mazarini e o esprito popular banhava-se nos boatos deelevadas perspectivas e supremas esperanas. A cidade inteira aguardava,ansiosamente, largos benefcios pblicos e novas instituies.

    Na tarde dsse dia, compartilhando a alegria geral, dois jovens passeavamde carro, nas imediaes da Porta de So Dinis, entre os enormes movimentosda antiga Ville, comentando as deliciosas emoes da vspera.

    A viatura, muito leve, seguia harmoniosamente o trote de soberbo cavalonormando, cujas rdeas eram manejadas com mestria por Cirilo Davenport,tendo ao lado a jovem Susana Duchesne, sua prima, graciosamente trajada aosabor da poca. O pequeno veculo tinha o interior ornado de soberbasazleas, colhidas pela jovem num jardim de Montmartre. O jovem par haviaempreendido a excurso desde o meio-dia. Susana visitara duas famliasimportantes, de suas relaes, buscando rever antigas amizades. Entregara-ses mais alegres expanses junto do primo, que, embora correspondessefraternalmente s suas manifestaes afetivas, denotava agora preocupaoinabitual, enquanto a jovem tagarelava, obedecendo aos costumes e caprichosde futilidade de todos os tempos:

    No concordei com os adornos escolhidos para os sales de Madamede Choisy. A festa perdeu muito com aqules enfeites coloridos e esvoaantes.

    No reparei bem respondeu Cirilo, mergulhado noutras reflexes. Fiquei cansadssima de tanto ouvir confabulaes atinentes vida

    alheia. Sou avssa maledicncia, mas, como sempre acontece, no podemosficar indiferentes aos eventos do ambiente social. Por isso mesmo, estouansiosa de regressar nossa paz de Blois.

    E como o primo no respondesse, muito vivaz e palradora, continuou: J sabes como se processou a aventura amorosa do rei? No.

    Lus (1) no havia destacado a humilde descendente dos Le Blancentre as mulheres que freqentam a Crte, mas o fato que comeou adispensar muitas simpatias a Henriqueta (2). Iniciaram-se os idlios carinhosos,mas a cunhada tratou de salvaguardar, quanto antes, a sua reputao dehonestidade e comeou a encontrar-se com o rei em companhia deMademoiselle de La Vallire, que era, ento, do grupo de damas do seu

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  • 19

    squito. Dsse modo, afastava qualquer suspeita direta. Contra qualquerimpresso menos digna, poder-se-ia dizer que Lus lhe freqentava o ambientedomstico, no com o propsito de avist-la, mas para encontrar-se com apobre menina. Foi nesse jgo que apareceu a mortificante situao que Henri-queta no poderia esperar.

    Depois de breve gargalhada irnica, Susana rematava o comentrioimpiedoso:

    Lus apaixonou-se desvairadamente e temos agora o escndalo, queconstitui o prato do dia para a voracidade das ms lnguas. No conhecestodos sses detalhes, porventura?

    Ah! exclamou o jovem Davenport revelando propsito de modificar osrumos da conversao o que no ignoro que o soberano casado com arainh.

    Ora! ora! a pobre dona do cetro apenas uma vtima da polticaespanhola.

    Observando, todavia, que o rapaz se calava, Susana timbrou outra tecladas crticas sociais para chamar-lhe a ateno, dizendo:

    Reparaste a Henriqueta l no baile? As suas convidadas estavamescandalosamente vestidas...

    O moo fz um gesto de enfado e replicou:Quase no me detive no exame dos trajes.

    (1) Luis XIV.(2) Henriqueta Anna, de Inglaterra. Nota de Emmanuel.

    Entretanto danaste todos os nmeros.Renovando a apreciao acerada, prosseguiu: Henriqueta coloca em dificuldade a todos ns que temos alguma ligao

    com as ilhas. O que posso afirmar que seu temperamento seria outro, setivesse alguns princpios da educao irlandesa.

    Mas a pobre princesa muito sofreu na infncia atalhou Ciriloadvogando-lhe a causa.

    Essa circunstncia, contudo, no deveria ser uma razo para conduzi-laa tantas leviandades. Julgo que o sofrimento deve servir para temperar ocarter de outro modo...

    Todavia observou o rapaz , ela atualmente casada. A anlise desuas atitudes deve ser tarefa privativa do marido.

    Ora essa! E supes, acaso, que Monsieur Filipe (1) est aparelhadopara impor-lhe a educao espiritual de que precisa?

    Quem sabe?Esta resposta, dada em tom de profundo desintersse, desautorizava

    qualquer discusso nesse particular. Reconhecendo-o, Susana fz longa pausae absteve-se de novos comentrios.

    A elegante viatura voltou do seu longo trajeto, dirigiu-se para a ruaBarillerie, na Ilha, onde estacionou por minutos frente de uma casa comercial,e depois tomou rumo da antiga rua de So Dinis, levada ao trote do magnficoanimal.

    Decorrido algum tempo, a moa retomou a palavra, dando conta da suainquietao feminina:

    No desejarias ir conosco, mais logo, ao Teatro de Petit-Bourbon?

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  • 20

    No, no; hoje no me sinto disposto a aderir ao programa do sr.Molire.

    A carruagem aproximara-se da velha ponte de So Miguel, sbre um braodo Sena.

    (1) Filipe de Orlans, irmo de Luis XIV. Nota de Emmanuel.

    O crepsculo ia um tanto adiantado, mas estava embalsamado deperfumes primaveris. Ventos suaves farfalhavam a copa florida de duasgrandes rvores prximas. Impressionado, talvez, com a sugestiva beleza datarde que se vestia no imenso anil do cu, o jovem Davenport fitou acompanheira com expresso diferente, e falou:

    Susana, tenho a alma de tal modo repleta de sensaes ignoradas paramim, que muito desejaria abrir o corao a quem me compreendesse. Noquero, porm, comentar os assuntos da Crte nem do Teatro. Necessito depalestra espiritual, que traduza o que sinto, encontrando quem me entenda.Que me interessa o desvio do rei ou a comdia que conquista a ateno dosmais fteis?

