POÉTICAS E MATERIALIDADES NA PITURA DE CARLOS VERGARA...
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POÉTICAS E MATERIALIDADES NA PITURA DE CARLOS VERGARA – PESQUISA NO ATELIÊ DO ARTISTA
POETICS AND MATERIALITIES IN THE CARLOS VERGARA’S PAINTING - RESEARCH AT THE ARTIST'S STUDIO
Marilene Corrêa Maia / UFRJ RESUMO Este artigo apresenta o resultados preliminares de uma série de investigações e pesquisas em curso no ateliê do artista Carlos Vergara1. A partir das primeiras análises das obras ali expostas e acondicionadas, de conversas constantes com o artista e da investigação dos materiais por ele empregados, nos dedicamos inicialmente ao exercício de compreensão de suas pinturas por meio da materialidade. Trata-se de uma explanação e análise da construção, de uma pintura carregada de significados e conteúdos simbólicos, dinâmica e rica em efeitos visuais. PALAVRAS-CHAVE Ateliê de artista; Carlos Vergara; pintura; arte contemporânea; arte brasileira. ABSTRACT This article presents the preliminary results of a series of investigations and ongoing research from Carlos Vergara’s studio. From the first analyzes of the works exhibited and conditioned there, constant conversations with the artist and the investigation of the materials used by him, we dedicated ourselves initially to the exercise of understanding his paintings based on the materiality and techniques employed by the artist. It is an explanation and analysis of the construction of a painting loaded with symbolic meanings and contents, dynamic and rich in visual effects. KEYWORDS Artist’s studio; Carlos Vergara; painting; contemporar art; Brazilian art.
MAIA, Marilene Corrêa. Poéticas e materialidades na pintura de Carlos Vergara – pesquisa no ateliê do artista, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2743-2754.
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O artista Vergara
Carlos Vergara, é de uma geração de artistas engajados, sempre em consonância
com seu tempo. Seu renome começa a se forjar no cenário artístico brasileiro,
através da elaboração de objetos de arte, dito utilitários: no caso, as jóias. Na VII
Bienal Internacional de São Paulo em 1963, ele participa da mostra justamente com
um pingente para colar, um crucifixo. Elemento de simbologia forte para um gaúcho
filho de pastor anglicano (SANTOS, 2008) para o qual a significância do sagrado
termina por permear parte da produção artística, principalmente a mais recente.
Refiro-me, no caso, à série de monotipias intitulada Sudários, resultantes de viagens
a locais, em sua maioria, marcados pelo vivido humano em torno do sagrado. Dentre
eles, as Missões Jesuíticas e Salvador no Brasil, ou ainda a Capadócia e Pompéia,
para citar apenas alguns lugares.
A carreira do artista começou a se forjar nos anos 60. Carlos Vergara fora aluno de
Iberê Camargo, tendo sido convidado para ser seu auxiliar de ateliê. No Entanto,
logo ganha autonomia e integra-se ao meio artístico do Rio de Janeiro. Esse período
inicial é marcado principalmente, do ponto de vista do contexto político, pelo impacto
do Golpe Militar de 1964, que terá influência direta em suas primeiras produções.
Com alguns de seus contemporâneos, ele participa da exposição Opinião 65,
organizada pelo marchand Jean Boghici, no Museu de Arte Moderna – MAM. Essa
exposição, em torno das novas linguagens figurativas, reuniu artistas brasileiros e
estrangeiros sendo considerada um marco na história da arte contemporânea
nacional. No ano seguinte, na versão Opinião 66, o movimento se afirma como
vanguarda, se denominando, nas palavras de Hélio Oiticica (2006), Nova
Objetividade Brasileira. Subsequentemente, ainda no MAM, Carlos Vergara, Hélio
Oiticica, Lygia Pape, Lygia Clark, Raymundo Colares, Waldemar Cordeiro, Nelson
Leiner, Antônio Dias, Carlos Zílio, Rubens Gerchman e Geraldo de Barros integram
a mostra Nova Objetividade Brasileira, em abril de 1967. João Vergara dos Santos
(2008, p. 37), citando Helio Oiticica, assinala que, para os brasileiros, revolução
estética e revolução política caminhavam juntas.
