Rabenort , William Prefacio Parte1

96
SPINOZA COMO EDUCADOR WILLIAM LOUIS RABENORT lL lL

description

es

Transcript of Rabenort , William Prefacio Parte1

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    WILLIAM LOUIS RABENORT

    lL

    lL

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

    EDITORESEMANUEL ANGELO DA ROCHA FRAGOSOJOO EMILIANO FORTALEZA DE AQUINO

    AYLTON BARBIERI DUROEDUARDO JORGE O. TRIANDOPOLISEMANUEL ANGELO DA ROCHA FRAGOSOENIAS FORLINFRANCISCO EVARISTO MARCOSFRANCISCO MANFREDOTOMS RAMOSJAN GERARD JOSEPH TER REEGENJOO EMILIANO FORTALEZA DE AQUINOJOS LUIS VILLACAASLOURENO LEITEMARIA LUISA RIBEIRO FERREIRAMARIA TERESINHA DE CASTRO CALLADOMARLY CARVALHO SOARESREGENALDO RODRIGUES DA COSTASYLVIA PEIXOTO LEO ALMEIDAXESS BLANCO-ECHAURI

    REITORFRANCISCO DE ASSIS MOURA ARARIPE

    VICE-REITORANTNIO DE OLIVEIRA GOMES NETO

    CENTRO DE HUMANIDADES

    MARCOS ANTNIO PAIVA COLARES (DIRETOR)

    EDITORA DA UECE - EDUECE LIDUINA FARIAS ALMEIDA DA COSTA (DIRETORA)

    MESTRADO ACADMICO EM FILOSOFIAMARLY CARVALHO SOARES (COORDENADORA)

    ANTNIO LUCIANO PONTESEDUARDO DIATAHY B. DE MENEZES

    ELBA BRAGA RAMALHOEMANUEL ANGELO DA ROCHA FRAGOSO

    FRANCISCO HORCIO SILVA FROTAFRANCISCO JOSNIO CAMELO PARENTE

    GISAFRAN NAZARENO MOTA JUCHUMBERTO DE ANDRADE CARMONA

    JOS FERREIRA NUNESLUCILI GRANGEIRO CORTEZ

    LUIZ CRUZ LIMAMANFREDO RAMOS

    MARCELO GURGEL CARLOS DA SILVAMARCONY SILVA CUNHA

    MARIA DO SOCORRO FERREIRA OSTERNEMARIA SALETE BESSA JORGE

    SILVIA MARIA NBREGA THERRIEN

    EDITOR LIDUINA FARIAS ALMEIDA DA COSTA

    CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL

  • FORTALEZA - 2010

    SPINOZA COMO EDUCADORWILLIAM LOUIS RABENORT

    PREFCIOJULIANA MERON

    TRADUOELIZABETH ALMEIDA RODRIGUES

    EMANUEL ANGELO DA ROCHA FRAGOSOMARSANA DE ARAJO KESSY

    REVISO TCNICA E TEXTO FINALEMANUEL ANGELO DA ROCHA FRAGOSO

  • R115s

    CMAFAv. Luciano Carneiro, n. 345

    Bairro de FtimaCEP 60.410-690 - Fortaleza - CE

    Tel./Fax.: (85) 3101 2033

    [email protected]

    EDUECE/CMAF

    ISBN: 978-85-7826-054-51 Edio: Maio de 2010

    EDUECEAv. Paranjana, n. 1700

    Campus do ItaperiCEP: 60740-000 - Fortaleza - CE

    Tel.: (85) 3101 9893 - Fax.: (85) 3101 9603

    [email protected]

    Rabenort, William Louis Spinoza como Educador/William Louis Rabenort; traduo para oportugus Elizabeth Almeida Rodrigues, Emanuel Angelo da RochaFragoso e Marsana de Arajo Kessy. Fortaleza: EdUECE, 2010. 168 p. (Coleo Argentum Nostrum)

    Traduo: Spinoza as educator

    ISBN: 978-85-7826-056-9

    1. Spinoza. 2. Educao. 3. Natureza Humana. 4. Intelecto. 5.Personalidade.

    CDD: 190

    PUBLICAO/PUBLISHED BYEDITORA DA UECE EM CO-EDIO COM O

    MESTRADO ACADMICO EM FILOSOFIA DA UECE

    CAPA /GRAPHICS EDITORLEONARDO MOREIRA

    EDITORAO/DESKTOP PUBLISHINGEMANUEL ANGELO DA ROCHA FRAGOSO

    IMPRESSO/PRINTINGREPROGRAFIA DO CMAF

    E

    TIRAGEM/CIRCULATION400 EXEMPLARES/COPIES

    Catalogao na publicao elaborada pela Bibl iotecriaMeirilane Santos de Morais - CRB - 3/785

  • SPINOZA

    COMO ABARCAR O ORIENTE E OCIDENTEPARA LANAR O CRISTAL PARA O CREBRO DE SPINOZA!PROFETA HEBREU, MOURO SUTIL DA ESPANHA;

    O PROFESSOR ERUDITO, O DESCONTENTAMENTO DA RENASCENA;MSTICO E ARTESO; INTENO CIENTISTA

    NA VIDA HUMANA, E SALVA SEM MANCHA,DE CLSSICA CALMA NA DOR DA PERSEGUIO;

    COMO A AREIA ANTES DA CHAMA DE FUSO, QUE MISTURA.

    ATRAVS DESTA LENTE VERDADEIRA, POLIDA PELA MO DA NATUREZANS OLHAMOS PARA O PASSADO A PAIXO DO ARCO-RIS

    [PARA A ESFERAONDE RAIO ACROMTICO DA RAZO BRILHA CLARO

    EM COISAS ETERNAS; DE ONDE NS ENTENDEMOSCOMO AMAR DEUS, A VERDADEIRA FILOSOFIA ,

    UM CAMINHO PARA A VIRTUDE E A TRANQUILIDADE.

    FEVEREIRO, 1909

  • SUMRIO

    PREFCIOP. 9

    APRESENTAO DO AUTORP. 21

    CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAOP. 29

    CAPTULO II: OS ELEMENTOS DA NATUREZA HUMANAP. 55

    CAPTULO III: A SUPREMACIA DO INTELECTOP. 97

    CAPTULO IV: AS COMPLICAES DA PERSONALIDADEP. 121

    CAPTULO V: O CRITRIO DA EDUCAOP. 137

    BIBLIOGRAFIAP. 152

  • PREFCIO

  • PREFCIO

    11l L

    COM A SENTENA DOS ANJOS E DOS SANTOS, COM O CONSENTIMENTO DO DEUS BENDITO

    E COM O CONSENTIMENTO DE TODA ESTA CONGREGAO, NS HEREMIZAMOS, EXPULSAMOS,

    AMALDIOAMOS E ESCONJURAMOS BARUCH DE SPINOZA [...]

    ADVERTINDO QUE NINGUM LHE PODE FALARORALMENTE NEM POR ESCRITO

    NEM CONCEDER-LHE NENHUM FAVOR, NEM DEBAIXO DO MESMO TETO ESTAR COM ELE,

    NEM A UMA DISTNCIA DE MENOS DE QUATRO CVADOS, NEM LER PAPEL ALGUM FEITO OU ESCRITO POR ELE.

    Passados mais de trezentos e cinquenta anos desde adeclarao deste antema, seguimos lendo e relendoSpinoza. Se a comunidade judaica da qual foi expulsono mais acolheu suas palavras, um caminho distinto seabriu a muitos pensadores, cientistas, polticos einteressados em geral, que encontraram nos escritos dofilsofo uma inexaurvel fonte de estimulao intelectuale inspirao para um viver ativo e admirvel. Lida e relida,em momentos e espaos distintos, a obra de Spinozaoferece-se a interpretaes mltiplas, a olhares que areconstroem medida que re-significam o mundo.Rebeldes frente aos ditames do herem e s foras queem nossos tempos amesquinham o pensamento, lemosSpinoza, uma e outra vez. Lemos suas palavras e asdaqueles que lhes conferem novos sentidos.