    A companheira ruborizou-se. Apertou, disfaradamente o seio, onde ocorao batia descompassado. H quanto tempo esperava aqule minutoadorvel, que lhe permitisse examinar com Cirilo a intensidade do seu afeto?De muito cedo habituara-se a admir-lo como a personagem dos seus sonhosde mulher, e no era segrdo, em famlia, o projeto de uma unio pelos elosconjugais. Ambos haviam nascido na Irlanda, mas sua me, que era francesa,obrigara o genitor a transferir-se para o pas de origem, havia muitos anos.Susana, porm, nunca perdera o contato com a terra do seu bero. Noobstante as dificuldades naturais da poca, visitava, periodicamente, a terraque a vira nascer.

    Acabava de atingir os vinte anos, enquanto Cirilo orava pelos vinte ecinco. No seria, ento, o momento azado para realizar o sublime ideal? verdade que sempre aguardara, ansiosamente, do primo as primeirasdeclaraes de amor, a fim de entreter, com mais segura esperana, os seusdeliciosos projetos de ventura. Cirilo, todavia, jamais se manifestara a talrespeito. Ela sabia, contudo, justificar-lhe as reservas expansivas, pelas singu-laridades de temperamento que o caracterizavam. Embora jovial e sincero,enrgico e impulsivo, era muito discreto nas questes da palavra. Raramenteprometia, porque, aps o compromisso, materializava as declaraes fssecomo fsse, pelo mal ou pelo bem.

    Susana passou em revista tdas as conjeturas e julgou-se dona de umasituao favorvel. Alis, estava certa de que o primo, aps desligar-se dosservios que o retinham na Sorbone, demandaria a Irlanda, onde a famlia oaguardava cheia de esperana, para os enormes trabalhos da propriedaderural, de que seus pais e irmos se mantinham.

    De olhos fulgurantes, a jovem respondeu entre satisfeita e comovida:Acaso poderias supor que te no compreendo? Fala, Cirilo!... No

    desejarias gozar um pouco desta amenidade vespertina? Paremos o carro.Sentemo-nos ali perto da ponte, alguns minutos, vendo deslizar as guasmansas...

    O rapaz obedeceu sorridente e satisfeito. Abrigou a carruagem num pstoprximo e, dando o brao companheira graciosa, dirigiu-se para os bancos de

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  • 21

    pedra que se localizavam nas extremidades da construo muito antiga. Tinhaos olhos escuros mergulhados numa onda de paixo dominadora.

    Susana disse tomando-lhe a destra em atitude fraternal, como quembusca um refgio -, nunca experimentei no corao o que sinto agora. Minhaalma est cheia de sonhos e esperanas sublimes. Ah! o amor o generosovinho da vida!...

    A jovem fizera-se muito plida. Deveria ser aqule o minuto decisivo do seudestino. Certamente, Cirilo lhe revelaria os propsitos mais ntimos, falaria dosonho dourado de suas esperanas de moa. Casar-se-iam muito breve...Buscariam a felicidade, abandonariam a Frana pela Irlanda, a fim decultivarem a ventura conjugal no mbito de cariciosas tradies familiares.Mergulhada em formosas vises, seus olhos brilhavam de intenso jbilo,enquanto o jovem Davenport continuava:

    Edificar um ninho domstico, ter filhos que nos acariciem e garantam aventura, no ser o ideal mais nobre da vida?

    Susana Duchesne apertou-lhe a mo com mais carinho, desejou, comnsia, enlaar-lhe o busto no impulso de sua afeio desvairada, beijar-lhe re-petidamente a formosa cabeleira. Sentia-se estonteada de alegria e deesperana, mas ainda no havia acordado de sua viso fantstica, quando leperguntou, fraternalmente, depois de uma pausa mais longa:

    No entanto, dar-se- que ela me corresponda com igual paixo?Ela? A pergunta vibrou estranhamente aos ouvidos da jovem, que se

    esforou por dominar as primeiras impresses de assombro. Outra mulher,ento, disputava com ela o mesmo sonho de amor? Monstruoso cimecorrompeu-lhe as emoes mais gratas. O corao fechara-se-lhe de sbito.No suportaria semelhante afronta. Lutaria pela posse de Cirilo, at ao crimeou at morte. Para isso, seguira-lhe os passos como sentinela fiel, desde ainfncia, e, aos seus olhos, o titulo de espsa deveria pertencer-lhe comopatrimnio inconteste. Verificando, contudo, que o primo observava comestranheza a demora da resposta, cobrou alento em situao to difcil ereplicou:

    Ela? Ignoro a quem te referes, querido. Explica melhor para que te possacompreender.

