O PAPEL DO MÉDICO DENTISTA NO RECONHECIMENTO DE …
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I
Mónica de Almeida Santos Gomes da Costa
Porto, Maio de 2020
O PAPEL DO MÉDICO DENTISTA NO RECONHECIMENTO DE VÍTIMAS APÓS CATÁSTROFES NATURAIS E PROVOCADAS PELO HOMEM.
THE DENTIST’S ROLE IN THE RECOGNITION OF VICTIMS AFTER NATURAL AND MAN-MADE CATASTROPHES.
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O PAPEL DO MÉDICO DENTISTA NO
RECONHECIMENTO DE VÍTIMAS APÓS
CATÁSTROFES NATURAIS E PROVOCADAS PELO
HOMEM.
Artigo de revisão bibliográfica submetido à Faculdade de Medicina Dentária
da Universidade do Porto para obtenção do grau de Mestre em Medicina
Dentária
AUTORA:
Mónica de Almeida Santos Gomes da Costa
Aluna do Mestrado Integrado em Medicina Dentária da Faculdade de Medicina Dentária da
Universidade do Porto
Contacto: [email protected]
ORIENTADORA:
Professora Doutora Inês Alexandra Costa de Morais Caldas
Professora Associada da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto
Regente da Unidade Curricular de Medicina Dentária Forense
Contacto: [email protected]
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IV \MASGC 2020
Agradecimentos
À minha mã’,
Por me ter sempre amado, apoiado e por me ter obrigado a prometer
que nunca iria desistir dos meus sonhos, por mais escuro que o caminho se
tornasse. Sei que olharás sempre por mim! Estás sempre comigo, onde quer
que estejas!
À minha ‘vó,
Por me ter sempre mostrado e demonstrado que tudo na vida se
consegue alcançar, desde que trabalhemos para isso. Obrigada pelo exemplo
de força e persistência.
Ao meu pá’,
Por me ter ensinado a lutar, a erguer-me quando caio e a sorrir
perante as dificuldades. De igual importância do que as “mulheres-guerreiras”
da minha vida, sempre a meu lado, és o grande exemplo de superação e
resiliência. Juntos somos mais fortes!
Sem os meus três pilares nada teria sido possível. Não há palavras suficientemente
justas para descrever o quão agradecida estou.
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Ao João,
Por ser a minha caixa-forte, a minha alegria em tempos de dor e choro, o meu sol em
tempos de chuva, o meu tudo quando me sinto nada.
À restante família, à Madalena, às “meninas” e aos amigos e amigas,
Por todo o amor e amizade que me dão, por estarem sempre prontos a dar uma
palavra de conforto e por me darem sempre a mão.
À Prof.ª Dr.ª Inês Caldas,
Por me ter inspirado, por ter aceite ser minha orientadora e por me
motivar a fazer mais e melhor.
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Lista de abreviaturas
ADN – Ácido Desoxirribonucleico
AM – Antemortem
DVI - Identificação de vítimas de desastres em massa
ID - Identificação
INTERPOL – Organização Internacional da Polícia Criminal
MDF – Medicina Dentária Forense
MD – Médico(s) Dentista(s)
n.d. – Dados não definidos
PM – Postmortem
RFID - Radio frequency identification
RX – Radiografia(s)
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Índice
Lista de abreviaturas .................................................................................................................... VI
Índice de tabelas ........................................................................................................................ VIII
Resumo .......................................................................................................................................... 1
Abstract ......................................................................................................................................... 2
Introdução ..................................................................................................................................... 3
Materiais e métodos ..................................................................................................................... 6
O MD no local da catástrofe.......................................................................................................... 7
Resultados ................................................................................................................................... 10
Catástrofes Naturais ................................................................................................... 10
Catástrofes provocadas pelo Homem ........................................................................ 10
Acidente ferroviário (descarrilamento/colisão) ..................................................... 11
Acidente náutico / rodoviário (descarrilamento/colisão) ...................................... 11
Acidente de aviação (despenhamento/colisão) ..................................................... 12
Desastre Criminal ................................................................................................... 13
Discussão ..................................................................................................................................... 14
Propostas para contornar dificuldades na ID ............................................................. 18
Conclusão .................................................................................................................................... 21
Bibliografia .................................................................................................................................. 23
Anexos ......................................................................................................................................... 27
1 - Resultados obtidos acerca do Tsunami de 2004 no Sudeste Asiático .................. 27
2 - Declaração de Autoria de Trabalho ....................................................................... 28
3 - Parecer de aceitação do orientador ...................................................................... 29
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Índice de tabelas
Tabela I – Resumo de algumas das catástrofes naturais ocorridas e dos métodos de ID
das vítimas ................................................................................................................................... 10
Tabela II - Resumo de alguns dos acidentes ferroviários ocorridos e dos métodos de ID
das vítimas ................................................................................................................................... 11
Tabela III - Resumo de alguns dos acidentes náuticos/rodoviários ocorridos e dos
métodos de ID das vítimas .......................................................................................................... 11
Tabela IV - Resumo de alguns dos acidentes de aviação ocorridos e dos métodos de ID
das vítimas ................................................................................................................................... 12
Tabela V - Resumo de alguns desastres criminais ocorridos e dos métodos de ID das
vítimas ......................................................................................................................................... 13
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Resumo
Introdução: Sendo a vida um bem precioso, é imperativo que cuidemos dela e
tentemos preservá-la ao máximo. No entanto, a sociedade vive cada vez mais marcada por
calamidades, quer de causa natural quer provocada pelo Homem, sendo que a probabilidade
de sermos vítimas de um ataque terrorista, desastre natural ou outro fenómeno catastrófico é,
infelizmente, cada vez maior.
Uma vez ocorrida a calamidade, é crucial que todos os sobreviventes sejam
prontamente ajudados e que todos aqueles que não resistiram sejam rapidamente
reconhecidos, de modo a poderem ser devolvidos aos seus entes queridos.
Objectivo: Analisar o impacto que o Médico Dentista (MD) pode ter no processo de
identificação das vítimas de um dado evento catastrófico (desastre natural ou provocado pelo
Homem).
Materiais e métodos: Utilizando a plataforma Pubmed foi realizada pesquisa acerca do
tema, tendo sido apenas escolhidos artigos pertinentes para o tema redigidos em português,
espanhol ou inglês.