MAIA, Marilene Corrêa. Poéticas e materialidades na pintura de Carlos Vergara – pesquisa no ateliê do artista, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2743-2754.
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O artista segue sua trajetória ampliando e diversificando as perspectivas de atuação.
Vergara realizou cenários para teatro, fez projetos gráficos para capas de discos,
projetos integrados ao design de interiores. Entretanto, deve-se ressaltar a sua
envergadura, para a ocupação do espaço. Carlos Vergara estende a expressão
artística para além dos limites exíguos do ateliê, através da realização de
instalações e de esculturas monumentais, seja em galerias ou em áreas externas.
São exemplos em 1966, a obra Embalagem, realizada em cartão de papel kraft,
constituindo-se de caixas empilhadas e volumes tridimensionais a partir da silhueta
humana. Da mesma forma, em 1968 outro bom exemplo, é a exposição na Petite
Galerie no Rio de Janeiro das obras: Módulo Escultórico, Mesão e Empilhamento
(SCOVINO, 2013). Por outro lado, em sinergia com a paisagem, podemos destacar
as esculturas de grandes dimensões, Natureza Inventada, realizadas em aço
cortem, ou a instalação Liberdade, concebida a partir dos registros fotográficos da
demolição do Complexo Penitenciário Frei Caneca, feitos pelo artista em 2011.
Nesse local foram detidos, durante o Estado Novo, o escritor Graciliano Ramos, e o
ator Mario Lago, e presos políticos durante o período da ditadura militar pós Golpe
de 1964.
Vergara continua atuante no meio artístico e seu trabalho passa por inovações e
recriações em permanência. No ateliê, e fora dele, passado e presente alimentam a
produção do artista.
Materialidades e poéticas
A criatividade de Carlos Vergara, não tem limites, no que diz respeito à apropriação
dos mais variados materiais para dar vazão à sua criatividade. Contudo, o conceito
não se desvincula de sua criação, muito pelo contrário. Vergara é um artista dos
sentidos e dos significados. A apropriação e manipulação de materiais dos mais
tradicionais aos mais inusitados, associadas ao desenvolvimento de técnicas
específicas, é justamente tributária da ideia, em Carlos Vergara. Há exemplos a
serem ressaltados, desde os seus primeiros trabalhos de maior projeção.
MAIA, Marilene Corrêa. Poéticas e materialidades na pintura de Carlos Vergara – pesquisa no ateliê do artista, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2743-2754.
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Efetivamente, suas primeiras obras, são óleo sobre tela, talvez até mesmo por
serem mais vinculadas à sua convivência com Iberê Camargo. No entanto, já em
meados dos anos 60, o artista utiliza o papelão corrugado em projetos de
instalações. Tanto a textura, quanto a cor e a resistência física do kraft serão fonte
de inspiração e suporte para a concepção de esculturas, instalações e pinturas. Nas
palavras do artista:
Três folhas de papel craft , duas lisas e uma ondulada, produzem
papelão corrugado. Quase madeira. Com esse material trabalho a
vida inteira, como base, como fundo, como protagonista, como
embalagem. Esses últimos objetos que estou fazendo vêm daí. Três
planos, dois encaixes está de pé uma imagem criando um lugar.
Imagens, no dizer de Manuel de Barros, são palavras que nos
faltaram. (SCOVINO, 2013, p. 6)
É justamente sob papel Kraft que, anos depois, Vergara cria a sua Série Carnaval,
em meados dos anos 70. Parte delas tendo sido exposta na Bienal de Veneza de
1979.
Ainda em fins dos anos 60, Vergara se apropria das moldagens em poliestireno,
usando sobre esse material, o grafite, a tinta acrílica e tinta esferográfica
(VERGARA, 2010, p. 144-145). Essas obras remetem a um trabalho mais gráfico e
dialogam com a produção de serigrafias do mesmo período. Nelas, a volumetria
proposta por um baixo-relevo de formas onduladas, conduzem à percepção de uma
pintura em movimento.
