Renato da Silveira Borges Neto

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O RENASCER DA ESPERANÇA. Movimentos eclesiais contemporâneos e Comunidades Novas no pensamento de João Paulo II e Bento XVI. . Os movimentos eclesiais contemporâneos e as comunidades novas têm sido objeto de análise no mundo inteiro. Os pontificados dos papas João Paulo II e Bento XVI, por sua vez, têm sido extremamente relevantes para o aprofundamento deste tema, o que nos aguçou o desejo de escrever sobre suas contribuições. Na verdade, este trabalho insere-se em um campo de discussões que é bastante recente. A retomada desse debate pode ser situada no contexto do Concílio Vaticano II, que deu novo vigor à discussão sobre os carismas e a sua correta colocação eclesiológica. Os movimentos e novas comunidades eclesiais são justamente considerados como um dos maiores frutos concretos da “primavera” pós-conciliar, o renascimento da esperança em uma Igreja que enfrentava grandes conflitos, em meio ao que era considerado uma espécie de “inverno” (Karl Rahner). Essa esperança foi afirmada explicitamente pelo Papa João Paulo II e vem sendo confirmada no pontificado de Bento XVI.

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Renato da Silveira Borges Neto

O Renascer da Esperança: Movimentos eclesiais contemporâneos e Comunidades Novas no pensamento de

João Paulo II e Bento XVI

Real Engenho

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© 2012 by Renato da Silveira Borges Neto 1ª edição © 2017 by Real Engenho - Rio de Janeiro - RJ Todos os direitos reservados 2ª edição

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S239r Borges Neto, Renato da Silveira, 1970 –

O Renascer da esperança: movimentos eclesiais contemporâneas comunidades novas no pensamento de João Paulo II e Bento XVI. Rio de Janeiro: Real Engenho, 2017.

163p.; 23 cm.

ISBN 9781466319646

1. Teologia. 2. Religião – Igreja Católica. 3. Movimentos Eclesiais Contemporâneos. 4. Comunidades Novas. I. Título

CDD 261.8346

CDU 246-43

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A meus pais, Francisco e Luana (in memoriam),

que me fizeram plantar raízes na primeira comunidade de amor que descobri em minha vida:

Miriam, Soraya, Fabienne e Liana.

A Cíntia e Tomás, nova e pequena comunidade de amor que

hoje me enche de alegria.

A todos os meus alunos e alunas.

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Agradecimentos:

Não posso deixar de agradecer ao Prof. Dr. Fr. Joseph Phan Tan Thanh, OP e ao Prof. Dr. Fr. Robert Christian, OP,

ambos do Departamento de Teologia da Pontifícia Università di San Tommaso d’Aquino – Roma

(PUST), pela amizade, paciência e fecunda orientação.

A todos os meus amigos e amigas que me ajudaram neste trabalho, especialmente a quatro deles:

José Nilson – pela proximidade e apoio em todos os momentos; Alessandro Pernini – pela ajuda ainda na

confecção do texto em italiano; Marcos Nobre – responsável por grande parte da tradução do texto italiano para o

português; e Sidney Timbó – pelo apoio e ajuda na fase final.

Agradeço imensamente a minha “mãe de Roma” – Iolanda Iemma – que me apoiou em tudo

e sem a qual este trabalho jamais teria sido possível.

Muito obrigado!

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ABREVIATURAS E SIGLAS

AA = Decreto Apostolicam Actuositatem sobre

o apostolado dos leigos

AAS = Acta Apostolicae Sedis

AG = Decreto Ad gentes sobre a atividade missionária da Igreja

CCC = Catecismo da Igreja Católica

CD = Decreto Christus Dominus sobre o ofício pastoral dos bispos

C.I.C = Codex Iuris Canonici

CfL = Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles laici

sobre a missão dos leigos na Igreja e no mundo

CLC = PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. Atti del Congresso del Laicato Cattolico -

Testimoni di Cristo nel nuovo Millennio (Roma, 25 – 30 Novembre 2000)

EN = Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi

EV = Enchiridion Vaticanum

GS = Constituição pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo contemporâneo

HS = Constituição Apostólica Humanae salutis para a convocação do Concílio Vaticano II

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IGP-II = Ensinamentos de João Paulo II

LG = Constituição dogmática Lumen gentium sobre a Igreja

Mov.I = CAMISASCA, M. – VITALI, M. (EDD.). I Movimenti nella Chiesa negli anni 80 –

Atti del 1° Convegno Internazionale (Roma, 23 – 27 Settembre 1981)

Mov.II = PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. I Movimenti nella Chiesa –

Atti del 2° Colloquio Internazionale su “Vocazione e missione dei laici nella Chiesa oggi”

(Rocca di Papa, 28 febbraio – 4 Marzo 1987)

Mov.III = PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. I Movimenti nella Chiesa –

Atti del Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali (Roma, 27 – 29 maggio 1998)

Mov.IV = PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. I Movimenti Ecclesiali nella sollecitudine

pastorale dei vescovi (Roma, 16 – 18 giugno 1999)

Mov.V = PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. La bellezza di essere cristiani.

I movimenti nella Chiesa. – Atti del II Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali e delle Nuove

Comunità (Roma, 31 maggio – 2 giugno 2006)

Mov.VI = PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. Pastori e Movimenti Ecclesiali.

Seminario di studio per i vescovi (Rocca di Papa, 15 – 17 maggio 2008)

OE = Decreto Orientalium Ecclesiarum sobre as Igrejas Orientais Católicas

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PCL = Pontificium Consilium pro Laicis

PO = Decreto Presbyterorum Ordinis sobre o ministério e vida sacerdotal

RH = Carta Encíclica Redemptor hominis

RM = Carta Encíclica Redemptoris Missio acerca da permanente validade do mandato missionário

SC = Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sacra Liturgia

SV87 = CAPRILE, G. Il Sinodo dei Vescovi – Settima Assemblea Generale Ordinaria

(1-30 ottobre 1987)

SV94 = FERRARO, G. Il Sinodo dei Vescovi – Nona Assemblea Generale Ordinaria

(2-30 ottobre 1994)

UR = Decreto Unitatis Redintegratio sobre o Ecumenismo

VC = Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata sobre a vida consagrada e a sua missão

na Igreja e no mundo

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SUMÁRIO

ABREVIATURAS E SIGLAS 09

INTRODUÇÃO 17

PRIMEIRA PARTE: AS PRINCIPAIS INTERVENÇÕES DO RECENTE MAGISTÉRIO

DA IGREJA SOB JOÃO PAULO II E BENTO XVI, A RESPEITO

DOS MOVIMENTOS ECLESIAIS E COMUNIDADES NOVAS

25

Capítulo 1 – O Sínodo dos Bispos de 1987 e a Exortação Apostólica pós-sinodal Cristifideles laici

28

A fase de celebração do Sínodo 28

A Christifideles laici e os critérios de eclesialidade dos novos movimentos

33

A Exortação Apostólica e os movimentos eclesiais 33

Os critérios de eclesialidade das agregações laicais 36

1° Critério 39

2° Critério 42

3° Critério 43

4° Critério 45

5° Critério 45

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14

Capítulo2 – O Sínodo dos Bispos de 1994 e a Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata

47

A fase de celebração do Sínodo 47

A Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata e os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas

50

Capítulo 3 – O encontro de Pentecostes de 1998 e o I Congresso Mundial dos Movimentos eclesiais e Comunidades Novas: “Os movimentos na Igreja”

56

Capítulo 4 – O I Seminário de estudo para os Bispos (1999): “Os movimentos eclesiais na solicitude

pastoral dos bispos” 66

Capítulo 5 – O Jubileu do Apostolado Laical (2000): “Testemunhas de Cristo no novo milênio”

72

Capítulo 6 – O Encontro de Pentecoste de 2006 e o II Congresso Mundial dos Movimentos eclesiais e

Comunidades Novas: “A beleza de ser cristãos e a alegria de comunicá-lo”

77

Capítulo 7 – O II Seminário de estudo para os Bispos: “Pastores e Movimentos eclesiais”

84

SEGUNDA PARTE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ECLESIOLÓGICAS

89

Capítulo 1 – Quatro características fundamentais dos Movimentos eclesiais contemporâneos

e Comunidades Novas

90

1 – “Movimentos… Eclesiais” 91

2 – A presença predominante dos leigos 94

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3 – Uma nova autoconsciência eclesial 97

4 – A referência à dimensão carismática da Igreja 101

Capítulo 2 – Os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas na Igreja Mistério, Comunhão e Missão

106

Os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas na Igreja Mistério

106

Os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas na Igreja Comunhão

109

Uma eclesiologia de comunhão 110

Igreja universal e particular na eclesiologia de comunhão 117

Igreja universal e particular e os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas

121

Os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas na Igreja Missão

132

Capítulo 3 – A co-essencialidade entre dimensão carismática e institucional da Igreja

136

CONSIDERAÇÕES FINAIS 147

BIBLIOGRAFIA 151

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INTRODUÇÃO

s movimentos eclesiais contemporâneos e as comunidades novas têm sido objeto de análise no mundo inteiro. Os pontificados dos papas João Paulo II

e Bento XVI, por sua vez, têm sido extremamente relevantes para o aprofundamento deste tema, o que nos aguçou o desejo de escrever sobre suas contribuições.

Na verdade, este trabalho insere-se em um campo de discussões que é bastante recente. A retomada desse debate pode ser situada no contexto do Concílio Vaticano II, que deu novo vigor à discussão sobre os carismas e a sua correta colocação eclesiológica. Os movimentos e novas comunidades eclesiais são justamente considerados como um dos maiores frutos concretos da “primavera” pós-conciliar, o renascimento da esperança em uma Igreja que enfrentava grandes conflitos, em meio ao que era considerado uma espécie de “inverno” (Karl Rahner). Essa esperança foi afirmada explicitamente pelo Papa João Paulo II e vem sendo confirmada no pontificado de Bento XVI.

O nosso propósito será, então, o de fazer uma reflexão eclesiológica sobre «um dos fenômenos mais surpreendentes e promitentes que se deu na vida da Igreja do nosso tempo: o grande florescimento de movimentos eclesiais e comunidades novas»1, dando uma atenção especial às últimas intervenções e orientações do Magistério da Igreja, sempre no período do pontificado desses dois papas. Isso não será uma tarefa fácil, por dois motivos.

1 RYŁKO, S. Movimenti ecclesiali e nuove comunità nell’insegnamento di Giovanni Paolo II e di Benedetto XVI. In: Mov. VI. Città del Vaticano: LEV, 2009, pp. 19-31, p. 19.

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Primeiramente porque as realidades em jogo são ainda “jovens” e, por essa razão, de não fácil descrição. Mas também porque os movimentos eclesiais e comunidades novas fazem parte do mistério que é a Igreja, e não é sempre fácil encontrar as palavras certas para exprimir aspectos de um mistério! Esse será, portanto, um desafio que enfrentaremos no espírito do que foi afirmado pelo grande teólogo dominicano francês, Pe. Yves Congar: «é responsabilidade dos teólogos – mesmo que eles tenham fortemente o sentimento da própria mediocridade e do dever ser modestos – que eles se esforcem por entender a obra de Deus»2.

No campo teológico – é bom que se recorde – o assunto sobre os carismas, aos quais os movimentos eclesiais e as comunidades novas fazem referência imediata, foi por muito tempo relegado à reflexão somente da Teologia Espiritual. Os carismas, por assim dizer, eram coisa de santos e santas em êxtase. Nos últimos 40 anos, porém, uma nova reflexão acabou encontrando vigor. O favorecimento a partir dos textos do Concílio Vaticano II, a redescoberta da dimensão carismática da Igreja, o aparecimento de muitos cristãos leigos com um renovado desejo de viver a própria fé de maneira mais profunda, além de algumas recentes declarações magisteriais de forte impacto, foram fatores que contribuíram para que a Igreja pós-conciliar começasse a abrir novos espaços de reflexão sobre os movimentos eclesiais e as novas comunidades. Assim sendo, essas novas realidades eclesiais aportaram definitivamente na nova eclesiologia.

Referindo-se ao carisma como elemento constitutivo da Igreja, o Prof. Libero Gerosa afirma que a função missionária e edificadora de comunhão dos movimentos eclesiais não pode mais ser colocada de lado pela eclesiologia e que «esse fato traz à tona a questão dos carismas e movimentos como fundamentais, primeiramente do ponto de vista doutrinal, antes mesmo que do pastoral»3. Um ano depois, com a publicação de sua obra “Carisma e Diritto nella Chiesa – Riflessione sul ‘carisma originario’ dei nuovi movimenti ecclesiali” (“Carisma e Direito na Igreja – Reflexões sobre o ‘carisma

2 CONGAR, Y. Credo nello Spirito Santo. Brescia: Queriniana, 1998, p. 349. 3 GEROSA, L. Carismi e movimenti nella Chiesa oggi – Riflessioni canonistiche alla chiusura del Sinodo dei Vescovi sui laici. In: «Ius Canonicum», XXVIII (1988) n° 56, p. 668.

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originário’ dos movimentos eclesiais”), o autor afirmou a sua convicção de que «não só o fato carismático não tardará a ser plenamente recuperado na eclesiologia, mas [também que] esse retorno poderá enriquecer-se pela experiência dos diversos movimentos eclesiais natos ou despertados sob o influxo da nova consciência de Igreja testemunhada pela grande assembleia conciliar e recebida por largos estratos do povo de Deus»4.

Pe. Jesus Castellano, por sua vez, mostrando a mesma conexão entre o nosso tema e a eclesiologia, sustenta que:

De um ponto de vista teológico, a realidade das agregações e dos movimentos pertence àquele âmbito da eclesiologia que estuda, ou deveria estudar, o acontecer da Igreja à um nível carismático em formas concretas de vida, onde é possível encontrar elementos essenciais de eclesialidade que enriquecem a Igreja universal e as Igrejas particulares com a graça renovadora do Espírito.5

A nossa análise se dirigirá, portanto, aos aspectos do fenômeno contemporâneo dos movimentos e comunidades novas eclesiais, não sendo previsto no programa uma visão desse evento no inteiro curso da história da Igreja, mesmo que saibamos que esse fenômeno é mais antigo do que normalmente se pensa. O Card. brasileiro Lucas Moreira Neves já recordava este fato quando afirmava:

O fenômeno muito atual do florescimento dos movimentos na Igreja é, na realidade, um fenômeno antigo. Num contexto eclesial profundamente diferente do atual – não obstante numerosas e impressionantes analogias – aparece singular também o fenômeno de que estamos falando [o surgimento de numerosos movimentos na Igreja hoje]; e mesmo assim, existe algo de comum entre o que está acontecendo e o que já aconteceu.6

4 GEROSA, L. Carisma e Diritto nella Chiesa – Riflessione sul “carisma originario” dei nuovi movimenti ecclesiali. Milano: Jaca Book, 1989, p. 10. 5 CASTELLANO, J. Carismi per il terzo millennio. I movimenti ecclesiali e le nuove comunità. Roma: OCD, 2001, p. 11. 6 NEVES, L. M. I Movimenti nella Chiesa Oggi. In: Mov.I. Milano: Jaca Book, 1982, p. 165.

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De fato, «Cada época da Igreja conhece verdadeiros movimentos eclesiais que se manifestam como respostas tempestivas às necessidades dos tempos e que florescem em formas variadas»7, visto que Deus não deixa nunca de adorná-la com novos e preciosos dons.

A escolha do universo de estudo será, então, a do recente fenômeno dos movimentos eclesiais e comunidades novas, mas visto principalmente da dimensão universal da Igreja no período que se estende do pontificado de João Paulo II ao de Bento XVI, o que significa dizer que analisaremos alguns documentos e eventos do pontificado de cada um deles que, de uma forma ou de outra, ajudaram no amadurecimento de conceitos importantes sobre essas novas realidades eclesiais. Deixaremos para outra oportunidade uma análise dos documentos das conferências episcopais nacionais8. De fato, seria muito interessante e não faltaria material para uma empreitada do gênero, já que, inspirado no grande encontro do Papa João Paulo II com os Movimentos Eclesiais e Comunidades Novas de todo o mundo, também a CNBB passou a encontrar-se com os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas brasileiras através do que, à princípio, chamou de “Encontro Nacional de Movimentos”9.

A presente obra foi, então, dividida em duas partes.

7 GONZÁLEZ, F. Carismi e movimenti nella storia della Chiesa. In: PCL. Mov.IV. Città del Vaticano: LEV, 2000, p. 101. 8 Mesmo se não faremos aqui um estudo minucioso, em âmbito brasileiro indicamos a leitura do importante documento da CNBB - COMISSÃO EPISCOPAL

PASTORAL PARA A DOUTRINA DA FÉ. Igreja particular, movimentos eclesiais e novas comunidades. São Paulo: Paulinas, 2005 (“Subsídios Doutrinais da CNBB” n.3). 9 O primeiro encontro do gênero aconteceu em Goiânia – GO entre os dias 24 e 26 de novembro de 2000, com o tema: “Carismas a serviço da evangelização”. O segundo encontro já trouxe o formato de “II Encontro Nacional de Movimentos Eclesiais e Associações Laicais” e realizou-se entre os dias 23 e 25 de setembro de 2005, em Vargem Grande Paulista - SP, com o lema: “Carismas em comunhão na Igreja evangelizadora”. O terceiro encontro aprimorou o formato como “III Encontro Nacional de Movimentos Eclesiais, Associações Laicais, Serviços e Movimentos Juvenis”, realizado entre os dias 15 e 17 de agosto de 2008, também em Vargem Grande Paulista - SP, com o lema: “Comunhão de Carismas a serviço da Missão”.

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Na primeira parte analisaremos os documentos e eventos mais significativos do período que compreende desde a Sétima Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (1987) até o II Seminário de estudo para bispos (2008) promovido pelo Pontifício Conselho para os Leigos, dicastério da Cúria Romana que tem por objetivo acompanhar os movimentos eclesiais e comunidades novas. Procuraremos verificar a relevância eclesiológica atribuída às novas expressões eclesiais por estes documentos e declarações magisteriais, tendo o talho histórico como fio condutor. Obviamente, não analisaremos a fundo cada um dos eventos e documentos que deles surgiram; o nosso intento nessa primeira parte é mais histórico, ou seja, que o leitor tenha uma ideia geral da importância de cada evento para a construção da nova visão eclesiológica no interior da qual os movimentos eclesiais e comunidades novas começaram a ser compreendidos pelos Papas João Paulo II e Bento XVI. Verificaremos, então – nos aspectos pertinentes ao nosso tema, – o Sínodo dos Bispos de 1987 e a Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles laici; o Sínodo sobre a Vida Consagrada de 1994 e a Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata; o Encontro do Papa João Paulo II com os movimentos eclesiais e comunidades novas no Pentecostes de 1998 e seu I Congresso Mundial no mesmo ano; o I Seminário de estudos para bispos (1999); o Jubileu dos Leigos do ano 2000; o Encontro do Papa Bento XVI com os movimentos eclesiais e comunidades novas no Pentecostes de 2006 e seu II Congresso Mundial no mesmo ano; e, por fim; o II Seminário de estudos para bispos (2008).

Já na segunda parte, procurar-se-á fazer algumas considerações eclesiológicas sobre os movimentos eclesiais e comunidades novas, tendo como base os documentos e afirmações magisteriais, bem como o auxílio de teólogos, pessoas relevantes – como membros e fundadores – dos movimentos eclesiais e comunidades novas e experts que se ocupam desses temas. Veremos mais de perto questões como: características gerais dessas novas realidades eclesiais; sua relação com a Igreja Mistério, Comunhão e Missão, o que inclui aspectos como a Eclesiologia de Comunhão do Concílio Vaticano II; Igreja universal e particular em relação às novas realidades eclesiais, dentre outros. Trataremos ainda sobre a natureza carismática e institucional da Igreja através de uma breve noção de

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co-essencialidade entre a dimensão carismática e hierárquica da mesma, resgatada por Papa Wojtyła e confirmada por Papa Ratzinger.

De antemão, gostaríamos de avisar o leitor que usaremos indistintamente os termos “movimento eclesial” e “comunidade nova” (ou “nova comunidade”), quase como se tratassem de sinônimos. De fato, devemos nos perguntar até que ponto é concretamente possível e, até mesmo indispensável, fazer hoje um aprofundamento das características e diferenças específicas entre movimentos eclesiais e comunidades novas. Devemos nos perguntar se, sendo as realidades em jogo ainda bastante jovens (tratamos de realidades eclesiais contemporâneas), e navegando em um mar de vastas novidades, estamos já em condições de circunscrevê-las em claras definições, se isto é realmente conveniente, ou mesmo se explicações muito estreitas neste momento não poderiam ser perigosas ou danosas. Sobre este perigo, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Card. Ratzinger, fez uma afirmação sobre os movimentos eclesiais, mas que pode ser aplicada também às comunidades novas: «Dever-se-ia também atentar a não se propor uma definição muito rigorosa, porque o Espírito Santo tem prontas surpresas em cada momento, e só retrospectivamente temos condições de reconhecer que por trás das grandes diversidades existe uma essência comum»10. Segundo Ratzinger, deve-se respeitar, portanto, a natureza de mobilidade e novidade própria dos movimentos eclesiais sem querer chegar apressadamente a uma definição muito precisa. O mesmo parece pensar Pe. Gianfranco Ghirlanda, já reitor da Pontificia Università Gregoriana e doutor em Direito Canônico. Fundamentado em algumas intervenções feitas por Papa João Paulo II em 1998, chega a afirmar: «Baseado nestas intervenções pontifícias e outros documentos oficiais podemos considerar sinônimos os termos movimentos eclesiais, novas comunidades e novas formas de vida evangélica»11. Trata-se, ao que parece, de não ser demasiadamente rígidos nestas definições.

10 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica. In PCL. Mov.III. Città del Vaticano: LEV, 1999, p. 47. 11 GHIRLANDA, G. Criteri di ecclesialità per il riconoscimento dei movimenti ecclesiali da parte del vescovo diocesano. In: PCL. Mov.IV. Città del Vaticano: LEV, 2000, p. 201.

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Adotar esta metodologia, porém, não significa afirmar categoricamente que estamos tratando, de fato, de realidades idênticas. É necessário ter cautela na avaliação de que todas essas novas realidades eclesiais sejam tão semelhantes a ponto de achar que suas denominações possam ser vistas como sinônimas, mesmo se esta é, atualmente, uma questão de importância secundária. Parece-nos que as duas realidades – movimentos eclesiais e comunidades novas – não sejam idênticas, mas, sendo a fase atual ainda uma fase de amadurecimento eclesial, é muito difícil traçar uma diferenciação clara e objetiva entre elas. Em nossa opinião, estas realidades são colocadas no mesmo nível pela novidade que representam. Isto não quer dizer, porém, que sejam realidades que em nada se diferenciem umas da outras. De fato, mesmo sendo verdade que, inicialmente, as publicações dos encontros internacionais promovidos neste âmbito pelo Pontifício Conselho para os Leigos referem-se ao termo Movimento/s, é igualmente verdade (pelo menos nos últimos anos) que a expressão novas comunidades tem, aos poucos, aparecido ao lado do termo movimentos, o que manifesta uma mudança de rota, o acréscimo de uma nova realidade que não se reduz totalmente à outra já existente12. O seminário do encontro promovido pelo próprio PCL, em colaboração com a Congregação para a Doutrina da Fé e a Congregação para os Bispos, era intitulado “Os Movimentos eclesiais e Novas comunidades na solicitude pastoral dos Bispos”, como para indicar duas realidades diferentes. Neste encontro, o próprio Papa João Paulo II se referia aos participantes como membros dos movimentos e das novas comunidades eclesiais, separadamente13; Papa Bento XVI, por sua vez, se refere, muitas vezes, do mesmo modo a essas realidades14. Isso mostra, por si só,

12 Veja-se o tema dado a cada um dos encontros mundiais: Mov.I; Mov.II; Mov.III; Mov.IV; Mov. V; e Mov. VI. 13 Entre outras citações: «O que hoje é realmente um evento inédito: pela primeira vez, os movimentos e as novas comunidades eclesiais encontram-se, todos juntos, com o Papa» (GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 2, p. 1120). 14 Entre outras citações: «Nos ajuda também a compreender que os movimentos eclesiais e as novas comunidades não são um problema ou um risco a mais, que se soma às nossas já gravosas incumbências. Não! São um dom do Senhor, uma reserva preciosa para enriquecer com os seus carismas toda a comunidade cristã»

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que existe uma certa diferenciação. De qualquer forma, mesmo com a afirmação de Pe. Ghirlanda que indica que se pode usar os termos movimentos e comunidades novas como sinônimos – como, de fato, parece demonstrar, em alguns momentos, a linguagem usada pelos dois últimos pontífices – devemos dizer que isto se deve à impossibilidade de distinguir claramente estas realidades na etapa atual do fenômeno agregativo laical, e não ao fato de serem uma só coisa. Diríamos até mesmo que deveríamos estar atentos ao contínuo surgir de diferenças entre estas duas novas realidades eclesiais, diferenças que serão, em nossa opinião, cada vez mais claras com o passar do tempo, mas das quais encontramos já sinais, aqui e ali, na linguagem usada pelo Magistério e na verificação prática das diversas realidades.

Por fim, devemos recordar que desde o início de nossa pesquisa optamos por não focar o nosso olhar exclusivamente sobre o que disseram os pontífices a respeito dos movimentos eclesiais contemporâneos e comunidades novas, mas sobre o processo de amadurecimento de suas afirmações que acontece também com a contribuição e troca de ideias com tantos teólogos empenhados na reflexão deste tema; é a partir desse amadurecimento que nasce uma nova sensibilidade para com estas novas realidades. Assim, pensamos que rendemos uma contribuição mais completa para que o leitor possa realmente aprofundar sua compreensão e formação eclesial nesta matéria. De fato, apesar da amplitude e especialização do assunto aqui tratado procuramos ser didáticos para permitir que aquelas pessoas que não estejam muito a par dessas questões pudessem acompanhar tranquilamente a evolução das nossas argumentações. Esperamos que assim ocorra.

(BENEDETTO XVI. Discorso di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al Seminario per i vescovi. In: Mov. VI. Città del Vaticano: LEV, 2008, p. 15).

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Primeira Parte

AS PRINCIPAIS INTERVENÇÕES DO RECENTE MAGISTÉRIO DA IGREJA SOB JOÃO PAULO II E BENTO XVI A RESPEITO DOS MOVIMENTOS ECLESIAIS E COMUNIDADES NOVAS

período de tempo que nos propomos a examinar neste capítulo é relativamente reduzido, uma vez que iniciaremos no ano 1987. São pouco mais de vinte anos,

mas neste período houve várias intervenções importantes do Magistério que se referem, de uma forma ou de outra, aos movimentos eclesiais e às comunidades novas, e que têm dado a estas realidades um impulso crescente, inserindo-as num contexto sempre mais eclesiológico. O período em que está demarcada a nossa análise situar-se-á dentro do pontificado de João Paulo II e daquele, ainda em curso, de Bento XVI, pelo que esta pesquisa deverá espelhar a visão de ambos sobre estas novas realidades eclesiais.

Escolhemos sete dentre as várias intervenções do Magistério deste período. Julgamos que são as mais marcantes para o nosso assunto: o Sínodo dos bispos de 1987 e a Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles Laici; o Sínodo sobre a Vida Consagrada de 1994 e a Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata; o encontro do Papa João Paulo II com os membros dos movimentos eclesiais e das comunidades novas (antecipado pelo seu I Congresso Mundial) de 1998; o seminário de estudo promovido pelo Pontifício Concílio para os Leigos para vários bispos e cardeais (“Os Movimentos eclesiais e novas comunidades na solicitude pastoral

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dos bispos”) em 1999; o Jubileu dos Leigos no ano 2000; o II Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais e das Comunidades Novas, também realizado pelo PCL, com o esperado encontro de Bento XVI no Pentecostes 2006; e, por último, o Seminário de estudos para os bispos com o titulo “Pastores e Movimentos Eclesiais”, realizado em Rocca di Papa, durante os dias 15, 16 e 17 de maio de 2008. Analisaremos esses “grandes eventos” sempre na ótica deste novo tempo de agregação laical, no desejo de demonstrar o modo com que o Magistério da Igreja vem interpretando o nascimento e a ação dos movimentos eclesiais e novas comunidades na realidade da Igreja e do mundo contemporâneo.

Notemos ainda que estas intervenções do Magistério da Igreja sobre os movimentos eclesiais e comunidades novas poderiam ser ulteriormente divididas em intervenções diretas e indiretas. De fato, o Sínodo sobre a missão dos leigos na Igreja e no mundo, a Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles Laici, o Sínodo sobre a Vida Consagrada, a Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata e o Jubileu dos leigos não são intervenções que tratam diretamente da questão das novas realidades eclesiais, mesmo se as levam seriamente em consideração e acabam por fundamentá-las. Já os dois Congressos Mundiais dos Movimentos Eclesiais e Comunidades Novas e os dois seminários de estudo para bispos são, sim, intervenções diretamente aplicadas à estas duas novas realidades eclesiais. Escolhemos, no entanto, seguir a ordem cronológica dos eventos.

Tendo escolhido estes grandes eventos ou intervenções magisteriais, não queremos dizer que o surgimento ou que o interesse dos pontífices por essas novas realidades eclesiais tenha acontecido apenas a partir do final da década de 80. Como recordou o terceiro documento dos “Subsídios Doutrinais da CNBB”, de 2005, intitulado “Igreja particular, movimentos eclesiais e novas comunidades”, «O fenômeno dos movimentos tem suas raízes já na época anterior ao Concílio Vaticano II. Os textos conciliares favoreceram o crescimento dessas experiências e abriram as portas para novas. [...] No pontificado do Papa Paulo VI (1963-1978) surgem novos movimentos que, paulatinamente, vão sendo acolhidos

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pela autoridade eclesiástica»15. Iniciaremos nossa análise, porém, com o Sínodo dos bispos de 1987, em função de limitarmos o quadro histórico a ser revisado.

15 CNBB - COMISSÃO EPISCOPAL PASTORAL PARA A DOUTRINA DA FÉ. Igreja particular, movimentos eclesiais e novas comunidades, nn. 11-12, p. 13.

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CAPÍTULO 1:

O SÍNODO DOS BISPOS DE 1987 E A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL CRISTIFIDELES LAICI

A primeira intervenção de destaque do Magistério que gostaríamos de considerar é a Sétima Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos de 1987, basilar para o nosso tema. Faremos um esforço no sentido de conhecer alguns detalhes sobre o nascimento e o desenvolvimento deste sínodo que aprofundou a missão dos leigos na Igreja e no mundo, dedicando amplo espaço à questão dos novos movimentos eclesiais.

A fase de celebração do Sínodo

A VII Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos foi celebrada entre os dias 1º e 30 de outubro de 1987. O Prof. Libero Gerosa observa que «Pela primeira vez, nas duas décadas pós-conciliares, o tema dos Carismas e dos Movimentos eclesiais fez irrupção impetuosa nos debates de um Sínodo de Bispos»16. Foram convidados muitos leigos para participar como auditores e auditrices, encontrando-se entre eles fundadores e fundadoras de movimentos eclesiais e comunidades novas, como Chiara Lubich (Movimento dei Focolari), Pe. Luigi Giussani (Movimento Comunhão e Libertação), Jean Vanier (Comunidade L’Arche) e Kiko Argüello (Caminho Neocatecumenal). Sabia-se que os movimentos eclesiais teriam sido por si só um assunto bastante examinado. E assim o foi: esta nova realidade eclesial atraiu uma parte considerável da atenção dos Padres sinodais. Bruno Secondin afirma que

O fenômeno dos grupos, associações, fraternidades e movimentos foi um dos três ou quatro temas fundamentais do Sínodo dos bispos sobre “Vocação e missão dos leigos” [...]. Nos debates públicos em assembléia, nos trabalhos por grupos

16 GEROSA, L. Carismi e Movimenti nella Chiesa oggi, p. 665.

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lingüísticos, e por fim, nas “propositiones” (propostas) orgânicas transmitidas ao papa para que elaborasse o seu documento, o assunto foi estudado e avaliado longamente.17

Pode-se dizer que as questões principais discutidas no sínodo em relação aos movimentos eclesiais foram referidas, principalmente, à sua autonomia eclesial e à sua relação com a hierarquia da Igreja. Em outras palavras, os Padres sinodais queriam esclarecer: em que sentido os movimentos eclesiais deveriam ser entendidos (especialmente com relação ao tema do carisma, termo que ainda hoje serve de apoio e fundamento para o surgimento de muitos movimentos eclesiais e comunidades novas); qual seria a correta relação entre liberdade carismática e instituição eclesiástica (diocesana e paroquial) e, finalmente, como seria possível encontrar critérios mais objetivos para o discernimento da autenticidade eclesial dessas novas realidades.

Diante de temas tão complexos, anteviam-se grandes embates entre os bispos. Sabe-se, de fato, que «em determinados dias [durante as sessões plenárias], o tom das discussões fez-se mais áspero e “vivaz”»18. Aspectos importantes teriam que ser discutidos. Dentre eles, podemos citar alguns: a) a necessidade de uma maior abertura da parte dos bispos em relação à nova realidade dos movimentos, tendo sido denunciada uma certa oposição por parte de alguns deles (Mons. Paul Cordes – então vice-presidente do PCL)19; b) a abertura que o carisma deve ter em relação à instituição eclesiástica na obediência aos bispos, mas sem esquecer o devido

17 SECONDIN, B. I nuovi protagonisti: Movimenti, associazioni, gruppi nella Chiesa. Cinisello Balsamo: Paoline, 1991, p. 42. 18 Ibidem, p. 42. 19 «Infelizmente não existem só reações positivas; alguns Padres se mostram abertamente céticos ou até mesmo os proíbem. Por que? Por um lado, alguns bispos são incomodados pelo fato que o epicentro destes movimentos está fora da sua diocese e que o impulso vem de outras Igrejas particulares, às vezes, de povos ou de culturas diferentes. […] alguns bispos se perguntam se ainda são os “donos da casa”. […] Aqui e ali os movimentos de espiritualidade criam tensões e, às vezes, dificuldades. Mas o vinho novo faz romper os odres velhos. O seu crescimento rápido – mais de 20 milhões de adesões – são uma ameaça para a Igreja ou um sinal da prevalência do Espírito Santo?» (CORDES, P. I Movimenti spirituali. In: SV87, p. 307).

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respeito da parte destes à identidade própria de cada carisma – absolutamente necessário para o seu discernimento – (Pe. Luigi Giussani)20; c) a importância e o caráter irrenunciável do discernimento como principal tarefa dos bispos21 e da necessidade de uma maior conformidade dos planos pastorais dos movimentos em relação aos diocesanos22 (Card. Martini); d) a importância dos movimentos neste momento histórico da humanidade e a necessidade de uma inserção mais concreta destes no tecido eclesial diocesano com especial referência à escolha evangélica pelos pobres contra um certo intimismo (Card. Lorscheider)23.

