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1 O Povoamento Inicial do Continente Americano: Migrações, Contextos, Datações Tania Andrade Lima 1 A questão da colonização do continente americano pela espécie humana desperta sempre um particular interesse e exerce um inegável fascínio sobre as sociedades, não só hoje em dia, mas desde que os europeus, aqui chegando no século XVI, encontraram um território já densamente povoado por outras culturas até então desconhecidas. Sem querer discorrer sobre a força desse tema no seu estreito relacionamento com a questão da nossa identidade e circunscrevendo-o aos seus aspectos mais propriamente objetivos, do ponto de vista científico tanto esse interesse quanto esse fascínio advêm do fato de o povoamento da América ter sido o último grande episódio de colonização do planeta. Nosso vasto continente foi a derradeira grande massa de terra a ser ocupada pela espécie humana, até então dispersa apenas pelo Velho Mundo, em um movimento que representa a etapa final da longa e bem sucedida história da migração e dispersão do gênero Homo. Uma história que começou no continente africano e se consumou na América, com a ocupação efetiva de todo o globo, uma experiência que se repetirá somente se nossa espécie vier a colonizar um outro planeta. Este é um dos temas mais debatidos e polêmicos da arqueologia americana. A maioria dos pesquisadores admite a procedência asiática das populações fundadoras, que muito provavelmente teriam penetrado no continente americano pela região de Bering, a rota de entrada inicial mais plausível. Outras, como as vias marítimas, no caso, as transpacíficas ou transatlânticas, que desde o século passado são aventadas e periodicamente voltam à tona, até que possam ser efetivamente comprovadas permanecerão no domínio das conjecturas e das hipóteses pouco prováveis, ao menos no que diz respeito às primeiras levas migratórias. O dissenso se instala, contudo, quando se discute a época em que teriam ocorrido os primeiros episódios colonizadores. Uma acirrada disputa sobre a antiguidade da espécie humana no Novo Mundo mobilizou, por um tempo considerável, a comunidade científica e as sociedades em geral, instalada em um clima de exacerbada e competitiva busca ao “primeiro” e ao “mais antigo” (Bonnichsen & Steele 1994).

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O Povoamento Inicial do Continente Americano: Migrações, Contextos,

Datações

Tania Andrade Lima1

A questão da colonização do continente americano pela espécie humana desperta sempre um

particular interesse e exerce um inegável fascínio sobre as sociedades, não só hoje em dia, mas desde

que os europeus, aqui chegando no século XVI, encontraram um território já densamente povoado por

outras culturas até então desconhecidas.

Sem querer discorrer sobre a força desse tema no seu estreito relacionamento com a questão da

nossa identidade e circunscrevendo-o aos seus aspectos mais propriamente objetivos, do ponto de

vista científico tanto esse interesse quanto esse fascínio advêm do fato de o povoamento da América

ter sido o último grande episódio de colonização do planeta.

Nosso vasto continente foi a derradeira grande massa de terra a ser ocupada pela espécie

humana, até então dispersa apenas pelo Velho Mundo, em um movimento que representa a etapa final

da longa e bem sucedida história da migração e dispersão do gênero Homo. Uma história que começou

no continente africano e se consumou na América, com a ocupação efetiva de todo o globo, uma

experiência que se repetirá somente se nossa espécie vier a colonizar um outro planeta.

Este é um dos temas mais debatidos e polêmicos da arqueologia americana. A maioria dos

pesquisadores admite a procedência asiática das populações fundadoras, que muito provavelmente

teriam penetrado no continente americano pela região de Bering, a rota de entrada inicial mais

plausível. Outras, como as vias marítimas, no caso, as transpacíficas ou transatlânticas, que desde o

século passado são aventadas e periodicamente voltam à tona, até que possam ser efetivamente

comprovadas permanecerão no domínio das conjecturas e das hipóteses pouco prováveis, ao menos

no que diz respeito às primeiras levas migratórias.

O dissenso se instala, contudo, quando se discute a época em que teriam ocorrido os primeiros

episódios colonizadores. Uma acirrada disputa sobre a antiguidade da espécie humana no Novo

Mundo mobilizou, por um tempo considerável, a comunidade científica e as sociedades em geral,

instalada em um clima de exacerbada e competitiva busca ao “primeiro” e ao “mais antigo”

(Bonnichsen & Steele 1994).

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Em lugar de se procurar entender como e por que esse processo colonizatório foi deflagrado,

todas as atenções da arqueologia americana estiveram voltadas, até recentemente, para o momento em

que ele teria se iniciado, desviando e distanciando os pesquisadores de uma compreensão mais

profunda das forças biológicas e culturais que teriam impelido esses primeiros imigrantes para um

território novo e despovoado (ib.); da lógica que envolve uma colonização (Beaton 1991); das

respostas dadas aos desafios adaptativos enfrentados em sua dispersão por novos ambientes; e, ainda,

de uma reflexão quanto às formas pelas quais os arqueólogos vêm lidando com seus vestígios

materiais, tantos milênios depois.

Essa ênfase equivocada nos aspectos cronológicos vem sustentando o debate apenas com dados

obtidos em sítios isolados, de tal forma que a discussão tem ficado restrita ao individualismo das

ocorrências potencialmente capazes de fornecer datas mais antigas. Deste modo fica difícil

transcender descrições biográficas de sítios para responder a questões mais amplas, voltadas para a

compreensão das forças envolvidas no processo do povoamento do continente. O problema vem sendo

discutido mais do ponto de vista técnico que teórico, de tal forma que o debate foi reduzido à sua

feição mais pobre, quando na verdade deveria estar voltado para os complexos processos de migração

e de colonização de áreas vazias (Dillehay & Collins 1991; Dillehay & Meltzer 1991).

Não se minimiza aqui nem a importância da cronologia, nem a necessidade dessas biografias,

sobretudo porque grande parte do descrédito atribuído a alguns sítios potencialmente antigos, tanto na

América do Norte quanto na América do Sul, advém do fato de os achados estarem insuficientemente

descritos, o que inviabiliza sua leitura crítica pela comunidade científica. Mas é importante que se

assinale ser urgente e necessário transcender esse caráter cronológico e biográfico, para que se possa

dar maior consistência e densidade à discussão do fenômeno. A ocupação do continente americano

pela espécie humana é um processo fascinante, quer ele tenha 5.000 ou 50.000 anos, e uma maior ou

menor antiguidade em nada diminui sua dimensão e relevância.

Duas correntes opostas de pensamento se formaram em torno desse tema, debatendo

calorosamente a questão:

• uma, conservadora, ortodoxa e bastante coesa, admitindo a presença humana na América apenas

em torno de 12.000 anos antes do presente.

• outra, heterodoxa e heterogênea, entendendo que a colonização ocorreu antes disso, divergindo

contudo em relação ao momento em que ela teria se dado. Este segmento varia desde aqueles que

admitem que há sítios potencialmente mais antigos que 12.000 anos, até alguns poucos que defendem

a presença do homem no continente há mais de 100.000 anos.

1 Departamento de Antropologia, Museu Nacional / UFRJ. Pesquisadora do CNPq.

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A chegada

No quadro atual, e até que qualquer outra hipótese para a colonização inicial do vasto território

americano venha a ser fartamente comprovada, grupos humanos dispersando-se pelo continente

asiático parecem ter avançado em direção ao leste siberiano, alcançado a região do atual Estreito de

Bering e penetrado na América, então despovoada.

Ao longo da última glaciação, Wisconsin, a retenção das águas nas grandes geleiras

continentais fez baixar o nível global dos oceanos em cerca de 120 m abaixo do nível atual, deixando

emersas amplas superfícies antes submersas. Novas faixas costeiras tornaram-se habitáveis, ilhas

uniram-se a continentes, continentes uniram-se entre si. A região do Estreito, pouco profunda, foi

paulatinamente dessecando até se tornar uma extensa planície com aproximadamente 1500 km de

largura, unindo o continente asiático ao americano, com o Oceano Ártico ao norte e o Pacífico ao sul.

