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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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O HOLOCAUSTO E SUAS REPRESENTAÇÕES: BIOGRAFIA, CINEMA E

QUADRINHOS

Antonio Carlos Bittencourt¹

Erivan Cassiano Karvat²

Resumo. Este artigo apresenta um relato sobre as atividades desenvolvidas no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), durante o período 2013/2014. O projeto inicial, estabeleceu como objetivo principal, um estudo sobre o tema Holocausto, a partir de diferentes representações que vão além da linguagem escrita dos livros didáticos. Como público-alvo, participaram os alunos do 9º ano do Ens. Fundamental. Como objetivos específicos elencados, destacaram-se: a reflexão sobre o tema em estudo; o estímulo ao repúdio à todos os tipos de preconceito; facilitar a percepção de que é o conhecimento favorece o respeito e a tolerância. Na fundamentação teórica estão presentes vários autores que analisam o antissemitismo e o Holocausto no contexto do regime nazista, e também discussões sobre o mesmo tema na historiografia atual. Ao longo do texto, estão descritas as diferentes atividades desenvolvidas em sala de aula, bem como seus resultados, a partir da utilização das seguintes representações sobre o Holocausto: A biografia e memórias (diário) de Anne Frank, e as memórias de Aleksander Laks; O Holocausto e o cinema, a partir dos filmes A vida é bela e Anne Frank: the whole story; Histórias em quadrinhos e o Holocausto com a obra Maus: a história de um sobrevivente. E ainda, este trabalho faz uma reflexão sobre a importância dessas múltiplas linguagens para o ensino de História. Considerações de professores que analisaram o Projeto de Intervenção Pedagógica e a Produção Didático-Pedagógica, também estão descritas. Como principal expectativa, espera-se que os alunos participantes, percebam que a História pode ser narrada por diferentes fontes. E notem que na História não existe uma verdade única, e sim verdades produzidas a partir de problematizações fundamentadas em fontes diversas.

Palavras-chave: Holocausto. Biografia. Memórias. Cinema. Quadrinhos.

Introdução

O presente artigo pretende relatar o trabalho desenvolvido junto ao Programa

de Desenvolvimento Educacional (PDE), o qual tem como um de seus objetivos, a

formação continuada dos professores que pertencem ao quadro da Secretaria de

Estado da Educação (SEED), e neste caso, realizado em parceria com a

Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), durante o período 2013/2014.

O ponto inicial das reflexões, análises e estudos, foi a elaboração de um

Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola, durante o primeiro semestre de 2013,

onde delimitou-se o tema O Holocausto e suas representações: biografia/memórias,

cinema e quadrinhos.

Como público-alvo escolhido para participar do desenvolvimento desse

projeto, durante primeiro semestre de 2014, foram os alunos do 9º ano (turma A), do

___________________________

¹ Professor da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná. e-mail: [email protected]

² Orientador PDE da Universidade UEPG. e-mail: [email protected]

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Ensino Fundamental do Colégio Estadual Professora Helena Ronkoski Fioravante,

município de Reserva, Núcleo Regional de Educação de Telêmaco Borba - Pr.

Pois ao considerar-se, que habilidades e aprendizagens ocorrem por meio de

diferentes fontes de estudo, não se restringindo apenas ao livro didático, cabe ao

professor buscar fontes alternativas para motivar, instigar e diferenciar sua aulas

junto ao seu aluno. E julgando necessário também, superar a superficialidade de

informações contidas nos livros, propôs-se então, elaborar um estudo do tema

Holocausto a partir de suas diferentes representações, como as citadas acima.

Ao analisar os livros didáticos da disciplina de História, tanto do Ensino

Fundamental, quanto do Ensino Médio, constata-se que os mesmos contemplam a

temática Holocausto de forma muito sucinta e esporádica. Além disso, esses

manuais apresentam pouquíssimas, ou quase nenhuma informação sobre a vida e o

martírio de determinadas vítimas desse assassinato em massa, considerado o

"acontecimento-limite" do século XX.

Nesse sentido, procurando sanar essa lacuna presente nas produções

didáticas destinadas a Educação Básica, pergunta-se: é possível elaborar uma

proposta pedagógica para alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, fazendo uso de

várias representações sobre esse tema?

Uma biografia e as memórias do biografado, duas produções

cinematográficas e uma história em quadrinhos, dão conta de exemplificar para os

alunos, essas diferentes representações?

Essas representações podem, por parte dos alunos, serem identificadas como

diferentes fontes históricas?

Além de apresentar a justificativa e a situação problema do tema escolhido,

cabe aqui, elencar alguns dos objetivos que orientaram a prática em sala de aula,

tais como: estimular a reflexão sobre o tema em estudo; destacar o poder de

doutrinação e os riscos de uma ideologia racial no contexto de um regime totalitário;

estimular o repúdio a todos os tipos de preconceito (de raça, classe, gênero, religião,

etc) e favorecer atitudes de tolerância e respeito; facilitar a percepção de que é o

conhecimento que favorece o respeito e a tolerância e de que não há cultura

superior à outra; conscientizar para o fato que vivemos em uma sociedade

multicultural e pluriétnica e incentivar o respeito pelas culturas dos diferentes grupos

étnicos que vivem no Brasil.

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É oportuno resaltar que o documento que serviu de embasamento inicial para

a construção desta proposta pedagógica foram as Diretrizes Curriculares da

Educação Básica de História, um a vez que as mesmas, sugerem inúmeras

possibilidades para o professor desenvolver suas atividades.