Conclusão: Num cenário marcado pelo horror, os MD, através da Medicina Dentária
Forense (MDF), podem ser uma mais-valia, aliando-se às equipas de identificação de
cadáveres, tornando muitas vezes o processo mais célere. Deste modo, os restantes
profissionais de saúde (como é o caso de médicos não legistas, enfermeiros, entre outros)
podem dedicar a sua atenção e cuidados aos sobreviventes.
Palavras-chave: Forensic Dentistry; Forensic Odontology; Wars; Natural Disasters;
Terrorist Attack; Katrina; Boxing Day; Human Identification; Dental Technique; Jonestown
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Abstract
Introduction: Since life is a precious asset, it is imperative that we take care of it and
try to preserve it as much as possible. However, society is increasingly marked by calamities,
whether natural or man-made, and the likelihood of being a victim of a terrorist attack, natural
disaster or other catastrophic phenomenon is, unfortunately, increasing.
Once the calamity has passed, it is crucial that all survivors are promptly helped and
that all those who have not resisted are quickly recognized, so that they can be returned to
their loved ones.
Objective: Analyze the impact that the dentist may have in the victim identification
process of a certain catastrophic event (natural or man-made disaster).
Methods and materials: Using the Pubmed platform, the research was carried out
selecting only articles relevant to the topic written in Portuguese, Spanish or English.
Conclusion: In a scenario marked by horror, dentists through forensic dentistry can be
an added value, allying themselves with cadaver identification teams, often making the
process faster. In this way, the remaining health professionals (such as doctors, nurses and
others) can dedicate their attention and care to the survivors.
Key-words: Forensic Dentistry; Forensic Odontology; Wars; Natural Disasters; Terrorist
Attack; Katrina; Boxing Day; Human Identification; Dental Techniques; Jonestown
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Introdução
Se procurarmos o significado de catástrofe, rapidamente encontramos que este termo
provém da palavra grega katastrofé e significa destruição, ruína, um grande desastre que
atinge um vasto conjunto de pessoas. (1)
Nos dias de hoje, muitas vezes ouvimos e/ou lemos notícias de que uma nova
catástrofe assolou um país/cidade/povoação. Estes desastres em massa - situações comuns e
recorrentes a nível mundial ao longo da história das várias civilizações (quer se trate de um
fenómeno acidental ou mesmo orquestrado deliberadamente pelo Homem, quer se trate de
um fenómeno de origem natural) - são eventos que ocorrem com pouco ou nenhum aviso
(fazendo com que a população em causa não consiga precaver-se contra este fenómeno), que
cursam com uma grande variedade de consequências, entre elas morte, doenças, danos físicos
em pessoas, propriedades e ambiente e que, em suma, perturbam toda a comunidade. Assim
sendo, têm como característica principal não o vasto número de mortes mas sim o facto de as
consequências causadas ultrapassarem, em larga escala, a capacidade de gestão normal das
autoridades e equipas locais (polícia, bombeiros, médicos, enfermeiros, entre outros), de onde
se conclui que perante uma calamidade é quase sempre necessária ajuda ‘extra’,
nomeadamente de equipas de outras nacionalidades preparadas para lidar com este tipo de
eventos e as suas consequências. (2-6)
Como referido, os desastres podem ser divididos em 3 categorias, consoante a sua
origem – natural, acidental ou criminal –, que originam sempre 3 subtipos, consoante a
informação disponível acerca das vítimas – aberto, misto ou fechado: (3, 5-8)
Origem
o Desastre em massa natural – consequência de terramotos, furacões,
incêndios de causa natural, cheias, tsunamis;
o Desastre em massa acidental – consequência de incêndios em
infraestruturas, acidentes ferroviários, rodoviários ou de aviação;
o Desastre em massa criminal – consequência de assassínios em série ou
atentados terroristas (bombas, ataques suicidas, ataques com armas
químicas ou biológicas, entre outros).
Neste ponto é necessário explicar que os eventos criados pelo
Homem de maneira intencional podem normalmente ser
categorizados de 4 maneiras (podendo, naturalmente, cada
uma das categorias pode ser subdividida), sendo estas
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desastre químico, biológico, nuclear/radiológico e explosivo
(este último a categoria mais comum).
Tipo
o Desastre aberto – Não há informação inicial acerca das vítimas
envolvidas (Exemplo: terramotos, tsunamis, acidentes ferroviários)
o Desastre fechado – Há informação ou uma lista potencial das vítimas
envolvidas (Exemplo: acidentes de aviação, navais ou desastres que
envolvam hotéis e alojamentos similares)
o Desastre misto – combinação de desastre aberto e fechado
De acordo com o supradito, os desastres não são eventos que possam ser antecipados.