    Madalena Vilamil esclareceu o rapaz, arroubadamente.Ah! agora tinha na modulao daquelas duas palavras a chave da questo quese lhe figurava aos olhos um profundo enigma. Identificara a grande e naturalinimiga. No lhe perdoaria nunca. Subjugada por enorme desespro ntimo,recordava que fra ela prpria quem apresentara ao primo a jovem amiga, emvsperas das famosas festividades parisienses. Notou que ambos haviamdemonstrado recproco intersse; que, desde ento, palestravamanimadamente em tdas as oportunidades e, contudo, jamais pudera imaginara possibilidade de uma aproximao afetiva de tamanhas conseqncias.Smente a percebeu o intersse de Cirilo pela companhia de Madalena, nosbailados da vspera. Tinha a impresso de ainda a estar vendo com aquelaatraente fantasia espanhola, que chamara a ateno de pessoas eminentes daCrte. No quadro da imaginao superexcitada, no mais a consideravaassociada fraternal de passeios e diverses, mas adversria perigosa que urgiaafastar do caminho... Conhecera-a numa visita que Madalena fizera, emcompanhia do pai, velho fidalgo espanhol arruinado, ao formoso e tradicionalpalcio da antiga Crte francesa, em Blois. Simpatizara com os seus dotes de

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  • 22

    inteligncia e com as maneiras simples que lhe assinalavam as atitudes; e seugenitor, Jaques Duchesne Davenport, manifestara pela jovem espontneaadmirao e sincera amizade. No smente pelas afinidades naturais, mastambm no intuito de agradar o corao paterno, dedicado e carinhoso, Susanaafeioara-se a Madalena com singular intersse. Ela e sua irm Carolina, nasconstantes viagens a Paris, visitavam-na freqentemente em sua residncia deSanto Honorato, e sentiam prazer na sua companhia alegre e inteligente.Desde aqule instante, porm, a moa Vilamil estava condenada sua aversocruel. A amizade nobre convertia-se em dio instantneo e perigoso. verdadeque Madalena no podia saber das cogitaes do seu ntimo, mas Susana noconseguia deter a onda de pensamentos ultrizes que, num instante, lheinvadiam a mente, apossando-se impiedosamente do seu corao.

    No toleraria tal preferncia do primo, mesmo porque lhe doa na almacomo insulto feroz.

    Recordas, acaso, daquela derradeira melodia aragonesa queMademoiselle Vilamil executou ao cravo com tanta graa? perguntou ojovem, alimentando as prprias reminiscncias.

    Excessivamente plida, esforando-se por disfarar a intensa emoo quea dominava, a moa fixou em Cirilo o olhar enrgico, orgulhoso e replicou:

    Mas isso infantilidade da tua parte. Francamente, sempre considereirefinado o teu senso artstico; Madalena, de maneira alguma, podecorresponder s exigncias do teu nome e da tua posio.

    Exigncias do nome? respondeu o rapaz mostrando-se agitado.Julgas, ento, que me case em obedincia aos outros, em desacrdo com asminhas inclinaes?

    No bem isso retrucou a moa compreendendo a firmeza deresoluo que defrontava ; no quero dizer que ela desmerea inclinaesafetuosas; mas no concordo que seja a criatura indicada a tomar-te a mo deespso.

    Por qu? perguntou o jovem, mal-humorado. Desejarias, porventura, que te aprovassem o casamento com uma

    pobretona espanhola, nascida nos confins de Granada? E se algum afirmasse que somos irlandeses dos confins de Belfast,

    seramos por isso menos respeitveis?Susana mordeu os lbios, revelando clera profunda e respondeu:

    Cirilo, onde colocas o altar sagrado da famlia? Que h para te mostraresto desinteressado em face de nossas tradies familiares? Apresentei-teMadalena, h poucos dias, mas no podia acreditar se engendrassem em teuesprito laos to perigosos e detestveis. Adotei-a como amiga ntima, emvista da profunda simpatia do papai, a quem nunca cessarei de agradar, emobedincia ao amor e gratido que lhe consagro. Nossas afinidades, noentanto, no vo alm disso, porqanto no lhe reconheo qualquer destaquejusto para o quadro de nossas relaes. Como afirmei, trata-se de umapredileo de papai e...

    Mas no terminou, porque o rapaz, emitindo um olhar mais duro, cortou-lhea palavra nestes trmos:

    No acuses, Susana. Sempre atendi a meu tio, antes que a meusprprios pais. Conheo-lhe o bom senso e no posso permitir...

    Desta vez, no entanto, foi a jovem que, ponderando a inconvenincia dadiscusso acalorada, aproveitou-se da pausa espontnea, sentenciando

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  • 23

    contrafeita: Ora, Cirilo, acalma-te. A irritao impede qualquer entendimento mtuo.Fixou-o com disfarada angstia. Agora que sentia to profundamente

    ameaados os seus sonhos de felicidade, achava-o mais belo que nunca. Emoutras ocasies, conservava a esperana, mas no experimentava tantoszelos. No era Cirilo o seu ideal? Que poderosa atrao a retinha encarceradano seu sonho de ventura, sem energias para renunciar a favor da outra que lheocupava o corao sincero? Sentiu que forte emoo lhe afetava as fibras maisntimas e com dificuldade afogava o pranto no peito opresso, receando chorardiante do primo engolfado em graves pensamentos.

    Cirilo disse com entono mais delicado na voz , no te agastescomigo. Quero auxiliar-te fraternalmente.

    O rapaz comoveu-se com a mudana sbita e respondeu: Sim, conto com a tua boa vontade de sempre. Ajuda-me a refletir.

    Necessito orientar e fortalecer meu esprito. No posso dizer que esteja absolutamente certa nas minhas

    apreciaes exclamou fundamente modificada em sua primeira atitude ,mas precisars refletir com mais calma, O pai de Madalena um nobreespanhol arruinado, que se incompatibilizou com os elementos mais influentesda Crte de Frana. Aqui est, em Paris, h muito tempo, em sriasdificuldades financeiras, no obstante ter vindo no squito da rainha.

    J conheo D. Incio Ortegas Vilamil esclareceu o rapaz, solicito ;estivemos juntos no Carrousel anteontem, noite. No duvido que se trate deum homem pobre, mas bastante simptico e portador de temperamentoexpansivo, que me agradou muitssimo.

    Mas um fidalgo sem fortuna, cuja situao francamente condenvel,pois perdeu-a nas dissipaes da vaidade e do jgo, segundo consta emnossas rodas mais ntimas.