O trabalho pedagógico com diferentes documentos e fontes exige que o

professor esteja atento à rica produção historiográfica que tem sido

publicada em livros, revistas especializadas e outras voltadas ao público em

geral, muitas das quais disponíveis também em meios eletrônicos.

(DIRETRIZES, 2008, p. 71).

Além dessas produções historiográficas, o professor de História pode fazer

uso de diferentes recursos didáticos sobre um determinado tema. Dessa forma,

pode-se ampliar o universo de consultas para entender melhor diferentes contextos,

e ainda, oportunizar variadas interpretações de um mesmo acontecimento histórico.

Pois "As imagens, livros, jornais, histórias em quadrinhos, fotografias, pinturas,

gravuras, museus, filmes, músicas, são documentos que podem ser transformados

em materiais didáticos de grande valia na constituição do conhecimento histórico."

(DIRETRIZES, 2008, p. 78).

Pode-se assim, romper com os limites dos livros didáticos. Para exemplificar

essa situação, faz-se necessário citar as considerações contidas nas Diretrizes,

quanto ao uso dos mesmos:

[...] o professor precisa relativizar o livro didático, uma vez que as

explicações nele apresentadas são limitadas, seja pelo número de páginas

do livro, pela vinculação do autor a uma determinada concepção

historiográfica, seja pela tentativa de abarcar uma grande quantidade de

conteúdos em atendimento às demandas do mercado editorial.

(DIRETRIZES, 2008, p.70).

Para tentar superar essas limitações presentes nos manuais didáticos,

principalmente no que se refere aos conhecimentos sobre o Holocausto e suas

representações, enquanto proposta pedagógica é relevante que os alunos

percebam: "os limites do livro didático; as diferentes interpretações de um mesmo

acontecimento histórico; a necessidade de ampliar o universo da consultas para

entender melhor diferentes contextos." (DIRETRIZES, 2008, p 70).

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A historiografia e o Holocausto

O historiador Michael Robert Marrus, em sua obra A assustadora história do

Holocausto, faz um estudo sobre o tema, e com base nas considerações de outros

estudiosos, destaca as especificidades próprias e a singularidade desse genocídio,

considerado até então, sem precedentes na história humana.

Marrus recorre a observação feita por Yehuda Bauer: " O que torna o

Holocausto único é o conjunto da ideologia e sua tradução de pensamento abstrato

em um planejado assassinato total logicamente implementado." (BAUER apud

MARRUS, 2003, p. 63).

O próprio Marrus, ao identificar os campos de extermínio como um símbolo do

fenômeno Holocausto em sua totalidade, destaca sua particularidade:

A referência aos campos pode ser importante como uma forma de evocar

aquilo que provavelmente é o mais terrível aspecto da destruição da

comunidade judaica européia ― a sistemática desumanização das vítimas,

o processo de assassinato em massa, tal qual uma linha de montagem, e a

organização burocrática em escala continental que transferia pessoas de

todos os cantos da Europa para serem mortas. Esses elementos com

certeza são parte do Holocausto e eu concordo que constituem parte de sua

singularidade. (MARRUS, 2003, p. 63-64).

Em sua consistente análise sobre o uso do terror pelos regimes totalitários

implementados por Hitler e Stálin, Hannah Arendt comenta sobre o transporte, a

tortura e destruição da pessoa humana nos campos de extermínio.

[...] Começam com as monstruosas condições dos transportes a caminho do

campo, onde centenas de seres humanos amontoam-se num vagão de

gado, colados uns aos outros, e são transportados de uma estação para

outra, de desvio a desvio, dia após dia; continuam quando chegam ao

campo: o choque bem organizado das primeiras horas, a raspagem dos

cabelos, as grotescas roupas do campo; e terminam nas torturas

inteiramente inimagináveis, dosadas de modo a não matar o corpo ou, pelo

menos, não matá-lo rapidamente. O objetivo desses métodos, em qualquer

caso, é manipular o corpo humano ― com as suas infinitas possibilidades

de dor ― de forma a fazê-lo destruir a pessoa humana tão inexoravelmente

como certas doenças mentais de origem orgânica. (ARENDT, 1989, p. 504)

Feito essas colocações, conclui-se que, o Holocausto deve ser considerado

um dos acontecimentos mais impressionantes revelados ao mundo durante o final

da Segunda Guerra Mundial. Esse extermínio caracterizado pela perseguição e

"sistemático assassinato em massa, cometido pelos nazistas, contra judeus, ciganos

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e demais minorias consideradas inferiores" (MARRUS 2003 p. 23), simbolizou o

ápice da intolerância, do preconceito, da discriminação e do racismo.

Analisando ainda essa temática, como parte integrante de um determinado

processo histórico, deve-se citar o comentário do filósofo e historiador alemão Jörn

Rüsen em relação ao sentido histórico que ela adquire na forma elemento de

orientação para nossa vida atual. Para nós professores, enquanto educadores, e

para nossos alunos, na condição de educandos.

História, como processo que se desenrola no passado, tem sentido quando

é importante e significativa para se entender e para se lidar com

circunstâncias de vida contemporânea. Em geral, essa importância consiste

no fato de que o passado oferece a experiência de que se necessita para

orientar-se no presente e para desenvolver uma sólida perspectiva de

futuro. Essa experiência faz sentido quando pode ser utilizada para a

configuração da própria vida. (RÜSEN, 2001, p. 11).