Apesar de não terem sido efectuados estudos que analisem o número de vítimas mortais deste
tipo de acidente – algo que, por definição, é impossível de prever –, Nathan MD (9) afirmou
que na década passada mais de 2.6 mil milhões de pessoas foram vítimas de acidentes naturais
e Morgan OW et al. (10) declarou que por ano há cerca de 6 desastres naturais que matam
mais de 500 pessoas. Posto isto, e tendo em consideração que a melhoria e aumento da
capacidade de deslocação das populações e o aumento exponencial do turismo a nível mundial
precipitam a mistura das várias civilizações, é da maior importância estarmos preparados para
lidar com os cenários e consequências que advêm deste tipo de acontecimentos, tendo
sempre presente que, independentemente do tipo de desastre, todos estes fenómenos
refletem necessidades, ambiente e riscos diferentes, dependendo da comunidade, jurisdição
ou país envolvido. (6, 9-11)
Como consequência de alguns desastres, muitas das vítimas ficam com os seus corpos
de tal maneira destruídos que os métodos “tradicionais” de identificação (ID) forense não
podem ser empregues. Nestes casos, os dentes – órgão de estrutura altamente mineralizada,
com grande durabilidade e resiliência, capaz de aguentar temperaturas entre 1100 a 1600°C e
condições extremas de degradação (como alterações de pressão, humidade, entre outras) –
são das estruturas mais resistentes do corpo humano, conseguindo resistir às mais adversas
situações, tornando-se por este facto a fonte ideal para recolha de informações específicas da
vítima em questão (características anatómicas, Ácido Desoxirribonucleico [ADN] - A polpa
dentária de dentes íntegros, de preferência inclusos/impactados, pode ser usada para a
recolha de ADN -, entre outras). (2, 5, 12, 13)
As restaurações dentárias, presentes na maioria dos dentes, são das características
mais individuais de uma dada pessoa, uma vez que não é possível criar duas restaurações
exatamente iguais (mesmo em caso de reabilitações fixas, a interface dente-coroa não é igual
em dois indivíduos). Esta realidade, em conjunto com as características pessoais de cada
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individuo (como morfologia coronária e radicular, número de peças dentárias, entre outras)
constitui-se como a chave que possibilita a ID dentária, sendo que a comparação de
informações dentárias ante e postmortem (AM; PM) já foi, por várias vezes, provada eficaz,
tornando-se o método mais rápido e económico, logo com a melhor relação custo-benefício
(14, 15)
Apesar de a MDF como área de conhecimento tal como hoje a conhecemos ser
relativamente recente (foi definida apenas em 1970 por Keiser-Nielson como “um ramo da
medicina forense que, no interesse da justiça, lida com a recolha e examinação corretas de
dados dentários e com a examinação e apresentação exatas das informações dentárias”(12)), a
utilização da dentição como reconhecimento de cadáveres é já muito antiga. O acontecimento
mais antigo de que temos conhecimento remonta a 49 d.C. (depois de Cristo) no império
Romano, quando Agrippina, a Jovem (mãe do Imperador Nero) reconheceu o corpo da sua
rival Lollia-Paulina através da descoloração dos seus dentes anteriores. No entanto, é apenas
no século XVI que se encontra uma referência a uma ID com registos médicos dentários,
quando o Dr. Paul Revere, em 1775, identifica o corpo do seu paciente Dr. Joseph Warren, que
havia sido morto na Batalha de Bunker Hill, nos Estados Unidos da América, através de uma
ponte de prata. É interessante também verificar que foi através da dentição que foi feita a ID
definitiva dos corpos de Adolf Hitler – através de uma coroa e ponte - e Eva Braun, em 1945,
após o exército russo ter descoberto, no bunker de Hitler, os seus corpos carbonizados. (12,
16-18)
Apesar da implementação dos dentes como fonte de provas para ID de vítimas ser já
antiga, a utilização da MDF como meio de ID em desastres em massa iniciou-se apenas em
1897, em Paris, no famoso incêndio do bazar de La Chaarité, no qual 126 membros da
aristocracia faleceram, tendo 30 sido identificadas pelos seus respetivos dentistas. (3, 4, 12,
17, 19, 20)
Tendo esta experiência sido frutífera, a MDF passou a ser considerada como arma na luta
da ID de vítimas, fazendo hoje parte do protocolo de ID de vítimas (DVI) da Organização
Internacional da Polícia Criminal (INTERPOL), sendo da maior importância analisar o papel do
MD perante uma catástrofe.
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Materiais e métodos
Para a realização desta monografia, recorreu-se à base de dados Pubmed, tendo sido
selecionados artigos ou teses relevantes para o tema, escritos em português, espanhol ou
inglês.
Da pesquisa inicial resultaram 75 artigos tendo, após leitura dos respectivos títulos e
resumos, sido selecionados apenas 38 (destes, todos foram utilizados para a realização desta
monografia). Através da pesquisa das referências bibliográficas de cada um dos artigos e das
sugestões de pesquisa das bases de dados, foram ainda encontrados 16 artigos.
Após leitura de todos os artigos encontrados, de modo a conseguir mais informação
acerca de tópicos específicos dos mesmos, foi usada a plataforma Pubmed para consultar mais
informação, tendo, deste modo, sido obtidos mais 5 artigos. No final de toda a pesquisa para
este trabalho, a bibliografia final ficou com 59 artigos.
Palavras-chave: Forensic Dentistry; Forensic Odontology; Wars; Natural Disasters;
Terrorist Attack; Katrina; Boxing Day; Human Identification; Dental Technique; Jonestown
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O MD no local da catástrofe
Perante uma calamidade toda a ajuda é preciosa. Tratando-se da ajuda de um
profissional de saúde, mais urgente se torna esse apoio. O MD pode fazer muito mais do que
identificar as vítimas de uma dada catástrofe, devendo por isso ser incluído na equipa
multidisciplinar que responde a este tipo de eventos. Na literatura conseguimos encontrar que
esta equipa é frequentemente composta por elementos das mais diversas áreas,
nomeadamente patologia forense, antropologia forense, MDF, fotografia forense, investigação
de cenas de crime (polícia), técnicos especializados na recolha de objectos em cenas de crime,
especialista em dermatoglifia (impressões digitais), análise de ADN, técnico de radiologia e
radiologista, toxicologista e higienista oral/assistente dentária. (5)
O MD pode inclusivamente usar as suas competências de formação básica, comuns às
várias áreas da saúde, e ajudar os sobreviventes e a população em geral. Assim sendo, são
muitas as tarefas que este profissional pode desempenhar: (9, 11, 13, 21, 22)
1. Filtrar e corrigir má-propaganda e notícias erradas que forem divulgadas;
2. Ajudar a controlar o pânico da população e estabilizar a opinião pública;
3. Servir de membro de controlo e vigilância da população, uma vez que as
clínicas dentárias normalmente estão espalhadas por toda a comunidade;
4. Colaborar com médicos e restantes profissionais de saúde (auxiliar no
processo de vacinação, primeiros-socorros, entre outros processos).
5. Dependendo da formação base que os MD têm (sendo esta variável de país
para país), possuem capacidades ainda para:
a. Ajudar no tratamento de lesões faciais e cranianas
b. Assistir ou administrar anestésicos e/ou medicação
c. Iniciar acessos intravenosos
d. Executar suturas e algumas cirurgias
e. Assistir na manutenção de estados de choque
f. Assistir na estabilização de pacientes
g. Recolher amostras de sangue pré-antibióticas
h. Recolher histórias médicas
i. Providenciar suporte básico de vida
Para além de o MD poder ter o papel crucial acima descrito, é também, como já foi
referido, uma peça fundamental na ID das vítimas mortais, para que estas possam ser
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devolvidas aos seus entes e que estes possam realizar os actos legais necessários e cerimónias
fúnebres.