    Quanto a isso, precisamos ampliar nossa compreenso da vida obtemperou o rapaz convictamente. Meu pai, como no ignoras, no fzexcessos nem arriscou dinheiro em aventuras; entretanto, conta hoje comreduzidssimos recursos, devido a perseguies religiosas desencadeadas naIrlanda.

    Susana compreendeu que tda argumentao naquele momento lhedesfavorecia as pretenses e propsitos mais ardentes.

    D. Incio acrescentou com velada ironia no poderia nem mesmocogitar da concesso de um dote filha...

    Nunca me casarei visando a um dote, Susana!...A moa escondia a muito custo o seu rancor, mas ponderou ainda: Pois trata-se de questo muito importante, e talvez venha a ser por isso

    mesmo que Madalena recuse aceder aos teus caprichos juvenis... Como assim? interrogou, impressionado pela maneira como foram

    pronunciadas tais palavras. Talvez ignores disse ela resoluta, como quem guarda os trunfos do

    jgo para o fim que a tua eleita est prometida, por deciso dos pais, ao seuprimo Antero de Oviedo Vilamil, que cresceu a seu lado, como irmo.

    Desta vez foi Cirilo a esboar atitude de entranhado assombro. Sem poderdominar-se, profundo rancor se apossou dle. O cime que devastava a jovemDuchesne apuava-ihe agora o corao.

    Ser crvel? perguntou lvido.

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  • 24

    Sim disse a moa, gozando com a sua amargura ntima , D. Incio,dizem, h quase dois anos vive custa do rapaz, que no se entregou a talsacrifcio sem um propsito deliberado. sabido que a prima constitui o seusonho de amor, no obstante Madalena parea insensvel a sse afeto, O fatoincontestvel, todavia, que a famlia Vilamil est totalmente empenhadanesse dbito de graves propores.

    Cirilo Davenport submergiu-se num mar de reflexes profundas. Nocederia a qualquer obstculo. Madalena lhe tocara o corao como nenhumaoutra mulher. Guardava nos ouvidos o som das suas ltimas palavras. Aspiravaainda o perfume da sua mo muito leve, entre as harmoniosas vibraes doltimo bailado. Ouvia, enlevado, as msicas aragonesas que ela haviadedilhado no cravo, ainda na vspera. Seus sentimentos mergulhavam namesma ansiedade experimentada ao ouvi-la falar da Espanha distante. Ostemas castelhanos jamais o haviam preocupado a qualquer tempo e, no entan-to, aquela afeio imensa despertava-lhe intersses novos, abrasava-lhe aalma, qual vulco ardente. Estava convicto de que Madalena fra igualmentesensvel ao seu amor. Apertara-lhe a mo, apaixonadamente, nos bailados.Seus olhos fulgiam de sublime afeto. Onde estava le, que no houvesse delutar com o rival at nos confins da Terra? Era indispensvel afastar Antero deOviedo a qualquer preo. Sua presena tornava-se indesejvel no caminho. Deolhos fixos no espao, desvairado pela emoo que o dominava, o jovemDavenport parecia no mais ver a prima ao lado, nem mesmo a belezasilenciosa do crepsculo, que se despedia com o fulgir das primeiras estrlas.

    No desistirei! bradou em voz alta, como se dialogasse com umasombra importuna.

    Ouvindo-lhe a exclamao estranha e inesperada, Susana experimentouintenso choque. Aquela sentena, em voz estridente, assustou-a. Tomou-se dejustificado receio e exclamou:

    Vamos, Cirilo. noite quase fechada e esperam-me para o espetculo.O moo Davenport, seguido da jovem que lhe acompanhava o profundo

    silncio, procurou o veculo, tomou as rdeas quase maquinalmente e deu osinal de partir. Susana atirou ao solo algumas azleas murchas, em atitude deenfado e, enquanto ambos se engolfavam em penoso mutismo, a viatura rodoucleremente na direo de uma casa residencial de nobre aspecto, em frenteda ponte do Cmbio, onde a prima se hospedava.

    Em vo, a jovem Duchesne insistiu para que Cirilo fsse ao teatro; debalderogou que a acompanhasse at ao interior domstico. Ele recusou todos osconvites afetuosos e, imprimindo ao carro nova direo, seguiu a galope para oseu hotel em So Germano.

    De quando em quando o chicote estalava no dorso do belo animal que,ento, parecia sofrer a mesma inquietao do dono.

    Depois de recolher o veculo a enorme galpo destinado s carruagens dapoca e conduzir o cavalo estrebaria prxima, Cirilo Davenport, sufocado porangustiosos pensamentos, saiu rua, ansioso por banhar a fronte atormentadanos carinhosos ventos da noite. Atravessou ruas e praas engolfado em vastasmeditaes, alheio ao grande movimento de pedestres e viaturas ao longo doscaminhos. No se deteve seno no mundo ntimo, inquieto por conchavar eresolver os problemas torturantes.

    Chegara concluso de que a existncia se lhe transformaria em brevetempo. No podia suportar, sem graves danos, a continuidade das estroinices

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  • 25

    da juventude, e o conhecimento de Mademoiselle Vilamil induzia-o a pensarsriamente no matrimnio. No entanto, como encontrar a equao justa?Depois de certo perodo de estudos em Paris, prosseguia em servio naSorbone, onde a sua remunerao era regular, sem contudo permitir quaisquerperspectivas de futuro financeiro. Seu pai, Samuel Davenport, chamara-o maisde uma vez, aguardando-lhe a presena na Irlanda do norte, onde possuavaliosa propriedade rural, apesar dos golpes sofridos. Como resolver asituao? Deveria casar e partir para as ilhas, ou visitar antes o lar paterno,para consorciar-se depois? Na primeira hiptese, sua atitude poderia ocasionarsrios atritos com a famlia; na segunda, o intruso Antero poderia sair vencedore anular-lhe os planos de felicidade. Recordou a simptica figura do tio, quesempre lhe entendera e amparara o corao, nos momentos difceis, econsiderou a possibilidade de ir a Blois, a fim de ouvi-lo. Concluiu consigomesmo que, tendo combinado com Madalena um encontro junto igreja deNossa Senhora, na noite seguinte, faria a viagem logo aps o novoentendimento com a jovem, que lhe enchera o corao de sonhos mirficos.

