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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E TURISMO
INSTITUTO DE FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E POLÍTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
ANÁLISE DE CLASSES E RELAÇÕES DE TRABALHO NO CAPITALISMO GLOBAL
Dianine Censon
QUESTÕES: A GLOBALIZAÇÃO E O INDIVIDUALISMO
Quando se pretende falar de individualismo e coletivismo, uma série de
argumentos que explicam o crescimento do primeiro frente ao segundo podem
ser resgatados. Argumentos esses, indiscutivelmente concretos, no entanto,
não justificam a atual crise nas relações entre os indivíduos e as preocupações
cada vez menos relacionadas ao bem estar geral. Em tempos de greves,
manifestações e protestos coletivos, faz-se necessário entender como se
organizam os indivíduos que compõem esses movimentos, uma vez que
parece um pouco dispare tratar de individualismo sem compreender como se
formam esses grupos aparentemente, em um primeiro momento, coletivos.
Este paper tentará tratar de algumas amostras dos eventos
supracitados, a partir de exemplos no contexto brasileiro, buscando relacioná-
los com características dessa nova forma de organização social individualista e
sem representatividade concreta.
Greves, protestos e manifestações brasileiras
Em 2013 o Brasil foi palco de uma série de protestos populares que
tiveram um intenso início em junho, diminuindo sua frequência em julho. Esses
protestos eram, a princípio, uma contestação ao preço abusivo dos transportes
públicos em diversas capitais do país, mas tomaram proporções maiores,
assumindo preocupações com novos temas, principalmente a partir da forte
repressão policial contra os manifestantes.
Tais protestos trouxeram à tona temas polêmicos na administração
pública brasileira. Além da redução do valor das passagens do transporte
público, foram tratados assuntos como os aumentos dos recursos para a saúde
e a educação, a corrupção, a impunidade e os gastos com as obras para a
Copa do Mundo (CORREIO BRAZILIENSE, 2013). Assim, não só dentro do
país, mas também no exterior, estes temas foram motivo de reflexão e
reposicionamento da visão de Brasil na atualidade.
Na ocasião, e talvez por tratar-se de uma primeira organização
manifestante tão numerosa em muitos anos na história do Brasil, pouco se
falou sobre a discrepância entre as reivindicações populares. No entanto, a
repressão da utilização de símbolos partidários foi discutida. Aqui, mais do que
o evento em si, considera-se crucial para o desenvolver desse trabalho atentar
sobre a forma como se organizaram os manifestantes: as comunicações
virtuais. Pela primeira vez o país viu-se tão unido, e muito disso deu-se pela
impessoalidade causada pelas redes de comunicação virtuais (ESTANQUE,
2014), que colaboravam não apenas para a divulgação dos acontecimentos,
mas também para a publicização das ações, dos pensamentos, críticas,
ideologias e outros elementos componentes de uma manifestação popular. Os
indivíduos, ao reconhecerem sua luta também na luta do outro, o que acrescia
força aos movimentos.
Em 2014 a greve dos garis do Rio de Janeiro, apesar de caracterizar-se
como um evento mais local, trouxe a tona temáticas e características que
podem remeter aos eventos de 2013. De forma resumida, os garis da cidade
do Rio de Janeiro reivindicavam uma série de melhorias nas condições de
trabalho, entre elas o aumento salarial. No entanto, o grupo grevista negava-se
a ter como porta-voz das reivindicações o sindicato da categoria, alegando que
esse não os representava. O impasse tornou-se maior pois a administração
pública argumentava que não poderia negociar com grupos isolados, apenas
com os representantes sindicais1.
Na situação, pouco se ouviu questionar quais os motivos para que esse
grupo não se sentisse representado pelo sindicato em questão. Obviamente
que, após muitas negociações, assinou-se um acordo coletivo que
contemplava todas as reivindicações, mas a greve ficou marcada como aquela
em que o grupo grevista não aceitava seus representantes. O que
transpassava por essa relação? A falta de confiança no sindicato, a
necessidade de renovação (física e estrutural), o excesso de burocratização, a
ineficácia das lutas sindicais, a desagregação de interesses, a falta de
coletividade, a individualização (ESTANQUE, 2009; ESTANQUE e COSTA,
2013) são alguns dos elementos problemáticos que têm se destacado nas
relações sindicalistas, mas haveriam outras características próprias dessa luta
grevista que não tiveram atenção?
