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    ASSOCIAO INTERCONTINENTAL DE PSICANLISE CLNICA - AIPC

    FORMAO EM PSICANLISE CLNICA

    NEUROLOGIA

    A PSICANLISE E AS NEUROCINCIAS

    por

    JOELTON CLEISON ARRUDA DO NASCIMENTO

    Matrcula: 1674

    RESUMO

    No presente artigo fao breves observaes e algumas reflexes sobre as relaes entre a

    Psicanlise e as Neurocincias, suas supostas divergncias e suas afinidades de base so

    objetos de intensos debates que correm ainda nos dias presentes.

    PALAVRAS-CHAVE: Psicanlise, Neurocincias, intercmbio.

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    INTRODUO

    A Psicanlise surgiu, como se sabe, de uma dissidncia da Medicina, a partir do

    desenvolvimento da clnica e da teoria de um mdico neurologista de formao, Sigmund

    Freud. Aps seu longo desenvolvimento e aperfeioamento, levado a cabo por diversas

    geraes de psicanalistas, a cincia iniciada por Freud tem um novo encontro com suas bases

    mdicas com o recente intercmbio cientfico com as recentes descobertas das neurocincias.

    Ainda que alguns neurocientistas e alguns psicanalistas continuem insistindo em

    supostos limites intransponveis entre a pesquisa mdica neurolgica e a clnica psicanaltica,

    h algumas dcadas que outros tm construdo novas pontes entre estes campos cientficos.

    Em 1994 encontramos um primeiro marco de convergncia de diversas pesquisas nestes

    campos, quando da fundao de um grupo de estudos de neurocincia e psicanlise no

    Instituto de Psicanlise de Nova Iorque, sob a coordenao de Arnold Pfeffer. Em 2000 foi

    fundada, na ocasio do I Congresso Internacional de Neuro-Psicanlise, a Sociedade

    Internacional de Neuro-Psicanlise, sob a direo de Pfeffer e Mark Solms. O representante

    brasileiro na Sociedade era o psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo,

    Yusaku Soussumi (SOUSSUMI, s.d., p. 45).

    O subcampo ento batizado de neuro-psicanlise no outra coisa que no o nome

    deste intercmbio frutfero entre estes dois campos cientficos em torno de problemas comuns.No presente artigo teceremos consideraes sobre este intercmbio cientfico com nfase em

    suas vantagens para o aprimoramento da teoria e da prtica psicanalticas.

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    OBJETIVO

    Neste artigo teceremos consideraes e faremos algumas reflexes sobre a relao entre

    a Psicanlise e das Neurocincias contemporneas, partido de alguns textos de Freud e de

    alguns exemplos destes intercmbios a partir de alguns casos concretos, assinalando o lado

    psicanaltico do intercmbio.

    1 PSICOLOGIA E NEUROLOGIA NO JOVEM FREUD

    De certo modo, a afinidade entre a Psicanlise e as Neurocincias uma afinidade

    gentica, j que Sigmund Freud, pai da psicanlise, graduou-se em Medicina em 1882, tendo

    demonstrado em seus estudos um gosto especial pela neuroanatomia, que estudou sob a

    orientao de Ernst Brcke e de Theodor Meynert.

    Na abertura do manuscrito de Freud, intituladoProjeto para uma Psicologia Cientfica,

    escrito em 1895 e publicado somente em 1950, o mdico neurologista interessado nos

    fenmenos do psiquismo humano afirma que sua inteno era:

    ...prover uma psicologia que seja cincia natural: isto ,

    representar os processos psquicos como estados

    quantitivamente determinados de partculas materiais

    especificveis, tornando assim esses processos claros e livres de

    contradio (FREUD, 2006, p. 357).

    A tentativa de dar incio a uma Psicologia nos moldes de uma cincia natural foi

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    abandonada por Freud logo aps ter este compartilhado das experincias clnicas de Jean-

    Marie Charcot, em Paris, e de Hyppolite Berheim. Aps este perodo, que vai de 1885 a 1889

    Freud se convencer da necessidade de uma abordagem clnica particular para a psicologia,

    que pudesse se desenvolver independentemente dos avanos ainda modestos da Neurologia.

    ... o Projeto tem grande valor histrico, uma vez que pode ser

    considerado um divisor de guas entre o perodo pr-

    psicanaltico, marcado por uma concepo experimental acerca

    dos processos mentais, e a origem da psicanlise, que rompe

    completamente com esta concepo metodolgica

    (WINOGRAD, SOLLERO-DE-CAMPOS, & LANDEIRA-

    FERNANDES, 2007, p. 29).