    Aps atravessar imenso labirinto de reflexes, voltou ao hotel, muito depoisda meia noite, recolhendo-se ao quarto extremamente nervoso, s con-seguindo dormir alta madrugada.

    No dia seguinte, atirou-se ao trabalho comum, de alma inquieta,pensamento voltado para a noite, quando teria o jbilo de rever a bem-amada erenovar as doces emoes do esprito.Muito antes da hora marcada, Cirilo postava-se frente da majestosa catedral,andando de um lado para outro. A fim de evitar a curiosidade de transeuntesaudaciosos, penetrou no santurio, em cujo interior magnfico permaneceu porinstantes. Seus olhos eram indiferentes aos tesouros artsticos que ocercavam. Os capitis preciosos, os arabescos dourados, os baixo-relevos, asesttuas maravilhosas, diluam-se numa atmosfera de sonho. Os sacerdotes eos nichos, as flores e os objetos do culto no lhe falavam ao corao. Quandosurgam no alto os primeiros astros da noite, Davenport regressou ao adro,passeando nervosamente ao lado dos belos degraus que davam acesso aointerior do templo, e que o progresso de Paris fz desaparecessem com aelevao do solo.

    Entre aflies singulares, observou, atento, uma carrruagem que parou nasproximidades, dela saltando trs galantes criaturas em demanda ao santurio.

    Madalena Vilamil, com efeito, junto de Colete e Cecilia, duas amigas dajuventude, chegara com o pretexto de participar dos ofcios religiosos da noite,mas, em breves minutos, favorecida pela conivncia das companheiras,insulou-se da romaria devocional, em companhia do jovem Davenport, an-siosos ambos pela permuta de impresses afetivas.

    Enquanto a viatura permanecia espera, e ciente de que as amigas seentregavam s prticas religiosas, Mademoiselle Vilamil tomava prazerosa obrao que o rapaz lhe oferecia, afastando-se alguns passos ao longo da praaextensa que se rodeava, ento, de casas velhas.

    Cirilo sentia-se o mais ditoso dos homens. Por surpreendente e misteriosomecanismo que seu esprito no conseguia compreender, resumia, agora, najovem todos os sonhos centrais da existncia. Falou-lhe, com desembarao,dos seus ideais mais ntimos, revelando-lhe profundas impresses de sua almaardente. Ele prprio estava surpreendido com o manancial de espontneaconfiana que lhe brotava do esprito pouco afeito a grandes expanses.

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  • 26

    Madalena Vilamil, em identidade de circunstncias, tocava-se de sublimesemoes. No era temperamento que confiasse sentimentos ntimos, aoprimeiro sinal de afeio. Sua me, descendente de nobres famlias no sul daFrana, e seu pai, antigo fidalgo espanhol, haviam educado a filha nicahabituando-a a rigoroso critrio no captulo da vida social. Pela primeira vez ajovem atendia a um aplo afetivo, em lugar pblico, consagrado, no seu modode entender, s exteriorizaes das criaturas vulgares e sem ttulos de maiornobreza moral. O convite de Cirilo fra um tanto chocante para a sua vaidadefeminina; entretanto, obedecendo a indefinveis anseios do corao, acederaem palestrar com o jovem num recanto da via pblica, desejando umentendimento recproco, longe da multido maliciosa. Alm disso, sentia-sereceosa de receb-lo na prpria casa, dado o rigorismo da genitora, h muitoenferma, e s ruidosas expanses do pai, desligado de qualquer encargo nasesferas polticas e por isso mesmo sempre prdigo de afirmativas chocantespara os costumes franceses.

    Mademoiselle Vilamil julgou imprescindvel explicar ao jovem Davenportsuas dificuldades domsticas, antes que o rapaz pudesse agasalhar conjeturasmenos dignas a respeito dos pais, a quem amava de todo o corao. Smentepor isso, e incapaz de resistir ao suave magnetismo que sbre ela exercia omoo irlands, encontrava-se ali sob o cu estrelado s primeiras horas danoite, trocando confidncias.

    Cirilo comeou por comentar a beleza das melodias que ela arrancara docravo, tdo sentimento e vibrao, e Madalena relatava ao jovem, muitoadmirado, os encantadores costumes da sua terra natal, assinalando aspalavras com as interessantes caractersticas de quem se no achavaabsolutamente senhora da lngua francesa.Tudo, porm, que constitua alguma coisa de sua personalidade, era graa eleveza aos olhos e aos ouvidos do moo Davenport, que se sentia transportadoa um plano de felicidade divina, em sua companhia.

    A certa altura do amoroso colquio, Cirilo exclamou, algo perturbado portrazer tona a smula de suas cogitaes mais intimas:

    Madalena, ocioso dizer-te da minha infinita afeio. Sabers entendero sentido de minhas palavras. Nunca me conformei com as atitudessuperficiais, nem posso aprovar os desvarios da juventude contempornea.Digo-o, a fim de que no vejas laivos de leviandade nas minhas palavras. Amo-te muito e stes poucos dias de convivncia bastam para que reconhea tuasuserania no meu corao, onde ocupas lugar insubstituvel. Mas, podereicontar com o teu amor para sempre?