Convencionou-se denominar esta área como Beríngia, aí compreendidas não apenas a plataforma

emersa, mas também o nordeste da Sibéria, do lado asiático, e as porções centrais não geladas do

Alaska e do Yukon, do lado americano (ver mapa, no detalhe).

Essa ponte de terra conectou a Ásia à América em diferentes avanços glaciais e nesses períodos

de clima frio e seco permitiu o livre trânsito tanto de animais quanto de seres humanos. Por longos

intervalos de tempo múltiplas migrações puderam ser realizadas, tanto da Ásia para a América,

quanto, uma vez povoado o continente, da América para Ásia, enquanto a plataforma esteve emersa.

Essa passagem não constituiu qualquer problema para os caçadores asiáticos, na medida em

que as condições severas do ambiente periglacial, descritas para esse período por palinólogos e

paleontólogos, eram as mesmas em toda essa região e suficientemente familiares para os imigrantes.

A Sibéria, inclusive, era mais fria, em virtude da circulação do ar glacial proveniente das geleiras que

cobriam a Escandinávia e o oeste siberiano. Já os vales do interior do Alaska ficaram livres dos gelos,

restritos às altas montanhas, em decorrência do bloqueio, pela ponte de terra, da umidade vinda do

Pacífico, de tal forma que a baixa precipitação acabou proporcionando condições menos ásperas nessa

região. Mesmo assim, como lembrou Grühn (1994), os Yahgan, na Terra do Fogo, no outro extremo

do continente americano, são um bom testemunho de como é possível a sobrevivência humana com

uma cultura material exígua, em ambientes tão pouco hospitaleiros.

Em Beríngia, nesse período, a produtividade biótica parece ter sido bastante reduzida, a julgar

por análises polínicas. Embora nesses estudos paleobotânicos a baixa resolução taxonômica dos pólens

não permita reconstituições precisas, os dados existentes indicam uma vegetação esparsa, raras árvores

e lagos, extensos campos de dunas compondo uma paisagem árida, mas com condições de sustentar

populações caçadoras, equipadas com tecnologia para suportar o frio e tirar proveito dos grandes

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herbívoros gregários que aí viviam, como mamutes, bisontes, cavalos, antílopes, alces, renas, caribus,

bois almiscarados, ursos, lobos, entre outros (Wright 1991). Elias (2002) descreve a grande

diversidade e abundância faunística dessa região como comparável apenas à das savanas do leste

africano. Beríngia parece ter servido como refúgio para muitas espécies animais, o que explicaria essa

diversidade notável.

A falta de árvores e, conseqüentemente, de madeira como combustível para fogueiras pode ter

sido suprida com gorduras, ossos e excrementos desses animais. Ossos dos grandes mamíferos podem

ter servido como esteios para cabanas cobertas de peles, assegurando condições mínimas de

sobrevivência nesse ambiente inóspito.

Contudo, as evidências arqueológicas do lado leste de Beríngia são decepcionantes para os que

esperam dela grandes antiguidades. Os registros são pobres, insuficientes, e nem um pouco

convincentes no que diz respeito a ocupações anteriores a 12.000 anos. Já na Sibéria, há diversos sítios

do Paleolítico Superior com datas a partir de 25.000 anos, apresentando indústrias de lâminas e

bifaces. A região central, próxima ao Lago Baikal, nas bacias do Lena, Ob e Yenissei, foi

consideravelmente povoada e a presença humana está atestada em dezenas de sítios que correspondem

a acampamentos de curta duração de caçadores-coletores altamente móveis. Trata-se de locais para

onde esses grupos retornavam periodicamente para obtenção de recursos sazonais, a julgar pela

sucessão das camadas de ocupação (Derev'Anko 1998 in Goebel 1999a e Goebel 1999b).

Para o extremo leste siberiano, área de interesse direto nesta questão, um extensivo e árduo

trabalho de levantamento realizado por Dikov na região do Kamchatka e Chukotka (ver mapa) e

publicado em 1997 (apud Bryan 1999), relata a ocorrência de cerca de 200 sítios nessa área, nos quais

foram feitos cortes-testes, particularmente naqueles concentrados próximos a cursos d’água. Seu

interesse primordial foi o de encontrar sítios que pudessem comprovar antigas conexões entre Sibéria e

Alaska. Contudo, a falta de datações radiocarbônicas ainda deixa os resultados obtidos no domínio das

suposições. Essas são as evidências mais próximas de Beríngia e o aprofundamento das pesquisas

feitas por Dikov poderão permitir futuramente as primeiras correlações efetivas entre as indústrias de

ambos os lados. Atualmente, os sítios mais antigos a oeste de Beríngia, como Ushki e Berelekh, estão

datados entre 14.000 e 11.000 anos antes do presente.

Do lado americano, no Alaska central, o Complexo Nenana, no vale do rio de mesmo nome

(ver mapa), tem datas em torno de 11.500 anos e corresponde ao equipamento de caçadores de grandes

mamíferos, como bisontes e alces. Trata-se de uma indústria não-laminar, com pequenas pontas

bifaciais triangulares, em forma de lágrimas, bifaces e raspadores (Hoffecker et al. 1993). Um dos

seus sítios mais importantes é Broken Mammoth, que apresenta evidências consistentes aliadas a

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datações confiáveis que o posicionam até o momento como a ocupação mais antiga do Alaska, em

torno de 11.700 anos antes do presente. Estratigraficamente o Complexo Nenana precede a chamada Tradição Paleoártica, que

engloba, além dela mesma, em classificação feita por Dixon (2001), o Complexo Denali e a Tradição

de Microlâminas da Costa Noroeste, mais recentes. Essa grande tradição caracteriza-se pela

tecnologia de produção de microlâminas e apresenta datas posteriores, em torno de 10.500 anos antes

do presente. Suas raízes estão nas indústrias de microlâminas do Paleolítico Superior da Eurásia e o

Complexo Denali possivelmente tem seus antecedentes na chamada cultura Diuktai, na Sibéria (ver Yi

& Clark 1985).

Um exemplo dos problemas que cercam as evidências disponíveis para essa área está no

Yukon, noroeste do Canadá, no sítio Old Crow (ver mapa), pesquisado por William Irving, na década

de 1970, onde um artefato feito em osso longo de caribu - claramente serrilhado em uma das

extremidades e datado de 27.000 anos antes do presente - foi por muito tempo considerado como uma

das evidências mais consistentes para a antiguidade da ocupação humana nessa área. Contudo,

redatado recentemente por AMS (accelerator mass spectrometry, técnica de espectrometria de massa

com aceleradores), revelou uma idade de apenas 1.350 anos antes do presente.

Há ainda um outro sítio, a gruta Blue Fish (ver mapa), próxima a Old Crow, com ossos de

mamute, bisonte e cavalo datados em torno de 12.000 anos antes do presente, supostamente associados

a artefatos líticos. Esses são os únicos elementos mais consistentes de que se dispõe até o momento

para a região a leste de Beríngia, ao final do Pleistoceno e início do Holoceno.

A dispersão

Uma vez em território americano, três rotas de dispersão foram possíveis para esses primeiros

imigrantes, a partir do Alaska: a primeira, pelo litoral setentrional, alcançando o rio Mackenzie e daí

seguindo em direção ao sul. A segunda, pelo litoral meridional de Beríngia, beirando a costa sudeste

do Alaska, e descendo pela costa do Pacífico. E a terceira, pela região central do Alasca, através dos

vales, tomando o rumo do sul.