Dentre todas as preocupações, parece ter encontrado maior consenso entre os Padres Sinodais, naquela oportunidade, a de uma certa tendência de fechamento e exclusivismo por parte dos

20 «Para que este movimento do Espírito realize a grande missão são necessários dois fatores. O primeiro: a abertura total do carisma para a instituição eclesial e, conseqüentemente, para a obediência ao bispo até mesmo em profunda mortificação; o segundo: a liberdade com a qual o bispo, para além de suas próprias opiniões e expectativas, paternalmente saiba respeitar a identidade do carisma, de modo a acolher a concreticidade de formas que o carisma vai assumindo na sua diocese, como fator construtivo, até mesmo no plano pastoral» (GIUSSANI, L. In: SV87, p. 280). 21 «Tarefa pastoral principal diante das novas agregações […] é o discernimento. Este não significa só avaliação e julgamento, mas também acompanhamento em vista de uma inserção cordial e orgânica no conjunto da atividade formativa e missionária da Igreja. Este requer um certo tempo e boa vontade recíproca. [...] Às vezes se ouve invocar até o princípio de Gamaliel: “Deixe-se espaço a estas realidades: se não são de Deus, cairão por si mesmas”. Esquece-se que Gamaliel não era um bispo, e que a autoridade eclesiástica não pode renunciar à responsabilidade do governo pastoral» (MARTINI, C. M. Nuove aggregazioni e Movimenti nella Chiesa. In: SV87, pp. 319-320). 22 «O “discernimento-acompanhamento” deve fazer com que uma agregação adapte o próprio projeto intencionalmente global à realidade concreta de uma Igreja Particular e se insira com verdadeira colaboração em um plano pastoral mais amplo» (Ibidem, p. 320). 23 «Estes organismos são muito importantes hoje, em um mundo secularizado, porque capazes de despertar em muitos a fé quase extinta. No entanto, para serem aceitos por todos os pastores, devem ser aperfeiçoados em alguns aspectos, inseridos na pastoral orgânica das Igrejas Locais, em verdadeira obediência e comunhão com os pastores da Igreja Local. […] Seria necessário que estes organismos não perdessem de vista a necessidade – hoje mais que no passado – de uma escolha solidária, evangélica e profética, pelos pobres, com Cristo pobre» (LORSCHEIDER, A. Associazioni e movimento di laici. In: SV87, p. 226).

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movimentos. Nessa linha, o Card. Lorscheider lembrou que «nenhuma associação ou movimento pode fechar-se em si mesmo nem acreditar-se autossuficiente ou considerar-se de tal forma que não possa existir cristão autêntico a não ser pela adesão a esta associação ou movimento»24. O Card. Martini, por sua vez, recordou também a postura hostil e infantil de alguns movimentos:

“Se o bispo não quer que existamos, estamos prontos a morrer: mas não nos seja pedido mudar nada em nosso carisma”. Mas assim já está decidido a priori que o próprio carisma é divino e intocável. [...] Há de se recordar que existe uma só pérola preciosa, intocável e imutável: o reino de Deus e, neste, a caridade. Qualquer outro carisma não será senão uma sua expressão histórica, contingente, da caridade que tudo crê, tudo espera e tudo suporta e que aceita até mesmo algumas modificações e adaptações nas suas formas expressivas para que se edifique a Igreja e seja salvo um maior número de irmãos.25

Poderíamos escrever páginas e páginas sobre as discussões sinodais a esse respeito, mas cremos ser suficiente acrescentar apenas que, para além da polarização dos Padres Sinodais que aconteceu particularmente no campo referente à inserção dos movimentos no concreto da vida das Igrejas particulares, pode-se concluir que o Sínodo ajudou a que se desse um importante passo no amadurecimento da consciência de que estas novas realidades eclesiais eram expressões de um novo tempo para a Igreja e que, evidentemente, como manifestação de uma surpreendente esperança, deveriam ser acompanhadas com cuidado e atenção. Ele foi a inauguração de um novo tempo para os movimentos eclesiais e comunidades novas; consagrou «oficialmente os movimentos eclesiais, reconhecendo-os como realidade surgidas de carismas para cooperar “eficazmente na edificação da Igreja” e para “responder aos novos desafios”, dando assim “alegria e esperança à Igreja”»26. É correto afirmar, portanto, que as discussões em assembleia, mesmo se, às vezes, inflamadas, serviram para purificar e aprofundar o

24 Ibidem, p. 226. 25 MARTINI, C. M. Nuove aggregazioni e Movimenti nella Chiesa. In: SV87, p. 320. 26 GEROSA, L. Carismi e Movimenti nella Chiesa oggi, p. 667.

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espaço devido aos movimentos eclesiais e comunidades novas na Igreja. A esse respeito, Pe. Castellano chegou à seguinte conclusão:

Com o acolhimento na grande plenária sinodal, em força de sua autoridade, do fenômeno dos movimentos eclesiais, com as orientações que foram emitidas, pode-se dizer que a vitalidade dos movimentos não foi mortificada, a sua contribuição à renovação da Igreja e à sua missão foi plenamente reconhecida e abre-se um tempo promissor de mais concreta e convicta colaboração na comunhão orgânica com a Igreja universal e com as Igrejas locais.27

O documento redigido pelo Papa João Paulo II como fruto do sínodo – que sancionaria algumas tomadas de posição sinodais e redimensionaria outras – seria de enorme importância para o desenrolar futuro do debate sobre os movimentos eclesiais e as novas comunidades. Com ele, os obstáculos foram solucionados a partir de uma «visão geral e completa [...], em que a posição do Papa recompõe na unidade as diversas opiniões»28. Desde o início de seu pontificado, João Paulo II parece ter percebido os recursos imensos e a possibilidade de incrementar uma presença mais forte e coesa da Igreja na sociedade através dos movimentos eclesiais. A colaboração ativa do próprio Pontífice na composição do decreto Apostolicam Actuositatem sobre o apostolado dos leigos (que forma, junto com a LG, a base da CfL), fez dele grande conhecedor de toda a problemática da participação dos leigos no processo de construção eclesial, como ele mesmo afirmara: «Eu mesmo, como Padre Conciliar, tive a oportunidade de oferecer a minha colaboração naquele trabalhoso processo»29. Durante a celebração do XX aniversário da promulgação do decreto conciliar AA, ele quis incluir exatamente o desenvolvimento dos movimentos eclesiais como um dos primeiros frutos da aplicação do decreto: «Muito se poderia dizer a respeito da sua aplicação nestes vinte anos do pós-Concílio.

27 CASTELLANO, J. Movimenti Ecclesiali. In: ANCILI, E. (ED.). Dizionario Enciclopedico di Spiritualità - vol. 2. Roma: Città Nuova, 1990, p. 1685. 28 BEYER, J. Il rinnovamento del diritto e del laicato nella Chiesa. Milano: Ancora, 1994, p. 139. 29 GIOVANNI PAOLO II. Per il XX della promulgazione del Decreto Conciliare “Apostolicam Actuositatem” (18 novembre 1985), n. 1. In: IGP-II, vol. VIII, 2 (1985), p. 1301.

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Viveram-se experiências fecundas, como o desenvolvimento encorajador dos novos movimentos eclesiais»30. Chegou-se a afirmar, já há mais de vinte anos, que «do ponto de vista efetivo, o pontificado de Papa Wojtyła vê o fenômeno macroscópico do multiplicar-se quantitativo, mas principalmente do impor-se dos “movimentos”, como ponto forte da presença eclesial na sociedade»31. Se considerássemos também os anos seguintes de seu pontificado até sua morte e o pontificado de seu sucessor, bento XVI, chegaríamos a uma avaliação extremamente positiva destas novas realidades.

A Christifideles laici e os critérios de eclesialidade dos novos movimentos

Passemos, então, à consideração da Exortação Apostólica pós-sinodal propriamente dita. Ficará claro que o Papa procurou preencher as lacunas identificadas pelos Padres sinodais, especialmente a da relação entre os movimentos eclesiais e as Igrejas particulares, além da lacuna dos critérios para facilitar uma melhor avaliação eclesial dos movimentos por parte dos bispos.

A Exortação Apostólica e os movimentos eclesiais

A realidade dos movimentos eclesiais entrou plenamente na Christifideles laici. Já no início da exortação apostólica o Papa recorda os trabalhos e as discussões sinodais referindo-se aos seus pontos mais importantes.

Com o olhar voltado ao pós-Concílio, os Padres Sinodais puderam constatar como o Espírito continuou a rejuvenescer a Igreja, suscitando novas energias de santidade e de participação em tantos fiéis leigos. Isto é testemunhado, além do mais, [...] pelo abundante florescer de grupos, associações e movimentos de espiritualidade e de compromisso laical [...].

30 Ibidem, p. 1302. 31 BRAMBILLA, F. Le aggregazioni ecclesiali nei documenti del Magistero della Chiesa dal Concilio fino ad oggi. In: «Scuola Cattolica», 116 (1988), pp. 461-511, p. 491.

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Alguns problemas, no entanto, se impõem por causa de uma certa “novidade” destes, ao ponto de permitir-lhes chamar pós-conciliares, pelo menos em sentido cronológico: a estes, os Padres Sinodais corretamente reservaram uma atenção particular no decorrer da sua discussão e reflexão. Entre estes problemas devem ser lembrados os que dizem respeito aos ministérios e serviços eclesiais confiados ou que devem ser confiados aos fiéis leigos, a difusão e o crescimento de novos “movimentos” ao lado de outras formas de agregação laical, o lugar e o papel da mulher seja na Igreja, seja na sociedade.32

Trata-se, de acordo com o Papa, «de identificar os caminhos concretos para que a esplêndida “teoria” sobre o laicato expressa pelo Concílio possa tornar-se uma autêntica “práxis” eclesial»33. Os novos movimentos eclesiais aparecem já como uma realidade que se impõe. Quando, então, falará especificamente das formas pessoais ou agregativas de participação34, o Santo Padre se referirá ao fenômeno recente (nos últimos tempos) que assumiu um caráter de particular variedade e vivacidade, representando um verdadeiro novo tempo agregativo dos fiéis leigos.

São várias as razões apontadas por João Paulo II para este novo tempo agregativo. Entre elas, ele lembra, por exemplo, que esta nova configuração segue a «própria natureza social da pessoa e obedece à instância de uma vasta e incisiva eficácia operativa»35. Lembra também a transição epocal que a humanidade já atravessava, no contexto de um mundo secularizado e de uma sociedade pluralística e fragmentada que gera uma sensação de desnorteamento, incerteza e perplexidade.

Mas o motivo principal citado pelo Santo Padre é, porém, de natureza teológica. «Para além destes motivos [sociológicos, operacionais], a razão profunda que justifica e exige o agregar-se dos fiéis leigos é de ordem teológica: é uma razão eclesiológica, como abertamente reconhece o Concílio Vaticano II, que indica no apostolado associado um “sinal da comunhão e da unidade da Igreja

32 CfL 2. 33 Ibidem, 2. 34 Cf. Ibidem, 2. 35 Ibidem, 2.

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em Cristo”» 36. A partir desta natureza eclesiológica do agregar-se dos leigos emergem, então, dois pontos basilares que ocupam os números 29 a 31 da exortação apostólica: a) o fundamento deste agregar-se como verdadeiro direito; b) a necessidade de critérios de discernimento da autenticidade eclesial das novas agregações. Como explicita o próprio documento, «exatamente a razão eclesiológica indicada explica, por um lado, o “direito” de agregação próprio dos fiéis leigos, por outro, a necessidade de “critérios de discernimento” para a autenticidade eclesial das suas formas agregativas»37. Estamos, então, em campo propriamente eclesiológico, e não somente espiritual ou pastoral, o que demonstra uma grande mudança de perspectiva no trato desta questão.

Sobre o primeiro ponto – o direito agregativo dos leigos – tanto o Concílio Vaticano II38, como o novo Código de Direito Canônico39, são citados na exortação apostólica:

A esse respeito, o Concílio é muito claro: “Salva a devida relação com a autoridade eclesiástica, os leigos têm o direito de criar e guiar associações e dar nome àquelas que foram fundadas”. E o recente Código afirma textualmente: “os fiéis têm o direito de fundar e dirigir livremente associações que se proponham a um fim de caridade ou de piedade, ou mesmo associações que se proponham ao crescimento da vocação cristã no mundo; têm também o direito de fazer reuniões para a realização comum destas finalidades”.40

Sobre este primeiro aspecto, portanto, não existiam grandes dificuldades, dada a clareza dos textos conciliares e canônicos que afirmam este direito.

O segundo ponto é manifestamente mais problemático. As discussões do Sínodo sobre critérios a serem usados no discernimento da eclesialidade e no reconhecimento oficial das agregações laicais, mesmo se muito acesas, não parecem ter gerado respostas muito claras. Bruno Secondin é taxativo quando afirma que

36 CfL 29. 37 Ibidem, 29. 38 Cf. AA 19. 39 Cf. C.I.C., can. 215. 40 CfL 29.

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«as sugestões para individuar “critérios de eclesialidade” permaneceram muito vagas»41. A falta de clareza em relação a estes critérios nas discussões sinodais criou uma grande expectativa por parte de todos na Igreja – laicato e hierarquia – quanto à fórmula que o Santo Padre adotaria na exortação apostólica para preencher esta lacuna; era provavelmente um dos textos mais esperados de todo o documento. A importância da CfL 30 é verdadeiramente digna de nota. O próprio Papa João Paulo II confirmou esta importância quando, em 1998, dirigiu a todos os membros dos movimentos eclesiais e comunidades novas, reunidos na Praça de São Pedro, estas palavras: «conheceis os critérios de eclesialidade das agregações laicais, presentes na exortação apostólica Christifideles laici (cf. n. 30). Peço-vos para aderirdes a estes sempre com generosidade e humildade, inserindo as vossas experiências nas Igrejas Locais e nas paróquias, e permanecendo sempre em comunhão com os pastores e atentos às suas orientações»42.

Façamos, então, uma análise mais próxima de cada um destes critérios.

Critérios de Eclesialidade das agregações laicais

Gostaríamos de destacar primeiramente que este assunto é muito mais complexo do que pode parecer sob um primeiro olhar. Acreditamos que seja necessário fazer algumas observações que servirão de premissa a fim de tornar possível sua melhor compreensão.

O primeiro esforço a ser feito é o de compreender bem o que se queira dizer com o termo eclesialidade. Devemos lembrar que eclesialidade «é um termo exigente: significa estar consciente de pertencer à Igreja e, mais ainda, estar consciente de “ser Igreja” e ter o “senso da Igreja”. Para cada agregação de fiéis, a eclesialidade é dada pela sua referência à vida concreta da Igreja; compete a esta como e o quanto cada uma é expressão da Igreja de Cristo, vive dela,

41 SECONDIN, B. I nuovi protagonisti, p. 52. 42 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 8, p. 1124.

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nela e por ela»43. A referência à vida concreta da Igreja é, naturalmente, obrigatória, uma vez que é exatamente ela a reconhecer a eclesialidade de um movimento ou agregação laical. Nos anos 60 e 70 – só para citar um exemplo da absoluta necessidade deste reconhecimento por parte da Igreja – uma parte das associações católicas sofreu uma forte crise. O Card. Rylko referiu-se a este período nos seguintes termos:

A prioridade quase absoluta da “abertura ao mundo” colocava sempre mais nas sombras a opção de fé e a pertença eclesial. Palavras como Cristo, Evangelho, evangelização desapareciam dos programas de algumas organizações católicas e a linguagem usada se transformava em uma espécie de jargão sociológico e político. Tratava-se, então, de uma crise de identidade (quem somos?) e de estilo (quais formas de presença cristã na sociedade?).44

Obviamente, o reconhecimento da Igreja não quer dizer que a eclesialidade seja somente algo de externo, realizado por outro, a ser conquistado talvez com a satisfação e a amizade do bispo diocesano. É preciso afirmar que, na verdade, esta não nasce a partir de fora dos movimentos, mas deve ser encontrada dentro deles mesmos, deve ser um expressão de sua natureza mais íntima. Os critérios de eclesialidade das agregações laicais devem ser compreendidos como «quase orgânicos à sua estrutura por “ser exatamente na sua atuação que a eclesialidade [...] torna-se completamente visível”. Estes, portanto, estão relacionados com o mistério da Igreja, comunhão e missão, sobre a qual os movimentos, como também qualquer outra agregação eclesial, devem “refletir a si mesmos, como em um espelho”»45. O reconhecer por parte da Igreja significa, antes de mais nada, uma consonância em nível profundo com o movimento eclesial, por ser reflexo do reconhecimento de algo que se encontra em si mesma, uma vez que os movimentos eclesiais fazem sempre referência ao mistério que é a própria Igreja. Isto nos leva a outra

43 CEI - COMMISSIONE EPISCOPALE PER IL LAICATO. Nota pastorale “Le aggregazioni laicali nella Chiesa” (29 aprile 1993), n. 12. In: ENCHIRIDION CEI - vol. V. Bologna: EDB, 1996, p. 711. 44 RYŁKO, S. Il Concilio Vaticano II, pietra miliare nel cammino del laicato cattolico. In: PCL. CLC, p. 133. 45 MOGAVERO, D. I movimenti ecclesiali tra carisma e istituzione, p. 525.

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conclusão importantíssima: a eclesialidade de um movimento não é um direito ou um título eclesial, nem muito menos uma auto-certificação ou uma conquista da habilidade político-eclesial... é, sim, «o resultado de um processo de comparação entre o próprio movimento e o mistério da Igreja, no qual a agregação deve encontrar uma verificação da sua origem, da sua autenticidade, da sua missionariedade; e tudo na perspectiva do serviço a todo o corpo de Cristo que é a Igreja»46. É isto que quer dizer também Brambilla quando afirma:

O discernimento realizado pelos critérios, afirmados seja pelo Concílio, seja repetidamente pelo Magistério sucessivo, não pode constituir para ninguém uma patente de eclesialidade. Esta é, assim como a fé, uma realidade muito complexa para ser verificada em base a critérios. Estes podem e devem, porém, funcionar como sinais indicadores de um discernimento sobre o efetivo “assumir a responsabilidade” por parte do crente pela tarefa de edificação da Igreja histórica e, conseqüentemente, informar sobre o rumo de uma efetiva pertença eclesial.47

Assim, os critérios de eclesialidade são indicativos, acima de tudo, de um caminho de verificação da co-responsabilidade das agregações na missão da Igreja.

Neste contexto, já em 1981, através de sua Comissão Episcopal para os Leigos, a CEI (Conferência Episcopal Italiana) publicou a Nota pastoral sobre Critérios de eclesialidade dos grupos, movimentos, associações48. Foi uma das primeiras conferências episcopais no mundo a refletir sobre critérios de eclesialidade para essas novas realidades eclesiais. Os critérios da CEI podiam ser resumidos fundamentalmente em cinco pontos: 1- ortodoxia doutrinal e coerência dos métodos pedagógicos; 2- conformidade com as finalidades da Igreja; 3- comunhão com o

46 Ibidem, p. 526. 47 BRAMBILLA, F. Le aggregazioni ecclesiali nei documenti del Magistero della Chiesa dal Concilio fino ad oggi, p. 510. 48 Cf. CEI - COMMISSIONE EPISCOPALE PER IL LAICATO. Nota pastorale “Criteri di ecclesialità dei gruppi, movimenti, associazioni” (22 maggio 1981). In: ENCHIRIDION CEI, vol. III. Bologna: EDB, 1986, pp. 309-330.

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bispo diocesano; 4- reconhecimento da legítima pluralidade associativa na Igreja; e 5- disponibilidade à colaboração com as outras associações. A Nota pastoral foi considerada, já naquele tempo, um grande passo adiante para a legitimidade dos novos movimentos eclesiais no contexto da Igreja italiana. De fato, escreveu-se: «não é um fato qualquer, porque significa que a Igreja italiana, como um todo, toma consciência destas realidades eclesiais, de fato, até então contestadas em parte, não tanto em sua existência, mas em sua legitimidade, eclesiologia, não sendo nem Ação Católica nem associações canônicas»49. Aos poucos, também em outros países, os movimentos eclesiais atraíram a atenção das conferências episcopais abrindo espaços para a sua consideração em nível mais eclesiológico.

Vejamos, então, rapidamente, em que consistem estes critérios de eclesialidade traçados por João Paulo II na Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles laici sobre a missão dos leigos na Igreja e no mundo.

1° Critério:

O primeiro critério descrito pela CfL 30 é o do Primado dado à vocação de cada cristão à santidade. Nas propositiones, documento com as sugestões finais da assembleia sinodal, este critério aparecia no último lugar; foi posto por João Paulo II em primeiro, o que é bastante sintomático e compreensível, uma vez que o Papa era um dos defensores mais apaixonados da ideia conciliar da santidade ao alcance de todos os cristãos. O Concílio Vaticano II havia proposto, de maneira urgente, o chamado universal à santidade e o Santo Padre o fez ecoar neste trecho de sua exortação apostólica. A própria agregação laical deve converter-se sempre mais em instrumento de santidade na Igreja e no mundo.

Os movimentos e as agregações laicais devem, então, ser instrumentos eclesiais de ajuda aos seus membros – a todos os cristãos, e ainda aos homens e mulheres de boa vontade – na busca da meta central da vida cristã que é a santidade. A meta da santidade

49 CORECCO, E. Profili istituzionali dei Movimenti nella Chiesa. In: Mov.I. Milano: Jaca Book, 1982, pp. 223-224.

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deve ser gradualmente encarnada na vida do cristão, conforme a doutrina, a disciplina e a Tradição da Igreja. Possuindo, freqüentemente, em seus quadros representantes de todos os estados de vida (casais, sacerdotes, jovens, religiosos e religiosas), os movimentos e as novas comunidades eclesiais, na busca desta santidade cristã, devem, evidentemente, respeitá-los. Os fiéis leigos devem ser ajudados e apoiados na busca de sua santificação e no seu empenho temporal (social-eclesial), tendo no mundo contemporâneo o âmbito e o instrumento de sua santificação50. Os casados devem ser ajudados a continuar firmes nos seus deveres conjugais e familiares51, sendo o matrimônio cristão um sinal certo da santidade da Igreja nos seus membros52. Os clérigos devem ser ajudados a empenhar-se na fidelidade à sua vocação sacerdotal na plena inserção no presbitério diocesano sob a autoridade do bispo, «a não ser que eles tenham sido ordenados pelo bispo para o serviço do próprio movimento, pelo seu caráter supra-diocesano e missionário ou pelas obras específicas realizadas por este»53. Os religiosos devem ser apoiados na fidelidade ao carisma e disciplina do próprio Instituto, em plena comunhão e submissão aos seus superiores54.

Um elemento muito importante que deve ser sublinhado é que o empenho de santidade dos leigos deve ser concentrado exatamente no âmbito profissional, social, econômico, cultural e político. Já no início da exortação apostólica o Papa lembra as duas tentações que assediam os leigos do mundo contemporâneo:

Podem-se recordar, de maneira especial, duas tentações das quais nem sempre estes [os leigos] conseguiram escapar: a tentação de reservar um interesse tão forte aos serviços e às tarefas eclesiais, a ponto de chegar, muitas vezes, a uma falta

50 Cf. CfL 15-17; 23. 51 Cf. também a VC 62. 52 Usando a bela expressão sacramento escondido, o Card. Stafford – Presidente do PCL de 1996 a 2003 – indicou o sacramento do matrimônio cristão como o termômetro para medir a saúde da Igreja dos nossos dias: «a forma de medir a temperatura da saúde da Igreja, na minha opinião, no mundo contemporâneo consiste em examinar a saúde do sacramento do matrimônio» (STAFFORD, J. F. I Movimenti nell’Oggi della Chiesa. In: «Nuova Umanità» XXII (2000/1) n°127, Roma, 2000, p. 47). 53 GHIRLANDA, G. Criteri di ecclesialità per il riconoscimento dei movimenti ecclesiali, p. 206. 54 Cf. também a VC 56.

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de compromisso em suas responsabilidades específicas no mundo profissional, social, econômico, cultural e político; e a tentação de legitimar a indevida separação entre a fé e a vida, entre acolhimento do Evangelho e ação concreta nas mais diversas realidades temporais e terrenas.55

Como se pode notar, um fio muito tênue separa a vocação a que os leigos são chamados, do exagero danoso. Não devem abraçar os serviços e tarefas eclesiais como se fossem próprios e exclusivos de seu estado (pois não são), nem levar a própria vida como estranha à fé da Igreja e sua (pois não é). Eles têm um compromisso não somente para com suas famílias, mas também para com o mundo profissional, social, econômico e político. Estes são âmbitos cuja presença leiga é indispensável para que também a Igreja esteja ali representada. Isso seria ainda confirmado na mensagem de João Paulo II ao Card. Stafford, então Presidente do PCL, por ocasião do Congresso Mundial do Laicato Católico, no ano jubilar, quando disse, depois de ter valorizado a participação dos leigos nas paróquias e nas dioceses, chamando-a de serviço precioso e sempre mais indispensável, que apesar de tudo, deveria ser «evitado o risco de descaracterizar a figura do leigo com um excessivo fechar-se em exigências intra-eclesiais»56. Não é fácil o compromisso exigido pelo estado laical, mas ele compreende, certamente, a realização de uma parte da missão da Igreja que só pode ser cumprida pelos leigos, daí a importância que eles assumam e empreguem suas energias no que lhes é próprio. Às novas realidades eclesiais é pedido, portanto, que sirvam de ajuda para que os seus membros abracem, sempre com maior vigor, os serviços confiados a eles na sociedade, testemunhando a verdade cristã a partir de seu próprio estado.

Para terminar, lembramos que o documento sublinha ainda que a prova final, por assim dizer, para a verificação do método pedagógico-espiritual usado por um movimento ou agregação laical é o da fecundidade: se será capaz de conduzir seus membros à

55 CfL 2. 56 GIOVANNI PAOLO II. Messaggio al Cardinale James Francis Stafford in occasione del Congresso del laicato Cattolico sul tema: “Testimoni di Cristo nel Nuovo Millennio” (21 novembre 2000), n. 6. In: IGP-II, vol. XXIII, 2 (2000), p. 930.

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santidade, neles florescerão «vocações ao matrimônio cristão, ao sacerdócio ministerial e à vida consagrada»57.

2° Critério:

O segundo critério expresso pela CfL 30 é a responsabilidade de confessar a fé católica. A fé não é uma realidade de fácil definição. Por isso é importante lembrar que por fé católica, a exortação apostólica quer indicar «a verdade sobre Cristo, sua Igreja e sobre o homem em obediência ao magistério da Igreja, que a interpreta autenticamente»58. Percebe-se logo que o âmbito da fé da Igreja aqui descrita é extremamente amplo e que ela engloba «não só a revelação sobre Cristo e o mistério da Igreja, mas também uma concepção “evangélica” do homem»59. Nos documentos magisteriais de Papa Wojtyła, de fato, o homem ocupa um lugar privilegiado. Basta que recordemos de sua primeira encíclica, Redemptor hominis (4 de Março de 1979), tida por muitos como texto programático de seu pontificado60.

O acolhimento e a proclamação desta verdade de fé é, assim, parte fundamental da sã eclesialidade de qualquer agregação laical. A partir do «acolhimento sincero e cordial do magistério, a realidade do movimento é percebida como lugar do anúncio da fé e de formação integral»61. Se por um lado, sem esta disposição interior do movimento não se poderia falar de uma realidade eclesial propriamente dita, por outro, uma vez que o tipo de experiência e o método pedagógico usado no interior do movimento são verificados e amadurecidos através da objetividade do ensinamento eclesial, eles podem se tornar uma riqueza e um patrimônio para toda a Igreja. Estes, como disse João Paulo II, sendo reconhecidos oficialmente

57 CfL 30. 58 Ibidem. 59 SECONDIN, B. I nuovi protagonisti, p. 52. 60 Cf. <http://www.radiovaticana.org/por/Articolo.asp?c= 33548>. Acesso em: 03 ago. 2009. 61 GHIRLANDA, G. Criteri di ecclesialità per il riconoscimento dei movimenti ecclesiali, p. 207.

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pela autoridade eclesiástica competente, podem converter-se em «formas de auto-realização e reflexos da única Igreja»62.

3° Critério:

O testemunho de uma firme comunhão com o Pontífice Romano e com os bispos aparece como o terceiro critério de eclesialidade. Este havia sido colocado como o primeiro nas indicações do Instrumentum laboris63 e depois nas propositiones64, mas foi deslocado pelo Papa. Aqui fica evidente o importante aspecto da comunhão eclesial na sua dimensão universal e particular, nas figuras do Papa e dos bispos diocesanos, pela qual todos devem trabalhar e zelar. Esta comunhão «é chamada a exprimir-se na leal disponibilidade a acolher os seus ensinamentos doutrinais e orientações pastorais»65, mas também no «reconhecimento da legítima pluralidade de formas agregativas dos fiéis leigos na Igreja»66 por parte de todos, incluída aí a hierarquia. Pe. Secondin recordou que estas observações eram feitas insistentemente por alguns Padres na assembleia sinodal: «Trata-se da lealdade e da disponibilidade para com “os ensinamentos e as orientações pastorais”, como tinham pedido com insistência alguns bispos do sínodo; e também de convivência, colaboração e aceitação da “legítima pluralidade das formas agregativas”»67. Esta pluralidade se reflete no direito e na liberdade dos fiéis em construir comunidades, grupos, associações, «direito que não deriva de uma espécie de concessão da autoridade, mas que flui do batismo, como sacramento que chama os fiéis leigos a participar ativamente da comunhão e da

62 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 6, p. 1122. 63 É o texto base do Sínodo que serve como ponto de partida para as suas discussões e que é distribuído antecipadamente a todos os bispos para dar a eles a possibilidade de se prepararem melhor sobre as matérias que ali serão tratadas. 64 É o documento contendo as proposições decididas como fruto das discussões do Sínodo a serem enviadas ao Papa como sugestões na preparação de sua exortação apostólica. 65 CfL 30. 66 Ibidem. 67 SECONDIN, B. I nuovi protagonisti, p. 53.

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missão da Igreja»68, como afirma o próprio Pontífice no documento pós-sinodal. Sobre esta liberdade, Pe. Beyer afirma:

trata-se de uma liberdade legitimamente batismal, com todos os direitos e deveres que desta decorrem. Esta liberdade reconhecida deve ser garantida pela autoridade eclesiástica uma vez que deve ser exercitada na comunhão. Esta clara tomada de posição constitui certamente um encorajamento a um apoio aos novos grupos que se deparam com tantas incompreensões, para não dizer fortes oposições, por parte de velhos grupos, e também por parte de certas autoridades eclesiásticas.69

Pode-se concluir que este critério de eclesialidade, expresso por uma firme comunhão eclesial e que se traduz em um vivaz testemunho comum, é comprovado «pelo amor sincero para com a Igreja e pelo desejo de uma inserção ativa na sua vida de oração e ação apostólica»70. É importante perceber que a exortação apostólica recorda que faz parte deste critério a «disponibilidade à colaboração com as outras associações»71, o que serve para promover a dinâmica fraterna entre os próprios movimentos eclesiais e comunidades novas, certamente contra qualquer pretensão de “universalismo” e “exclusivismo”, já que «viver a experiência de um movimento não deve significar fechar-se em um âmbito restrito de sensibilidade e iniciativas, mas viver a própria vocação na Igreja com profundidade e de maneira marcante, na abertura ao encontro e à partilha de outras experiências»72. Os movimentos eclesiais e comunidades novas devem servir, acima de tudo, como instrumentos de abertura de seus membros a toda a realidade eclesial. Isso é de importância capital: «nunca será demasiado insistir sobre esta postura de tolerância e de estima recíproca, porque, de fato, os ostracismos e fechamentos

68 CfL 29. 69 BEYER, J. Il rinnovamento del diritto e del laicato nella Chiesa, p. 141. 70 GHIRLANDA, G. Criteri di ecclesialità per il riconoscimento dei movimenti ecclesiali, p. 207. 71 CfL 30. 72 CONTI, L. Movimento. In: SEVESO, B. – PACOMIO, L. (EDD.). Enciclopedia di Pastorale - vol. 4. Casale Monferrato: Piemme, 1993, p. 192.

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recíprocos, e mesmo as rixas entre co-irmãos, são um fenômeno freqüente»73, como relembra Secondin.

4° Critério:

O quarto critério é o da conformidade e da participação na finalidade apostólica da Igreja. A esta altura do texto, na intenção de mostrar o que significaria a expressão finalidade apostólica, o documento pós-sinodal adotou a seguinte citação de AA: trata-se da «evangelização e da santificação dos homens e da formação cristã da sua consciência, de forma que consigam permear de espírito evangélico as várias comunidades e os vários ambientes»74. É esta a finalidade de todo o apostolado da Igreja que deve ser abraçado pelas novas realidades eclesiais como sendo seu próprio apostolado: a evangelização. Representa, então, ânimo para um novo tempo de missionariedade. É exatamente neste critério que reside o apelo de que os movimentos eclesiais e comunidades novas sejam realmente direcionados ao compromisso missionário da nova evangelização. De fato, o documento afirma de maneira muito clara: «a todas as formas agregativas dos fiéis leigos é pedido um impulso missionário que as torne sempre mais sujeitos de uma nova evangelização»75.

Os movimentos eclesiais e as comunidades novas devem, então, empenhar-se, segundo o seu próprio carisma particular e com sua própria forma de fazer apostolado, para manifestar a dinamicidade apostólica da única Igreja, tornando-se fermento na sociedade por meio da ação missionária, da evangelização e das obras de caridade, na humildade e na colaboração com todas as outras realidades da Igreja, sem particularismos ou universalismos.

5° Critério:

Para finalizar, o quinto e último critério de eclesialidade indicado pela CfL 30 se refere ao empenho em uma presença na sociedade humana. Este empenho deve ser tal que, «à luz da

73 SECONDIN, B. I nuovi protagonisti, p. 53. 74 AA 20. 75 CfL 30.

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doutrina social da Igreja, coloque-se a serviço da dignidade integral do homem»76. Mais uma vez, sente-se o eco da afirmação do Papa João Paulo II em sua primeira encíclica, Redemptor hominis: o «homem é a via da Igreja»77. A doutrina social da Igreja é indicada como o pano de fundo deste critério de eclesialidade. Espera-se que as novas expressões eclesiais se tornem «correntes vivas de participação e de solidariedade para construir condições mais justas e fraternas no interior da sociedade»78.