    A essa pergunta direta, a jovem respondeu extremamente confundida: Sim!... Sempre idealizei uma criatura que me compreendesse inteiramente e,

    agora que nos encontramos, tenho a esperana de poder edificar um castelode suprema ventura. Desde a noite em que nos vimos pela primeira vez, sonhocontigo e antevejo as alegrias de um lar povoado de flores e de filhinhos.

    Ela, tda ruborizada, elevava-se nas asas do amor, de emoo ememoo, aos pramos do sonho. Aquelas palavras representavam a deliciosamsica que os seus ouvidos esperavam de h muito. O moo Davenport era ocavalheiro do seu ideal. Sua voz cariciosa e dominadora penetrava-lhe ontimo, como perfumado spro de vida. Queria falar exprimindo seussentimentos mais nobres; a emoo, contudo, embargava-lhe a voz, enquanto

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  • 27

    o corao desejava prolongar ao infinito aqule instante divino.Compreendendo-lhe o silncio, o rapaz recordou as advertncias de Susana,fz um gesto significativo e acentuou:

    No entanto, Madalena, tenho o corao repleto de pressgiostristes!... Dizem que o sofrimento comum aos que se amam; trago o espritoansioso por esclarecimentos mais amplos.

    Como? indagou a jovem no impulso instintivo de anular qualquerdvida.

    Revelando funda preocupao, le acrescentou como que medindo aresponsabilidade de cada palavra:

    Ningum disputa comigo o tesouro do teu corao? Que dizes? retrucou a moa com grande surpresa. Sinto que tua alma se dirige ao meu corao como fonte cristalina de

    verdade acrescentou Davenport acentuando as palavras , acredito na tuasinceridade e nem seria lcito duvidar dos teus sentimentos; mas, quem sabe,Madalena, teus pais te destinam a outrem que te merea pela fortuna que nopossuo, ou por ttulos que tambm me faltam?

    A essa altura, sua voz tornou-se enternecida e comovedora, qual a de umacriana disposta a resignar-se com os obstculos, no obstante seu violentodesejo.

    A jovem, por sua vez, como se despertasse de um sonho, comeou achorar convulsivamente. A imagem do primo torturava-lhe agora o pensamento,como se recordasse um verdugo cruel. Lembrava as lutas domsticas, osenormes dbitos do genitor para com Antero de Oviedo, as combinaes deambos para o futuro matrimnio, com sacrifcio dos seus ideais, e noconseguia dissimular a imensa dor que lhe avassalava o corao sensvel, antea possibilidade de perder Cirilo, compelida pelas humanas convenes arenunciar sua unio com o jovem em cujo esprito adivinhava a fonte de tdasas sublimes compreenses de que sua alma necessitava para ser feliz.

    Entregava-se assim a copioso pranto, enquanto o moo irlands,comovidssimo, tomava-lhe a cetnea mo, cobrindo-a de beijos.

    No chores, Madalena! O amor confia sempre e acreditas, acaso, quesou de todo intil?

    Recordando as palavras impiedosas de Susana, que aquelas lgrimasconfirmavam, assumiu atitudes decisivas e acrescentou:

    Ningum poder impor-te um casamento contra os teus desgnios. Seme amas, saberei defender-te at os confins do mundo. No pertencers aqualquer miservel truo, apenas por circunstncias mesquinhas de mil francosa mais, ou a menos. O dinheiro jamais entrar em nossos planos defelicidade!...

    A filha de D. Incio enxugou as lgrimas depois de ouvir-lhe asponderaes consoladoras e afetuosas, e atendendo-lhe aos apelos relatou mi-nuciosamente as dificuldades da famlia desde os tempos de Granada,assinalados por grandes lutas. Nascera nessa famosa cidade espanhola, ondeo pai desempenhava cargos polticos de certa relevncia. Tivera uma infnciarisonha, mas, desde a fase dos primeiros estudos, vivera quase queabsolutamente reclusa num convento de vila, onde o genitor procuravaenriquecer-lhe os dotes intelectuais. Nos poucos dias do ano, quando feriavano ambiente domstico, seguia de perto os sofrimentos da genitora, querecrudesciam de tempos a tempos, em vista das extravagncias paternas.

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  • 28

    Quando abandonou definitivamente o educandrio religioso, seus pais j seencontravam em Madrid, para onde se mudaram com enorme dificuldade. Novrtice de acerbos tormentos morais, sua me encontrara arrimo nico emAntero sobrinho do marido, criado com tda a dedicao e ternuramaternais. Seus pais haviam adotado o rapaz, de pequeno, como prprio filho.Antero era um homem de psicologia difcil, em virtude dos sentimentoscondenveis que sabia dissimular com habilidade, mas que, em sua ausncianos estudos e nos desvios constantes de seu pai, apresentava dotesapreciveis aos olhos de sua me, de quem se fizera sustentculo econsolao. Permaneciam em Madrid, completamente arruinados, quando ocasamento da filha de Filipe 4 com Lus 14 deu ensejo a que o genitor e oprimo se colocassem timamente, em funes de natureza poltica. Desde1660, estavam em Paris cheios de esperana numa vida nova. D. Incio, noentanto, no conseguira permanecer no cargo seno por alguns meses, porquese incompatibilizara com a Crte, em vista da sua crtica franca aos atos deSua Majestade. Leal amigo da infanta espanhola, no conseguia suportarcalado as humilhaes penosas infligidas rainha, que se socorria da religio,com santificada pacincia, de modo a tolerar e esquecer os desvariosamorosos do real espso. Ciente dos seus firmes protestos, o soberanodemitira-o do cargo e Antero de Oviedo s foi conservado em suas obrigaesremuneradas por influncia dos amigos de Maria Teresa, que lhe mantiveramos proventos com alguma dificuldade. Havia quase dois anos, a famlia vivia aexpensas do rapaz, no obstante a tristeza que semelhante situao lhecausava.

