Parte II - Dialogando com o risco - SciELO...

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros LIEBER, RR., and ROMANO-LIEBER, NSR. O conceito de risco: Janus reinventado. In: MINAYO, MCS., and MIRANDA, AC., orgs. Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002, pp. 68-111. ISBN 978-85-7541-366-1. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Parte II - Dialogando com o risco II.1 - O conceito de risco: Janus reinventado Renato Rocha Lieber Nicolina Silvana Romano-Lieber

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros LIEBER, RR., and ROMANO-LIEBER, NSR. O conceito de risco: Janus reinventado. In: MINAYO, MCS., and MIRANDA, AC., orgs. Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002, pp. 68-111. ISBN 978-85-7541-366-1. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

Parte II - Dialogando com o risco II.1 - O conceito de risco: Janus reinventado

Renato Rocha Lieber Nicolina Silvana Romano-Lieber

Dialogandocom o Risco

PARTE II

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Já argumentou-se que o entendimento da sociedade moderna deveria ser bus-cado na cultura romana ao invés de no clássico saber grego. Não se trata

apenas dos fundamentos de importantes mecanismos de regulação social, comoo saber jurídico, mas da prática de uma forma de pensar, entender e agir quecada vez mais se configura como inquestionável, graças aos resultados imedia-tos que se alcança. O drama toma lugar da tragédia e o acaso é tratado comoexpressão de ignorância. O pragmatismo, que na antigüidade caracterizou osromanos, hoje encontra a sua continuidade na prática quase unissonante da fór-mula capitalista norte-americana. Para tanto, não faltam os subsídios intelectuaisnecessários, que vão desde o embasamento filosófico geral, como em R. Rorty,até os aspectos mais específicos ligados à linguagem e à comunicação, como emU. Habermas. A expressão do paralelo entre Janus da antiga Roma e risco, damoderna sociedade contemporânea, dita ‘pós-moderna’, não é, portanto, casual.

Janus, ausente na mitologia grega, foi o deus do começo, deus do portal oudeus da dupla face, capaz de olhar simultaneamente para a entrada e para a saída,para o interior e para o exterior, para o passado e para o futuro. Seu templo,fechado em tempos de paz e aberto em tempos de guerra, não se prestava comooráculo, mas como garantia da continuidade do tempo, das coisas e das mudanças.

Também o ‘risco’ guarda uma dupla face e mantém o seu templo abertonestes tempos de transformação. Hoje, quase todo entendimento passa pelas‘razões de risco’. Possibilidade dos acontecimentos ou eventos futuros é defini-da a partir das probabilidades de ocorrência, calculada com base nos eventos dopassado. Fortuna ou azar, decorrem de escolhas racionais, pois a modernidadedetém ‘legiões vitoriosas’, os cientistas, para combate sem trégua, e sem vitória,ao obscurantismo e à ignorância.

II.1

O Conceito de Risco:Janus reinventado

Renato Rocha Lieber &Nicolina Silvana Romano-Lieber

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Conceituar ‘risco’ é, portanto, uma tarefa ‘arriscada’, pois é um embate con-tra o mito, contra a onipotência da racionalidade científica e contra o poder, mastambém o é contra a miséria e contra a iniquidade. Além disso, como lembrouKadvany (1997), ‘risco’ pressupõe um conceito inerentemente dúbio. A preten-são nestas páginas, portanto, não é estabelecer algum consenso, mas é mostrar aantilogia reinante e tratá-la como um fértil campo de possibilidades para que adúvida não se perca. As relações do homem com o meio ambiente e com osoutros homens são por demais complexas para se desprezar as contradições.Assume-se, com isso, que o homem é um ser inacabado ou, como quis Ortega yGasset (1883-1955), “o homem é um projeto.” Todo conhecimento só pode serentendido como uma perspectiva deste grande projeto, onde as idéias em con-trário não são obstáculos mas os elementos da construção.

A exposição do tema inicia-se com o primeiro grande problema do concei-to de risco que é conceituar o próprio conceito. A seguir, numa breve introdu-ção, apresenta-se o uso do termo em seus aspectos históricos e etimológicos,bem como os principais problemas ligados ao seu emprego na solução das de-mandas contemporâneas. O item seguinte faz uma exposição breve e sistemáti-ca dos conceitos em uso por diferentes disciplinas ligadas à saúde ambiental,com algum destaque para as teorias econômicas, cujo potencial explicativo nãotem sido bem explorado nesse campo. Como uma forma de precipitar o debate,o item seguinte discute sumariamente as idéias arroladas e propõe um modelointerpretativo da condição de risco.

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Conceito de Conceito: uma questão de método

A vida social faz uso de expressões ou palavras cuja formalização do enten-dimento é irrelevante e crucial ao mesmo tempo. Irrelevante porque é compre-endida por todos, mas crucial porque esta compreensão não é tão clara quantopossa parecer. Assim, embora todos tenham idéia, por experiência e uso, do quepossa ser ‘felicidade’, ‘justiça’, ‘verdade’, ‘saúde’ ou ‘risco’, de imediato não po-dem tão facilmente conceituá-las. Os cientistas, com alguma freqüência, tendema confundir ‘conceito’ com definição ou, ainda pior, com definição operacional.Sem se dar conta que a definição é uma forma de limitar a possibilidade doconceito. Especialistas como Barata (2001) chegam a negar a condição multidis-ciplinar da análise de ‘risco’. Mas o que é conceito?

Conceituar, inclusive o conceito, depende de conhecimento, de reflexão e dealgumas técnicas (Wilson, 1963). Pode-se entender o que possa ser ‘conceito’ lem-brando, por exemplo, o que ele não é. Conceito não se confunde com fato, nem componto de vista. Conceito não é uma questão de valor ou de juízos morais, não é a busca

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do que é certo ou errado, ou ainda, do que é bom ou mau. Embora relacione-se comsignificados, não se pode limitar o conceito ao significado das palavras porque aspalavras costumam ter vários significados. Rigorosamente, as palavras não tem umsignificado intrínseco, pois o significado é alcançado com o modo de uso. Logo, asquestões de ‘conceito’ têm a ver com o “uso das palavras e com os critérios ou princí-pios pelos quais os usos são determinados” (Wilson, 1963:11).

O processo de conceituação exige procedimentos. Há de se ter em menteque, assim como não há ‘o’ significado para uma palavra, também não existe ‘o’conceito de qualquer coisa (Wilson, 1963:52). Contudo, podem-se estabelecerlimites lógicos conforme o significado da palavra, pode-se examinar formas deuso em diferentes contextos e pode-se ainda adotar diferentes técnicas (Wilson,1963:38), tentando-se destacar o essencial em cada forma de uso. Tal constitui aproposta metodológica desta apresentação.

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Uso da Qualificação ‘Risco’: origens e atualidade

A origem e a atualidade de uso do termo risco tem sido objeto de váriasrevisões recentes, cujo complemento as revisões anteriores vem trazendo origi-nalidade. Neste sentido, pode ser destacada, entre outras, a obra clássica e aindaatual de Luhmann (1993), as diferentes contribuições de Lupton (1999, 2000) eo texto abrangente de Jaeger et al. (2001). Adotando uma linha bastante diversados dois primeiros, a obra de Beck (1986) converteu-se em referência obrigató-ria pela sua controvérsia. Em nossa língua, destacam-se nesses termos as contri-buições, entre outras, de Freitas & Gomes (1996/1997) e de Spink (2001), bemcomo dos diversos debatedores envolvidos. Pretende-se, portanto, destacar al-guns aspectos destas revisões e adicionar outros para melhor desenvolvimentoda argumentação.

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Etimologia do termo

Talvez o único consenso proporcionado pelo termo ‘risco’ seja entreos filólogos, para os quais a sua origem é certamente incerta e muito antiga.Para Spink (2001), houve uma incorporação gradativa de termos passandoda ‘fatalidade’ à ‘fortuna’, registrando-se diferentes termos para o mesmofim já no século XII, até a expressão ‘risco’ no século XVI. Sabe-se, contu-do, que o termo teve um emprego bem definido, ligado às transações co-merciais no direito marítimo (Luhmann, 1993; Houaiss, 2001), embora pas-

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sasse a ser usado de forma rara e numa variedade de contextos (Luhmann,1993). O seguimento de registros mostra a primeira ocorrência da palavrano português em meados do século XV, havendo registro do francês risque(século XVI), provavelmente tomado do italiano risco, variação de rischio(século XIII). A palavra foi usada, por exemplo, no poema de Dante, DivinaComédia, escrito entre 1307 e 1321:

Sì come, per cessar fatica o rischio,Li remi, pria ne l’acqua ripercossiTutti si posano al sonar d’un fischio.

No canto 25 do “Paraiso”, Dante faz uso figurativo do termo, explorando asonoridade. Mas é significativo que o faça numa descrição de navegação, associan-do-o à uma situação adversa. Deste ponto em diante há duas possibilidades deregressão do termo, ambas no antigo oriente. Luhmann (1993) segue a sua finalida-de mercantil, localizando o seu uso remoto como uma forma de seguro, nos contra-tos de navegação da antiga Mesopotâmia. Outros, lembram o seu emprego militar,como a expressão árabe rizq, cujo significado foi ‘ração diária’, referindo-se à taxapaga às tropas árabes na ocupação do Egito. A situação originou a expressão grega‘soldados da fortuna’ (rizikoû), derivando mais tarde a palavra grega-bizantina rhizi-kon, cujo significado associa-se a fortuna (Webster, 1991; Houaiss, 2001).

Almeida-Filho (1992) associa o termo ‘risco’ ao traço de uma linha, como afenda no casco do navio. A associação procede, possivelmente porque o termono latim medieval é risicum ou riscum, associado à palavra resecare, cujo significadoé cortar, cercear, como primeiro sentido de “escolho” que fende uma embarca-ção (Houaiss, 2001).

No italiano, assim como no português, a palavra deu origem a derivaçõespara expressar situações associadas. Um dos mais antigos registros é risicare, quedeu origem ao termo moderno rischiare, cujo sentido é ‘arriscar’ ou ‘ousar’. Aexpressão é própria do jogo, como em “Chi no risica non rosica”, ou “Quem nãoarrisca não petisca” (Stoppelli, 1993).

Em resumo, risco pode ter tido em sua origem um emprego bem específi-co, adequado para empreendimentos de grande monta e de contexto incertopara o sucesso, como a navegação ou a ocupação militar. Foi possivelmente umtermo de relação mercantil que, ao ratear prejuízos e benefícios, adquiriu estapolissemia característica de se ganhar e perder ao mesmo tempo com ele.

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A quantificação do ‘risco’

A quantificação do risco, ou o seu tratamento analítico, foi possível com ainvenção do cálculo de probabilidades por Pascal (1623-1662) no século XVII.

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Pascal deu solução a um problema ligado ao jogo, importante em sua época: Comodividir o resultado das apostas num jogo interrompido? No entendimento daque-le tempo, do futuro nada se podia dizer. Por isso, Pascal voltou-se para o passado,assumindo que o presente é uma continuidade do passado, o resultado possível dojogo seria aquele que refletisse como os jogadores vinham jogando até então. Estaconsideração é sutil, porém fundamental. Os jogadores aceitam, implicitamente,que o jogo é honesto (o acaso sujeita a todos), que as regras serão mantidas e queeles são hábeis (pretendem continuar jogando da mesma forma).

Os primeiros usos de probabilidade no cálculo de risco respeitaram estespressupostos. Mesmo quando LaPlace (1749-1827) calcula a probabilidade demorte relativa ao uso ou não uso da vacina contra varíola entre os séculos XVIIIe XIX, o formal da sua análise é ainda uma referência de perdas e ganhos (nopresente) de um evento ocorrido no passado, enfatizando estes últimos (Dake,1992). Esta tradição de medir ‘ganhos’ ao invés de ‘perdas’ permitiu associar ‘ris-co’ aos benefícios de empreendimentos. Como a teoria econômica no século XIXtratava o ‘risco’ como um custo e as pessoas como naturalmente aversas ao ‘risco’,a desigualdade econômica pôde ser justificada em termos não mais hereditários.