    Passados cem anos da primeira edio de Spinozaas Educator, visitamos, atravs desta valiosa traduoao portugus, as inquietaes de um dedicado leitor deSpinoza. William Louis Rabenort, comprometidoeducador da cidade de Nova Iorque, submete o texto queora temos em nossas mos como requisito para obtenodo ttulo de doutor pela Faculdade de Filosofia da

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    12l L

    Universidade de Columbia. Alm de atestar esta curiosaatualidade do Spinozismo, que renasce j por tantasdcadas por meio de interpretaes que fazem vibrar algonovo em horizontes cansados, este livro de Rabenort abrigauma novidade especial: constitui, fundamentalmente, umprimeiro encontro, meticuloso e atento, das ideias deSpinoza com o campo da educao.

    E o que teria Spinoza, um filsofo do sculo XVII,a ensinar-nos sobre educao hoje? Justo ele que recusouuma prestigiosa ctedra na Universidade de Heidelberge nunca trabalhou em qualquer instituio de ensino?Justo ele que aprendeu o que ningum lhe pde ensinar?A que gestos e caminhos educativos nos inspira? E qualseria a relevncia desta centenria leitura de Rabenortpara os nossos dias e para o nosso contexto scio-poltico?As linhas que seguem no almejam responder a estasquestes elas sabem que pertencem apenas a umprefcio embora arrisquem-se em algumas direes.Caso seja movido por estas indagaes, o leitor mesmopoder ensaiar respostas, comprovando a fora de seuencontro com as ideias esboadas neste livro.

    O termo educar provm do latim educare, quepossui como sentido bsico criar e alimentar, noapenas crianas como tambm animais. Educare estassociado ao vocbulo educere. Composto de ex e duco,educere envolve os significados de fazer sair, colocarpara fora e, por extenso, pr no mundo. Desde umponto de vista spinozista, o mais importante a serextrado de cada um e por ele posto no mundo serianada menos que o pensamento e ao prprios. Em outraspalavras, o ato educativo por excelncia aquele quepermite que cada um expresse sua prpria potncia de

  • PREFCIO

    13l L

    pensar e agir. Assim dito, o educar no parece encontrargrandes obstculos: basta permitir que cada educandomanifeste a sua potncia prpria. Mas seria, de fato, ocaminho da verdadeira educao to fcil e evidente?Em um mundo intensamente curricularizado, cominmeros mtodos j traados para que estudantesmoldem suas ideias conforme a fins pr-estabelecidos, oque significaria permitir que o educando encontre eexpresse seu prprio pensamento?

    No nos iludamos. Se h desafios o bastante emaprender as prprias foras, conhecendo como somosns mesmos afetados e como afetamos o nosso entorno, auxiliar outros no aprendizado do que lhes prpriotalvez seja uma tarefa ainda mais rdua. Alm dosdesafios de no sucumbir aos contedos programadospara alimentar o mercado e ao crescente desprezo aossaberes que no se alinham s cincias duras e stecnologias, confrontam-nos as salas de aula saturadas ea inrcia de tantos que preferem servir a pensar.Compreendida com o forte sentido aqui proposto, aeducao talvez seja o que menos ocorre em nossasescolas e universidades.

    Ademais, no so apenas conjunturas sociais epolticas que dificultam, ruidosamente, um educar emclave spinozana. Algo mais fundamental e paradoxalpersiste: como a mxima fora do pensamento no nascefora dele mesmo, o aprender no efeito direto doensinar. E, neste sentido, fazer uma outra pessoa pensarpor si mesma talvez no seja sequer possvel. dupla adificuldade que enfrenta o educador que coloca opensamento no centro de seu ofcio. Se, por um lado, amera reproduo de ideias alheias prova de que algo

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    14l L

    falha, por outro, produzir nos educandos o pensar porsi, como se fra o resultado de uma vontade superiorexterna, no pode passar de um sonho. Portanto, a difciltarefa do educador qui no envolva mais do que cuidar,ativamente, para que sejam fornecidas as condies quepossibilitam o aprendizado. O poder da educao residejustamente na abertura que promove para que opensamento possa se afirmar, nos estmulos que oferecepara que cada um experimente, por conta prpria, opensar, levando-o cada vez mais longe.

    Quais seriam, mais especificamente, as condiesque fomentam o pensar? Porque pensamento e afeto estoinextricavelmente associados, no pode haver respostageneralizvel. Pensamos porque somos afetados - porideias que nos chegam atravs de encontros com outroscorpos, por ideias que nos chegam atravs de nossaprpria compreenso. Cada corpo afetado de maneirasmltiplas. Nenhum corpo afetado das mesmas formasque outro corpo. O que nos toca e nos move a pensarsempre difere, embora as ideias possam ser entendidas ecompartidas entre muitos corpos-mentes. O que instigao pensamento para um pode passar desapercebido paraoutro. Soma-se ainda s diferenas entre os corpos e asmentes o fato de que cada corpo-mente se modificaatravs do tempo, podendo receber novos afetos, podendono mais ser afetado por antigos. A imensa variabilidadede canais afetivos que nos constitui, seja quandocomparamos nossas vidas umas s outras, seja quandoconsideramos uma mesma vida em seus distintosmomentos, sugere no haver frmulas para o ensino oupara o aprendizado das potncias do pensamento. Diantedessa paisagem sem mapas, talvez se reforcem, tanto para

  • PREFCIO

    15l L

    educadores como para educandos, os passos daexperimentao afetiva a que nos incita Deleuze, leitorde Spinoza. A ateno aos encontros alegres, queaumentam nossa potncia de pensar e agir, formariaassim um componente significativo no processoeducativo. Livros, conversas, lugares, pessoas, gestos, etc,podem insinuar caminhos educativos, se nos abrem potncia do pensar.

    No obstante, certo que tambm experienciamoso oposto a esta abertura. E o mesmo acontecia a Spinoza,que parece ter percebido que alguns de seus encontrosno ampliavam suas potncias seno que, ao contrrio,as estancavam. Rabenort reflete sobre alguns dos casosparticulares que cruzaram a vida do filsofo. Tantoquando interpelado pela dona da casa onde vivia, comoquando atuando como tutor privado de JohannesCasearius ou atravs das vrias correspondncias comWillem van Blijenbergh, Spinoza parece ter se dado conta,prontamente ou com o passar do tempo, que seu possvelpapel como educador possua limites. As marcas dodesencontro entre formas de ser, intenes implcitas,desejos de convencer e no pensar asseveraram o fim deintercmbios intelectuais. A aceitao da impossibilidadede compartir o pensamento com todos e sob quaisquercircunstncias, longe de ser sinnimo de fracasso, talvezpermita que ateno e cuidado sejam vertidos nosencontros potenciadores, de onde emerge o pensamento.O af de corresponder imagem mtica de um educadorindustrial, produtor maqunico de conhecedores em srie,afasta-nos da singularidade afetiva que corpos-mentesabrigam, distancia-nos da rara experincia compositivado pensar compartilhado.

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    16l L

    Educar o outro, como exerccio atento, provedor,at onde possvel, de condies que promovam aemergncia do pensamento, um processo que alia-senotavelmente educao de si. Pelo menos duas so asrazes que explicam esta aliana. Parece-me,primeiramente, que a alegria ativa, sinnimo spinozistada expresso mxima do pensamento, por constituir umaexperincia de valor incomensurvel, impulsa o desejode que outros tambm a vivenciem. Este colocar-se a simesmo para fora que a auto-educao, este parir-se asi como potncia afirmada no mundo, ato espontneoe, tambm, busca diligente, leitura fina das prpriassensibilidades. Nutrir a si mesmo com o que permite queo pensamento irrompa envolve um tipo de consideraoafetiva ampla e refinada que talvez nos torne mais atentosaos processos alheios. Esta uma suspeita: se sei queno so quaisquer as condies que auxiliam o aumentode minhas foras, se estou aberto aos encontros dos quaisbrotam alegrias, talvez seja mais fcil compreender quealgo parecido pode ocorrer a outros. Embora as situaese coisas deflagradoras de afetos potenciadores variementre indivduos distintos, saber que existe esta variaotalvez me predisponha como educador a incentivar oeducando a encontrar e percorrer caminhos prprios,sempre distintos aos meus.

    Um segundo motivo faz com que a educao de sifavorea a educao de outros. Parece-me que, em umsentido fundamental, o exerccio que o educador faz deseu prprio pensar ensina, espontaneamente, o que mais importante: a ateno ao que nos toca, a fora dopensamento, o desejo de pensar ativamente e decompartilhar esta experincia com outros. A relao de

  • PREFCIO

    17l L

    intimidade com o pensar, esta entrega s potncias davida que permite, a alguns poucos, entendimentos vastose conectivos, ao mesmo tempo que os singularizasumamente, talvez seja o mais valioso ensinamentoque se possa transmitir. Somente exercendo ele mesmoo pensamento pode o educador inspirar a aprendizadosdo pensar. Isto talvez seja o que de mais significativopode de fato ensinar: uma determinada relao com opensamento, inspiraes, gestos de ateno s ideias, umacerta alegria. E se chega a ensinar disso, ainda assim,no h garantias de que o que ensina ser aprendido.