Assim, a MDF é parte integrante do protocolo da DVI da INTERPOL, sendo
inclusivamente classificada como identificador primário (método capaz de conduzir a
identificação 100% científica e, portanto, que consegue passar todo o escrutínio legal a que for
submetido).(23)
Este protocolo da INTERPOL é realizado por 2 equipas e constituído por 5 fases: (2, 7,
19, 23, 24)
1. Equipas
a. Equipa no local de proveniência da vítima (“home team”) –
responsável pela recolha de dados AM das pessoas suspeitas de
estarem desaparecidas;
b. Equipa no local do desastre (“away team”) – situada na morgue
temporária, perto do local do desastre. Esta equipa é responsável por
recolher e preparar a informação PM, e comparar a mesma com os
dados AM recolhidos.
2. Fases
a. Recolha de restos mortais no local do desastre
i. Nunca deverá ser esquecido que poderá haver
perda/alteração das estruturas dentárias no momento da
movimentação do corpo (por exemplo, quando um corpo é
incinerado, após um atentado terrorista/incêndio/desastre
automóvel/entre outros, os dentes ficam extremamente
frágeis e muitas vezes móveis por perda do ligamento
periodontal durante a exposição ao fogo). Deste modo, devem
ser utilizadas técnicas de estabilização nos dentes, devem ser
feitos os RX antes de reposicionar o cadáver e, antes do
transporte, deve ter-se o cuidado de enrolar toda a cabeça; (4,
13, 25)
b. Recolha de dados PM – análise dos corpos recolhidos e recolha de
todos os dados referentes à cavidade oral, passíveis de ser
comparáveis (RX, impressões, odontograma, entre outras);
c. Recolha dos dados AM – junto das autoridades, dentistas e restantes
médicos, consoante a nacionalidade prevista da vítima (recolha de RX,
modelos de estudo – caso existam -, odontograma, entre outros).
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i. É de notar que os registos dentários são a fonte de mais rápida
informação AM; (8)
d. Comparação dos dados AM e PM - Depois de todos os dados serem
comparados, pode-se chegar a uma de quatro possíveis conclusões:
(12, 26, 27)
i. ID positiva – os dados AM e PM coincidem em detalhe
suficiente e não há discrepâncias irreconciliáveis;
ii. ID possível - Os dados AM e PM são concordantes entre si mas,
devido à qualidade dos dados AM ou PM, nem todos podem
ser verificados. Contudo não há discrepâncias irreconciliáveis;
iii. ID insuficiente - Não existem discrepâncias irreconciliáveis,
mas não é possível comparar os dados AM com os PM;
iv. Exclusão - Há discrepâncias irreconciliáveis, fazendo com que
os dados AM e PM não coincidam.
e. Comunicação dos resultados às autoridades competentes.
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Resultados
OS desastres encontrados foram divididos em catástrofes naturais e catástrofes
provocadas pelo Homem, sendo que o resultado da pesquisa será apresentado por tipo de
desastre.
Catástrofes Naturais
No que respeita a desastres naturais, identificaram-se 6 situações:
ANO TIPO LOCAL NÚMERO DE
MORTOS % ID POR MDF
% ID MDF + OUTRO MÉTODO
% ID POR OUTRO
MÉTODO FONTE
1983 Incêndio Victoria, Austrália
47 64%
Dados não
definidos (n.d.)
n.d. (16, 28)
2004 Tsunami
“Boxing Day” 1 Oceano Indico
+ de 200 000 58,6% 1 34,8% 1 12,7% 1
(2, 6, 8, 10, 13, 14, 19, 23, 24, 29, 30)
2005 Furacão Katrina
EUA 1836 n.d. 8% 52% (6)
2009 Incêndio
“Black Saturday”
Victoria, Austrália
173 40% 60% n.d. (3, 19,
31)
2011 Terramoto Chistchurch,
Nova Zelândia
181 33% 14% 47% (32)
2011 Tsunami Japão 15892 8% n.d. 91% (28, 33)
Tabela I – Resumo de algumas das catástrofes naturais ocorridas e dos métodos de ID das vítimas
Catástrofes provocadas pelo Homem
Nas catástrofes provocadas pelo Homem identificaram-se 3 acidentes ferroviários, 2
acidentes náuticos, 3 acidentes rodoviários, 12 acidentes de aviação e 11 desastres criminais,
conforme as tabelas que a seguir se apresentam.
1 Os dados não são consensuais no que diz respeito às ID desta catástrofe. Os dados recolhidos
nos vários artigos não espelham sempre o número total de mortos, tendo sido analisados por país ou proveniência (apresentando, dentro de análises semelhantes, disparidade entre si). Desta forma, os valores apresentados na tabela são a média aritmética de todos os valores encontrados. – ver anexo 1
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Acidente ferroviário (descarrilamento/colisão)
ANO TIPO LOCAL NÚMERO
DE MORTOS
% ID POR MDF
% ID MDF + OUTRO MÉTODO
% ID POR
OUTRO MÉTODO
FONTE
1953 Desastre Tangiwai
Nova Zelândia
151 100% 0% 0% (16)
1974
Despiste do Hellas Express
410
Croácia 152 0% 5% 56% (2, 6)
1997
Despiste do
Bordeaux Sarlat
Regional Express
Aquitaine, França
13 92% 0% 8% (2, 34)
Tabela II - Resumo de alguns dos acidentes ferroviários ocorridos e dos métodos de ID das vítimas
Acidente náutico / rodoviário (descarrilamento/colisão)
ANO TIPO LOCAL NÚMERO
DE MORTOS
% ID POR MDF
% ID MDF + OUTRO
MÉTODO
% ID POR OUTRO
MÉTODO FONTE
1989
Explosão em navio da
Marinha EUA
Porto Rico 47 29,8% 66% n.d. (2)
1993 Colisão de veículos
Saint-Martial de
Mirambeau, França
15 53% n.d. n.d. (34)
1994 Naufrágio
do M/S Estonia
Mar Báltico 94 2 n.d. 60% 40% (28, 35)
1996 Despiste de autocarro
Bailen, Espanha
28 57% 18% n.d. (2, 6,
8)
1997 Despiste de autocarro
Illescas, Espanha
10 80% n.d. n.d. (2, 6)
Tabela III - Resumo de alguns dos acidentes náuticos/rodoviários ocorridos e dos métodos de ID das vítimas
2 Não é conhecido o número total de vítimas. O número apresentado refere-se ao número de
corpos recuperados
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Acidente de aviação (despenhamento/colisão)
ANO TIPO LOCAL NÚMERO DE
MORTOS
% ID POR MDF
% ID MDF + OUTRO MÉTODO
% ID POR
OUTRO MÉTODO
FONTE
1971 Despenhamento
de jacto Rijeka,
Jugoslávia 78 75,6% 0% 14% (36)
1976 Embate Croácia
Avião Trident Three
(inglês)
63 n.d. 33% n.d.