O novo uso de ‘risco’ como prognóstico de empreendimentos transformaradicalmente o seu conceito e foi possível porque o modelo de premissas dePascal havia sido em parte abandonado. Na obra Essai philosophique sur le probabi-lités, de 1814, LaPlace consolida o determinismo das “leis naturais” ao argumen-tar que tanto o passado como o futuro seriam cognoscíveis, desde que todas asforças e condições iniciais do universo fossem previamente conhecidas. Comotais condições são usualmente ignoradas, aplicam-se as leis da probabilidade(Harré, 1967). Daí em diante, o futuro passa a ser uma continuidade do passado,pois vigoram leis implícitas, ignoradas, mas cognoscíveis pela observação daqui-lo que se repete sem razão aparente.

O domínio do futuro, numa acepção não-transcendente, foi laboriosamenteconstruído a partir do mesmo século XVII de Pascal. Desde esta época, a “imagemde ciência” passa a estar estreitamente ligada ao avanço do saber ou ao “progresso”(Rossi, 1995:15). Neste período, supera-se a tradição hermética, como dos alquimis-tas, e o conhecimento passa não mais a ser buscado no passado, mas no “vir a ser”do experimento que passa a constituir caráter público (1995:48). Esta proposta nãoguarda inicialmente uma relação com o ‘risco’, cuja metáfora é a navegação, ou como novo mundo então recém descoberto, uma forma de esperança. O mito do pro-gresso é a expressão de confiança no futuro e no gênero humano e das possibilida-des do seu crescimento moral (Rossi, 1995). É neste contexto que a bela passagemde Rousseau (1712-1778), apresentada por Freitas & Gomez (1996/1997), deve serentendida. Quando Rousseau conclama a reflexão sobre o terremoto de Lisboa, elebusca a libertação da culpa ou castigo e a confiança no conhecimento que virá do

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acontecimento, graças ao que será feito. A clara noção de incompletude já havia sidosugerida por Bacon (1561-1626): “Aquilo que se deve realizar é totalmente diferentedaquilo que foi realizado e portanto o oráculo mais favorável ao futuro está naconfutação do passado” (apud Rossi, 1995:53).

Mas enquanto no século XVII o telescópio de Galileu (1564-1642) e o micros-cópio de Von Leeuwenhoek (1632-1723) colocavam em dúvida a validade dos sen-tidos e a imutabilidade da visão religiosa, entre a metade do século XVIII e a metadedo século XIX o devir converteu-se numa ‘lei’ e a idéia de progresso acabará porcoincidir com a de uma ordem providencial (Rossi, 1995:95). A realidade se apre-sentará, daí para frente, inteira e sempre controlável por meio de uma série de esco-lhas responsáveis e construtivas no domínio desta lei (Rossi, 1995).

Todavia, se a concepção de ‘leis’ permite a retomada da idéia do futurocomo continuidade do passado, como o exemplo da concepção de ‘causa e efei-to’, ela mesma não resolve um problema crucial que é a concepção da continui-dade do tempo. Como o ‘antes’ e o ‘depois’ ocorrem em momentos distintos, talrelação não pode ser estabelecida simplesmente pela percepção simultânea defatos, porque não há simultaneidade. Tal problema foi analisado por Luhmann(1993). Para ele a simultaneidade da percepção foi possível com a concepção desistema, pois tudo que acontece no presente do interior do sistema, converte-seem futuro no ambiente do sistema. Mas o observador desta concomitância ficasujeito às sobreposições, às inconsistências e à desorientação. Por isso, o sistemaconta com a memória do observador, capaz de fazer distinção temporal do fa-tos. Assim, o “antes” e o “depois” de um evento converteram-se em condiçõesdiscretas, com o futuro tomado como espelho do passado (Luhmann, 1993:35).

Tanto LaPlace como Newton praticavam observações astronômicas de-pendentes da concepção de sistema. Mas cada um em sua época guardava umprofundo referencial moral. LaPlace refutou matematicamente a “mão de Deus”newtoniana através do estudo dos erros, mas frisou que na teoria da probabili-dade, todos os eventos do mesmo tipo deveriam ser reduzidos a um certo nú-mero de casos igualmente possíveis. Esta premissa, fundamental, é também porsi mesma difícil de ser estabelecida, mesmo com a sugestão de LaPlace “de seestar igualmente indeciso em relação à possibilidade”. Por isso, ele colocou comocondição para o uso da teoria aspectos subjetivos ligados à honestidade e bomjulgamento (Harré, 1967).

Os pressupostos inerentemente subjetivos, presentes no uso da probabili-dade, foram relegados à “ficção da aleatoriedade”. Concebe-se que um conjuntode acasos estabelece uma determinação, mas não que uma determinação possaser decorrente das limitações do determinador. No início do século XX, partedessa subjetividade é resgatada na teoria econômica com os estudos da inferên-cia bayesiana, principalmente por Keynes (1883-1946).

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Para se entender o postulado de Bayes (1702-1761), convém o exame dealguns significados das palavras inglesas danger e hazard, traduzidas indistinta-mente como “perigo” em português (Webster, 2001), ‘risco’ pode ser entendidocomo “a hazard from a dangerous chance”. Entender ‘risco’ como “o perigo deuma situação perigosa” faz pouco sentido em português, mas em inglês, hazardsugere um perigo que alguém pode prever mas não evitar. O vocábulo vem doárabe al-zahr, cujo significado é “a morte”. O alpinista fica sujeito a vários hazards.A palavra danger, por sua vez, sugere o responsável pelo perigo ou dano mas detodo o tipo, tanto os próximos e certos, como os remotos, presumíveis ou incer-tos. O vocábulo tem a mesma raiz de damage e vem da expressão “by influenceof dam”, onde dam significa dique. Ou seja, no ‘risco’ combina-se uma previsi-bilidade com uma incerteza.

Para dar conta desta complexidade e do paradoxo do futuro/passado, Bayespropõe uma forma de cálculo, estatística bayesiana ou subjetiva, que tenta dis-tinguir a situação em que um sujeito tira uma bola vermelha de um cesto contendovárias bolas de diferentes cores, da outra em que o sujeito tira uma bola vermelha deum cesto que contém, além de bolas, uma cobra que ele desconhece. No teorema deBayes, o nível de confiança da inferência estatística está baseado no tempo e nasinformações disponíveis. Para quem sabe que há uma cobra no cesto, tirar uma bolaé muito arriscado, mas para quem não sabe, o ‘risco’ é mínimo. Na estatística baye-siana a inferência nunca está errada porque o ‘risco’ é definido sempre numa pers-pectiva anterior dada. A rigor, ela nada pode dizer sobre o ‘risco’ na condição dofuturo ainda não estabelecido (Thompson, 1990).

Em síntese, a quantificação de ‘risco’ com o cálculo de probabilidade usualsó justifica-se sob pressupostos excepcionais, para não dizer insustentáveis. Anatureza tem que ser necessariamente entendida como um sistema e os seusacontecimentos como parte de uma ordem discreta e de uma estrutura congela-da. Ainda que a natureza possa ser “entendida como um sistema”, a possibilida-de de haver processos no sistema promovendo reestruturação é excluída emprol da certeza, pois complexidade e dinamismo são justamente os fatores quepromovem incerteza na decisão dos administradores (Duncan, 1972). Ocorre,contudo, que a natureza não é necessariamente um sistema e as estruturas con-geladas são próprias de sistemas mecânicos, muito distantes da realidade socio-cultural que se vive (Lieber & Romano-Lieber, 2001a). Não é sem razão, portan-to, que, dada a incerteza inerente, Faber, Manstetten & Proops (1992) percebama necessidade de um “ato de fé” na prática científica. Assim, ao contrário do suge-rido por Barata (2001), o cálculo da probabilidade, enquanto justificativa de esco-lha de variáveis, procedimentos e promoção de conhecimento nada tem de neutro,embora possa ser matematicamente exato, como dá a entender a autora.

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O uso contemporâneo do ‘risco’

Para Fox (2000), o conceito de ‘risco’ percorreu transformações radicais aolongo da história antes de alcançar a sua conotação atual. Se na pré-modernida-de ‘risco’teve uma conotação ‘neutra’ (algo como uma probabilidade de ganhoou perda), na era moderna tornou-se sinônimo de “perigo”, com uma conota-ção nitidamente negativa. Para Rossi (1995:96), os anos do século XIX até oinício do século XX foram os “anos de segurança”, aqueles que precederam oinício do questionamento das possibilidades da ciência, observados a partir dasegunda metade deste século. O produto dessa era foi uma “cultura de seguran-ça”, cujos resultados práticos foram revistos e discutidos por Guldenmund (2000).

Da metade do século XX em diante, as ‘regras’ e ‘leis’ científicas começaram aser questionadas em diferentes campos. O fim da certeza acelerou-se no mesmaligeireza da proposição de soluções definitivas. O uso do DDT e dos antibióticosforam casos exemplares. Além disso, conceitos como ‘causa’ de doenças, herdadosda bacteriologia, tornaram-se insuficientes para explicar as doenças não-transmissí-veis (ver adiante) e, em muitos casos, inaceitáveis ou refutáveis, como o caso daatribuição de “ato inseguro” às vitimas de acidentes de trabalho. Com isso, ganha-ram força as proposições que enfatizavam o contexto, onde diferentes aspectos (ou‘fatores de risco’) estariam contribuindo para o fenômeno em estudo. O subsídioteórico estava na moderna teoria de sistemas, desenvolvida durante a segunda guer-ra mundial, mas o seu uso privilegiou a descrição de estruturas, ao invés da análisedos processos subjacentes, capaz de considerar a dinâmica intrinsecamente presen-te (Rasmussen, 1997; Lieber & Romano Lieber, 2001a e b).

De forma particular, o estabelecimento de processos e condições de produçãopelos engenheiros continua preso às normas e aos padrões de procedimentos. Emtermos práticos, os grandes desastres tecnológicos pouco contribuíram para a revi-são da ideologia da norma, ou da fixação da ‘causa’. Muito embora, no campoteórico, já se proponha timidamente que normas ou padrões técnicos sejam revistose estabelecidos conforme relações probabilísticas, ou de ‘risco’, em detrimento dasformulações determinísticas usuais (Pigott, 1997; Sims & Feigel, 2000).

Ao mesmo tempo que o contexto alcança alguma importância explicativa, odeterminismo da causação é reencarnado, promovendo o desaparecimento de to-das as circunstâncias que fazem um ‘fator de risco’ converter-se em ‘risco’. Assim,‘o’ fator de ‘risco’ para acidentes do trabalho, ainda hoje, para alguns, resume-se emser ou não tabagista (McSweeney et al., 1999). Se for entre bombeiros, é a “obstina-ção” dos mais idosos (Cloutier & Champoux (2000), mas se for entre os mergulha-dores profissionais, é o “conflito edipiano” para Hunt (1996). A teoria freudiana,com sua capacidade de revelar a “causa prima” extra-racional, tem se prestado para

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as mais diferentes determinações. Mas o seu uso indiscriminado neste processo deexcluir as contingências, convertendo fator de ‘risco’ em ‘causa’, ignora, por exem-plo, que fatores psíquicos podem estar correlacionados com uma personalidade quese predispõe ao “risco”, mas não com a freqüência de acidentes, conforme se cons-tatou entre lenhadores (Salminen, Klen & Ojanen, 1999).

Nesta busca de se estabelecer as condições de ‘risco’ excluindo a incerteza,a contradição inevitavelmente aflora. Na atualidade, constitui “problema” desaúde pública o fato de mulheres portadoras de HIV/Aids insistirem em terseus próprios filhos pelo prazer de tê-los (Wesley et al., 2000). Enquanto mãessadias restringem o tempo de amamentação de seus filhos, mesmo conhecendoos ‘riscos’ desta prática aos lactentes (Murphy, 2000), outras recusam-se a sub-mete-los às práticas de imunização consagradas (Rogers & Pilgrim, 1995). Aomesmo tempo, jovens adolescentes do sexo feminino rejeitam o uso de preser-vativos, alegando a perda da espontaneidade e o custo do seu porte (Breakwell,Fife, Clayden, 1991), ou a redução da satisfação sexual (Raj & Pollack, 1995).