    A educao como processo dedicado a ensinar eaprender as potncias do pensamento, quando movidapela compreenso, expressa-se como aquilo que Spinozadenomina fortaleza: sustenta-se pela firmeza, que seconstitui atravs do desejo individual de preservao eexpanso das prprias potncias do pensar, e pelagenerosidade, ou seja, pelo desejo de ajudar a outros eunir-se a eles em amizade. A educao de si exige firmeza,desejo ativo de seguir vendo a vida prpria tecer-se comas foras do pensamento. A educao do outro trabalhogeneroso, desejo ativo de que realizem ao mximo asprprias potncias. Em ambos casos, o desejo o quemovimenta estes esforos complementares. Educao desi e educao do outro se alimentam mutuamente atravsde um desejo de pensar que igualmente um pensardesejante. O desejo que se lana ao pensamento encontrana prpria atividade do pensar sua mais forte expresso.Educar, neste sentido, desejar pensar e ver tornar-sedesejoso de si o prprio pensamento.

    Embora generosidade seja o nome dado porSpinoza ao desejo de auxiliar os outros para que ampliem

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    18l L

    e afirmem sua potncia de pensar, importante aclararque este querer, que aqui tomamos como motor daeducao, no se associa caridade ou ao altrusmo, aregras morais impensadas ou a meios para recompensasdivinas. O esforo educativo e generoso que objetiva queoutros vivam seu pensamento se baseia no entendimentode que no h nada mais til para o exerccio prprio dopensar que a presena em nossa vida de outros quepensem ativamente. Assim como, desde a posio deeducadores, dedicamo-nos a pensar, oferecendo o gestodeste desejo a educandos, desde o lugar de aprendizes,o qual jamais deixamos de ocupar, nutrimos igualmenteo pensar prprio com encontros potenciadores. Oincentivo a que outros afirmem-se em pensamentoparticipa, portanto, do desejo de que o pensar sigaencontrando espaos para a sua realizao.Alternativamente, se chegamos a experienciar opensamento ativo, ele ser o que de mais til poderemosoferecer a outros.

    Longe do poder violento que impede que se ensineo que se pensa, alojada no corao da liberdade, aeducao potente a que Spinoza nos inspira um ato deamizade. Intercmbio vibrante das foras queengrandecem o viver, o gesto educativo mais plenotraduz-se em caminho compartido e na formao decoletividades fortes, vivazes, sbias. Onde poltica e ticaconfluem, cintila a preciosa educao a que aludimos to difcil como rara, ela um trabalho de liberdade.

    No interior destas ideias, ecoam as palavras deum outro grande educador. Paulo Freire anunciava doalto de seu pensamento: Ningum emancipa a um outro,ningum se emancipa sozinho, nos emancipamos juntos.

  • PREFCIO

    19l L

    Por ser o encontro com o pensar de outros fonte deinspirao para um pensar prprio, por ser a liberdadedo pensamento algo que aumenta ao ser compartido,por estas e tantas outras razes, seguimos lendo Spinoza,e aqueles que, como Rabenort, buscam dar vida centelhade seu prprio pensar.

    Juliana Meron

  • APRESENTAO DO AUTOR

  • APRESENTAO DO AUTOR

    23l L

    Depois de trs sculos e meio, Benedictus de Spinoza mais do que nunca uma fora intelectual a serconsiderada. A influncia dele sobre sua prpria geraoe sobre as imediatamente posteriores foi desprezada;e mesmo quando os ensinamentos do Judeu deAmsterd j no eram evitados, eles ainda foram malinterpretados, e por ningum menos que Herder,Lessing, Goethe, e os outros desse grupo deentusisticos admiradores que constituem, talvez, ainfluncia mais bvia de Spinoza sobre a civilizao.Na Histria da Filosofia, ele aparece em majestosasolido, no pico, mas remotamente se juntou salturas adjacentes. Portanto, no surpresa encontrarseu nome conspicuamente ausente do rol de filsofosque figura na Histria da Educao.

    A bibliografia no final deste ensaio evidncia dointeresse manifestado em Spinoza at o momentopresente. O professor William James citou-o como umaautoridade em psicologia, e no prefcio do seu AnalyticPsycology [PSICOLOGIA ANALTICA], o Dr. G. F. Stoutreconhece sua preeminente dvida com Spinoza.

    A tentativa feita nas pginas seguintes deindicar as implicaes educacionais da filosofia deSpinoza pareceu necessitar resumos introdutrios einterpretaes que poderiam ter sido omitidos, fossemos fundamentos da filosofia de Spinoza familiares aosalunos de educao em cujas mos este volume podechegar. O ensaio poderia ento ter sido inteiramentededicado mais prtica, se no for mais agradvel atarefa de debater intensamente um ou outro dosproblemas brevemente tratados no captulo final. Aexposio mais completa de cada um destes tpicos

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    24l L

    poderia ser muito boa para esclarecer o pensamentoeducacional atual, e espera-se que o vis da filosofia deSpinoza sobre a educao atraia o labor de outras mos.

    Acreditamos que estudos adicionais mais amplosiro justificar as concluses aqui expressas. Mas,todavia, parece ser provvel que uma refutao dasteorias de Spinoza somente pode ser validamenteoferecida por algum que realmente as teste ordenandosua vida por elas, pelo menos durante o tempo em queavalia, e estudando-as durante o julgamento. Foi assimque Spinoza alcanou as suas crenas, e suas obrasconstituem a sua autobiografia. em vista deste fatoque, no ltimo captulo do ensaio, ele caracterizadocomo um filsofo experimental.

    Como este ensaio essencialmente umacontribuio para a teoria da educao, e, apenasindiretamente, um estudo da filosofia, pareceapropriado que as referncias sejam as verses em Inglsdas obras de Spinoza mais acessveis, ou seja, a traduode Elwes das principais obras, na Edio Bohn, ThePrinciples of Descartes Philosophy [PRINCPIOS DAFILOSOFIA DE DESCARTES], e os Cogitata Metaphysica[PENSAMENTOS METAFSICOS], traduzido por Halbert HainsBritain, e a excelente traduo do Short Treatise[BREVE TRATADO] de A. Wolf. Os trechos citados no textoso tambm baseados nestas tradues. O ensaio em si, no entanto, baseado no texto latino definitivo de VanVloten e Land, ao qual qualquer estudioso que possahonr-lo com um estudo crtico no ter, naturalmente,nenhuma dificuldade em referir-se.

    Aproveito esta oportunidade para reconhecerminha dvida para com o Dr. W. H. Kilpatrick sobre a

  • APRESENTAO DO AUTOR

    25l L

    verificao de determinadas referncias citadas, e como professor John Angus Mac Vannel, sobre a inspiraoe encorajamento extenso de muitos anos at agora.

    W. R.Abril, 1911

  • HOMEM NENHUM PODE MOSTRAR MELHOR O PODERDE SUA HABILIDADE E DISPOSIO, DO QUETREINANDO OS HOMENS PARA QUE VIVAM, AO FINAL,SOB O DOMNIO DA PRPRIA RAZO.

    TICA, PARTE IV, APNDICE IX

  • CAPTULO I:A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    31l L

    O leitor, familiarizado com os escritos de Spinoza eevocando toda a escassa histria de sua vida, podese admirar no sem justificativa , com o ttulo desteensaio. Se sustentarmos que Spinoza preocupou-se poucocom a educao e menos ainda com as crianas, no seencontrar em episdios da vida de Spinoza nem em seuslivros princpios que sustentem essa afirmao.