O acrílico e o aço cortem, são também utilizados pelo artista na elaboração de
esculturas, a exemplo da série Natureza Inventada. Ainda devemos ressaltar as
obras mais gráficas – desenhos a nanquim, guache, e têmpera vinílica sobre papel.
A fotografia também está sempre presente no conjunto da obra de Carlos Vergara.
As mais antigas, principalmente, explorando recursos de montagens no laboratório.
Elas serviram, por vezes, de base para a realização de pinturas ou, mais
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recentemente, para a produção montagens de imagens 3D, com o uso da fotografia
por meio de digital.
Merecem ser finalmente destacadas, as monotipias com o uso de lenços brancos
de algodão como suporte. Fáceis de transportar em suas viagens, Vergara os utiliza,
embebidos em adesivo PVA, a chamada cola branca. Neles, são gravadas marcas
de lugares escolhidos, a partir de sua percepção e olhar sensível acerca da carga
simbólica de seus roteiros de viagens. Dessas monotipias, derivam, não raramente,
outras produções, dentre elas, uma série de pinturas.
Pintura – entre bi e tridimensionalidade
O conjunto da obra de Carlos Vergara, no que diz respeito à ocupação do espaço,
perpassa em permanência a bi e a tridimensionalidade. Ambas as possibilidades,
individualmente ou associadas, são exploradas pelo artista, ao longo de toda a sua
carreira e nas suas distintas formas de expressão. Seja nas pinturas, nas serigrafias
ou fotografias, Vergara amplia a superfície pela interposição de planos criando
volumetria e dinamismo. A pintura abaixo apresentada (Figuras 1 e 2), datando dos
anos 60, pode ser um bom exemplo.
Figura 1 : Sem Título, 1966 – Óleo sobre tela – 32 x 32 cm – Coleção do artista – Rio de Janeiro fonte : (DUARTE, 2011)
MAIA, Marilene Corrêa. Poéticas e materialidades na pintura de Carlos Vergara – pesquisa no ateliê do artista, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2743-2754.
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Figura 2 : Sem Título, 1966 – Óleo sobre tela – 32 x 32 cm – Coleção do artista – Rio de Janeiro fonte : (DUARTE, 2011)
Na parte superior, ao fundo, através de linhas sinuosas e massa pictórica, está
delineada uma figura disforme; parte de um rosto no qual se destacam olhos e nariz,
marcados por grande expressividade. Isso é ressaltado pelo uso de cores
contrastantes justapostas: o vermelho, o verde, o amarelo, o azul.
A essa mesma figura, sobrepõe-se uma forma geométrica vazada, configurada por
linhas brancas. Há um jogo dinâmico de figura e fundo, um efeito óptico que leva o
espectador a entrar e sair da obra incessantemente. Logo abaixo desse conjunto,
uma boca entreaberta, com os dentes aparentes, tão somente desenhada, se
sobressai ao fundo branco. A partir de seu interior escorre tinta vermelha tela abaixo,
por sobre uma composição geométrica na parte inferior. Da mesma forma, pelo lado
direito, escorre da altura da boca, uma massa de tinta em cores com predominância
de tons vermelhos e traços de verde que fluem extrapolando os limites da tela. A
tinta vermelha também escorre do olho esquerdo e do nariz do rosto delineado mais
acima. Bem contextualizada, a obra de pequenas dimensões é forte e pulsante,
fazendo alusão às torturas as quais eram submetidos aqueles que se opunham e se
manifestavam contra o regime autoritário imposto pelo Golpe de 1964. Segundo
Paulo Sérgio Duarte:
MAIA, Marilene Corrêa. Poéticas e materialidades na pintura de Carlos Vergara – pesquisa no ateliê do artista, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2743-2754.