(2, 6, 37) Avião Inex
Adria DC-9
(Esloveno)
103 14% 16% n.d.
1987 Despenhamento
Aeroporto Bordeaux-Mérignac,
França
16 100% 0% 0% (34)
1988 Despenhamento
Dash-7 Noruega 36 89% n.d. n.d. (6, 37)
1988 Despenhamento Lockerbie,
Escócia 270 6,7% 70,7% 16,3%
(19, 38)
1989 Embate de
Balões de ar quente
Alile Springs, Austrália
13 100% 0% 0% (16)
1992 Despenhamento
ALIT 5148 França 87
19,5-52%
12-37,9% 40,3% (6, 37)
1995 Despenhamento
Fokker 50 Tawau, Malásia
34 20% 54% 26,5% (6, 29,
37)
1998 Despenhamento
Swissair 111 Oceano
Atlântico 229 n.d. 39,3% 57,1% (6)
2000 Despenhamento
Alaska Air 261 n.d. 88 25% n.d. 45,5% (6)
2006 Voo Comair 191 n.d. 49 96% n.d. n.d. (2, 3)
2012 Despenhamento
DANA air Lagos, Nigéria
152 10% 87,4% n.d (14)
Tabela IV - Resumo de alguns dos acidentes de aviação ocorridos e dos métodos de ID das vítimas
NOTA: Este tipo de evento não natural é o mais frequente e maior causa de mortes
(39)
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Desastre Criminal
ANO TIPO LOCAL NÚMERO DE MORTOS % ID POR MDF
% ID MDF + OUTRO MÉTODO
% ID POR OUTRO
MÉTODO FONTE
1978 Suicídio em
massa (Culto)
Jonestown, Guiana
913 8% 16% n.d. (2, 40)
1990-1991
Guerra do Golfo
Golfo Pérsico, Médio
Oriente
251 97% n.d. n.d. (37)
1995 Atentado
com Bomba Oklahoma,
EUA 168 26,8% n.d. n.d. (6, 29)
1996 Massacre
Port Arthur Tasmânia, Austrália
35 0% 8,6% 91,4% (16)
1998
Exumações de valas comuns
resultantesda guerra da Croácia
Croácia
Este e Sudeste da República da Croácia -
1000 25% 64% 11%
(2, 6, 15, 37,
41) Petrinja - 46 16% 43% n.d.
2001
Atentado Terrorista ao World
Trade Center
EUA
2819 (nas torres) (20,1%)
n.d.
80,4% (6, 19, 29, 42)
19964 40% 3 60% 3
2002 Atentado
com bomba Bali,
Indonésia 202 n.d. 60% n.d.
(19, 43)
2003 / 2015
Exumação de soldados americanos
do USS Oklahoma da WW II
NMCP4, Havai
27 89% 0% 11% (44)
2004 Atentado terrorista
Madrid, Espanha
191 n.d. 8% 92% (45)
2016 Atentado terrorista
Nice, França
86 18% 7% 75% (46)
n.d.
Exumação soldados
americanos da guerra da Coreia
Coreia 280 84% n.d. n.d. (47)
Tabela V - Resumo de alguns desastres criminais ocorridos e dos métodos de ID das vítimas
3 Dos 968 cadáveres inicialmente analisados
4 NMCP - National Memorial Cemetery of the Pacific
14 \MASGC 2020
Discussão
A MDF já comprovou ser um método sustentável na ID de cadáveres, principalmente
após desastres em que existe um grande número de mortes, havendo sido já reportado que a
sua contribuição na ID varia entre os 22% e os 100% (24). No entanto, após finalizado o
trabalho de campo e o reconhecimento das vítimas, vários autores referem que encontram
alguns problemas e que estes persistem nos vários cenários, nomeadamente: (6, 9, 13, 24, 48)
1. Grande número de corpos fragmentados, queimados e misturados;
2. Dificuldade em determinar quem estava envolvido no acidente
a. Neste aspecto, os acidentes de cenário fechado têm esta dificuldade
diminuída, uma vez que há conhecimento prévio das pessoas
envolvidas no desastre, existindo, em grande parte dos casos, uma
listagem dos indivíduos envolvidos no mesmo;
3. Aquisição de registos médicos e RX úteis e actuais
a. Talvez a banalização do uso da informática tenha auxiliado o
abandono do registo cuidado e pormenorizado da ficha do paciente,
apesar de ser mais fácil o seu registo. Para contornar esta situação,
deveria ser feito um forte apelo à comunidade médico-dentária
internacional para se estabelecer um empenho conjunto na boa
manutenção e actualização de registos;
4. Problemas de jurisdição, legais e organizacionais
a. Apesar de a MDF ser um método fidedigno, este pode ser fortemente
condicionado pelas crenças e/ou legislação do local onde se deu a
catástrofe. Morgan OW et al. (10) referem precisamente esta
dificuldade quando relata que após o tsunami de 2004 algumas
comunidades muçulmanas enterraram os seus defuntos num período
máximo de 24 horas, tendo dificultado a ID e contagem totais dos
mortos (quem foi enterrado pode inclusivamente não ser quem os
familiares acreditavam ser);
5. Problemas de comunicação e documentação interna e externa
a. Esta problemática é recorrente, uma vez que muitas vezes se torna
complicada a comunicação entre profissionais de diferentes
nacionalidades e o modo como os registos médicos são efectuados
15 \MASGC 2020
variam de país para país, sendo muitas vezes de difícil interpretação ou
até mesmo indecifráveis.
6. Aplicação de nomenclatura de ID forense universal e de uma língua universal
no preenchimento dos formulários da INTERPOL
a. Se a utilização da nomenclatura da Federação Dentária Internacional,
por exemplo, não pudesse ser universalmente utilizada no
preenchimento de odontogramas, a mesma deveria, pelo menos,
constar sob forma de legenda nos registos clínicos, possibilitando
assim que cada profissional pudesse facilmente preencher as fichas
com a nomenclatura aplicável no seu país, permitindo que os mesmos
pudessem ser interpretados por qualquer MD, independentemente da
sua nacionalidade.