    Desde Pestalozzi1, a infncia se tornou o critrioda educao. Spinoza tem pouco interesse em crianas.Ele tem pouco para falar delas, e da ordem na qual elasforam mencionadas, evidente que ele as menospreza.Ele admite que elas se classifiquem acima dos escravos2;ainda falando do ridculo comportamento atribudo aosfantasmas, ele no pensa numa condenao mais fortedo que dizer que eles agem como loucos, bobos ecrianas3. Mas nem todos os educadores so comoPestalozzi e nem todos os filsofos como Froebel4. A

    1 NT: Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), pedagogo suo, foium dos pioneiros da pedagogia moderna que influenciouprofundamente todas as correntes educacionais.2 TTP, p. 206 [XVI, p. 242]** NT: Incluiremos entre colchetes o captulo em algarismos

    romanos e o nmero da pgina correspondente na traduoportuguesa: Tratado Teolgico-Poltico. Traduo, introduoe notas de Diogo Pires Aurlio, So Paulo: Martins Fontes, 2003.3 Correspondncia, Carta LVI [56]*. Cf. tica, parte II,

    proposio 49, esclio e parte IV, prop. 30, esc. **.* NT: Rabenort utiliza a numerao das cartas conforme a edio

    de Elwes ou a de van Vloten. Indicaremos em algarismos arbicos eentre colchetes a numerao atual das Cartas citadas.** NT: No h esclio na proposio 30 da parte IV da tica.

    Trata-se de um erro de impresso. Muito provavelmente a passagemse refere ao esclio da proposio 2 da parte III.4 NT: Friedrich Wilhelm August Frbel (1782-1852), pedagogo de

    nacionalidade alem, por ser um dos primeiros educadores aconsiderar o incio da infncia como uma fase decisiva na formaodos indivduos, foi o fundador do primeiro jardim de infncia.

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    32l L

    educao mais ampla do que a infncia e o interessede Spinoza deve ter sido para com os adultos. Sendoassim, isso deve indubitavelmente ser evidente em suaatitude para com seus prximos. Esta , por exemplo, asua rplica dona da estalagem onde morava, a vivavan Velden [Pollock] ou, talvez van der Spycks [Wolf].Atenta sua eminncia como crtico da Bblia, ela lheperguntou se poderia ser salva na religio em queprofessava. Ele respondeu: Sua religio muito boa; asenhora no precisa procurar por outra, sem dvida quea senhora poder ser salva nela, desde que, enquantoaplicar a si mesma a piedade, a senhora viva ao mesmotempo uma vida pacfica e tranquila 5. Por que estaomisso converso, quando a questionadora lhe deuabertura? Por que ele no falou da sua prpria forma desalvao que quase todos os homens negligenciam? 6

    O medo de alertar as autoridades, das quais ele estavararamente livre, pode t-lo dissuadido, pois a dona daestalagem era sua amiga e tinha mais a ganhar com asua segurana do que com a sua perseguio. Ele podet-la pensado incapaz de alcanar as alturas em que seu

    5 Colerus*, in Frederick Pollock; Spinoza, His Life andPhilosophy, appendix, p. 395. Cf. A. Wolf, Spinoza, His Lifeand Treatise on God and Man**, p. XCIX.* NT: Pode-se consultar o texto de Colerus, Vida de Spinoza, no

    site .** NT: O ttulo correto do texto de Wolf citado Spinozas Shorttreatise on God, Man & his Well-Being.6 tica, parte V, prop. 47*, nota**.* NT: A parte V encerra-se com a proposio 42. Trata-se de um

    erro de impresso. Muito provavelmente a passagem se refere aoesclio da proposio 47 da Parte II.** NT: Elwes utiliza o termo note para esclio.

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    33l L

    pensamento fez sua morada, e por isso absteve-se deperturbar a sua f. Ele pode ter pensado como aquelesque se afastaram da ortodoxia fazem to frequentemente,que a f, que vive na dvida honesta no capaz de deveser inculcada. Essa, contudo, no a atitude do tpicoprofessor; Spinoza foi um?

    Spinoza teve a oportunidade de se tornar umprofessor profissional. Ele recusou a ctedra de Filosofiaem Heidelberg 7. Ele diz a Fabritius 8, que lhe ofereceu oposto em nome de Carlos Luis 9, o Eleitor Palatino. Nuncafoi meu desejo ensinar em pblico; e d diversas razescaractersticas: (1) incerteza do quo franco ele poderiaser nas suas leituras sem perturbar a religio estabelecida;(2) relutncia em incitar controvrsias inevitveis; eacima de tudo, (3) falta de vontade em abandonar apesquisa filosfica para ensinar jovens estudantes. Somostentados a interpretar a ltima razo no sentido de queele se sentia mais seguro dos benefcios que poderiaganhar com seus prprios estudos que daqueles que elepudesse auferir, orientando os estudos dos outros; nopor falta de confiana no seu domnio do assunto, nemde sua aptido para o mtodo, mas sim pela sua bastantebaixa avaliao da habilidade humana, que no hesitouem expressar 10.

    Suas experincias com pupilos particulares noforam suficientes para faz-lo ter vontade de ensinar.7 Correspondncia, Carta LIII e LIV [47 e 48].8 NT: Johan Ludwig Fabritius (1632-1697), alemo de origem,

    era professor de Teologia e de Filosofia na Universidade de Heidelberge conselheiro do Eleitor Palatino.9 NT: Carlos Luis (1617-1680), filho do prncipe eleitor, Federico V

    e de Isabel Stuart, viveu refugiado na Holanda e estudou em Leiden.10 TTP, p. 78 [V, p. 90-91].

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    34l L

    Johannes Casearius 11 hospedou-se com Spinoza econversou com ele sobre os melhores assuntos, no jantar,na ceia e durante suas caminhadas. Apesar do seu apreopelos talentos do jovem rapaz, Spinoza se mantevereservado; ele no quis ensin-lo suas prprias opiniesabertamente 12. Ento, em vez disso, ele lhe ditou a segundaparte dos Princpios, Tratados Geometricamente 13

    de Descartes, junto com alguns dos principais pontos deque trata sua metafsica.

    A relutncia de Spinoza em impor a outros asdoutrinas em formulao na qual ele dedicou seupensamento e que era o que principalmente ele tinhapara oferecer aos seus pupilos, aparece a partir de suacorrespondncia com Albert Burgh14. Burgh se converteu igreja Romana doze anos depois de ter estudado comSpinoza. Ele escreveu ento uma carta15, fervorosa, bemintencionada, demonstrando sua estima pelo seu antigoprofessor, mas mostrando uma concepo falsa dadoutrina de Spinoza. Burgh recorda, verdade que nostermos do Spinoza, o objetivo principal do TractatusTheologico-Polticus; ou seja, para distinguir entre a

    11 Kuno Fischer, [Spinozas Leben, Werke und Lehre]Geschichte der neuern Philosophie, v. 2. p. 145.12 Correspondncia, Carta IX [9].13 NT: O ttulo completo do texto de Spinoza citado Renati DesCartes Principiorum Philosophi Pars I & II more geometricodemonstrat per Benedictum de Spinoza Amstelodamensem.Accesserunt Ejusdem Cogitata Metaphysica apud Johannem Riewerts(Princpios de Filosofia Cartesiana - PPC com osPensamentos Metafsicos - CM em apndice).14 Kuno Fischer, op. cit., v. 2, pp. 139, 168, etc.15 Correspondncia, Carta LXXIII [67].

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    35l L

    religio e a filosofia16, mas somente para condenar adistino. O livro com ttulo mpio17, assim que Burgho chama. Sua confuso da eternidade com a duraoinfinitamente longa, sua divindade antropomrfica, esuas perguntas repetidas claramente mais do queretricas , quanto certeza do conhecimento de Spinoza,so todas provas de que a instruo de Spinoza foi paranada. Spinoza ficou profundamente comovido, mas seuprimeiro impulso foi deixar Burgh seguir seu prpriocaminho 18, para deixar sua carta sem resposta, pensandoque o tempo e a experincia seriam seguramente maisproveitosos do que a razo, para restabelec-lo a si mesmoe aos seus amigos. Isto soa como senso comum, masns estamos propensos a considerar o esprito doprofessor como alguma outra coisa, talvez algo mais,alguma coisa semelhante ao pastor que deixa as noventae nove que esto seguras no cercado e retorna paraprocurar aquela que se extraviou. Tivesse Spinoza umgrande interesse para ensinar, ele no teria necessidadede ser instado por conhecidos, persuadindo-o a nofalhar na posio de amigo, e nem de empenhar-se arecordar a Burgh as razes e os argumentos que,anteriormente, tinham tido sua aprovao.