No fim desta parte dedicada aos critérios de eclesialidade para as agregações laicais, o documento explicita a importância dos frutos concretos, como verificação última de tais critérios. Como exemplo deles, João Paulo II indica:

o renovado gosto pela oração, a contemplação, a vida litúrgica e sacramental; a animação pelo florescer das vocações ao matrimônio cristão, ao sacerdócio ministerial, à vida consagrada; a disponibilidade para participar dos programas e das atividades da Igreja em nível, seja local, seja nacional ou internacional; o compromisso catequético e a capacidade pedagógica de formar os cristãos; o impulso em ordem a uma presença cristã nos vários ambientes da vida social e a criação e animação de obras caritativas, culturais e espirituais; o espírito de desapego e de pobreza evangélica em ordem a uma caridade mais generosa para com todos; as conversões à vida cristã ou o regresso à comunhão por parte de batizados “afastados”.79

Estes são os frutos que a Igreja espera no caminho de maturidade eclesial de qualquer agregação eclesial, comunidade nova ou movimento.

76 Ibidem. 77 GIOVANNI PAOLO II. Lettera Enciclica Redemptor hominis (15 marzo 1979), n. 14. In: IGP-II, vol. II (1979). 78 CfL 30. 79 Ibidem.

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CAPÍTULO 2:

O SÍNODO DOS BISPOS DE 1994 E A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL VITA CONSECRATA

A nona Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos ofereceu, também ela, uma boa contribuição ao nosso tema. Além do olhar cuidadoso que esta lançou sobre as novas realidades eclesiais, o que atualizou a leitura das mesmas, o aprofundamento de temas como o carisma (do instituto, de fundação, retorno ao carisma originário etc.), por exemplo, foi de grande utilidade para todas as realidades agregativas da Igreja, incluindo-se aí as novas realidades.

Já é de conhecimento geral que muitas destas novas realidades eclesiais trazem características similares àquelas próprias dos institutos de vida consagrada; sabe-se também que muitas surgem exatamente a partir de um carisma particular. O interesse dos Padres sinodais por estas várias realidades foi, então, quase espontâneo.

A fase de celebração do Sínodo

A nona Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos celebrou-se entre os dias 02 e 30 de outubro de 1994. Se comparada ao sínodo precedente, a participação dos movimentos eclesiais neste evento é considerada bastante modesta. Castellano afirma que as assembleias sinodais de 1973, 1977, 1980, 1983, 1985, 1987 e 1990 tiveram uma presença mais significativa dos representantes dos movimentos, confirmando que, no sínodo sobre a Vida Consagrada, tal presença havia sido atenuada80. No entanto, alguns esclarecimentos do Papa João Paulo II durante esta assembleia foram também de grande importância para o crescimento e acolhimento dessas novas realidades eclesiais.

Em relação aos movimentos eclesiais, foram dignas de nota as vozes que se levantaram durante as discussões em assembleia

80 Cf. CASTELLANO, J. Carismi per il terzo millennio, p. 29.

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sinodal para defender e valorizar, por exemplo, a relação entre os movimentos eclesiais e os institutos tradicionais e já reconhecidos pela Igreja, mesmo se a maior parte das intervenções não foi, evidentemente, sobre este assunto, e sim, sobre os aspectos da própria vida consagrada. Referindo-se à afirmação feita por muitos religiosos e religiosas (mesmo superiores) sobre o perigo representado, eventualmente, pela participação de um religioso(a) a um movimento eclesial, o então Presidente da Conferência dos Superiores Maiores da Polônia, Pe. Florian Pelka, afirmou: «Quero testemunhar que o Senhor serviu-se deste Caminho para lançar uma luz mais intensa sobre a minha vida religiosa na Companhia de Jesus e sobre o meu ministério sacerdotal, ajudando-me a superar alguns momentos difíceis»81. Depois de ter listado os valores espirituais dos movimentos eclesiais (como a abertura a todos; a nova experiência de Deus que oferecem; um radical retorno à escuta pessoal da Palavra de Deus, fonte de orientação da própria vida; a solidez e a simplicidade da experiência espiritual que colocam à disposição; a comunhão fraterna; o dinamismo e a vitalidade espiritual que lhes são próprios), Pe. Pelka concluiu a sua intervenção levantando as seguintes questões:

- Os movimentos eclesiais constituem uma “ameaça” ou devem ser considerados como um desafio para os institutos religiosos por causa do seu dinamismo e da sua vitalidade espiritual?

- A participação de um religioso em um movimento eclesial leva realmente a uma perda de identidade religiosa e cria uma “dupla pertença”?

- Muitos jovens, garotos e garotas, descobrem a sua vocação à vida consagrada fazendo uma experiência de Deus em um movimento eclesial. Como iniciar-lhes na espiritualidade de uma Congregação religiosa respeitando esta experiência, muitas vezes bastante profunda?

- Não deveríamos talvez olhar para os movimentos eclesiais como um dom de Deus e um campo fértil para as vocações religiosas e sacerdotais?82

81 SV94, p. 189. 82 Ibidem, p. 190.

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Uma outra intervenção interessante foi a da Sra. Valeria Ronchetti, uma das primeiras colaboradoras de Chiara Lubich e responsável pelas religiosas que aderem ao Movimento dei focolari (Roma/It.). Falando da relação entre os religiosos e o Focolari, afirmou: «Os frutos que derivam desta são realmente consoladores. Estes religiosos afirmam compreender melhor, através da luz do Carisma da Unidade, o próprio Fundador, e sentem nascer um forte desejo de reviver e atualizar o seu carisma no hoje da Igreja. Redescobrem as suas regras e percebem um maior impulso a colocá-las em prática»83.

Durante a terceira semana, o Card. Pironio, então Presidente do PCL, explicou (talvez no esforço de anular ou, pelo menos, limitar alguma abordagem negativa de contraposição entre os movimentos e novas comunidades eclesiais, de um lado, e os institutos de vida consagrada já reconhecidos, do outro) que as reivindicações dos movimentos eclesiais não eram as de tornarem-se uma nova forma de vida consagrada. Deste modo, dava a sua contribuição sobre a correta colocação dessas novas realidades na Igreja:

De nenhuma forma, os leigos pretendem propor, principalmente por meio dos seus movimentos e associações, uma nova forma de vida consagrada; querem simplesmente ser fiéis à sua vocação de santidade e à urgência missionária que lhes vem do batismo. Estes experimentam a necessidade de seguir Cristo radicalmente, até mesmo fazendo próprios, às vezes pessoalmente ou em grupos, os conselhos evangélicos, conservando, porém, a sua secularidade e a sua forma de ser discípulos de Cristo.84

Como se percebe facilmente, essas discussões só fortaleceram o interesse pelas novas realidades eclesiais, o que ficará claro no documento pós-sinodal e, ainda mais, nas futuras intervenções do Magistério.

83 Ibidem, p. 341. 84 Ibidem, p. 330.

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A Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata e os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas

Todas as discussões sobre os multíplices desafios e perspectivas feitas em assembleia sobre a vida consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo se cristalizaram nos 112 artigos da Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata, frutos da escrita de João Paulo II, em fiel escuta ao sínodo. O Pontífice recolheu e concentrou, por sua vez, toda a discussão sinodal sobre os movimentos e novas comunidades eclesiais no n. 62 da VC.

O Papa iniciou o seu documento mencionando a ação e a assistência do Espírito Santo à Igreja no renovar a fidelidade dos antigos institutos de vida consagrada, tornando fecundo o seu carisma, e no doar de novos carismas para que dêem vida a instituições que respondam aos desafios de hoje. Faz, então, memória de toda a discussão sinodal mencionando também o que tinha sido dito explicitamente no Instrumentum laboris, mas criando, no entanto, novas expressões:

Sinal desta intervenção divina são as chamadas novas Fundações, com características, de alguma forma, originais em relação às tradicionais. A originalidade das novas comunidades consiste, muitas vezes, no fato que se trate de grupos compostos por homens e mulheres, por clérigos e leigos, por casados e celibatários, que seguem um determinado estilo de vida, às vezes, inspirado em uma ou outra forma tradicional ou adaptado às exigências da sociedade de hoje. Mesmo o seu compromisso de vida evangélica se exprime de diversas formas, ao passo que se manifesta, como tendência geral, uma aspiração à vida comunitária, à pobreza e à oração. Clérigos e leigos participam do governo, de acordo com as suas competências, e a finalidade apostólica se abre às instâncias da nova evangelização.85

As novas expressões usadas pelo Papa para designar esses grupos comprova que a questão terminológica estava ainda em gestação. Depois de ter confirmado a tarefa hierárquica do discernimento dos carismas, tanto em nível local quanto naquele universal, o Papa esclareceu aspectos importantes acerca da vida

85 VC 62.

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consagrada com relação às novas formas de vida eclesial (“novas Fundações” e “novas comunidades”). Afirmou que o «Princípio fundamental, para que se possa falar de vida consagrada, é que os traços específicos das novas comunidades e formas de vida resultem fundamentadas sobre os elementos essenciais, teológicos e canônicos, que são próprios da vida consagrada»86. Assim, se uma nova agregação tem seus traços característicos fundamentados sobre os elementos essenciais, teológicos e canônicos próprios da vida consagrada, poderia ser, em tese, enquadrada no âmbito da vida consagrada. O Santo Padre esclareceu, porém, acolhendo o amplo consenso sinodal, que

não podem ser compreendidas na específica categoria da vida consagrada aquelas formas de compromisso, mesmo louváveis, que alguns cristãos casados assumem em associação ou movimentos eclesiais, quando, na intenção de levar à perfeição da caridade o seu amor, já “como consagrado” no sacramento do matrimônio, confirmam com um voto o dever da castidade própria da vida conjugal e, sem descuidar dos seus deveres para com os filhos, professam a pobreza e a obediência.87

Esta afirmação não deve ser compreendida como uma espécie de censura àqueles casais, uma vez que o Santo Padre acrescenta, explicitamente, que «O esclarecimento necessário sobre a natureza desta experiência não deseja desvalorizar este caminho específico de santificação, ao qual não é certamente estranha a ação do Espírito Santo, infinitamente rico nos seus dons e nas suas inspirações»88.

Já o Instrumentum laboris concluia o seu número 37 com uma questão aberta: «Trata-se de esclarecer se estas agregações querem ser reconhecidas como nova forma de vida consagrada, ou como associações de fiéis, com caráter de movimentos eclesiais»89. É possível perceber a absoluta novidade que estas novas realidades eclesiais carregam consigo, mesmo deste ponto de vista: devia-se ainda escolher um caminho a percorrer. O documento faz notar que a

86 Ibidem, 62. 87 Ibidem, 62. 88 Ibidem, 62. 89 Instrumentum laboris, n. 38. In: SV94, pp. 542-543.

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novidade dinâmica coloca o povo de Deus – leigos, religiosos e hierarquia – diante de situações completamente novas, que exigem o esforço contínuo da oração, da reflexão teológica e da atenção ao que “o Espírito diz às Igrejas” (cf. Ap. 2-3), em função de um discernimento sempre mais coerente e acertado que não traia a novidade que representam. Esta nova realidade se coloca diante de uma espécie de encruzilhada: ou se solicita que a Igreja crie uma nova configuração ou forma de vida consagrada (caso a agregação tenha aqueles elementos essenciais, teológicos e canônicos recordados anteriormente), ou se pede uma outra forma de aprovação do tipo de associação ou agregação laical ou de fiéis que possibilite a vivência de sua novidade. Um aspecto, porém, o Instrumentum laboris deixa claro e sólido: para que um fiel seja considerado membro de um instituto de vida consagrada, ele deve assumir todos os três conselhos evangélicos. Aqueles que não possam ou não queiram assumi-los por inteiro (como, naturalmente, é o caso dos esposados), poderão ter somente uma ligação de obediência, de partilha de bens ou de vida em comum, devendo ser considerados agregados, com vínculo mais ou menos forte conforme às Constituições90. A expressão “vida consagrada” tem, de fato, sua longa tradição na história da Igreja. Os cônjuges não podem assumir essa consagração, visto que

A castidade conjugal, sendo conjugal, é um dever-direito que brota do próprio sacramento do matrimônio, portanto, confirmá-lo também com um voto ou outra ligação sagrada, mesmo que manifeste e apóie um dinamismo espiritual, certamente obra do Espírito, não representa uma nova consagração em relação à batismal e à “quase-consagração” recebida no próprio sacramento do matrimônio.91

De qualquer forma, no primeiro caso, isto é, no caso de a nova comunidade ou movimento desejar ser uma nova forma de vida consagrada na Igreja, dever-se-ia recorrer ao Romano Pontífice para instituí-la, uma vez que, na Igreja, somente a Sé Apostólica tem este

90 Cf. Ibidem, n. 38. In: SV94, p. 543. 91 GHIRLANDA, G. Carisma e statuto giuridico dei movimenti ecclesiali, pp. 138-139.

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poder92. Deste modo, estas agregações poderiam ter uma configuração jurídica mais precisa e os bispos poderiam ter, também eles, melhores condições de realizar um discernimento mais claro a esse respeito. Pergunta-se, evidentemente, se uma decisão como esta seria oportuna para a Igreja. O documento reforça textualmente que «é necessário examinar se a experiência destas últimas décadas seja suficiente para levar o Pontífice Romano a instituir uma nova forma de vida consagrada na Igreja»93.

Sobre o segundo caso, ou seja, da possibilidade do pedido para que se crie uma nova forma de aprovação do tipo de associação ou agregação laical ou de fiéis, já o Instrumentum laboris afirmava:

Aquelas agregações, por outro lado, semelhantes a estas, como os movimentos eclesiais, que não queiram ser reconhecidas como formas de vida consagrada, mesmo tendo em seu próprio seio membros que assumem os conselhos evangélicos com algum vínculo, até mesmo perpétuo, podem ter um reconhecimento como associação de fiéis, mas com um estatuto próprio, cuja forma deve ainda ser estabelecida, porque a composição destas envolve a competência de mais de um Dicastério.94

Nos últimos anos, alguns movimentos eclesiais e comunidades novas receberam uma aprovação pontifícia no âmbito do Pontifício Conselho para os Leigos, como Associação Privada Internacional de Fiéis95.

Com a finalidade de se ter um melhor discernimento do que fazer para melhor aproveitar os carismas destas novas realidades eclesiais para o proveito de toda a Igreja, o Papa João Paulo II anunciou na CfL a criação de uma comissão que se encarregasse do estudo aprofundado das questões referentes a elas, incluindo aí a

92 Cf. C.I.C., can. 605; C.C.E.O., can. 571. 93 Instrumentum laboris, n. 38. In: SV94, p. 543. 94 Ibidem, p. 543. Referente à última parte da citação, é um fato que movimentos ou comunidades novas que possuem membros leigos e sacerdotes tocam nos campos de competência de dicastérios diferentes, como o Pontifício Conselho para os Leigos e a Congregação para o Clero. 95 No Brasil, foi o caso da Comunidade Católica Shalom e da Comunidade Canção Nova, por exemplo.

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conveniência ou não da criação de novas formas de consagração na Igreja:

Diante de tanta riqueza de dons e de impulsos inovadores, parece conveniente criar uma Comissão para as questões referentes às novas formas de vida consagrada, com o objetivo de estabelecer critérios de autenticidade, que ajudem no discernimento e nas decisões. Entre outras tarefas, esta Comissão deverá avaliar, à luz da experiência destas últimas décadas, quais novas formas de consagração a autoridade eclesiástica possa, com prudência pastoral e para vantagem comum, reconhecer oficialmente e propor aos fiéis desejosos de uma vida cristã perfeita.96

Ao final da parte da exortação apostólica dedicada às novas realidades eclesiais, o Pontífice enaltece as antigas formas de vida consagrada, demonstrando todo o reconhecimento e a estima que merecem na Igreja. Além disso, mostra como positiva e digna de aprofundamento aquela relação – diálogo e partilha de dons – com as novas formas, com vantagem para ambas.

Os antigos Institutos, entre os quais muitos passaram pela peneira de provações duríssimas, suportadas com fortaleza ao longo dos séculos, podem enriquecer-se entrando em diálogo e partilhando os dons com as fundações que vêm à luz neste nosso tempo. Desta forma, o vigor das várias instituições de vida consagrada, desde as mais antigas às mais recentes, como mesmo a vivacidade das novas comunidades, alimentarão a fidelidade ao Espírito Santo, que é princípio de comunhão e de perene novidade de vida.97

Ainda uma última indicação importante do documento a respeito dos cônjuges que são membros dos movimentos eclesiais e comunidades novas. O Papa João Paulo II mostra, acolhendo as indicações dos Padres sinodais, a preocupação em que se preservem os direitos próprios dos filhos destes casais, a fim de que eles possam ter uma certa estabilidade, quer econômica, quer no que se refere a relações sociais e afetivas. É preciso zelar para que os votos

96 Ibidem, 62. 97 Ibidem, 62.

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de pobreza e de obediência feitos pelos genitores não comprometam essas dimensões na prole. O documento é muito específico quando afirma:

De fato, os pais têm a obrigação de respeitar a liberdade dos seus filhos nas escolhas fundamentais da sua vida. [...] um vínculo de pobreza, até à renúncia, às vezes, de todos os bens, parece violar os direitos dos filhos a uma certa estabilidade econômica em relação ao seu futuro e, assim, condicioná-los nas suas escolhas de vida; um voto de obediência, que comporte a mobilidade missionária, parece violar o direito dos filhos a uma estabilidade de relações sociais e afetivas, necessária para o seu desenvolvimento humano harmônico.98

Por isso, o próprio Pontífice incluíra em sua exortação apostólica um «sem descuidar dos seus deveres para com os filhos»99, quando se referiu aos compromissos assumidos pelos pais nos movimentos eclesiais e comunidades novas. Tal preocupação deve ser levada sempre em consideração pelos genitores, mas não só por eles: deve ser uma preocupação também das autoridades constituídas nas novas realidades eclesiais.

98 GHIRLANDA, G. Carisma e statuto giuridico dei movimenti ecclesiali, pp. 138-139. 99 VC 62.

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CAPÍTULO 3:

O ENCONTRO DE PENTECOSTES DE 1998 E O I CONGRESSO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS ECLESIAIS E

COMUNIDADES NOVAS: “OS MOVIMENTOS NA IGREJA”

Nos últimos anos foram realizados vários eventos para se discutir a respeito da presença, importância e desenvolvimento das novas realidades eclesiais. O primeiro destes encontros realizados em nível mundial – que não só tratou especificamente destas questões, como também marcou o início de um acompanhamento mais próximo desse fenômeno por parte da hierarquia da Igreja – foi o encontro mundial, proposto por Papa Wojtyła, com todas as expressões de movimentos eclesiais e comunidades novas, na Praça de São Pedro, no Pentecostes de 1998100. Este encontro foi precedido pelo Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais101 realizado em Roma, de 27 a 29 de maio. Esse evento representou um momento privilegiado de reflexão sobre a natureza dos carismas e dos movimentos eclesiais, além de colocar em relevo a relação existente entre eles e a Igreja.

Assim, realizado em duas etapas, o encontro constituiu-se como grande testemunho comum desejado pelo Pontífice e «teve uma grande importância para relançar a experiência eclesial dos movimentos, já na vigília do novo século e do novo milênio»102. A ideia do evento nascera dois anos antes, de um convite feito pelo

100 Este seria o IV Encontro Mundial com os Movimentos eclesiais, como recorda o documento da CNBB - COMISSÃO EPISCOPAL PASTORAL PARA A DOUTRINA DA

FÉ. Igreja particular, movimentos eclesiais e novas comunidades, n.15, p.15. No entanto, o PCL adotou nos “Atos do Congresso” de 2006 a expressão “II Encontro Mundial dos Movimentos Eclesiais e Comunidades Novas”, considerando, assim, o de 1998 como o primeiro de grande vulto com a presença das Comunidades Novas. 101 Note-se que o termo Comunidades Novas não foi colocado no título da publicação dos atos do Congresso, como virá a acontecer em sua segunda edição, mesmo se neles já se fala de “Encontro do Santo Padre com os movimentos eclesiais e as comunidades novas”. 102 CASTELLANO, J. Carismi per il terzo millennio, p. 32.

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próprio Santo Padre, durante uma homilia na Vigília de Pentecostes de 1996, quando afirmou:

Um dos dons do Espírito Santo ao nosso tempo é certamente o florescimento dos movimentos eclesiais que desde o início do meu pontificado continuo a indicar como motivo de esperança para a Igreja e para os homens. [...] Confio que estes, em comunhão com os pastores e em conexão com as iniciativas diocesanas, trarão ao coração da Igreja a sua riqueza espiritual, educativa e missionária, como preciosa esperança e proposta de vida cristã.103

Com o tema Os Movimentos Eclesiais: comunhão e missão à vigília do terceiro milênio, o Congresso – que antecedia o momento maior do “testemunho comum” –, contou com a presença de cerca de 350 convidados provenientes de várias partes do mundo e que representavam cerca de 50 movimentos e comunidades novas. Estavam ali vários representantes dos diversos dicastérios da Cúria Romana e numerosos bispos, sem esquecer os observadores de várias instituições católicas e delegados fraternos de outras Igrejas e Comunidades cristãs. O objetivo das reflexões do Congresso era, fundamentalmente, a de analisar e debater a respeito da natureza e da missão dos movimentos eclesiais.

Sobre o primeiro aspecto – a natureza dos movimentos eclesiais – houve seis intervenções.

A primeira104 foi a do Card. Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que tratou sobre “Os movimentos eclesiais e a sua colocação teológica”105, conferência

103 GIOVANNI PAOLO II. Inaugurazione della grande missione cittadina in preparazione al Giubileo del Terzo Millennio con la Veglia di Pentecoste (25 maggio 1996), n. 7 In: IGP-II, vol. XIX, 1 (1996), pp. 1373-1374. 104 A seqüência dos eventos do Congresso indicada por nós aqui é a mesma expressa pelos “Atos do Congresso” publicados pelo PCL (PONTIFICIUM

CONSILIUM PRO LAICIS. I Movimenti nella Chiesa – Atti del Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali [Roma, 27 – 29 maggio 1998]. Città del Vaticano: LEV, 1999), e não reflete, necessariamente, a seqüência ocorrida durante o mesmo. 105 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica.In: PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS, I Movimenti nella Chiesa – Atti del Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali (Roma, 27 – 29 maggio 1998). Città del Vaticano: LEV, 1999, pp. 23-51.

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que marcou não só o Congresso, mas toda a discussão posterior sobre a matéria, sendo até hoje aprofundado pelos outros encontros mundiais.

A segunda conferência foi dada pelo Prof. David Schindler, professor de Teologia fundamental da seção de Washington do Pontifício Instituto “Giovanni Paolo II”, que afrontou o espinhoso tema “Instituição e carisma”.

O teólogo Pe. Piero Coda, hoje bispo e Secretário da Pontifícia Academia de Teologia, fez a terceira conferência sobre o tema “Os movimentos eclesiais, dom do Espírito. Uma reflexão teológica”.

O Mons. Angelo Scola, então reitor da Pontificia Università Lateranense, hoje Cardeal Patriarca de Veneza, tratou do tema “A realidade dos movimentos na Igreja universal e particular” na quarta conferência sobre a natureza dos movimentos eclesiais.

A quinta intervenção foi feita pelo jesuíta Pe. Gianfranco Ghirlanda, então decano da Faculdade de Direito Canônico da Pontifica Università Gregoriana de Roma (foi seu Reitor de 2004 a 2010), com o tema “Carisma e estatuto jurídico dos movimentos eclesiais”.

A sexta e última conferência do primeiro aspecto – a natureza dos movimentos – foi dada pelo domenicano Dom Albert-Marie de Monleón, bispo de Meaux - França, que tratou do tema “Os movimentos como lugar de uma humanidade transfigurada”.

Sobre o segundo aspecto fundamental do Congresso – a missão dos movimentos eclesiais –, houve uma “mesa redonda” com cinco intervenções feitas por: Brian Smith, então Presidente da Catholic Fraternity of Charismatic Covenant Communities and Fellowships; Giancarlo Cesana, médico, professor e membro do Conselho Nacional e do Executivo da Fraternità di Comunione e Liberazione; Luis Fernando Figari, Fundador do Movimento de Vida Cristã e da Sociedade de Vida Apostólica do Sodalitium Christianae Vitae; Andrea Riccardi, professor de História do Cristianismo e Fundador da Comunidade de Santo Egídio; Gabriella Fallacara, co-responsável pelo Centro “UNO”, secretaria ecumênica do Movimento dei Focolari. Eles trataram, respectivamente, dos temas: “Um novo impulso missionário”, “A tarefa de ensinar”, “A construção de um

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mundo mais humano: cultura e trabalho”, “Caridade e justiça: desafios para os movimentos” e “Ecumenismo: diálogo e encontro”.

O Congresso contou ainda com três meditações litúrgicas feitas, respectivamente, pelos cardeais James Francis Stafford (então Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos) e Camillo Ruini (Vigário Geral de Sua Santidade para a diocese de Roma), e pelo bispo Dom Stanisław Ryłko, então Secretário do Pontifício Conselho para os Leigos, hoje cardeal e seu presidente.

O momento mais esperado do Congresso foi o encontro, ocorrido na Praça de São Pedro, do Papa João Paulo II com os membros dos movimentos eclesiais e das novas comunidades para viverem juntos o Pentecostes do ano dedicado ao Espírito Santo, no âmbito do triênio que precedia o Grande Jubileu do ano 2000. Ali se contava mais de trezentas mil pessoas. João Paulo II falou à multidão sobre maturidade eclesial como desafio e nova etapa a ser percorrida. Aquele encontro constituiu-se um momento memorável para os movimentos eclesiais e comunidades novas e foi saudado pelo Pontífice com as seguintes palavras:

Este de hoje é realmente um evento inédito: pela primeira vez os movimentos e as novas comunidades encontram-se, todos juntos, com o Papa. É o grande “testemunho comum” desejado por mim para o ano que, no caminho da Igreja rumo ao grande Jubileu, é dedicado ao Espírito Santo. O Espírito Santo está aqui conosco! É Ele a alma deste admirável acontecimento de comunhão eclesial.106

A importância e a necessidade de acolhimento e valorização destas novas realidades eclesiais apareciam como elementos fundamentais a serem construídos, e já encontravam uma primeira confirmação na mensagem de Papa Wojtyła por ocasião da abertura do Congresso Mundial ocorrido antes, quando utilizando à sua própria experiência pastoral, referiu-se a sua relação com os movimentos e comunidades novas no exercício do seu pontificado:

Desde o início do meu pontificado, atribuí especial importância ao caminho dos Movimentos eclesiais, e tive

106 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 2, p. 1120.

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como apreciar o fruto da sua difusa e crescente presença no curso de minhas visitas pastorais às paróquias e viagens apostólicas. Constatei com alegria a sua disponibilidade em colocar as próprias energias a serviço da Sé de Pedro e das Igrejas locais. Pude indicá-los como novidade que ainda espera por ser adequadamente acolhida e valorizada.107

Essas palavras indicam, por parte do Pontífice, um cada vez mais claro programa de acolhimento, valorização e apoio aos movimentos eclesiais e comunidades novas. A novidade que ainda espera ser adequadamente acolhida e valorizada é, manifestadamente, uma chamada à reflexão e ao aprofundamento sobre o tema, tanto aos Pastores, como a todo o povo de Deus. Pode-se afirmar que esta é um convite a não fechar os olhos diante das novas realidades eclesiais, bem como a manifestação de um desejo de que a maturidade possa acontecer na Igreja em todos os níveis. O tema seria amplamente retomado por seu sucessor, Papa Bento XVI.

Refletindo sobre a nova autoconsciência eclesial dos leigos – fruto da ação do Espírito Santo em suas consciências, mas também da maior valorização da participação laical expressa nos documentos do Concílio Vaticano II –, João Paulo II encontra uma forte conexão com o surgir dos movimentos eclesiais e das novas comunidades:

Que necessidade tem-se hoje de personalidades cristãs maduras, conscientes da própria identidade batismal, da própria vocação e missão na Igreja e no mundo! Que necessidade de comunidades cristãs vivas! E eis, então, os movimentos e as novas comunidades eclesiais: eles são a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este dramático desafio de fim de milênio. Vocês são esta resposta providencial.108

Depois daquele extraordinário encontro, não se pôde mais permanecer indiferente às novas realidades eclesiais, e a necessidade

107 GIOVANNI PAOLO II. Messaggio ai partecipanti al Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali promosso dal Pontificio Consiglio per i laici (27 maggio 1998). In: IGP-II, vol. XXI, 1 (1998), n. 2, p. 1062. 108 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 7, p. 1123.

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de uma reflexão mais apurada sobre os movimentos eclesiais e comunidades novas ganhou corpo. Se é verdade que os «movimentos são historicamente os instrumentos pelos quais a Providência atua o próprio empenho em tornar presente com maior evidência o acontecimento de Cristo na vida da Igreja e, portanto, na vida do mundo»109, esse encontro inaugurou, então, um tempo privilegiado de discussão sobre o nosso tema. A confirmação, a animação, as exortações, a busca de uma colocação eclesiológica mais exata, a guia e a orientação magisteriais foram só alguns dos elementos importantes deste evento.

O Papa havia definido os movimentos eclesiais e as novas comunidades como resposta providencial de Deus para os desafios deste tempo, daquele final do milênio, indicando como motivo desta resposta do Espírito Santo o surgir de uma personalidade cristã e batismal mais madura entre os cristãos, a consciência do seu lugar na Igreja e no mundo, e a força de uma fé vivenciada com alegria e vigor. Não se trata aqui, obviamente, de exclusivismos; o Papa não se refere a uma única resposta de Deus para a Igreja, mas de uma resposta providencial. Trata-se de um forte reconhecimento dos dons e dos carismas que são próprios dos movimentos eclesiais e comunidades novas. O Pontífice os exorta a que coloquem estes dons e carismas à disposição de toda a Igreja na sua missão evangelizadora. Encerrará o encontro na Praça de São Pedro com estas palavras: «Hoje, desta praça, Cristo repete a cada um de vocês: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Ele conta com cada um de vocês, a Igreja conta com vocês. “Eis – assegura o Senhor – que eu estou convosco todos os dias, até o final do mundo” (Mt 28,20). Estou convosco»110. Aquele Estou convosco final, que não faz parte da citação de Mt 28,20, não pode ser considerado senão como um grande e profundo sinal de apoio pessoal de Papa Wojtyła aos movimentos e novas comunidades eclesiais.

A confiança e a importância, porém, que o Papa atribuíra a estas novas realidades eclesiais não anulam riscos ou dispensam um

109 GONZÁLEZ, F. Carismi e movimenti nella storia della Chiesa, p. 102. 110 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 9, p. 1125.

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acompanhamento a ser feito sempre mais de perto pelos Pastores responsáveis. Exercitando o seu ofício de Pastor da Igreja em nível universal, João Paulo II não se subtraiu em formar os membros dos movimentos eclesiais e comunidades novas na fé e na obediência ao Magistério da Igreja. Esta formação parece ter sido proposta com a finalidade de oferecer uma compreensão mais aprofundada da própria manifestação do Espírito Santo no nosso tempo, buscando evitar os excessos de uma leitura fundamentalista deste fenômeno.

Referindo-se ao nascimento e desenvolvimento dos movimentos eclesiais, especialmente àquela etapa particular em que o carisma é estendido e comunicado a outros, o Papa afirmou: esta «passagem do carisma originário ao movimento acontece pela misteriosa atração exercitada pelo fundador sobre todos aqueles que se deixam envolver na sua experiência espiritual. Desta forma, os movimentos reconhecidos oficialmente pela autoridade eclesiástica propõem-se como formas de auto-realização e reflexo da única Igreja»111. Note-se que João Paulo II explora este assunto colocando-o em relação com a verificação por parte da Igreja institucional, evitando que se possa cair em uma visão demasiado intimista do desenvolvimento do carisma na vida eclesial. Os movimentos eclesiais e comunidades novas, frutos destes carismas, podem se tornar formas de auto-realização da Igreja se reconhecidos oficialmente pela autoridade eclesiástica competente.

O plural usado pelo Pontífice – formas – é muito oportuno e invoca a ideia de que é a Igreja a realidade primária e singular nessa relação, enquanto os movimentos eclesiais são direcionados a uma forma de viver a fé da Igreja radicada no hoje da humanidade, como resposta do Espírito aos desafios do nosso tempo. De fato, chamou-os expressões de uma multiforme variedade de carismas que deve ser vivida, porém, «em obediência a Cristo e aos Pastores da Igreja, [... uma vez que...] no mistério da União do Corpo de Cristo, a unidade não é nunca homogeneidade horizontal, negação da diversidade, como a pluralidade não deve tornar-se nunca particularismo e dispersão»112. Esta obediência devida ao Magistério

111 Ibidem, n. 6, p. 1122. 112 Cf. GIOVANNI PAOLO II. Messaggio ai partecipanti al Congresso Mondiale dei Movimenti ecclesiali, n. 3, p. 1064.

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da Igreja é intimamente ligada ao fato de que o carisma de um movimento não pode autoproclamar-se útil à Igreja, mas deve ser reconhecido como tal pela mesma, isto é, deve ser a própria Igreja a olhar o carisma e, reconhecendo-o como realidade conforme a si, proclamar a sua autenticidade. A confiança dos membros das novas realidades eclesiais nos Pastores, não deve, portanto, diminuir jamais. O Papa destaca este ponto como elemento fundamental do caminho formativo que deve ser organizado pelos movimentos e pelas novas comunidades: «Na confusão que reina no mundo de hoje é muito fácil errar, ceder às tentações. Na formação cristã organizada pelos movimentos não falte nunca o elemento desta confiante obediência aos bispos, sucessores dos apóstolos, em comunhão com o Sucessor de Pedro!» 113.

Um aspecto importante que devemos acrescentar é que o Papa João Paulo II, seguindo o ensinamento conciliar, deixou explícito que um carisma na Igreja não acrescenta nada de novo ao seu “depósito da fé” – patrimônio contido na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja114 –, mas que ele pode, quando autêntico, manifestar a beleza do mistério da Igreja de modo mais adequado aos novos tempos. A referência a essa doutrina foi feita em sua mensagem aos participantes do Congresso Mundial, quando afirmou:

A originalidade própria do carisma que dá vida a um movimento não pretende, nem o poderia, acrescentar o que quer que seja à riqueza do “depositum fidei”, guardado pela Igreja com apaixonada fidelidade. Esta, porém, constitui um apoio poderoso, uma chamada sugestiva e convincente a viver plenamente, com inteligência e criatividade, a experiência cristã. Está nisto o pressuposto para encontrar respostas adequadas aos desafios e urgências dos tempos e das circunstâncias históricas sempre diferentes.115

113 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 8, p. 1124. 114 Confirmando o Concílio de Trento, o Concílio Vaticano II, através da sua Contituição Dogmática sobre a Revelação Divina, Dei Verbum, afirma que «ambas [sagrada Tradição e Sagrada Escritura] devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e reverência» (DV, 9). 115 GIOVANNI PAOLO II. Messaggio ai partecipanti al Congresso Mondiale dei Movimenti ecclesiali, n. 4, p. 1064.