Aquilo que se observa no nível microssocial tem a sua contrapartida nonível macrossocial. Nos tempos atuais, ou “pós-modernos” (Fox, 2000), ‘risco’passa a ter uma conotação moral, como um exercício de opção entre uma formade vida e outra. O uso cada vez mais freqüente dessa condição foi explicitado deforma contundente com a obra de Beck (1986), fartamente comentada e analisa-da nas últimas décadas (ver adiante). Contudo, como a história não se faz portransposições, mas por incorporações do passado, o que se observa são confli-tos e tentativas de superação, onde, freqüentemente, conceitos são usados comnovos significados para os mesmos propósitos. Assim, Smith & Hacker (1996)analisando 260 discursos fúnebres dos puritanos da Nova Inglaterra, constata-ram que o conceito de ‘risco’, enquanto uma decisão de cunho moral, já estavapresente no século XVII. Ainda no início do século XIX, persistindo a noção damorte como um inesperado ‘presente de Deus’, todos eram lembrados do valorda observância da regra no cotidiano. Nos mesmos termos vigora o conteúdodos discursos na sociedade contemporânea, onde as vítimas são responsabiliza-das pelas suas “escolhas”, feitas em detrimento das “regras” (Lupton, 1993).

Nos dias de hoje, o conceito de ‘risco’ alcança praticamente todas as dimensõesda vida. Nas ciências sociais a citação do termo ‘risco’ alcança mais de 10.000 regis-tros para os últimos 15 anos, crescendo quase 10 vezes em relação ao período ante-rior (Sociological Abstracts). Na literatura médica, esta cifra já alcançou quase meiomilhão de referências em 20 anos. O poder, antes expresso pelos recursos coerciti-vos, agora se estabelece através de estatísticas voltadas às condições pessoais, for-malizando diretrizes de ‘prudência’ para condicionar os desejos. O status quo nãopode ser questionado no campo das possibilidades negadas, mas deve submeter-seao passado constatado e medido de cada um. Como uma nova forma de controle

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social pelo Estado, o uso do conceito de ‘risco’ já alcança a criminologia, marcandoprofunda contradição de premissas (Rigakos & Hadden, 2001), e a intolerância comaqueles envolvidos em ‘risco’ (Fischer & Poland, 1998).

Em resumo, da mesma forma como a quantificação do ‘risco’ não pode serentendida como um processo ‘neutro’ ou ‘isento’, pois depende de pressupostospara dar sentido, o uso do conceito de ‘risco’ não pode ser desvinculado dos propó-sitos em vista. A manutenção dos processos econômicos na sociedade depende deconsensos e a ciência moderna prestou-se muito bem a este consenso até ser des-mistificada, pois a prática científica sempre envolve certezas provisórias. Neste con-texto, observa-se o uso generalizado do conceito de ‘risco’ para motivações das maisdispares, que vão desde o resgate de formas de “certeza perdida”, ao se prestar da‘causa’, até a rejeição incondicional da ciência pelos movimentos ambientalistas, osquais, com seu romantismo, misto de tradicionalismo de direita e utopismo de es-querda, fazem apologia à natureza como se a condição humana fosse irrelevante,mostrando desconhecer tanto a história da ciência como da filosofia do humanismo(Rossi, 2000:12). Tanto numa como noutra posição, o apelo é ao vigor do transcen-dente, num nostálgico desejo de conforto proporcionado pelos mitos. Rever con-ceitos traz incômodos, porque obriga-se o exame de perspectivas estranhas comopossíveis, abalando as certezas e mantendo a contradição sob tensão.

Perspectivas de ‘Risco’: inventividade e

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insuficiências nos conceitos

A atual trivialidade do uso do conceito de ‘risco’, embora para alguns possaparecer um “grande risco” de desentendimento, deve, pelo contrário, ser consi-derada como um fator positivo, promotor de uma vigorosa demanda por preci-são conceitual. Este esforço específico tem sido sistematizado em revisões re-centes, destacando-se, entre outros, Thompson (1990), Krimsky (1992), Thomp-son & Dean (1996), Lupton (1999) e, em nossa língua, Freitas & Gomez (1996/1997). Cada caso ou conceito se apresenta como um universo de possibilidadespara aproximação dos desejos, tanto daqueles em prol das mudanças, comodaqueles voltados à manutenção do status quo. A apresentação destas diferentesperspectivas, longe de esgotar o tema, não tem, portanto, propósito de estabele-cer esta ou aquela como correta ou incorreta, mais ou menos adequada. O cor-reto decorre de um teste, no confronto com a realidade empírica, raramentepossível, ao passo que o adequado liga-se ao propósito, próprio do contexto,quase nunca inteiramente explícito.

Na presente exposição, o arranjo sistemático restringe-se à exposição dasidéias principais e da suas respectivas limitações, orientando-se por um pressu-

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posto geral relativo à constituição do conhecimento conforme Oliveira Filho(1976). Assume-se que as teorias, juntamente com os conceitos e as hipótesesformuladas, constituam um sistema teórico, próprio para dar suporte ao sistemade verificação (métodos, técnicas e instrumentos), mas cuja concepção dependede um sistema de idéias ou pressupostos. Este sistema de idéias é constituídopor pressupostos lógicos (as categorias racionais), por pressupostos ontológi-cos (natureza da realidade ou do ser) e por pressupostos epistemológicos (natu-reza do conhecimento). A limitação de espaço impossibilita um aprofundamen-to deste gênero no uso do conceito de ‘risco’, mas o leitor interessado poderáencontrar em Lieber (1998) um exemplo do método aplicado à ‘causalidade’.

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Delimitação dos extremos nas possibilidades conceituais

Como visto nos itens anteriores, um propósito comum perseguido entre asformulações de ‘risco’ é estabelecer uma dada relação numa realidade restrita,considerando a passagem do tempo. Deste particular, pode-se deduzir que asdiferentes formas de se conceber o tempo e a realidade promovem diferentesconceitos para o ‘risco’. O tempo pode ser entendido tanto como um cursocircular como linear. As implicações da concepção do tempo enquanto “linear”(Luhmann, 1993) já foram expostas no item A quantificação do ‘risco’. O enten-dimento da natureza da realidade, por sua vez, é um problema ontológico usual-mente analisado a partir das suas posições extremas.

Pode-se entender o mundo como uma realidade inteiramente dada, consti-tuída por estruturas reais e imutáveis, cuja existência é independente do homeme o precede. Tal concepção é conhecida como realista, objetivista ou materialista.Por outro lado, a realidade também pode ser entendida como um mundo socialfeito por nomes. Os nomes são criados artificialmente, permitindo que as coisaspassem a existir a partir de então. Esta posição, com pequenas variações, é co-nhecida como nominalista, subjetivista ou relativista.

Sob o ponto de vista epistemológico, a posição realista pressupõe a verdadecomo algo absoluto e é conhecida como ‘positivista’. Nela se acredita que a posiçãoexterna do observador dá garantias de objetividade para a apreensão de ‘leis natu-rais’. A posição nominalista toma a verdade como algo relativo, pois a posição exter-na do observador não dá garantias de isenção, e é conhecida como anti-positivista.Sob o ponto de vista lógico, a posição realista, ao contrário da posição nominalista,considera que a única lógica possível é a lógica da não-contradição.

Essas posições extremas raramente se aplicam na atual conceituação de ‘risco’,muito embora tenham originado as perspectivas ‘objetivista’ e ‘relativista’, respecti-vamente. Progressivamente, estas perspectivas foram sendo modificadas em virtu-

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de das próprias insuficiências. Alguns, como Renn (1997), argumentam que umprocesso de aproximação já vem ocorrendo desde os anos 70. A Figura 1 apresentaum quadro reunindo as diferentes perspectivas ilustrando esta prática.

Figura 1 – Tipologia do conceito de ‘risco’ e de suas implicações teóricas, con-forme os extremos possíveis para compreensão da realidade

Adaptado de Lupton (1999) com modificações.

Referencial Ontológico / Epistemológico

Orientação Pressupostos

Conceito de risco Perspectivas/teoria

para entendimento

Questões fundamentais

Realista/

Objetivista

Mundo é uma realidade dada seguindo leis científicas imutáveis.

‘Risco’ é um perigo objetivo, que existe e pode ser medido a margem do processo social e cultural.

Objetivismo radical

Qual é o ‘risco’ existente

Qual a lei (causa/efeito) que pode ser deduzida

Realista condi- cionado

Idem, mas cuja interpretação pode ser distorcida ou enviesada conforme o contexto cultural e social.

Técnico-científico e a maioria das teorias em ciência cognitiva

Idem + Como o ‘risco’ deve ser administrado

Como ‘risco’ é racionalizado pelas pessoas

+

Fraco

‘Risco’ é um perigo objetivo, mediado necessariamente por processo social e cultural e não pode ser estabelecido de forma isolada deste.

‘Sociedade de risco’

Estruturalismo crítico

Algumas aproximações na psicologia

Qual a relação do risco com a estrutura e o processo da modernidade atual

Como o risco é entendido em diferentes contextos socioculturais

‘Cultural/Simbólica’

Estruturalismo funcional

Psicanálise

Fenomenologia

Por que alguns perigos são tratados como riscos e outros não

Como o risco opera como uma medida de fronteira simbólica

Qual é a psicodinâmica das respostas ao risco

Qual é o contexto situacional do risco

C O N S T R U C I O N I S M O

+

Forte

Não existe o ‘risco’ por si mesmo. O que se entende por ‘risco’ ou ‘perigo’ é um produto construído, decorrente de uma contingência histórica, política e social.

Pós-estruturalismo

Teorias de ‘governabilidade’

Como os discursos e práticas no risco operam na construção da vida subjetiva e social

Relativista/

Subjetivista radical

O mundo percebido decorre de um processo social de criação. As coisas existem a partir dos nomes.

‘Risco’ e ‘perigo’ são apenas formas de linguagem.

Relativismo radical

Contextualismo forte

Qual é a realidade construída com o uso do termo ‘risco’

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Evolução do objetivismo radical no conceito de ‘risco’

Qualquer perspectiva objetivista ou racionalista depende de possibilidadesanalíticas para sua efetivação. Não basta conceituar o ‘risco’ como uma relaçãoobjetiva, traduzida pela “probabilidade de ocorrência de um evento/aconteci-mento relativo a uma dada magnitude de conseqüência”, é necessário quantifi-car esta relação. Este propósito primário foi razoavelmente alcançado, graças àsimposições decorrentes da estatística clássica (ver item A quantificação do ‘ris-co’) e graças ao pressuposto da suficiência da série histórica (aleatoriedade esignificância). O problema da definição da ‘magnitude das conseqüências’ foiradicalmente simplificado ao contar com a ‘discretização’ da variável. Assim, amagnitude é estar ‘vivo’ ou ‘morto’, ‘doente’ ou ‘não doente’. Na perspectivaobjetivista, não existe a possibilidade de se fixar ‘risco’ para o “meio” doente, amenos que se fixe previamente aspectos ausentes ou presentes da condição in-termediária da doença. Exemplos desta abordagem para ‘risco’ em acidentesambientais são as formulações analíticas de Lieber (1986) e a descrição de pro-cedimentos de Serpa (2000).

Apesar das importantes restrições assumidas, o resultado obtido continuaainda limitado, porque o ‘risco’ configura uma relação, como claramente se evi-dencia nas formulações feitas em Lieber (1986). Ou seja, a menos que o sujeitotambém faça parte da população do denominador, o resultado não faz nenhumsentido para ele. Além disso, o seu valor só tem significado comparativo, poistrata-se de uma relação e não de um número absoluto. Por isso, valores de ‘risco’são sempre apresentados de forma comparativa para uma população. Por exem-plo, a apresentação do ‘risco’ para o perigo de “doença entérica” (magnitudede conseqüência) ao se beber água de ‘bica’ como 1 em 10.000 tem poucosignificado se não se apresentar o ‘risco’ para a mesma magnitude de conse-qüência ao se ingerir água clorada. Ocorre, entretanto, que o sujeito não sósabe que a ‘bica’ do analista não é a mesma ‘bica’ do seu uso, como sabe quesob o ponto de vista de ‘risco’ não há garantias absolutas nem numa situaçãonem em outra (a incerteza inerente).

