O Mediterrâneo que enche as...

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CAMILO AZEVEDO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7010 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE “Périplo”, uma viagem de Miguel Portas e Camilo Azevedo O Mediterrâneo que enche as mesquitas Marcos AnaBook Expo AmericaJeffNicholsDirty ProjectorsTornados Sexta-feira 12 Junho 2009 www.ipsilon.pt

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“Périplo”, uma viagem de Miguel Portas e Camilo Azevedo

O Mediterrâneo que enche as mesquitas

Marcos AnaBook Expo AmericaJeff NicholsDirty ProjectorsTornados

Sexta-feira 12 Junho 2009www.ipsilon.pt

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Ficha TécnicaDirector José Manuel FernandesEditores Vasco Câmara, Joana Gorjão Henriques (adjunta)Conselho editorial Isabel Coutinho, Inês Nadais, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar SwaraDirectora de arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho,Carla Noronha, Jorge Guimarães, Mariana SoaresE-mail: [email protected]

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Vem aí mais um Clint Eastwood (Oliveira que se acautele)Depois de ter estreado dois filmes num espaço de poucos meses (“Changeling” e “Gran Torino”, este o seu filme mais bem sucedido nas bilheteiras), Clint Eastwood fará tudo para não desmerecer o título de um dos mais prolíficos cineastas do seu tempo. Manoel de Oliveira que se acautele. Anuncia-se, para 11 de Dezembro, a estreia no mercado americano do novo filme do cineasta, “Invictus” - para o resto do mundo a estreia está marcada para ao início de 2010. Anteriormente intitulado “The Human Facor”, conta a história, verídica, de como Nelson Mandela (Morgan Freeman) uniu os seus esforços ao capitão da equipa de “rugby” sul-africana, Francois Pienaar (Matt Damon), para construir a imagem de um país unido. Acabado de ser eleito, Mandela tinha consciência de que a África do Sul continuava, economicamente e racialmente, dividida. E era essa a sua imagem internacional. Apostou, então, numa linguagem universal, o desporto: organizando a Taça do Mundo de Rugby, em 1995, esperando assim sarar as feridas do país. Eastwood foi encontrar o novo título para o filme a um poema frequentemente recitado por Mandela.

Videasta Tiago Pereira apresenta “Mandrake”: rituais pagãos e música contemporânea

“Mandrake” é a tradução para inglês de mandrágora, planta de propriedades alucinogénias

Miguel Portas e Camilo Azevedo 6Fizeram uma viagem pelo Mediterrâneo

Marcos Ana 16As memórias de um resistente ao franquismo vão ser adaptadas ao cinema por Almodóvar

Book Expo America 12O que vamos ler

Jeff Nichols 20Conta-nos “Histórias da Caçadeira”

Dirty Projectors 22Um dos grupos, fa facção alternativa americana, mais inspiradores da década

Tornados 24Swing de ontem, electricidade de hoje

Camané 26Tem carta branca no CCB

Sónia 28O espectáculo de que se falava em Avignon chega ao Maria Matos

PHIL M

CCARTEN/REUTERS

Clint, tãoprolífi cocomoOliveira?

Sumário

Espaço Público

Norberto Lobo arrebata, hipnotiza. Ficamos a pairar no ar. Não ouvimos nem vemos mais nada. Só aquelas melodias magistralmente tocadas. O concerto de Lisboa na Casa do Alentejo, no dia 5 de Junho, foi intenso... para nós e para ele. Overdose de notas e

acordes de guitarras.