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A novidade encontra-se, então, na maneira sugestiva e convincente, inteligente e criativa que o carisma suscita na vivência da fé, gerando, assim, homens e mulheres capazes de dar respostas à altura dos desafios próprios do tempo presente.

O Papa não se subtraiu nem mesmo a falar do “incômodo” que o nascimento dos movimentos eclesiais e comunidades novas provocou – e ainda provoca – na realidade eclesial. De forma muito franca, falou sobre as incompreensões que se criaram, até mesmo por parte da hierarquia da Igreja. Com isso, convidou os movimentos a dar um passo adiante no seu amadurecimento, destacando o desafio que este passo representa e manifestando igualmente as suas expectativas e esperanças de ver “frutos maduros”. Assim, afirmou:

O seu nascimento e difusão [dos novos movimentos] trouxe na vida da Igreja uma novidade inesperada, e, às vezes, até mesmo explosiva. Isto não deixou de suscitar interrogações, dissabores e tensões, às vezes, comportou presunções e intemperanças de um lado, e não poucos preconceitos e reservas, de outro. [...] Hoje, diante de vocês, se abre uma nova etapa: a da maturidade eclesial. Isto não quer dizer que todos os problemas foram resolvidos. É, acima de tudo, um desafio. Uma via a ser percorrida. A Igreja espera de vocês frutos “maduros” de comunhão e de compromisso.116

Os movimentos e as novas comunidades eclesiais são chamados a uma tomada de consciência ainda mais profunda. São convidados a percorrer a via da maturidade eclesial, a vencer os desafios que o colocar-se a serviço da Igreja representa. São também chamados a acolher e discernir a sua missão em união com os Pastores e a abraçar o árduo compromisso da comunhão eclesial e da nova evangelização. Podemos resumir o pensamento do Papa João Paulo II sobre os movimentos eclesiais e novas comunidades neste grande evento do Pentecoste de 1998, em uma frase que pronunciou diante da multidão, quase em forma de súplica: «Hoje, a todos vocês reunidos aqui na Praça de São Pedro e a todos os cristãos, quero gritar: Abram-se com docilidade aos dons do Espírito Santo! Acolham com gratidão e obediência os carismas que o Espírito Santo

116 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 7, pp. 1122-1123.

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não cessa de distribuir! Não esqueçam que todo carisma é dado para o bem comum, isto é, em benefício da Igreja»117.

Acolhimento, gratidão, obediência e serviço: nestas quatro palavras recolhe-se todo o estupor e o desejo de Papa Wojtyła diante destas novas realidades eclesiais.

117 Ibidem, n.5, p. 1122.

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CAPÍTULO 4:

O I SEMINÁRIO DE ESTUDO PARA OS BISPOS (1999): “OS MOVIMENTOS ECLESIAIS NA SOLICITUDE PASTORAL DOS BISPOS”

Todas as palavras sobre os movimentos eclesiais e comunidades novas dirigidas pelo Papa João Paulo II durante o ano precedente, especialmente durante os eventos do Pentecostes 98, tinham sido muito sintomáticas. Naquelas ocasiões, manifestou-se mais claramente o desejo do Pontífice de reconhecer e favorecer um novo tempo de maturidade eclesial, de introduzir os movimentos e as novas comunidades eclesiais no desafio do amadurecimento e de fazer perceber a toda a hierarquia da Igreja que seria necessário acolher e valorizar aqueles novos carismas para o bem da própria Igreja. Por isso, a Santa Sé sentiu a necessidade de aprofundar ainda mais este assunto com os Pastores da Igreja, o que deixava transparecer, de alguma forma, a necessidade de preencher uma certa carência à respeito deste assunto. Era necessário estudar em profundidade a argumentação da não contraposição da dimensão carismática e institucional da Igreja (teremos a oportunidade de analisá-la melhor no capítulo décimo) e encontrar novas fórmulas para uma correta colocação eclesiológica destas novas realidades no âmbito da Igreja universal e das Igrejas particulares. Assim, o Pontifício Conselho para os Leigos – juntamente com a Congregação para a Doutrina da Fé e a Congregação para os Bispos – promoveu em Roma um encontro de estudo para os bispos e autoridades de vários dicastérios da Cúria Romana, com o título: Os movimentos eclesiais e novas comunidades na solicitude pastoral dos bispos. O encontro foi realizado entre os dias 16 e 18 de junho de 1999 e contou com a presença de mais de 100 bispos e cardeais representantes de muitas Conferências Episcopais de diversas partes do mundo. Como motivou o próprio Presidente do PCL, «há um ano de distância daqueles acontecimentos [Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais e o Pentecostes de 1998], o Pontifício Conselho para os Leigos considerou oportuno continuar a reflexão sobre a realidade dos movimentos favorecendo um diálogo sobre

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estes temas por parte daqueles que na Igreja têm a responsabilidade de pastores»118.

Os elementos fundamentais de análise do encontro eram: a inseparável natureza institucional e carismática da Igreja; a discussão – muito mais prática – sobre a melhor forma de acolher e valorizar os diversos carismas dos movimentos eclesiais e comunidades novas em cada Igreja particular; e, também, as questões jurídicas envolvidas na temática dos carismas e de seu discernimento pelos Pastores. Assim, o seminário foi dividido em quatro seções principais.

A primeira seção119, intitulada “A realidade dos movimentos na Igreja”, foi dividida em três conferências: “O acontecimento de 30 de maio de 1998 e sua conseqüências eclesiológicas e pastorais para a vida da Igreja” – Mons. Stanisław Ryłko, então Secretário do Pontifício Conselho para os Leigos; “Os movimentos eclesiais no contexto religioso e cultural de hoje” – Prof. Guzmán Carriquiry Lecour, então Sub-Secretário do Pontifício Conselho para os Leigos, (atualmente, desde 2011, Secretário da Pontifícia Comissão para América Latina); e “Carismas e movimentos na história da Igreja” – Pe. Fidel González Fernández, professor de História da Igreja da Pontificia Università Urbaniana e Pontificia Università Gregoriana.

A segunda seção do encontro, intitulada “Os movimentos na vida das Igrejas locais”, foi introduzida pelo Card. Lucas Moreira Neves – então Prefeito da Congregação para os Bispos – e depois dividida em dois blocos: um de experiências pastorais dos bispos e outro de testemunhos de movimentos e comunidades novas.

Por parte dos bispos, os conferencistas foram: Card. Adrianus Johannes Simonis – então Arcebispo de Utrecht, Holanda (“Os movimentos: “sal da Igreja”); Card. Miloslaw Vlk – então Arcebispo de Praga, República Tcheca (“O Espírito ultrapassa as fronteiras”);

118 STAFFORD, J. F. I Movimenti ecclesiali nella sollecitudine pastorale dei vescovi (Prefazione). In: PCL. Mov.IV. Città del Vaticano: LEV, 2000, p. 9. 119 A seqüência dos eventos do Encontro indicada por nós aqui é a mesma expressa pelos “Atos” publicados pelo PCL (PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. I Movimenti Ecclesiali nella sollecitudine pastorale dei vescovi [Roma, 16 – 18 giugno 1999]. Città del Vaticano: LEV, 2000), e não reflete, necessariamente, a seqüência ocorrida durante o próprio Encontro de estudos.

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Card. Jean-Marie Lustiger – então Arcebispo de Paris, França (“O dom de Deus e o papel do bispo”); Mons. Robert Sarah – então Arcebispo de Conacry, Guiné, atualmente Cardeal presidente do Pontifício Conselho Cor Unum (“O sopro do Espírito”); Mons. Theodore McCarrick – então Arcebispo de Newark, EUA, atualmente Arcebispo Emérito de Washington (“Acompanhar os movimentos”); e Mons. Carlo Caffarra – Arcebispo de Ferrara-Comacchio, Itália, atualmente Cardeal Arcebispo de Bolonha (“Os movimentos e o desafio niilista do Ocidente”).

O testemunho por parte dos movimentos e comunidades novas foram dados por: Gérald Arbola – Comunidade Emanuel; Chiara Lubich – Fundadora do Movimento dei Focolari; Mons. Luigi Giussani – Comunione e Liberazione; Kiko Argüello – Caminho Neocatecumenal; Andrea Riccardi – Fundador da Comunità di Sant’Egidio; Salvatore Martinez – Rinnovamento nello Spirito Santo.

A terceira seção do seminário foi: “Carisma e discernimento dos pastores – Aspectos jurídicos”. Três conferências foram feitas: “A liberdade de associação na Igreja” (Mons. Lluís Martínez Sistach, então Arcebispo de Tarragona – Espanha, atualmente Cardeal Arcebispo de Barcelona); “Critérios de eclesialidade para o reconhecimento dos movimentos eclesiais por parte do bispo diocesano” (Prof. Pe. Gianfranco Ghirlanda, S.J., então Reitor Magnífico da Pontifícia Universidade Gregoriana); e “Os movimentos eclesiais e os deveres do bispo diocesano” (Prof. Giorgio Feliciani).

A última seção do Seminário foi, na verdade, um diálogo do Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Card. Joseph Ratzinger, com diversos bispos, sobre dúvidas de aspectos referentes às novas realidades eclesiais.

Aqueles dias de estudo, nas palavras conclusivas de João Paulo II, configuraram-se num encontro «para refletir juntos sobre a vossa solicitude de pastores para com os movimentos eclesiais e as novas comunidades [...] que não hesitei em definir “providenciais” por

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causa das estimulantes contribuições oferecidas à vida do povo de Deus»120.

Este encontro de estudo e debate entre os bispos parece ter se tratado de um passo importante no âmbito de um projeto muito maior e mais bem articulado que o Santo Padre colocou em “movimento” já nos primeiríssimos anos do seu pontificado (refiro-me aqui à valorização, inserção e animação destas novas realidades eclesiais, em função de uma maior ação evangelizadora da Igreja na sociedade). Este projeto mirava uma renovada inserção da Igreja nas várias instâncias da sociedade contemporânea através, principalmente, da ação dos leigos. O encontro de João Paulo II com os cardeais e bispos se inseria, portanto, em nosso entendimento, no âmbito deste imponente projeto; constituiu-se numa espécie de “complemento necessário” àquele seu encontro anterior com os movimentos eclesiais e comunidades novas (1998). Por isso, aos cardeais e aos bispos participantes do seminário, o Papa João Paulo II disse: «O seminário, que os ocupou nestes dias, inscreve-se, de fato, felizmente em um projeto apostólico, muito caro a mim, brotado do meu encontro com os membros de mais de cinqüenta destes movimentos e comunidades, acontecido no dia 30 de maio, no ano passado, na Praça de São Pedro»121.

Um dos motivos pelos quais acreditamos que este programa do Santo Padre seja considerado muito mais do que um simples projeto de ação apostólica isolado, é que ele é colocado em paralelo à sua grande proposta da Nova Evangelização. Em vistas da proclamação do Evangelho no mundo contemporâneo, com novos métodos e novo fervor, João Paulo II procurou alargar os horizontes para o devido acolhimento dos movimentos eclesiais e comunidades novas por parte dos bispos, procurando promover o espaço necessário para a sua difusão, além de buscar aprofundar o estudo sobre a sua natureza e missão na Igreja122; isso seria fundamental

120 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti al seminario di studio sui Movimenti Ecclesiali e le Nuove Comunità, n. 1. In: IGP-II, vol. XXII, 1 (1999), p. 1418. 121 Ibidem, n.1, p. 1419. 122 No âmbito da Igreja Católica no Brasil, se lê nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora no Brasil (2008-2010): «No catolicismo contemporâneo existe um bom número elevado [sic] de fiéis que, como batizados e crismados, dedicam muitas horas por semana ao trabalho pastoral ou à evangelização. Certamente tem

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para colocar em prática aquela nova proposta de evangelização. Repetiu aos bispos e cardeais: «Em nossos tempos os desafios da nova evangelização apresentam-se, não raramente, em termos dramáticos e forçam a Igreja, e de maneira particular os seus pastores, à busca de novas formas de anúncio e de ação missionária, mais conforme às necessidades da nossa época»123. Mais adiante, não sem apelar explicitamente às tarefas pastorais dos bispos, destacou: «Entre as tarefas pastorais hoje mais urgentes gostaria de destacar, em primeiro lugar, a devida atenção às comunidades em que é mais profunda a consciência da graça ligada aos sacramentos da iniciação cristã, de onde brota a vocação de ser testemunhas do Evangelho em todos os âmbitos da vida»124. Era esta a maior esperança que ligava Papa Wojtyła aos movimentos e às novas comunidades eclesiais: a nova evangelização que nasce da consciência de fazer parte do mistério insondável do amor de Deus, da graça recebida pelos seus membros no batismo e do desejo de partilhá-la com as outras pessoas. Reafirmou a sua convicção de que um dos frutos mais importantes dos novos movimentos eclesiais é exatamente o de «saber liberar em tantos fiéis leigos, homens e mulheres, adultos e jovens, um vivaz impulso missionário, indispensável para a Igreja que está próxima de cruzar o limiar do terceiro milênio»125.

Neste encontro com os cardeais e bispos da Igreja, João Paulo II tratou de assuntos delicados no âmbito das novas realidades eclesiais. Diante dos irmãos no episcopado, o Papa não se furtou de tratar – repetindo o que havia feito um ano antes – dos desafios que estas novas realidades certamente trazem às diversas Igrejas particulares: «Estou bem consciente de que os movimentos e as novas comunidades, como toda obra que, mesmo sob o impulso

influenciado nessa realidade a crescente consciência da missão evangelizadora da Igreja no Brasil, impulsionada por diretrizes, documentos do episcopado brasileiro e constante trabalho nos serviços e organismos de pastoral, nas CEB’s, nas associações e nos movimentos eclesiais e novas comunidades» (CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora no Brasil (2008-2010). São Paulo: Paulinas, 2008 (Documentos da CNBB, 87), n. 44, p. 41. 123 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti al seminario di studio sui Movimenti Ecclesiali e le Nuove Comunità, n. 2, p. 1419. 124 Ibidem, n. 2, p. 1419. 125 Ibidem, n. 4, p. 1421.

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divino, se desenvolve no interior da história humana, não trouxeram consigo, nestes anos, só considerações positivas»126. Citou, então, alguns trechos do seu discurso do ano precedente aos próprios movimentos, em que se referia a estas dificuldades. Acrescentou a firme certeza de que o novo itinerário que se estava desenvolvendo exigia dos movimentos «uma sempre mais firme comunhão com os pastores que Deus escolheu e consagrou para reunir e santificar o seu povo no fulgor da fé, da esperança e da caridade, porque “nenhum carisma dispensa da referência e da submissão aos pastores da Igreja”»127. Acrescentou, porém, um apelo aos irmãos bispos:

Caríssimos irmãos no Episcopado! A vós, aos quais pertence a tarefa de discernir a autenticidade dos carismas para dispor o correto exercício destes no âmbito da Igreja, peço magnanimidade na paternidade e uma caridade com ampla visão de futuro (1 Cor. 13,4) para com estas realidades, porque toda obra dos homens necessita de tempo e paciência para a sua devida e indispensável purificação.128

São palavras que pareciam indicar uma clara preocupação do Papa em salvaguardar este momento que considerava rico, providencial e favorável para a Igreja, chamando a atenção para um discernimento sempre mais apurado dos novos carismas. Para um justo discernimento da autenticidade dos carismas, o Papa recomendava a via da magnanimidade na paternidade e uma caridade com visão de futuro, aludindo também ao texto paulino da caridade: «A caridade é paciente, é benigna a caridade; não é invejosa a caridade, não se vangloria, não se incha de orgulho» (1 Cor 13,4).

Os temas desse primeiro seminário de estudos foram retomados e aprofundados na sua segunda edição, já sob o pontificado de Bento XVI, como veremos adiante.

126 Ibidem, n. 3, p. 1420. 127 Ibidem, n. 3, p. 1421. 128 Ibidem, n. 3, p. 1421.

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CAPÍTULO 5:

O JUBILEU DO APOSTOLADO LAICAL (2000): “TESTEMUNHAS DE CRISTO NO NOVO MILÊNIO”

No ano jubilar, de 25 a 30 de novembro, celebrou-se o Congresso Mundial do Laicato Católico, promovido mais uma vez pelo PCL, com o tema Testemunhas de Cristo no Novo Milênio. É importante recordar que esse foi o último grande encontro de Papa Wojtyła com os leigos do mundo inteiro.

Entre os participantes do Jubileu do Apostolado Laical estavam presentes, além dos membros e consultores do próprio PCL, «os delegados de 89 conferências episcopais e 114 entre movimentos eclesiais e novas comunidades, membros dos conselhos nacionais de leigos e conselhos pastorais diocesanos e paroquiais, numerosos leigos que assumem escritórios, funções ou ministérios não ordenados nas Igrejas Locais, personalidades cristãs que levam o próprio testemunho aos vários âmbitos da vida social, política e cultural»129. O momento culminante foi, mais uma vez, a celebração do jubileu com o Papa no domingo, dia 26 de novembro, na Praça de São Pedro. Mesmo que este evento jubilar não tenha tratado especificamente sobre os movimentos eclesiais e comunidades novas, podemos certamente encontrar nele elementos que confirmem o empenho de proporcionar acolhimento e valorização às novas expressões eclesiais.

Já em sua mensagem ao Card. J. Stafford, então Presidente do PCL, o Papa disse: «A participação dos fiéis leigos na vida e na missão da Igreja é expressa e apoiada também pelas várias agregações, muitas das quais representadas neste Congresso. Principalmente em nossos tempos, estes constituem um meio significativo para uma formação cristã mais aprofundada e para uma atividade apostólica mais incisiva» 130. A visão que o Santo Padre

129 STAFFORD, J. Testimoni di Cristo nel nuovo Millennio (Prefazione). In: PCL. CLC. Città del Vaticano: LEV, 2002, p. V. 130 GIOVANNI PAOLO II. Messaggio al Cardinale James Francis Stafford in occasione del Congresso del laicato Cattolico, n. 7, pp. 930-931.

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mostrou destas novas realidades foi a de um instrumento de formação mais aprofundada e de uma atividade apostólica mais incisiva. Por isso, tornou a insistir sobre a importância dos movimentos e das novas comunidades para a Igreja de nossos dias:

Podemos hoje falar de um “novo tempo de agregação dos leigos”. É um dos frutos do Concílio Vaticano II. Junto com as associações de longa e benemérita tradição, observamos um vigoroso e diversificado florescimento de movimentos eclesiais e novas comunidades. Este dom do Espírito Santo é um outro sinal de como Deus encontre sempre respostas adequadas e convenientes aos desafios lançados à fé e à Igreja em cada época histórica. Aqui também faz-se necessário agradecer às associações, aos movimentos e às agregações eclesiais pelo empenho difundido por estas na formação cristã e pelo entusiasmo missionário que continuam a trazer para a Igreja.131

Na Praça de São Pedro, celebrando o Jubileu do Apostolado dos Leigos na Solenidade de Cristo-Rei do dia 26 de novembro, depois de ter lembrado que os documentos do Concílio Vaticano II deveriam ser retomados e estudados com profundidade pelos fiéis leigos de todo o mundo como fonte de grande riqueza e estímulo doutrinais e pastorais, João Paulo II repetiu mais uma vez: «Desde então [do Concílio Vaticano II] floresceu uma vivaz primavera agregativa, na qual, ao lado do associacionismo tradicional, surgiram novos movimentos, sodalícios e comunidades. Hoje, mais do que nunca, caríssimos irmãos e irmãs, o apostolado de vocês é indispensável para que o Evangelho seja luz, sal e fermento de uma nova humanidade»132. O teor de suas palavras apontava para a necessidade de um nível mais alto de formação cristã entre os leigos, tema que terá espaço privilegiado na visão de Papa Ratzinger.

Além das palavras do Pontífice, o então Mons. Stanisław Ryłko também mencionou durante sua conferência a existência, importância e comunhão destas novas realidades eclesiais com as

131 Ibidem, p. 931. 132 GIOVANNI PAOLO II. Il Giubileo dell’apostolato dei laici. Solenne celebrazione eucaristica in Piazza San Pietro nella solennità di Cristo Re (26 novembre 2000), n. 3. In: IGP-II, vol. XXIII, 2 (2000), p. 961.

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outras realidades tradicionais da Igreja. Em sua conferência sobre os movimentos eclesiais, o então secretário do Pontifício Conselho para os Leigos dizia:

No período pós-conciliar, no âmbito do associativismo católico, manifestaram-se fenômenos novos de surpreendente profundidade espiritual e de presença cristã extraordinariamente incisiva na sociedade. [...] A expressão mais significativa desta novidade é o extraordinário desenvolvimento dos assim chamados movimentos eclesiais. E hoje, em um espírito de comunhão e de recíproca consideração, agregações laicais tradicionais, movimentos novos e novas comunidades dão uma generosa contribuição à missão da Igreja.133

Mons. Ryłko, feito cardeal por Bento XVI no Consistório de 2007, assim motivou o atual interesse por estas novas realidades eclesiais: «Estas formas associativas adquirem especial importância no contexto da sociedade contemporânea, uma sociedade de massa que gera um senso de desorientação e solidão profunda. Na era da globalização e da mundialização, a pessoa parece contar sempre menos»134. Retorna-se, portanto, ao ponto da incisão na sociedade, isto é, sobre como estas novas realidades eclesiais consigam penetrar os diversos âmbitos da sociedade contemporânea, interajam com esta e, em certos momentos e ambientes, até mesmo a influenciem, tarefa sempre mais difícil. De fato, o contexto no qual se mencionava os movimentos e as novas comunidades nas discussões do Congresso era o de «um mundo fortemente secularizado, para não dizer descristianizado e em vários aspectos neo-pagão, que tenta de muitas formas neutralizar o nosso ser cristãos e a nossa presença cristã [... , e no qual] a fé está se tornando sempre mais um fato rigorosamente privado. Toda forma explícita de presença cristã é etiquetada como fundamentalismo ou proselitismo»135.

A dificuldade bastante atual da falta quase completa de espaços de atração e acolhimento dos fiéis foi também tratada nas

133 RYŁKO, Stanisław. Il Concilio Vaticano II, pietra miliare nel cammino del laicato cattolico, p. 134. 134 Ibidem, p. 135. 135 Ibidem, p. 135.

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intervenções, nas quais os movimentos eclesiais e comunidades novas foram indicados como exemplo de grupos que estão contribuindo na busca por minimizar esse problema.

Hoje, muito freqüentemente, a paróquia é, também esta, anônima e não é capaz de constituir um espaço verdadeiramente acolhedor para os fiéis. É, então, urgente construir nas nossas paróquias uma microestrutura viva de pequenas comunidades, grupos, associações e movimentos laicais que sirvam como trâmite, crie espaços de verdadeira comunhão entre as pessoas e tornem-se verdadeiras escolas de participação ativa e de co-responsabilidade na Igreja. Estes espaços existem já em muitos lugares, mas são necessários muitos outros. No início do terceiro milênio, estes são verdadeiros lumes de esperança e sinais daquela “primavera cristã” de que fala João Paulo II.136

Uma outra intervenção em que se citava o nascimento e o desenvolvimento dos movimentos eclesiais foi o de Martine Cattá, co-fundadora da Comunidade Emanuel137, com o título “A contribuição dos movimentos e associações no crescimento dos fiéis leigos”138. Em sua intervenção, Martine afirmou que os leigos sentiram a necessidade de associar-se em movimentos e de constituir novas comunidades e que, «mesmo não tendo uma fisionomia própria, tiveram uma certa influência sobre as estruturas paroquiais tradicionais ou sobre agregações mais antigas»139. A sua intervenção procurou evidenciar que a contribuição maior dos movimentos eclesiais e das novas comunidades é a sua grande capacidade evangelizadora, missionária e formativa.

No final desse Congresso tornou-se mais claro que o avanço da oposição radical da mentalidade do mundo contemporâneo contra a presença cristã – para além das suas conseqüências nefastas – está sendo responsável por colocar em destaque a absoluta necessidade e importância dos movimentos e das novas comunidades eclesiais para

136 Ibidem, pp. 135-136. 137 A Communauté de l’Emmanuel foi fundada em Paris, em 1976, por Pierre Goursat, morto em 1991. 138 Cf. CATTÁ, M. Il contributo di movimenti e associazioni alla crescita dei fedeli laici. In: CLC, pp. 313-319. 139 Ibidem, p. 313.

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a Igreja de hoje, servindo para evidenciar a sua capacidade de empenho e reação. A mensagem conclusiva desse encontro afirmou: «As contribuições dos participantes deste Congresso que, em sua variedade, são expressões da riqueza espiritual seja das associações mais tradicionais, seja dos movimentos eclesiais e das comunidades novas, tornam evidente que a verdade da experiência cristã nunca pode ser medida em números ou em termos de poder»140. Uma expressão da verdade da experiência cristã estaria ressurgindo a partir destas novas realidades eclesiais. Trata-se da aposta de que, apesar dos duros desafios lançados à fé cristã e à Igreja pelos novos tempos, o Espírito Santo está trabalhando através de novas iniciativas que manifestam um verdadeiro progresso da consciência e da experiência cristã.

140 Messaggio Conclusivo del Congresso, n. 5. In: CLC, p. 373.

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CAPÍTULO 6:

O ENCONTRO DE PENTECOSTE DE 2006 E O II CONGRESSO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS ECLESIAIS E

COMUNIDADES NOVAS: “A BELEZA DE SER CRISTÃOS E A ALEGRIA DE COMUNICÁ-LO”

Com a morte do Papa João Paulo II em 2 de abril de 2005, o cardeal Joseph Alois Ratzinger – desde 1981, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – foi eleito novo Sumo Pontífice pelo Colégio de Cardeais, no conclave141 que se concluíra em 19 de abril de 2005. Aquele foi um dos conclaves mais rápidos da história da Igreja, o que demonstrou grande consenso entre os cardeais votantes. Papa Ratzinger adotou para si o nome de “Bento XVI”. O nome “Bento” foi escolhido, dentre outros motivos, graças à ligação espiritual do novo Sumo Pontífice ao Mosteiro beneditino de Schotten, próximo a Regensburg, na Baviera, o que indicava, de certa forma, seu apreço aos movimentos da Igreja. A este propósito, o Card. Ryłko recordou: «Bento XVI segue há muitos anos, com paixão de teólogo e pastor, os movimentos eclesiais e as novas comunidades, dos quais sempre foi um interlocutor atento e com os quais sempre instaurou, com o passar do tempo, uma relação de amizade»142. De fato, os chama de “caros amigos”: «Digo, portanto, a vós, caros amigos dos movimentos: façam de modo que os movimentos sejam sempre escolas de comunhão, companhias em caminho nas quais se aprende a viver na verdade e no amor que Cristo nos revelou e comunicou por meio do testemunho dos Apóstolos»143, disse em sua mensagem aos participantes do II Congresso Mundial.

141 O conclave (do latim cum clave – “com chave”) é a reunião do Sacro Colégio dos Cardeais para a eleição de um novo pontífice. 142 RYŁKO, S. Nuovi frutti di maturità ecclesiale. In: Mov. V. Città del Vaticano: LEV, 2007, pp. 15-27, p. 18. 143 BENEDETTO XVI. Mensaggio di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al II Congresso mondiale dei movimenti ecclesiali e delle nuove comunità. In: Mov. V, pp. 05-08, p. 06.

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Muito do pensamento de Bento XVI sobre os movimentos eclesiais e comunidades novas – que vem sendo aprofundado em seu pontificado – já havia sido por ele mesmo revelado em uma conferência feita quando ainda era cardeal, intitulada Os Movimentos eclesiais e a sua colocação teológica, publicada pelo PCL nos “Atos do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais” (Roma, 27 a 29 de maio de 1998 - Città del Vaticano: LEV, 1999). Aquela conferência, de profundidade e importância ímpares, passou a ser uma referência para as discussões posteriores acerca dessas novas realidades eclesiais, como já dissemos anteriormente.

Seguindo a trilha aberta por seu predecessor, Bento XVI encontrou-se com os membros dos movimentos eclesiais e comunidades novas já no ano seguinte à sua eleição. Seria o primeiro encontro de Ratzinger como papa com todas aquelas novas realidades eclesiais e, também, o primeiro encontro dessa natureza no terceiro milênio. «Oito anos depois [...] o novo Sucessor de Pedro quis partir precisamente dali, para retomar o diálogo com os movimentos, convocando-os também à Praça São Pedro e na mesma ocasião, ou seja, véspera de Pentecostes»144.

A manifestação do desejo do novo Pontífice de encontrar-se com essas novas expressões a menos de um mês de sua eleição demonstrou um claro anseio de continuar o proveitoso diálogo iniciado por João Paulo II, como recordou o Card. Stanisław Ryłko. O Presidente do PCL viu naquele desejo um importante sinal de continuidade entre o magistério dos dois pontífices:

A decisão de encontrar os movimentos se situa muito significativamente entre as escolhas operativas mais imediatas de Bento XVI, que me manifestou seu desejo durante a primeira audiência que me concedeu como presidente do Pontifício Conselho para os Leigos. Era 14 de maio de 2005: por uma coincidência verdadeiramente singular, vigília de Pentecostes. Esta escolha de papa Ratzinger representou um importante sinal de continuidade com o magistério de João Paulo II.145

144 RYŁKO, S. Disponível em: <http://www.radiovaticana.org/ bra/Articolo.asp?c=81250>. Acesso em: 12 ago. 2009. 145 RYŁKO, S. In: Mov. V (Prefazione), p. V.

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Como em sua primeira edição, o encontro na Praça de São Pedro, em 3 de junho de 2006, foi precedido pelo II Congresso Mundial dos movimentos eclesiais e das novas comunidades, que aconteceu em Rocca di Papa, entre os dias 31 de maio e 2 de junho daquele ano. Ao redor do tema escolhido para o Congresso – “A beleza de ser cristãos e a alegria de comunicá-lo” – gravitava a necessidade de aprofundar as reflexões iniciadas no fim do milênio anterior sobre o papel dessas novas realidades eclesiais na Igreja do novo milênio, retomando e aprofundando aquelas questões, em contínuo diálogo. A inspiração para esse tema havia surgido a partir da homilia feita pelo próprio Bento XVI durante a solene celebração eucarística para a sua assunção ao ministério petrino: «Não existe nada mais belo do que ser alcançado, surpreendido, pelo Evangelho, por Cristo. Não existe nada mais belo do que conhecê-Lo e comunicar aos outros a amizade com Ele»146.

Participaram a esse Congresso cerca de 300 delegados de aproximadamente 100 movimentos eclesiais e comunidades novas (quase o dobro em comparação à primeira edição do evento, como notou o Card. Ryłko em sua conferência intitulada “Novos frutos de maturidade eclesial”147), diversos dicastérios da Cúria Romana, cardeais, bispos, religiosos e religiosas, leigos e leigas, e uma delegação ecumênica de outras Igrejas e Comunhões cristãs. Todos foram solicitados a refletir, especialmente, sobre o essencial do evento cristão:

o anúncio convincente de Cristo, “o mais belo entre os filhos do homem” (Sl 45[44]), ao mundo de hoje. A isto, de fato, são chamados os cristãos: a anunciar que o Evangelho não é utopia, mas caminho para a vida plena; que a fé não é um fardo, um jugo que inclina o homem, mas aventura fascinante que lhe restitui, com a sua humanidade, toda a dignidade e liberdade dos filhos de Deus; que Cristo é a única resposta ao desejo de felicidade que trazemos no coração.148

146 BENEDETTO XVI. Omelia durante la solenne concelebrazione eucaristica per l’assunzione del ministero petrino. In: “Insegnamenti di Benedetto XVI” I (2005), p. 25 Apud: RYŁKO, S. In: Mov. V (Prefazione), p. VII. 147 Cf. RYŁKO, S. Nuovi frutti di maturità ecclesiale, p. 15. 148 RYŁKO, S. In: Mov. V (Prefazione), p. VIII.

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Papa Ratzinger assim se manifestou sobre o tema escolhido para o Congresso em sua mensagem aos participantes:

É um tema que convida a refletir sobre o que caracteriza, essencialmente, o evento cristão: nele, de fato, nos veio ao encontro Aquele que, em carne e sangue, visivelmente, historicamente, nos trouxe o esplendor da glória de Deus sobre a terra. A ele se aplicam as palavras do Salmo 44: “Tu és o mais belo entre os filhos do homem”. E a ele, paradoxalmente, fazem referimento também as palavras do profeta: “Não possui aparência nem beleza para atrair os nossos olhares, nem esplendor que nos seduzisse (Is 53,2)”. Em Cristo se encontram a beleza da verdade e a beleza do amor; mas o amor, se sabe, implica também a disposição em sofrer, uma disponibilidade que pode chegar até o dom da vida por aqueles a quem se ama (cf. Jo 15,13)! Cristo, que é “a beleza de toda beleza”, como gostava de dizer são Boaventura (Sermones dominicales 1,7), se torna presente no coração do homem e o atrai à sua vocação que é o amor.149

Se no primeiro encontro mundial dos movimentos eclesiais e comunidades novas, Papa João Paulo II os havia encorajado e falado de maturidade eclesial como um desafio e nova etapa a ser percorrida, nesse novo encontro Papa Ratzinger, que continua a animá-los e apoiá-los, iria aprofundar diversos temas já tratados anteriormente. Durante o Congresso, as quatro conferências principais150 foram feitas pelos cardeais, Stanisław Ryłko, Presidente do PCL; Christoph Schönborn O.P., Arcebispo de Viena (Áustria); Marc Ouellet, P.S.S., então Arcebispo de Quebec – Canadá (atualmente, Prefeito da Congregação para os Bispos e Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina) e Angelo Scola, então Patriarca de Veneza (Itália), atualmente, desde 2011, Arcebispo de Milão. Eles abordaram, respectivamente, os temas: “Novos frutos de maturidade eclesial”; “Cristo, o mais formoso entre

149 BENEDETTO XVI. Mensaggio di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al II Congresso mondiale dei movimenti ecclesiali e delle nuove comunità, pp. 05-06. 150 A seqüência dos eventos do Congresso indicada por nós aqui é a mesma expressa pelos “Atos do Congresso” publicados pelo PCL (PONTIFICIUM

CONSILIUM PRO LAICIS. La bellezza di essere cristiani. I movimenti nella Chiesa [Roma, 31 maggio – 2 giugno 2006] – Atti del II Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali e delle Nuove Comunità. Città del Vaticano: LEV, 2007), e não reflete, necessariamente, a seqüência ocorrida durante o mesmo.

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os filhos de Adão”; “A beleza de ser cristãos” e “Movimentos eclesiais e novas comunidades na missão da Igreja: prioridades e perspectivas”.