A dificuldade seguinte aos objetivistas é fato do sujeito/comunidade insis-tir em rejeitar os procedimentos recomendados por razões que não podem serquantificadas de forma precisa. Por exemplo, opta-se pela água da ‘bica’ e rejei-ta-se a água tratada com cloro, mesmo que o ‘risco’ de morte por contaminaçãodecorrente dos organoclorados nela presentes (1 em 1.700.000) seja muito me-nor do que o ‘risco’ de morte por acidente doméstico (1 em 9.000). Mas nestaopção, há várias considerações ‘muito objetivas’ para o sujeito exposto, que vãodesde as conveniências de custo das opções até as implicações de diagnóstico,tratamento e reversibilidade das conseqüências.

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Como este conjunto de ‘interveniências’, em geral de natureza contínua,não admite formulação trivial, os objetivistas reúnem estas variáveis como “fra-ção subjetiva da decisão” decorrente da incerteza ou da ignorância, sem distin-ção entre estes dois termos. O passo seguinte foi tentar configurar a ‘decisão’para o ‘risco’ que levasse em conta este contexto de incerteza/ignorância. Aproposta conceitual veio de N. Rescher (Risk, 1983), o qual reforçou a condiçãoobjetivista ao introduzir os conceitos da teoria do jogos de Von Neumann &Morgenstern (The Theory of Games and Economic Behavior, 1944). Embora contes-tável (ver Thompson, 1986), o argumento continua sendo aplicado ainda emtempos recentes (ver Castognoli, Calzi & Li, 1996) e Zio (1999). Uma explicaçãoacessível da teoria dos jogos aplicada à análise de ‘risco’ está em Bernstein(1996:231-46). A teoria dos jogos tem uma interpretação extremamente mecani-cista dos acontecimentos e é a responsável pelo assim chamado “paradigma doator racional”. Nesta perspectiva, ‘risco’ é uma relação objetiva mas tem o seudiscernimento condicionado pelas preferências, pelos interesses das diferentespartes interessadas e pelas escolhas de cada um, pressupondo que cada envolvi-do está maximizando objetivamente a sua posição.

Como tal ‘paradigma’ não dá conta das inconsistências do objetivismo, ainterpretação da decisão sob ‘risco’ tomou dois caminhos principais. Na primei-ra opção, adotaram-se as premissas da “teoria da complexidade” (ver descriçãogeral em Munné, 1995). Na atualidade, há vários trabalhos aplicando a teoria de“conjuntos fuzzy”, uma interpretação probabilística “decumulativa” — como aprobabilidade de queda de uma partícula em um monte de areia (ver, por exem-plo, Christen, Bohnenblust & Seitz, 1994 e Oden & Lopes, 1997). Neste caso, oconceito de ‘risco’ é tomado não como uma simples probabilidade de ocorrênciade evento, mas como uma probabilidade particular, precipitante ou ‘catastrófica’.

Como segunda opção, ampliou-se um consenso da necessidade de umaaproximação relativista, sem contudo questionar a condição intrinsecamenteobjetiva do ‘risco’. Em 1979, C. Starr apresentou uma conferência onde propôsque o repúdio às qualificações objetivas de ‘risco’ seria decorrente da condiçãodo ‘risco’ ser voluntário ou externamente imposto. Na ocasião, ele sugeriu queeste aspecto fosse tratado como um componente subjetivo, à margem das ‘aná-lises de risco’. Uma revisão recente desta abordagem é Jaeger et al. (2001). Resu-midamente, ‘risco’ é uma relação que pode ser estabelecida sob argumentos ob-jetivos, mas a percepção e a aceitação desta relação objetivamente dada estásujeita aos aspectos culturais e pessoais, cabendo à psicologia social estabelecerformas e parâmetros para que o entendimento se complete. Nesta perspectiva,todos os problemas estão no âmbito da comunicação e as pesquisas buscamentender a natureza dos comportamentos dos sujeitos sob ‘risco’ (mas não dosanalistas!), proporcionando os subsídios necessários ao discurso técnico.

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Estudos recentes de percepção de ‘risco’ têm mostrado que esta depende,por exemplo, da relevância das medidas técnicas de controle envolvidas (Reid,1999), ou da percepção de controle do perigo que os pedestres possam ter nasestradas (Evans & Norman, 1998). As estratégias de ‘educação pelo terror’ têmsido desmistificadas, ao se constatar que motoristas expostos a filmes de aciden-tes relatam intenção de serem mais cuidadosos, mas também de trafegar emvelocidades superiores ao do grupo controle (Ben-Ari, Florian & Mikulincer,1999, 2000). Estudos relativos à ‘atitude’, ‘aceitação’ e ‘rejeição’ de riscos têmsido objeto de pesquisa em diferentes áreas de conhecimento, como finanças,administração, trabalho, além da psicologia e da educação sanitária. A intenção dossujeitos em relação às recomendações se apresenta diretamente proporcional àseveridade e à sua vulnerabilidade em relação às ameaças, à eficácia da resposta e àsconveniências do seu próprio comportamento adaptativo (Floyd et al., 2000). Emgeral, as pessoas se expõem mais ao ‘risco’ quando as alternativas são ruins, possi-velmente revelando um conhecimento acumulado (March, 1996), ou quando asimplicações são de menor magnitude, pois corretores preferem sugerir aplicaçõesde maior ‘risco’ para os investimentos relativamente menores (West, 1999).

Em resumo, a perspectiva objetivista vem se viabilizando através do uso derecursos da teoria econômica (teoria de jogos, teorias de decisão) em prol deuma visão de ‘risco’ associada essencialmente à uma relação de custo/benefício.Este enfoque traz sérios conflitos de ordem ética (Rehmann-Sutter, 1998), poisna concepção econômica só existe uma única posição pessoal: a do tomador dedecisão. Para contornar este conflito, o discurso técnico tenta dar conta da reali-dade entendendo o ‘risco’ como duas partes separadas: o aspecto essencial (a proba-bilidade) e o aspecto acidental (o resto), tido como desprezível. Como a incerteza éinerente ao ‘risco’, a água do banho é jogada fora junto com a criança.

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Evolução do subjetivismo radical no conceito de ‘risco’

Enquanto a perspectiva objetivista do ‘risco’ admite que a sua aceitação ourejeição prende-se a critérios essencialmente subjetivos, embora o seu númeropossa ser uma variável objetivamente dada, na perspectiva subjetivista radicalentende-se que todo o processo é uma construção cultural. Neste caso, o esta-belecimento, o entendimento e a formulação de relações de ‘risco’ decorrem deconsensos sociais.

A aproximação subjetivista ou relativista, teve o seu ponto de partida naobra de Douglas (1966), um clássico na sociologia. Com base em dados etnográ-ficos, a autora mostra como o ‘perigo’, o ‘sujo’ , o ‘mal’, o ‘puro’ ou o ‘tabu’ sãosocialmente construídos em prol de uma ordem baseada na exclusão do diferente.

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Posteriormente, estas idéias foram sistematizadas por Douglas & Wildavsky(1983) ao conceituar ‘risco’ como uma construção coletiva. Em uma resposta àproposição de Starr, configurou-se a partir de então aquilo que se entende por“teoria cultural do risco”.

Na “teoria cultural do risco”, o próprio ou impróprio, ou o que é alimentoou não, é estabelecido pela cultura, numa escolha arbitrária, fazendo parte deuma estrutura de crenças que sustentam as relações sociais. Cada cultura estabe-lece a sua forma, mas a prática é geral. Nestes termos, ‘risco’ pode ser entendidocomo uma parte da cultura. As restrições não estão voltadas à identificação deum perigo em si, mas para a organização social na forma de uma estrutura rígidaque estabelece a hierarquia do poder. Aquilo que se acredita ou que se dispõecomo ‘arriscado’ é o indicativo para que o sujeito se coloque em conformidadecom esta estrutura (Thompson & Dean, 1996).

A perspectiva subjetivista trouxe interesse particular nas ciências sociais e oconceito de ‘risco’ assume diferentes entendimentos a partir dos diferentes en-foques dados ao se interpretar a “construção social”, aproximando-se mais oumenos da perspectiva objetivista. Seguindo aquela linha básica de M. Douglas, odestaque mais próximo é Luhmann (1993), cuja interpretação de sociedade estána comunicação: “A operação com a qual a sociedade como um sistema produze se reproduz por “autopoiese” é a comunicação e nada mais.” (idem: xii). Nooutro extremo, em aproximação à perspectiva objetivista, há aqueles que admi-tem o processo probabilístico com alguma restrição. A obra de Beck (1986) é amais conhecida (item 3.4). Outros (Thompson & Dean, 1996) mantêm a centra-lidade do processo probabilístico, mas fazem ressalvas quanto ao processo doseu estabelecimento. Shrader-Frechette (1991) propõe o “processualismo cien-tífico”. Neste caso, argumenta-se que avaliação de ‘risco’ não pode ser tratadacomo um processo de exclusividade de cientistas, porque contém um compo-nente político que deve ser negociado. ‘risco’ envolve incertezas e as decisõesrelativas ao estabelecimento da população, nos procedimentos estatísticos, naseleção e na exclusão de variáveis afetam o resultado da probabilidade apresen-tada. Logo, seria impossível propor decisão excluída de valores de julgamento.Portanto, as dimensões subjetivas também são relevantes e não apenas para seestabelecer percepção e aceitação, mas no próprio procedimento técnico quenão perderia a sua posição essencial.

Thompson & Dean (1996) identificam a perspectiva subjetivista como umcampo “contextualista”. Os seus extremos seriam as duas formas contextualis-tas possíveis, conforme se apresente maior ou menor vigor em se refutar a evi-dência estatística. Na perspectiva contextualista forte, por exemplo, ‘risco’ seriauma forma de linguagem usada pelas pessoas para legitimar as mais diferentesreivindicações. As atribuições não implicam necessariamente num perigo verda-

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deiro ou suspeito e a probabilidade não tem condições de configurá-lo. Na apro-ximação contextualista, de uma forma geral, todos os diferentes entendimentostêm sentido, são legítimos e decorrem do uso das palavras. Mesmo os cientistas,ao usá-las, estão também compartilhando interesses, ao demostrar capacidade,confiança e controle. Nenhuma dimensão é a rigor essencial, mas uma ou outrapode ser mais relevante, dependendo do contexto, como demonstraram Limo-ges, Cambrosio & Davignon (1995).

A aproximação construtivista não pode ser inteiramente confundida com aforma contextualista acima, mas (Thompson & Dean, 1996), é previsível quealguns construtivistas adotem os conceitos de ‘risco’ na forma como exposto,dependendo da noção epistemológica adotada. Lupton (1999) esclarece este as-pecto ao entender o construtivismo como uma premissa epistemológica, iden-tificando duas formas possíveis neste entendimento, um construtivismo fortee outro fraco. A forma forte, estaria associada ao contextualismo exposto.Nada é ‘risco’ por si mesmo. O que se entende por ‘risco’ ou perigo é umproduto decorrente de contingências históricas, sociais e políticas. Na for-ma de construcionismo fraco, ‘risco’ é uma propriedade objetiva do perigoou da ameaça, inevitavelmente mediada pelos processos sociais e culturais.Esta propriedade não pode ser estabelecida de forma isolada destes proces-sos. Tanto num caso como no outro, há geração de diferentes perspectivasde abordagem (Figura 1) dentro da “teoria cultural do risco”. Lupton (1999)identifica quatro perspectivas principais: fenomenológica, psicoanalítica,estruturalista e pós-estruturalista.

Na perspectiva fenomenológica ou hermenêutica o interesse se volta me-nos para as macroestruturas e mais para o entendimento circunstancial que édado ao ‘risco’. O interesse é na forma como as pessoas percebem o mundocomo uma realidade interpretada, usando, para isso, o senso comum e o conhe-cimento. A fenomenologia busca o entendimento do ‘risco’ como uma parte dasrelações de um sujeito com o outro, conforme uma cultura e dentro de umaestrutura social. Pressupõe-se que o entendimento não é simplesmente dadopelo ambiente, mas que as pessoas também o influenciam, de maneira recíproca.

Na perspectiva psicoanalítica, estuda-se como as pessoas constroem a idéiade abjeto. A “teoria cultural do risco” ganha subsídios para o melhor entendi-mento da subjetividade, da autonomia, da aversão e do fascínio. Estes aspectossão relevantes quando se entende o ‘risco’ como decorrente de uma relação deestranhamento entre o sujeito com o ‘outro’.