Para além destes importantes factos, existem algumas situações que são de destacar e
que nunca deverão ser descartadas pois influenciam o resultado que a MDF (e outras áreas)
tem na ID de cadáveres.
Devido ao clima habitual em certos locais do mundo (alta percentagem de humidade,
calor intenso, chuva constante que potencialmente alaga o local do desastre, entre outras) é
muitas vezes difícil obter ID, uma vez que, após um certo período de tempo, a decomposição
corporal dificulta o processo. Assim sendo, é importante a existência de câmaras frigoríficas
disponíveis perto do local do desastre, de modo a impedir que tal constrangimento ocorra.
(10, 13)
Outra situação sobre a qual deve ser chamada a atenção é exposição radiológica,
muitas vezes em excesso, a que os profissionais são sujeitos e a potencial má categorização
dos RX tirados, uma vez que pode haver necessidade de realizar 200 ou mais imagens por dia.
É fulcral que as equipas que trabalham nos vários locais tenham o número necessário de
técnicos para que estes não fiquem assoberbados com o trabalho a desempenhar, garantindo
igualmente que exposição radiológica individual não ultrapasse os limites considerados
normais para o desempenho da função. (24) Um modo de possivelmente contornar esta
problemática, e tendo em consideração que já foi relatado que é mais confiável utilizar
imagens tridimensionais na comparação de dados AM e PM (por vezes é difícil comparar RX,
nomeadamente entre imagens analógicas e digitais, uma vez que não se consegue obter
exactamente a mesma orientação do RX) (27), nos países em que for possível (tendo em conta
também o número de vítimas), poderia optar-se pela realização de exames imagiológicos
16 \MASGC 2020
tridimensionais (tomografia computorizada, tomografia computorizada em cone – CBCT -,
entre outras) como forma de obter a informação PM.
O elevado número de corpos para identificar pode também levar à exaustão dos
profissionais, nomeadamente dos MD, aumentando a dificuldade em destrinçar algumas
“anomalias”. É sabido que a MDF enfrenta inúmeras dificuldades na sua execução,
principalmente nos dias de hoje em que os tratamentos são executados de modo a que não
seja visível que os dentes foram alvo de intervenção. Uma das dificuldades apresentadas na
análise dentária é precisamente o facto de as restaurações estéticas serem difíceis de detectar,
derivado ao facto de ser difícil muitas vezes distinguir a resina composta do dente natural.
Para auxiliar nesta problemática, foi sugerida a utilização de ácido fosfórico a 37% no dente,
uma vez que o esmalte vai alterar o seu aspecto e o compósito não. (13, 24)
Para que a MDF seja utilizada no seu exponencial máximo, é de extrema importância
que estejam reunidas todas as condições necessárias à boa execução das técnicas por parte
dos profissionais.
Pela observação dos resultados apresentados conseguimos inferir que, de facto, a MDF
é uma ferramenta excelente na ID de vítimas, uma vez que se configura como sendo um
método muito menos dispendioso e mais rápido do que outros processos, como por exemplo a
análise de ADN.
É de realçar que é impossível apresentar dados de todas as catástrofes que ocorreram
no passado recente. Contudo, através desta amostra, é-nos permitido verificar que o
contributo da MDF varia largamente consoante o local onde se acontece o desastre e o país de
proveniência das vítimas. Em países menos desenvolvidos, a percentagem de casos resolvidos
e o número de vítimas locais identificadas com base na MDF é substancialmente mais baixa.
Este facto poderá ser justificado com a baixa frequência na ida ao MD nestes países, como é o
caso da Europa de Leste, em que a população não tem meios financeiros para manter visitas
regulares ao MD, sendo que há poucos ou nenhuns registos dentários da maioria da
população. (49)
Para além deste facto, o armazenamento de odontogramas, RX e modelos é
extremamente variável de país para país. Uma vez que a MDF tem grande ênfase e é muitas
vezes aplicada, é cada vez mais imperativa a necessidade de manter bons registos, factor que
pode levar a uma taxa de sucesso na ID de 34-89%. (25, 50)
Sengupta et al. (51) refere que na Índia cerca de 8% dos MD têm dados dos pacientes
que remonta há mais de 5 anos. Inclusivamente, há registo de que neste país apenas 87% dos
MD fazem algum tipo de registo, sendo que destes, apenas 31% têm os registos com os
17 \MASGC 2020
detalhes necessários. (50) No Reino Unido, cuja realidade difere bastante da da Índia, foi
verificado que apenas 48% dos registos eram considerados satisfatórios. (29) Com estes
valores, pouco distantes dos da Índia, verifica-se a necessidade de realizar um trabalho a nível
mundial, para que se tente contornar esta realidade. Nos dias que correm, e principalmente
nos países em que a população possui maior capacidade financeira (que lhes permite manter
uma rotina mais fácil e regular de visitas ao MD), é da maior importância que os profissionais
mantenham bons registos dentários dos seus pacientes e estas boas práticas têm que ser
incutidas aos profissionais. Em Portugal, a manutenção adequada de registos constitui um
dever legal e deontológico (Artigos 30º a 32º do Título II, Capítulo III do Código Deontológico
da Ordem dos Médicos Dentistas - Regulamento n.º 515/2019 (52)).
A existência de registos não é o único factor a ter em consideração, sendo que a sua
qualidade é igualmente importante. Kieser et al. (53) referiram que, dos registos AM que
receberam aquando do tsunami de 2004, apenas 68,9% e 46,2% dos registos e RX eram
aceitáveis, respectivamente. Este é um facto que tem obrigatoriamente de ser corrigido num
futuro próximo.
18 \MASGC 2020
Propostas para contornar dificuldades na ID
De forma a colmatar as dificuldades sentidas na ID de vítimas, existem vários métodos
de “prevenção” que poderão ser empregues, isto é, existem vários métodos de registo da ID
de um dado indivíduo em vida e que podem facilmente ser rastreáveis.