O Congresso contou também com dois momentos de “mesa redonda” que visavam «partilhar o vivo senso de comunhão eclesial que caracteriza esse diversificado florescimento de carismas, os seus métodos, as suas diversas formas comunitárias e os seus inumeráveis campos de apostolado»151.

Na primeira “mesa redonda”, introduzida por Matteo Calisi – Presidente da Catholic Fraternity of Charismatic Covenant Communities and Fellowships (CFCCC) – com o tema “O encontro com a beleza de Cristo. Itinerários educativos”, puderam oferecer a sua reflexão: Alba Sgariglia, do Movimento dei Focolari (“Na origem de tudo, a descoberta que ‘Deus é amor’ ”); Kiko Argüello, iniciador do Caminho Neocatecumenal (“Pequenas comunidades cristãs para a nova evangelização”); Giancarlo Cesana, do movimento de Comunione e Liberazione (“A resposta a uma exigência humana”); Patti Mansfield, uma das iniciadoras da experiência da Renovação Carismática Católica – RCC (“Uma oração atendida além de toda previsão”); Pe. Laurent Fabre, Fundador da Comunidade Chamin Neuf (“Uma graça destinada a todos os cristãos”); e Jean Vanier, Fundador da Comunidade L’Arche (“Viver a benção de Deus na partilha”).

A segunda “mesa redonda” teve como tema “Dar razão da beleza de Cristo no mundo de hoje” e foi introduzida por Alberto Savorana. Contou com a participação de: Pe. Bernard Peyrous, da Comunidade Emanuel (“Entre seitas e new age”); Mons. Fouad Twal, então Arcebispo-coadjutor do Patriarcado Latino de Jerusalém, hoje seu Patriarca (“Na relação com o Islã”); Luis Fernando Figari, Fundador do Movimento de Vida Cristã e da Sociedade de Vida Apostólica Sodalício de Vida Cristã (“Na educação dos jovens”); Dino Boffo, então Diretor do Jornal italiano Avvenire (“Na presença dos católicos na sociedade”); e Andrea Riccardi, Fundador da Comunidade de Santo Egídio (“Na situação de pobreza e violência”).

151 CALISI, Matteo. In: Mov. V, p. 85.

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O ponto culminante deste II Congresso Mundial dos Movimentos e Comunidades Novas foi o encontro com o Santo Padre Bento XVI, na Praça São Pedro, no dia 3 de junho de 2006, vigília de Pentecostes. Diante da grande multidão de pessoas que lotava a praça e estendia-se até os arredores do Castel Sant’Angelo, Papa Ratzinger, falando do desejo do homem por vida e liberdade, e fazendo ainda o paralelo entre Jo 10,10 (“Eu vim para que todos tenham vida e que a tenham em abundância”) e a figura evangélica do “filho pródigo” (Lc 15,11-32), deixou uma forte mensagem aos movimentos eclesiais e comunidades novas:

Vida e liberdade: é o que nós todos desejamos. Mas o que é isso? Onde e como devemos encontrar “vida”? Penso que, naturalmente, a grandíssima parte dos homens tem o mesmo conceito de vida do filho pródigo do Evangelho. Ele pediu a parte do patrimônio que lhe era destinada e, naquele momento, se sentia livre, queria finalmente viver sem o peso dos deveres de casa, queria somente viver; ter da vida tudo aquilo que ela pode oferecer. Gozá-la plenamente – viver, só viver, matar a sede na abundância da vida e não perder nada do que de precioso ela pode oferecer. No final, se encontrou cuidando de porcos, até mesmo invejando aqueles animais, tão vazia tinha se tornado aquela sua vida, tão vã. E vã se revelava também a sua liberdade. Hoje não acontece, talvez, o mesmo? Quando da vida se quer somente assenhorar-se, essa se torna sempre mais vazia, mais pobre; [...] À vida encontra-se somente doando-a; não a encontraremos querendo tomar posse dela. É isso que devemos aprender de Cristo; é isso que nos ensina o Espírito Santo, que é puro dom, que é o doar-se de Deus. Quanto mais alguém doa a sua vida aos outros, para o bem, mais abundantemente escorre o rio da vida. [...] O Pentecostes [...] é isto: Jesus, e mediante Ele, Deus mesmo, vem a nós, nos traz vida e liberdade [...]. Os movimentos nasceram precisamente da sede de vida verdadeira [e] querem e devem ser escolas de liberdade, dessa liberdade verdadeira, [...] a liberdade dos filhos de Deus.152

Com estas palavras – e outras referentes à unidade na multiplicidade, por exemplo –, Papa Ratzinger retomava a estrada indicada por Papa João Paulo II. Deixava, assim, depois do encontro,

152 BENEDETTO XVI. Omelia del Santo Padre durante la solenne Veglia di Pentecoste (03 di giugno 2006). In: Mov. V, pp. 187-195.

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mais uma missão aos movimentos eclesiais e comunidades novas: que eles se tornassem itinerários educativos e formativos em vista da vida e liberdade verdadeiras.

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CAPÍTULO 7:

O II SEMINÁRIO DE ESTUDO PARA OS BISPOS (2008): “PASTORES E MOVIMENTOS ECLESIAIS”

Durante os dias 15 a 17 de maio de 2008 – como aconteceu no ano seguinte ao I Congresso Mundial dos Movimentos eclesiais e Comunidades Novas, em 1998153 – o Pontifício Conselho para os Leigos promoveu um Seminário de estudo, realizado em Rocca di Papa, destinado aos bispos, fundadores e responsáveis de movimentos eclesiais e comunidades novas, teólogos e estudiosos. O evento foi chamado de “Pastores e Movimentos Eclesiais. Seminário de estudo para os bispos”. Mais de 150 participantes de mais de 50 países se fizeram presentes a este encontro de estudo sobre a realidade dos movimentos eclesiais e comunidades novas.

O seminário visou – mais uma vez – aprofundar aspectos teológicos e pastorais das novas realidades eclesiais, aprofundando temas já vistos anteriormente, em 1999, durante o encontro de estudo intitulado “Movimentos eclesiais e a solicitude pastoral dos bispos”, ainda sob o pontificado de João Paulo II. Esse novo seminário articulou-se em conferências, testemunhos, comunicações, debates e grupos de trabalho. O próprio Papa Bento XVI, em seu discurso aos participantes, afirmou: «O presente seminário [...] quer ser uma continuação do encontro que eu mesmo tive, em 3 de junho de 2006, com uma grande representação de fiéis pertencentes a mais de 100 novas agregações laicais»154. Os temas, objetos de estudo, foram:

Movimentos eclesiais e novas comunidades na missão da Igreja; a sua inserção nas Igrejas particulares; a sua relação com o ministério petrino; discernimento, acolhimento e acompanhamento dos carismas; movimentos e comunidades novas como escolas de formação cristã, companhias missionárias, espaços de vocação ao sacerdócio e à vida

153 Cf. PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICI. I Movimenti nella Chiesa – Atti del Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali (Roma, 27-29 maggio 1998). Città del Vaticano: LEV, 1999. 154 BENEDETTO XVI. Discorso di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al Seminario per i vescovi, pp. 13-14.

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consagrada, ambientes de formação permanente de presbíteros, como resposta providencial aos desafios lançados à Igreja pela cultura contemporânea.155

Intercalados aos períodos de intensa oração dos participantes, estudos e debates, amplo espaço de tempo foi dedicado a colóquios entre os fundadores e responsáveis pelas novas realidades eclesiais, de um lado, e os bispos interessados em compreendê-las mais profundamente, de outro. O fio condutor para todo o evento, como recordou o Card. Ryłko, foi a exortação de Papa Bento XVI, em novembro de 2006, dirigida aos bispos da Conferência Episcopal Alemã presentes ao Vaticano em visita ad limina: “Vos peço para ir ao encontro dos movimentos com muito amor”. «As palavras do Papa foram para todos nós uma importante indicação para que nos puséssemos em atitude de escuta atenta ao que o “Espírito diz à Igreja” (cf. Ap 2,7)»156. O próprio Pontífice fez referência a essas palavras em seu discurso aos participantes do seminário:

Apreciei muito a escolha – como espinha dorsal do seminário – da exortação por mim dirigida a um grupo de bispos alemães em visita ad limina, que hoje reproponho a todos vós, Pastores de tantas Igrejas particulares: “Vos peço para ir ao encontro dos movimentos com muito amor” (18 de novembro de 2006). Poderia quase dizer que não há mais nada a acrescentar! A caridade é o sinal distintivo do Bom Pastor: ela garante autoridade e torna eficaz o exercício do ministério que nos foi confiado.157

O Seminário contou com diversos momentos158. As conferências foram divididas em dois blocos de temas-guia. No bloco I, intitulado “Uma novidade que ainda espera ser

155 RYŁKO, S. Pastori e Movimenti Ecclesiali (Prefazione), p. 09. 156 Ibidem, p. 10. 157 BENEDETTO XVI. Discorso di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al Seminario per i vescovi, p. 15. 158 A seqüência dos eventos do Encontro indicada por nós aqui é a mesma expressa pelos “Atos” publicados pelo PCL (PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. Pastori e movimenti ecclesiali. Seminario di studio per i vescovi. Città del Vaticano: LEV, 2009), e não reflete, necessariamente, a seqüência ocorrida durante o próprio encontro.

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adequadamente compreendida”, os conferencistas foram: Card. Stanisław Ryłko, Presidente do PCL (“Movimentos eclesiais e comunidades novas no ensinamento de João Paulo II e de Bento XVI”); Mons. Piero Coda, Secretário da Pontifícia Academia de Teologia (“Movimentos eclesiais e comunidades novas na missão da Igreja – colocação teológica e perspectivas pastorais e missionárias”); Pe. Arturo Cattaneo, Prof. Ordinário de Direito Canônico do Istituto San Pio X di Veneza (“Movimentos eclesiais e comunidades novas nas Igrejas particulares”); e Mons. Josef Clemens, Secretário do PCL (“Movimentos eclesiais e ministério petrino”).

O bloco II – de reflexões e testemunhos – foi dividido em quatro grupos de temas-guia. No primeiro deles, intitulado “A tarefa dos Pastores em relação aos movimentos”, houve três conferências: Mons. Alberto Taveira, então Arcebispo de Palmas/TO – Brasil (hoje Arcebispo de Belém/PA), tratou sobre o tema do “Discernimento dos carismas: alguns critérios práticos”; Mons. Dominique Rey, Bispo de Fréjus-Toulon – França, falou sobre “Acolhimento dos movimentos e das comunidades novas nas Igrejas particulares”; e Mons. Javier Augusto del Río Alba, Arcebispo de Arequipa – Perú, tratou sobre o “Acompanhamento pastoral dos movimentos e das novas comunidades”.

O segundo tema-guia do bloco II, “A tarefa dos movimentos e das novas comunidades”, contou com quatro reflexões: Luis Fernando Figari, Fundador do Movimento de Vida Cristã e da Sociedade de Vida Apostólica do Sodalitium Christianae Vitae, falou sobre “Escolas de formação cristã”; Domenique Vermesch, Moderador da Comunidade Emanuel, ocupou-se de “Companhias missionárias”; Mons. Massimo Camisasca, Superior Geral da Fraternidade sacerdotal dos Missionários de São Carlos Borromeo, falou de “Forjas de novas vocações ao sacerdócio e à vida consagrada”; e Mons. Claudiano Strazzari, Reitor do Colégio diocesano missionário “Redemptoris Mater” de Roma, desenvolveu o tema “Ambientes de formação permanente dos presbíteros”.

O terceiro tema-guia do bloco II foi intitulado “Colóquio com responsáveis e fundadores”. Kiko Argüello – Iniciador do Caminho Neocatecumenal, Giovanni Paolo Ramonda – Responsável Geral da

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Associação “Comunidade Papa João XXIII” e Andrea Riccardi – Fundador da Comunidade de Santo Egídio, se ocuparam, respectivamente, dos temas: “Um caminho de iniciação cristã”, “Uma família para quem não tem família” e “Olhar para fora da janela da Igreja”.

O quarto e último tema-guia do bloco II foi “Os movimentos nas Igrejas particulares: expectativas recíprocas”. Os conferencistas foram: Card. Camillo Ruini – então Vigário Geral de Sua Santidade para a diocese de Roma, que falou sobre “Uma concreta comunhão eclesial”; Mons. André-Mutien Léonard, então Bispo de Namur – Bélgica, que falou sobre “A herança que deixarei para a minha diocese”; Pe. Julián Carrón – Presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação, que tratou de “Dar carne e sangue aos conceitos”; e, por fim, Moysés Louro de Azevedo Filho – Fundador da Comunidade Católica Shalom, que se ocupou do tema “Humildes servos na vinha do Senhor”.

O II Seminário de estudos teve um papel importantíssimo no aprofundamento de temas relevantes para as novas expressões eclesiais. Ao fim dele, Papa Ratzinger animou os bispos presentes: «Caros irmãos no episcopado, ao fim desse encontro vos exorto a reavivar em vós o dom que recebestes com a vossa consagração (cf. Tm 1,6). O Espírito Santo nos ajude a reconhecer e cuidar das maravilhas que ele mesmo suscita na Igreja em favor de todos os homens»159.

Muito do que foi dito nos dois seminários de estudo dos bispos será retomado na segunda parte desta obra; ela tratará de algumas questões eclesiológicas importantes para o melhor enquadramento teológico dos movimentos eclesiais e comunidades novas, como veremos a seguir.

159 BENEDETTO XVI. Discorso di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al Seminario per i vescovi, p. 16.

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Segunda Parte

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ECLESIOLÓGICAS

onsiderando como premissa o que tivemos a oportunidade de analisar até aqui, faremos agora, nesta segunda parte, uma avaliação crítica dos movimentos

eclesiais e comunidades novas do ponto de vista da Eclesiologia propriamente dita, olhando dentro do movimento que é a Igreja e considerando este fenômeno como fruto direto de sua própria dimensão pneumática. De fato, como afirmou o Card. Stafford: «as novas realidades associativas extraem da Igreja o seu “ser movimento”. Estas novas realidades, portanto, não são somente movimentos na Igreja, mas, ainda mais, movimentos da Igreja. São realidades dinâmicas nascidas do dinamismo da Igreja, em um movimento que tem origem no movimento que é a Igreja»160.

160 STAFFORD, J. F. I Movimenti nella Chiesa (Prefazione). In: PCL. Mov.III. Città del Vaticano: LEV, 1999, p. 7.

C

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CAPÍTULO 1:

QUATRO CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DOS MOVIMENTOS ECLESIAIS CONTEMPORÂNEOS E

COMUNIDADES NOVAS

Vejamos agora, mesmo que brevemente, algumas características genéricas e fundamentais dos movimentos eclesiais contemporâneos e comunidades novas, pois elas manifestam elementos eclesiológicos importantes para a nossa análise.

Não poderemos, porém, tratar aqui separadamente de cada movimento eclesial ou comunidade nova161; queremos simplesmente apresentar algumas características muito gerais, mas relevantes, aquelas que, de alguma forma, estão presentes em todos os movimentos eclesiais e comunidades novas. Escolhemos esta metodologia exatamente por termos consciência da vastidão de características que estas novas realidades podem apresentar, mas também porque este fenômeno que “fotografaremos” não está concluído e, portanto, pode ainda apresentar-se com uma série de ambigüidades.

161 Para uma lista mais completa das associações eclesiais laicais que receberam aprovação pontifícia, ver a obra: Associazioni Internazionali di Fedeli – Repertorio (LEV: 2004), organizada pelo Pontifício Conselho para os Leigos. Atualmente, é possível consultar as atualizações desse repertório através do site oficial da Santa Sé: <http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/laity/documents/rc_pc_laity_doc_20051114_associazioni_it.html> Esta lista – que conta hoje com 122 associações aprovadas (acesso: 08 nov. 2011) – nasceu de um pedido feito por Papa João Paulo II na CfL 31.

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1 – “Movimentos… Eclesiais”162

Pode parecer óbvio, mas acreditamos ser muito importante destacar, antes de tudo, a natureza eclesial destas novas realidades eclesiais a que temos feito referência até agora. Como vimos, a CfL 30 tem como título, exatamente: Critérios de Eclesialidade para as agregações laicais e procura oferecer instrumentos para que se possa verificar o quanto eclesial é uma agregação laical. Fala-se muito do caráter laical dos movimentos e comunidades novas, e esta é – sem dúvidas – uma de suas características mais importantes (trataremos dela mais a frente). É, no entanto, o seu aspecto eclesial que funda a essência destes movimentos. Existe, de fato, uma diferença crucial entre simples agregações laicais e agregações eclesiais.

As agregações eclesiais tratadas aqui são – obviamente – agregações laicais, mas com uma diferença marcante: se dão no interior do mistério que é a Igreja. Esse aspecto não pode ficar nas sombras. Sustentamos – com Ardusso e Card. Ryłko – que esta é uma das suas características primárias e que os movimentos eclesiais não devam ser confundidos com meros movimentos laicais, mesmo se esta nomenclatura é usada, às vezes indiscriminadamente, seja por alguns teólogos, seja em alguns documentos magisteriais, devido à indeterminação terminológica que lhes é subjacente.

A identificação direta entre laical e eclesial comportaria uma redução muito perigosa e manifestaria a perda do significado específico destas novas realidades. De fato, o movimento eclesial origina-se «de uma concepção orgânica e global da natureza e da missão da Igreja, fundamentada sobre o sacerdócio comum o qual, antes de diferenciar qualitativamente o leigo do ministro ordenado, o reúne a todos os fiéis e, portanto, também aos ministros ordenados»163. O Card. Ryłko confirma este mesmo conceito quando afirma que

Em nossos dias, uma das questões fundamentais a serem consideradas quando se fala em agregações laicais é a de sua

162 Lembramos mais uma vez que o termo Movimento aqui usado abrange todas as novas realidades eclesiais, o que nos remete mais uma vez à questão terminológica e semântica citada na Introdução desta obra. 163 ARDUSSO, F. Movimenti ecclesiali e rapporto con la Chiesa. In: I movimenti ecclesiali: esperienza e teologia. Apud: «Credere Oggi», 5 (1983), n. 17, p. 64.

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identidade eclesial. Os termos “católico” ou “eclesial” não devem, de fato, ser reduzidos a uma função decorativa. Estes indicam a natureza mais profunda de uma agregação e supõem um programa claro de vida e de ação que deve ser compatível com esta natureza.164

Assim, enquanto o termo laical exclui o sacerdócio ministerial e o status religioso, o termo eclesial não exclui nenhum deles. Evita-se, deste modo, a oposição entre sacerdócio comum e aquele ministerial; evita-se também o isolamento e o conseqüente esquecimento da questão dos leigos, com o risco sempre latente de vê-la fora da problemática eclesial. Se tomarmos o conjunto dos documentos conciliares e os interpretarmos sob o prisma da pertença à Igreja, salta aos olhos, não o status clerical ou laical de seus membros, mas o título Povo de Deus, título que incorpora todos os Christifideles165, sejam estes fiéis leigos, fiéis sacerdotes ou fiéis religiosos e religiosas. Todos são, antes de mais nada, fiéis de Cristo! Ministérios e carismas fazem parte do universo composto pelo Povo de Deus a serviço da Igreja e do mundo. «Portanto, não existe senão um só povo de Deus escolhido por ele: “um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,5); comum é a dignidade dos membros pela sua regeneração em Cristo, comum é a graça de adoção filial, comum a vocação à perfeição»166, nos diz o Concílio. Depois, naturalmente, aparece a diversidade de formas, tarefas, ministérios e carismas. De todo modo, o qualitativo “Christifideles/Povo de Deus” permite que se supere «a bipolaridade estéril clérigos (ou hierarquia)-leigos, que desde sempre favoreceu seja a prevalência dos primeiros sobre os segundos, seja a identificação redutiva dos fiéis com os leigos»167. O Card. Pironio deixou um indicativo precioso a esse respeito, ainda na época do Sínodo sobre a missão dos leigos na Igreja e mundo (1987):

164 RYŁKO, S. Il Concilio Vaticano II, pietra miliare nel cammino del laicato cattolico, p. 133. 165 Expressão latina para “fiéis de Cristo”. Sua origem conciliar pode ser encontrada em LG 31. 166 LG 32. 167 SCABINI, P. Vocazione e missione dei laici nei documenti conciliari e postconciliare. In: «Rivista di Vita Spirituale», 16/IV-V (1987), p. 384.

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“É a hora dos leigos”, ouve-se falar. Eu prefiro continuar a dizer “é a hora da Igreja”. Só no interior de uma eclesiologia de comunhão integral pode-se entender “a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo”; só no dinamismo de todo um povo consagrado a Deus com o sangue da nova aliança e guiado pelo Espírito Santo rumo à comunhão definitiva com o Pai, feito povo santo, sacerdotal, profético e real, pode-se falar da vocação dos leigos à santidade.168

Os movimentos e comunidades novas devem ser, antes de mais nada, eclesiais porque não podem prescindir do mistério que é a Igreja, sendo esta a sua referência fundamental. Também é uma de suas características fundamentais acolher membros de toda a Igreja, sem distinção de estado. «São “eclesiais”, porque podem pertencer a estas – e, de fato, pertencem – todas as ordens de pessoas na Igreja, leigos ou religiosos, homens e mulheres, sacerdotes e bispos, crianças e adultos, pessoas de todas as classes sociais, em espírito de comunhão entre as diversas vocações, que no Movimento “realizam a Igreja” na variedade dos seus componentes»169.

Sobre esta imprescindível referência, o então Card. Ratzinger afirmou: «os movimentos nascem normalmente a partir de uma personalidade carismática guia, configuram-se em comunidades concretas que, em força de sua origem, conduzem ao Evangelho na sua inteireza e, sem hesitar, reconhecem na Igreja a sua razão de vida, sem a qual não poderiam existir»170. Sem este vínculo constitutivo com a Igreja, portanto, os movimentos eclesiais e as comunidades novas não seriam capazes de realizar a sua missão, nem seriam reflexos desta em movimento.

Por estes motivos devemos estar atentos a não identificar imediatamente os movimentos eclesiais com os movimentos meramente laicais, o que obscureceria já de partida a tentativa de uma leitura mais eclesiológica do novo fenômeno agregativo laical na Igreja. Como vimos em nossa análise dos documentos

168 PIRONIO, E. La vocazione dei laici alla santità. In: «Rivista di Vita Spirituale», 16/IV-V (1987), p. 405. 169 DE ROSA, G. I movimenti ecclesiali oggi. In: «La Civiltà Cattolica», 155/II (2004), p. 527. 170 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, p. 47.

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magisteriais, esta razão agregativa é, principalmente, de natureza teológico-eclesiológica171.

2 – A presença predominante dos leigos

Ressalvada a importância do termo eclesiais, a segunda característica que queremos salientar é a presença predominante dos leigos nos movimentos e nas novas comunidades eclesiais. Aos participantes do Congresso Os movimentos eclesiais: comunhão e missão no limiar do terceiro milênio, o Papa João Paulo II afirmou:

O que se quer dizer, hoje, com “movimento”? [... o termo indica] uma concreta realidade eclesial com participação predominantemente laical, um itinerário de fé e de testemunho cristão que fundamenta o próprio método pedagógico sobre um carisma claro doado à pessoa do fundador em circunstâncias e formas determinadas.172

Se, por um lado, se trata de uma concreta realidade eclesial – o que é uma afirmação por si mesma muito rica de significado –, esta reflete também a participação predominantemente laical. Esta característica é surpreendente se considerarmos a mentalidade social que se desenvolveu nos séculos XVIII e XIX na Europa, e que se difundiu em todo o mundo ocidental, carregada de forte secularismo e de um estilo de vida que não tem nada em comum com o evangélico. Através dos próprios leigos nasce uma novidade – “contra a corrente” – na Igreja. O Card. Stafford fez a seguinte leitura da relação entre a cultura ocidental fundada pelo iluminismo e o surgir de novos movimentos eclesiais: «Esta é uma cultura caduca; o Espírito Santo suscitou novos líderes leigos na Igreja com a finalidade de voltar a buscar a face de Deus, do Pai de Jesus Cristo. Me parece que a importância dos novos movimentos leigos consiste em evidenciar a sede de uma experiência cristã de fé por parte dos leigos»173. Assiste-se hoje, de fato, a uma busca sempre mais intensa

171 Cf. CfL 29. 172 GIOVANNI PAOLO II. Messaggio ai partecipanti al Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali, n. 4, p. 1064. 173 STAFFORD, J. F. I Movimenti nell’Oggi della Chiesa, p. 40.

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de qualquer espiritualidade, mesmo se esta se revela desordenada e se traduz, muitas vezes, no aumento numérico dos membros do que se convencionou chamar de seitas174 e das religiões ditas neopagãs175. Parece estarmos diante de um mundo que está perdendo, cada vez mais, o sentido da própria existência, em que tudo parece “quebrado” – esquizofrenizado – e no qual o individualismo gera uma solidão crescente. O Prof. Guzmán Carriquiry cunhou uma bela expressão para indicar o resultado prático de tudo isso: «um mundo de solidão de massa»176. É justamente num mundo como este, tão desarmônico e de grandes desequilíbrios sociais, econômicos e confrontos culturais, que a religiosidade emerge novamente com força. Felizmente, no âmbito eclesial – especialmente a partir do Concílio Vaticano II – nota-se que muitos carismas foram dados pelo Espírito Santo aos Christifideles. Mons. Eugênio Corecco, salientando o texto da LG 12, afirmou que o Concílio Vaticano II, «confirmando que o carisma é dado aos “fiéis de todas as ordens” pelo Espírito Santo e, portanto, aos clérigos, religiosos e leigos, foi extremamente libertador»177. Parece ser mesmo verdade: o confirma o protagonismo assumido pelos leigos Christifideles no período pós-conciliar.

Os movimentos eclesiais correspondem, assim, ao desejo de muitos cristãos de encarnar o Evangelho de Jesus Cristo de uma forma mais concreta, em um mundo cuja mentalidade (individualista, utilitarista, hedonista, tecnocentrista etc), em grande parte, os despreza. Esta mentalidade encontra hoje um freio, ou pelo menos um obstáculo, exatamente nas novas realidades eclesiais e no seu “anti-conformismo”, como afirma Cattaneo: «Um dos aspectos, provavelmente, mais relevantes da missão dos movimentos é a

174 «Na atmosfera do início do novo milênio prevalece um certo ecumenismo espiritualista, eclético, bem simbolizado pelo sincretismo de vários componentes religiosos que convergem na New Age» (CARRIQUIRY, G. Una scommessa per l’America Latina – Memoria e destino storico di un continente. Firenze: Le Lettere, 2003, p. 244). 175 São um grupo de religiões contemporâneas bastante heterogêneas entre si. A maior parte das religiões neopagãs são tentativas de reconstrução, adaptações ou ressurgimento das religiões pagãs, principalmente as da antigüidade pré-cristã européia. 176 CARRIQUIRY, G. Una scommessa per l’America Latina, p. 243. 177 CORECCO, E. Profili istituzionali dei Movimenti nella Chiesa, p. 217.

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resposta ao desafio da secularização com que se encontra confrontada a Igreja nestas últimas décadas. Compreende-se, portanto, que nos movimentos reine uma notável sensibilidade anti-conformista»178.

Claro está que o predomínio laical nos movimentos e comunidades novas não exclui a participação de sacerdotes, religiosos e religiosas. O nexo fundamental destas novas realidades não está em uma separação ou divisão em status, mas exatamente na composição de uma realidade que une todos os estados de vida. A grande novidade está principalmente em seu protagonismo. Pe. Jesùs Castellano nos lembra que «em outros tempos foram os leigos cristãos a acolher uma espiritualidade, na maioria dos casos, proveniente de ambiente conventual, enquanto hoje acontece exatamente o contrário: freqüentemente, de fato, nestes movimentos laicais estão envolvidos sacerdotes, religiosos e religiosas»179. De fato, «os leigos suscitam e animam movimentos nos quais os sacerdotes e os outros fiéis se encontram, se confraternizam e operam de forma concorde, movidos por um mesmo ideal que, a julgar pelos frutos, não pode ser senão um dom do Espírito»180. Hoje em dia pode-se perceber que uma grande confiança é colocada sobre os leigos, o que, há algumas décadas, seria impossível sequer imaginar. Um sinal desta renovada confiança foram os numerosos santos e santas, beatos e beatas leigos, que receberam de Papa Wojtyła o reconhecimento por suas vidas cheias de coragem heróica diante do mundo, exemplo daquele testemunho inequívoco de fé que manifesta vivamente o chamado à santidade que é destinado a todos na Igreja.

O protagonismo dos leigos salienta e determina de maneira relevante esta mudança epocal que estamos atravessando na Igreja. Esse fato direciona a nossa atenção para elementos fundamentais da vida e da fé cristã, muitas vezes esquecidos por aqueles cristãos ditos “não praticantes”, como a união com Cristo por meio da oração pessoal e comunitária, a verdadeira e amorosa redescoberta da

178 CATTANEO, A. I Movimenti Ecclesiali: Aspetti Ecclesiologici. In: «Annales theologici» 11/II (1997), p. 407. 179 CASTELLANO, J. Tratti caratteristici dei Movimenti ecclesiali contemporanei. In: «Rivista di Vita Spirituale», 39/IV (1985), p. 562. 180 BEYER, J. Il rinnovamento del diritto e del laicato nella Chiesa, p. 140.

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Palavra de Deus e dos sacramentos (redescoberta não só intelectual, mas também afetiva), o renovado compromisso de unir cotidianamente a vida de fé e a vida prática, e o aberto testemunho cristão em todos os ambientes.

3 – Uma nova autoconsciência eclesial

A terceira característica que gostaríamos de recordar aqui é a de uma nova autoconsciência eclesial. G. Trentin afirma que os movimentos tornam-se indubitavelmente uma «forma de promoção do laicato segundo as linhas traçadas pelo Vaticano II: é o laicato que toma consciência dos seus direitos nativos e originários derivados do batismo, incluindo o direito de criar associações»181. O protagonismo dos leigos promovido pelo Concílio Vaticano II fez com que estes desenvolvessem uma progressiva autoconsciência de sua dignidade de filhos de Deus e da Igreja. Poder-se-ia afirmar, ainda com Trentin, que «o que caracteriza os movimentos eclesiais hoje não é tanto a sua proliferação mais ou menos espontânea e inesperada, mas sim a sua consciência eclesial, a sua forma de viver e de comunicar a fé na história, sem renunciar a ser profecia, sinal de contradição, novidade»182. Esta consciência de fazer parte da Igreja – mais ainda, de ser também os construtores de sua história – faz com que seus membros sintam os problemas eclesiais como próprios, envolvendo-se em primeira pessoa e empenhando-se na promoção da fé cristã de forma mais incisiva, com a própria vida. Assim, levam a Boa Notícia do Evangelho ao mundo, novidade desconcertante que experimentaram antes pessoalmente e que, exatamente por esse motivo, leva o sinal do testemunho vivo, que parece ser contagioso, por assim dizer. Mons. Domenique Rey, bispo de Fréjus-Toulon (França), acredita também que «As novas comunidades são um potente “fertilizante” para as vocações. Nelas, muitos batizados

181 TRENTIN, G. Movimenti ecclesiali tra fede e storia, p. 46. 182 Ibidem, p. 46.

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reencontram o sentido do seu Batismo e a dignidade da vida cristã»183.

Esse testemunho é um grande desafio porque esses leigos e leigas são chamados a dá-lo precisamente em meio a suas atividades cotidianas. É ali que os membros dos movimentos e comunidades novas são chamados a mostrar a consciência eclesial que vão adquirindo conforme a sua experiência de fé e encontro pessoal e comunitário com Cristo vão se aprofundando. E não poderia ser diferente. A santidade para os leigos deve ser buscada justamente em meio a suas atividades diárias no mundo. Ainda antes do ano 2000, o Card. Stafford afirmava:

O desafio que os leigos têm de enfrentar – e quando falamos destes movimentos, falamos essencialmente de leigos, enquanto nos preparamos para entrar no novo século, no novo milênio – consiste em readquirir a consciência da visão que a santidade para um leigo deve ser buscada no mundo [...], ou seja: a santidade deve ser buscada trabalhando no mundo, deve ser buscada na relação homem-mulher no matrimônio e na família, deve ser buscada na política, na economia, no mundo acadêmico, entre os jornalistas e profissionais da comunicação.184

O Concílio Vaticano II parece ter sido o grande propulsor desta nova configuração dos leigos na Igreja. «O florescimento de que foram protagonistas nas últimas décadas e os frutos da sua vigorosa ação apostólica foram propiciados, em grande parte, pela renovação eclesiológica, espiritual e pastoral promovida pelo Vaticano II»185, afirma Cattaneo. De fato, o decreto conciliar Apostolicam Actuosiatatem mostrou um grande horizonte aos leigos neste sentido, aguçando neles a consciência de ser Igreja e de ter dons fundamentais para a sua construção histórica. O decreto colocou em evidência a realidade do apostolado dos cristãos leigos exprimindo-o como direito e dever. «Os leigos derivam o dever e o

183 REY, Dominique. Accoglienza dei movimenti e delle nuove comunità nelle Chiese particolari. In: PCL. Mov.VI. Città del Vaticano: LEV, 2008, pp. 103-119, p. 112. 184 STAFFORD, J. F. I Movimenti nell’Oggi della Chiesa, pp. 40-41. 185 CATTANEO, A. I Movimenti Ecclesiali: Aspetti Ecclesiologici, p. 402.

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direito ao apostolado da sua própria união com Cristo cabeça»186. Mais adiante, se diz: «A partir do fato de ter recebido estes carismas, mesmo os mais simples, surge para cada fiel o direito e o dever de exercê-los para o bem dos homens e a edificação da Igreja»187. Este é um esclarecimento importantíssimo do decreto, uma vez que ele evidencia o caráter destes carismas como dons especiais e direcionados ao apostolado. Em outras palavras – ainda com Cattaneo –, pode-se dizer que «O apostolado não é mais visto só como cooperação com a hierarquia, mas como específica missão de levar o Espírito de Cristo a todas as realidades temporais, uma missão que está aberta a inumeráveis iniciativas sejam pessoais, sejam comunitárias»188. É, sem dúvida, uma exortação aos fiéis leigos para que façam bom uso dos dons e carismas recebidos de Deus para o bem de toda a Igreja; independentemente de um pedido da hierarquia, é dever de todos eles enquanto cristãos. Pe. Rambaldi resume este pensamento conciliar afirmando:

Sobre o tema dos carismas, o decreto sobre o Apostolado dos leigos tem de específico, além da fórmula “direito e dever de exercê-los”, também a declaração explícita que os ‘peculiaria dona’, ou carismas, são concedidos para o exercício do apostolado ao qual o laicato é chamado pelo batismo, pela crisma, pela participação no sacerdócio de Cristo.189

E acrescenta ainda, Pe. Castellano: «recorre-se à raiz sacramental do batismo e da crisma, fundamento desta vocação cristã que reúne em si toda a riqueza do mistério de Cristo e do Espírito para viver o mistério eclesial»190. Os fiéis leigos têm, portanto, direitos e deveres em relação à sua própria fé e devem desenvolver sempre mais a sua consciência a esse respeito. A consciência eclesial dos leigos deve ser concebida, então, no apropriar-se destes direitos e deveres.