A perspectiva estruturalista busca identificar como o conhecimento de ‘risco’e a sua prática se estabelecem através da estrutura cultural, das hierarquias e dascategorizações. O objetivo é identificar as estruturas sociais e culturais que man-têm o status quo, ao controlar os desviantes pelo uso de normas e regulamentos.

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Os trabalhos de M. Douglas podem ser classificados como “estruturalistas fun-cionais”, ao passo que a abordagem de Beck (1986) pode ser entendida como“estruturalismo crítico”, ao enfatizar o conflito social e a necessidade de mu-danças em relação ao ‘risco’ com a expressão ‘sociedade de risco’. Baseada naobra de Foucault (1926-1984), a perspectiva do “pós-estruturalismo” enfatizaos aspectos do exercício do poder e o papel do discurso na construção de no-ções da realidade e do seu entendimento. Conhecimento e poder estão vincula-dos e a pseudo-neutralidade deve ser denunciada.

A perspectiva subjetivista, representada principalmente pela “teoria cultu-ral do risco”, tem sido alvo de diferentes questionamentos (Boholm, 1996). Noentender de Alexander & Smith (1996), tanto no extremo configurado por Wil-davsky & Douglas como no outro, com a obra de Beck (item 3.4), a cultura nãoé tomada de forma autônoma. Uma exceção neste aspecto é o enfoque de Luh-mann (1999), cuja reconstrução da gênese histórica do ‘risco’ rejeita o caráterestático da cultura. Contudo, para Grundmann (1999), tanto a teorização deLuhmann (1999) como a de Beck (1986) têm carecido de tratamento empírico.A maioria dos trabalhos que vêm sendo apresentados – como, por exemplo,Dake (1992), Adams (1995) e Murphy (2001) – buscam menos confirmar teori-as e muito mais esclarecer como as diferentes formas de cultura lidam com o‘risco’, usando a tipologia de arquétipos de Max Weber (1864-1920). Há, contu-do, outros trabalhos empíricos que tentam resgatar o papel do contexto nassituações de ‘risco’, onde sujeito e ambiente se encontram em relação recíproca.É o caso de Ross & Ferreira-Pinto (2000) usando o referencial de Bandura, bemcomo de Horowitz (1989, 2000), aplicando análise transacional para o estu-do do desenvolvimento infantil em situações adversas ou potencialmenteperigosas. Em nossa língua, Spink (2001) apresentou o ‘risco’ numa pers-pectiva de linguagem, para entender melhor o papel do ‘risco’ enquanto “aven-tura” na sociedade moderna.

Em resumo, a evolução da perspectiva subjetivista é um desenvolvimentoprogressivo que se apresenta de forma distinta da perspectiva objetivista. Nãohá, como naquele caso, um esforço organizado para superar as limitações devalidade, inerentes das premissas adotadas, numa aproximação para o campooposto (subjetivismo relativo à personalidade). Na perspectiva subjetivista, há,pelo contrário, uma expansão no próprio campo de estudo. Os diferentes en-tendimentos do ‘risco’ não se excluem na especificidade da perspectiva, mas secompletam. Por isso, devem ser entendidos como uma continuidade, apesar daforma discreta em que foram analisados. Por outro lado, da mesma forma que oobjetivismo, as aproximações subjetivistas também não estão livres da crítica.

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Perspectiva da ‘sociedade de risco’

A obra de Beck (1986) tornou-se referência obrigatória no estudo con-temporâneo do ‘risco’ nas ciências sociais e tem sido alvo de um grandenúmero de trabalhos. Sua análise dos problemas da sociedade contemporâ-nea e do papel do ‘risco’ cobre diferentes áreas, tratando de várias questõesatuais, como contingência, ambivalência, pluralismo e individualização. Suaperspectiva, embora subjetivista, é aquela que talvez mais se aproxime dorealismo, como reconheceu New (1995). Nesse e nos trabalhos seguintes,foi construído um projeto de racionalização, inspirado em valores univer-sais aplicados à vida social. O aspecto prático se completa com a propostade uso de “sistema especialista” por A. Giddens, de forma a dar conta daimprevisibilidade (Rudolf, 1995).

Para Beck, ‘risco’ seria algo mais ou menos inevitável, mas previsível e ad-ministrável. Contudo, ‘risco’ só existe em termos de conhecimento sobre ele.Pode-se reduzi-lo e dramatizá-lo através do conhecimento, mas não eliminá-lo.Isto porque, ‘risco’ seria um termo aberto para definição e para construção so-cial. Conseqüentemente, qualquer um torna-se especialista, presumindo por simesmo o que deve ou não ser feito, resultando em seu conjunto numa “aceita-ção cultural”. Com isto, surge o conceito de ‘sociedade reflexiva’, ao argumentarque o ‘risco’, como questão individual, torna-se o motor da auto-politização dasociedade pós-industrial.

O termo ‘sociedade de risco’ é introduzido como uma forma de tentardefinir o momento presente, farto de perigos ambientais e das insegurançasdecorrentes do processo de modernização, pois, no seu entender, a moderniza-ção envolve não apenas mudanças estruturais, mas também a transformação dasrelações entre estruturas sociais e seus agentes. Assim, observa-se as classessociais perdendo referência, sendo substituídas pela condição de “classes derisco”, onde a distribuição de ‘risco’ toma o lugar do processo da distribuiçãodesigual de riqueza.

No entender de Beck (1989), essas duas condições (“sociedade de risco” e“sociedade reflexiva”) são necessárias para a sociedade atual resolver duas ques-tões simultâneas, decorrentes da adoção de um modelo técnico-cientifico deprodução aliado à forma econômica capitalista. A primeira questão é como ariqueza produzida socialmente pode continuar sendo distribuída de forma desi-gual e legítima? Ao mesmo tempo, como se pode, em termos aceitáveis, preve-nir, inativar, dramatizar, redirecionar e conduzir riscos e perigos, produzidos deforma sistemática no processo industrial avançado, sem sobrepor-se aos inte-resses ecológicos, médicos, psicológicos e sociais?

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Para Beck, a produção e a distribuição de riqueza é inseparável da produçãode ‘risco’ e da sua distribuição nas esferas ecológica e psicossocial. Ele argumentaque a cada avanço na produção-tecnológica surge um novo ‘risco’ imprevisível dedegradação dos recursos ambientais, criando demanda para mais cientificismo naprodução. O processo acaba se configurando numa geração contínua, “algo comoum jogo automantido entre o risco e economia”. Assim, medo e sua saciedade sãomeramente simbólicos e independem do seu contexto para satisfazer as necessi-dades humanas. Para ele, proliferação de riscos decorre do fato do processo deinovação tecnológica ter perdido o controle social, convertendo-se em soluçãopara qualquer problema. A sociedade virou um laboratório em que ninguém maisse responsabiliza pelos resultados das experiências. Por isso, ele clama por uma“cultura de incerteza”, distinta daquela mantida até agora, limitada entre a adoçãodo controle do ‘risco’ marginal (seguro) por um lado e a adoção de barreiras àinovação, ou de segurança absoluta (o não ‘risco’), por outro.

Esta perspectiva gerou vários questionamentos. Para Cohen (1999), Beckdescreve uma situação própria da Alemanha. Enquanto alguns consideram a suacrítica exagerada, outros a consideram incompleta. Engel & Strasser (1998) en-tendem a teoria falha em relação às implicações estruturais, por exemplo, ao nãoreconhecer que as pessoas não estão expostas de mesma forma aos riscos rela-tivos à modernização. Além disto, contestando o seu otimismo, afirma-se que aindividualização não implica uma sociedade mais igualitária.

Perspectivas específicas na relação saúde-ambiente para o

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conceito de ‘risco’

O entendimento dos fenômenos presentes na relação saúde-ambiente fazamplo uso da expressão ‘risco’. Skolbekken (1995) chega a denunciar uma ver-dadeira “epidemia de risco” na literatura médica. Contudo, o que de fato podeser observado é também uma grande dificuldade de aceitação da incerteza in-trínseca no processo mórbido, em parte refletindo a incapacidade da biologia desuperar a condição de ‘causa’, ao contrário da física do século XX. Para melhororganizar a conceituação de ‘risco’ em uso nessa relação, convém dividir a exposi-ção em dois grupos de argumentos: aqueles de emprego quando o produto darelação saúde-ambiente demanda algum tempo de observação (como na doença)e aqueles usados quando se observa um produto imediato (como nos acidentes).

a) A doença como um ‘risco’A possibilidade da doença ser entendida como um ‘risco’ dependeu da ul-

trapassagem da conceituação de doença enquanto estado (algo presente e consta-

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tável enquanto fato, onde só cabe a ação curativa), para doença enquanto processo(algo que se presume como desfecho, algo que evolui e que admite interrupção noseu curso). Na década de 60, este entendimento consolida-se, quando Leavell &Clark (1965:15) propõem o entendimento da “doença” como um “processo saú-de-doença”, algo dinâmico, explicado pela “história natural da doença”. Na mes-ma obra, os autores criticam a noção de causalidade única decorrente da bacterio-logia, lembrando que a presença do agente no corpo do hospedeiro por si mesmanão o leva à doença (Leavel & Clark, 1965:12-13), fazendo surgir a noção de “cau-salidade múltipla”, ou “multicausalidade”. Essas noções perduraram até as doen-ças não-transmissíveis assumirem plena relevância a partir dos anos 70.

O estudo das doenças não-transmissíveis trouxe um conjunto mais amplode “causas” à “multicausalidade”, ao ponto de se acrescer mais um nível deintervenção, o “primordial”, voltado ao controle de “modelos” ou “padrões devida” ditados pela condição social, econômica ou cultural das populações. O “es-tilo de vida” do sujeito passou a ser o alvo de prevenção e um “estilo” admitevários fatores passíveis de correção (Beaglehole, Bonita & Kjellstroem, 1993). Comoos epidemiologistas foram capazes de separar estes aspectos como “condiçõesdeterminantes” da causação de outros tidos como “fatores causais específicos”,configurou-se um quadro de “causa e contexto”. Com isso, ganhou relevânciageral o uso do termo “fatores de risco” como forma de configurar o contexto,uma noção que já estava em uso na epidemiologia, especialmente para se estudarfatores que condicionam a ocorrência e evolução de doenças crônicas.

Ao mesmo tempo, a epidemiologia tem o seu alicerce na observação empí-rica, o que lhe dá autoridade para as proposições práticas de intervenção. Mas,neste nível, separar o que possa ser “causa” e o que possa ser “contexto” acabaconvertendo-se num processo arbitrário. Pfeiffer & Kenner (1986) propuseramque se um fator ou um conjunto de fatores é necessário mas não suficiente paraa doença, ele deve ser entendido como um fator/fatores de ‘risco’. Contudo,‘causa’ também é um ‘fator’ necessário, mas não suficiente, como argumentou-se contra a “teoria do contágio”. Não é sem razão, portanto, que Plaut (1984)preferiu entender ‘fatores de risco’ como características ou circunstâncias cujapresença está associada a um aumento da probabilidade de que o dano venha aocorrer, sem prejulgar se o fator em questão é ou não uma das causas do dano.Mas, mesmo assim, o conflito entre atribuição de causa e fator de ‘risco’ não seesgota. Por isso, é comum que o pesquisador prefira formular definições, aoinvés de conceitos, para estabelecer a precisão necessária. Por exemplo, Mer-chan-Hamann, Tauil & Costa (2000) entendem ‘risco’ na saúde como uma “pro-babilidade condicional” e meramente descrevem as condições de observação des-sa probabilidade. Conseqüentemente, o mais comum é observar-se o núcleo de-terminístico da ‘causa’ sobrepondo-se à condição probabilística do ‘risco’. Não é

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sem razão, portanto, que alguns, como Castiel (2001), observem que os ‘riscos’acabam se objetivando nos gráficos e convertendo-se em ‘causas’ pela força deassociação estatística. O resultado de todo o esforço investigativo, o qual deveriapromover um conjunto de opções para intervenção, acaba se convertendo nummarco de fronteira entre o seguro e o perigoso, como esclarece Carter (1995).

