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DECLARAÇÃO DE HELSINQUE 2008 – COMO ENFRENTAR AS MUDANÇAS:
uma visão crítica Latino- Americana
VOLNEI GARRAFA – Coordenador da Cátedra UNESCO de Bioética e
do Programa de Mestrado e Doutorado em Bioética da
Universidade de Brasília; Presidente da Rede Latino-Americana e
do Caribe de Bioética da UNESCO - REDBIOÉTICA
www.bioetica.catedraunesco.unb.br [email protected]
INTRODUÇÃO
PESQUISA CLÍNICA – Atividade amadora no Século XVIII;
atividade universitária no Século XIX, e, finalmente, uma atividade
industrial no Século XX.
HOJE – Clara supremacia do financiamento privado comparativamente às
inversões públicas com relação às pesquisas clínicas.
ANOS RECENTES – Ensaios clínicos randomizados multicêntricos
internacionais se converteram no modelo por excelência nas pesquisas com
novos medicamentos.
BRASIL 2008 – Aproximadamente 250 mil pessoas participam como
sujeitos em pesquisas deste tipo.
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PESQUISA CLÍNICA E GLOBALIZAÇÃO
- O poder do mercado no campo dos medicamentos e das pesquisas
clínicas é uma realidade indiscutível.
• Existem aproximadamente 80 mil representantes das indústrias
farmacêuticas nos EUA. Na Alemanha são 17 mil representantes de
laboratórios para 130 mil médicos, o que proporciona uma relação
de 7.64 médicos para cada representante. Relação semelhante é
encontrada na Inglaterra, França e EUA.
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CAPACIDADE DE PESQUISAS DE UM PAÍS NO CAMPO
BIOMÉDICO SIGNIFICA:
a) capacidade de definir prioridades de pesquisa de acordo com os
principais problemas de saúde de suas populações;
b) independência financeira para investimento em pesquisas
prioritárias;
c) aptidão para avaliar e supervisionar o estatuto ético das pesquisas
realizadas em seu próprio território.
* A internacionalização das pesquisas pode ser benéfica para os
países pobres e em desenvolvimento caso se consiga somar aos objetivos
lucrativos das instituições financiadoras, programas de desenvolvimento
sustentável da capacidade de investigação dos países-sede onde essas pesquisas
estão sendo desenvolvidas.
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Isso é possível, por meio de acordos bilaterais firmados entre as
instituições financiadoras e os países-sede, tendo em vista dois objetivos:
a) que a pesquisa busque métodos terapêuticos, preventivos ou
diagnósticos relacionados com a resolução de problemas de saúde prioritários
para as populações dos países participantes;
b) que a realização da pesquisa permita a transferência de tecnologias
e a formação de competências em práticas avançadas de investigação que
contribuam com a independência do país na produção de conhecimentos.
Nestas condições, com toda certeza, as pesquisas podem ser chamadas
de COOPERATIVAS.
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Essa linha de raciocínio se torna indispensável na presente
discussão, por duas razões:
a) problemas relatados nos últimos anos sobre ensaios clínicos
desenvolvidos em países periféricos e que teriam prejudicado os
sujeitos com eles envolvidos;
b) as tentativas, agora exitosas por meio da Declaração de
Helsinque 2008 modificada, com alteração dos seus antigos tópicos 19,
29 e 30, com relação ao uso do placebo, conjuntamente aos cuidados
exigidos e à responsabilidade dos patrocinadores frente aos sujeitos
quando terminado o estudo.
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O CONCEITO DE VULNERABILIDADE SOCIAL
Existe um consenso com relação aos fatores determinantes
da vulnerabilidade social: falta de recursos como renda, informação,
conhecimento e tecnologias; falta de acesso a poderes públicos e
outros tipos de representação social; rede de relações sociais restrita;
diversidade de crenças e costumes entre a maioria da população;
idade avançada ; deficiências físicas.
Esta definição conduz ao contexto de fragilidade, desproteção,
debilidade, desfavorecimento (populações desfavorecidas) e, inclusive, de
desamparo ou abandono, englobando diversas formas de exclusão social
ou de isolamento de grupos populacionais àqueles avanços, descobertas ou
benefícios que já podem estar acontecendo no processo dinâmico de
desenvolvimento mundial.
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O “DOUBLE STANDARD” ÉTICO EM PESQUISAS CLÍNICAS
A expressão “double standard” referida às pesquisas clínicas
surgiu mais recentemente no contexto científico internacional a partir de
dois estudos patrocinados pelo National Institute of Health (NIH) dos EUA e
publicadas no final dos anos 1990, gerando acalorados debates: * 1997 – Ensaios clínicos em 15 países para estudar a prevenção
da transmissão vertical do HIV/Aids de mulheres grávidas para seus filhos.
1999-2000 – Projeto desenvolvido em áreas rurais de Uganda com
o objetivo de delinear fatores de risco associados à transmissão
heterossexual do HIV tipo 1 = risco de infecção pelo vírus e a relação entre
carga viral e transmissão heterossexual.
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DH - BREVE HISTÓRICO RECENTE DAS MUDANÇAS
Os debates internacionais que aconteceram após as duas
pesquisas já mencionadas e sua relação com o duplo padrão de
pesquisas utilizados em estudos com sujeitos humanos, geraram
fortes discussões na WMA - organismo responsável pela DH e suas
atualizações periódicas.