No caso da segunda rota, trata-se de uma costa com um labirinto de ilhas e estuários, bastante

recortada por um emaranhado de fjords, canais e linguas de gelo, com falésias gigantes transbordando

geleiras que se prolongaram, durante os avanços glaciais, até o oceano. Este é um trecho difícil,

traiçoeiro, mas que poderia ter sido transposto com o recurso da navegação costeira até o sul da

Colúmbia Britânica, na costa noroeste, ao sul do lençol de gelo. Neste caso, o ponto de entrada dos

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primeiros colonizadores no continente americano teria sido, segundo Anderson & Gillam (2000) a

desembocadura do rio Colúmbia, dispersando-se a partir daí em direção a leste, sul e norte.

Durante muito tempo, essa hipótese de descida pela borda do Pacífico tomada pelos gelos foi

pouco considerada pela maioria dos arqueólogos, mas encontrou alguns defensores entusiastas como

Fladmark (1978, 1979), Grühn (1988) e Bednarik (1989). Mais recentemente, ela ganhou novo fôlego

com Erlandson (2002), apoiado em pesquisas recentes que atestam que o litoral do Alasca e da

Colúmbia Britânica já estava degelado entre 14.000 e 13.000 anos, contrariamente ao que se supunha,

favorecendo a ocupação humana. Não é de fácil comprovação, pois se houve evidências da passagem

de populações por essa região, a elevação do nível médio do mar durante períodos posteriores de

aquecimento cuidou de eliminá-las.

A primeira e a terceira rotas, respectivamente pelo litoral norte e pelo interior, através da região

central do Alaska e do Yukon, seguindo o vale do rio Mackenzie e daí alcançando as Altas Planícies,

esteve bloqueada nos períodos de máximo resfriamento por uma monumental geleira, formada pela

expansão de dois grandes centros formadores de gelo – um nas escarpas Laurêntidas e outro na

Cordilheira das Rochosas - constituindo uma barreira intransponível para o movimento humano

Durante os avanços glaciais, essas geleiras podem ter se expandido até coalescerem, fechando

completamente a passagem para as áreas mais meridionais. Se isto de fato ocorreu, uma extensão de

1.200 km de gelos, do sudoeste do Yukon ao sul de Alberta, impediu o deslocamento através dessa via

por alguns milênios (ver mapa), deixando a costa noroeste como a única alternativa possível de

dispersão pelo continente norte-americano. Entretanto, não se sabe com precisão se essas geleiras

alcançaram sua máxima extensão simultaneamente ou se teria restado, mesmo durante os avanços,

uma estreita passagem entre elas, com cerca de 25 km de largura, configurando um corredor livre de

gelos.

De toda forma, nos interglaciais, o aumento do calor provocou a retração dessa monumental

massa glacial; e, se a coalescência foi total em algum momento, nesses intervalos ela regrediu,

viabilizando a passagem e propiciando finalmente uma rota de migração para plantas, animais e

populações humanas até as latitudes médias norte-americanas. No entanto, por um tempo

considerável, ainda, essa passagem deve ter permanecido inviável, com ventos gelados e áreas

alagadas pelo derretimento dos gelos. Palinólogos e paleontólogos estão encontrando escassas

evidências de vida vegetal e animal nesse corredor, entre 20.000 e 14.000/13.000 anos antes do

presente, o que teria dificultado bastante a sobrevivência humana em área tão inóspita.

O avanço de uma geleira atua dramaticamente na paisagem, de tal maneira que após seu recuo

os vestígios desse avanço são perceptíveis sob a forma de blocos, sedimentos e detritos amontoados,

empurrados à medida que ela se expande. Isto permite detectar com razoável precisão os limites que

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as geleiras alcançaram no passado e constatar até onde elas chegaram. O que não se pode dizer é

quando isso aconteceu. Sedimentos lacustres vêm sendo utilizados para datar esses episódios, esforços

contínuos vêm sendo feitos para refinar sua cronologia, mas tão cedo não se disporá de datas mais

precisas.

Uma forma possível de se avaliar a época da passagem desses primeiros imigrantes pelo

corredor, se ele existiu de fato, é através da datação dos sítios arqueológicos existentes ao sul dessas

grandes massas de gelo, tendo em vista que o corredor desembocava diretamente nas pradarias

centrais dos Estados Unidos, com extensas pastagens para os grandes animais herbívoros e gregários.

De fato, os inúmeros sítios aí existentes correspondem a acampamentos temporários de bem

sucedidos caçadores do final do Pleistoceno, especializados na captura de grandes mamíferos, com

datações que se concentram em torno de 11.500 e 11.000 anos antes do presente. São basicamente

sítios de matança e descarnamento de caça de grande porte, onde aparecem ossos de megafauna

extinta associados a um sofisticado equipamento destinado à sua captura e processamento: pontas de

projétil bifaciais finamente lascadas, medindo entre 7 e 15 cm, que receberam uma canelura na parte

central para encabamento - as chamadas pontas acanaladas - além de facas, raspadores, bifaces e

furadores. Em situações excepcionais vêm sendo encontrados artefatos em osso ou em marfim.

Os achados mais antigos dessas pontas correspondem ao chamado tipo Clóvis, que aparece em

contextos associados à captura de mamutes. Seu nome vem do local onde ele pela primeira vez foi

encontrado, no sítio Blackwater Draw, próximo à localidade de Clóvis, no Novo México. Uma forma

um pouco menor, mais delicada e com o acanalado mais longo, denominada Folsom, aparece sempre

associada à captura de bisontes, em posições estratigráficas superiores à dos caçadores Clóvis e em

contextos ligeiramente mais recentes (Taylor et al. 1996). Encontrada na região de Folsom, também

no Novo México, deve da mesma forma sua designação a essa localidade.

Esses caçadores apreciavam matérias-primas de qualidade superior, como sílex, jasper,

calcedônia e outras rochas de granulação fina, que permitiam um bom controle do lascamento. As

grandes distâncias entre as fontes dessas matérias-primas e o local onde os artefatos eram abandonados

mostra o quanto eles viajavam. Distâncias de 320 km são comuns e em certos casos chegaram a

alcançar 480 km (Meltzer 1993). Ocorrem variações qualitativas nesse equipamento, como o tipo de

rocha utilizada, ou quantitativas, como a maior ou menor freqüência de determinados tipos, mas não

nos tipos propriamente ditos, que seguem claramente um mesmo padrão.

Essas pontas acanaladas são uma invenção tipicamente americana e não têm antecedentes no

continente asiático. Sua origem, ainda obscura, deveria estar a leste de Beríngia, entre o Alaska

central e as Altas Planícies, mas os achados feitos até o momento nessa região - descontextualizados,

em situações onde inexistem contextos geológicos datáveis e as associações radiométricas são

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ambíguas - pouco contribuem para esclarecer esse problema. No entanto, estudos de resíduos de

sangue em algumas dessas pontas encontradas a leste de Beríngia mostram que se trata de sangue de

mamute, o que vem permitindo associá-las inquestionavelmente aos caçadores das planícies (Loy &

Dixon 1998). Hoffecker e colaboradores (1993), analisando as indústrias do Alaska central acreditam

ter no complexo Nenana, acima referido, os antecedentes dessa tecnologia de pontas acanaladas, mas

esta é uma hipótese que ainda está longe de ser comprovada.

Os versáteis caçadores Clóvis, altamente móveis, eficientes e adaptáveis, dispersaram-se com

muita rapidez por uma diversidade notável de ambientes, de costa a costa da América do Norte. Tendo

conquistado as pradarias centrais dos Estados Unidos, espraiaram-se pelas florestas do leste,

alcançaram as Montanhas Rochosas, com seus rios de corredeiras, chegaram aos desertos,

desconsiderando barreiras ecológicas ou climáticas, e desceram até a América Central. A cada novo

desafio surgido com a ocupação de habitats até então desconhecidos, ajustaram seu notável

equipamento, direcionando a eficiente tecnologia de que dispunham para gerar novos instrumentos em

resposta a novas necessidades.