Em síntese, embora a doença venha sendo melhor entendida por procedi-mentos contextualistas, aproximando uma visão mais relativista e menos deter-minista no fenômeno ‘adoecer’, isto não tem ocorrido sem dificuldades. Issoporque a incerteza, inerente à idéia de ‘risco’, é conflitante com a percepçãoconstruída para o saber médico. Além disso, há o forte apelo da tradição inaugu-rada por Koch & Pasteur no século XIX, o fraco subsídio das ciências afins quedão suporte teórico e as implicações no âmbito social específico, como os plei-tos jurídicos. Conforme Lynch & Henifin (1998), o direito ainda tenta com difi-culdades superar a noção de ‘causa’, buscando alcançar o entendimento dosfenômenos a partir da idéia de ‘risco’. Curiosamente, esta ‘exigência’ causal aosaber médico, raramente decorre do processo heurístico na clínica médica. Mui-to embora os procedimentos possam estar ligados à noção de causa-efeito, omédico também pondera reações adversas e contextualiza, tanto a condição dopaciente como as informações que dispõe dele, raciocinando sobre suas indica-ções ou prescrições em termos de ‘risco’. Com grande freqüência, ele obtémsucesso, mostrando ser capaz de dar solução à doença sem que a sua “causa”tivesse sido estabelecida propriamente ou de maneira inequívoca.

b) O acidente como um ‘risco’A conseqüência adversa como um produto imediato da relação saúde-am-

biente é o acidente, seja ele no trabalho, no trânsito no esporte ou no lazer. Oentendimento do acidente como um ‘risco’ enfrenta problemas semelhantes aosjá revistos para as doenças no esforço de superação da noção de ‘causa’. Contu-do, há um agravo: a flagrante contradição ontológica/epistemológica. Isto por-que, com o advento da organização do trabalho em fábricas, o acidente passou ater ‘causa’, justamente um fenômeno que, desde a tradição aristotélica, só podiaser entendido como ‘causa acidental’, ou ‘causa sem causa’. O acidente, dada asua não-intencionalidade, foi na tradição ocidental o arquétipo do acaso. Nãocabe aqui a exposição dos detalhes do desaparecimento do acaso nos acidentes.O fato envolveu diferentes aspectos de ordem econômica, organizacional e reli-giosa, tendo sido revisto em profundidade por Lieber (1998). O curioso, contu-do, é o fato de se formular teorias de ‘risco’ para explicar acidentes, mesmo coma exclusão do acaso. Isto só se explica graças à indistinção entre ‘risco’ e ‘causa’e no forte viés realista das teorias e métodos, como demostrou Lieber (1998).

Na atualidade, o entendimento de acidentes, conforme o conceito de ‘ris-co’, é formulado por duas teorias principais: a “Teoria da Homeostase de Ris-

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co”, proposta originalmente em 1982 por Wilde (1982, 1986), e a “Teoria daPonderação de Risco” proposta por Hale & Glendon (1987). Na “homeostasede risco”, Wilde (1982) buscou descrever o comportamento de motoristas, con-siderando um sistema em circuito fechado e uma população sob risco. As infor-mações entrariam nesse circuito alertando a população para o nível de riscopresente do ambiente. Se o “nível intencional de risco”, desejado pelos indiví-duos, e o nível presente estivessem desbalanceados, o princípio homestáticomudaria o comportamento dos indivíduos e restabeleceria o equilíbrio.

A “ponderação de riscos” parte de pressupostos radicalmente distintos.Entende-se que a redução do risco intrínseco (no ambiente) implica diretamenteem redução das perdas por acidentes. Além disso, ao contrário daquela outra,não se considera que possa haver compensações “comportamentais” em res-posta às mudanças no nível de risco. Detalhes destas proposições e exame dassuas suficiências foram apresentados por Lieber (1999).

Trabalhos subseqüentes, tentando demostrar a suficiência da teoria da Ho-meostase de ‘risco’ – como Simonet & Wilde (1997) e os achados de McKenna(1987) – mostraram que as premissas são só em parte verificadas. A teoriaconverge o enfoque no comportamento do sujeito, usando premissas econômi-cas do tipo custo-benefício. ‘Risco’, portanto, é algo objetivamente dado e obje-tivamente entendido. Por outro lado, a teoria da “Ponderação de Risco” partedo pressuposto que o perigo é dado pelo ambiente (perigo objetivo) e que osujeito sob ‘risco’ age mecanicamente em função direta da acessibilidade de in-formação e da habilidade perceptiva. A tomada de decisões lógicas e racionaisreduziria o perigo. Tanto num caso como no outro o “controle” das situaçõesdecorre da ‘disciplina’ e o conceito de ‘risco’ presumido não difere da tradicionalperspectiva objetivista.

Em resumo, o acidente é tratado como um ‘risco’ sem acaso, fruto deuma má decisão de base racional. Tal mito encontra reflexos mesmo nascompanhias de seguro, tradicionalmente ‘peritas’ no tratamento do acaso.Alguns, como Lanoie (1990), vêm colocando em dúvida a possibilidade deseguro de atividades perigosas, já que trabalhadores e empregadores temcondições de afetar a probabilidade de acidentes. Todavia, tal fato não excluia incerteza e não é sem razão que as mesmas seguradoras busquem alcançar asubjetividade presente no processo estudando os atributos éticos, ligados à“tentação” e ao “caráter”, traduzindo o “risco moral” (Baker, 2000). As inter-pretações dos acidentes, de uma forma geral, carecem de conceitos funda-mentais, como “causa” e “contexto”, cuja distinção permite uma aproxima-ção de ‘risco’ sob plena possibilidade do acaso no campo das incertezas, comoargumentam Lieber & Romano-Lieber (2001b).

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Retorno às origens: perspectivas de ‘risco’ nas ciências

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econômicas

Nos estudos econômicos, ‘risco’ tem uma longa história de emprego eo seu significado foi bem além da mera contratação de “seguros”, uma prá-tica observada desde a antigüidade, conforme já mencionado. Rigakos &Hadden (2001) lembram que no século XIII as cidades de Gênova e Paler-mo já colecionavam dados de navegação mercantil, estimando os prêmiospara segurar este setor. Acredita-se que estes procedimentos tenham sidointroduzidos em Londres no século XV, vindo a constituir o embrião dapolítica de Estado baseada em teoria econômica observada a partir do sécu-lo XVII (Rigakos & Hadden, 2001).

Com o advento do capitalismo e até o final do século XIX, a teoria econô-mica clássica passou a entender o ‘risco’ como um dos fatores que justificaria olucro na economia. O investidor submete-se ao “sacrifício da abstinência” (aoformar capital) e ao ‘risco’ do empreendimento, cabendo ao termo ‘risco’ osignificado geral da possibilidade/probabilidade de insucesso. A inovação surgecom Karl Marx (1818-1883), ao mostrar que o lucro decorre da apropriação deparcela do trabalho contratado (mais-valia). Na sua abordagem tipicamente de-terminista, ‘risco’ não constituiu um objeto de análise propriamente.

Ao criticar tanto a teoria econômica clássica quanto o marxismo, o austría-co E. von Boehm-Bawerk (1851-1914) trouxe um entendimento distinto para opapel do ‘risco’. Para ele, a diferença entre o valor do produto e os salários pagospara produzi-lo deveria incluir, entre outros fatores, o “prêmio para o risco”.Como o empreendimento capitalista está sujeito ao perigo de uma produção demaus resultados, o ‘risco’ não estabelece o lucro, mas sim um custo (o “prê-mio”) adicionado aos salários pagos (Boehm-Bawerk, 1890:nota 45).

No século seguinte, o americano F. Knight (1875-1972) apresentou umaimportante contribuição à teoria econômica ligando aspectos de microecono-mia e macroeconomia ao estabelecer uma clara conceituação de ‘risco’ e o seupapel na formação do lucro, distinguindo ‘risco’ e “incerteza”. No senso co-mum, tanto risco como incerteza referem-se a situações similares, onde o futuronão pode ser predito. Mas Knight em 1921 restringiu o uso do termo ‘risco’àquelas situações em que eventos futuros ocorrem com probabilidade mensurá-vel, enquanto a “incerteza” se aplicaria quando a condição de eventos futuros éindefinida ou não-calculável. Esta distinção permitiu a Knight afirmar que o‘risco’ não gera lucro nem é responsável pela imperfeição do mercado, pois,cabendo antecipação e mensuração, todos os empreendedores podem fazer ar-ranjos de seguro, convertendo “riscos” em “certezas” (Rose, 2001).

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A condição de “incerteza” não submete-se à qualquer análise a priori, dada a suaextrema irregularidade e condição única de surgimento do futuro. Não há possibili-dade de análise estatística porque não se sabe exatamente o que virá acontecer e,portanto, não há “encadeamento causal” passado-futuro para ser configurado (Rose,2001). A rigor, o futuro carece de antecipação porque ele “está em vias de ser cria-do”, graças às transformações nas estruturas e à criatividade dos agentes econômi-cos (Dequech, 2000). Esta condição de “incerteza radical” distingui-se ainda da“ambigüidade”, um estado em que o desconhecimento decorre da ignorância defatos mesuráveis, embora não acessíveis no momento (Dequech, 2000).

Sendo assim, a obtenção de lucros decorre da capacidade do empreende-dor de lidar com esta “incerteza radical” ou, de “prever o imprevisível”. Paraalguns, esta ação decorre do “bom julgamento” (Rose, 2001), enquanto que paraoutros, a “incerteza radical” não é absoluta e admite graduações, graças às insti-tuições sociais (Dequech, 1997, 2000). Assim, embora os indivíduos possamagir de forma idiossincrática e criativa, eles não agem de forma errática porqueeles foram de alguma forma “socializados” (Dequech, 2000).

Cabe lembrar que o uso da distinção de “incerteza”, tanto por Knight quantopor Keynes (1883-1946), não excluiu a condição de incerteza própria da condi-ção de ‘risco’. O fato de se dispor de uma série histórica não exclui o improvável,uma das razões para se contratar “seguro”. Por esta razão, os economistas tam-bém referem-se ao ‘risco’ como “incerteza fraca” e à incerteza radical como“incerteza forte”. Mas a admissão desta última pressupõe uma visão específicada natureza da realidade, ou referencial ontológico e epistemológico, onde seadmite que o mundo fica sujeito a transformações estruturais (Dequech, 1997).

Se a incerteza está “presente”, tanto na natureza das coisas como na essên-cia do ‘risco’, como agem os agentes econômicos? Ou, qual é a natureza do“bom julgamento”? Dequech (1999) propõe uma alternativa de resposta na teo-ria econômica, ao tentar elucidar o processo envolvido no estado de expectativa,relativa ao desenrolar de uma situação futura, e a racionalidade sob incerteza dosenvolvidos. Para ele, o processo de escolha não seria um procedimento absolu-tamente objetivo, pois dependeria de aspectos ligados à “confiança” e ao “espi-rito animal”, denominação formulada por Keynes em 1936 para conceituar a“ânsia expontânea em prol do agir ao invés de inércia”. Para Dequech, esta“disposição otimista” não se limita ao agir ou não agir, mas envolve diferentestipos de ação e pode se entendido como um processo “arracional”, pois emboranão entre em contradição com o conhecimento vigente, também não é mera-mente ditado por ele. Ou seja, para dar conta da “incerteza” a razão é necessária,mas não suficiente.

Este enfoque “keynesiano”, contudo, não constitui consenso na teoria eco-nômica. A própria concepção de risco de F. Knight foi contestada em 1948 por

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Friedman & Salvage, para quem “qualquer escolha de opção com múltiplas pos-sibilidades é feita sob condição de risco, pois cada uma delas pode ser designadacomo uma probabilidade condicional, contingente de uma dada seleção” (Thomp-son & Dean, 1996). Esta crítica neoclássica ganhou relevância quase absoluta nopensamento econômico atual graças à teoria do jogos formalizada por VonNeumann & Morgenstern em 1944, de forma que a condição de “incerteza”converte-se num problema de decisão e de suas diferentes implicações, como opapel da heurística (ver Mueller, 2001). Nesta perspectiva, a racionalidade ex-pressa-se de forma simples: “maximização de benefícios e minimização de per-das”. Contudo, esta mesma simplicidade que permite os desenvolvimentos ana-líticos (por ex. na econometria) também é o seu ponto fraco, o alvo das críticas.Como já mencionado, a concepção econômica neoclássica (ou neoliberal) sóatende um ponto de vista: aquele do decididor. Esta forma sistemática de exclu-são da incerteza radical em prol de uma visão determinista de risco é entendidopor Reddy (1996) como o resultado do convívio da legitimidade democráticacom a ineficácia dos procedimentos propostos pelos decididores.