    Aps seu contato com Charcot, Freud, que se limitava ao mtodo anatomoclnico

    (correlao entre as sndromes clnicas e a anatomia cerebral) se deparava mais e mais com

    neuroses. Neuroses estas que no podiam ser diagnosticadas e tratadas por intermdio dos

    mtodos anatomoclnicos.

    Com base no que aprendera com Charcot, Freud noconsiderava as neuroses transtornos no-fsicos, mas sim no

    localizveis anatomicamente. Com a intensificao de seu

    envolvimento com a atividade clnica e influenciado pelas

    teorias de Hughling Jackson, Freud comeou a desenvolver seu

    ponto de vista particular. Afastando-se tanto de Charcot como

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    da distante escola alem, Freud considerava que a anatomia

    patolgica jamais revelaria as bases das sndromes clnicas das

    neuroses, pois elas repousavam inteiramente em modificaes

    fisiolgicas do sistema nervoso e, portanto, deveriam ser

    consideradas distrbios funcionais (WINOGRAD, SOLLERO-

    DE-CAMPOS, & LANDEIRA-FERNANDES, 2007, p. 29).

    Freud chegou a este caminho de resoluo de suas questes influenciado em grande

    medida pelo problema das afasias1, que estudava desde 1891. Para ele as faculdades

    psicolgicas ficavam diferentes de acordo com a lgica de suas prprias leis de

    funcionamento, e no segundo as leis da anatomia cerebral (idem, ibidem).

    Freud aderiu em grande medida ao modelo de organizao psquica de Hughlings

    Jackson, segundo o qual, os processos mentais e os processos neurolgicos podem ser

    descritos separadamente. Com este aparato terico, Freud poderia dar incio a uma cincia

    psicolgica cujos avanos poderiam se dar independentemente de sua correspondente

    repercusses neurolgicas.

    Podem, mas no precisam: a correlao [entre os processos mentais e os neurolgicos]

    uma fase importante da investigao, posterior fase da descrio e explicao dos

    processos psicolgicos e neurolgicos em seus termos prprios.

    evidente que correlacionar no equivale necessariamente a

    estabelecer relaes diretas de causa e efeito, mas, sim, observar

    1 A afasia se caracteriza por alterao de processos lingsticos de significao de origem articulatria ediscursiva, incluindo aqui os aspectos gramaticais, produzida por leso focal adquirida no sistema nervosocentral, em zonas responsveis pela linguagem, podendo ou no se associarem a alteraes de outros processos

    cognitivosCf. RIBEIRO, Elisabeth Golalves. As Afasias. Disponvel em:http://www.profala.com/arttf28.htm.Acessado em

    http://www.profala.com/arttf28.htmhttp://www.profala.com/arttf28.htmhttp://www.profala.com/arttf28.htmhttp://www.profala.com/arttf28.htm
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    a concomitncia, a simultaneidade dos processos em jogo,

    considerando sua interdependncia mtua: no h mente sem

    crebro e, por outro lado, um crebro supe necessariamente a

    emergncia de processos mentais de complexidade variada

    (WINOGRAD, SOLLERO-DE-CAMPOS, & LANDEIRA-

    FERNANDES, 2007, p. 30).

    2 NEUROCINCIAS E PSICANLISE NO CAMPO PRTICO

    So diversos os casos em que notamos a inter-relao entre neurologia e psicanlise.

    Pesquisas neurolgicas demonstram, por exemplo, a evidncia mais elementar da Psicanlise:

    a de que muitos de nossos pensamentos, sentimentos e decises so determinados por

    contedos que permanecem inconscientes. Mark Solms, um dos mais importantes neuro-

    psicanalistas da atualidade escreve o seguinte:

    ...descobertas atuais confirmam a existncia e o papel essencial

    dos processos mentais inconscientes. Um exemplo que o

    comportamento de pacientes incapazes de lembrar de

    acontecimentos passados por causa de danos a estruturas que

    armazenam lembranas no crebro claramente pelos fatos

    esquecidos. Os neurocientistas cognitivos analisam casos

    assim, determinando sistemas de memrias diferentes, que

    processam informao explicitamente (conscientemente) ou

    implicitamente (inconscientemente). Freud havia dividido a

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    memria da mesma forma (SOLMS, 2004).