Essa impressionante dispersão é um dos argumentos utilizados pelos que defendem a hipótese

de que os Clóvis tenham sido caçadores mais generalistas do que anteriormente se supunha, e que

tenham feito ajustes para se adaptar aos recursos locais e às peculiaridades dos diferentes ambientes

que ocuparam. Lembrando que a captura de grandes animais era rara e enfrentá-los era perigoso,

acreditam que sua dieta teria incorporado recursos vegetais e caça de menor porte, aí incluídos

pequenos mamíferos, aves, peixes e répteis. Seus vestígios teriam sido ofuscados pela alta visibilidade

dos grandes animais nos registros arqueológicos. A etnografia, por sua vez, tampouco estaria dando

suporte ao modelo Clóvis especializado, ao mostrar que fora do Ártico praticamente não há grupos se

sustentando apenas com grandes animais.

No entanto, a análise feita por Wagnespack & Surovell (2003) nos conjuntos faunísticos de 33

sítios paleoíndios apontou a predominância inequívoca de grandes animais nos seus registros, de tal

forma que o perfil que emerge desses caçadores no trabalho de ambos está mais estreitamente alinhado

com uma estratégia especialista que propriamente generalista, reforçando os Clóvis como caçadores

especializados.

Para a corrente ortodoxa, mais conservadora, no entanto, essa mobilidade e dispersão

impressionantes só poderiam ter ocorrido em um continente vazio, um argumento que é utilizado para

reforçar a hipótese de que os caçadores Clóvis teriam sido os pioneiros da América. Não obstante, em

um território já ocupado - mas com população ainda muito rarefeita - isto também poderia ter

ocorrido. Meltzer (2002) considera que essa irradiação representou sobretudo uma vantagem

adaptativa na ocupação de áreas até então inexploradas pela espécie humana.

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Tendo conquistado essa diversidade de ambientes na América do Norte, os caçadores dos

grandes herbívoros chegaram às suas porções mais meridionais, alcançando as áreas pantanosas, as

florestas tropicais da América Central, onde pontas acanaladas também são encontradas. Essa região,

uma nova barreira ecológica recoberta pela luxuriante vegetação tropical, deve ter exigido um

considerável esforço adaptativo, sobretudo no gargalo que conecta a América do Norte à América do

Sul, o istmo de Darien.

Vencido esse obstáculo, os caçadores se defrontaram com a puna do altiplano andino, com as

grandes redes fluviais, os diferentes tipos de costas, as praias do litoral, os manguezais, renovando os

desafios que exigiram as sucessivas adaptações e readaptações que, em última instância, constituem a

trama da pré-história americana

Todavia, a julgar pela capacidade de adaptação desses caçadores a ambientes tão distintos, essa

barreira não deve ter constituído um efetivo impedimento a sua descida. Mas a lacuna de dados

paleoecológicos e mesmo arqueológicos não permite senão especulações para essa região, tão

importante para o entendimento do povoamento do continente sul-americano.

Também para a América do Sul há poucos dados paleoclimáticos produzidos, o que dificulta a

discussão sobre as possibilidades de movimento humano nas áreas tropicais. Diferentes autores

cogitam várias vias de penetração e dispersão - pelo litoral setentrional, pelo litoral pacífico, pela

espinha dorsal dos Andes, pelas grandes bacias hidrográficas – mas a insuficiência de dados, agravada

pelo viés estritamente difusionista, as relega ao escorregadio terreno das especulações.

A polêmica

Ao sul das geleiras monumentais, alguns sítios norte-americanos reivindicam antiguidades

maiores ou muito maiores que 12.000 anos, o que os tornaria pré-Clóvis, e aí se incluem Callico Hill,

com datas de 19.000 a 17.000 anos antes do presente; Dutton e Selby, 17.000 a 14.000 anos; Wilson

Butte Cave, 17.500 anos; Lovewell, 22.000 anos; Little Salt Spring, 14.000 anos, entre muitos outros.

Mas suas evidências até o momento são consideradas duvidosas e não serão abordadas aqui.

Restringindo-nos apenas aos mais relevantes, o que apresenta um maior potencial na América

do Norte é Meadowcroft, um abrigo-sob-rocha próximo a Pittsburgh, ao sul dos Grandes Lagos, que

tem uma impressionante seqüência de 52 datações, quase todas em carvão, que vão de 31.400 anos

antes do presente até o período histórico. Um fragmento de cestaria ou esteira foi datado de 19.600

anos; em níveis superiores há artefatos associados a detritos de lascamento, feitos com matéria-prima

importada, datados em torno de 14.000 anos. O estrato entre 12.000 e 11.000 anos apresenta pontas de

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projétil lanceoladas, sem caneluras, que vêm sendo pensadas como um possível protótipo das

acanaladas, uma hipótese que também ainda está longe de ser conclusiva.

Meadowcroft, estudado por J. M. Adovasio entre 1973 e 1978, (ver Adovasio et al. 1983), vem

sendo desde então duramente questionado pelos segmentos mais conservadores, por reivindicar uma

antiguidade pré-Clóvis. Na década de 1980, essas críticas foram lideradas por Haynes (1980) e

Dincauze (1981), tendo prosseguido na década de 1990 com West (1991), novamente Haynes (1991),

e Tankersley & Munson (1992), que apontaram não apenas uma associação inconsistente entre

artefatos e datas, mas também potenciais agentes contaminadores para as amostras datadas, nas

seqüências mais antigas. Por seu lado, restos vegetais e animais recuperados por flotação nos níveis

inferiores estariam indicando um ambiente de floresta decídua, quando, durante um avanço glacial, ele

só poderia ter sido de tundra, o que é reforçado pelos dados paleoambientais que indicam que a

floresta decídua só teria se instalado na área em torno de 8.500 anos antes do presente. Há fortes

sugestões, atualmente, no sentido de se datar restos vegetais dos seus níveis mais antigos por AMS,

avaliando-se essa possível contaminação. Contudo, o próprio Adovasio declarou com certa amargura,

em publicação mais recente (Adovasio & Pedler 1997), que Meadowcroft está perpetuamente

condenado à controvérsia, já que seus contendores jamais aceitarão suas evidências.

Na América do Sul, descartando os dados menos consistentes levantados até o momento, e

trabalhando, da mesma forma que na América do Norte, apenas com os mais relevantes, com aqueles

para os quais a comunidade internacional vem voltando seus olhos com mais atenção, há dois sítios

que estão alimentando esse quadro de controvérsia, com datações e contextos bastante polêmicos:

Monte Verde, na porção centro-meridional do Chile, e a Toca do Boqueirão da Pedra Furada, no

nordeste brasileiro. Esses sítios, que não têm nenhuma conexão econômica ou tecnológica com o

horizonte Clóvis, vêm produzindo uma inquietante documentação cronométrica e contextos que

exigem atenção.

Monte Verde, escavado por Dillehay e colaboradores entre 1978 e 1985, está sendo

considerado internacionalmente como o mais sério candidato pré-Clóvis. O sítio tem dois

componentes, Monte Verde II, datado de 12.500 a 13.000 anos, e Monte Verde I, datado de cerca de

33.000 anos. Monte Verde II apresenta associação de ossos de megafauna - basicamente mastodontes

e paleolhamas - com pontas de projétil e artefatos lascados bifacialmente, e uma cronologia que o

coloca pelo menos 1.000 anos antes dos caçadores Clóvis. Não obstante esse equipamento, a cultura

material de Monte Verde sugere, segundo seus pesquisadores, uma tecnologia centrada primariamente

na procura e manipulação de madeiras e vegetais.