Valeu-nos a Metadona que pudemos fi nalmente trazer para casa, o seu novo álbum Pata Lenta, que dá para ouvir sentado na tranquilidade de casa sem começarmos a levitar. Este trabalho soa mais maduro e seguro, mas menos inovador e experimental que o álbum de estreia Mudar de bina

de 2007. Um lobo virtuoso, manso embora extremamente ágil, de audição muito aguçada, olho vivo e palhetas no lugar das unhas. Toca em Lisboa, seu habitat natural, Norberto, o lobo da pata rápida.João Semog, artista plástico, 39 anos

Sacha Baron Cohen,

“marketeer” dos nossos

tempos

A foto diz tudo: eis um acrobata do

“marketing”. As “proezas” dele um dia

darão um livro. Para já estão a dar origem a textos de análise na imprensa internacional: Sacha Baron Cohen e a sua estratégia de promoção dos filmes. Lembram-se dos MTV Movie Awards, em que Sacha, na pele de Bruno - o apresentador australiano, e “gay”, de shows de moda -, desceu o seu traseiro sobre o rosto de Eminem? Já viram, por aí, posters do filme “Bruno: Delicious Journeys Through America for the Purpose of Making Heterosexual Males Visibly Uncomfortable in the Presence of a Gay Foreigner in a Mesh T-Shirt”, que chega aos ecrãs em Julho? Ou “trailers” desse filme? Não, não viram grande coisa. E é isso mesmo que faz de Sacha “um sonho” para quem promove os filmes, como disse ao “Guardian” Mark Borkowski, fundador da empresa de promoção Borkowski PR. “Baron Cohen utiliza armas muito antigas para se distinguir do restante ruído de promoção.” O episódio dos prémios MTV foi visto por cerca de 100 milhões de espectadores, e um “clip” do espectáculo tornou-se dos mais vistos no YouTube. Para Danny Rogers,

editor da “PR Week”, a proeza

de Baron é essa: concentrar os seus

esforços na criação de uma imagem que se inscreva na

memória do espectador, distinguir-

se no meio do ruído e dos formatos habituais. “As imagens têm muito valor hoje. Têm um poder viral. Não se trata já de colocar uma história na

imprensa. As imagens passam de escritório para escritório e são partilhadas por amigos. Com a ideia certa executada da forma

mais correcta, um acon-teci-mento único ou mesmo uma ima-gem única valem dez vezes mais do que um anúncio pago.” Eis Sacha Baron Cohen, promotor de acontecimentos: organização precisa, disciplina digna de uma operação militar. Não está tudo na imagem que publicamos?

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Baron Cohen cono Bruno nos MTV Movie Awards

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Damiaan De Schrijver e Frank Vercruyssen). É a 11 e 12 de Julho, uma co-apresentação com a Culturgest. Para quem no ano passado viu “Hippolyte” vai poder rever um espectáculo do encenador francês Robert Cantarella, que desta vez traz “Zerlina”, do alemão Hermann Broch - também mete criadas, mas esta, Zerlina, é movida pela paixão e pelo desejo (dias 10 e 11). “Diálogo de um cão com o seu dono sobre a necessidade de morder os amigos”, de Jean-Marie Piemme, encenado por Philippe Sireuil, produção do belga Théâtre National de la Communauté Française, é um espectáculo que, a rimar com o título, dá “o osso, o nervo e a carne de um belo pedaço de teatro”, diz o encenador. E neste festival há a oportunidade para (re)ver Jorge Silva Melo em palco com “Carta aos Actores”, do francês Valère Novarina - “uma reflexão profunda sobre a arte de ser actor” (6, 7, 12 e 13 de Julho) -, e o

prolongamento desse texto em “Para Louis de Funès” (12 e 13), “um abismo torrencial”, “uma explosão de cólera e paixão”. Outra criação para o festival é “Demo, um musical Praga”, pelo Teatro Praga, um musical pop na linha de outro espectáculo seu, “Turbo-Folk”, como anunciam (dias 17 e 18).Além do ciclo sobre teatro latino-americano, com as companhias chilena e argentina Teatro en el Blanco (com “Neva” e “Diciembre”, dois espectáculos encenados por Guillermo Calderón, dia 16 e 12, respectivamente) e La Maravillosa (com “Cortamos e frisamos”, encenação de Inês Saavedra, dia 7), há ainda as habituais participações portuguesas com espectáculos que já estrearam como “Menina Else”, de Schnitzler,

com Rita Durão, ou “Vieira da Silva par elle même”, com

Maria José Paschoal.