A maioria dos métodos são adicionados às próteses/aparelhos que os pacientes
tenham de usar, durante a sua confecção (inclusivamente, em alguns países como Suécia,
Escócia e Reino Unido, Estados Unidos da América ou Austrália são de aplicação
obrigatória(54)), mas também existem sugestões de identificadores inseridos na própria
cavidade oral. Tendo em consideração que todos os métodos possuem, obviamente,
vantagens e desvantagens, em seguida são apresentadas, de forma sumária, algumas das
propostas existentes. (4, 8, 54-60)
Nos dentes, foi sugerida a introdução de dispositivos de ID via ondas de rádio (RFID)
inseridos nos molares. Estes sistemas utilizam frequência rádio para identificar, localizar e
seguir pessoas, animais ou objectos. Enquanto que nos animais, este tipo de dispositivos é
colocado por baixo da pele (via injecção), nos humanos a proposta é diferente: alterar o
desenho exterior do RFID e coloca-lo numa cavidade dentária (de Classe I, por exemplo),
utilizando os usuais materiais de restauração para reconstruir a cavidade, como se de uma
dentisteria simples se tratasse. Assim, o profissional que procurar conhecer a ID de um cadáver
que possua esta tecnologia, precisaria apenas de passar o leitor na bochecha da vítima e
conseguiria visualizar toda a informação previamente guardada, tais como nome, sexo, data de
nascimento, códigos de nacionalidade e do país, entre outras.
Nas próteses (totais ou parciais, fixas ou removíveis) existem várias metodologias que
podem ser aplicadas, sendo a sua diferença base o modo e aplicação: métodos de superfície
ou de inclusão.
Os métodos de superfície são processos em que se marca ou grava a superfície da
própria prótese. Nesta metodologia podem ser gravadas, usando uma broca de acrílico, letras
ou números na superfície ou adicionar as iniciais do paciente no processo de fabrico do
esqueleto das próteses.
No que diz respeito aos métodos de inclusão, mais permanentes, estes diferem dos
anteriores precisamente por ser incluído algum material na prótese. Podem ser incluídos:
1. Banda de ID: é preparado um pequeno rectângulo na base acrílica da prótese,
onde é colocada uma banda de metal com a informação do paciente, sendo
19 \MASGC 2020
colocado acrílico transparente por cima. De seguida a prótese é terminada e
polida.
2. T-Bar: uma barra transparente de polimetilmetacrilato (PMMA) em forma de T
é construída, sendo recortada uma ‘calha’ de dimensão correspondente na
prótese. Posteriormente é interposta entre a base da prótese e a base da barra
uma etiqueta com a ID do paciente. No fim, é recortado o excesso da barra e
finalizada a prótese.
3. Tiras de papel: é adicionada uma tira de papel de espessura muito reduzida
(“onion skin paper”) com as informações do paciente na superfície interna da
prótese.
4. Gravação por laser: utilizando um Laser de vapor de cobre, a informação do
paciente é gravada no esqueleto metálico de uma prótese esquelética.
5. Dispositivos RFID: semelhante ao método aplicado nos dentes (referido
acima), é aberta uma ‘calha’ na face externa da prótese, paralela ao plano
oclusal, e, após colocação do dispositivo RFID, a mesma é preenchida com
acrílico rosa e é terminada a prótese.
6. Microchips de electrões: a informação do paciente é gravada num chip,
posteriormente adicionado à prótese.
7. Sistema lenticular: utilizando uma lente lenticular são produzidas imagens
contendo a informação do paciente.
8. Código de barras: é realizado um código de barras que posteriormente é
colocado na base da prótese. À semelhança de outros métodos, é
posteriormente colocado acrílico transparente por cima do código para selar
esta adição.
9. Fotografia: é adicionada uma fotografia do paciente à base da prótese, sendo a
mesma coberta com acrílico transparente.
Para qualquer um dos métodos acima mencionados, é de extrema importância formar
e treinar técnicos de prótese dentária (alunos e profissionais que já tenham prática
profissional) acerca dos vários métodos de incorporação de ID nas prótese, para que estejam
familiarizados com os processos e o saibam fácil e eficazmente fazer.
Apesar de qualquer dos métodos ter diversas vantagens e poderem, de facto,
constituir como auxiliar valioso na ID de um qualquer cadáver, não podemos contudo esquecer
que em caso de vítimas de incêndios, por exemplo, a maior parte dos materiais acrílicos poder-
se-ão danificar ou mesmo destruir. Deste modo, é importante ter sempre os métodos mais
20 \MASGC 2020
‘tradicionais’ presentes (comparação de imagens AM e PM e análise da cavidade oral). Assim
sendo, e para facilitar a obtenção de informação, uma vez que por vezes pode tornar-se difícil
transportar alguns equipamentos para o local do desastre, bem como manusear as cavidades
orais, poderia ser empregue a tecnologia de scan intraoral (não esquecendo que será sempre
necessário estudar e viabilizar um protocolo de utilização deste processo), de maneira a ser
mais fácil (e talvez mais rápido) comparar com registos e/ou modelos AM que sejam
disponibilizados. Inclusivamente, se for complementado com o uso da impressão 3D, podemos
facilmente imprimir em qualquer parte do globo uma digitalização AM ou PM, não sendo
necessário que sejam enviados modelos físicos dos pacientes, agilizando dessa forma todo o
processo).
No que respeita aos implantes, poderia ser gerado, em fábrica, um código QR para
cada lote de implantes e, cada vez que fosse utilizado um determinado implante num dado
paciente, o MD deveria registá-lo em plataforma própria (internacional, de preferência),
ficando anotada a clínica e MD que utilizou o implante, o código do próprio implante e o
código interno do paciente em quem foi colocado o dispositivo (desta maneira as normas de
confidencialidade de dados seriam ser respeitadas).
Como alternativa a esta hipótese, foi sugerido que, para estes dispositivos, fosse
gravado com laser no interior das câmaras a informação do lote desse implante, sendo sempre
necessário que o MD que coloque o implantes processa ao seu registo. (56)
21 \MASGC 2020
Conclusão
O papel do MD na ID de vítimas mortais, nomeadamente em cenários onde exista um
grande número de cadáveres, foi já bastante estudado e documentado. Esta colaboração é
cada vez mais realçada e mais requerida, pois é um método fiável, economicamente mais
acessível e prático. Deste trabalho podemos concluir, e de acordo com o que já foi
amplamente descrito na literatura, que o MD tem competências técnicas que são uma mais-
valia e deve trabalhar em conjunto com os profissionais de saúde que acorram ao local, de
modo a maximizar a eficácia da resposta no local da catástrofe.