Até mesmo o professor de História, que atua na Educação Básica, deve estar

atento as discussões no campo da historiografia envolvendo esse tema. Jörn Rüsen

ao comentar sobre o livro Os carrascos voluntários de Hitler, de Daniel Goldhagen,

procura demonstrar o quanto é polêmico e inesgotável o debate em torno de

interpretações do Holocausto.

Em comparação com as muitas explicações complexas dos especialistas,

essa tese é facilmente entendível e Goldhagen a conecta com uma crítica

fundamental a todas as interpretações do Holocausto publicadas até hoje:

nenhuma é suficiente para explicar a peculiaridade do Holocausto, que o

distingue de todos os demais genocídios da História. (RÜSEN, 1997, p 118).

E pode-se ainda citar Hayden White, que em Enredo e verdade na escrita da

História, descreve os problemas e dificuldades envolvendo narrativas sobre

interpretações da época nazista e de eventos como a solução final.

[...] para o discurso histórico tradicional, é presumido existir crucial diferença

entre uma 'interpretação" dos "fatos" e uma "estória" contada sobre eles.

Essa diferença é indicada pela aceitação de noções de uma estória "real"

(contra uma imaginária) e uma estória "verdadeira" (contra uma falsa).

(WHITE apud MALERBA, 2006, p. 194).

Carlo Ginzburg, no capítulo O extermínio dos judeus e o princípio da realidade

do livro A história escrita: teoria e história da historiografia, aborda a polêmica que

envolve estudiosos e escritores de posições opostas em relação ao tema: de um

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lado, os que defendem a existência do Holocausto em toda extensão, como é o caso

do historiador e intelectual francês Pierre Vidal-Naquet, autor de Um Eichaman de

papel; e de outro, os revisionistas que procuram negar esse genocídio, e que tem os

professores e escritores franceses Robert Faurisson e Paul Rassinier, como os

principais expoentes dessas ideias.

A negação do shoah ocorreu pela primeira vez em 1951, pelo historiador

francês e ex-interno do Campo de Concentração de Buchenwald Paul

Rassinier, especificamente com o livro: A Mentira de Ulisses (1951). Nesse

livro consta uma negação da existência das câmaras de gás e da ocorrência

do holocausto, Rassinier começava duvidando dos números do holocausto

até chegar a sua negação por completo. Depois que Paul Rassinier abriu

precedência para que o holocausto fosse negado, inúmeras obras negando

o holocausto foram publicadas. (NARCIZO, 2010, p 1).

Faurisson também contesta a existência das câmaras de gás e dos campos

de extermínio.

[...] este autor é quem centraliza o debate sobre a negação do holocausto

desde a década de 1970, isso se dá porque no final da referida década,

especificamente em dezembro de 1978, o então professor de linguística da

Universidade de Lyon publicou no Le Monde os artigos: Genocídio por

Telepatia, Explica Hilberg (1978) e O Problema das Câmaras de Gás e o

Rumor de Auschwitz (1978); Faurisson desde então é o grande nome dos

“negacionistas”. Com as publicações de Faurisson a negação do holocausto

chega ao grande público, o que outrora era distribuído de forma panfletária

atinge o mercado editorial. (NARCIZO, 2010, p 2).

Esta discussão feita até agora, serve para ilustrar de forma muito superficial, o

quanto é complexo, polêmico e contraditório essa análise, pois este artigo não

possui a pretensão de fazer uma reflexão profunda e consistente sobre o tema.

Uma das principais preocupações deste trabalho é sim, procurar destacar a

relevância e a pertinência do tema Holocausto, visto sobre a ótica das diferentes

representações, no ensino de História e também, as suas possíveis contribuições

para os colegas de área de conhecimento.

A importância das diferentes representações para o ensino de História

Ao se pensar no uso dessas diferentes representações― biografia/memórias,

cinema e quadrinhos ― no ensino de História, cabe então destacar, que o uso das

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mesmas, atendem a um dos principais objetivos do Ensino Fundamental, que é,

segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, a possibilidade dos alunos poderem

desenvolver a capacidade de: "saber utilizar diferentes fontes de informação e

recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos;" (BRASIL, 1998, p.

8). E que também, na prática do professor, no seu ofício, na busca cotidiana de

desenvolver um processo de ensino e aprendizagem de forma satisfatória e eficaz,

os diferentes recursos didáticos, tais como: "livros, enciclopédias, jornais, revistas,

televisão, cinema, vídeo e computadores também difundem personagens, fatos,

datas, cenários e costumes que instigam meninos e meninas a pensarem sobre

diferentes contextos e vivências humanas." (BRASIL, 1998, p. 38), e assim, olharem

para um determinado acontecimento histórico por meio de diferentes enfoques e

perspectivas.

Em relação a trabalhos desenvolvidos com biografias/memórias em sala de

aula, acredita-se que um dos obletivos gerais do Ensino de História, de acordo com

os PCN, tenha sido alcançado, que é "compreender que as histórias individuais são

partes integrantes de histórias coletivas;" (BRASIL, 1998, p. 43). Além disso, essas

representações possibilitam ao "desenvolver atividades com diferentes fontes de

informação (livros, jornais, revistas, filmes, fotografias, objetos etc.);" (BRASIL, 1998,

p. 77), um enriquecimento de possibilidades metodológicas de ensino.