Por ter conservado admiravelmente matérias orgânicas, esse sítio oferece uma oportunidade

única para se ter acesso aos elementos perecíveis da cultura material das populações do Pleistoceno

Page 11: Povoamento Inicial Do Continente Tania Lima Ufrj Museu Nacional

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tardio, nunca antes acessada. Há fragmentos de madeiras com amarrado de fibras que parecem ser os

remanescentes de um conjunto de 12 a 13 cabanas de toros, possivelmente recobertas de pele de

mastodonte; uma pegada humana fossilizada; abundantes restos vegetais, ossos de pequenos

mamíferos e peixes, cascas de ovos, moluscos, pedaços de couro e penas, artefatos de osso e madeira,

coprólitos possivelmente humanos, fogueiras, e uma indústria bifacial produzida com matérias-primas

locais. Grande parte dos artefatos líticos apresenta pouca modificação, ocorrendo apenas alguns

bifaces. Outros tipos de estruturas foram identificados, além das habitacionais, como braseiros,

contendo restos vegetais queimados (Dillehay & Collins 1991).

No componente mais antigo, Monte Verde I, há material lítico esparso, associado a datas de

33.000 anos, sem qualquer outra evidência de atividade humana. Segundo alguns, há artefatos

inequívocos, pelo menos um núcleo e duas lascas. Segundo outros, essa é uma interpretação

equivocada e altamente improvável.

Monte Verde tem sido vigorosamente combatido. Para Lynch (1990, 1991), um de seus mais

ferrenhos críticos, o sítio parece pertencer claramente ao Arcaico, uma categoria classificatória que

abriga as culturas já do Holoceno, as quais, em função do progressivo aquecimento do clima, passaram

da caça preferencial a animais de grande porte a uma subsistência fortemente dependente da coleta de

vegetais e da captura diversificada de pequenos animais. A associação entre as pontas lanceoladas e a

megafauna em Monte Verde é posta em dúvida por ele. Os artefatos líticos, por não serem de rochas

criptocristalinas, claramente transportadas pela mão do homem, não são considerados.

Já West (1993), outro crítico severo da sua cronologia, vê ambigüidades nos dados, bem como

possíveis agentes contaminadores que poderiam estar distorcendo as datações. A interpretação de

alguns vestígios como fundos de cabanas, braseiros, etc., foi considerada prematura e o que foi

supostamente entendido como uma pegada humana não passaria de uma depressão no solo.

Roosevelt e colaboradores (2002) igualmente desqualificam as datações obtidas por Dillehay -

entendendo que houve mistura de materiais de diferentes épocas, bem como problemas de

contaminação. Entretanto, toda a argumentação apresentada para fundamentar seu ponto de vista

parece mais destinada a colocar a Pedra Pintada, por eles estudada no baixo Amazonas e datada de

11.200 anos antes do presente, como o sítio mais antigo da América do Sul, em lugar de Monte Verde.

O primeiro volume da publicação de Monte Verde veio a público em 1989 (Dillehay 1989).

Somente oito anos depois de cuidadosos estudos saiu o alentado segundo volume, em 1997 (Dillehay

1997). Nesse mesmo ano, um grupo de seis pesquisadores norte-americanos e três sul-americanos fez

uma visita ao sítio, a convite de Dillehay, com o objetivo de examinar criticamente as evidências,

verificar os sedimentos, a estratigrafia e a autenticidade dos artefatos e dos contextos descritos, bem

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como constatar se houve aí de fato uma ocupação pré-Clóvis. Entre os convidados foram incluídos

alguns dos mais implacáveis “advogados do diabo”, como Haynes e Dincauze.

Durante a visita, alguns membros do grupo colocaram em dúvida alguns artefatos de madeira e

de osso, mas o resultado final foi a constatação de que em Monte Verde II há artefatos produzidos pela

mão humana e recuperados em contextos primários; suas datações são consistentes, não há qualquer

perturbação estratigráfica; não há qualquer possibilidade de se tratar de material do Arcaico e não há

sinais de contaminação para as datações (ver Meltzer et al. 1996).

Em julho de 1999, foi publicado o resultado de uma investigação feita sobre os vegetais de

Monte Verde por um desses “advogados do diabo”, o conservador Haynes, em co-autoria com outros

pesquisadores (Taylor et al. 1999). Esse trabalho constatou a inexistência de um dos possíveis agentes

contaminadores (reservoir effect) que poderiam produzir valores anormais na datação dos materiais

recuperados nessa região. Ou seja, as datas do final do Pleistoceno para Monte Verde estão até o

momento confirmadas. Já para o componente mais antigo, Monte Verde I, as evidências foram

consideradas insuficientes, embora tenham entusiasmado a alguns integrantes do grupo. Esses

pesquisadores não são detentores da verdade, seu parecer não elimina as dúvidas existentes, mas

indubitavelmente sua avaliação favorável vem contribuindo para reforçar a posição cronológica do

sítio em um período que antecede ao dos caçadores Clóvis.

O outro candidato sul-americano é a Toca do Boqueirão da Pedra Furada, localizado em São

Raimundo Nonato, no sudeste do Piaui, pesquisado por N. Guidon e colaboradores (Guidon 1984,

1986). Trata-se de um grande e imponente abrigo-sob-rocha, recoberto por esplêndidas pinturas

rupestres, que apresenta uma notável sucessão de 46 datações radiocarbônicas, rigorosamente

coerentes com sua seqüência estratigráfica, que vão de 48.000 até 6.000 anos antes do presente. Por

estrapolação estratigráfica, seus pesquisadores chegam a atribuir ao sítio uma antiguidade de mais de

60.000 anos.

Escavado entre 1978 e 1988, apresenta quinze estratos naturais que foram agrupados em três

diferentes fases. A que interessa à presente discussão é a mais antiga, datada entre 48.000 e 17.000

anos. A essa fase são atribuídos vários fogões associados a artefatos líticos, basicamente seixos

lascados que sofreram aquecimento e lascas de quartzo e quartzito, matérias-primas encontradas nas

adjacências do abrigo. Há evidências de redução no local. Um fragmento da parede, pintado com duas

linhas paralelas em vermelho, foi encontrado junto a uma fogueira datada de 17.000 anos, sendo

considerado pelos pesquisadores responsáveis como a manifestação mais antiga de registro rupestre do

sítio. Não foram recuperados materiais orgânicos de nenhuma natureza e rochas criptocristalinas

trazidas de fontes distantes só aparecem no abrigo na fase seguinte, holocênica, a partir de 10.000

anos, com artefatos bem mais refinados.

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Os achados da Toca da Pedra Furada vêm sendo da mesma forma intensamente questionados,

têm recebido inúmeras críticas, e não só dos segmentos conservadores. As fogueiras de onde os

carvões datados foram retirados não teriam sido produzidas pela mão humana, mas seriam, segundo

seus críticos, resultantes de combustões espontâneas no ambiente semi-árido da caatinga. Forças

naturais poderiam ter produzido os rudimentares artefatos, bem como reunido pedras e carvões em

associações que apenas estariam sugerindo a existência de fogueiras.

Tentando levar o debate ao próprio local, Guidon e colaboradores organizaram, em 1993, a

Reunião Internacional sobre o Povoamento das Américas, em São Raimundo Nonato, tendo

pesquisadores estrangeiros como convidados. Como surpreendente resultado desse encontro, três dos

participantes, pesquisadores norte-americanos que se alinham entre os não-conservadores e que

inclusive reivindicam grandes antiguidades para a ocupação humana na América, como Adovasio (que

pesquisou Meadowcroft anteriormente referido), Dillehay (que pesquisou Monte Verde) e Meltzer

(que trabalha com paleoíndios nas Altas Planícies), publicaram um contundente artigo na revista

Antiquity (Meltzer et al. 1994), abrindo consideravelmente o leque de críticas à pesquisa (a respeito,

ver Andrade Lima 1995).

Os ataques foram basicamente à metodologia utilizada em Pedra Furada, com os pesquisadores

aceitando apenas a ocupação holocênica do sítio. Admitiram sua importância potencial, mas

entenderam que só depois de esclarecidos pontos considerados como insuficientemente explanados é

que Pedra Furada poderia ser aceito, argumentando com o fato de até aquela altura não ter sido

publicado ainda um alentado relatório final da totalidade da pesquisa. Isto contribuiu

consideravelmente para que essas críticas ganhassem espaço, mesmo após a réplica publicada logo a

seguir pela equipe do Piauí, na mesma revista Antiquity, rebatendo-as ponto a ponto (Guidon et al.