    Seu pai, continuava Madalena de olhos molhados, era um generosocorao, mas alimentava inveterada paixo pelo jgo. Tal obsesso acarretarao desbarate de todos os bens que possuam e, aps lamentveis aventuras,nada lhes ficara do passado feliz. A genitora resistira hericamente aos reve-ses da vida, mas sofria agora do corao, passando os dias na expectativaangustiosa da existncia que se extingue, e da morte que se aproxima.

    Mademoiselle Vilamil fz longa pausa a fim de enxugar as lgrimasabundantes, enquanto Cirilo acariciava-lhe a mo, comovidamente.Em seguida, evidenciando grande embarao por ver-se constrangida a versarto delicado assunto, comeou a falar com mais enleio dos propsitos paternosde cas-la com o primo e contou que ste, por vzes, j lhe havia falado deamor, ao que se esquivava ela, sempre com enorme repugnncia. Alimentavao desejo ardente de lanar-lhe em rosto a negativa formal, com o desprzo queessa unio lhe inspirava, mas, continha-se a custo, considerando oreconhecimento da me enfrma e a situao do pai, que devia ao pretendentealguns milhares de francos.

    Nesse nterim, o jovem Davenport, mal disfarando o cime que odevorava, interpelou-a exclamando:

    Mas teu pai, a quem consagras to grande venerao, teria coragem devender a felicidade da filha por um punhado de miserveis escudos?

    No creio disse a moa convictamente, demonstrando a sinceridadede sua confiana filial nos grandes olhos, onde esplendia a candura das suasdezenove primaveras ; meu pai, apesar das estroinices, tem sido o meumaior e melhor amigo.

    Cirilo guardou-lhe a destra entre as mos, com infinito carinho, ansioso porconfort-la. Depois de alguns instantes em que o silncio de ambos era mais

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  • 29

    eloqente que as expresses verbais, a jovem Vilamil, como se fssearrebatada a longnqua impresso do passado, perguntou inesperadamente:

    Cirilo, acreditas nos adivinhos? Ora essa! por que perguntas? exclamou intrigado. que, ainda em Granada disse Madalena com muita simplicidade

    , numa de minhas rpidas visitas ao lar, estava porta do Alhambra comalgumas colegas de estudo, quando fomos atradas por um ancio que lia odestino dos transeuntes interessados em sua estranha cincia. Atendendo brincadeira geral, aproximei-me e dei-lhe a mo. Ele pareceu meditar ummomento e falou: A menina bem nascida, mas no bem fadada. Edepois de fixar-me nos olhos com expresso inesquecvel, no mais sorriu econtinuou aconselhando-me: Prepara-te, minha filha, e une-te f emDeus, porque teu clice, no mundo, transbordar de amargura. No vivemosapenas esta vida. Temos existncias vrias e a tua existncia atual promissora de tempos afanosos, para a redeno. Suas palavras meimpressionaram a ponto de me fazerem chorar copiosamente. Senti enormeabalo e foi preciso que as amigas me reconduzissem casa, onde fuicompellda a acamar-me.

    E onde estava D. Incio que no repeliu o estpido? indagou o jovemDavenport bruscamente, cortando-lhe a palavra.

    Meu pai ficou furioso, e, depois de repreender-me severamente, tomouas providncias devidas, mandando que o feiticeiro fsse levada ao Tribunal daInquisio, que lhe aplicou disciplinas por uma semana e o deteve encarceradomais de trs meses. Mais tarde, o Geral dos Jesutas cientificou ao papai quese tratava de um peregrino demente, de origem egpcia, que penetrara no reinoatravs do Marrocos.

    E admitiste suas afirmativas? interrogou Cirilo, evidenciandoansiedade por apagar qualquer resqucio de impresso dolorosa no esprito dajovem.

    Apesar de muito impressionada esclareceu Mademoiselle Vilamil no acreditei nos sombrios vaticnios, mas, no posso deixar de reconhecerque, at hoje, Cirilo, minha vida tem sido tormentoso mar de preocupaesinfinitas. Tenho a impresso de que atingirei os vinte anos com um psosufocante de velhice prematura.

    Depois de ligeira pausa, acrescentava: No desejo fraquejar, deixar-me vencer pelos pressgios de um

    peregrino desconhecido. Sinto-me forte na f em Deus e estou convicta de queo poder celestial me auxiliar nas lutas humanas; entretanto, um detalhehouve, na conversao do velhinho, que nunca poderei esquecer; o que serefere a outras vidas, O destino est cheio de circunstncias misteriosas.Nossa vida no ter comeado no instante de nascermos no mundo. Devemoster existido em outra parte. Creio que temos amado e odiado, e o esfro emque nos achamos se destina ao trabalho de redeno das nossas culpas. Nome detenho em tais idias to s por haver ouvido as advertncias do adivinhoerrante, mas tenho tido sonhos significativos...

    O companheiro, que lhe seguia as palavras com indisfarvel mal-estar,apertou-lhe a mo e sentenciou:

    Que isso, Madalena? Desvairas? No te quero ver entregue afilosofias abstrusas. Se encontrasse sse feiticeiro infame, reforaria as penasque lhe foram impostas pelos inquisidores.