Um contribuição particular para o entendimento do ‘risco’ na economia foiproporcionada por Schumpeter (1883-1950). Conhecedor das teorias de Marx,este economista estudou as crises do capitalismo e as sua “leis de movimento”.Segundo este, as crises do capitalismo decorriam da redução de lucros devido àselevações de salário. Estas levariam os empresários à automação, reduzindo maisainda os lucros (pela menor possibilidade de extração de mais-valia). A únicaforma de manter os lucros seria, portanto, expandindo o empreendimento, gra-ças à busca incessante de novas técnicas. Schumpeter (1911) inova ao propor asinovações tecnológicas como decorrente da luta de classes. O sistema econômi-co caminha para a estabilidade com a minimização do lucro, mas sofre perturba-ções por aqueles que pretendem a ascensão social. Estes, “os empreendedores”,se arriscam ao inovar a tecnologia e a organização, obtendo lucros maiores, atéserem imitados por todos os outros, quando os lucros voltam a cair. Este pro-cesso, a “destruição criativa”, mostra que o lucro, na verdade, decorre do ‘risco’assumido pelo “empreendedor” e que este nasce na elite não-capitalista.

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Discussão: temário para um debate

A profusão de possibilidades do conceito de ‘risco’ apresentada foi decor-rente do pressuposto de validade das formas de uso. Destas diferentes possibi-lidades, contudo, há uma essência que se destaca. ‘Risco’, em diferentes manei-ras, mantém a idéia de algo adverso sujeito à incerteza. Mas essa ‘incerteza’ nãocondiciona apenas o adverso, mas condiciona também o seu oposto (o ‘propício’ou o ‘favorável’), bem como o desconhecido (inerentemente nem bom nem mau).

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É uma intencionalidade específica de ênfase que faz o uso do termo ‘risco’ emdetrimento do termo ‘oportunidade’.

Como mostra a história do seu uso, ‘risco’ tem suas raízes na tradição mer-cantil. Não é sem razão, portanto, que estes seus aspectos essenciais (adversidade eincerteza) se mantenham ainda na teoria econômica. Como justificativa para o lucroou como justificativa para a própria (im)possibilidade do sistema capitalista, ‘risco’ láalcança esta posição central justamente pela incerteza inerente, capaz não só do“infortúnio”, mas também da “boa sorte”, sem a qual não haveria nenhum sentidona ação empreendedora sob ‘risco’. Tal evidência, contudo, não impediu que o con-ceito fosse transfigurado, em atendimento dos mais diferentes propósitos, particu-larmente para justificar a iniqüidade social. Do mesmo modo, prestou-se a evoluçãodo entendimento da probabilidade e do mundo como um sistema de acontecimen-tos discretos. Teoria e práxis convergem. Assim, nem a probabilidade e, portanto,nem o ‘risco’, podem ser entendidos como frutos da objetividade absoluta, poisdecorrem de um processo de elaboração repleto de restrições subjetivas. Nãopodem ser entendidos também sob subjetividade absoluta, pois o mundo socialnão é um processo estático, preso de forma inexorável aos valores, tradições ouàs formas definidas de cultura. ‘risco’ pressupõe conceitos atados aos entendi-mentos em elaboração do mundo, entendimentos estes que incluem os aspectosda cultura mas que não excluem as experiências ou vivências empíricas do pas-sado, tal como a probabilidade tenta representar.

Os aspectos destacados permitem pressupor que os diferentes conceitosdecorrem de diferentes apropriações parciais da realidade, voltadas ao atendi-mento de diferentes objetivos. Entretanto, quais são os entendimentos compar-tilhados quando se emprega ‘risco’ de forma tão generalizada nas relações saú-de-ambiente ? Em outras palavras, por que o conceito de ‘risco’ tornou-se hoje,também, tão central naqueles debates? Além disso, quais são as conseqüênciasao se entender ‘risco’ nessas formas tão parciais ou restritas, sem pudores de seexcluir a incerteza inerente? Como o ‘risco’ poderia ser entendido de formaalternativa, preservando o seu caráter tanto contingente como necessário ? Comodar conta da contradição de se aceitar riscos inaceitáveis e de se rejeitar riscosinsignificantes? E, ainda, como promover um conceito compatível com umacondição dinâmica da vida, capaz de denunciar a vilania dos “equilíbrios”, cujaessência é a apologia ao status quo?

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‘Risco’: vacância entre o passado e o futuro

A oportunidade do ‘risco’ no momento atual pode ser discutida tomando-se o seu conceito, algo como um elo de ligação entre o passado e o futuro. Se a

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teoria econômica mostra que ‘risco’ nunca deixou de ser central nas explicações,poder-se-ia perguntar por que o pensamento econômico tornou-se tão centralnos tempos atuais. O porquê é uma resposta difícil, mas a mesma teoria mostratambém como as crises traduzem a ‘normalidade’ e não a excepcionalidade naconsecução do desenvolvimento capitalista. Não é sem razão, portanto, que ter-mos de uso militar como ‘risco’, ‘estratégia’, ‘tática’ tenham se tornado tão vulga-res no trato das coisas e das pessoas, como lembrou Adorno (1969:216) para esteúltimo. E nem é sem razão também o surgimento das diferentes objeções, dado ouso indiscriminado daquilo que é próprio ao emprego circunstancial.

Contudo, esta crise, que se manifesta pela centralidade do uso do termo‘risco’, não poderia manter-se sem um conjunto de idéias, cuja progressiva ges-tação, transformou os conceitos de história e a prática da política. Tal pode serdeduzido das reflexões de Arendt (1954). Para ela, a história deixou de ser com-preensão do passado para ser um projeto do futuro. Com as idéias de Hegel(1770-1831), a história passou a ter um sentido cognoscível, ao se entender oprocesso histórico enquanto dialético. Mas, com os esforços de Kierkegaard(1813-1855), Marx (1818-1883) e Nietzsche (1844-1900), desapareceu, também,aquela visão totalizadora, ainda que de conflitos, promovendo o colapso da tra-dição. Com o fim das tradições, a teoria deixou de ser um conjunto de verdadesinterligadas (produto da racionalidade) e passou a alcançar sua validade pelo fatode funcionar. Este fato, marcante no desenvolvimento da física moderna, trouxeimplicações na política. Neste campo, como a verdade é dialógica, o fim datradição fez surgir uma verdade factual. A verdade é aquilo que se apresentaenquanto fato, mas o que se apresenta depende de intencionalidades e possibili-dades, inclusive a respeito do passado. Suprime-se um rosto de uma fotografiade grupo para excluir uma contradição do presente, como mostrou o totalitaris-mo soviético. O uso de verdade factual traz o ceticismo, mas também traz oentendimento que ela em si não é evidente nem necessária. A sua condição deverdade decorre dos fatos terem ocorrido de uma dada maneira e não de outra,mas todo o encadeamento poderia ter sido diferente (idem), ou seja: o campo dopossível é maior que o do necessário.

Em síntese, as contraposições (ou o processo dialético) unem passado efuturo, mas a finalidade se esvai com o fim das tradições. Neste estado de nostal-gia e de horror à incerteza, trafega uma verdade factual, pragmática, ansiosa pelacondição de autoridade. Mas a autoridade, como lembra Arendt (1954), é umainvenção romana que depende da tradição ou de uma ação conjunta fundadorapara legitimar-se. É nesse contexto que se deve entender tanto o papel central daciência, como da política em prol da exclusão quase absoluta do ‘risco’ natural.Tanto a ciência (com a idéia de progresso) como o capitalismo moderno (com oespírito animal de Keynes) dependem essencialmente de uma visão otimista

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para legitimação. E este otimismo opera politicamente na relação saúde-ambien-te ao se forçar a introjeção de uma responsabilidade pulverizada, que permitetanto o exercício do poder de Estado negligente, como a desconsideração decontextos que se prestam à tomada de ação. Assim, enchentes se explicam pelo“efeito estufa”, ou pelo lixo jogado no córrego, e nada se faz a respeito, já que“eu” fiz a “escolha” pelo automóvel ou pelo córrego. O terremoto, enquanto‘risco’ natural, desaparece, porque são as construções erigidas sobre a falha geo-lógica que matam.

Tal entendimento, dominando todas as matizes políticas, desde os ultralibe-rais aos ‘verdes’ radicais, mostra também a carência das tradições que se esvaem.O saudosismo da ‘vida natural’ convive com o temor das transformações revo-lucionárias, cujo poder de ameaça decorre tanto das possibilidades excluídas,como das contradições vivenciadas. Enquanto alguns compartilham uma talabundância a ponto de a ênfase atual do ‘risco’ ser entendida como fruto do“crescimento de opções” (Nassehi, 1997), a maioria perde as derradeiras opçõesde sobrevivência no seu habitat. Enquanto que para aqueles a natureza conver-teu-se no maravilhoso supérfluo a ser preservado, para estes a exploração domundo natural continua sendo o âmago das suas necessidades.

Desse todo, o que se expõe é uma nova face do velho problema: a recorren-te necessidade do capitalismo em busca de ações altruístas para viabilização doprocesso de formação do capital pela assimetria das trocas. Tal como denunciouRosa Luxemburg (1871-1919) para a necessidade do trabalho feminino e infan-til, a viabilidade do sistema depende de relações não-capitalistas. Assim foi coma casa dos pobres na Inglaterra do século XIX, com o trabalho filantrópico doséculo XX e, agora, com o apelo aos ‘voluntários’, às ‘organizações sem finslucrativos’ e ao ‘conservacionismo’. Para que a expropriação possa continuar,alguém tem que abrir mão das suas necessidades em prol das alheias, caso con-trário, o colapso da acumulação é inevitável.

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Exclusão da incerteza: a esperança lograda pelo otimismo

Se a tradição está fora de moda, viva a tradição! Como subverter a possibi-lidade do novo, pregando-se a mudança para uma volta ao mesmo? A exclusãoda incerteza é uma forma de uso do conhecimento científico que se presta àexclusão do acaso e da tragédia. Seu propósito é promover o mito do mundoabsolutamente dado, sem espaço para qualquer não conformidade, servindo-sedo logro. O ideal iluminista de uma ciência libertadora da determinação trans-cendente ficou reduzido ao conformismo das determinações imanentes ou ‘leisda natureza’.

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No mundo contemporâneo, o acaso nos acidentes desapareceu. Para al-guns só existem “traumas”, porque os acidentes são absolutamente previsíveis,conforme texto divulgado pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2001). Green (1999)lembra que o desenvolvimento da atenção à saúde em todos os níveis nesteúltimo século converteu o infortúnio do acidente numa função da assistênciaprestada. Assim, como prevê a teoria econômica, a imprevisibilidade do ‘risco’converte-se numa questão de conformidade de seguro. Tudo passa a ser qualifi-cado por relações dadas e, portanto, possíveis. Morrer de dengue deixou de seruma questão de contexto, propício ao acaso de encontros com o vetor da doen-ça, mas é uma função do sujeito ter ou não um seguro saúde para ser hospitali-zado e tratado a tempo.

A refutação da incerteza se dá graças ao esplendor do sistema. Mas não setrata apenas da visão simultânea do passado e do futuro. Para que a incertezapossa ser excluída é necessário que se reduzam os acontecimentos observados aocorrências eventuais ou eventos. Enquanto o evento é aquilo que ocorre comalguma freqüência, passível de medição, o acontecimento é único e efêmero. Talcomo uma audição musical, o instrumento e o concertista podem ser os mes-mos mas a performance e a sensação produzida jamais será idêntica. Ao restrin-gir o significado dos fragmentos coletados ao medido, o cientista confunde oacontecimento com evento, justifica uma dada estrutura arbitrária do sistema(aquela passível de medição) e promove a falsa idéia da suficiência do eventoquando há apenas a sua necessidade. Como o conjunto de eventos traduz umconjunto de necessidades, a estrutura do sistema acaba sendo entendido comoum encadeamento causal, capaz de explicar porque algo ocorre, mas não o con-trário. Não é surpresa, portanto, que o cientista se veja constrangido a reconhe-cer a subjetividade como necessária, pois o real inclui o ainda não imaginado, damesma forma que o possível abarca necessariamente o provável (ou aquilo quefoi medido). A decisão tomada sob objetividade absoluta leva à catástrofe, comodemonstrou Damásio (1994) na neurofisiologia.