186 AA 3a. 187 AA 3c. 188 CATTANEO, A. I Movimenti Ecclesiali: Aspetti Ecclesiologici, p. 404. 189 RAMBALDI, G. Carismi e Laicato nella Chiesa. In: «Gregorianum» 68/1-2 (1987), p. 93. 190 CASTELLANO, J. Tratti caratteristici dei Movimenti ecclesiali contemporanei, p. 562.

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Enquanto direito, «é afirmado o indivíduo, a sua personalidade cristã, a sua responsabilidade, a sua tarefa na Igreja que, vinda do Espírito, ninguém tem o direito de impedir»191. É fundado sobre os sacramentos da iniciação cristã. M. Monnet, no seu trabalho sobre o decreto Apostolicam Actuosiatatem, nos faz notar como «o papel do batismo que insere no Corpo Místico de Cristo, da crisma que fortifica e da eucaristia que alimenta, é salientado, colocando estes sacramentos, que são partilhados por todos os cristãos, no centro da inspiração apostólica»192.

Enquanto dever, por outro lado, diz-se que «A todos os cristãos [...] é imposta a nobre tarefa de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e aceita por todos os homens, sobre toda a terra»193. A vocação dos fiéis leigos aparece, então, como vocação ao apostolado. Pode-se dizer que a realidade do apostolado dos cristãos é intimamente unida à sua própria fé, concebida como nobre tarefa que flui do batismo; por isto «são deputados pelo próprio Senhor ao apostolado»194. Assim,

O Espírito Santo, de quem procede o poder e o querer fazer o bem, intervém para tornar os cristãos capazes e bem dispostos em cumprir o apostolado exigido pela sua situação e pela comunidade a que pertencem, e distribui a estes os seus dons particulares, para que sejam bons dispensadores da multíplice graça de Deus para a edificação de todo o corpo na caridade. Estes dons são exatamente os carismas.195

Os movimentos e as novas comunidades demonstram ter uma notável capacidade de despertar a consciência eclesial nos fiéis cristãos. Este despertar é fortemente marcado pelo seu empenho na evangelização/re-evangelização dos povos. Parece ser isto que converte tantos homens e mulheres do nosso tempo. O Card. Danneels o notava já há mais de 25 anos: «É um fato que a maior

191 RAMBALDI, G. Uso e Significato di ‘Carisma’ nel Vaticano II. In: «Gregorianum» 56/1 (1975), p. 154. 192 MONNET, M-L. et al. L’Apostolato dei Laici – Decreto “Apostolicam Actuositatem”. Brescia: Queriniana, 1966, p. 51. 193 AA 3b. 194 AA 3a. 195 RAMBALDI, G. Uso e Significato di ‘Carisma’ nel Vaticano II, p. 152.

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parte das “conversões” dos nossos dias registra-se nestes movimentos, enquanto as nossas estruturas clássicas parecem relegadas ao papel de entretenimento e de serviço»196. É também por este motivo que a paróquia parece ser hoje chamada a não permanecer fechada em si mesma, mas a ser “comunidade de comunidades” a fim de responder às novas demandas dos fiéis.

4 – A referência à dimensão carismática da Igreja

A quarta e última característica fundamental dos movimentos eclesiais contemporâneos que queremos salientar é expressa por aquela evidente referência à dimensão carismática da Igreja. Estamos diante de agregações que se percebem como profundamente ligadas à dimensão pneumática da Igreja. Esta dimensão parecia ter sido “esquecida” por muito tempo. Para que existisse um novo interesse por esta realidade foi necessário um “novo evento”, uma renovada manifestação daquele fenômeno carismático fundante – a efusão do Espírito Santo sobre os Apóstolos. Podemos falar de esquecimento porque o próprio Papa João Paulo II falara de redescoberta: é «desta providencial redescoberta da dimensão carismática da Igreja que, antes e depois do Concílio, afirmou-se uma linha singular de desenvolvimento dos movimentos eclesiais e das novas comunidades»197. No imediato período pós-conciliar, de fato, percebia-se toda uma outra situação. O então Card. Ratzinger, colocando em paralelo a relação entre o termo inverno – cunhado por Karl Rahner para se referir à difícil situação pela qual passava a Igreja no período do imediato pós-concílio – e o que acontece hoje, exprimiu-se dessa forma:

A expressão rahneriana era plenamente compreensível; exprimia uma experiência que experimentávamos todos. Mas eis que surgiu, improvisamente, algo que ninguém tinha projetado. Eis que o Espírito Santo, por assim dizer, tinha pedido outra vez a palavra. E em jovens, homens e mulheres,

196 DANNEELS, G. Evangelizzare l’Europa secolarizzata. In: «Regno-documenti» 30 (1985), p. 585. 197 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella Vigilia di Pentecoste, n. 4, p. 1122.

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reflorescia a fé, sem “se” nem “mas”, sem subterfúgios nem brechas, vivida na sua integralidade como dom, como um presente precioso que faz viver. É claro, não faltou quem visse isso como algo que incomodaria seus debates intelectualistas e projetos de construção de uma Igreja diferente e feita à sua própria imagem. E como poderia ser diferente? Onde irrompe, o Espírito Santo desfaz sempre os projetos dos homens.198

O Prof. Guzmán Carriquiry comenta nestes termos aquele confuso período da Igreja: «Não resta dúvida que se tratou de um inverno rigoroso para a Igreja. Se aprende e se cresce somente quando se enfrenta toda a realidade sem censurar nenhuma parte nem dimensão constitutiva. Ao auge da crise do pós-concílio, no dia 7 de dezembro de 1968, Paulo VI dizia: “A Igreja encontra-se em uma hora de inquietação, de autocrítica, se diria até mesmo de autodestruição” e punha, então, toda a confiança em Cristo: “será Ele que acalmará a tempestade”»199. Parece mesmo que as palavras do Pontífice tornaram-se verdade, pelo menos em parte, com a redescoberta daquela dimensão essencialmente carismática da Igreja. Hoje, pode-se perceber uma situação bastante diferente daquele momento pós-conciliar200, uma situação que há poucas décadas atrás pareceria impensável diante de uma Igreja que se encontrava confusa e sem vigor. Referindo-se a esse momento histórico, Pe. Albert Vanhoye observava:

Em nossos tempos, a situação mudou e a mudança provoca estupor e interrogações. Em toda parte formaram-se diversos grupos cristãos nos quais se reproduzem, pelo que parece, experiências da Igreja primitiva, fenômenos de glossolalia, “batismo no Espírito”, curas por imposição das mãos etc. Por estes motivos, os textos do Novo Testamento sobre os carisma

198 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, p. 24. 199 CARRIQUIRY, G. Una scommessa per l’America Latina, p. 230. 200 Não queremos, com esse paralelo, subestimar os atuais desafios da Igreja. Esta continua o seu árduo caminho em meio às grandíssimas dificuldades do início do novo milênio. Estamos somente destacando o contrastante estado de confiança e entusiasmo que surgiu depois do “inverno” de Karl Rahner, chamado por João Paulo II de “primavera”.

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tomaram uma atualidade nova, que se repercute até sobre outros aspectos da vida da Igreja.201

De tempos em tempos, a estória se repete: alguém (ou um grupo de pessoas) faz uma experiência carismática na Igreja, decisiva para a própria vida, e que depois, de maneira misteriosa, estende-se a outros. A partir deste primeiro encontro nasce um caminho de santidade e aprofundamento na fé para si e para tantas outras pessoas que depois venham a ter contato e desejem acolher aquela experiência na própria vida. «O fator fundamental, presente na raiz de tudo, está ligado, portanto, a um acontecimento, isto é, a algo que aconteceu, que fez, às vezes discretamente, irrupção na vida dos homens, levando-a por caminhos não aplainados e colocando-a em movimento»202, afirma o Prof. Fidel González. Este fator fundamental é substancialmente pneumatológico, reflexo da carismaticidade da própria Igreja. Moysés Azevedo, Fundador da Comunidade Católica Shalom, recordou que

A força deles [dos movimentos e novas comunidades] está no carisma recebido por Deus para propor aos homens do nosso tempo, com a Igreja e na Igreja, a experiência concreta de Jesus Cristo vivo. Dessa experiência nasce a alegria de ser cristãos, a necessidade de pertencer à Igreja e de viver a vida sacramental; esta experiência gera comunidades cristãs maduras, com laços de amor e fraternidade, conduz a descobrir a força da Palavra de Deus e da oração, o amor e o serviço pelos pobres, materiais ou morais; esta experiência nos empurra a evangelizar.203

Os movimentos eclesiais contemporâneos e as novas comunidades fazem, portanto, referência a um evento único e fundamental que remete à índole carismática da Igreja: uma nova intervenção do Espírito Santo que tende a se amplificar rapidamente. Estimava-se, ainda no ano 2000, que só o movimento da Renovação

201 VANHOYE, A. I Carismi nel Nuovo Testamento (ad uso degli studenti). Roma: Pontificio Istituto Biblico, 2002, p. 4. 202 GONZÁLEZ, F. Carismi e movimenti nella storia della Chiesa, p. 72. 203 DE AZEVEDO, Moysés L. Umili servi nella vigna del Signore. In: Mov. VI. Città del Vaticano: LEV, 2009, pp. 203-209, p. 205.

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Carismática Católica (RCC) estivesse «difundido em 204 países dos cinco continentes entre 82 milhões de católicos»204. Hoje sabe-se que são mais de 100 milhões. O Movimento dei Focolari fundado na Itália, em 1943 – e que em 14 de março de 2008 perdeu a sua fundadora, Chiara Lubich –, por sua vez, está presente em 182 países e possui mais de 180 mil membros e 2 milhões de aderentes e simpatizantes. A Comunidade Católica Shalom (Moysés Louro de Azevedo Filho, 1982) e a Comunidade Canção Nova (Pe. Jonas Abib, 1978) – comunidades novas fundadas no Brasil – estão presentes em oito e cinco países, respectivamente; só para citar um exemplo, a primeira conta hoje com cerca de 4.000 membros e 40.000 aderentes. Estes são somente alguns exemplos – ainda poderíamos citar muitas outras comunidades novas, inclusive brasileiras – que nos permitem afirmar que vivemos um momento eclesiológico especial, ou seja, um tempo de reflorescimento que parece rejuvenescer a face da Igreja (inclusive pela atratividade que exercem sobre os mais jovens), facilitando o diálogo com muitos fiéis, distanciados – talvez – pela frieza de um modelo de Igreja que já aparecia carente de entusiasmo ou demasiadamente apegado a cânones somente, ritos e leis205. O colocar em evidência a dimensão carismática da Igreja se alinha muito bem à nova eclesiologia proposta pelo Concílio Vaticano II, que tem como fruto a elaboração de «uma nova imagem do mistério da Igreja que se liga às origens do cristianismo, uma visão da Igreja como organismo vivo, que é vivificado e unificado pelo Espírito Santo»206.

204 MARTINEZ, S. Rinnovamento nello Spirito Santo. In: PCL. Mov.IV. Città del Vaticano: LEV, 2000, p. 171. 205 Devemos lembrar, porém, que o período de reflorescimento e redescoberta vivido atualmente é inseparável do período de crise pré e pós-conciliar. De fato, não se deve perder de vista a associação íntima entre estes dois momentos; caso contrário, arrisca-se a não compreender-se adequadamente o movimento do Espírito Santo na História. O Prof. Carriquiry recorda que «Aqueles que viram só o inverno, ficaram na impotente nostalgia de uma crítica exasperada que acusa injustamente o próprio Concílio e os seus ensinamentos. Aqueles que somente cantam os louvores da primavera, exorcizam a cruz concreta e pesada que foi levada com sofrimento, e que é prova e julgamento para a conversão e para a ressurreição» (CARRIQUIRY, G. Una scommessa per l’America Latina, pp. 231-232). 206 BLANCHNICKI, F. Aspetti caratterizzanti un movimento ecclesiale. In: Mov.1. Milano: Jaca Book, 1982, p. 179.

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Assim, poderíamos identificar os efeitos da ação criadora do Espírito Santo na Igreja do nosso tempo também no surgimento desses movimentos eclesiais e comunidades novas; eles são frutos da índole carismática da própria Igreja. Mons. Alberto Taveira recorda que

No curso da história da Igreja, o Senhor nunca deixou de repetir a sua Palavra, anunciando-a de vez em quando com “palavras” novas. Por meio de diversos carismas, Deus continua ainda hoje a dirigir-nos as suas palavras através de testemunhos concretos na vida da Igreja. Todos os carismas, grandes e pequenos, são chamados a levar a Palavra aos homens do nosso tempo, sobretudo a palavra da caridade. De fato, são dados a uma pessoa ou a um grupo de pessoas “para” os outros e “para” a Igreja, não certamente para aumentar a própria vanglória.207

A esse respeito, foram vigorosas as palavras proferidas pelo Papa João Paulo II diante da multidão dos membros dos movimentos e comunidades novas, quando exprimiu a sua própria admiração pelo que realiza o Espírito Santo no hoje da Igreja: «Hoje a Igreja se alegra em constatar renovadamente o tornar-se verdade das palavras do profeta Joel: “Eu efundirei o meu Espírito sobre toda pessoa” (At 2,17). Vocês aqui presentes são a prova tangível desta “efusão” do Espírito»208.

207 TAVEIRA, Alberto. Discerimento dei carismi: alcuni criteri pratici. In: Mov.VI. Città del Vaticano: LEV, 2009, pp. 97-102, p. 97. 208 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella Vigilia di Pentecoste, n. 5, p. 1122.

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CAPÍTULO 2:

OS MOVIMENTOS ECLESIAIS E COMUNIDADES NOVAS NA IGREJA MISTÉRIO, COMUNHÃO E MISSÃO

Gostaríamos de analisar estes três aspectos que refletem o que a Igreja é em si mesma; na verdade, três pontos que nos fazem entrever a sua natureza mais íntima. Veremos separadamente a relação entre mistério, comunhão e missão da Igreja (a Igreja «é mistério de comunhão e missão»209 [grifo nosso]), de um lado, e os movimentos eclesiais e comunidades novas, de outro, mas logo perceberemos que estes aspectos se entrelaçam constantemente na atuação histórica da Igreja, demonstrando que a separação é puramente pedagógica.

1 – Os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas na Igreja Mistério

Para compreendermos – nem que seja parcialmente – o que, de fato, a Igreja é, será necessário recordar que o Concílio Vaticano II consagrou, antes de tudo, a noção de Igreja-sacramento (mysterium). Já no início da constituição dogmática Lumem Gentium sobre a Igreja, diz-se que ela «é, em Cristo, de alguma forma, o sacramento, ou seja, o instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero humano»210. Ela é, assim, mysterium de Deus. O grande teólogo francês Henri De Lubac, no rastro dos Padres da Igreja, encontrou palavras maravilhosas para mostrar-nos o que representa este grande mistério: «Mistério da Igreja, mais profundo ainda, se possível, mais “difícil de se acreditar”, do que o mistério de Cristo, como este último já era mais difícil de se acreditar do que o mistério de Deus. Escândalo não somente para os gentios ou para os

209 Definição dada pelo Card. Angel Suquía durante o Sínodo dos Bispos de 1987. In: SV 87, p. 291. 210 LG 1.

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judeus, mas também para muitos cristãos»211. A verdade é que tudo o que a Igreja é em si mesma não é sempre e completamente passível de ser compreendido pelo saber humano, pois ela permanece continuamente envolta pelo mistério de Deus. Devemos apelar ininterruptamente ao que Deus nos revelou na pessoa do seu Filho, na Sagrada Escritura e na tradição bimilenar da Igreja, sabendo, porém, que a realidade vai além do que podemos investigar.

O primeiro aspecto que a concepção de Igreja-mysterium nos traz à consideração é que sua essência «não pode ser expressa com uma única denominação, uma única palavra ou conceito. Para descrever este mistério precisamos de muitas imagens conceituais e metafóricas»212. Por isto, se fez uso desde sempre de muitas figuras e imagens para descrever a essência da Igreja, como, por exemplo, a imagem do barco, do rebanho, do campo, da vinha, das redes, da cidade, do corpo... todas elas «não se aplicam à Igreja propriamente, mas metaforicamente, simbolicamente»213. Usou-se, ainda, outros termos, como: povo, sociedade, comunidade, sacramento, ou então... movimento, se quisermos tomar o caminho aberto por Papa João Paulo II. De fato, nas palavras do Pontífice, este movimento da Igreja faz parte também do seu mistério. A Igreja seria, assim, mistério e movimento... No sentido profundo dado pelo Santo Padre ao termo movimento podemos encontrar o significado da própria realidade eclesial enquanto tal. Ele salientou este elemento de identidade direta entre os movimentos eclesiais e a própria essência da Igreja quando afirmou:

Como bem sabeis, a Igreja é “um movimento”. E, acima de tudo, é um mistério: o mistério do eterno “Amor” do Pai, do Seu coração paterno, do qual toma início a missão do Filho e a missão do Espírito Santo. [...] Esta é “um movimento” que penetra nos corações e nas consciências. É “um movimento”,

211 DE LUBAC, H. Cattolicesimo. Gli aspetti sociali del dogma. Roma: Studium, 1964, p. 52. 212 SCHEFFCZYK, L. La Chiesa – Aspetti della crisi postconciliare e corretta interpretazione del Vaticano II. Milano: Jaca Book, 1998, p. 71. 213 MONDIN, B. La Chiesa: primizia del Regno – Trattato di Ecclesiologia. Bologna: Dehoniane, 1992, p. 216.

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que se inscreve na história do homem-pessoa e das comunidades humanas.214

Mistério e movimento de amor são expressões usadas por João Paulo II para manifestar a essência da Igreja. Se quiséssemos resumir as palavras do Santo Padre em uma frase, poderíamos dizer que a Igreja é o mistério do movimento de amor de Deus.

Papa Wojtyła, ainda no início do seu pontificado, mostrou como os movimentos no interior da Igreja também são resposta ao amor de Deus. Durante a sua saudação aos participantes do Encontro Internacional “Movimentos na Igreja”, realizado em Roma de 23 a 27 de setembro de 1981, o Papa afirmou:

Os “movimentos” no seio da Igreja-Povo de Deus exprimem aquele multíplice movimento, que é a resposta do homem à Revelação, ao Evangelho:

– o movimento rumo ao próprio Deus vivo que tanto se aproximou do homem;

– o movimento rumo ao próprio íntimo, rumo à própria consciência e ao próprio coração o qual, no encontro com Deus, desvela a profundidade que lhe é própria;

– o movimento rumo aos homens, nossos irmãos e irmãs, que Cristo coloca na estrada de nossa vida;

– o movimento rumo ao mundo que espera incessantemente para si “a revelação dos filhos de Deus”.215

Seguindo o raciocínio do Papa, um movimento eclesial é gerado por Deus, obra do seu Espírito, parte do seu mistério de amor, sendo também resposta generosa do próprio homem que acolhe o dom divino. Este dom consegue estender-se às fontes mais íntimas da alma e do ser daquele que o acolhe, ao seu coração, mas não fica limitado a um aspecto puramente interior, ou seja, ele o impele a sair de si e projetar-se aos outros seus irmãos e irmãs em Cristo, ao mundo, levando consigo aquela força motriz da fé e do

214 GIOVANNI PAOLO II. La messa per i partecipanti al convegno “Movimenti nella Chiesa” (27 Settembre 1981), n. 2. In: IGP-II, vol. IV, 2 (1981), p. 305. 215 Ibidem, n. 3, pp. 305-306.

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carisma que experimentou antes: em suma, cria homens e mulheres em missão. Observa-se, assim, que estes movimentos não vão em uma só direção, mas irradiam-se por toda parte (Deus vivo, próprio íntimo, homens, mundo) refletindo a luz brilhante do amor e da beleza de Deus. Os movimentos eclesiais e comunidades novas devem ser concebidos, então, no interior do mistério deste amor divino que é o próprio mistério da Igreja. Isto foi também salientado pelo Santo Padre quando afirmava que «A dimensão substancial do movimento em cada uma das direções mencionadas acima é o amor. “O amor de Deus foi derramado em nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado”»216.

O melhor entendimento dos movimentos eclesiais e dos novos carismas circunscreve-se, assim, no interior do próprio mistério de comunhão e missão da Igreja. Os movimentos e comunidades novas, gerados pelos novos carismas derramados pelo Espírito Santo, só encontram a sua plena realização no serviço a Cristo, na Igreja, em função de fazê-la responder aos desafios contemporâneos. Nesse mistério são preponderantes os aspectos da comunhão e missão da Igreja, aspectos que se apresentam particularmente atuais para a reflexão eclesiológica no início deste terceiro milênio. O Concílio Vaticano II fez emergir outra vez exatamente esses dois aspectos como fundamentais para a compreensão mais profunda da constituição eclesial. É isto que tentaremos observar agora.

2 – Os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas na Igreja Comunhão

A communio, como aspecto constitutivo da Igreja, é um elemento bastante complexo. Mesmo não podendo, nesta sede, analisar profundamente os seus diversos ângulos, gostaríamos de, pelo menos, dar relevo a algumas características importantes para a sua compreensão em relação aos movimentos eclesiais e às comunidades novas.

216 Ibidem, n. 3, p. 306.

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Esse breve percurso nos levará a mostrar, especialmente, uma visão geral da communio como fruto do Concílio Vaticano II; a relação de comunhão íntima existente entre Igreja universal e particular; e uma visão dos movimentos eclesiais no interior desta relação.

Uma eclesiologia de comunhão

Nas últimas décadas, muito se refletiu – e isto parece hoje consolidado – que o Concílio Vaticano II operou uma verdadeira mudança de perspectiva no interior da Teologia, principalmente em campo eclesiológico. Muitos são os teólogos e os especialistas que aludem a este fato. O testemunho do então Card. Ratzinger a esse respeito parece muito revelador. Referindo-se ao pedido feito pelo Papa João XXIII a todos os bispos e conferências episcopais para que enviassem temas prioritários para a elaboração da agenda conciliar, assim afirmou: «Também na conferência episcopal alemã discutiu-se temas a serem propostos para a reunião dos bispos. Não só na Alemanha, mas praticamente em toda a Igreja Católica, achava-se que o tema deveria ser a Igreja...»217.

Mons. Marcelo Semeraro, falando dos trabalhos preparatórios do Concílio – quando se procurava ainda um elemento central em função do qual organizá-lo – expressou-se da seguinte forma: a «configuração inicial dos trabalhos dá mostra, de alguma forma, da concentração eclesiológica que se verificou no Vaticano II. A eclesiologia é realmente o centro perspectivo da sua Teologia. Por isto, entre os documentos conciliares, a constituição dogmática Lumen Gentium tem um lugar central»218.

Estes testemunhos nos mostram que a Igreja era, de fato, o foco do Concílio. É claro que não temos nenhuma pretensão de apresentar, em poucas palavras, a importância da visão eclesiológica expressa pelo Vaticano II, não sendo nem mesmo este o nosso propósito nesta obra. Queremos somente salientar que no interior desta nova visão eclesiológica que nascia no Concílio, a communio

217 RATZINGER, J. La Comunione nella Chiesa. Milano: San Paolo, 2004, p. 129. 218 SEMERARO, M. Citado por: STENICO, T. Il Concilio Vaticano II – Carisma e Profezia. Città del Vaticano: LEV, 1997, p. 93.

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tinha um lugar privilegiado. A eclesiologia proposta pelo Concílio era intimamente ligada à communio: eclesiologia de comunhão. Como Pe. Congar afirmara: «O Concílio não tirou nada das funções do ministério ordenado dos sacerdotes, dos bispos, do Papa, mas superou a “hierarcologia” e o quadro jurídico-societário dentro do qual era considerada a Igreja»219. Assim, fez-se espaço ainda maior para a dimensão comunial da Igreja.

Mas, para que possamos ter uma correta visão da colocação dos movimentos eclesiais e comunidades novas no interior da comunhão eclesial, é preciso que indaguemos sobre: 1- o uso que o Concílio fez do termo communio; 2- uma visão fiel da communio na Igreja contra algumas visões deturpadas que dela surgiram no pós-concílio.

Vejamos o primeiro aspecto. O Concílio escolheu, entre os vários termos possíveis para descrever a realidade eclesial, alguns como ovil do qual a porta é Cristo, rebanho de Deus, terreno ou campo de Deus, edifício de Deus, Jerusalém Celeste, Mãe Nossa, a Esposa Imaculada do Cordeiro Imaculado, Esposa de Cristo220. Algumas vezes, o Concílio usou também termos mais teológicos como mysterium/sacramento221, Igreja corpo de Cristo, unificado pelo Espírito, tendo Cristo como cabeça222, ou ainda a imagem fortemente enraizada no Antigo Testamento de povo de Deus223, esta última por alguns «considerada até mesmo a real novidade do Concílio»224. Há quem afirme, no entanto – como faz Blanchnicki –, que a imagem que pode sintetizar mais fielmente o espírito eclesiológico do Concílio é a de comunidade-communio:

Eclesiólogos, analisando todos os documentos do Concílio, tentam localizar a imagem que possa sintetizar os documentos do Concílio sobre a Igreja. Alguns encontram este modelo no conceito de povo de Deus. Um aprofundamento ulterior dos textos do Concílio, porém, mostrou que na verdade é a concepção da Igreja como comunidade-communio com Cristo e com o Espírito Santo a

219 CONGAR, Y. Credo nello Spirito Santo, p. 355. 220 Cf. LG 6. 221 Cf. LG 1. 222 Cf. LG 7. 223 Cf. LG cap. II. 224 SCHEFFCZYK, L. La Chiesa, p. 72.

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ser a autêntica imagem-guia do pensamento eclesiológico do Concílio.225

Para além da discussão que se poderia levantar sobre qual é a expressão que melhor explica a eclesiologia do Concílio226, o mais importante é que todas essas imagens espelham, de uma forma ou de outra, a communio que reflete a natureza da Igreja.

Devemos, a essa altura, fazer uma observação semântica do termo communio: é preciso evidenciar que ele é bastante abstrato. Este, de fato, possuindo um conteúdo semântico muito vasto, só recebe um significado mais concreto se aplicado a uma realidade particular mais consistente. É o que se pode constatar, por exemplo, nos trechos dos documentos do Concílio Vaticano II que, de algum modo, procuram dar uma definição à Igreja, e em que se teve o cuidado de não deixar o termo communio sozinho, mas sempre seguido de um outro que esclarecesse melhor a que tipo de comunhão estava-se fazendo referência; é o caso no qual se define a Igreja como communio fidelium227 ou, ainda, comunhão eclesiástica228.

Assim, o uso do termo communio nos documentos conciliares mostrou-se bastante flexível. Ele serviu para que se evidenciasse, por exemplo, a comunhão entre os homens229, a ligação entre Deus e os homens230, a comunhão dos presbíteros entre si231, a unidade entre os bispos e o Papa232, a relação das jovens Igrejas com toda a Igreja233,

225 BLANCHNICKI, F. Aspetti caratterizzanti un movimento ecclesiale, pp. 180-181. 226 É o que faz Scheffczyk com a imagem de “Povo de Deus” e “communio”, mesmo se admite que a imagem communio tem se revigorado muito ultimamente: «Apesar disto, não podemos negar que a imagem da “communio” tem conhecido ultimamente um grande impulso, diversamente do período imediatamente sucessivo ao Concílio, quando dominava, ao invés, a imagem do “Povo de Deus”» (SCHEFFCZYK, L. La Chiesa, p. 73). 227 Cf. UR 2. 228 Cf. UR 20. 229 Cf. AG 11. 230 Cf. GS 16-18. 231 Cf. PO 8. 232 Cf. LG 8. 233 Cf. AG 19.

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a ligação que une a Igreja Católica e as Igrejas Orientais234, entre outros trechos. Mas, o Concílio o aplicou também em sentido direto, isto é, para definir a própria Igreja. Já citamos os exemplos da Igreja como communio fidelium e communio ecclesiastica (para distingui-las de comunhões de outra natureza), mas não podemos esquecer a forte e incisiva expressão de Igreja como «comunhão do inteiro corpo místico de Jesus Cristo»235. Se quiséssemos mesmo fazer uma interpretação sintética de LG 1, poderíamos dizer que ela afirma que a Igreja é o sacramento da comunhão dos homens com Deus e entre si. Tudo isso só nos confirma a forte mudança de mentalidade realizada pelo Concílio para salientar a alteração radical no aspecto eclesiológico. De fato, esta mentalidade muda de uma concepção de Igreja vista como societas perfecta (“sociedade perfeita”) para communio sanctorum (“comunhão dos santos”), ou em outros termos ainda, «de uma eclesiologia dos ministérios eclesiásticos (portanto somente uma hierarcologia) para a eclesiologia da Comunidade, da Communio»236. O documento da relação final da Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985 – convocada para celebrar as graças e os frutos espirituais do Concílio Vaticano II no 20º aniversário do seu encerramento – exprime, no conjunto, o significado (retomado depois pela CfL 19) do termo communio no contexto eclesial hodierno:

A eclesiologia de comunhão é a ideia central e fundamental nos documentos do Concílio. A Koinonia-comunhão, fundamentada na Sagrada Escritura, é tida em grande honra na Igreja antiga e nas Igrejas Orientais até os nossos dias. [...] O que significa a complexa palavra “comunhão”? Trata-se fundamentalmente da comunhão com Deus por meio de Jesus Cristo, no Espírito Santo. Esta comunhão tem-se na palavra de Deus e nos sacramentos.237

Logo depois do Concílio, Papa Paulo VI já recuperava o termo comunhão para designar a Igreja, mais precisamente em termos de

234 Cf. OE 24. 235 LG 50. 236 BLANCHNICKI, F. Aspetti caratterizzanti un movimento ecclesiale, p. 177. 237 II COETUS GEN. EXTRAORD. SYNODI EPISCOPORUM (1985). Ecclesia sub verbo Dei… Relatio finalis, II, C, 1. In: CfL 19.

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comunhão dos santos, dos cristãos incorporados em Cristo. Dizia: «A Igreja é uma comunhão. O que quer dizer neste caso: comunhão? Nós vos recordamos o parágrafo do catecismo que fala da comunhão dos santos. Igreja quer dizer comunhão dos santos»238.

Seguindo a mesma trilha, o atual Catecismo da Igreja Católica afirma expressamente que «A comunhão dos santos é exatamente a Igreja»239. É, portanto, nessa comunhão que Deus quer realizar a salvação de todos. O Concílio Vaticano II, por sua vez, o confirma nestes termos: «Deus quis santificar e salvar os homens não individualmente e sem alguma ligação entre eles, mas quis fazer deles um povo, que o reconhecesse segundo a verdade e o servisse na santidade»240. Pode-se compreender, então, a afirmação de Papa João Paulo II quando diz que o conceito de comunhão está «no coração da autoconsciência da Igreja»241.

O segundo aspecto a ser trazido à memória é que a unidade na Igreja não é fruto de uma construção meramente humana. Muitas vezes o termo comunhão, usado no contexto da realidade eclesial, é mal compreendido, sendo traduzido por vocábulos como: simpatia, solidariedade, assistencialismo. A unidade na Igreja é, no entanto, de outra natureza: faz parte do seu mistério. Devemos evidenciar que, desde o início, esta comunhão foi concebida como dom de Deus, e não um sentimento meramente humano. O Card. Paul Josef Cordes, então Presidente do Pontifício Conselho “Cor Unum” – órgão da Santa Sé criado para ser o instrumento executivo do Romano Pontífice em matéria de iniciativa humanitária, em caso de calamidade humana, e no campo da promoção humana integral – o recordou quando, discorrendo sobre a Igreja cristã primitiva, afirmou:

a fazer com que a jovem Igreja seja uma só coisa, não são nem a solidariedade da assistência no tempo da perseguição cristã, nem o interesse de grupo que quer garantir a consistência e o

238 PAULO VI. Udienza Generale – La Chiesa è una comunione (08 giugno 1966). In: Insegnamenti di Paolo VI, vol. IV (1966), p. 794. 239 CCC, 946. 240 LG 9. 241 GIOVANNI PAOLO II. Ai vescovi degli Stati Uniti durante l’incontro nel seminario minore di Nostra Signora di Los Angeles (16.09.1987), n. 1. In: IGP-II, vol. X, 3 (1987), p. 553.

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crescimento dela. A unidade nasce muito mais do voltar-se para Deus e, no curso dos acontecimentos, sempre mais puramente, na abertura diante do Espírito Santo.242

Devemos esclarecer, portanto, uma vez por todas, que a communio no interior da Igreja não nasce de mero sentimento psicológico de afeto ou de simpatia, quase como se fosse o resultado de uma simples afinidade sentida no interior da comunidade cristã, ou então, de uma estratégia sócio-administrativa da autoridade eclesiástica. A communio traz já consigo características e conceitos concretos e sólidos, como, por exemplo, o da existência de uma hierarquia na Igreja. O caráter hierárquico é parte integrante do próprio mistério da Igreja e, portanto, não poderia nunca estar fora da sua communio. É claro que o corpo eclesial é composto pela Cabeça e pelos membros que formam um conjunto unitário, uma unidade fundamental, mas, nem por isto, a Cabeça deixa de ser Cabeça e os membros deixam de ser membros. É Cristo a Cabeça da Igreja que a criou de maneira também hierárquica. «A uns ele constituiu apóstolos, a outros, profetas, a outros evangelistas, pastores e doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo, até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos o estado de homem perfeito, a estatura da maturidade de Cristo» (Ef. 4,11-13). Trata-se de uma concepção da Igreja como uma «comunhão orgânica hierárquica»243, no dizer de Papa Pio XII. Teremos a oportunidade de voltar a este assunto quando falarmos da co-essencialidade entre a dimensão carismática e institucional da Igreja.

De todo modo, se esse aspecto parece um discurso demasiadamente abstrato para alguns, devemos lembrar ainda uma vez, com René Latourelle, que a fé católica «não é somente um vago comportamento religioso, sentimental e pouco exigente, nem é simplesmente a adesão a um certo número de práticas exteriores,

242 CORDES, P.J. La «Communio» nella Chiesa. In: Mov.II. Milano: Nuovo Mondo, 1987, p. 38. 243 PIO XII. Lettera Enciclica Mystici corporis (29.06.1943). In: AAS 35 (1943), p. 200.