Na sequência, apresentam-se algumas considerações pertinentes e pontuais

sobre o uso de cada uma dessas diferentes representações no ensino de História.

O uso da biografia enquanto uma reflexão para a própria História

Um dos objetivos deste trabalho, foi a elaboração de uma proposta

pedagógica que fez uso do gênero biografia, enquanto uma representação escrita,

para abordar o antissemitismo e o Holocausto

A utilização desse gênero, abre a possibilidade para que os alunos ampliem

o contato com livros e desenvolvam o hábito e o gosto pela leitura. Além disso, a

leitura de textos biográficos contribui para que crianças e jovens possam conhecer

realidades históricas e sociais de determinada época, lugar, de forma significativa e

contextualizada. E ainda, segundo o texto biografias na Sala de Aula:

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Conhecer biografias diversas permite que os alunos ampliem seus

horizontes e conheçam outras formas de viver, diferentes da sua. Hábitos e

costumes de outras épocas e locais mostram que existem múltiplas

maneiras possíveis e legítimas de ser e de agir no mundo. Isso favorece a

tomada de consciência das características da própria sociedade em que se

vive, quanto a constituição de um sentimento de tolerância e valorização da

diferença. (KUBRIC 2007, p. 2).

Reforçando ainda essas afirmações, a análise biográfica permite ao professor

de História, principalmente do Ensino Fundamental, lançar um olhar mais

abrangente sobre a pessoa biografada. "Na ótica dessa concepção, o indivíduo é

observado no interior de uma rede complexa que envolve vínculos de amizade,

condição social, pertencimento a grupos filosófico-religiosos, região em que atuou

etc." (SILVA, 2012 p. 7).

No capítulo Grandezas e misérias da biografia, do livro Fontes Históricas, a

historiadora Vany Pacheco Borges enfatiza que, ao se ler uma biografia, percebe-se

quantas áreas da História se cruzam ou se confundem, quantos temas estão

contidos:

a micro-história, os estudos de caso; a História oral, as histórias de vida; os

trabalhos sobre vida cotidiana, sobre sensibilidade, sobre sociabilidade.

Também a discussão sobre memória, sobre geração, sobre família, sobre

gênero são de grande interesse para quem precisa entender uma vida

individual. (BORGES, 2006, p. 215).

Para finalizar essa discussão, faz-se uso aqui, das ideias defendidas pelo

sociólogo francês Pierre Bourdieu. No texto A ilusão biográfica, ele afirma que, ao se

tentar compreender uma vida como série única e por si suficiente de acontecimentos

sucessivos, sem considerar a relação com o espaço social no qual eles se realizam

"é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem

levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as

diferentes estações." ( BOURDIEU apud AMADO e FERREIRA, 2006, p.189-190).

A biografia e as memórias de Anne Frank: uma representação do Holocausto

Atento as essas discussões, e acreditando que a obra biográfica selecionada

atende a essas "exigências", foi proposto então, abordar o tema Holocausto,

situando a personagem Anne Frank nesse contexto.

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Como biografia para uso didático-pedagógico, utilizou-se o livro Anne Frank:

uma biografia, pois considera-se atualmente, uma das produções que melhor retrata

a vida e as experiências individuas da menina Frank, sem perder o pano de fundo

histórico.

O olhar de Anne, naturalmente muitas vezes fragmentado, sobre seu

ambiente e o mundo do externo que se reflete no diário, deve ser ampliado

por meio de um olhar geral de fora. Ele documenta seu caminho de vida e

sua via-crúcis, bem como de seus parentes mais próximos e amigos mais

íntimos, copiando a partir da "vítima mais conhecida" de Hitler, que todos

imaginavam conhecer e da se sabe tão pouco, a loucura do regime nazista:

da propaganda de ódio, passando pela expatriação, degradação e privação

dos direitos, até a deportação e massacre organizado dos judeus.

(MÜLLER, 2007, p.11).

Como última observação, vale destacar que foram utilizados fragmentos do

próprio diário durante as atividades previstas na intervenção pedagógica. No seu

pequeno caderno quadriculado, Anne narrou suas experiências diárias, além de

seus medos, pequenas alegrias, aflições amores, coragem e fraquezas humanas.

Descreve também como todo o grupo enfrentou a fome, o tédio, a realidade do

confinamento e a ameaça constante de serem descobertos e mortos. Em 1947, esse

diário foi publicado pela primeira vez, com o título O diário de Anne Frank, tornando-

se a partir daí, um dos livros mais lidos em todo o mundo, principalmente pelo

público infanto-juvenil.

O Holocausto representado no cinema

As fontes audiovisuais (cinema, televisão e os recursos sonoros em geral),

tornaram-se nas últimas décadas, objeto de estudo por parte dos historiadores. Um

dos objetivos deste trabalho, seguindo essa tendência, foi a utilização e análise de

uma determinada produção cinematográfica, enquanto representação do

Holocausto, sem a pretensão de mostrar a história como realmente ocorreu. Tão

pouco, apresentar a sequência dos fatos por meio de uma caricatura falsa.

[...] a utilização do cinema nas aulas de História não precisa enaltecer ou

ridicularizar a representação do filme em nome de uma pretensa visão

correta da História. Os alunos podem aprender algo mais interessante se

conseguirem entender que o cinema não passa de uma representação.

(CARDOSO apud CAMPOS, 2009, p. 54).