    Embora os primeiros editores tenham tentadoeliminar da Correspondncia todo pargrafo pessoal,ns encontramos outros exemplos da falta de inclinaode Spinoza para ensinar. Tomemos a correspondnciacom William de Blyenbergh19, por exemplo. Comeando

    16 TTP, p. 183 [XIV, p. 215].17 Correspondncia, loc. cit. [Carta 67].18 Ibid., Carta LXXIV [76].19 Ibid., Cartas XXXI - XXXVIII [18 a 24, 27].

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    36l L

    em 12 de dezembro de 1664, com expresses de estimamtua e declaraes de Spinoza sobre sua boa vontadepara instruir, no decorrer de maro, o intercmbio nos se torna amargo, mas tinha suscitado no corts, masfranco, Spinoza, a declarao20 de que era perda detempo tentar ensinar a quem tinha a maneira de pensarde Blyenbergh. evidente que tendo descoberto o queum herbartiano21 poderia chamar a massaaperceptvel22 de Blyenbergh, Spinoza interrompeu seuesforo para instru-lo. No h inteno de estabelecero investigador sobre a base que Spinoza exigiu comofundamento para a amizade; meramente umreconhecimento lamentvel de que esta base a qualpoderia ter obrigado Spinoza a algo como ensinar ,est ausente, e uma corts ruptura de todas as relaes.

    Com seus escritos no diferente. No encontrarefgio o pensamento que ele rejeitou oportunidadesde instruo pessoal para fornecer multido quepoderia ler seus livros. Ele no estava ansioso com acirculao em larga escala. Seus manuscritos foramcopiados somente com o seu consentimento relutante.A tica, seu mais importante trabalho, foi pstumo,embora ele tenha procurado, mas no diligentemente,public-la. O mais importante trabalho publicadodurante sua vida, o Tractatus Theologico-Politicus,

    20 Ibid., Carta XXXVI [23].21 NT: Seguidor das ideias de Johann Friedrich Herbart (1776-

    1841), filsofo e psiclogo alemo, fundador da pedagogia comouma disciplina acadmica.22 NT: Segundo a teoria de Herbart, trata-se de um conjunto de

    ideias similares e relacionadas que dominam o consciente em todoo momento dado.

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    37l L

    foi reconhecido por poucos. Aps recomend-lo para oleitor filosfico, ele diz:

    Para o resto da humanidade, eu no gostaria derecomendar o meu tratado, pois no posso esperar queele contenha qualquer coisa que lhes possa agradar: [...]

    Portanto, a multido, e aqueles de paixes semelhantess da multido, eu peo para no ler o meu livro; oumelhor, eu preferiria que eles o negligenciassemtotalmente, do que o interpretassem mal, como decostume. Eles no iriam ganhar nada de bom e poderiase revelar um obstculo para os outros, cuja filosofia dificultada pela crena de que a razo uma mera servada teologia, e quem eu procuro neste trabalhoespecialmente para beneficiar. 23

    Mas cada uma desses exemplos, que podem sercitados como evidncia do olhar superficial de Spinozapara a educao, testifica com igual fora o outro lado.Se a citao do prefcio do Tratado Teolgico-Poltico mostra que as massas so incapazes de aprenderfilosofia, tambm prova que Spinoza acreditava que haviapelo menos algumas pessoas que poderiam se beneficiarcom seu ensino. A considerao dos casos da viva vanVelden, de Burgh, de Casearius e de Blyenbergh, mostraque Spinoza acreditava na possibilidade da educao,em certo sentido, embora ele hesitasse em assumir aeducao de qualquer um desses trs. Ele no iria ensinarCasearius pelas suas prprias opinies, mas tomou-ocomo um pupilo, ensinando-lhe fsica, escreveu para elePrincpios da Filosofia de Descartes 24, e olhou para

    23 TTP, p. 11 [Prefcio, p. 14].24 J. Freudenthal, Spinoza, sein Leben und sein Lehre, v. 1, p. 114.

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    38l L

    o aumento dos anos como capaz de emendar seus defeitosjuvenis 25. Da mesma forma, Spinoza no se recusouinicialmente a instruir Blyenbergh; somente quando eleencontrou sua mente fechada para certos tipos deargumento. Caso contrrio, ele teria admitido-o naposio de Oldenbergh26, De Vries, Tschirnhaus, e outrosconhecidos que enchiam sua modesta casa, s vezes sendoinconvenientes, e para quem ele deu livremente o seutempo e fora, convidando-os a recorrer a ele para obtermais ajuda quando eles encontraram suas exposiesobscuras. Sua reticncia em relao a Sr Van Velden setorna explicvel quando ns consideramos suadiferenciao de religio e de filosofia. Ele acreditavaque o princpio cardeal da primeira a obedincia aDeus 27, como mostrado por um modo de vida28, que nadatem a ver com a aprendizagem 29, exceto no que se refereao conhecimento como idntico ao que inferido docomportamento 30; que a religio o conhecimento deDeus somente no sentido de que as obras expressam oconhecimento, como de um homem que pode construiruma casa dito saber carpintaria. No faz diferena seuma pessoa chega a sua piedade racionalmente ou no31.Spinoza tinha encontrado o caminho para Deus pela luzda razo, mas os seus raios diretos eram muito brilhantes

    25 Correspondncia, Carta XXVII [76].26 NT: Oldenburg. Trata-se de um erro de impresso, pois na edio

    de Elwes est Oldenburg.27 TTP, p. 176 [XIII, p. 208].28 Ibid., p. 187 [XIV, p. 220].29 Ibid., p. 186 [XIV, p. 220-221].30 Ibid., p. 179 [XIII, p. 211-212].31 Ibid., p. 180 [XIII, p. 213].

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    39l L

    para a maioria dos homens 32; eles tiveram que deixar aluz refletida da revelao 33 gui-los. Iluminado por estesfatos, as palavras de Spinoza para a viva tm umsignificado mais profundo. Ele lhe deu a informao queela procurou em frases que ela entendesse e queexpressavam exatamente sua crena, assumindo, assim,que at agora era capaz de educao. Mas ele no tentoutorn-la uma filsofa. Essa era uma tarefa alm de ambos;alm disso, a piedade dela no poderia ser melhoradadesse modo.

    II

    Este exame da atitude pessoal de Spinoza com aeducao pode servir como introduo para uma reflexosobre o lugar que a educao ocupa no seu sistemafilosfico. Parece pertinente inquirir se a atitude descritanos pargrafos anteriores est em harmonia com a teoriade Spinoza. E desde que Spinoza no d um tratamentosistemtico ou explcito da educao, nossa tarefa envolvea construo da teoria da educao que est implicadana sua filosofia.

    O estudante que aceita a classificao dos livrosdidticos e chama Spinoza de pantesta, pode bemquestionar como a educao, mesmo com as limitaessugeridas nos pargrafos precedentes, pode conduzir-se

    32 Ibid., p. 280 [NT: A traduo do TTP de Elwes no vai at apgina 280. Acreditamos que tenha havido um erro de impresso.Encontramos na pgina 80 da edio de Elwes uma passagemsemelhante citada por Rabenort (Captulo V, p. 93 na traduoportuguesa)].33 Ibid., pp. 78 [V, p. 90-91], 91 [VI, p. 107].

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    40l L

    com o pantesmo. Se Deus e a natureza so a mesmacoisa, que incumbncia pode ser mais absurda do que aeducao? O que seria mais presunoso do que o projetode mudar Deus para melhor? Ou dar uma textura maisdelicada ou um ajuste melhor para Das Gottheitslebendiges Kleid? 34 Nesta forma simples, a acusao depantesmo foi feita contra o Tractatus Theologico-Politicus, pelos seus contemporneos e desmentida porSpinoza35. Seria estranho, se a acusao fosse verdadeira,

    34 NT: Citao de Rabenort que parece se referir ao livro de vonWilly Veit, publicado em 1906 intitulado Der GottheitLebendiges Kleid - Parallelismus Von Natur Und Gott.Todavia, tanto Veit quanto Rabenort se remetem ao texto Fausto,escrito em 1806 por Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).Fausto, Parte I, Cena I - Texto em alemo (Grifo nosso)

    EM LEBENSFLUTHEN IM THATENSTURM,ICH WALL, AB UND AUF,

    HIN UND WEBE ELA!GEBURT UND GRAB,EIN EWIGES MEER,

    EIN WECHSELND WEBEN,EIN LEBEN GLHEND,

    SO ICH AM SCHAFF SAUSENDEN WEBSTUHL DER ZEIT,UND DER WIRKE GOTTHEIT LEBENDIGES KLEID.*

    * Traduo em portugus de Bayard Taylor:NAS MARS DA VIDA, DA TEMPESTADE EM AO,

    UMA ONDA FLUTUANTE,UM SERVIO DE TRANSPORTE GRATUITO,

    NASCIMENTO E SEPULTURA,UM MAR ETERNO,

    A TECELAGEM, FLUINDO,VIDA, TODOS BRILHANTES,

    ASSIM, NO TEAR DO TEMPO CANTAROLANDO TIS A MINHA MO SE PREPARAA PEA DA VIDA QUE A DIVINDADE USA!