utilizada desde há tempos imemoriais em rituais pagãos. “Mandrake” é o projecto que o videasta Tiago Pereira desenvolve neste momento, debruçado sobre aquilo que tem constituído o foco central do seu trabalho: a reflexão sobre a cultura popular, colocando-a em confronto com uma noção de contemporaneidade que resiste a tomá-la como parte integrante do presente. Essa foi a base para “11 Burros Caem de Estômago Vazio” ou para o mais recente “Tradição Oral Contemporânea”. “Mandrake” pode partir das mesmas premissas, mas é obra substancialmente diferente.Já o saberá o público que, dia 10, assistiu à estreia do espectáculo no MACBA, em Barcelona. Sabê-lo-á, depois, o público que, dia 24, se deslocar ao Cinema São Jorge, em Lisboa, onde “Mandrake” terá estreia nacional. E que terá visto? Uma vídeo performance, constituída por três ecrãs, onde Tiago Pereira projectará recolhas de proveniências diversas: anciãs alentejanas e transmontanas recitando responsos e rezas populares e imagens resgatadas a arquivos vídeo dos anos 50, onde americanos elogiam as propriedades espirituais de cogumelos alucinogénios. Músicos como Tó Trips, Paulo Meirinhos (dos Galandum Galundaina), Pedro Mestre, B Fachada, José Relvas, Tiago Guillul, Ernst Reijseger ou Filipe Valentim, filmados separadamente, a complementar-se com as vozes de rituais ancestrais, a descobrirem-se familiares pela fusão de sons e imagens, projectadas nos ecrãs disponíveis ao olhar.Bem de acordo com a planta que dá título ao espectáculo, “Mandrake” é uma “trip” sonora e visual que, tendo por base a ideia de ritual mágico, pagão, anula o tempo e coloca todas as experiências projectadas no mesmo patamar simbólico: o gwana marroquino e a guitarra de Tó Trips, as cantigas de Tiago Guillul, os adufes de José Relvas, o pensamento de Terence McKenna e ladainhas alentejanas para “arredar o demónio”.Apesar de ter um fio condutor definido, “Mandrake” é um espectáculo em aberto, com Tiago Pereira a recorrer ao banco de dados de sons e imagens que recolheu para operar, em cada apresentação, alterações ao “guião” pré-estabelecido. Tal será acentuado na estreia no São Jorge, que contará com a presença do baterista Tiago

Angelino a acrescentar mais uma textura

sonora, improvisada, aos quarenta minutos de

duração da performance.

Italians Do It Better com Tiago Miranda Já o ano passado tínhamos abordado o assunto, a propósito de uma série de projectos portugueses (Photonz, Moulinex, Social Disco Club, etc.) que têm conhecido visibilidade no universo da música de dança internacional. Entre esses nomes estava Tiago Miranda, músico, produtor, DJ e responsável pela editora de jazz Ruby Red, pertencente a inúmeros projectos portugueses (Loosers, Gala Drop, Slight Delay, Mendes & Alçada, The Sea Power and Change, Dezperados, etc.). Depois de vários discos lançados em importantes editoras como a nova-iorquina Rong Music ou a Mindless Boogie, sabe-se agora que também a americana Italians Do It Better, um dos exemplos mais felizes de como criar uma editora a partir de uma singular identidade musical, visual e conceptual, se interessa pelos seus serviços. A editora dos Glass Candy e dos Chromatics, uma das mais “glamourosas” do momento, conhecida pelas electrónicas sensuais e voluptuosas, vai editar nas próximas semanas um EP de Tiago, resultante de uma parceria com o DJ alemão Kaos. Chama-se “Mucho swash”. Recentemente, Tiago Miranda editou um outro máxi-single, “Coaster”, do projecto Mendes & Alçada (Tiago + Pedro Alçada dos Coty Cream), na inglesa Claremont 56, contendo uma remistura dos ingleses Idjut Boys. Mas as novidades não se ficam por aqui. Para os próximos tempos haverá mais um máxi-single dos Mendes & Alçada (“Night of the bath”) na norueguesa Internasjonal e dois EP dos Slight Delay (Tiago + DJ Al) na Eskimo, de Lindstrom & Prins

Thomas, e na Rong Music, respectiva-mente “Can you feel it?” e

“Melody Nelson”.