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Sendo assim, cabe ao professor, mostrar ao aluno, que um filme não é uma

produção fiel da realidade histórica, mas uma construção que modifica a realidade

por meio dos seguintes elementos: "articulação de imagens, palavras, sons e

movimentos. Os elementos relacionados à produção (iluminação, enquadramento,

movimentos de câmera, cores) fazem parte da linguagem fílmica, que também

transforma e interpreta a realidade." (FERREIRA, 2009, p. 128).

Marcos napolitano em A História depois do papel, ao salientar de forma mais

sólida, diz que o olhar do historiador deve estar atento a tudo que sê e ouve em

determinado filme e às estratégias de ligação dos planos e das sequências.

[...] os personagens, o figurino, o cenário, a textura e os tons predominantes

nas imagens, o ângulo da câmera, os diálogos, a trilha sonora ― musical ou

não ―, os efeitos de montagem etc. Nessa perspectiva, percebe-se que o

elemento verbal (os diálogos, base do roteiro de um filme) é um entre tantos

elementos constituintes da linguagem fílmica e o historiador deve cotejá-los

com a imagem-movimento que lhes correspondem. (NAPOLITANO, 2006, p.

275).

Outra questão crucial, em relação aos filmes históricos, e que não pode

passar despercebida, diz respeito a análise das escolhas do diretor quanto aquilo

que ficou de fora do filme, mas que, por dedução lógica, poderia estar nele contido.

[...] o importante não é apenas o que se encena do passado, mas como se

encena e o que não se encena do processo ou evento histórico que inspirou

o filme. Não se trata de cobrar do diretor a fidelidade ao evento encenado

em todas as suas amplitudes e implicâncias, mas de perceber as escolhas e

criticá-las dentro de uma estratégia de analise historiográfica.

(NAPOLITANO, 2006, p. 275).

Existem atualmente, dezenas de filmes que retratam o Holocausto e que

oferecem para o ensino de História, muitas possibilidades para o trabalho escolar.

[...] O importante é o professor que queira trabalhar sistematicamente com o

cinema se perguntar: qual o uso possível deste filme? A que faixa etária e

escolar ele é mais adequado? Como vou abordar o filme dentro da minha

disciplina ou num trabalho interdisciplinar? Qual a cultura cinematográfica

dos meus alunos? (NAPOLITANO apud CAMPOS, 2009, p. 54).

Visto como objeto de análise em uma atividade didático-pedagógica para o

Ensino Fundamental, o filme apresenta aspectos que vão além dos objetivos de

quem o criou, pois sua produção está inserida numa realidade histórica.

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[...] Sua utilização como recurso didático pressupõe um exercício crítico, no

qual professores e alunos deverão tornar-se aptos a ler. Considerando

esses elementos, o filme podes ser um poderoso aliado para a discussão de

comportamentos, visões de mundo, valores e identidades de uma

sociedade em um dado momento histórico. (FERREIRA, 2009, p. 129).

Procurando atender à todas essas orientações, foi desenvolvido em sala de

aula, um trabalho com os seguintes filmes: A vida é bela e Anne Frank: The Whole

Story.

O filme Anne Frank: The Whole Story, foi lançado em 2001, sendo uma

produção da rede ABC dos Estados Unidos, e está baseado no livro Anne Frank:

uma biografia de Melissa Müller. A fundação Anne Frank se recusou a atestar a

legitimidade e proibiu o uso de qualquer citação do Diário.

A vida é bela, escolhido aqui, como uma das diferentes representações do

Holocausto, foi produzido em 1997. Dirigido por Roberto Benigni, esse filme é uma

produção italiana.

Esse filme concilia aspectos antagônicos como o encantamento pela vida e os

horrores do Holocausto. Constituído de duas partes: na 1ª parte, uma sátira ao

totalitarismo fascista italiano de Benito Mussolini; em sua 2ª parte, transforma-se em

uma fábula, a partir do momento que o personagem Guido tenta fazer seu filho

acreditar que a vida no campo de concentração nada mais é que um simples jogo,

um simples divertimento. Isso tudo para que o menino não perceba o ambiente cruel

no qual estão inseridos.

Histórias em quadrinhos e o Holocausto

Abrindo um pouco mais esse leque de possibilidades pedagógicas ligadas ao

tema, opta-se agora para uma reflexão sobre a história em quadrinhos, vista como

uma representação diferenciada sobre o Holocausto.

Buscando atrair a atenção dos alunos e ao mesmo tempo despertar neles o

gosto e o prazer pelo estudo de História, muitos professores estão lançando mão de

alternativas para inovarem suas aulas. Entre essas metodologias, pode-se destacar

o uso das histórias em quadrinhos.

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Inseridos no contexto da sala de aula, os quadrinhos podem ser utilizados

como ferramenta para a prática educativa, uma vez que seu formato pode propiciar

uma leitura agradável.

Sem falar na presença de técnicas artísticas como enquadramento, é

preciso pensar também que os quadrinhos são uma forma de texto duplo,

eles unem harmonicamente o texto imagético e o texto escrito, nesse

sentido, ao lê-los os alunos estariam também se alfabetizando visualmente.

As HQ são um conjunto de técnicas que tanto podem ajudar a melhorar a

leitura do texto em si como a leitura das imagens, imagens que dialogam

numa sequência de símbolos e signos, formando um conjunto harmônico de

enunciados que envolvem o leitor. (LIRA, 2011, p.160).