    35 Correspondncia, Carta XXXI [NT: Trata-se de um erro deimpresso, pois a Carta citada por Rabenort na edio de Elwes aXXI que corresponde Carta 73].

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    41l L

    ele depois ter que dizer 36: Ns podemos [...] conceber anatureza inteira como um indivduo, cujas partes, isto ,todos os corpos, variam de infinitas maneiras, semnenhuma mudana no indivduo como um todo. Suadeclarao resoluta mostra que ele no sentiu nenhumacontradio, e no existia nenhuma, para qualquer coisafeita por partes, at o infinito, que, faltava para Spinozaa marca do absoluto e eterno 37.

    Mas existe um pantesmo mais elevado. Ele vaialm da concepo comum falada no pargrafo anterior,tanto quanto transcende a etimologia da palavra. definido como a filosofia que concebe Deus como o nicoser independente 38. Spinoza diz que ele entende por Deusuma substncia que em si mesma e da qual umaconcepo pode ser formada independente de qualqueroutra concepo 39. Ele diz, tambm, que, a partir danecessidade da natureza divina, deve seguir-se umnmero infinito de coisas infinitas 40, as quais esto todasem Deus, pois, sem Ele, nada pode existir nem serconcebido 41. Por estas indicaes tcnicas, Spinoza tidocomo pantesta. Este no o lugar para uma discussoexaustiva do assunto, mas alguns fatos sobre a doutrina

    36 tica, parte II, prop. 13, lema 7, nota [esclio].37 tica, parte I, prop, 15, nota [esclio].38 Centurv Dictionary, cf. Baldwin, Dictionary of Psychologyand Philosophy, tambm Murray, Dictionary of the EnglishLanguage.39 tica, parte I, def. III, VI.40 Ibid., parte I, prop. 16.41 Ibid., parte I, prop. 15.Nota: A traduo de infinita nesta proposio apresenta dificuldades e

    Fullerton, Elwes, e Smith, traduzem cada um de forma diferente. Optamospela verso do ltimo por manter o sentido bvio da palavra e por ser maisconsistente com a interpretao da doutrina de Spinoza adotada neste ensaio.

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    42l L

    de Spinoza da natureza de Deus e seu modo de relao, eprovendo as coisas 42 podem ser apresentados neste mnimode conexo com a nossa aceitao dessa definio comouma indicao justa da crena de Spinoza, ser, no geral,por demais superficial. Para a relao entre a Divindadeindependente e a natureza dependente, tm na filosofiade Spinoza, algumas caractersticas notveis, para nodizer peculiares. As coisas que Deus criou diferem dele:(1) elas existem para alm dele mesmo43; (2) elas tmqualidades que ele no possui44; (3) Deus no faz partede sua essncia45; (4) coisas podem ser imaginadas, masDeus no pode46; (5) alm disso, a proposio citadaacima47 refere-se s coisas infinitas, e no s coisas finitas,pois assim a palavra infinita mais diretamentetraduzida. Se esta dependncia exclusiva da natureza deDeus for pantesmo, deixe os historiadores de filosofiafazerem a maior parte. Se o costume tornou imperativomanter spinozismo e pantesmo sinnimos, o nicoprocedimento cientfico o estudo das obras de Spinoza,resumir suas teorias, e exibir o resultado rotulado

    42 TTP, p. 104 [VII, p. 121].43 Cogitata Metaphysica, parte II, Cap. VII, p. 153 [p. 25]*.* NT: Incluiremos entre colchetes a parte e o captulo em algarismos

    romanos (quando no indicado por Rabenort) e em arbicos o nmeroda pgina correspondente na traduo portuguesa: PensamentosMetafsicos. Baruch de Espinosa. Traduo e notas de Marilena deSouza Chau. In: _____. Espinosa. Seleo de textos de MarilenaChau; tradues por Marilena Chau et al. 3. ed. So Paulo: AbrilCultural, 1983. p. 1-40. (Coleo Os Pensadores).44 Correspondncia, Carta XXXVI [18].45 tica, parte II, prop. 10, corolrio, nota [esclio].46 Correspondncia, Carta LX [56].47 Supra, nota 40 [tica, parte I, prop. 16]. Cf. tambm ShortTreatise, p. 142 [Parte II, Cap. XXIV] e tica, parte V, prop. 24.

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    43l L

    pantesmo 48. E os alunos da educao tambm podemconsultar as pginas dos livros de Spinoza para verificarse no seu sistema, seja ele pantesta ou no, a naturezapode ter possibilidades de educao, embora Deus no.

    No que diz respeito s limitaes, que nos pareceuencontrar Spinoza ao reconhecer na natureza sua prpriaprtica da educao, ns podemos imediatamente inquirirse so ou no unicamente devidas ao fato de que o poderhumano no pode controlar todas as agncias educativas,que remontam ancestralidade do aluno e no exteriorem toda circunstncia de clima e sociedade. A abordagemmais direta para uma resposta atravs de uma anlisedos conceitos metafsicos de Spinoza de possibilidade,contingncia, necessidade e impossibilidade. Dois dosconceitos, necessidade e impossibilidade, tm umsignificado universal. Eles se aplicam a Deus e ao tododa natureza no qual o homem apenas uma partcula.Os outros dois, possibilidade e contingncia, tmsignificado somente para a humanidade; aplicados a Deusou a qualquer coisa eterna, no fazem sentido. necessrio que aquelas coisas decorram da natureza deDeus e essas so impossveis que a contradiga. Onecessrio aquele para o qual uma existncia diferente impossvel; e o impossvel aquele que necessariamenteno existe. Por exemplo, as diagonais de um quadradodividem uma outra em duas partes iguais,necessariamente; se no o fizessem, um quadrado noseria um quadrado, mas outra coisa. Por outro lado, umquadrado circular no pode existir, uma impossibilidade.Ento, no todo da natureza, o sistema das leis naturais

    48 Britain, Introduction to the Principles of DescartesPhilosophy, p. 1.

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    44l L

    decorre da natureza de Deus. Se o movimento fosseretardado sem causa, ou se dois objetos percebidos juntosno lembrassem mais um ao outro, Deus teria umanatureza diferente. Mas, contanto que Deus permaneainaltervel, o que quer que venha a acontecer no poderiaser de outra maneira. Alm disso, contrrio naturezade deus que haja um centauro ou uma galinha quecoloque ovos dourados. Assim, o determinismo no aanttese da libertinagem, mas da inconstncia. O livrearbtrio existe no sentido de que um homem tem o poderde dizer a verdade, se ele quiser, mas no que ele tenhao poder de ser louco ou delirante 49 vontade. Deus, comotudo mais, atua livremente fora de sua prpria natureza,mas Deus no pode acenar com a cabea e despertar otrovo, como Jpiter, mitologicamente, faria. Ele no temcabea para acenar.

    As coisas no poderiam ter sido trazidas existnciapor Deus de nenhuma maneira ou em nenhuma ordemdiferente daquela que foi de fato obtida 50.

    Por este critrio, a educao est em harmoniacom o universo; ela no colide com outros fenmenosnaturais, exceto enquanto tal oposio possa expressar avontade de Deus. Em nenhum sentido pode colidir coma vontade de Deus. Se ns escolhemos chamar tal

    49 Tratado Poltico, p. 304 [Cap. III, 8, p. 30]*.* NT: Incluiremos entre colchetes o captulo em algarismos

    romanos e em arbicos o nmero do pargrafo e o nmero da pginacorrespondente na traduo portuguesa: Tratado Poltico. Baruchde Espinosa. Traduo, introduo e notas de Diogo Pires Aurlio,So Paulo: Martins Fontes, 2009.50 tica, parte I, prop. 33.

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    45l L

    processo de educao como aquele pelo qual um potroaprende a comer capim, a educao obviamentenecessria. Porque esta uma das coisas que decorre deser um cavalo.