Assim, é da maior importância aumentar e incrementar o ensino na área da MDF de
forma a possibilitar a entrada de mais profissionais nas esquipas de ID dos seus países e mais
profissionais possam ser requisitados para o auxílio na ID em casos de catástrofe. É importante
lembrar que nem todos os países têm a mesma metodologia de ensino de MD, sendo que
alguns podem ter experiência hands-on, outros apenas componente teórico e outros podem
até só ter disponibilizada formação pós-graduada. Deste modo, é necessário uniformizar o
ensino nesta área, sendo importante distinguir educação básica obrigatória e informação
especializada voluntária, sob forma de curso pós-graduado adicional. O objectivo não é todos
os MD serem “especialistas” em MDF, mas sim que todos os profissionais possuam
capacidades para auxiliar em caso de necessidade, como é o caso de uma catástrofe de
grandes proporções (situação onde habitualmente todos os profissionais são poucos), pois um
cenário de desastre não é o local para aprender acerca do papel do MD.
Neste campo, e para agilizar o pensamento e actuações automáticas, poderia sugerir-
se que fossem efectuados recorrentemente simulacros, de forma a que os profissionais
tivessem hipótese de aprender e praticar as mais diversas situações, ou que exijam um
discernimentos rápido sob grande pressão física e psíquica. Este treino é inclusivamente
favorecedor da preparação emocional dos MD, uma vez que já foi comprovado por que os
profissionais a trabalhar no local de catástrofes não estavam preparados para o stress
psicológico gerado no momento (principalmente o facto de terem muitas vezes de lidar com as
famílias das vítimas), nem para as perturbações psicológicas que podem advir deste tipo de
cenários e cansaço físico inerente à tarefa penosa de identificar dezenas de cadáveres.
Tendo em conta que a MDF poderá (e deverá) ser cada vez mais e melhor aproveitada,
e tendo em consideração o local onde se deu o acidente, seria prudente estipular um regime
de vacinas obrigatórias antes da ajuda externa chegar ao local, de forma a salvaguardar a
saúde dos profissionais, sendo também prudente que seja prestada assistência médica a quem
22 \MASGC 2020
está a trabalhar, como por exemplo em casos de desidratação, cortes com instrumentos
médicos contaminados ou fragmentos ósseos, entre outras ocorrências.
Concluindo, para além da necessidade de formação mais detalhada em MDF por parte
dos profissionais, e de modo a auxiliar e agilizar todo o processo de ID (foram sugeridos
anteriormente alguns métodos de marcação de próteses, contudo podemos sempre encontrar
um cadáver que não seja portador desse tipo de dispositivos), deveria implementar-se um
sistema de obrigatoriedade de registo de RX, tal como existe o registo de vacinações através
do boletim de vacinas, para que estejamos sempre actualizados no caso de ocorrer um
desastre, como aliás sucede no caso das forças armadas, onde é feito o registo de todas as
informações médicas. Com base nesse mesmo registo é mais fácil identificar um militar do que
um civil.
Tendo todas as ferramentas necessárias, e sendo cumpridas todas as estipulações
determinadas pelas autoridades competentes, a ID das vítimas é mais fácil, fiel e rápida, desde
que exista uma franca cooperação entre profissionais de todo o mundo para que os dados das
vítimas sejam rapidamente partilhados.
23 \MASGC 2020
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57. Bernitz H. Incorporation of radio frequency identification tag in dentures to facilitate
recognition and forensic human identification. International Dental Journal. 2009;59:222-4.
58. Mohan J, Kumar CD, Simon P. "Denture marking" as an aid to forensic identification. J
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59. Kareker N, Aras M, Chitre V. A Review on Denture Marking Systems: A Mark in Forensic
Dentistry. J Indian Prosthodont Soc. 2014;14(Suppl 1):4-13.
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61. Bernitz H. The challenges and effects of globalisation on forensic dentistry.
International Dental Journal. 2009;59:222-4.
27 \MASGC 2020
Anexos
1 - Resultados obtidos acerca do Tsunami de 2004 no Sudeste
Asiático
FONTE REGIÃO
ATINGIDA NÚMERO DE
MORTOS % ID POR
MDF
% ID MDF + OUTRO
MÉTODO
% ID POR OUTRO
MÉTODO
(2) Geral +200000 85% n.d. n.d.
(6, 29) Tailândia 5395 24,8% 11,5% n.d.
(8) Geral +200000 n.d. 85% n.d.
(10) Tailândia 8,345 14% n.d. 5%
(13) Geral n.d. 61% n.d. n.d.
(14) Geral n.d. 61% n.d. 20,3%
(19, 24) Tailândia 1474 79% 8% n.d.
(23) Tailândia n.d. 83,3% n.d. n.d.
(30) Geral n.d. 61% n.d. n.d.
MÉDIA 58,6% 34,8% 12,65% ≈
12,7%
28 \MASGC 2020
2 - Declaração de Autoria de Trabalho
MONOGRAFIA DE INVESTIGAÇÃO/RELATÓRIO DE ATIVIDADE CLÍNICA
Declaro que o presente trabalho, no âmbito da Monografia de Investigação/Relatório
de Atividade Clínica, integrado no Curso de Mestrado Integrado em Medicina Dentária da
Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, é da minha autoria e todas as
fontes foram devidamente referenciadas.
Porto, 14 de Maio de 2020
29 \MASGC 2020
3 - Parecer de aceitação do orientador
Eu, Inês Alexandra Costa de Morais Caldas, Professora Associada da Faculdade de
Medicina Dentária da Universidade do Porto (FMDUP), declaro que o trabalho de Monografia
desenvolvido pela estudante Mónica de Almeida Santos Gomes da Costa, do 5º ano do Curso
de Mestrado Integrado em Medicina Dentária da FMDUP, subordinada ao tema “O papel do
Médico Dentista no reconhecimento de vítimas de catástrofes naturais e provocadas pelo
Homem/The dentist’s role in the recognition of victims after natural and man-made
catastrophies” está de acordo com as regras estipuladas pela FMDUP.
Informo ainda que o referido trabalho foi por mim conferido e se encontra em
condições de ser apresentado e defendido em provas públicas.
Porto, 14 de Maio de 2020.
A Orientadora,
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Inês Caldas (Professora Associada)