A confusão entre evento e acontecimento tem sua raiz na predominânciado orientalismo na cultura ocidental. Desde os códigos de Hamurabi (1792-1750 a.C.), passando pelos mandamentos judaico-cristãos até as leis romanas, háuma promoção da conformidade em desprezo ao circunstancial ou ao extempo-râneo que caracterizam o trágico. O conforto do horóscopo é o caminho quereduz o futuro à repetição do mesmo sempre presente, como a moderna ‘quali-dade total’ nas indústrias. Muito distante do enigma oracular grego, cuja revela-ção ou confirmação era decorrente de um processo, voltado à descoberta doinusitado sobre si ou sobre a natureza.

Em cada circunstância apontada, como no uso generalizado do seguro, naconfusão entre evento e acontecimento ou no obstinado esforço de controle

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das estruturas para domínio da realidade possível, há a expressão do logro. E aassociação do logro com o ‘risco’ foi concebida por Adorno & Horkheimer(1944), ao interpretar ‘risco’ como um sacrifício que poupa sacrifício. Se diantedo altar, a “promessa”, ou a “vela acesa” é “trocada” por uma graça maior,logrando-se a divindade, agora o óbolo converteu-se em prêmio a ser pago àsseguradoras (ver Lieber & Romano-Lieber, 1997). Dessa forma, passa desperce-bido que a garantia da superação da incerteza não decorre da pequena ‘oferen-da’, numa ação voltada ao logro, nem do cumprimento de contratos, como quero lógica burguesa, mas sim das relações sociais que obrigam as pessoas compro-metidas entre si. E esta obrigação recíproca é uma questão essencialmente ética.

Em síntese, é a articulação de um logro que permite o paradoxo da retoma-da de relações de causa-efeito no âmbito do conceito de ‘risco’ em lugar daprevalência das relações de contexto. Como o mundo real submete-se ao mun-do imaginado, tudo aquilo que possa contradizer a lógica da estrutura ou de umdado processo de ganho (o poupar-se de sacrifício) deve ser combatido. A con-tradição de se oprimir tanto os ‘arriscadores’ como os ‘ilógicos’, que insistemem refutar os ‘riscos desprezíveis’, ganha sentido nesse processo de permanenteexclusão de qualquer alteridade, incapaz de conceber aquilo que Nietzsche cha-mou de “alma nobre”. Mas são estes, “com a razão em pausa”, que obrigam aexpansão do possível para proveito de todos. Pois se a racionalidade permitealguma certeza, demonstra-se que esta é sobre a ignorância (Faber, Manstetten& Proops, 1992). Logo, o que resta ao homem comum além da confiança emseus semelhantes, nas possibilidades desprezadas e no seu julgamento íntimoentre o bem e o mal? Esta é a dimensão ética nas relações de ‘risco’ que nãopode ser ignorada e nem pode ser reduzida à ética utilitarista. A conservaçãoambiental não pode ter como justificativa “a proteção do legado das futurasgerações”(Brundland), nem a “preservação das espécies de utilidade desconhe-cida”, visto que se houver utilidade ou usufruto, não será necessariamente emprol da equidade. A dimensão ética está atada à promoção da condição humana,cujo significado é um problema em aberto.

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‘Risco’ e a condição humana

O que há em comum e contraditório entre o ‘ambientalista’ que luta parasalvar uma baleia encalhada e o miserável que insiste em construir na vertentedo morro? Em comum há o fato da impossibilidade de se aceitar a naturezacomo ela é, da necessidade de se fazer alguma coisa contra o seu curso e daincerteza do sucesso dessa ação. A contradição está no ato de se humanizar anatureza, à custa da naturalização do homem. Rejeita-se o curso da lei de Da-

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rwin (1809-1882), protegendo-se o mais fraco, sem dar-se conta da própria de-sumanização na relação social com o outro. Ignorar contextos e suas opções fazparte da lógica ingênua, para não dizer cínica.

Estas considerações sugerem uma preponderância do ‘risco’ tanto na pro-moção como na redução da condição humana. Um entendimento possível des-sa situação está exemplificado na Figura 2. A proposta (Lieber & Romano-Lie-ber (2001a) insere o ‘risco’ num contexto dinâmico, decorrente da condiçãohumana submetida a duas contradições radicais. Por um lado, o “homem é umser natural contra a natureza”, rejeitando os riscos naturais e promovendo osriscos tecnológicos (o homem trabalha). Por outro, o “homem é um ser para orisco”, pois prefere o uso da racionalidade incerta ao invés da certeza instintiva,como nas demais espécies (a perpétua ignorância). O resultado dessa dinâmica éo conhecimento, sempre incompleto. Tal como na paixão, o sofrimento envol-vido é para quase nada ao se esperar quase tudo. Tal como naquela, a devoçãopode ser cega aos ardis e à vilania. O mesmo ensejo capaz de promover o ho-mem para além de si mesmo, também sustenta uma relação de expropriação (oconhecimento convertido em capital).

Figura 2 – Contexto dinâmico para entendimento do ‘risco’ enquanto expres-são da condição humana e do seu uso para expropriação do conhecimentoauferido

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Ignorância

Artificiais

Intervenção Humana

Riscos

Naturais

Riscos

presente

ausente

Energia Humana

Abstrata

Capital

Trabalho

Natureza

CONHECIMENTO

Produtos

O homem como

um ser para o risco

O homem contra

Mercadorias

MERCADO

natureza

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Neste modelo radical não há equilíbrios, só há conflitos. E os conflitos sãodecorrentes da tomada dos fatos da vida no seu contexto histórico, onde o passadoguarda experiências, felizes e frustadas, enquanto o futuro é o lugar da esperançacontida no desconhecido. O presente não é todo congelado, mensurável, mas é a“negação da natureza pura do homem” como quis o próprio Pascal (Pondé, 2001:20).Tal estado de ‘risco’, contudo, não se confunde com a condição de livre-arbítrio,pois, não apenas o conhecimento é nele incompleto, como quis Cardoso (2001),mas também porque o contexto configura um conjunto de opções definidas e nãooutras quaisquer. Além disso, nenhum sujeito dispõe do poder de escolha entre serou não humano, restando-lhe apenas, como alternativa, a escolha das formas possí-veis de como promover a humanização inevitável.

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Lacunas

Entre as lacunas para futuras pesquisas, destacadas por Grundmann (1999)e Tierney (1999) e outras apontadas por esta exposição, pode-se sumariar:

• Faltam estudos mostrando o papel de cientistas como atores políticos,bem como a natureza do processo da análise de ‘risco’ enquanto umempreendimento científico, tal como demostrou-se na pesquisa experi-mental em Latour & Woolgar (1979) ou nas obras mais recentes deLatour (1988, 1999).

• Faltam estudos da produção social ‘risco’, identificando, por exemplo,as forças sociais que alocam e criam ‘risco’, explicitando seus propósitose suas formas de atuação. Embora a construção social do ‘risco’ e doseu objeto seja um linha bem definida de estudo, falta esclarecer, emcada caso, o que está efetivamente em disputa nos debates sobre ‘risco’e como as forças institucionais configuram o ‘risco’.

• São raros os estudos mostrando segurança e ‘risco’ como propriedadesdinâmicas de sistemas sociais. Faltam demostrações do papel das resis-tências. Por exemplo, como a denúncia de ‘risco’ muda as condiçõessociais ou tecnológicas, ou, como o ‘risco’ pôde ser evitado por violaçãode normas e procedimentos, explicitando as formas de se lidar comincertezas intrínsecas.

• Embora o tratamento de ‘risco’ faça amplo uso de conceitos da teoriaeconômica, são poucos os estudos que exploram o pleno potencial depossibilidades, não só nos aspectos críticos, mas também no melhorentendimento dos processos sociais para se lidar com incertezas. O re-conhecimento da incerteza poderia proporcionar maior valoração docontexto, permitindo teorias mais coerentes relativas ao ‘risco’.

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Estes e outros aspectos, contudo, estão vinculados à promoção de teoriasque possam lidar com as formas de múltiplo entendimento, configurados pelaspossibilidades dos contextos, bem como ensaios de síntese na antropologia filo-sófica. Além disso, os pressupostos possíveis para o conceito de ‘risco’ permi-tem o seu uso como um instrumento útil, capaz de ultrapassar as posições ma-niqueístas e de consolidar a revisão crítica do conceito de causa.

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Conclusão

O exame dos conceitos de ‘risco’, nas suas convergências e contradições,permite uma conclusão de síntese. Como quis Eliade (1957:166), não há como ohomem moderno abolir por completo o seu passado religioso. Para tanto, as de-monstrações no uso do conceito de ‘risco’ são as mais diversas, desde a rejeição daincerteza e da alteridade, até a busca das regras do mundo em apelo ao passado. Alógica dicotômica, tão consolidada pelo monoteísmo judaico-cristão, reduz o usodo conceito de ‘risco’ à separação entre o bom e o ruim, entre o seguro e o perigo-so. Na vigência de um mundo absolutamente dado, o futuro não é um objeto deconstrução, mas é um produto da ‘causalidade’. O diferente não pode ser vistocomo um campo de possibilidades, porque só existem determinações.

Não sem razão, este estudo mostra que não há excesso de discursos sobre‘risco’, mas sim uma monótona, conveniente e perversa redução do seu signifi-cado. Num apelo místico, a ciência passa a ser usada para proporcionar certezas,inerentemente efêmeras e limitadas, reduzindo, ao invés de ampliar, as possibili-dades de humanização do homem. Como o horror à incerteza promove a suaexclusão, ao invés da busca de alternativas de convivência, as relações sociais e assuas formas de regulação vão perdendo a importância. Para tanto vão contribu-indo as limitações teóricas, numa aproximação inevitável entre o realismo e oreacionarismo, ao se excluir cada vez mais o campo das possibilidades, ignoran-do desejos e ceifando os brotos do humanitarismo.

Faltam teorias, faltam intelectuais. Como quis Luhmann (1927-1998), o papeldo intelectual não é simplificar os entendimentos, mas enriquecê-los, produzin-do complexidade. Os especialistas da práxis (médicos, engenheiros, sanitaristas,economistas) reduzem a complexidade e encontram “soluções”. Os intelectuaisdevem fazer o contrário, para promover possibilidades de soluções inauditas,por princípio contra-intuitivas, criando novas teorias (Gumbrecht, 2001). Vive-se o absurdo de especialistas lidando com o homem, com o poder de alterarradicalmente a sua condição, mas freqüentemente sem compartilhar entendi-mentos do que possa ser homem. O resultado é a barbárie, onde tudo valeporque quase nada foi conceituado. E o intelectual se faz (Morin) quando o

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especialista inconformado avança para o campo social e político (Lahuerta, 1998).É a busca de sentido para a sua práxis em vias de alienação.

Esta apresentação tomou o homem como expressão de um projeto paraconcluir mostrando como esse projeto enquanto risco, por ter um fim imprevi-sível, vem se reduzindo pela lógica implacável da funcionalidade pragmática.Dolorosamente, um modelo mostra como o “empreendedor-inovador” deSchumpeter não se presta apenas para tirar o capitalismo da sua fase de maras-mo, mas é também fundamental para torná-lo viável na sua própria condição deestagnação, graças aos ‘riscos’ que o operário, o camponês ou mesmo uma na-ção inteira se obrigam a assumir para sobreviver. A garantia das margens deganho no processo de acumulação depende também do ‘risco’ assumido pelo“empreededor-inovador” miserável, num processo que só termina na barbárieque hoje se vivencia. Onde está o erro? Na natureza humana que insiste nas suascontradições radicais, ou no uso que se faz dela em prejuízo da própria condiçãohumana? Como teorizou Schumpeter em outra obra (Capitalism, Socialism andDemocracy, 1942), o capitalismo pode ser um sucesso econômico mas não é umsucesso social (Heilbroner, 1953:280).

Resta, então, a derradeira pergunta ao ‘risco’: sua essência é o viver na misé-ria da inovação ou o viver na inovação da miséria? Para isso, Janus emudece,porque a resposta não está nem no passado nem no futuro, mas sim no presen-te, onde a pobreza teórica se habitua à iniquidade, incapaz de entendimentosalternativos para as coisas do mundo e do homem.

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