1996). Posteriormente, entretanto, parte do trabalho foi apresentada na tese de doutorado defendida

por F. Parenti na França, em 1993, sob orientação de N. Guidon.

Os defensores de Meadowcroft, Pedra Furada e Monte Verde, ou, mais genericamente, da

presença humana na América anterior aos caçadores Clóvis, estão questionando o paradigma

conservador e indagam se ele não vem levando à rejeição apriorística de evidências legítimas de

ocupações pleistocênicas. Estão forçando não só a revisão desse modelo, mas também a revisão de

dados que vêm sendo sumariamente descartados, há décadas, como pouco plausíveis e que deveriam

ser reavaliados, segundo eles, sob uma nova ótica.

Pondo em cheque a pesquisa de campo norte-americana, perguntam insistentemente: por que

não são encontrados sítios pré-Clóvis na América do Norte? Seus pesquisadores estão procurando nos

lugares certos ou foram ofuscados todo esse tempo por um modelo que, ao que tudo indica, não está

dando contas das evidências empíricas que vêm surgindo? Por que as escavações são em geral

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14

interrompidas nos níveis dos caçadores Clóvis e Folsom, sem a retirada de blocos rochosos que podem

estar selando ocupações mais antigas?

No presente momento, são essas as três ocorrências que estão sob a luz dos refletores, pelas

possibilidades que apresentam de serem mais antigas que o horizonte Clóvis. Já na mesma faixa

cronológica ou imediatamente posterior a esses caçadores, na transição do Pleistoceno para o

Holoceno, há vários outros sítios. No Brasil, as evidências de Lagoa Santa, bem como de Santana do

Riacho e outros sítios em Minas Gerais estudadas por A. Prous e colaboradores (Prous & Malta 1991;

Prous 1992/3); de Serranópolis, em Goiás, pesquisadas por P. I. Schmitz e colaboradores (1989); da

Pedra Pintada, no baixo Amazonas, investigadas por A. C. Roosevelt e colaboradores (1996), entre

outras, em diferentes pontos do país (ver Prous & Fogaça 1999) e também da América do Sul,

particularmente na Patagônia (ver Dillehay 2000, Miotti et al. 2003), mostram que a América do Sul já

estava colonizada em toda a sua extensão a essa época .

Diante das evidências que o continente sulamericano vem apresentando, Grühn (1994)

continuou insistindo no alto poder explanatório de seu modelo de entrada e descida para as regiões

mais meridionais pela costa, segundo ela o mais convincente para explicar as datas antigas que vêm

aparecendo aqui, já que o modelo convencional de passagem pelo corredor livre de gelos somente

após 12.000 anos antes do presente está falhando completamente. Para ela, populações adaptadas ao

litoral com equipamento lítico não-especializado teriam se expandido linear e rapidamente pela costa

ocidental da América do Norte e América do Sul, muito antes que o interior do continente norte-

americano estivesse povoado, única forma de explicar o que vem aparecendo no Chile e no Brasil.

Para a pesquisadora, à falta de evidências arqueológicas, evidências histórico-linguísticas

poderiam sustentar este modelo. A extraordinária diversidade linguística da costa noroeste pode ser

um indicador de profundidade temporal, já que é necessária uma longa permanência in situ para que

ela possa se desenvolver. Grühn, no entanto, é contestada pelos que entendem que diversidade não é

sinônimo de antiguidade e cai-se novamente no terreno escorregadio da falta de dados arqueológicos

que dêem suporte a essa hipótese.

Bednarik (1989), como assinalamos anteriormente, também apoiou essa possibilidade,

admitindo a entrada de pequenos grupos adaptados à zona costeira. Entendendo que respostas e

adaptações de populações humanas a determinadas situações e condições não foram aleatórias, mas

seguiram padrões que produziram comportamentos semelhantes, ele aventa um possível paralelismo

entre a ocupação da América e a da Austrália. Estratégias similares de colonização pelo litoral teriam

sido desenvolvidas pelos grupos pioneiros na América, semelhantes às que foram adotadas no

povoamento inicial da Austrália.

Page 15: Povoamento Inicial Do Continente Tania Lima Ufrj Museu Nacional

15

Mais recentemente, Erlandson (2002) vem argumentando, em favor dessa hipótese, que a

expansão geográfica da espécie humana por todo o globo apoiou-se, em muitos casos, em bem

sucedidas adaptações aquáticas; e que a habilidade para navegar desempenhou um importante papel

em movimentos migratórios, como no povoamento da Austrália, da Melanésia ocidental, e ilhas do

Pacífico. Tal como nessas regiões, povos marítimos podem ter povoado as Américas navegando pela

borda do Pacífico. Datas antigas vêm sendo obtidas ao longo de toda essa faixa costeira: na Colúmbia

Britânica, o sítio Namu, datado de 9.700 anos antes do presente, e vários sítios nas ilhas Queen

Charlotte, em torno de 9.000 anos. Na Califórnia, um sítio costeiro em Channel Islands, datado de

10.700 anos antes do presente, e ossos humanos datados diretamente por AMS em torno de 10.500 e

11.000 anos antes do presente, além de cerca de 30 datações de sítios costeiros entre 9.500 e 8.000

anos (op.cit.:77).

Na Ämérica do Sul parece haver evidências ainda mais antigas. Além de Monte Verde, há

também no Chile, ao norte de Santiago, o sítio Querero, com datas entre 11.600 e 10.900 anos antes do

presente, além de outros sítios costeiros com datas que alcançam 9.700 anos. No litoral norte do Peru

há assentamentos que atestam baixa mobilidade, com explotação de recursos altamente localizados, aí

incluídos vegetais, que chegam a 10.000 anos de antiguidade. Na costa sul, Quebrada Jaguay apresenta

datações entre 11.000 anos e 10.000 anos. Na costa sudoeste do Equador, sítios do complexo Las

Vegas foram datados entre 11.200 e 9.000 anos antes do presente (Dillehay 2.000). Vários desses

sítios sulamericanos contêm evidências que mostram um excelente controle do ambiente costeiro,

atestando que não se trata de grupos recém-chegados ao litoral, mas de populações há muito

familiarizadas com ambientes litorâneos.

Contudo, um fato é indiscutível: os dados só são inquestionáveis depois de 12.000 anos e, até o

momento, apenas os caçadores Clóvis são absolutamente consensuais. Para os mais céticos, carvões

podem ser produzidos tanto pelo homem quanto pela natureza e algumas datações radiocarbônicas

vêm criando falsas esperanças, já que o contexto é que é rigorosamente determinante para a

confirmação da presença humana. Para grande parte da comunidade científica internacional,

anteriormente a esse marco de 12.000 anos, ora as datas são inconsistentes, ora a presença humana é

duvidosa. Há ainda os casos em que as datações são boas e a presença humana é inquestionável,

porém as associações entre ambas não se sustentam.

Como muitos equivocadamente supõem, não é o número crescente de casos duvidosos que

fortalece a possibilidade da existência de uma ocupação pré-Clóvis. Um sítio, apenas um único sítio,

de todo inquestionável, já seria suficiente para a sua comprovação, mas essa conjunção de bons

artefatos e boas datas, unanimemente aceita por todos, ainda não foi encontrada.

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Em que medida essa evidência negativa é uma constatação efetiva da inexistência de sítios pré-

Clóvis ou estamos diante de um modelo que precisa ser revisto? Se já havia o clamor dos segmentos

menos conservadores por novos paradigmas, outras evidências que vêm surgindo, como a constatação

da presença de morfologias não-mongolóides nas Américas, com antiguidade considerável, estão

amplificando as suas vozes.

Dentre essas evidências, observadas em diferentes pontos da América do Norte e América do

Sul, destaca-se no Brasil o crânio feminino de Lagoa Santa. Descoberto em escavações feitas por A. L.