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  • 30

    Ansioso por libert-la dos pensamentos amargurosos, Continuava: Casar-nos-emos e encontraremos a ventura sem fim. Ficaremos em

    Paris ou onde quiseres. Lutarei por ti, tenho braos laboriosos e enrgicos.Futuramente, rir-nos-emos dsses temores infntis, provocados por ummendigo irresponsvel. Os egpcios, como os orientais, foram sempre grandesimbecis. Caso seja do teu agrado, fixaremos residncia na Irlanda, junto dosmeus. Levar-te-ei, mais tarde, a Londres; excursionaremos at Esccia e hsde ver que, em tda parte, o amor sincero ser a chave de nossa venturaimortal. As almas que se adoram movimentam-se nos caminhosresplandecentes de luz.

    A jovem, que o ouvia dominada pela emoo, pareceu olvidar as idiastranscendentes e profundas, e respondeu enlevada:

    Sim, seremos felizes para sempre. Seguir-te-ei para onde fres. Anseiopor conhecer terras novas, onde possamos sentir a felicidade unida a ns!... Terras novas? perguntou Cirilo revelando-se iluminado por idiasbita no ser bom experimentarmos os largos horizontes da Amrica?

    Ah! isso tem sido um longo sonho meu disse a jovem de olhoscoruscantes. Tenho sde inexplicvel do mundo novo que nos acena a dis-tncia. Nossas grandes cidades, corrompidas, consternam e sufocam!Granada, vila, Madrid e Paris no diferem o bastante umas das outras. Emtdas vejo os homens como loucos, disputando realizaes que lhes agravamos padecimentos espirituais. Tenho sonhado sempre com as enormes florestasescuras, com os rios caudalosos, com as campinas verdes e sem fim..

    Edificaremos por l o nosso ninho de amor rematava o rapazapaixonadamente.

    E falaram longamente da Amrica, como duas crianas ansiosas,permutando compromissos sagrados.

    Ao trmo da palestra, o moo Davenport. ciente de tdas as preocupaesintimas da sua amada, prometeu visitar-lhe os pais na noite seguinte, na casade Santo Honorato. de maneira a criar o ambiente propcio ao culto de suasesperanas em flor.

    Depois que Colete e Cecilia procuraram a companheira para a volta, Cirilofixou o olhar no vulto da carruagem at que se confundisse de todo com assombras espssas. Largo tempo levou ainda a meditar, sentado junto aosnichos externos, escassamente iluminados no bjo silente da noite.

    No dia imediato, ao entardecer, tomou o seu carro ligeiro, dirigindo-se residncia dos Vilamil e fazendo o possvel por apagar os receios que lhetumultuavam na alma inquieta. Como se comportaria na hiptese de lencontrar Antero de Oviedo? Teria fra bastante para trat-lo fraternalmente?Como o compreenderiam, por sua vez, os pais de Madalena? Engolfado emvastas cismas ntimas, parou porta da casa indicada. Tratava-se de antigoedifcio, dos que comumente eram alugados a famlias de tratamento, mas dereduzidos recursos financeiros. Extenso gradil, no centro um grande portopintado de azul, cercava gracioso jardim onde as flores disputavam o beijo daprimavera; ao fundo, a residncia de aspecto antiquado, com as caractersticasexteriores da poca de Luis XIII.

    Cirilo bateu discretamente, sendo atendido com presteza por um lacaio quelhe deu acesso ao interior, onde era aguardado com certa curiosidade.

    D. Incio trajava corretamente, como se fra convocado a assistir a umacerimnia solene, enquanto a espsa, muito plida, acomodava-se em

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    espaosa poltrona de repouso, dando a impresso de que ali se conservavano por impulso espontneo, mas por inevitvel obrigao da vida em famlia.Ambos estavam envelhecidos e alquebrados prematuramente; le, talvez porextravagncias de tda sorte; ela, por certo devido aos constantes desgostos.Junto aos dois, na sala que se caracterizava por linhas montonas, Madalenacom a sua radiosa juventude parecia um raio de claridade afugentando asimpresses tristes.

    D. Incio acolheu o rapaz com ruidosas manifestaes de simpatia. No ter, nesta casa, as designaes devidas aos moos de

    tratamento, em Paris disse satisfeito ; cham-lo-emos Dom Cirilo, emhomenagem nossa Espanha distante.

    Dsse modo ficar mais ntimo acrescentava D. Margarida Fourcroyde Saint-Megrin e Vilamil com um sorriso. Desejamos que ste lar sejatambm seu.

    Enquanto os jovens se alegravam, experimentando a certeza dacondescendncia dos velhos generosos, D. Incio acrescentava:

    E pode estar certo, D. Cirilo, de que sua estria deve ser muitobrilhante, porque minha espsa no acolhe a qualquer, na primeira visita.Riso geral coroou essas afirmativas, ao mesmo tempo que a palestradescambava para as recordaes das ptrias distantes. O jovem Davenportfalou de suas lembranas da Irlanda e, depois de bordar inmeros comentriosem trno das relaes entre espanhis e irlandeses, D. Incio acentuou:

    Nossas afinidades religiosas com a Irlanda sempre foram estimveis econfortadoras. Alis, fui eu quem teve a honra de acender a primeira velaenviada pelos devotos do santo arcebispo de Armagh, em Dublim, na fogueiraem que foram castigados, em Granada, alguns hereges do Longford, num denossos maiores autos-de-f.

    Cirilo franziu o cenho como quem se desagradava do assunto, eacrescentou:

    A psicologia da gente irlandesa muito difcil e complicada. Tal como a nossa, na Pennsula atalhou o velho fidalgo ;

    impossvel esqueamos nossas tradies para acompanhar o surto de loucurase novidades que terminar projetando os povos no abismo. No podemosconfundir liberdade com licenciosidade e seria falta grave aplaudir essa ondade tolerncia criminosa que varre atualmente o mundo. Temos de ser exticosem qualquer parte da Terra. Ser licito estabelecer a desordem e dizer que seprogride? Ento, a Esp