É preciso lembrar que recentemente os professores receberam um respaldo

legal para sua utilização, pois os próprios órgãos oficiais de educação passaram a

reconhecer a importância de se inserir as histórias em quadrinhos no currículo

escolar, desenvolvendo orientações específicas para seu uso. "É o que aconteceu

no Brasil, por exemplo, onde o emprego das histórias em quadrinhos já é

reconhecido pela LDB (Lei de Diretrizes e bases) e pelos PCN (Parâmetros

Curriculares Nacionais)." ( RAMA e VERGUEIRO, 2004, p. 21).

Além disso, as histórias em quadrinhos aumentam a motivação dos

estudantes para o conteúdo das aulas, aguçando sua curiosidade e desafiando seu

senso crítico. "A forte identificação dos estudantes com os ícones da cultura de

massa ― entremos quais se destacam personagens dos quadrinhos ―, é também

um elemento que reforça a utilização das histórias em quadrinhos no processo

didático." ( RAMA e VERGUEIRO, 2004, p. 21).

Sua inclusão na sala de aula, propicia ao aluno um aumento de possibilidades

relacionadas aos meios de comunicação, incorporando linguagem gráfica às

linguagens oral e escrita, que normalmente utiliza.

Devido aos variados recursos da linguagem quadrinhística ― como balão, a

onomatopéia, os diversos planos utilizados pelos desenhistas ―, os

estudantes têm acesso a outras possibilidades de comunicação que

colaboram para seu relacionamento familiar e coletivo. (RAMA e

VERGUEIRO, 2004, p. 24).

Cláudio da Costa Barroso Neto destaca o potencial educativo desse tipo de

material "Com uma abordagem dada com outra fonte que não seja apenas o livro

didático, buscamos, com os quadrinhos, em primeiro lugar atrair o olhar do aluno

para a história." (NETO apud SILVA, 2013, p. 225).

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Neto, após uma análise do livro Ensinar e aprender história: Histórias em

quadrinhos e canções, organizado por Sobanski, aponta que "a história em

quadrinhos surge como uma mediadora entre a cultura juvenil e o conhecimento

histórico." (NETO apud SILVA, 2013, p. 224), pois é para o jovem, de linguagem

acessível e excelentes comunicadoras e de ideias e incentiva-os a valorizar a

história.

Feito essas considerações, aponta-se agora a história em quadrinhos que foi

selecionada para ser utilizada em sala de aula. Maus: a história de um sobrevivente,

escrita pelo cartunista e ilustrador Art Spiegelman, e que memoriza a experiência

vivida por seu pai Vladek, durante o Holocausto.

Essa representação impar, procura resgatar de forma artística, quadro a

quadro as lembranças de Vladek Spiegelman, desde sua juventude na Polônia até o

confinamento em Auschwitz.

Fazendo uso do antropozoomorfismo, Art transforma os judeus em ratos,

nazistas em gastos, estadunidense em cães e poloneses em porcos.

Na escolha desses animais representando esses povos, Art procura ilustrar a

conjuntura política e social do período. No caso específico dos judeus, ilustrados

como ratos pelo autor, há uma referência ao termo com que os nazistas os

definiam com o uma raça inferior: vermes da sociedade e "para associá-los à ideia

de sujeira, dejeto e praga a ser exterminada" (PONTES Apud NETO, 2013, p. 227).

E segundo as palavras Adolf Hitler, repetidas na abertura do Capítulo Um dessa

obra "Sem dúvida, os judeus são uma raça, mas não são humanos." (HITLER Apud

SPIEGELMAN, 2009, p. 10).

Para finalizar, deve-se levantar uma questão. Qual é a relevância pedagógica

de Maus no ensino de História? Acredita-se que as definições de Neto são passíveis

de credibilidade. "utilizar novos meios, novos objetos para repensar os lugares

históricos da memória, dos traumas e das representações acerca disso é benéfico,

tendo em vista que esses meios nos dão mais pontos de vista sobre os fatos."

(NETO apud SILVA, 2013, p. 233). E ainda, "Utilizar Maus em sala de aula deve

servir para mostrar aos alunos que as memórias particulares são tão importantes

como as oficiais dos livros de história" [...], (NETO apud SILVA, 2013, p. 233).

Para Ethel Mizrahy Cuperschmid Maus é mais que uma simples HQ. Esse

livro pode ser considerado uma importante obra autobiográfica que apresenta uma

narrativa sobre a vida de Vladek, um judeu que sobreviveu aos campos de

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concentração nazista, "Evento catastrófico do século XX, a solução final."

(CUPERSCHMID, 2011, p. 77).

E não pode ser considerada apenas um produto comercial, de consumo,

sinônimo de distração descartável. "Mas Maus, como graphic novel, é muito mais

que tudo isso. è uma obra aberta, multifacetada, interdisciplinar: biografia, arte, meio

de ensino e fonte de aprendizado." (CUPERSCHMID, 2011, p. 80).

Fonte de aprendizado. Essa foi a principal finalidade dessa obra, na proposta

pedagógica desenvolvida ao longo do ano de 2013. Pois, a obra Maus estimula o

espírito crítico, capacitando os leitores a uma transformação frente àquelas

informações, e também, um importante atrativo pedagógico, conforme descreve

Ethel Cuperschmid

Para uma geração formada sob o signo da imagem, é uma ideia

interessante investir nas graphic novels como forma de aproximar os jovens

da leitura. Para quem pensa que se trata apenas de um livro com gravuras,

a obra de Art Spiegelman tem boas adaptações que deixam muitos

exemplos de sabedoria no da linguagem. (CUPERSCHMID, 2011, p. 89).