    E poderemos mais facilmente compreender isso se nsrefletimos que, quando dizemos que um homem podefazer o que ele quiser consigo mesmo, essa autoridadedeve ser limitada no s pelo poder do agente, maspela capacidade do objeto. Se, por exemplo, eu digoque posso legitimamente fazer o que eu quero comesta mesa, eu, certamente, no estou dizendo que eutenha o direito de faz-la comer grama 51.

    A educao, at agora, est posta alm dainterferncia humana. O professor deve ir com a mar,cujo fluxo determinado pela configurao do universo.Spinoza tem uma maneira de ilustrar sobre a qual nopode haver nenhuma questo. Como um dispositivopedaggico, nada poderia ser mais enftico. Mas podehaver concepes sobre a natureza da educao toimpossvel quanto ilustrao de Spinoza, embora tosutis que ns no detectamos facilmente as contradies lei natural que elas envolvem. Tais, sem dvida,poderiam ter sido as crticas de Spinoza s teoriaseducacionais de seu contemporneo John Locke, setivesse vivido para conhecer os escritos de Locke sobre aeducao, os quais, contudo, no apareceram at vinteanos aps a morte de Spinoza. A tabula rasa no teriaatrado a Spinoza como uma denominao adequadapara a mente, por sua concepo da natureza da mente,como ns veremos, foi totalmente diferente. Ele, sem

    51 Tratado Poltico, p. 310 [Cap. IV, 4, p. 39].

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    46l L

    dvida, pronunciaria a tabula rasa como umaimpossibilidade.

    Embora tal natureza envolva uma contradio queno pode existir, todas as coisas que so consistentescom a natureza de Deus no existem. No-existncia no prima facie evidncia de impossibilidade. Se uma coisaexiste ou no, depende se h ou no uma causa pelaqual deveria existir. No caso das coisas com Deus no assim a causa deve ter sua causa e assim por diante,numa regresso infinita. Se no h uma causa definidapara fazer uma coisa existir, ela continuar no-existente.Assim, impossvel para ns, que no temos o usohabitual da linguagem (antigo hebraico) e perdemos osignificado preciso da sua fraseologia, para encontrarum mtodo que nos permita obter certo conhecimentode todas as declaraes nas Escrituras 52. Na concluso,portanto, seria impossvel obter um determinado efeito,na educao, como em qualquer empreendimento, preciso primeiro analisar a essncia, que a natureza oua capacidade do objeto, para verificar se o efeito desejado contrrio natureza, e, em seguida, descobrir se a falhapara obter o efeito seria devido ausncia de uma causaeficiente.

    Ns no sabemos tudo 53. O conhecimento absolutoe eterno contrrio natureza humana. Portanto, hmuitas coisas das quais ns no podemos afirmar queso necessrias nem declarar impossveis, porque noentendemos a sua natureza. Ns no podemos defini-las, pois sua essncia desconhecida. A existncia de

    52 TTP, p. 108 [VII, p. 125] e nota 7 [Spinoza], p. 270. Observe ouso coloquial do termo impossvel.53 Cogitata Metaphysica, p. 172 [Parte II, Cap. XII, p. 37].

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    47l L

    tais coisas dita ser possvel, a assero constitui umaconfisso de ignorncia por parte do falante. Outras coisasque existem, cuja essncia compreendemos no serimpossvel e ainda no sabemos se existe alguma causapara sua existncia. Se soubssemos que havia uma causa,devemos dizer que elas eram necessrias, pois teriamque existir se no houvesse uma causa; se, ao contrrio,ns soubssemos que no havia causa para sua existncia,devemos cham-las de impossveis, pois, sem uma causaeficiente, elas no poderiam existir. Mas enquanto nosabemos se h ou no uma causa, ns dizemos que taiscoisas so contingentes. Em vista do fato de que Deus acausa tanto da essncia como da existncia das coisas,Spinoza no enfatiza esta distino entre coisas possveise coisas contingentes. At mesmo no Cogitata Metaphysica,onde a distino feita pela primeira vez, ele admiteque os termos possam ser intercambiveis e, na tica,ele chama ambos os aspectos de nossa ignorncia quanto necessidade ou impossibilidade das coisas, ocontingente. O seu olho estava sobre as coisas eternas, ea fraseologia est expressando simplesmente como aslimitaes da mente humana no lhe causam muitapreocupao 54.

    Parece, portanto, que devemos estudar a coisa emcuja educao estamos interessados, em todas as suaspropriedades e relaes. tambm evidente que quaisquer54 Para a discusso destes termos, cf. Cogitata Metaphysica,

    parte I, cap. III [p. 8-11], e tica, parte I, prop. 33. Para ilustraesadicionais, cf. TTP, pp. 110 [Cap. VII, p. 127-128], 131 [Cap. VIII,p. 151-152], 139 [Cap. IX, p. 162-163], 145 [Cap. IX, p. 170-171],155 [Cap. X, p. 183-185], 186 [Cap. XIV, p. 218-219], 246 [Cap.XIX, p. 288-289], 254 [Cap. XIX, p. 296-297], 268 [Cap. XX, p.309-310], etc.

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    48l L

    limitaes que existam sero: (1) aqueles que pertenam natureza do ser que treinado, seja cristal, planta, animal ouhomem; (2) aqueles que pertencem srie de causas ouagncias externas que operam na formao.

    III

    Professor [Simon Somerville] Laurie55, [1829-1909]no seu captulo sobre as Possibilidades e Limites daEducao, diz que a educao, no seu sentido mais elevado,s se torna possvel quando a humanidade chegar a umaconscincia de si, quando as realizaes da raa sodiscernidas potencialmente em cada indivduo. Para estateoria, Spinoza teria, sem dvida, proposto uma indagaosobre a funo desempenhada na educao pelodesenvolvimento da conscincia de si, raa, ou qualquer coisaque seja, teria perguntado onde as influncias que operamno domnio da educao prvia ou na ausncia de conscinciadiferem fundamentalmente daqueles que adquirem aeducao depois da conscincia aparecer. Ele poderia terfalado da educao, como ele fez do desejo, que se estamosconscientes disso ou no, a mesma educao. Que aconscincia uma etapa muito importante e desejvel parao desenvolvimento e para a educao da humanidade,Spinoza teria concordado. Ele considerou a extenso daconscincia de ser a culminao do destino do homem, umateoria muito diferente daquela proferida pelo professor Laurie.

    55 Laurie, Institutes of Education, ch. I. [NT: Este livro foi citado,mas no foi includo por Rabenort na Bibliografia. Trata-se dolivro: LAURIE, Simon Somerville. Institutes of Education.Comprising an introduction to rational psychology. Chapter I:Introduction Educational limitations and possibilities. New York:Macmillan Co. and London, 1892].

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    49l L

    A filosofia da educao agora em voga considerao processo educacional como uma fase da evoluo 56. Odesenvolvimento do homem o seu evangelho e Froebel,o seu apstolo. Spinoza estava impressionadoprincipalmente pela causalidade lgica, pelasconsequncias irresistveis que se seguiam de uma coisaentendida, como as propriedades de um conceitogeomtrico seguem com mais ou menos facilidade, mascom certeza igual quando a sua definio entendida.Mas ele tambm sentiu a fora da causalidade objetiva,natura naturata 57. No entanto, ele no postulou duassries de acontecimentos no universo. A que decorrelogicamente (objetiva) a partir da sua ideia superior amesma que se segue (formaliter)58 [formalmente] de sua

    56 Hanus, Educational Aims and Ideals, pp. 16-20. Davidson,History of Education, p. 1. Monroe, History of Education,p. 651 [NT: Estes livros tambm foram citados e no includos naBibliografia. Trata-se muito provavelmente dos livros: HANUS,Paul Henry. Educational aims and educational values. NewYork: The Macmillan Company, 1899; DAVIDSON, Thomas. AHistory of Education. New York: C. Scribners sons, 1900 eMONROE, Paul. A brief course in the history of education.London: Macmillan & Co. Ltd., 1907].57 tica, parte I, prop. 28 e prop. 29.58 NT: Cf. Ferrater Mora, Os escolsticos e muitos autores

    modernos utilizam vrios advrbios latinos como termos tcnicos;entre eles, e em lugar proeminente, figura o vocbulo formaliter(formalmente). [] Se enuncia algo formaliter quando se diz deum modo prprio, de acordo com seu significado preciso. Umadefinio de uma coisa formaliter uma definio da naturezaespecfica da coisa. Um termo entendido formaliter um termoentendido como tal. [...]. (Verbete formaliter, in: MORA, JosFerrater. Diccionrio de Filosofa. t. 2. Madrid: AlianzaEditorial, 1979. p. 1275-1276. Disponvel em: . Acesso em 23 ago. 2010.