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A nova pintura movimentada de Carlos Vergara, que se expande e
se dilata no espaço, e multiplica diversas superfícies no seu interior,
teve sua primeira manifestação numa experiência neoexpressionista,
compacta nas dimensões físicas, mas igualmente turbulenta. (2011,
p.51)
Esse mesmo dinamismo está presente na pintura intitulada Cuidado (figura 3 e 4),
datada de 1965. Desenho e pintura fundem-se e contrapõem-se nesta composição
figurativa. Não há massa pictórica, as pinceladas se desenvolvem em contornos
aquarelados. Nesse verdadeiro trompe l'oeil, as linhas sobrepostas conformam
silhuetas de figuras humanas em perfil, enfileiradas e voltadas para a mesma
direção. A delicadeza das formas sobrepõe-se ao fundo branco e ao delicado
preenchimento das silhuetas em aguadas sutis de verde, amarelo e laranja. Os
contornos ressaltados em cor ao mesmo tempo em que projetam as figuras para
fora da pintura, conduzem o olhar do espectador para o seu interior.
Figura 3 – Cuidado, 1965 – Óleo sobre tela – 118 x 149 cm – Coleção do artista - fonte : (DUARTE, 2011)
MAIA, Marilene Corrêa. Poéticas e materialidades na pintura de Carlos Vergara – pesquisa no ateliê do artista, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2743-2754.
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Figura 4 – Cuidado, 1965 – Óleo sobre tela – 118 x 149 cm – Coleção do artista – detalhe – fonte :
(DUARTE, 2011)
Não são diferentes, as pinturas datadas dos anos 80 e integrantes da série Grades,
marcadas pela explosão da cor e pela geometria (figuras 5 e 6). Estas, são
inspiradas nas fotografias relacionadas com o carnaval. Grades, segundo Vergara,
“... são uma alusão às grades que separam o público do desfile, no Carnaval do Rio
de Janeiro. Eu fotografava o público a partir das grades e o desfile a partir das
grades.” Segundo o artista, esta era uma escolha estética na tomada de imagem em
suas fotografias. Era através das grades que o artista capturava formas e cenas.
São pinturas de grandes dimensões elaboradas com tinta acrílica, e tinta vinílica
aplicadas diretamente sobre lona não preparada. A tinta é impregnada à tela, que
constitui-se em fundo, em base para receber a matéria pictórica. O uso de recursos
de superposição de camadas de cores distintas produz um efeito óptico subtil. O
movimento, nesse caso, é proposto pelas linhas diagonais de losangos, preenchidos
por pinceladas vigorosas e coloridas, em contrastes de toda ordem: justaposição de
MAIA, Marilene Corrêa. Poéticas e materialidades na pintura de Carlos Vergara – pesquisa no ateliê do artista, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2743-2754.
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nuances claras e escuras de uma mesma cor, por vezes através da oposição de
cores quentes e frias, outras pelo uso de contrastes simultâneos.
Figura 5 – Sem Titulo, anos 80 – Série Grades – Acrílica e Vinil sobre lona crua – 100 x 145 cm - Coleção particular – Rio de Janeiro – fonte : (DUARTE, 2011)
Figura 6 – Sem Titulo, anos 80 – Série Grades – Acrilica e Vinil sobre lona crua – 100 x 145 cm - Coleçao particular – Rio de Janeiro – fonte : (DUARTE, 2011)
Ao mesmo tempo, as pinceladas desse vasto espaço pictórico, são ágeis, em
movimentos rápidos. Podemos sentir, perceber, apreender enfim, os movimentos, os
gestos, das mãos e até mesmo a movimentação do corpo do artista atacando a lona,
em cor sobre cor, de pinceladas vastas. O observador ali, é convidado a penetrar a
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cor, a seguir os movimentos de vai e vem das marcas do pincel, impregnando a tela
de cor, de tinta.
Voltando aos anos 70, nessa mesma perspectiva de construção de imagens
dinâmicas, podemos destacar a série Carnaval (figura 7). No caso, o suporte não é a
lona, mas o papel kraft. A proposta do artista é ousada, pois o próprio suporte
integra a construção da imagem pictórica. Mais que fundo, o kraft é elemento
fundamental na composição, sendo projetado aos olhos do expectador através do
contraste com as pinceladas aplicadas pelo artista. É o caso do branco diáfano, do
amarelo opaco, do vermelho bem pontuado.