Luc Bondy, Matthias Langhoff ou os Stan no Festival de Almada São dois suíços que vão estar no Festival Internacional de Almada, de 4 a 18 de Julho: Luc Bondy, com “As Criadas”, e Matthias Langhoff, com “Deus como Paciente, Assim falava Isidore Ducasse”. “As Criadas” é uma produção da Volksbühne am Rosa-Luxemburg-Platz, de Berlim, e é o mergulho do homem que dirigiu a Schaubühne logo a seguir a Peter Stein no universo de Jean Genet (as criadas, que são duas, a encenar rituais sado-masoquistas enquanto a patroa está fora). Bondy (n. 1948), hoje mais conhecido como encenador de ópera, é director do Festival de Viena e vem abrir o festival com o seu espectáculo. “Deus como Paciente, Assim falava Isidore Ducasse”, montagem de excertos de “Cantos de Maldoror”, do conde de Lautréamont, onde Langhoff (n. 1941) faz a ligação da miséria do século XIX com a miséria contemporânea (dias 13 e 14). E porque o festival é sempre lugar de reencontros, cá está um espectáculo dos flamengos Tg Stan, desta vez uma mistura de textos de Harold Pinter e de Alan Ayckbourn a que chamaram “ou/não”, uma estreia que aconteceu em 2006 em Antuérpia e que juntou três dos actores fundadores do

grupo que Portugal adora ( Jolente De Keersmaeker,

Tiago Pereira apresenta“Mandrake”, dia 24, S. Jorge,Lisboa

Tiago Miranda

Harold Pinter e AlanAyckbournsegundo os Tg Stan

Luc Bondy mergulha em Jean Genet: “As Criadas”

“Deus como Paciente, Assim falava Isidore Ducasse”, de Matthias Langhoff , segundo Lautréamont

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O Sul do Mediterrâneo andou devagar milhares de anos. De repente, levou com culpa, reconhece Miguel Portas. “Périplo”, com texto de Miguel Portas e fotografi as

Das montanhas do Iémen aos desertos da Líbia, dos cemitérios do Cairo aos rios da Mesopotâmia, dos “souks” de Alepo aos palácios de Petra, o livro “Périplo” vai até onde acaba a oliveira na margem sul do Mediterrâneo.

A série documental que Miguel Por-tas fez em 2003-4 com o realizador Camilo Azevedo tinha as duas mar-gens do Mediterrâneo e vem em DVD no fim do livro. Mas o que agora está em 350 páginas de texto e fotografias é outra coisa, antes e além das filma-gens. Algo entre o ensaio histórico e a viagem, um périplo no tempo e nestes espaços sem paralelo em Portugal. O Norte ficará para um futuro volume.

Camilo Azevedo fez a maior parte das fotografias em viagens de pes-quisa, antes de filmar. Miguel Portas escreveu o texto depois da série, mui-tas vezes recorrendo a viagens poste-riores. Há lugares que estão no livro e não estão na série, como Jerusalém. Texto e fotografia são dois discursos paralelos, que frequentemente con-fluem.

Neste mundo maioritariamente islâ-mico, mas também judeu e cristão, o ateu Miguel Portas demora-se nas reli-giões, e defende ao longo do livro a necessidade de dialogar com elas. Não o fazer é ignorar a maioria, e isso foi o que a esquerda fez, erradamente, quando pactuou com as ditaduras nacionalistas árabes. E os pobres vol-taram-se para o islamismo político.

Miguel Portas diz que gostava de ter lançado “Périplo” semanas antes da campanha oficial para as europeias, mas o livro ficou pronto apenas dias antes. As duas primeiras apresenta-ções, em Lisboa e Mértola, acabaram por aparecer no portal do Bloco de Esquerda, confundindo-se com a cam-panha. “Mas ainda não era campanha oficial”, justifica Portas. “O lança-mento em Coimbra, já em plena cam-panha, não o anunciei.” De resto, diz, “é uma questão de pura formalidade”, porque a pré-campanha já vem de Outubro. “As pessoas têm várias dimensões e nunca dissociei as parti-dárias e as não-partidárias, desde que cumpra a lei.”