A prática pedagógica: aplicação, resultados e considerações

De acordo com a sistematização apresentada na Produção Didático-

Pedagógica, as atividades foram distribuídas ao longo de vários momentos. Sendo

assim, estão elencados à seguir os mais significativos e relevantes do ponto de

vista pedagógico.

Análise da obra O sobrevivente: memórias de um brasileiro que escapou de

Auschwitz de Aleksander Laks e Tova Sender. "Atividade prazerosa e interessante",

segundo o depoimento de muitos alunos, uma vez que, através da leitura e

fichamento do capítulo 5 do livro, foi possível "olhar para o Holocausto", por meio da

memória de quem testemunhou esse genocídio.

Vários alunos entenderam, que o objetivo principal do autor, ao resgatar suas

lembranças foi: "relatar para as gerações futuras o que ele viu, presenciou";

transmitir ao público suas lembranças para que isso não seja esquecido"; "contar

sua história e seus sofrimentos para os jovens".

Em relação a leitura feita, muitos alunos destacaram as seguintes

impressões: comoção, sensação de tristeza; alguns conseguiram "ver de perto" seu

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sofrimento, com outro olhar; ou ainda, perceber como era o sofrimento em

Auschwitz.

Conforme o que foi definido na Produção Didático-Pedagógica, o material ―

livro Anne Frank: uma biografia ― e as orientações foram repassadas com

antecedência e cada dupla contou com dez minutos para fazer sua apresentação

oral.

Apesar de muitos alunos demonstrarem dificuldades de se , considera-se que

a atividade foi positiva, pois percebeu-se que a grande maioria assumiu o

compromisso e procuraram conhecer seus respectivos textos.

Porém, merece destaque, os diferentes recursos metodológicos que os

alunos utilizaram para realizar suas apresentações. Entre as mais bem preparadas,

citam-se as seguintes: utilização de slides por meio do programa Microsoft Power

Point; outras disponibilizaram um roteiro em forma de tópicos para que todos

pudessem acompanhar suas explanações; e cabe resaltar a iniciativa de um grupo

que pesquisou e trouxe mais informações sobre as escritoras preferidas de Anne.

Após leitura de vários fragmentos do livro O diário de Anne Frank, os alunos

(dupla) fizeram suas anotações, seguindo um roteiro, no quadro/síntese.

Apesar de ser, num primeiro momento, uma atividade fácil, muitos alunos,

apresentaram dificuldades preencher a maioria dos tópicos. O que provocou isso? A

estratégia? Talvez, pois só tomaram contato com o quadro/síntese, certo tempo

após a leitura de várias partes do texto. Isso pode ter dificultado o resgate e a

seleção das informações solicitadas.

Após exibição dos filmes Anne Frank: The Whole Story e A vida é bela,

o público-alvo, voltou-se para a análise dos mesmos, por meio de um roteiro

de avaliação fílmica, composto por uma parte informativa e outra

interpretativa. Considera-se como ponto-chave de reflexão, a seguinte

questão desse modelo de atividade. "Valores: quais os conceitos centrais e as

categorias de formação de caráter/cidadania ou valor moral veiculados pelo

filme?" (NAPOLITANO, 2006, p.83). Os termos respeito, tolerância,

convivência pacífica e solidariedade, estão entre os que mais apareceram nas

respostas. Acredita-se assim, que essas representações do Holocausto ― os

dois filme ― tenham contribuído, para despertar nos alunos, certas atitudes,

coforme àquelas contidas nos objetivos do Projeto de Intervenção Pedagógica

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na Escola, que são: estimular o repúdio a todos os tipos de preconceito e

favorecer atitudes de tolerância; facilitar a percepção de que é o

conhecimento que favorece o respeito e a tolerância e de que não há cultura

superior à outra.

Como sugere o livro Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula,

várias questões foram colocadas para uma discussão geral com a turma, após a

leitura da obra Maus: a história de um sobrevivente. Isso se deu a partir da análise

da simbologia ― gatos, ratos ― que representam respectivamente alemães nazistas

e judeus.

Mas o ponto principal dessas discussões, aconteceram em torno do tema

história em quadrinhos e memória, onde a seguinte indagação norteou esse

momento: "ela pode ser considerada uma reconstituição dos fatos a que se refere,

tal como aconteceram, ou uma recriação de acordo como são lembrados pelo

autor?" ( RAMA e VERGUEIRO, 2004, p.116).

A partir desse questionamento, e após algumas interações dos alunos, coube

ao professor conduzir as discussões e alertar que Maus é uma reconstrução dos

fatos, segundo os relatos de Vladek, pais de Art Spiegelmam.

Cabe destacar, que essa afirmação apoia-se no texto A história em

quadrinhos Maus em sala de aula, escrito por Cláudio da Costa Barroso Neto. Nesse

capítulo o autor informa que "Em Maus, é mostrado que em Auschwitz cada pessoa

passou a guardar, em sua memória, seus arquivos de maneiras muito particulares,

ligando-as ao que seus instintos e impulsos as levaram." (NETO apud SILVA, 2013,

p. 227). E ainda, nessa constante reelaboração do passado, nossa memória já

selecionou o que deve ser lembrado ou não.