    O trabalho do neurologista Ramachandran sobre a anosognosia2

    tambm pode ser

    trazido tona como testemunho do frtil intercmbio entre Psicanlise e as Neurocincias

    atuais. Desde os anos 90, V. Ramachandran estudou3 pessoas que possuem anosognosia e

    chegou a alguns resultados notveis para o assunto que nos ocupa.

    Danos na regio parietal direita do crebro dessas pessoas fazem

    com que no percebam que possuem problemas fsicos graves,

    como um membro paralisado. Depois de ativar artificialmente o

    hemisfrio direito de uma paciente, Ramachandran observou

    que ela percebeu que seu brao esquerdo estava paralisado e

    estava assim desde que ela havia sofrido um derrame, oito dias

    antes. Ela era capaz de reconhecer a ausncia e tinha registrado

    inconscientemente esse fato nos oito dias anteriores, apesar de

    suas negativas conscientes de que houvesse algo errado. Quando

    o efeito da estimulao acabou, a mulher no apenas voltou a

    acreditar que seu brao estava normal, mas tambm esqueceu a

    parte da entrevista em que tinha percebido que o brao estavaparalisado, apesar de lembrar dos mnimos detalhes da conversa.

    2 O termo anosognosia foi proposto por Babinski em 1914 para se referir ao fato de que muitos pacientesneurolgicos, principalmente aqueles com leses hemisfricas direita, apresentam dificuldades para perceberconscientemente seus dficits. Uma das manifestaes mais freqentes de anosognosia a impercepo dahemiplegia (geralmente esquerda), a qual foi descrita por Pick (1898) e posteriormente discutida por Anton(1899). Manifestaes de anosognosia, tais como a impercepo da hemiplegia, constituem geralmente umobstculo ao processo de reabilitao neurolgica. O uso de compensaes ou exerccios funcionais requer acolaborao e motivao do paciente e, portanto, um certo grau de percepo do dficit. Disponvel emhttp://npsi-dev.blogspot.com/2006/09/anosognosia-aps-leses-hemorrgicas.htmlAcessado em: .3

    O trabalho de Ramachandran a que nos referimos aqui foi publicado na International Review of Neurobiology ,em 1994.

    http://npsi-dev.blogspot.com/2006/09/anosognosia-aps-leses-hemorrgicas.htmlhttp://npsi-dev.blogspot.com/2006/09/anosognosia-aps-leses-hemorrgicas.htmlhttp://npsi-dev.blogspot.com/2006/09/anosognosia-aps-leses-hemorrgicas.html
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    Ramachandran concluiu: A extraordinria implicao terica

    dessas observaes que as lembranas realmente podem ser

    seletivamente reprimidas. Ver essa paciente me convenceu, pela

    primeira vez, da realidade do fenmeno da represso que

    compe a pedra fundamental da teoria psicanalista clssica

    (SOLMS, 2004).

    CONSIDERAES FINAIS

    So muitos os exemplos de interseco entre a Psicanlise e as Neurocincias aos quais

    poderamos fazer breves referncias. Mesmo estas breves referncias ultrapassariam o espao

    deste artigo. A bibliografia em portugus sobre a neuro-psicanlise tambm se avoluma.

    Poder-se ia lembrar apenas as mais importantes, como Andrade (2003), Kaplan-Solms e

    Solms (2004, 2005), Ramachandran (2004) alm de diversos artigos em revistas cientficas.

    Como o afirmou Silva Filho (2003, p. 107) apenas uma neurologia e uma psiquiatria

    excessivamente organicista pode permanecer considerando a Psicanlise somente um modo

    de filosofia descolada da cincia experimental. Do mesmo modo, os psicanalistas no

    podem deixar de considerar os resultados das pesquisas neurocientficas e de suas

    repercusses no campo psicanaltico, tanto terico quanto prtico. Evidentemente, como

    recorda Suossumi (s.d., p. 46) esta inter-relao no simples pois preciso haver respeito

    mtuo a ambos os modos de conduzir os mtodos cientficos. Mas possvel hoje acalentar de

    algum modo o sonho do jovem mdico neurologista interessado nos fenmenos do psiquismo

    humano, Sigmund Freud, de que um dia seria possvel traduzir estes fenmenos psicolgicos

    em termos fsico-qumicos e biolgicos.

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