Dizes que “Périplo” não é um livro de história, não é um ensaio, não é uma reportagem, mas um pouco de tudo isto. Porque é que aparece tão pouca gente a falar? Foi uma opção. O documentário é que suscitou o livro, e no documentário tivemos condições de filmagem sob vigilância, porque em nenhum daque-les países se filma sem polícia. Mesmo quando iam às ruínas perdidas da Líbia? Ou sobretudo na Líbia? Sobretudo na Líbia. E no Egipto os mecanismos de defesa eram muito grandes. Depois havia um outro pro-blema. Ou se fala árabe ou a comuni-cação é difícil com as pessoas comuns.

A esquerda falhounos países islâmico

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E portanto tinha que existir a media-ção de um intérprete, o que não per-mitia confirmar a veracidade das res-postas porque era agente de polícia. Os intérpretes eram-vos atribuídos? Eram. Mas mesmo quando a mediação é através de uma agência, eles têm que fazer um relatório de informação. É assim na generalidade daqueles paí-ses. Nunca encontrei essa realidade. Tem a ver com a câmara? Tem. Com um pedido de filmagens. Indo a lugares históricos, num registo cultural, estas eram as condições. Depois, eu podia ter feito intervir bas-tante mais gente [a falar], mas isso tornaria o livro dependente das minhas visitas políticas, nomeada-mente à Palestina, Líbano e Egipto, e eu não quis que o livro fosse de actu-alidade. Pareceu-me mais interessante perceber porque tenho sobre a con-juntura política daqueles países as opiniões que tenho, e para isso era pouco relevante a reportagem de cir-cunstância.

Interessava-me a grande paisagem civizacional, as tendências longas da História, que podem determinar com-portamentos ou ajudar a desmistificar conflitos. Mais do que fazer um relato das minhas viagens na Palestina, pare-ceu-me importante, por exemplo, trabalhar sobre as origens do povo judeu ou do juda-ísmo. É dos capítulos mais marcados pela História. Aí, tinha duas opções. Ou fazia reportagem nos dois lados, mas não tenho conhecimento para tirar um ponto de vista suficien-temente original face a tanta coisa escrita e editada, ou fazia um mer-gulho em certas histórias da Histó-ria para proporcionar a um público português - e este livro está escrito para portugueses - análises pouco conhecidas cá. Mas há momentos em que aparecem resquícios dos cadernos de viagem, com diálogos. Aproveitar mais isso podia distrair a estratégia do livro? Tive medo de o contaminar de repor-tagem. A minha preocupação foi que tanto fosse acessível ao meu filho mais velho, que gosta de História, como a um professor, a um jornalista, como retaguarda na qual a actualidade se inscreve. Não achei que fosse capaz de fazer sobre a actualidade melhor do que tem sido feito.

Os capítulos também variam. Há uns que têm mais História, outros mais viagem, com algumas peripécias. Como quando estava na Estrada dos Sudaneses, na Líbia, e me deparo com um concerto de relâmpagos. Foi aí que tive a minha luz, que descobri o prin-cípio da racionalidade na religião. Isso tem mais a ver com a literatura de via-

gens introspectiva. Tal como a parte em que falas do deserto. Há elementos intimistas, como há outros que são quase de guia.

Isto começou por ser um livro de fotografias legendadas, com base no acervo do Camilo, à roda de 10 mil fotos. Depois, os primeiros ensaios que fiz não me satisfizeram. Tentei textos curtos sobre grupos de fotogra-fias, mas ninguém compra um livro para ver nele a mesma coisa do docu-mentário. Comecei a construir capí-tulos.

O primeiro, dos mesopotâmicos, era demasiado curto comparado com os outros. Decidi, a partir dos meso-potâmicos e dos rios [Tigres e Eufra-tes], resumir o livro do ponto de vista da grande viagem histórica. Portanto, esse capítulo é uma espécie de apre-sentação.

O seguinte, do Egipto, é muito mais viajante. Mas amarrei-me a um escrito pouco conhecido do Eça de Queirós [“O Egipto”]. Por que é que o Eça jovem via o Egipto daquela maneira? Quase sigo a reportagem dele.