Se eu narro minha história, é claro que buscarei ver ali um "herói", um

sobrevivente, alguém que conseguiu superar todas as adversidades

impostas pela vida, pelos campos de concentração, mas ainda assim eu

decido o que devo ou não contar. Minha memória já fez sua própria edição,

guardando aquilo que acha mais importante e deixando de lado, algumas

vezes, o que não vai estar de acordo com o que quero mostrar. (NETO

apud SILVA, 2013, p. 229).

Diante disso, espera-se que o aluno, ao defrontar-se, em outras

oportunidades com diferentes relatos de memória, possa estar atento ao seletivo

exercício de reconstrução do passado.

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GRT (Grupo de trabalho em Rede)

Esse Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem, ofertado aos professores

da rede estadual de ensino, no formato de curso on-line, disponibilizado entre os

meses de abril e maio de 2014, contou com a participação de dezessete cursistas.

Na Temática 1 (Fórum 1 e Diário 1), todos fizeram análise do Projeto de

Intervenção Pedagógica e destacando sua pertinência, relevância, bem como sua

contribuição para a Educação Básica.

De acordo com as observações dos cursistas, as diferentes representações,

com uma linguagem acessível, facilitam a aproximação do tema com a realidade do

aluno. Além disso, oferecem diversos tipos de materiais, que promovem à

articulação de informações sobre o contexto em análise. Mais do que isso,

instrumentaliza o profissional para o importante e sempre atual debate, junto aos

alunos, quanto aos direitos humanos. Alguns consideraram que, ao se trabalhar o

Holocausto em sala de aula, pode-se alargar o conhecimento dos nossos alunos,

para que regimes que interfiram na liberdade pública e privada do indivíduo, jamais

sejam opções políticas. E ao utilizarmos diversas representações sobre um mesmo

tema da História, nós professores estamos construindo com nossos alunos, outros

saberes e até mesmo novas versões críticas da realidade.

Já a Temática 2 (Fórum 2 e Diário 2), concentrou-se na análise da Produção

Didático-Pedagógica. Para os professores que analisaram, as atividades podem ser

consideradas bem elaboradas, instigadoras, desafiadoras, distintas e permitem

escolher as que mais se adaptam ao perfil de cada turma. Podendo até ser

utilizadas no Ensino Médio, com algumas modificações.

E ainda, essa Proposta vai de encontro aos nossos anseios de mostrar

possibilidades de cidadania ativa aos nossos alunos e ofício do historiador,

provocando novos saberes escolares. E o trabalho com diversas fontes históricas,

desnuda a ideia de história verdade emparedada pela nossa tradição.

A seguir, algumas sugestões de materiais sobre o tema, indicados pelos

participantes do GTR: os desenhos animados proibidos da Disney

(http://youtube/EPvQZzclh60) e (http://youtube/dlK8yfOdweg); o documentário

"Sobreviventes do Holocausto" de Steven Spielberg; os filmes "A Onda"e "O menino

do pijama listrado"; os livros "A Mala de Hana" e "Hans Wolff de Dina Leão; as obras

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dos pintores Leo Haas, Yehuda Bacon e Ella Luberman-Shiber; o documentário

"Entre a Suástica e a palmatória", sobre o Nazismo no Brasil.

Considerações Finais

Para encerrar este artigo, apresenta-se aqui, um pequeno relato de uma

reflexão proposta como atividade final com os alunos.

As observações feitas pela grande maioria, indicam que foi possível, pelo

menos nesse momento, perceberem que não existe uma única verdade, e sim

muitas verdades produzidas a partir de problematizações fundamentadas em fontes

diferenciadas, onde o cinema, os relatos de memória e os quadrinhos,

materializaram uma apropriação de saberes diferenciados e significativos. Uma vez

que, em seus fundamentos teórico-metodológicos, as Diretrizes defendem uma

concepção de História onde "as verdades prontas e definitivas não têm lugar, porque

o trabalho pedagógico na disciplina deve dialogar com várias vertentes tanto quanto

recusar o ensino de História marcado pelo dogmatismo e pela ortodoxia."

(DIRETRIZES, 2008, p.45).

Constata-se assim, que ao dar-se dinamismo e inovação, o ofício do

professor de História pode trilhar um caminho em direção de uma proposta de

ensino que seja realmente inovadora, prazerosa e representativa.

O principal legado desse proposta de intervenção pedagógica está presente

na postura dos adolescentes que se comprometeram à participar de todas as etapas

do projeto. Pequenas, mas indeléveis atitudes de convivência pacífica e de

tolerância com colegas tidos como "diferentes", já servem para alavancar um

trabalho, a longo prazo, de combate ao preconceito e a intolerância. A sala de aula

de uma escola de Educação Básica, deve servir de embrião para qualquer modelo

de conduta, que vise radiar-se para uma sociedade, em busca de mudanças de

comportamentos e atitudes.

A aprendizagem histórica estabelece como uma de suas metas o

desenvolvimento da consciência histórica, onde o aluno deve se ver em um tempo

histórico e perceber que esse tempo é diferente de outro. Mais do que isso, o jovem

de hoje precisa entender que "a experiência do passado é vivenciada e interpretada

de maneira a fornecer uma compreensão do presente e a construir projetos do

futuro." (DIRETRIZES, 2008, p. 57).

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