Emperaire na Lapa Vermelha IV, em 1974/1975, e desde então sob a guarda do Museu Nacional /

UFRJ, esse crânio apresenta características negróides, muito semelhantes às de populações

australianas e africanas atuais, identificadas a partir de análises de morfologia comparada feitas por W.

A. Neves e J. Powell, em 1997 (Neves, Powell & Ozolins 1999). Segundo Neves, a sua inserção

cronológica em torno de 11.000 anos evidencia uma migração não-mongolóide para a América, ao

final do Pleistoceno, também através do Estreito de Bering, antecedendo as levas mongolóides,

ancestrais das populações indígenas americanas. A morfologia desse crânio confirma resultados

obtidos no início da década de 1990 por Neves & Pucciareli (1991), através da análise de outros

crânios paleoíndios da América do Sul. Todas essas evidências estão mostrando que o processo de

colonização inicial do continente americano deve ter sido muito mais complexo do que se supunha,

com a participação provável de diferentes grupos, de diferentes proveniências e em diferentes

momentos.

Esses resultados não cabem no modelo das três migrações, proposto por Turner, de tal forma

que Neves vem defendendo o modelo substituto das quatro migrações, que incorpora essa leva não-

mongolóide, a qual teria penetrado em território americano pouco antes das populações mongolóides.

Para Neves, uma população originária da África teria alcançado o sudeste asiático, parte dela teria se

deslocado para a Austrália, correspondendo aos aborígenes australianos, e outra leva teria subido em

direção ao nordeste e atravessado Beríngia, constituindo a primeira leva de povoamento da América.

A introdução de um modelo pré-Clóvis implicaria, para os segmentos não-conservadores, o

abandono das linhas mestras da explanação tradicional e teria que contemplar, necessariamente, um

cenário de colonização parcial com baixíssima densidade demográfica, estratégias de sobrevivência

distintas, sem caça especializada, e registro material consideravelmente diferenciado do que vem

sendo procurado e exigido.

Isto significa a procura de sítios de baixa visibilidade, resultantes de ocupações de pequenos

grupos em habitats variados, o que torna difícil o seu reconhecimento, pelo fato de as indústrias líticas

serem provavelmente não-especializadas e bastante rudimentares. Não devem ser esperadas formas

padronizadas, diagnósticas; muito menos pontas de projétil, tecnologia de produção de lâminas ou

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preparação de núcleos. Pelo fato, portanto, de seus traços não serem tão visíveis nem imediatamente

reconhecíveis, teriam que ser geradas outras estratégias de pesquisa na busca desses possíveis sítios

pleistocênicos.

Podem ter ocorrido migrações esporádicas de pequenos grupos, algumas bem sucedidas, outras

não. Essas populações podem ter desaparecido ou ficado restritas a algumas poucas áreas isoladas,

antes de os caçadores Clóvis chegarem, ou mesmo enquanto eles ocupavam as pradarias centrais dos

Estados Unidos, razão pela qual seus vestígios estariam tão rarefeitos, inviabilizando registros

arqueológicos contínuos até as bem documentadas ocupações holocênicas.

A corrente ortodoxa, no entanto, não aceita situações ambíguas. Exige restos esqueletais ou

artefatos inquestionáveis recuperados em depósitos não-perturbados, de tal forma que as relações entre

eles e a estratigrafia possa ser claramente demonstrada; estruturas feitas indubitavelmente pela mão do

homem; evidências de uso controlado do fogo; datações confiáveis e consistentes; contextos

inequívocos; depósitos não perturbados e preferencialmente selados, sem distúrbios pós-deposicionais,

e um padrão recorrente de sítios, partilhando uma cultura material similar, dando pouco crédito – ou

nenhum - a ocorrências isoladas (Toth 1991).

Mesmo assim, em 1926, ao tempo em que o ceticismo e o rigor de Ales Hrdlicka dominavam

os meios acadêmicos com a mesma exigência de bons artefatos e bons contextos; que se considerava

inadmissível uma cronologia maior que 5.000 / 6.000 anos para a presença humana na América; que se

rotulava com uma pecha de anti-cientificismo toda e qualquer tentativa de se atribuir maior

profundidade temporal a esse fenômeno - uma perspectiva que deitou raízes muito profundas,

impregnando as mentalidades acadêmicas e criando fortes resistências à atribuição de uma maior

antiguidade para a presença humana na América - bastou um único achado para convencer todo o

mundo científico de que o homem e os grandes mamíferos haviam convivido em tempos

pleistocênicos: a descoberta inesperada, em um sítio paleontológico na localidade de Folsom, no Novo

México, de uma ponta de projétil com uma canelura central, fincada profundamente entre as costelas

de um bisonte extinto. Este contexto inequívoco revolucionou a arqueologia americana, décadas antes

que fosse desenvolvido o método de datação pelo Carbono 14. Da mesma forma, nos tempos atuais,

um único sítio poderia convencer definitivamente o mais cético dos pesquisadores, como Folsom

acabou vencendo Hrdlicka.

A reorientação teórica

De todo modo, esse quadro de controvérsias que não se resolve e nem será resolvido tão cedo,

já começa a dar sinais de esgotamento. A ênfase excessiva nos aspectos cronológicos está

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empobrecendo de tal forma o estudo do fenômeno, que a sensação de fastio é inevitável. Essa etapa

precisa ser rapidamente ultrapassada e uma das maneiras possíveis de se expandir esses limites tão

estreitos é reorientar teoricamente a questão. A construção de novos paradigmas pode retirar os

antolhos que estão direcionando fortemente essas investigações para a cronologia e expandir

extraordinariamente o campo de possibilidades. Diferentes estratégias de colonização, por exemplo,

geram diferentes marcadores arqueológicos (ver Beaton 1991), e esse filão está começando a ser

explorado. Também começa a ser investigado o papel da exploração de vegetais entre as populações

pioneiras na transição do Pleistoceno para o Holoceno, atenuando a primazia dada à caça de grandes

animais no modelo Clóvis (Dillehay & Rossen 2002).

Migrações, um tema caro à perspectiva histórico-cultural e que se tornou indesejável na

arqueologia da segunda metade deste século, como bem assinalaram Whitley & Dorn (1993), foi

resgatado por Anthony, em trabalho fecundo de 1990. Aí foi demonstrado que este é um aspecto

estruturado do comportamento humano, que tende a se desenvolver segundo formas previsíveis. A

análise dos fatores negativos que empurram populações de seus lugares de origem e dos fatores

positivos que as atraem para novos ambientes, bem como da estrutura dos movimentos migratórios

(migração em ondas, em saltos, em forma de rio, refluxos, etc.), pode redirecionar a questão do

povoamento da América para discussões teoricamente mais consistentes e profícuas.

Um primeiro passo nessa direção foi dado por Anderson & Gillam (2000). Em artigo onde

apontam as vias mais favoráveis à penetração humana inicial no continente, discutem, com base no

Sistema de Informação Geográfica (GIS), as rotas migratórias de menor esforço para os primeiros

colonizadores, assumindo que eles optaram sempre pelos caminhos menos extenuantes, como faixas

costeiras, planícies e redes hidrográficas, evitando cadeias montanhosas e geleiras.

Movimentos de colonização lineares no sentido norte/sul teriam sido mais fáceis,

acompanhando as principais regiões fisiográficas e ecológicas das Américas, como ao longo da faixa

costeira ou das planícies, mas também mais rápida, sobretudo em ambientes aquáticos, quer

marítimos, quer fluviais, facilitados pelo uso de embarcações. Evidências existentes em outras regiões

do mundo, como a Austrália, demonstram que a espécie humana dispôs de embarcações e de

habilidade para navegar em águas oceânicas próximas à costa em períodos muito anteriores ao limite

do Pleistoceno com o Holoceno. Em contrapartida, avanços através de diferentes zonas ambientais ou

de rotas de maior esforço teriam sido bem mais lentos.