Há um outro capítulo com base num livro, o do Cairo, mas o propósito é revelar uma novidade. Porque se vemos a grande histó-

colonialismo, ditaduras, globalização - e refugiou-se nas mesquitas. A esquerda tem de Camilo Azevedo, é uma viagem no tempo e no espaço. Alexandra Lucas Coelho

u completamente os do Mediterrâneo

“Em nome da modernidade, a esquerda aceitou a ditadura. O que deixou o campo aberto às redes sociais do islamismo político. Digamos que os pobres passaram a reconhecer-se noislamismo político”Petra, na Jordânia

Miguel Portas em Assuão, Egipto

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ria do Mediterrâneo em [Fernand] Braudel, podemos ver outra grande história em [Schlomo Dov] Goitein [erudito judeu que estudou milhares de documentos de mercadores judeus dos séculos IX-XIII, uma micro-história do quotidiano]. Entre Braudel e Goitein estão as grandes coordenadas do entendimento do Mediterrâneo. A van-tagem do Goitein é que era desconhe-cido em Portugal.

E orientei esse capítulo para as mulheres, porque o capítulo seguinte seria sobre as mulheres. Portanto, cada capítulo foi tendo a sua própria história. Do Iémen à Líbia, quais são os teus lugares de eleição? O vale de Hadramaut, a grande paisa-gem do oásis em forma de rio e da arquitectura de terra... No Iémen. ... Aliás, se tivesse que escolher um país seria o Iémen. Não é só o vale de Hadramaut. São aquelas montanhas do Centro e do Norte, todas em socalco, com quatro, cinco vezes a dimensão do Douro.

É o único país onde vi que a história fazia efectivamente parte do presente, como força propulsora. Constrói-se como sempre se construiu. No mundo árabe, é a única arquitectura espam-panante para fora. Normalmente, a arquitectura do mundo árabe é cega para fora, porque o espaço público é o da família no pátio. No Iémen, não. E é assim no Sul [com vários andares em terra] e em Sana [a norte], com construção de pedra, cada andar cons-truído geração a geração.

Pelo choque negativo, um outro lugar foi o Vale do Jordão [que atra-vessa Israel e a Cisjordânia, ao longo da fronteira com a Jordânia]. Creio que quando Moisés chegou ao cimo do Monte Nebo com 120 anos e Deus lhe disse “Aqui tens a Terra Prome-tida”, o tipo disse: “Se esta é a Terra Prometida, por aqui me fico” - e pimba, morreu no Monte Nebo. É bru-tal, a secura. É uma terra abaixo do nível do mar, um ar abafado, um rio Jordão que se salta de um pulinho, pouco mais que um riacho, um mar que é Morto, tudo terrível. Belíssimo mas estéril. De cima, parece estéril. Está longe da ideia de paraíso.

Depois, se tivesse que escolher uma cidade, há três, Lisboa, Nápoles e Istambul, que têm tanto em comum... Mas aí já estás no Norte. ... Não, se tivesse que escolher uma cidade escolhia Alepo [Síria]. É muito bonita, de uma pedra amarelada, tem muito boa construção, muito varan-dim de madeira, e a pedra e a madeira combinam bem. E tem um “souk” denso, fantástico, talvez o mais denso que conheci. É muito mais bonito e interessante que Damasco. Pensei que ias escolher Beirute. Tenho muita ambivalência em relação a Beirute. É, de longe, onde se respira mais liberdade. E rapidez de reconstituição. Destruição e reconstituição são abso-lutamente vertiginosas. É uma cidade agradável para se estar, mas não diria que é bonita. Tem um enorme excesso de construção e é dura. No livro em que visita algum deste Sul, “Mediterrâneo, Ambiente e Tradição”, Orlando Ribeiro defende que o Mediterrâneo é um todo, uma unidade para além das diferenças religiosas, com um carácter de permanência que o progresso ofusca sem destruir. Disse-o em fins de 50, começos de 60. Ainda é possível dizer isto? Que há uma unidade, creio que há - a do tempo, mais que a dos lugares. Ou seja, não é a unidade da paisagem, é a da persistência do tempo. A ideia de que a vida mudou, mas muito pouco ao longo de muitos séculos. A ideia de