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mas é uma fé em mistérios desconcertantes para a razão humana»244. Assim, pode-se suspeitar que uma concepção que negue o importante elemento da presença de uma hierarquia na Igreja, pensada e desejada por Cristo, seu fundador, provenha de uma visão insuficiente – e, até mesmo, tendenciosa – de communio, além de uma interpretação equivocada e ambígua dos textos da Sagrada Escritura e do Concílio. Na verdade, um exemplo disso poderia ser encontrado de «maneira geral e humoral no uso lingüístico descurado e complexo com o qual se fale de “Igreja aberta”, sem definir as fronteiras externas e critérios para a pertença a esta»245. Uma concepção posta desta forma parece feita intencionalmente para legitimar posições como aquela de Hasenhültt quando afirma que «A comunhão é, na verdade... pré-institucional, comunidade de atuação; Igreja é uma determinação de relações de homem a homem [...] sem nenhuma superioridade ou subordinação»246. É preciso estar atento para perceber o significado mais profundo da communio, não vendo nela somente um sentimento geral ou uma mera comunhão de sentimentos humanos. De fato,

No pano de fundo das declarações conciliares sobre a “communio” está o conceito bíblico e proto-cristão da “communio”, fundamental acima de tudo em São Paulo e São João. Este mostra já estruturas unívocas e não tem nada em si da indeterminação amorfa das novas ideias comunitárias. Este significa, antes de tudo, a participação salvífico-espiritual em Jesus Cristo por meio da Igreja; em São Paulo as fórmulas sobre a “communio” são profundamente próximas às afirmações sobre o “estar com Cristo” e, por este motivo, a fórmula concreta da “koinonia” (“communio”) consiste também na participação na Eucaristia da Igreja (cf. 1 Cor 10,16), que naturalmente é também juridicamente ordenada.247

244 LATOURELLE, R. Chiesa: motivo di credibilità. In: LATOURELLE, R. –

FISICHELLA, R. (EDD.). Dizionario di Teologia Fondamentale. Assisi: Cittadella, 1990, p. 165. 245 SCHEFFCZYK, L. La Chiesa, p. 75. 246 HASENHÜTTL, G. Kritische Dogmatik, Graz, 1979, p. 172, in SCHEFFCZYK, L., La Chiesa, p. 75. 247 SCHEFFCZYK, L. La Chiesa, p. 78.

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Igreja universal e particular na eclesiologia de comunhão

Vimos como a concepção de Igreja – concebida como communio – é parte importante do grande mistério que a envolve e representa. Esta comunhão é, porém, vivida a nível prático através da relação com as Igrejas particulares que são uma dimensão imprescindível deste mesmo mistério.

Antes de analisarmos a situação dos movimentos eclesiais e comunidades novas em conexão com a Igreja universal e particular, vejamos algumas indicações de como configura-se a communio entre essas duas dimensões da Igreja.

Antes de tudo, devemos lembrar uma premissa muito importante: para entender bem a relação entre Igreja universal e particular, é preciso olhar atentamente para a intenção de Cristo no ato de fundar a Igreja. Ele, de fato, quando fundou a Igreja, a desejou livremente como realidade direcionada a todos: «Depois lhes disse: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”» (Mc 16,15). Isso significa que Jesus não quis a Igreja reduzida a um povo específico, a uma raça ou cultura, mas que a desejava com um caráter universal. Essa questão foi bem compreendida pela Igreja nascente já no episódio que motivou o Concílio de Jerusalém, sobre a obrigatoriedade de submeter os novos cristãos às práticas da lei mosaica, o que representou um incontestável ponto de inflexão na relação do cristianismo com o judaísmo da época. Assim, compreende-se que a Igreja é universal por vontade divina. Por outro lado, Jesus quis que a Igreja se manifestasse também como entidade profundamente encarnada na realidade humana, ligada diretamente a cada povo, na concretude da vida deles, participante de suas legítimas culturas, das suas alegrias e sofrimentos. A Igreja é, portanto, também particular. É neste sentido que se pode afirmar que a «A Igreja é universal e particular no seu ser Igreja, na sua natureza íntima, na sua identidade mais profunda»248. Esta é uma premissa importante, porque responde à lacuna que se cria inevitavelmente quando se parte de uma análise meramente sociológica da Igreja, concebendo-a como uma simples agregação de pessoas. Ela não é uma simples construção humana, como já fizemos notar, mas mistério de comunhão que se expressa na co-existência de suas

248 Ibidem, p. 78.

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dimensões – universal e particular – sem as quais não seria ela mesma. «Na Igreja nascente, então, existem com toda evidência, uma ao lado da outra, duas ordens que, mesmo possuindo, indubitavelmente, passagens de uma à outra, são claramente distinguíveis: de um lado, os serviços das Igrejas locais, que vão tomando, pouco a pouco, formas estáveis; de outro, o ministério apostólico, que muito cedo não é mais reservado unicamente aos Doze (cf. Ef 4,10)»249, como afirmou o Card. Ratzinger.

Depois de feita esta premissa, pode-se recordar um outro elemento essencial nessa relação e expressa pelo Papa João Paulo II em Los Angeles, durante o encontro com os bispos dos Estados Unidos, no ano Mariano de 1987: «a Igreja universal não pode ser concebida como a soma das Igrejas particulares nem como uma federação de Igrejas particulares»250. As palavras do Pontífice revelam um perigo que se apresentou aos cristãos em mais de uma ocasião. Houve, de fato, na história da Igreja, momentos em que prevaleceu uma certa inclinação a uma concepção limitada de Igreja, como recorda Latourelle:

Na medida em que a Igreja se organizou e estruturou como sociedade, com uma administração central e todos os seus organismos, com o seu direito e os seus juristas, houve uma tendência a conceber as Igrejas como sucursais da grande Igreja universal que é composta pelo conjunto dos fiéis reunidos sob a autoridade do Papa.251

Este tipo de raciocínio sempre se revelou insuficiente e redutivo para ambas as dimensões da Igreja – universal e particular – visto que não se ajusta nem a uma, nem a outra.

A Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, utilizou uma expressão específica para as Igrejas particulares: diz que estas «são formadas à imagem da Igreja universal»252. Fazendo isso, apresenta a Igreja universal quase como se fosse o modelo das Igrejas particulares. De fato, «é necessário reconhecer uma

249 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, p. 34. 250 GIOVANNI PAOLO II. Ai vescovi degli Stati Uniti durante, n. 3, p. 555. 251 LATOURELLE, R. Chiesa: motivo di credibilità, p. 168. 252 LG 23.

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precedência da dimensão universal da Igreja porque esta é co-essencial à natureza do evento de Cristo e da lógica sacramental que o inaugura»253. A Congregação para a Doutrina da Fé, aproveitando-se das palavras de Papa João Paulo II aos bispos norte-americanos, procurou explicar essa “precedência” afirmando, no documento Alguns aspectos da Igreja entendida como comunhão, que a Igreja universal «não é o resultado da comunhão delas [das Igrejas particulares], mas, no seu mistério essencial, é uma realidade ontologicamente e temporalmente prévia a toda Igreja particular específica»254. Tais palavras não têm, obviamente, o propósito de diminuir a importância das Igrejas particulares no mistério da Igreja, o que iria mesmo contra a própria doutrina conciliar. A Igreja particular surge da missão dos apóstolos que – é preciso recordar – não foram nunca considerados bispos locais. O então Card. Ratzinger o afirmou, quando disse:

A área a eles designada [aos Apóstolos] é o mundo. Sem delimitações locais, estes servem à criação do único Corpo de Cristo, do único povo de Deus, da única Igreja de Cristo. Os apóstolos não eram bispos de determinadas igrejas locais, mas, exatamente, “apóstolos” e, como tal, destinados ao mundo inteiro e à Igreja inteira a ser construída: a Igreja universal precede as Igrejas locais, que surgem como atuações concretas. [...] Da atividade missionária dos apóstolos nascem as Igrejas locais.255

Por sua vez, em relação às Igrejas particulares, o Concílio utilizou expressões fortes: «é nestas [Igrejas particulares] e a partir destas que existe a Igreja católica una e única»256; também quando afirmou, no decreto sobre o ofício pastoral dos bispos, Christus Dominus, que em toda Igreja particular «está presente e opera a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica»257. O Patriarca de

253 SCOLA, A. La realtà dei movimenti nella Chiesa universale e nella Chiesa locale. In: PCL. Mov.III. Città del Vaticano: LEV, 1999, p. 121. 254 CONGREGAZIONE PER LA DOTTRINA DELLA FEDE. Alcuni aspetti della Chiesa intesa come comunione (28 maggio 1992), n. 9. In: EV 13, nn. 1774-1807. 255 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, pp. 33-34. 256 LG 23. 257 CD 11.

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Veneza, Cardeal Angelo Scola, resume da seguinte forma a importância da dimensão local da Igreja:

como poderia esta única e inteira Igreja de Cristo tornar-se encontrável por homens historicamente situados, se não colocando raízes em âmbitos determinados da existência, feita do entrelaçar-se cotidiano dos fatos e do trabalho? É, portanto, necessária ao dinamismo eclesial uma outra expressão que exprima o inclinar-se gracioso da Trindade até o coração de cada homem inserido no contexto social primário em que vive: a única e inteira Igreja de Cristo assim particularizada.258

Não se trata, então, de alimentar um confronto inútil entre Igreja universal e Igreja particular, mas de entender e seguir a lógica dos eventos. Não é necessário reduzir a importância de uma dimensão para mostrar, desta forma, a relevância da outra. Pelo contrário: torna-se fundamental ver no vínculo existente entre as duas dimensões, parte do mistério extraordinário da Igreja que foi confiado aos homens por Cristo. Devemos, então, resguardar-nos de concepções que firam de alguma forma a unidade da própria constituição da Igreja.

Em outros contextos, todavia, é possível encontrar uma definição manipulada de Igreja local que acaba por ser

apresentada de forma que enfraqueça, no plano visível e institucional, a concepção da unidade da Igreja. Chega-se a afirmar que toda Igreja particular é um sujeito em si mesmo completo e que a Igreja universal resulta do reconhecimento recíproco das Igrejas particulares. Esta unilateralidade eclesiológica, redutiva não só do conceito de Igreja universal, mas também daquele de Igreja particular, manifesta uma compreensão insuficiente do conceito de comunhão.259

É precisamente neste sentido que se entende – resguardando-se firmemente o imenso mistério que, em si mesma, é a comunhão eclesial – que «Cada uma das Igrejas não são, por isto, simples

258 SCOLA, A. La realtà dei movimenti nella Chiesa universale e nella Chiesa locale, p. 121. 259 CONGREGAZIONE PER LA DOTTRINA DELLA FEDE. Alcuni aspetti della Chiesa intesa come comunione, n. 8.

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individualizações da Igreja, entendida como substância existente em si e por si, sem as Igrejas específicas. A individualização de cada Igreja, à imagem da comunhão de pessoas, que é a SS. Trindade, se realiza na comunhão, obra histórica do Espírito Santo»260. Este é talvez o aspecto mais importante a ser entendido: a verdadeira concepção de Igreja universal e particular só ocorre na intimidade da intenção de Cristo-fundador. Portanto, serão sempre redutivas as visões que depreciem uma ou outra destas duas dimensões.

Igreja universal e particular e os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas

Em 1999, falando aos cardeais e bispos sobre os movimentos eclesiais e comunidades novas, por ocasião do encontro realizado pelo PCL, o Card. Lucas Moreira Neves – já prefeito da Congregação para os Bispos – cunhou uma expressão que indica muito bem o ânimo presente na relação existente entre a Igreja universal e a Igreja particular: sã e pacífica tensão. Disse ele: «Creio – e uso o verbo não no sentido fraco, mas no sentido forte, para significar: estou convicto – que o mistério da Igreja apresenta dois aspectos muito importantes. O primeiro é a Igreja como comunhão. O segundo é a sã e pacífica tensão entre Igreja universal e Igreja particular»261. Pois bem: os movimentos eclesiais e as comunidades novas se inserem justamente em meio a esta sã e pacífica tensão, fazendo, também eles, essa experiência de toda a Igreja.

Procuremos agora aprofundar esta relação entre a Igreja – desejada por Cristo como universal e particular – e os novos movimentos eclesiais e comunidades novas. O Card. Neves nos deixou uma forte posição também sobre este objeto, indicando algumas problemáticas importantes:

Como foram entendidos por Paulo VI e por João Paulo II e como foram promovidos e encorajados por estes Pontífices, os movimentos eclesiais são uma expressão da Igreja universal.

260 DI GIORNI, S. “Koinônia Pneúmatos” e Chiese Sorelle. In: Credo in Spiritum Sanctum – Atti del Congresso Teologico di Pneumatologia - vol. II. Città del Vaticano: LEV, 1983, p. 1340. 261 NEVES, L. M. I Movimenti nella vita delle Chiese locali – Introduzione. In: PCL. Mov.IV. Città del Vaticano: LEV, 2000, p. 107.

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Inspirados pelo Espírito Paráclito, estes nascem em um lugar determinado, mas se dirigem a todos os homens e desejam responder às necessidades e à exigência da Igreja em todo o mundo, e não em uma só ou algumas dioceses. Universais são o seu dinamismo missionário, o seu programa e os seus projetos, as suas propostas, a sua formação apostólica, a sua espiritualidade. Este dado é a sua riqueza, mas, muitas vezes, é a razão de muita perplexidade: como se comportarão os movimentos nas Igrejas particulares? Não quererão impor esquemas não adaptáveis às diversas realidades locais?262

Mesmo que se tenha notícia, na longa história da Igreja, de alguns movimentos eclesiais de caráter puramente local, parece ser verdade que, na atualidade, esse fenômeno se move em um nível universal ou, pelo menos, supra-diocesano263. É na Sé Apostólica que, freqüentemente, eles encontram abrigo e proteção, como recordou o então Card. Ratzinger: «O papado não criou os movimentos, mas tem sido o seu amparo essencial na estrutura da Igreja, a sua pilastra eclesial»264. Os movimentos e comunidades novas possuem – em nível universal – aquelas características recordadas acima pelo Card. Neves, como o dinamismo missionário, o programa, os projetos, as propostas e o apostolado. Também o Card. Stafford salienta este elemento, quando afirma que um dos componentes fundamentais no surgimento das novas comunidades está na «natureza universal destas comunidades, que seria, como sempre fizeram, a de trabalhar pela renovação e reforma da Igreja em relação estreita com Pedro e com os Bispos»265.

Em sua conferência no Congresso Mundial dos Movimentos e Novas Comunidades de 1998, o então Card. Ratzinger referiu-se a esta característica quando tratou sobre os movimentos e a assistência

262 NEVES, L. M. I Movimenti nella vita delle Chiese locali, p. 107. 263 Recentemente, Mons. Josef Clemens, Secretário do Pontificio Conselho para os Leigos, fez uma conferência durante o II Seminário de estudo para bispos, em que explanou muito bem a relação entre Papado e Movimentos eclesiais (Cf. CLEMENS, Josef. Movimenti ecclesiali e ministero petrino. Mov.VI. Città del Vaticano: LEV, 2009, pp. 71-93), quase como uma extensão àquela memorável conferência do Card. Ratzinger “Os movimentos eclesiais e a sua colocação teológica”, já citada diversas vezes. 264 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, p. 39. 265 STAFFORD, J. F. I Movimenti nell’Oggi della Chiesa, p. 40.

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do Espírito Santo prestada ao Romano Pontífice: «Na Igreja deve existir sempre serviços e missões que não sejam de natureza puramente local, mas sejam funcionais ao mandato que investe a realidade eclesial em conjunto e à propagação do Evangelho. O Papa precisa destes serviços, e estes precisam dele, e, na reciprocidade dos dois tipos de missão, cumpre-se a sinfonia da vida eclesial»266.

Já como Sumo Pontífice, Papa Ratzinger disse aos membros dos movimentos eclesiais e comunidades novas reunidos com ele na Praça de São Pedro para viver o Pentecostes 2006: «Caros amigos, vos peço que sejais ainda mais, muito mais, colaboradores no ministério apostólico universal do Papa, abrindo as portas a Cristo»267.

O fato de os movimentos eclesiais e comunidades novas tenderem à dimensão universal da Igreja não deve ser causa de diminuição da importância e espaço de atuação da dimensão local desta. O Card. Ratzinger equilibrou muito bem essa relação na mesma conferência de 1998: «Primato e episcopato, estrutura eclesial local e movimentos apostólicos têm necessidade uns dos outros: o primato só pode viver através e com um episcopado vivo, o episcopado só pode salvaguardar a sua unidade dinâmica em constante ligação com o primado. Quando um dos dois é enfraquecido ou diminuído, é a Igreja toda que sofre»268. E este parece ser um dos maiores desafios dessas novas realidades eclesiais: pertencendo à dimensão universal, saber colocar-se adequadamente dentro da dimensão particular. De fato, «a eles é pedido que se tornem, por assim dizer, realidade da Igreja particular – que se “particularizem”. Pede-se, em outras palavras, que assumam o rosto da Igreja particular na qual se implantam»269. E será quase sempre uma tarefa difícil. Será, principalmente, no âmbito da Igreja particular que o novo movimento eclesial ou comunidade nova crescerá, e todo desenvolvimento comporta inevitavelmente

266 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, pp. 45-46. 267 BENEDETTO XVI. Omelia del Santo Padre durante la solenne Veglia di Pentecoste, p. 194. 268 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, pp. 50-51. 269 NEVES, L. M. I Movimenti nella vita delle Chiese locali, p. 109.

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dificuldades e obstáculos que terão que ser superados. A Igreja particular constitui-se, assim, como o lugar do seu aparecimento e da guia magisterial, especialmente nos momentos iniciais. É o lugar dos seus primeiros passos.

A Igreja particular acompanha o nascimento e o desenvolvimento do movimento a partir das suas primeiras expressões incertas e imperfeitas, na busca de uma configuração gradativamente mais completa até a forma de adequada definição. Nesta, o movimento coloca a si mesmo à prova, verificando a própria capacidade de aglutinamento e agregação em relação aos aderentes em potencial.270

O seu caráter supra-diocesano coloca essas novas realidades eclesiais, não raramente, em situações delicadas. Não é difícil, por exemplo, ouvir falar de movimentos eclesiais como se estes fossem uma realidade paralela à Igreja, uma agregação para-eclesial. Parece ser fundamental, então, que o bispo responsável não parta de nenhum tipo de preconceito em sua análise. Deve-se recordar dos não poucos problemas práticos que nascem quando surgem novidades numa instituição tão antiga e cheia de tradições como é a Igreja Católica. Assim, é natural que surjam problemas de adaptação mútua. Aos movimentos eclesiais e novas comunidades é pedido que se adaptem a um organismo já muito provado pelo tempo, como é o caso das dioceses e paróquias; mas também estas devem, de algum modo, adaptar-se ao novo, e esta adaptação em duas vias não é imune a tensões. Por isso, o diálogo aberto e franco entre movimentos e Igrejas locais é tão importante. Através de sua reflexão “Discernimento dos carismas: alguns critérios práticos” – durante o II Seminário de estudo para os bispos –, Mons. Alberto Taveira recomendou aos irmãos no episcopado: «Precisamos de instrumentos de diálogo para que a ação do Espírito Santo seja reconhecida e os eventuais abusos sejam corrigidos. Todos os carismas iluminam e dão vitalidade à Igreja, contribuindo, sobretudo, à formação do homem novo e à evangelização»271. Também Moysés Azevedo acenou a esta esperança de diálogo:

270 MOGAVERO, D. I movimenti ecclesiali tra carisma e istituzione, p. 529. 271 TAVEIRA, Alberto. Discerimento dei carismi: alcuni criteri pratici, p. 99.

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O nosso seminário de estudo, organizado com tanto empenho pelo Pontifício Conselho para os Leigos, nos está dando modo de realizar esta esperança: um diálogo paciente, um intercâmbio franco e fraterno. O diálogo paciente permite enfrentar com serenidade e confiança as dificuldades que se apresentam, demonstrando, sem dúvidas, a obtenção da augurada “maturidade eclesial”. O caminho do diálogo nos está portando abundantes frutos, nos impulsiona a reforçar sempre mais as bases da espiritualidade de comunhão, segundo as linhas de perspectiva da Carta apostólica Novo millenio ineunte.272

Alguns motivos de preocupação em relação aos movimentos eclesiais haviam sido percebidos ainda no início dos anos 80. O editorial da revista La Civiltà Cattolica chamava a atenção, por exemplo, para a

tendência a radicalizar a própria experiência, considerando-a a única válida ou a mais evangélica; a tendência ao exclusivismo, à auto-suficiência e ao isolamento, a formar comunidades fechadas [... ;] a tendência dos movimentos a agir em nível pastoral, sozinhos, sem integrar-se na pastoral diocesana e paroquial, ou mesmo a impor a própria hegemonia sobre as outras forças, impondo seus métodos e fins próprios.273

Também o Card. Ratzinger lembrava, quase 20 anos depois, o

risco de unilateralidade que leva a exagerar o mandato específico que tem origem em um dado período ou em força de um carisma particular. A experiência espiritual à qual se pertence é vivida, não como uma das formas da vida cristã, mas como o ser investidos pela pura e simples integralidade da mensagem evangélica: isso pode induzir à absolutizar o próprio movimento, identificando-o com a própria Igreja, e entendendo-o como a via para todos, enquanto essa única via pode fazer-se conhecer de diversos modos.274

272 DE AZEVEDO, Moysés L. Umili servi nella vigna del Signore, pp. 204-205. 273 EDITORIALE. I Movimenti nella Chiesa oggi. In: «La Civiltà Cattolica», 132/IV (1981), pp. 417-428, p. 428. 274 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, p. 49.

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Parece ser um fato que, por vezes, como recorda o Card. Angelo Scola, «dioceses, paróquias e associações tradicionais, de um lado, e movimentos, do outro, são considerados como duas entidades em um certo sentido não homogêneas, para não dizer, algumas vezes, opostas»275. Esta oposição pode acabar criando problemas a partir de um «pressuposto dualístico totalmente acrítico. O exemplo mais macroscópico é exatamente a contraposição movimento-diocese ou movimento-paróquia, às vezes, formulada com a acusação aos movimentos de quererem criar uma igreja paralela»276. Pode-se, por vezes, chegar à conclusão de que os movimentos/comunidades novas e as dioceses/paróquias são realidades em si separadas desde a origem, e, por isso, incompatíveis, o que seria um grave erro: «Com uma postura semelhante, até a mais sincera disposição para a unidade e as mais articuladas dissertações teológicas não conseguiriam retirar a separação da qual se partiu. A unidade ou está na origem ou não existe»277. Por isso, Mons. Taveira, usando da própria experiência com os movimentos eclesiais e comunidades novas presentes em sua diocese, afirmou: «Um critério fundamental foi manter uma mentalidade aberta para acolher todas as manifestações de vida apostólica em sintonia com as orientações da Igreja. Uma Igreja com as portas abertas, no respeito à diversidade. A Igreja não possui proprietários exclusivos»278.

A relação entre as Igrejas particulares e as novas realidades eclesiais deve ser de colaboração em vista da missão da Igreja de Cristo. Mesmo sendo verdade que as Igrejas particulares têm uma porção relevante da sua estrutura – talvez a maior parte – formada, por assim dizer, de realidades “nativas”, isto é, paróquias, obras de caridade, várias pastorais de tipo assistencial, social, de promoção humana etc, elas devem também «acolher realidades que são expressões da dimensão universal, como são, portanto, os movimentos eclesiais. Pelo fato de serem universais, estes não são menos importantes para as Igrejas particulares. [... Já aos

275 SCOLA, A. La realtà dei movimenti nella Chiesa universale e nella Chiesa locale, pp. 105-106. 276 Ibidem, p. 106. 277 Ibidem, p. 107. 278 TAVEIRA, Alberto. Discerimento dei carismi: alcuni criteri pratici, p. 100.

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movimentos, em relação à Igreja particular, é pedido que] a amem, que respeitem os seus planos pastorais e que colaborem com a sua realização»279. Deve estar muito claro para os movimentos que o ser na Igreja

não é expressão abstrata e vaga, mas radicação histórica em uma Igreja particular, na qual o movimento se coloca à escuta da Palavra de Deus e celebra nos sacramentos os magnalia Dei [grandezas de Deus]. Se um movimento perdesse esta ligação essencial com a Igreja, e mais especificamente com a Igreja particular, teria perdido completamente o sentido do seu ser.280

Por outro lado ainda, não se deve esquecer que «Não existe uma Igreja local estática, mas dinâmica, não sonhada a bel prazer, mas concreta e histórica, não padronizada, mas animada pelo Espírito Santo e enriquecida com os seus carismas. [...] Como se pode imaginar uma Igreja local sem carismas, ou então com carismas reduzidos àqueles dos diversos serviços litúrgicos da comunidade cristã antiga, como outros gostariam que fosse?» 281. Por esses motivos, «Da parte do bispo se pede não só a promoção das riquezas carismáticas, mas também discernimento, vigilância e correção de eventuais abusos ou erros»282.

O Card. Ratzinger procurou indicar a direção a ser seguida por Igrejas locais, de um lado, e movimentos eclesiais e comunidades novas, de outro, exortação que será constantemente retomada em seu pontificado:

As duas partes devem deixar-se educar pelo Espírito Santo e, também, pela autoridade eclesiástica; devem aprender um esquecimento de si, sem o qual não é possível o consenso interior à multiplicidade das formas que pode assumir a fé vivida. As duas partes devem aprender, uma da outra, a deixar-se purificar, a suportar-se e a encontrar a via que

279 NEVES, L. M. I Movimenti nella vita delle Chiese locali, p. 109. 280 MOGAVERO, D. I movimenti ecclesiali tra carisma e istituzione, p. 528. 281 CASTELLANO, J. Carismi per il terzo millennio, p. 131. 282 CATTANEO, A. Movimenti e nuove comunità nelle Chiese particolari. In: MOV VI. Città del Vaticano: LEV, 2009, pp. 49-70, p. 51.

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conduz àqueles comportamentos de que fala Paulo no hino à caridade (1 Cor 13,4ss).283

Moysés Azevedo recorda ainda, procurando sintetizar o pensamento de Bento XVI sobre a relação entre a Igreja (universal e particular) e os movimentos eclesiais e comunidades novas: «Bento XVI indica duas regras fundamentais que tornam possível a participação na edificação do único corpo: aos Pastores pede para “não extinguir o espírito”; aos movimentos e novas comunidades recomenda: continuem a “trazer os vossos dons à comunidade inteira”»284.

De fato, se por um lado, é feito aos movimentos eclesiais e comunidades novas uma advertência para que sejam sempre fiéis, em estrita comunhão com os Pastores da Igreja, é necessário, por outro, «que se diga claramente também às Igrejas locais, também aos bispos, que não é permitido a eles ceder a nenhuma pretensão de uniformidade absoluta na organização e na programação pastoral. Não podem elevar os seus projetos pastorais como parâmetro daquilo que ao Espírito Santo é consentido operar»285, esclareceu o então Card. Ratzinger.

Já como Papa, as palavras de Ratzinger aos participantes do II Seminário de estudo dos bispos (que recuperavam, na ocasião, a sua exortação aos bispos da Conferência Episcopal Alemã presentes a Roma durante uma visita ad limina: “Vos peço para ir ao encontro dos movimentos com muito amor”) retomavam aquelas mesmas ideias expressas ainda como cardeal e pareciam querer contribuir, decididamente, para que se dirimisse qualquer dúvida sobre a importância e a oportunidade de as Igrejas particulares acolherem as novas realidades eclesiais como um dom do Alto, do Espírito Santo. Suas palavras indicavam a necessidade de as Igrejas locais conhecerem melhor esses novos carismas e de se abrirem a eles com confiança:

283 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, p. 49. 284 DE AZEVEDO, Moysés L. Umili servi nella vigna del Signore, p. 205. 285 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, p. 50.

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Ir ao encontro dos movimentos e comunidades novas com muito amor nos impulsiona a conhecer adequadamente a realidade deles, sem impressões superficiais ou juízos redutivos. Nos ajuda também a compreender que os movimentos eclesiais e as novas comunidades não são um problema ou um risco a mais, que se soma às nossas já gravosas incumbências. Não! São um dom do Senhor, uma reserva preciosa para enriquecer com os seus carismas toda a comunidade cristã. Por isso não deve faltar um acolhimento confiante que lhes dê espaços e valorize a sua contribuição na vida das Igrejas locais. Dificuldades ou incompreensões não autorizam ao fechamento. O “muito amor” inspire prudência e paciência.286

Dessa forma, Papa Ratzinger (assim como, antes, João Paulo II) deixava transparecer que essa “reserva preciosa” é uma oportunidade que o Espírito Santo está oferecendo a toda a Igreja, um dom que impõe, em contrapartida, uma grande responsabilidade aos Pastores da Igreja:

A nós Pastores é pedido que acompanhemos de perto, com paterna solicitude, de modo cordial e sapiente, os movimentos e as novas comunidades para que possam, generosamente, colocar a serviço da utilidade comum, de modo ordenado e fecundo, os tantos dons de que são portadores e que temos aprendido a conhecer e apreciar: o impulso missionário, os eficazes itinerários de formação cristã, o testemunho de fidelidade e obediência à Igreja, a sensibilidade às necessidades dos mais pobres, a riqueza de vocações.287

Aos bispos reunidos no segundo seminário de estudo promovido pelo PCL, Bento XVI não deixou de recordar que «A autenticidade dos novos carismas [dos movimentos eclesiais e comunidades novas] é garantida pela sua disponibilidade a submeter-se ao discernimento da autoridade eclesiástica»288. Por outro lado, recordou aos bispos que

286 BENEDETTO XVI. Discorso di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al Seminario per i vescovi, p. 15. 287 Ibidem, p. 15. 288 Ibidem, p. 15.

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Quem é chamado a um serviço de discernimento e guia não pretenda “mandar e desmandar” nos carismas, mas – muito mais – se guarde do perigo de sufocá-los (cf. 1 Ts 5,19-21), resistindo à tentação de uniformizar aquilo que o Espírito Santo quis multiforme para contribuir à edificação e à dilatação do único Corpo de Cristo, que o mesmo Espírito torna firme na unidade. Consagrado e assistido pelo Espírito Santo, em Cristo, Cabeça da Igreja, o bispo deverá examinar os carismas e prová-los, para reconhecer e valorizar aquilo que é bom, verdadeiro e belo, aquilo que contribui ao incremento da santidade dos indivíduos e da comunidade. Quando forem necessárias intervenções de correção, que estas sejam também expressões de “muito amor”.289

Em sua reflexão intitulada “Humildes servos na vinha do Senhor”, Moysés Azevedo traçou um quadro que nos permite ter uma visão geral da comunhão que deve existir entre Igrejas locais e comunidades novas/movimentos eclesiais:

Com o seu dinamismo missionário, os seus projetos e métodos educativos e os seus itinerários de formação na fé, as novas realidades possuem a energia necessária para responder às necessidades da Igreja difusa sobre toda a terra. Ao mesmo tempo, são chamadas a encarnar os seus carismas em uma Igreja local, com os seus Pastores, a sua cultura, as suas estruturas e planos pastorais. A comunhão que resulta disso é, por um lado, garantia de validade e da capacidade de inculturação de um carisma; por outro lado, é garantia de abertura por parte de uma Igreja particular à universalidade da Igreja, que nela está presente e operante.290

De fato, os movimentos eclesiais e comunidades novas devem encontrar o seu ponto máximo de referimento na comunhão eclesial, pois «pertencem [...] à grande corrente carismática que atravessa toda a história da Igreja, e constituem uma expressão atual desta»291. A Christifideles laici garante que esta comunhão «é caracterizada pela co-presença da diversidade e da complementaridade das vocações e condições de vida, dos ministérios, dos carismas e das

289 Ibidem, p. 16. 290 DE AZEVEDO, Moysés L. Umili servi nella vigna del Signore, p. 203. 291 EDITORIALE. I Movimenti nella Chiesa oggi. In: «La Civiltà Cattolica», p. 420.

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responsabilidades»292. Esta afirma ainda que a missão e responsabilidade dos leigos na Igreja e no mundo podem ser compreendidas adequadamente «só no contexto vivo da Igreja-comunhão»293, e que «Esta comunhão é o próprio mistério da Igreja»294. A comunhão na Igreja não pode nunca ser negligenciada. Deve ser um bem sempre protegido; é por ela que se mantêm a unidade na Igreja. Papa João Paulo II exortava:

Esta unidade da Igreja na multiplicidade dos seus componentes é um valor que deve ser constantemente perseguido, porque sempre, aqui em baixo, está em perigo: e pode ser obtido somente mediante um esforço de todos, seja dos Pastores como dos fiéis; é um recíproco encontrar-se fundado sobre a caridade, sobre a humildade, sobre a lealdade, e, em suma, sobre o exercício de todas as virtudes cristãs.295

A comunhão entre a dimensão universal e particular da Igreja, e os movimentos eclesiais e comunidades novas não parece, todavia, a questão mais importante a ser enfrentada. A afirmação de Cattaneo é esclarecedora: Mesmo se «Na época sucessiva ao Concílio, difundiu-se um certo entusiasmo, mas também uma vontade de renovação, às vezes, animada por interpretações incorretas dos textos conciliares»296; [...] «percebe-se nos movimentos o desejo de uma renovação teológica e espiritual que valorize adequadamente a guia do magistério»297. Ou seja, se é verdade – como parece, de fato, ser – que Papa João Paulo II fez uma certa exortação aos movimentos eclesiais e comunidades novas quando falava de maturidade eclesial durante o congresso de 1998, não se pode negar também que «nos 10 anos transcursos desde então, esta “maturidade” – também graças ao Papa Bento XVI – foi se consolidando. Pode-se apreciá-la

292 CfL, 20. 293 CfL, 18. 294 Ibidem, 18. 295 GIOVANNI PAOLO II. Ai movimenti ecclesiali riuniti per il II Colloquio Internazionale (02 marzo 1987), n. 4. In: IGP-II, vol. X,1 (1987), p. 478. 296 CATTANEO, A. I Movimenti Ecclesiali: Aspetti Ecclesiologici, p. 406. 297 Ibidem, p. 406.

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especialmente a propósito da inserção deles [movimentos eclesiais e comunidades novas] nas Igrejas particulares»298.

Aos cardeais, bispos, fundadores de muitos movimentos eclesiais e comunidades novas, e a todos os presentes ao II Seminário de estudo, em 2008, Papa Ratzinger disse: «Foram superados não poucos preconceitos, resistências e tensões. Resta ainda por assumir a importante tarefa de promover uma mais madura comunhão de todos os componentes eclesiais, para que todos os carismas, no respeito da sua especificidade, possam plena e livremente contribuir para a edificação do único Corpo de Cristo»299. O processo de crescimento nesta maturidade, portanto, continua.