A tendência atual é a de substituir o velho modelo unidirecional por uma perspectiva

multidirecional, admitindo que múltiplas migrações podem ter ocorrido, inclusive ao mesmo tempo. A

dispersão dos primeiros povoadores teria sido favorecida ao longo da costa, no sentido norte/sul, e daí

para o interior, no sentido oeste/leste, em diferentes pontos do continente e em diferentes direções,

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19

sem necessariamente excluir uma penetração posterior pelo corredor livre de gelos, uma vez este

desimpedido, e a conseqüente ocupação das pradarias centrais pelos caçadores Clóvis.

Esta hipótese da descida pela costa do Pacífico vem ganhando um número cada vez maior de

adeptos, à medida que se constata que o chamado modelo Clóvis First não se sustenta mais, diante das

evidências que vêm surgindo na Amérida do Sul. Ele perdeu consideravelmente seu vigor explanatório

e, quando um modelo não funciona mais, outro deve substituí-lo. Admite-se que os caçadores Clóvis

possam ter sido precursores em algumas áreas, mas não os pioneiros do continente, de tal forma que a

dispersão dos primeiros imigrantes pela costa noroeste fica sendo a mais plausível neste momento.

Em 2001, Dixon propôs uma colonização inicial costeira pela margem sul de Beríngia, em

torno de 13.500 anos atrás, fundado nos dados recentes que indicam que a costa oeste da América do

Norte estaria livre de gelos a essa época, enquanto o corredor estaria bloqueado pelas grandes geleiras

continentais, só derretidas em torno de 11.000 anos. Em contrapartida ao corredor interiorano, uma

zona ecológica contínua ao longo de todo o litoral Pacífico das Américas, configurando um efetivo

corredor litorâneo, teria propiciado uma avenida ambiental para a colonização do continente. Esse

ecotono, zona de transição entre o bioma terrestre e o marinho, farto em recursos alimentares, sem

dúvida teria propiciado condições vantajosas para a subsistência e sobrevivência dessas populações.

Se, como já foi assinalado, as transgressões marinhas eliminaram possíveis evidências dessa descida

pela costa, elas podem ser procuradas e encontradas em áreas imediatamente adjacentes, como foi o

caso de Monte Verde, situado na drenagem de um rio que dista apenas alguns poucos quilômetros do

litoral Pacífico.

Por outro lado, no que diz respeito à cultura material, mais que classificações de base

morfológica do equipamento dos primeiros imigrantes, como tem sido feito na maioria dos casos, deve

ser analisado o repertório de regras que está subjacente ao repertório de formas, a gramática de

produção desses artefatos, na medida em que formas semelhantes podem ter sido produzidas por

culturas distintas e formas distintas podem ter sido produzidas por uma mesma cultura.

Se esses primeiros imigrantes adaptaram seu equipamento para desempenho de diferentes

funções em diferentes locais, isto resultaria em ferramentas morfologicamente distintas sugerindo

grupos distintos, quando na verdade se trata de um mesmo grupo. Se eles modificaram seu

equipamento para se ajustar a condições ecológicas em mudança ou a diferentes ambientes – e eles

com certeza fizeram isso – as classificações baseadas na forma, apenas, jamais nos permitirão rastrear

essas populações. A variabilidade só pode ser acessada através da tecnologia de produção e enquanto

não se atenuar a ênfase na morfologia não se poderá avançar nesse terreno (Young et al. 1994).

A arqueologia sul-americana tem conseguido nos últimos anos fazer alguns avanços

significativos, para além do estudo de sítios isolados e das análises de base morfológica. No Cone Sul,

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20

a Argentina vem se destacando por um forte investimento nos caçadores-coletores do limite do

Pleistoceno com o Holoceno e inquestionavelmente lidera as pesquisas sobre o assunto neste momento

no nosso continente (Miotti & Salemme 2001; Miotti et al. 2003). Vários arqueólogos, com conjuntos

de sítios já bem investigados, particularmente na cadeia Tandilia, nos pampas argentinos, e no planalto

central, Província de Santa Cruz, Patagônia, vêm trabalhando a partir de perspectivas regionais,

construindo hipóteses sobre uso do espaço e investigando relações entre sítios; reconhecendo

funcionalidade e desempenho de atividades específicas, em busca de sistemas de assentamento;

mensurando o grau de mobilidade desses caçadores-coletores; avaliando a extensão do seu território

de explotação; relendo supostas diversidades artefatuais à luz da tecnologia dos sistemas de redução

utilizados, entre outros aspectos.

No Brasil, reavaliando as evidências de Serranópolis, no planalto central, Schmitz (2002) vem

trabalhando em algumas dessas direções, contemplando da mesma forma relações entre sítios e

identificando sistemas de assentamento que sinalizam uma ocupação estável e duradoura entre 11.000

e 8.500 anos antes do presente.

Da Colômbia, no outro extremo do continente, vêm sendo emitidos sinais de um processo lento

de colonização, ao invés de uma colonização rápida, dirigida. Lá, caçadores-coletores parecem ter

transformado substancialmente a paisagem, abrindo clareiras na floresta tropical e criando espaços

abertos nas áreas adjacentes aos sítios, como atesta a presença de pólen de vegetação secundária em

níveis datados de 10.000 anos, um indicador também de mobilidade restrita (Gnecco & Mora 1997).

No entanto, contraditoriamente, no sul da Patagônia as evidências sugerem uma colonização rápida. É

lá que vêm sendo obtidas as datas mais antigas. Na extremidade meridional do Chile há um conjunto

de cinco sítios (Fell, Palli Aike, Cueva del Medio, Lago Sofia) com uma cronologia bem marcada,

apresentando três datas entre 12.390 e 11.570 anos antes do presente, e 31 datas entre 11.000 e 10.000.

Somam-se a elas as datações igualmente consistentes que vêm sendo obtidas na Argentina, totalizando

um conjunto considerável de sítios com datas seguras, entre 11.000 e 10.000, que mostram que a essa

altura o extremo sul do continente estava efetivamente colonizado, embora existam datas

potencialmente ainda mais antigas. Junto com Monte Verde, no Chile, elas dão forte sustentação à

hipótese de uma rápida descida pelo corredor litorâneo do Pacífico. Ou seja, o processo de

colonização inicial sem dúvida alguma foi muito mais complexo do que se supõe, podem ter ocorrido

migrações simultâneas, por diferentes vias, resultando em processos distintos, em que respostas

variadas parecem ter sido dadas aos desafios encontrados.

Uma coisa no entanto é certa: os resultados que vêm sendo obtidos na América do Sul – aí

incluído o Brasil - não se coadunam com o estereótipo dos paleoíndios norte-americanos, com sua

ênfase na caça aos grandes mamíferos pleistocênicos e na grande mobilidade dos seus caçadores-

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coletores especializados. Ao invés disso, vem sendo constatada uma mobilidade restrita, sendo mais

adequado se falar de territorialidade do que de mobilidade propriamente. Em lugar de especialistas, os

caçadores-coletores sul-americanos foram basicamente generalistas, capturando um amplo espectro da

fauna de médio e pequeno porte e explorando intensamente recursos vegetais (ver Dillehay & Rossen

2002), como vêm enfaticamente sinalizando amostras de diferentes pontos das Américas. do Norte e

do Sul.

No momento atual, portanto, um vasto campo de possibilidades a serem exploradas está se

abrindo e muito provavelmente a arqueologia americana começará a se mover em direção a elas nos

próximos anos. Uma nova modelagem teórica começa claramente a se esboçar, o que permitirá

transcender as limitações atuais que estão reduzindo esse tema fascinante a uma empobrecedora e

obsessiva disputa pelas datas mais antigas. Espera-se que com ela se possa finalmente investigar, em

toda a sua complexidade e plenitude, aquele que foi o último capítulo da dispersão da espécie humana

pelo planeta.

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