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    50l L

    causa eficiente, e as coisas esto dispostas, mas em umaordem e conexo 59. Talvez no se possa ir to longe aponto de chamar Spinoza um evolucionista, nem a suafalha em reconhecer este processo diminui o seu crdito;mas importante observar que no h nada nodeterminismo spinozista, por mais que ele difira daqueleque exclui a liberdade de Deus, que seja inimiga daevoluo. Como a teoria da persistncia da fora noest em discordncia com a evoluo 60, ento a doutrinade Spinoza da essncia, eterna e indestrutvel61, no estem nenhum desacordo com nossas experincias diriasde mudana e crescimento. O homem, como umorganismo humano, produzido, alterado e destrudo,mas no enquanto ele substncia extensa62; da mesmaforma a gua63. Alm disso, Spinoza v ordem e regulaoem todas as mudanas causais 64. Uma forma no podeser mudada indiscriminadamente para outra. Alm disso,quando ele diz que o homem produzido, ele tem umconceito distinto ontognico. Eu imploro, escreve ele aOldenberg65, Eu imploro, caro amigo, ter em mente queos homens no so criados, mas nascidos, e que seuscorpos j existem antes do nascimento, embora sobformas diferentes 66. Parece claro que Spinoza no teriatido nenhuma discusso sobre a gerao espontneamesmo num certo sentido definido, limitado,

    59 tica, parte II, prop. 7.60 Spencer, First Principles, Cap. VI.61 Cogitata Metaphysica, parte II, cap. XII [p. 36-37].62 Ibid., loc. cit. [Parte II, cap. XII, p. 37].63 tica, parte I, prop. 15, nota [esclio].64 tica, parte I, prop. 8, nota ii [esclio 2].65 NT: Vide Nota 26, supra.66 Correspondncia, Carta IV [4].

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    51l L

    significando a origem da Mnada a partir de compostosde carbono inorgnico67. Ele teria insistido, todavia, quea histria da origem do homem a de um homem e noa de uma cabra, embora uma origem similar deva evoluirpara uma cabra, e a semelhana das origens fosse toprxima que no se poderia dizer em um determinadoestgio de desenvolvimento, qual animal estaria ali emdesenvolvimento.

    A uma pergunta mais abrangente, se a evoluotem validade universal, Spinoza teria dado uma respostanegativa. Ns podemos sustentar que o universo, comouma totalidade ou unidade, passvel de evoluo ouque no . Se for to determinado, deve ter evoludo deuma forma prvia, cujo princpio era no-evolutivo, eestar progredindo em direo a um universo no-evolutivo, que deve ser a consequncia natural e aprxima etapa deste universo evolucionrio. No serem vo apontar que o princpio evolutivo assim aplicado, ainda mais abrangente do que as formas passada,presente e futuro do universo, pois a situao global estsujeita ao mesmo teste e mesma concluso. Spinoza,sem dvida, poderia ter includo a evoluo entre as leiseternas, que no se alteram ou comeam 68. A educao,no entanto, que procede, em parte, pelo menos, de acordocom as regras concebidas pelo homem para o bem-estarda raa, no seria ento classificada, exceto no caso em

    67 Haeckel, Evolution of Man. v. II, p. 31. [NT: Livro noreferenciado por Rabenort. Muito provavelmente trata-se da ediode 1905 do livro de Ernst Haeckel, The evolution of man - apopular scientific study, publicado em Londres pela Watts].68 Wolf, Short Treatise Spinozas [Short treatise on God,Man & his Well-Being], [Parte II], cap. XXIV, p. 139.

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    52l L

    que estas regras coincidissem com as leis necessrias douniverso, o sistema de leis eternas que, para ele, erasinnimo de Deus.

    O carter fixo ou no evolutivo de uma lei per ses deve ser distinguida da evoluo daquela lei como ensrationis. indubitavelmente verdade que a lei daevoluo, como um conceito ou formulao histrica,originou e se desenvolveu e ainda est emdesenvolvimento , atravs do trabalho de La Place, LeConte, Marcon, Wallace, Darwin, Romanes, De Vries;mas, suas formulaes no so o princpio fixo einaltervel cujas operaes observam os fenmenosincontveis que pretendem expressar.

    Spinoza, ento, olhou para a educao como umprocesso natural em harmonia com o carter emdesenvolvimento do universo. Na medida em que Deus ea natureza seriam diferentes sem isso, esse umfenmeno necessrio; e desde que esteja emconformidade com a natureza do ser educado, umaatividade livre. De um ponto de vista humano, a educaoest sujeita a aumentar cada vez mais o conhecimentodas cincias que fornecem dados para concluir se certosresultados so consistentes com a natureza do que educado. Tendo decidido que a partir deste ponto devista a educao possvel, ainda que seja da competnciado educando verificar quais as agncias necessrias pararesultar na educao esto disponveis. Por exemplo, nspodemos perguntar se a natureza do homem cai nasclasses o leitor filosfico e os leitores comuns, derebanhos , como diz Spinoza, e depois perguntar se oTractatus Theologico-Politicus uma agnciaadaptada para garantir o fim para o qual Spinoza o

  • CAPTULO I: A POSSIBILIDADE DA EDUCAO

    53l L

    projetou. Portanto, nossa concluso geral que, apesardas limitaes que Spinoza reconhecia, como em Burgh,que era muito jovem e em sua proprietria, que era muitovelha para aprender filosofia, assim como em Blyenbergh,cujos preconceitos o impediram de aprender, ele aindaconsiderou o estudo da filosofia como uma formaapropriada ao esforo humano. As limitaes duplas queele reconheceu possibilitam a base filosfica entre ensinoe aprendizagem, cada um desses processos que estonovamente sujeitos a uma limitao mtua de acordocom o que ns consideramos como a capacidade do objetoou a presena de causas para colocar a atividade em ao.

  • CAPTULO II:OS ELEMENTOS DA NATUREZA HUMANA

  • CAPTULO II: OS ELEMENTOS DA NATUREZA HUMANA

    57l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    58l L

  • CAPTULO II: OS ELEMENTOS DA NATUREZA HUMANA

    59l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    60l L

  • CAPTULO II: OS ELEMENTOS DA NATUREZA HUMANA

    61l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    62l L

  • CAPTULO II: OS ELEMENTOS DA NATUREZA HUMANA

    63l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    64l L

  • CAPTULO II: OS ELEMENTOS DA NATUREZA HUMANA

    65l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    66l L

  • CAPTULO III:A SUPREMACIA DO INTELECTO

  • CAPTULO III: A SUPREMACIA DO INTELECTO

    69l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    70l L

  • CAPTULO III: A SUPREMACIA DO INTELECTO

    71l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    72l L

  • CAPTULO III: A SUPREMACIA DO INTELECTO

    73l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    74l L

  • CAPTULO IV:AS COMPLICAES DA PERSONALIDADE

  • CAPTULO IV: AS COMPLICAES DA PERSONALIDADE

    77l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    78l L

  • CAPTULO IV: AS COMPLICAES DA PERSONALIDADE

    79l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    80l L

  • CAPTULO V:O CRITRIO DA EDUCAO

  • CAPTULO V: O CRITRIO DA EDUCAO

    83l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    84l L

  • CAPTULO V: O CRITRIO DA EDUCAO

    85l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    86l L

  • CAPTULO V: O CRITRIO DA EDUCAO

    87l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    88l L

  • BIBLIOGRAFIA

  • BIBLIOGRAFIA

    91l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    92l L

  • BIBLIOGRAFIA

    93l L

  • SPINOZA COMO EDUCADOR

    94l L

  • ESTA OBRA FOI COMPOSTA PELA ARGENTUM NOSTRUMEM ARRUS BT, CHARTER BT, IMPRINT MT SHADOW,PCORNAMENTS, GARAMOND, CENTURY SCHOOLBOOKE BOOKMAN OLD STYLE, IMPRESSA NA REPROGRAFIADO CMAF SOBRE PAPEL OFFSET 75 G/M2 MARCA VCPPARA A EDUECE E O CMAF EM OUTUBRO DE 2010.

    Tiragem:400 Exemplares