Finalmente, em 2015, viemos acompanhando novas manifestações, com
as mais diversas temáticas. Foram eventos em março, abril, maio e agosto,
relacionados a críticas frente ao governo vigente, apoio ao governo, debates
acerca da redução da maioridade penal e a situação precária dos professores,
apenas para ilustrar algumas das vozes representadas nessas ocasiões2.
Nesse momento, o maior destaque são as divergências de
reivindicações presentes até mesmo no mesmo grupo manifestante. Parece
cruel dizer, mas o que se vem discutindo é que a “popularização” das
manifestações populares acabou por destituir dessas seu caráter sério,
engajado, preocupado socialmente. Ao invés de serem encaradas com
seriedade, a desinformação dos manifestantes acerca da situação do Brasil, da
1 Mais informações acerca da greve podem ser consultadas na notícia veiculada pelo G1, com o título de “Entenda o impasse entre garis em greve e Prefeitura do Rio”, de 07 de março de 2014, disponível em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/03/entenda-o-impasse-entre-garis-em-greve-e-prefeitura-do-rio.html2 Os sites http://www.pragmatismopolitico.com.br/ e http://g1.globo.com/politica/ao-vivo/2015/manifestacoes-no-brasil.html mantêm um arquivo com todas as manifestações brasileiras nos últimos tempos, o que pode demonstrar o papel de destaque que o aumento dessas vêm desempenhando na vida da população.
história política, do momento em que país vive tornaram grande parte das
manifestações motivo de brincadeiras e ironias, insinuando que no país, além
de não haver um coletivo convergente, o individualismo beira à ignorância.
Haveria uma resposta a tudo isso?
George Orwell, ao escrever A Revolução dos Bichos (1945), talvez não
imaginasse que sua fábula/sátira, já tão desgastada pelo uso como arma
ideológica, continuasse a ser tão representativa da realidade mesmo 70 anos
depois. Na história, toda a movimentação arquitetada pelos animais da granja
perde o sentido quando esses animais são oprimidos por um de seus iguais. A
perda de representatividade, o uso tão claro do poder, o individualismo e o
descaso parecem engraçados quando protagonizados por um porco, mas tão
cruéis quando em analogia com a realidade social.
Apesar de terem características diferentes, os exemplos apresentados
em 2013, 2014 e 2015 refletem nada mais do que as consequências da
globalização e do individualismo nas relações sociais. Em 2013, com o poder
das comunicações o povo conseguiu ter voz, reconhecer-se no outro e, mesmo
com divergências, lutar em prol de um bem comum. Em 2014, a falta desse
reconhecimento e desse coletivismo transformaram algo simples em uma
confusa burocratização. Já em 2015, parece que o país se transformou em
uma imensa Torre de Babel, confusa e impossível de se compreender, onde o
individualismo parece a causa e a solução de todos os problemas.
Não há uma resposta aos questionamentos levantados durante a escrita
desse texto, nem uma solução concreta aos problemas. Mas, julga-se de bom
tom, retomar aqui a Revolução dos Bichos. Quando, em certa altura da fábula,
os animais já percebem que não mais são representados, acabam por
perceber também que os sete mandamentos pelos quais a Granja dos Bichos
deveria reger sua vida alteraram-se para apenas um, abusivo e claramente
tomado de relações de poder e individualismo: "Todos os animais são iguais.
Mas alguns animais são mais iguais do que os outros" (ORWELL, George,
1945, p. 77).
Referências
Correio Brasiliense. Quase 2 milhões de brasileiros participaram de
manifestações em 438 cidades. Agência Brasil. Acessado em 29 de set. 2013.
Online. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br
ESTANQUE, Elísio. Sociologia e engajamento em Portugal: reflexões a partir
do trabalho e do sindicalismo. In: CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p.
311-324, Maio/Ago. 2009
ESTANQUE, Elísio. Rebeliões de classe média? Precariedade e movimentos
sociais em Portugal e no Brasil (2011-2013). In: Revista Crítica de Ciências
Sociais, 103, Maio 2014: p. 53-80.
ESTANQUE, Elísio; COSTA, Hermes Augusto. O sindicalismo europeu no
centro do vulcão: desafios e ameaças. In: Janus-Anuário de Relações
Exteriores, 16, 2013: p.176-177.
ORWELL, George. A Revolução dos Bichos. (1945). São Paulo: Companhia
das Letras, 4ed, 2007.