* 1997 – Tel Aviv = proposta inicial de alterações;
* 2000 – Edimburgo = pequenas mudanças;
* 2003 – Helsinque = proposta de “emendas”;
* 2004 – Tóquio = sem mudanças, somente “nota aclaratória” – EUA
imediatamente deixa de apoiar a DH.
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A 59a ASSEMBLÉIA MÉDICA MUNDIAL - SEUL / 2008
Em Outubro 2008, com a realização da 59ª. Assembléia Anual
da WMA, em Seul, Coréia, e após várias reuniões prévias
preparatórias, as mudanças aqui debatidas foram finalmente
referendadas. Além de alterações substantivas nos pontos em
conflito, a intenção de mudar a própria estrutura do documento e já
manifesta por alguns dirigentes desde Edimburgo 2000, foi
introduzida. Desse modo, os já conhecidos parágrafos 19, 29 e 30
mudaram de numeração no contexto do documento, perdendo, assim,
um pouco de sua “visibilidade”. As mudanças identificáveis e
significativas foram as seguintes:
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Parágrafo 14 – Protocolo com ajustes ou acertos pós-estudo...
Parágrafo 32 – Segunda parte: justificativa para uso do
placebo...
Parágrafo 33 – Na conclusão do estudo... acesso a
intervenções identificadas como benéficas no estudo ou outro
cuidado ou benefício apropriado...
Parágrafo 35 – o médico pode utilizar intervenção não
comprovada caso em seu julgamento ela for apropriada…
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Pela força histórica alcançada, a DH acabou se
tornando um documento técnico global, tomado como
referência moral e colocado muitas vezes acima da própria
legislação de países a partir de sua unânime aceitação mundial.
O que se teme com a decisão de Seul 2008 é que, pelas
divergências históricas relatadas, possa passar a ser
contestada, vindo a perder a autoridade moral conquistada em
todos estes mais de 40 anos em que foi referencial nas
pesquisas clínicas para pesquisadores, universidades,
laboratórios, empresas, revistas científicas e até mesmo para
países, em todo mundo.
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BRASIL: Contestou imediatamente a posição adotada pela
WMA contra o uso de placebo em pesquisas envolvendo seres
humanos, nos casos em que exista método comprovado de
prevenção, diagnóstico ou tratamento para o problema em estudo. De
acordo com a posição defendida oficialmente pelo governo brasileiro,
"os benefícios, riscos, dificuldades e efetividade de um novo método
devem ser testados comparando-os com os melhores métodos atuais"
É muito provável que países como África do Sul, Portugal e
Uruguai, que também votaram contra a nova redação, também venham
brevemente a se manifestar a respeito, além de outras nações do
Hemisfério Sul que sabidamente têm posições semelhantes.
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CÓRDOBA / Argentina - 14 Novembro 2008 - Congresso
da Rede Latino-American e do Caribe de Bioética da UNESCO
(Redbioética), do qual participaram 300 pesquisadores de 12 países da
América Latina.
* Na plenária final do evento foi aprovada por unanimidade a
Declaração de Córdoba sobre Ética nas Pesquisas com Seres
Humanos que propôs aos países, governos e organismos dedicados à
bioética e aos direitos humanos, rechaçar a 6ª. versão da DH aprovada
na Coréia pela WMA, propondo como marco de referência ética e
normativa para o assunto os princípios contidos na Declaração
Universal sobre Bioética e Direitos Humanos promulgada por
aclamação em outubro de 2005 na Conferência Geral da UNESCO.
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A Declaração de Córdoba alerta ainda que … a nova versão
da DH pode afetar gravemente a segurança, o bem-estar e os direitos
das pessoas que participam como voluntários em protocolos de
pesquisas médicas; a aceitação de padrões diferenciados de cuidados
médicos - seja por razões metodológicas, científicas ou outras - bem
como o uso liberalizado de placebos, são práticas eticamente
inaceitáveis e contrárias à idéia de dignidade humana e dos direitos
humanos e sociais; e, ainda, que o desconhecimento de obrigações
pós-investigação com relação às pessoas que voluntariamente
participaram nos estudos e às comunidades anfitriãs, vulnera a
integridade dos povos ampliando a ineqüidade social e lesando a
própria noção de justiça.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS - Necessidade de sistemas próprios e
autônomos de regulação /controle social nos países periféricos
* As pesquisas internacionais devem continuar a ser feitas.
Também é indispensável que os documentos e mecanismos criados
internacionalmente para controlar o desenvolvimento dessas
pesquisas sigam sendo executados e produzidos. No entanto, para
que o processo fique o mais transparente e justo possível, afastando
qualquer dúvida quanto a interferências externas indesejáveis e que
desconsiderem as vulnerabilidades sociais existentes, o mais
adequado é que os países pobres e em desenvolvimento criem seus
próprios sistemas autônomos de regulação, com mecanismos de
controle social transparentes, exercidos de forma democrática em
todas as instâncias.
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Normas e guias internacionais são indispensáveis para dar o
rumo a ser seguido no desenvolvimento das pesquisas clínicas em
cada lugar do mundo. Mas as peculiaridades de cada país devem -
definitivamente - ser construídas de acordo com as particularidades e
necessidades de cada um deles. Autonomia tem relação com
independência para decidir e também se relaciona com a capacidade
técnica e intelectual que as nações periféricas devem implementar de
modo cooperativo para alcançar esse nível de autonomia e
desenvolvimento - com apoio das nações mais avançadas e por
organismos internacionais - na construção de sistemas e regras éticas
de controle para suas investigações biomédicas.
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Muito obrigado !!