3 – Os Movimentos eclesiais e Comunidades Novas na Igreja Missão

No inefável mistério do amor de Deus, encontramos o seu constante desejo de comunicar-se inteiramente ao homem, de manifestar o seu amor a ele em plenitude. É também este um movimento que se propaga da vida intra-trinitária ao homem e ao mundo. Neste mistério de amor, o Pai envia em missão o seu Filho Unigênito. «Jesus de Nazaré, o Filho de Deus crucificado e ressuscitado, é portanto o primeiro sujeito da missão, a partir do qual toda missão na terra toma impulso e significado; ele é “apóstolo” por excelência»300. Jesus é, então, o verdadeiro ícone do missionário.

A Igreja, de sua parte, recebendo esta tarefa do Ressuscitado, sob o influxo do Espírito Santo doado por Ele (cf. Mc 16,15; Jo 20,21-23), é – também ela – chamada a uma missão. O Papa João Paulo II se referia à evangelização ligando-a fortemente ao termo missão. Ele afirmava que é necessário que a «iniciativa de amor vivificante, que parte do Pai Celeste e culmina em Jesus Cristo, se estenda e quase se espraie em dimensão universal, para envolver

298 Idem. Movimenti e nuove comunità nelle Chiese particolari, p. 49. 299 BENEDETTO XVI. Discorso di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al Seminario per i vescovi, pp. 14-15. 300 BIFFI, G. La missione ecclesiale. In: Mov.II. Milano: Nuovo Mondo, 1987, p. 61.

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toda a humanidade em uma nova criação»301. Missão e evangelização guardam, portanto, uma relação muito próxima. Paulo VI já dizia que «Evangelizar é a graça e a vocação da própria Igreja, a sua identidade mais profunda. Esta existe para evangelizar»302. É esta a sua missão primordial: a evangelização.

O Concílio Vaticano II afirma que «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, dos pobres, principalmente, e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, e nada existe de genuinamente humano que não encontre eco no seu coração»303. É, então, a estes homens, em atitude de movimento e de missão, que a Igreja é chamada a voltar-se, para oferecer à Boa Nova da salvação realizada em Jesus Cristo. Os dons de Deus derramados sobre a Igreja, hierárquicos ou carismáticos que sejam, devem voltar-se para aquela realidade humana contemporânea, colocando-se a seu serviço na missão. Tal missão torna-se, assim, elo íntimo de união da Igreja com toda a família humana.

Também aqui, como no caso da communio, a eclesiologia do Concílio Vaticano II realiza uma grande retomada. Como afirma Dupuis, «A recente eclesiologia desenvolveu-se à luz de uma redescoberta da tradição antiga. O lugar essencial que a missão ocupa no mistério da Igreja foi colocado de novo em evidência»304. O próprio Concílio afirma que «A atividade missionária não é nada mais que a manifestação, isto é, a epifania e a realização do projeto de Deus no mundo e na sua história, na qual Deus, através da missão, atua claramente na história da salvação»305. A Igreja desempenha essa missão com a graça, a força, os dons e os carismas do Espírito Santo. Estes «dons de graça de que a Igreja é dotada têm,

301 GIOVANNI PAOLO II. Ai partecipanti al convegno internazionale del “Movimento Umanità Nuova” (20 marzo 1983), n. 1. In: IGP-II, vol. VI, 1 (1983), p. 775. 302 EN 14. 303 GS 1. 304 DUPUIS, J. Evangelizzazione e missione. In: LATOURELLE, R. – FISICHELLA, R. (EDD.). Dizionario di Teologia Fondamentale. Assisi: Cittadella, 1990, p. 407. 305 AG 9.

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formalmente, o valor de uma responsabilidade para com o mundo inteiro, e a figura de uma missão»306, como afirma Semeraro.

Esta parece ser uma das tarefas principais dos movimentos eclesiais e comunidades novas na história da Igreja, em geral, e também daquela dos dias atuais: levar a todos a mensagem de Cristo Jesus sob forma de anúncio claro e inequívoco. De fato, «Esta eclesialidade missionária, enquanto característica principal dos movimentos e das novas comunidades, exprime-se em uma paixão total pela glória de Cristo e, portanto, pela missão concebida como comunicação de uma experiência dentro da realidade e das circunstâncias nas quais a vida coloca cada pessoa»307. Os carismas das novas realidades eclesiais, agindo sob forma de contágio, de transmissão de uma experiência radical de fé no interior da Igreja, formam um componente importantíssimo de sua missão no mundo contemporâneo, que parece ser muito mais inclinado a escutar as testemunhas do que os mestres. Carismas e Missão formam, na Igreja, elos de um mesmo nexo. Por isso, pode-se afirmar que «Os carismas são missionários. De fato, estes são doados com a finalidade de edificar o corpo de Cristo, isto é, fazê-lo crescer e reforçá-lo e, por outro lado, estes têm como seu primeiro efeito o de fazer-nos entrar no hoje do Cristo e de empenhar-nos, portanto, com a força do Espírito, na missão»308.

Papa João Paulo II, referindo-se à comunhão, à autoconsciência da “novidade” da graça batismal e ao desejo de aprofundar o mistério de comunhão com Cristo e com os outros irmãos que os membros das novas realidades eclesiais exprimem, afirmou que tudo isso «dá origem a um renovado impulso missionário, que leva a encontrar os homens e mulheres da nossa época nas situações concretas em que estes se encontram e a lançar um olhar carregado de amor sobre a dignidade, sobre as necessidades e sobre o destino de cada um deles»309.

306 SEMERARO, M. Mistero, comunione e missione, pp. 235-236. 307 GONZÁLEZ, F. Carismi e movimenti nella storia della Chiesa, p. 101. 308 EDITORIALE. I Movimenti nella Chiesa oggi. In: «La Civiltà Cattolica», p. 421. 309 GIOVANNI PAOLO II. Messaggio ai partecipanti al Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali, n. 2, p. 1063.

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A colaboração dos movimentos eclesiais e comunidades novas aparece como fundamental para a evangelização na sociedade contemporânea. Mons. Josef Clemens afirma que o convite feito aos leigos por Papa Ratzinger, durante a homilia do pontífice, em 3 de junho de 2006, para que fossem ainda mais colaboradores de seu ministério apostólico universal, «dá a entender que eles, mesmo na multiforme variedade de métodos educativos e de empenho apostólico, colaboram “igualmente” a um projeto maior que, no nosso tempo, não pode ser outro que a grande obra da evangelização»310. Na mesma direção, e oportunamente, Mons. Dominique Rey lembra que

As novas realidades eclesiais desenvolveram uma cultura “Kerigmatica”, de primeiro anúncio da fé [...]. No grande canteiro da evangelização, os movimentos eclesiais e as novas comunidades têm aportado impulso, entusiasmo evangélico, mas também a sua experiência de campo, que, mesmo que indiretamente, pode ajudar as comunidades cristãs tradicionais a realizar uma autêntica renovação missionária.311

Assim, parece hoje muito claro que, na Igreja-missão, a evangelização é um dos principais compromissos dos movimentos eclesiais e das comunidades novas para com a Igreja e o mundo.

310 CLEMENS, Josef. Movimenti ecclesiali e ministero petrino, pp. 71-93, p. 79. 311 REY, Dominique. Accoglienza dei movimenti e delle nuove comunità nelle Chiese particolari, pp. 108.110.

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CAPÍTULO 3:

A CO-ESSENCIALIDADE ENTRE DIMENSÃO CARISMÁTICA E INSTITUCIONAL DA IGREJA

Esse tópico é de extrema importância para o nosso tema. Como veremos, a contribuição de um pontificado como o de João Paulo II para ele é gigantesco. É possível perceber também uma continuidade de seu pensamento com a grande Tradição da Igreja testemunhada pela obra do Concílio Vaticano II, especialmente através da Constituição dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium. A surpreendente explosão dos carismas no século XX acabou por proporcionar uma grande oportunidade para que João Paulo II pudesse repropor uma série doutrinas conciliares, incluído o tema da oposição entre carisma e instituição.

O nosso intento nesta parte será o de dar uma noção sintética sobre o assunto, procurando evidenciar a co-essencialidade entre a dimensão carismática e a institucional, e, dessa forma, «encontrar uma definição que não implique em uma oposição e uma unidade que não seja confusão»312, como afirmou Schindler.

Se partirmos do princípio geral que brota dos parágrafos 4 e 12 da LG, podemos afirmar, também com o Card. Ryłko, que «tanto a hierarquia, como os carismas, brotam da mesma fonte que é o Espírito Santo; ou melhor, a hierarquia não é outra coisa a não ser um dos dons. Toda a Igreja é, portanto, carismática»313. Quando ainda era Arcebispo de Cracóvia, o Card. Wojtyła deixou-nos uma preciosa indicação a esse respeito em seu estudo sobre o Concílio Vaticano II como fonte de renovação da Igreja: «No povo de Deus, tanto a hierarquia como os leigos participam dos dons carismáticos»314. Uma vez eleito Romano Pontífice, afirmou

312 SCHINDLER, D. L. Istituzione e Carisma. In: PCL. Mov.III. Città del Vaticano: LEV, 1999, p. 53. 313 RYŁKO, S. Istituzione e Carisma nella Chiesa: Co-essenzialità. In: «Rivista Teologica di Lugano» 9/II (2004), pp. 479-480. 314 WOJTYŁA, K. Alle Fonti del Rinnovamento – Studio sull’attuazione del Concilio Vaticano Secondo. Città del Vaticano: LEV, 1981, p. 308.

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claramente que «Dons carismáticos e dons hierárquicos são distintos, mas reciprocamente complementares»315. A conseqüência natural deste tipo de afirmação é que «O desenvolvimento da comunidade eclesial não depende unicamente da instituição dos ministérios e dos sacramentos, mas é promovido também por imprevisíveis e livres dons do Espírito que realiza também para além de todos os canais estáveis»316.

O Papa João Paulo II pronunciou-se sobre esse assunto por ocasião do encontro com as expressões dos movimentos eclesiais no II Colóquio Internacional dos Movimentos, realizado de 28 de fevereiro a 4 de março de 1987, em Rocca di Papa, com o título Vocação e missão dos leigos na Igreja hoje. Naquele encontro, ele afirmou: «Na Igreja, tanto o aspecto institucional como o carismático, tanto a Hierarquia como as associações e movimentos de fiéis, são co-essenciais e concorrem para a vida, a renovação, a santificação, mesmo que seja de forma diferente e de maneira que exista um intercâmbio, uma comunhão recíproca»317. Será exatamente a força do conceito de co-essencialidade entre essas duas dimensões eclesiais que marcará o magistério do Papa João Paulo II nesse campo.

Podemos citar ainda outras duas ocasiões, ambas em 1998, em que confirmara a noção de co-essencialidade. A primeira foi na mensagem aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos e Comunidades Novas, realizado em 27 de maio de 1998:

Várias vezes tenho tido ocasião de salientar como na Igreja não exista contraste ou contraposição entre a dimensão institucional e a dimensão carismática, de que os movimentos são uma expressão significativa. Ambas são co-essenciais à constituição divina da Igreja fundada por Jesus, porque concorrem juntas para tornar presente o mistério de Cristo e a sua obra salvífica no mundo.318

315 GIOVANNI PAOLO II. Messaggio ai partecipanti al Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali, n. 3, p. 1064. 316 Idem. Catechesi all’udienza generale. In: RYŁKO, S. Istituzione e Carisma nella Chiesa: Co-essenzialità, p. 480. 317 Idem. Messaggio ai partecipanti al Congresso Mondiale dei Movimenti ecclesiali, n. 4, p. 1064. 318 Ibidem, n. 5, p. 1065.

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A segunda ocasião foi o memorável discurso dirigido aos movimentos e novas comunidades na Praça de São Pedro, durante a vigília de Pentecostes de 1998, desta vez com a leve nuance de um quase: «O aspecto institucional e o carismático são quase co-essenciais à constituição da Igreja e concorrem, mesmo se de maneiras diferentes, para a sua vida, a sua renovação e santificação do povo de Deus»319. A função daquele quase foi recordada pelo então Secretário do PCL, Mons. Ryłko: ele serviria apenas «para indicar a complexidade desta delicada relação»320.

Assim, tanto a realidade carismática como a institucional fazem parte da íntima estrutura da Igreja e, portanto, não podem ser nem uma, nem a outra, dispensáveis: ambas são essenciais. De fato, é o que indicara também o então Card. Ratzinger, quando afirmara que, entre as dimensões institucional e carismática da Igreja, «A unidade não é extrínseca, mas íntima, sendo a dimensão visível da Igreja sinal e instrumento da dimensão invisível, mistérica, realmente significada e eficazmente presente e operante nas suas formas concretas, sobretudo sacramentais»321. Já como Papa Bento XVI, dirá: «na Igreja também as instituições são carismáticas e, por outro lado, os carismas devem, de um modo ou de outro, institucionalizar-se para que tenham coerência e continuidade»322. Uma concepção deste gênero, como dirá o Prof. Gerosa,

se, de um lado, impede de opor o carisma ao ministério e, portanto, de reduzir unilateralmente a Igreja a uma comunidade carismática, do outro, impede ainda de reduzir, também unilateralmente, o mistério da Igreja a uma estrutura piramidal centrada na Hierarquia. Tanto os dons hierárquicos, como os carismáticos procedem do mesmo Espírito de Cristo e podem, mesmo segundo modalidades diversas, ser

319 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 4, pp. 1121-1122. 320 RYŁKO, S. Istituzione e Carisma nella Chiesa: Co-essenzialità, p. 485. 321 RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica, p. 50. 322 BENEDETTO XVI. Discorso ai partecipanti al pellegrinaggio promosso dalla Fraternità di Comunione e Liberazione. In: RYŁKO, S. Movimenti ecclesiali e nuove comunità nell’insegnamento di Giovanni Paolo II e di Benedetto XVI, p. 27.

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considerados ambos como estruturas ou funções ex institutione divina.323

O que significaria, então, o termo co-essenciais na afirmação do Papa João Paulo II? O atual presidente do PCL, Card. Stanisław Ryłko, procurou responder a esta questão:

O termo “co-essenciais” significa [...] que a relação entre estas duas dimensões não é uma relação dialética entre duas partes em contraposição entre si, mas uma relação orgânica, complementar, simbiótica. A falta de uma devida consideração destes dados sempre produziu, na vida da Igreja, visões redutivas e deformações responsáveis por perigosas “hipertrofias” em detrimento de uma ou de outra dimensão.324

João Paulo II, de fato, recordava que se devia fazer sempre o esforço de «evitar a deplorável contraposição entre carisma e instituição, que é tão danosa, seja para a unidade da Igreja, seja para a credibilidade da sua missão no mundo e para a própria salvação das almas»325. Referindo-se exatamente a esta contraposição dialética e polêmica, o Prof. Dario Vitali afirma a sua convicção a respeito deste perigo: «Trata-se de uma tentação – principalmente de certa teologia do dissenso – de acentuar a contraposição até a ruptura entre “Igreja carismática” e “Igreja institucional”: mas trata-se de duas dimensões co-essenciais da Igreja, sendo o próprio Cristo que dá à sua Igreja tanto os dons hierárquicos quanto os dons carismáticos (LG 3)»326.

Seguindo certamente a visão do Concílio e do magistério pontifício de João Paulo II, que vê na Igreja esses dois aspectos juntos e inseparáveis, Pe. Gianfranco Ghirlanda prefere chamar esta

323 GEROSA, L. Movimenti ecclesiali e Chiesa istituzionale: concorrenza o co-essenzialità?. In: «Nuova Umanità» XXII (2000/2) n° 128, p. 220. 324 RYŁKO, S. Istituzione e Carisma nella Chiesa: Co-essenzialità, p. 486. 325 GIOVANNI PAOLO II. Messaggio ai partecipanti al Congresso Mondiale dei Movimenti ecclesiali, n. 4, p. 1064. 326 VITALI, D., De Ecclesia Christi – La Chiesa: Natura e Costituzione (ad uso degli studenti). Roma: Pontificia Università Gregoriana, 2003, p. 89.

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estrutura de carismático-institucional, a fim de reforçar a ideia de sua unidade:

Devemos falar de estrutura carismático-institucional da Igreja e não de estrutura carismática e institucional desta, enquanto na Igreja não temos um elemento carismático de um lado e um institucional de outro, que se unem mais ou menos e se harmonizam, ou até mesmo entram em contraste entre si, mas se trata de uma única realidade que é a própria Igreja, no seu mistério, que resulta de um e de outro elemento.327

O Patriarca de Veneza, Card. Angelo Scola, corroborando o que disse Pe. Ghirlanda, afirma: «é importante notar que quando se fala de co-essencialidade de dimensão institucional e dimensão carismática, não se deve, de modo algum, pensar em “dois componentes” que, em síntese dialética, fariam nascer a realidade da Igreja. A palavra co-essencialidade indica, pelo contrário, a unidade dual própria do evento Igreja em quanto tal»328.

Trata-se, então, de uma estrutura – carismático-institucional, se quisermos tomar a expressão de Pe. Guirlanda – que faz parte da própria natureza da Igreja e que é absolutamente necessária, como o confirmava o então Card. Wojtyła: «tanto a ordem hierárquica, como o conjunto dos dons carismáticos, serve à comunidade do povo de Deus na Igreja»329.

As duas dimensões são, portanto, complementares. Na complementaridade – exigência intrínseca da co-essencialidade – e na visão do serviço a que miram ambas as dimensões, encontra-se também a necessidade de verificação dos carismas por parte dos Pastores da Igreja. Seguindo o Concílio, o Papa João Paulo II afirma na Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles laici que «nenhum carisma é dispensado da referência e da submissão aos

327 GHIRLANDA, G. La Vita Consacrata nella Struttura Carismatico-Istituzionale della Chiesa. In: AA.VV. Carisma e Istituzione, Lo Spirito interroga i Religiosi. Roma: Rogate, 1983, p. 163. 328 SCOLA, A. Movimenti ecclesiali e nuove comunità nella missione della Chiesa. In: PCL. Mov.VI. Città del Vaticano: LEV, 2008, pp. 57-80, p. 63. 329 WOJTYŁA, K. Alle Fonti del Rinnovamento, pp. 334-335.

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pastores da Igreja»330. Ele repetiria essa mesma ideia diante da multidão dos membros de movimentos eclesiais e comunidades novas reunidos na Praça de São Pedro, em 30 de maio de 1998: «Como guardar e garantir a autenticidade do carisma? É fundamental, a esse respeito, que cada movimento se submeta ao discernimento da Autoridade eclesiástica competente. Por isto nenhum carisma é dispensado da referência e da submissão aos pastores da Igreja»331. Há quem queira ver nesta indicação uma oposição entre dimensão institucional e carismática, mas, na realidade, não é assim. Essas dimensões se mostram complementares no serviço que ambas devem prestar à Igreja e ao povo de Deus. A afirmação da co-essencialidade entre elas faz com que o aspecto pneumático-carismático se mostre tão fundamental na Igreja quanto o institucional-hierárquico. Trata-se, assim, de «dois canais distintos para santificar a Igreja, como duas diferentes direções das quais sopra o Espírito»332, como recordou o Pe. Raniero Cantalamessa.

O Secretário da Pontifícia Academia de Teologia, Mons. Piero Coda, explica deste modo essa “co-essencialidade”:

A Igreja, desde a origem e depois incessantemente, ao longo dos séculos, sempre experimentou ser gerada e edificada, ao mesmo tempo e em providencial sinergia, por aqueles que o Concílio chama “dons hierárquicos”, que constituem a dimensão institucional da Igreja, e por aqueles que o Concílio define “dons carismáticos”, que constituem, portanto, a sua dimensão carismática.333

O Concílio, de fato, afirma que o Espírito Santo «introduz a Igreja na plenitude da verdade (cf. Jo 16,13), unifica-a na comunhão e no mistério, a provê e dirige com diversos dons hierárquicos e carismáticos, a embeleza com seus frutos (cf. Ef 4,11-12; 1 Cor 12,4;

330 CfL 24. 331 GIOVANNI PAOLO II. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste, n. 8, p. 1123. 332 CANTALAMESSA, R. La sobria ebbrezza dello Spirito. Roma: Edizioni Rinnovamento nello Spirito Santo, 1994, p. 67. 333 CODA, P. Il posto dei carismi nella Chiesa. In: «Nuova Umanità» 21/V (1999) n°125, p. 468.

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Gal 5,22)» 334. Dessa forma, os Padres conciliares se acautelavam de qualquer posição que representasse um perigo de oposição entre a dimensão carismática e institucional da Igreja. Todos têm o seu carisma! É verdade que esses carismas são todos diversos, diferenciados em cada um dos cristãos, mas ninguém parece ser excluído do recebimento de algum dom carismático. A dimensão carismática pertence a todos na Igreja, porque pertence à própria dimensão estrutural íntima desta. «O Espírito Santo é a origem e o dispensador seja dos dons hierárquicos seja dos carismáticos. [...] Dons hierárquicos e carismáticos são dons do Espírito Santo-Dom»335.

Hans Urs Von Balthasar, o grande teólogo de Basiléia, muito colaborou com a compreensão da relação dessas dimensões da Igreja. Refletindo sobre a sua perene fecundidade, afirmava: «A resposta encontra-se na fundação da “instituição” eclesial [...]. A instituição é a garantia da presença perene do Esposo Cristo para a esposa Igreja»336. Afirmava, ainda, que o evento do «“nascimento” da Igreja a partir de Cristo é um evento durável, que se verifica de momento em momento, e a estrutura ministerial (instituição) estável é a garantia para a possibilidade de participar, em cada tempo, do evento originário»337. Faz-se notar, ainda uma vez, que este elemento institucional é fundamental na vida íntima da Igreja e é apresentado por Balthasar como o seu perfil propriamente visível, o seu princípio petrino.

A estrutura ministerial da Igreja é suprema sabedoria do seu fundador, mas também sua livre criação. Não se pode deduzi-la a priori nem do que se disse sobre o fundamento da Igreja, nem mesmo da analogia com outras religiões e configurações de tipo análogo à Igreja. [...] Pertence à visibilidade desta neste mundo, tanto quanto também Maria, como membro visível da cristandade, está sob Pedro.338

334 LG 4. 335 CODA, P. Il posto dei carismi nella Chiesa, p. 469. 336 BALTHASAR, H. U. Teodrammatica – vol. III. Milano: Jaca Book, 1992, p. 326. 337 Ibidem, p. 328. 338 BALTHASAR, H. U. Sponsa Verbi. Brescia: Morcelliana, 1972, p. 315.

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Mas, se de um lado, Balthasar se mostra consciente da grandíssima dignidade do princípio petrino, do outro, sabe que esse elemento estrutural (petrino) – a hierarquia e os sacramentos – não são fins em si mesmos, mas só existem se estiverem em relação direta com o amor. Na teologia balthasariana se afirma que «a este dom [hierárquico-objetivo] corresponde a perfeita subjetividade feminina, em que se mostra a ação única do mesmo Espírito no coração dos crentes a partir, paradigmaticamente, de Maria, a verdadeira filha de Sião»339. A dimensão, portanto, mariana – formada por aqueles carismas subjetivos derramados pelo Espírito sobre os homens e mulheres de todos os tempos, que contam com a sua livre adesão e acolhimento – é colocada ao lado da dimensão petrina e é indicada por Von Balthasar, «não simplesmente no sentido de renovar a devoção a Maria, mas no sentido de acordar em todo o povo de Deus – laicato, hierarquia e consagrados – a forma marial do próprio ser da Igreja»340. Em uma concepção como esta, um confronto entre as duas dimensões eclesiais não encontra lugar: ambos são carismas irradiados pelo Espírito de Amor, que não encontram nenhuma relativização. De fato, na hipótese da presunção de rejeição da estrutura hierárquica (petrina) com a finalidade de afirmar a dimensão carismática (mariana), Leahy afirma que «Von Balthasar nunca falaria de relativização, se tivesse que ser entendida como negação ou desvalorização [da estrutura hierárquica]: ele propõe uma redescoberta do elemento institucional petrino no interior do princípio mariano que a tudo abraça na Igreja»341. Desse modo, «O princípio mariano coloca em destaque o primado do amor: amor recebido, correspondido e partilhado»342.

Como resumo do pensamento de Von Balthasar sobre estes aspectos da Teologia, podemos citar um trecho de Piero Coda:

O Espírito Santo garante objetivamente a presença de Jesus que se doa à Igreja através da Palavra e dos Sacramentos, gerando-a e nutrindo-a como sua esposa, outro eu (cf. Ef 5,25ss). […].

339 MARTINELLI, P. Il rapporto tra Carisma e Istituzione nella teologia di Hans Urs von Balthasar. In: «Communio» 167-168 (1999), p. 162. 340 CODA, P. I Movimenti Ecclesiali, dono dello Spirito. Una riflessione teologica, p. 103. 341 LEAHY, B. Il principio mariano nella Chiesa. Roma :Città Nuova, 1999, p. 204. 342 Ibidem.

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Através dos dons carismáticos, por outro lado, o mesmo Espírito revela a subjetividade dos fiéis – isto é, as suas mentes e seus corações, a sua inteira existência – para que sejam capazes de acolher, de penetrar e de levar à plena eficácia de vida e de santidade, o dom objetivo de Cristo que recebem da Palavra de Deus e dos Sacramentos, anunciados e celebrados pelos ministros ordenados.343

O Papa João Paulo II também falou da dimensão mariana da Igreja aos cardeais e prelados da cúria romana, ressaltando a sua importância e precedência, mesmo em relação à dimensão petrina:

Este perfil mariano é tão fundamental e caracterizante – se não mais – para a Igreja quanto o perfil apostólico e petrino, ao qual é profundamente unido. [...] Esta ligação entre os dois perfis da Igreja, o mariano e o petrino, é, portanto, profundo e complementar, mesmo sendo o primeiro anterior, tanto no desígnio de Deus quanto no tempo, além de mais alto e proeminente, mais rico de implicações pessoais e comunitárias para cada uma das vocações eclesiais.344

Do mesmo modo esclarecedoras foram as palavras do então Card. Ratzinger, quando afirmou que «A Igreja não é uma máquina; não é simplesmente uma instituição [...]. Esta é Mulher. É Mãe. Está Viva. A compreensão mariana da Igreja é o mais forte e decisivo contraste diante de um conceito de Igreja puramente organizativo e burocrático. [...] É somente sendo marianos que nos tornamos Igreja»345.

Como tivemos a oportunidade de ver, ao refletirmos sobre estas duas dimensões da Igreja, Maria surge espontaneamente como figura privilegiada para ambas, carismática e institucional. Sendo rainha dos apóstolos, é também a presidente na espera pela vinda do Espírito Santo em Pentecostes. Como recordava Papa Wojtyła citando Von Balthasar, «Maria é “rainha dos apóstolos” sem

343 CODA, P. I Movimenti Ecclesiali, dono dello Spirito, p. 103. 344 GIOVANNI PAOLO II. Ai cardinali e ai prelati della curia romana ricevuti per la presentazione degli auguri natalizi (22 dicembre 1987), n. 3. In: IGP-II, vol. X, 3 (1987), pp. 1483-1484. 345 RATZINGER, J. Die Ekklesiologie des Zwetein Vatikanums. In: IKZt 15 (1986), 41-52. Apud: LEAHY, B. Il principio mariano nella Chiesa, p. 216.

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pretender para si os poderes apostólicos. Esta tem outras coisas e muito mais»346.

Dessa forma, se na perspectiva do mistério da Igreja, as duas dimensões – objetiva e subjetiva, institucional e carismática, petrina e mariana – indicam o complexo constitutivo do seu próprio ser, então podemos concluir, com Coda: «Ícone e mãe da Igreja, Maria abraça, portanto, em si, a dimensão tanto institucional quanto carismática da Igreja. E é o modelo de uma e de outra»347.

346 BALTHASAR, H. U. Neue Klarstellungen, trad. it., Milano 1980, p. 181. Apud: GIOVANNI PAOLO II. Ai cardinali e ai prelati della curia romana, n. 3, p. 1484. 347 CODA, P. Il posto dei carismi nella Chiesa, p. 473.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

abemos que o estudo de sistematização feito por nós aqui sobre o pensamento dos papas João Paulo II e Bento XVI sobre os movimentos eclesiais contemporâneos e as

comunidades novas permanece bastante limitado, pois o momento atual é ainda aquele de germinação dessas realidades no jardim da Igreja. Alguém poderia argumentar que no raio desses pouco mais de 20 anos (a nossa análise tomou em consideração o fenômeno de 1987 a 2008) não seria possível já ter uma visão muito clara dessas novas realidades eclesiais. Pode ser verdade que só com mais tempo será possível compreender a fundo o verdadeiro alcance desse fenômeno que a Igreja do novo milênio está experimentando (como indicou o então Card. Ratzinger). Não, porém, no sentido de validá-lo. Os documentos e afirmações pontifícias e magisteriais por nós aqui repassados já são uma evidência mais que suficiente de sua absoluta legitimidade na Igreja.

Tivemos a oportunidade de observar que estes últimos anos foram plenos de declarações magisteriais importantes para a afirmação do fenômeno do surgimento dessas novas realidades eclesiais, fenômeno que já é reconhecido como um dos frutos mais nobres do Concílio Vaticano II. Nestes últimos anos, essa redescoberta tem sido mais aguda, fato que realizou, e ainda está realizando, mudanças que não podem mais ser desprezadas no interior da Igreja. Não por acaso, estes movimentos e novas comunidades eclesiais foram saudados pelos pontífices aqui evidenciados como “uma resposta providencial”, “sinal luminoso da beleza de Cristo e da Igreja” e “hino à unidade na pluralidade desejada pelo Espírito”, sendo vistos como “colaboradores no ministério apostólico universal do Papa”.

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As intervenções magisteriais por nós verificadas mostram uma forte abertura, reconhecimento e valorização por parte da Igreja universal e de diversas Igrejas particulares em relação a estas novas realidades eclesiais, o que gera esperanças de uma maior adequação desses novos carismas ao tecido eclesial. De fato, o valor eclesiológico dessas novas comunidades e movimentos eclesiais tem se tornado mais presente na consciência eclesial. Muito disto se deve ao impulso destes dois pontífices, à fidelidade dos fundadores, fundadoras e membros dessas novas realidades – que responderam ao chamado de Deus e mantém vivos os novos carismas dados para o bem de toda a Igreja – bem como dos bispos que se empenham por fazer um discernimento criterioso desses novos dons, usando de paciência, mansidão e firmeza. Nesse contexto, é impossível não citar também o trabalho primoroso que vem sendo realizado pelo Pontifício Conselho para os Leigos, que tem se esforçado por criar momentos de reflexão mais aprofundada sobre o contemporâneo fenômeno agregativo dos leigos, como tivemos oportunidade de analisar. Tal postura – aliada a uma progressiva consciência da missão e dignidade de filhos de Deus e da Igreja por parte dos leigos – tem significado uma verdadeira e própria redescoberta da dimensão pneumática desta, que nunca deixou de estar presente, mas que esteve durante bastante tempo um pouco obscurecida. O magistério pontifício de João Paulo II e Bento XVI, com suas intervenções, tem mostrado uma atenção especial a estas novas realidades e nelas têm depositado vivas esperanças.

Delineia-se, assim, um certo progresso e alargamento da análise do tema, que deixou de freqüentar somente o ambiente da Teologia Espiritual para participar também daquele da Teologia Dogmática. A maior atenção desta última foi importante para legitimá-lo e eliminar, assim, a ideia distorcida de que os movimentos eclesiais e comunidades novas representariam uma realidade meramente espiritual que nada teria a ver com a Igreja enquanto tal.

A consciência da vontade de Cristo no dispor a sua Igreja em termos institucional e carismático tem um altíssimo valor nesse processo. Ela representa a maneira na qual o próprio Cristo age no interior da Igreja através de seu Espírito. O projeto divino para a salvação da humanidade se serve dos carismas dados aos Pastores e

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aos leigos, da estrutura visível sacramental e daquela pneumática, à qual os carismas fazem referência privilegiada, mas que está por trás também dos sacramentos, que não são sinais privados de vida espiritual, ao contrário, são sua fonte. Estrutura hierárquica e carismas são, na Igreja, complementares, fundamentais, co-essenciais e formam uma única realidade inseparável que só se pode colher profundamente no amor de Cristo-Esposo à sua Igreja-Esposa. Não pode faltar, portanto, como constitutiva da própria Igreja, aquela única estrutura carismático-institucional.

No plano prático, mesmo se com tensões impossíveis de serem canceladas por completo – não sendo nem mesmo de todo negativas –, tivemos possibilidade de observar como é importante o papel da Igreja particular. Delineou-se, nos últimos anos, um verdadeiro caminho de amadurecimento na relação por parte de ambas, novas realidades eclesiais e Igrejas particulares. Por um lado, as Igrejas locais se mostram muito mais abertas a acolher e promover o sadio crescimento dos carismas dos movimentos eclesiais e comunidades novas; por outro, estas novas realidades eclesiais se mostram sempre mais conscientes e respeitosas da dignidade e autoridade da hierarquia local da Igreja, como também de que não são a Igreja, mas um modo – juntamente com outras tantas realidades presentes na Igreja particular e universal – de ser e viver o mistério da Igreja. O diálogo e a abertura presentes na confiante relação entre novas realidades eclesiais e Magistério cria a possibilidade de uma via sempre menos litigiosa e mais equilibrada no enfrentamento de dificuldades e desafios comuns. Essa nova via, prenha da consciência do papel de construção e desenvolvimento da Igreja no tempo, bem como da co-responsabilidade que toca a todos – leigos, clérigos e religiosos –, é trilhada em função do bem da Igreja. Assiste-se, assim, a um verdadeiro crescimento e aprofundamento dessa relação em vista do melhor aproveitamento dos carismas dados generosamente pelo Espírito Santo a todo o povo de Deus. Esse tem sido um marco do ministério petrino de Bento XVI, em prefeita continuidade com o de João Paulo II, que nos mostra que a Igreja é bela precisamente no modo em que foi desejada e criada por Deus: única e multíplice, visível e invisível, universal e particular, comunhão dos santos, mas também mysterium divino. É esta a verdadeira Igreja de Cristo.

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Por fim, a caridade deve continuar a ser sempre o carisma mais desejado e pedido por aqueles que amam a Cristo, pois ela não passa nunca (cf. 1 Cor 12,31; 13,1-8). Dimensão hierárquica e dimensão pneumática são forjadas no amor. É por amor que existem, e ao amor são direcionadas. São Cipriano, bispo de Cartago no século III, mostra ter compreendido muito bem essa realidade: «Se entende, então, como a caridade somente possa construir a Igreja; ela é a força de agregação e de doação gratuita, completamente desinteressada, a exemplo de Cristo»348.

348 S. CIPRIANI, Rapporto fra “Carità” e “Carisma”. In: DE LORENZI (ED.). Charisme und Agape 1 Ko 12-14, Roma, 1983, pp. 295-318, p. 317. Apud: RAMBALDI, G. Carismi e Laicato nella Chiesa, p. 95, nota 83.

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