Figura 7 – Sem Titulo, 1970 – Série Carnaval – Grafite, guache e aquarela sobre papel kraft – 88,5 x 96,5 cm – Coleção do artista, Rio de Janeiro - fonte : (DUARTE, 2011)
O ocre do papel é também o tom de pele das figuras presentes na pintura como
espécie de fotografias sobrepostas em transparências, de maneira a acentuar o
efeito óptico, de imagens que extrapolam o espaço restrito dos limites
bidimensionais da pintura. Essa movimentação incessante que atrai o expectador
para dentro da pintura está igualmente presente na pintura Painel Veneza, que foi
exposta na 39o Bienal de Veneza (figura 8).
MAIA, Marilene Corrêa. Poéticas e materialidades na pintura de Carlos Vergara – pesquisa no ateliê do artista, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2743-2754.
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Figura 8 – Painel Veneza, 1979 - Grafite, guache e aquarela sobre papel kraft – 210 x 2000 cm - Coleção do artista, Rio de Janeiro - fonte : (DUARTE, 2011)
Um outro exemplo pertinente no que concerne á riqueza de efeitos ópticos, é uma
das pinturas da série São Miguel (figura 9). Trata-se da plotagem sobre lona, de uma
imagem fotográfica feita de baixo para cima, de parte da arquitetura das ruinas de
São Miguel em São Miguel das Missões – Rio Grande do Sul. Por sobre a imagem
da ruína, escorre de cima para baixo, um azul intenso, mas distribuído em aguadas
superpostas. Ao observarmos esta pintura de grandes dimensões, em efeito tromp
l’oeil, temos a sensação de que o céu cai e desaba levemente sobre as ruinas e
sobre nós, expectadores.
Figura 9 – São Miguel, 2006 – Plotagem e pintura sobre lona crua – 190 x 214 cm – Coleção do artista - fonte : (DUARTE, 2011)
MAIA, Marilene Corrêa. Poéticas e materialidades na pintura de Carlos Vergara – pesquisa no ateliê do artista, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2743-2754.
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Carlos Vergara articula, assim, a construção de uma pintura viva, dinâmica. Uma
pintura de ação, rica em efeitos e significados, carregada de conteúdo, ou mais
propriamente de conceitos.
Considerações Finais
Este texto resulta da percepção e das análises feitas nos primeiros meses de
pesquisa junto à equipe e ao acervo do ateliê do artista Carlos Vergara. Nosso olhar
se deteve em particular às pinturas, tendo como ponto de partida o estudo das
técnicas empregadas pelo artista enfatizando a materialidade como recurso
fundamental da poética.
Notas _____________________ 1 Agradecimentos à Carlos Vergara e à João Vergara por autorizarem e viabilizarem a realização desses estudos nos espaços do ateliê do artista.
Referências
DUARTE, Paulo Sergio (Org.). Carlos Vergara: pinturas. Rio de Janeiro: Automatica, 2011.
OITICICA, Hélio. “Situação da vanguarda no Brasil (Propostas 66)” em Critica de Arte no Brasil:Temática Contemporânea, in. Glória Ferreira (org). Rio de Janeiro: Funarte. 2006.
OPINIÃO 65. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento81812/opiniao-65-1965-rio-de-janeiro-rj>. Acesso em: 06 de Jun. 2019. Verbete da Enciclopédia.
SANTOS, João Vergara dos. Sobre a formação e o acesso a acervos de arte contemporânea: o caso do Ateliê Carlos Vergara. Dissertação (Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais) - FGV - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2008.
SCOVINO, Felipe, VERGARA, Carlos . Carlos Vergara. 1. ed. Rio de Janeiro: Automática, 2013. v. 1. 116p .
VERGARA, Carlos . Carlos Vergara: a dimensão gráfica: uma outra energia silenciosa. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2010, 198 p.
Marilene Corrêa Maia
Professora Associada do Departamento de Arte de Preservação da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professora do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais e membro do CECOR (1997-2016). Possui experiência na área de Artes, realizando pesquisas sobre: materiais e técnicas antigas e contemporâneas de pinturas, conservação-restauração de pinturas, gestão de coleções. Contato: [email protected]