Entre 10 mil fotografi as, porque é que Camilo Azevedo quis esta capa para o livro? “Por causa dos naipes de verde, deste desleixo, do árabe que mete as mãos à cabeça, na sua cadeira de plástico a olhar para a televisão. Este é o sítio onde eu gostava de ter estado a ouvir o Obama.” Concretamente, o discurso em Al Azhar, Cairo, a 4 de Junho. “Acho que foi o mais importante que Obama fez. Ele faz aquele discurso e nós fazemos o discurso das maravilhas portuguesa, com todo o preconceito. Ele está a léguas de nós.”

Camilo Azevedo, 52 anos - formado na Escola de Cinema de Lisboa no caldo de 1975, em tempos assistente de Paulo Rocha, Oliveira, mas também de Agustina Bessa-Luís, hoje realizador na RTP - conhece bem as ditas “maravilhas”. Realizou, com Paulo Varela Gomes, “O Mundo de Cá” e “Malta Portuguesa”. E com Miguel Portas “O Mar das Índias”. Para cada um destes trabalhos fez várias viagens. Já tinha visto muito quando se meteu em “Périplo”, projecto com Cláudio Torres e Miguel Portas, impulsionado por Luís Leiria (autor do glossário no livro).

Basta entrar em sua casa, um quinto andar nas Avenidas Novas, em Lisboa, para adivinhar o que viu. A porta abre-se para tectos em abóbada, paredes azul-anil, uma velha porta do Rajastão,

almofadões no soalho que na verdade são sacos de lã grossa, marvilhosamente bordados.

“Isto são as malas deles, o que usam para transportar.” E há um tabuleiro cinzelado de Alepo, na Síria, símbolo do que se traz ao visitante, chá, café, alimento.

É mais fácil quando o visitante não tem uma câmara. Quando tem é isto: “Filmei na Líbia com um pelotão de polícias, no Egipto tinha oito polícias, o polícia-polícia, o polícia que vigia o polícia, toda a imaginação de polícias.” Os polícias não gostam, por exemplo, de imagens como a do lixo nas traseiras. Mas Camilo também as tem, também as fez. Este Sul do Mediterrâneo é tudo isso. O esplendor arruinado dos impérios, o islão a braços com a publicidade, a cadeira de plástico no café com a televisão ou no pátio da Biblioteca de Alexandria – essa arquitectura de espantar, mas oca de livros, num país onde tanto dinheiro falta à educação elementar. Para Camilo, talvez nada simbolize melhor todo este contraditório mundo do Sul do Mediterrâneo do que a cadeira de plástico.

“Temos que tentar ser justos com as coisas”, diz. Vê a actual campanha das maravilhas como o oposto disso. “Depois de ‘O

Mundo de Cá’, pensei que já não se ia fazer televisão sobre o império desta forma bacoca, cheia de erros. Irrita-me a história do português ‘light’.

Toda a história do que é aquele sofrimento, aquela intolerância, não se compadece com o discurso das maravilhas.”

Foi nesta casa que discutiu muito “Périplo”, o livro, com Miguel Portas. “São dois discursos,

fotografi as e texto. Há convergências e

divergências. Sou talvez um bocadinho menos

ideológico que o Miguel. Sou muito visual.” Miguel

queria para a capa a foto do busto de Perséfone a cobrir a

cara com um véu que está num armazém de estátuas na Líbia. Ganhou Camilo.

E enquanto Miguel ia escrevendo e reescrevendo foram trocando e-mails. Camilo estava em Xangai.

Do périplo que deu origem ao livro, “a grande magia foi o nevão em Istambul”, que deu imagens maravilhosas na série. Mas o livro não tem Istambul. Então do que está no papel, que lugares escolhe Camilo? “Damasco. Porque gosto de conversar, daqueles cafés em que se bebe chá com tempo, daquele ambiente espiritual da grande mesquita.”

É difícil escolher. Também há Gadamés, uma povoação na Líbia, toda em terra batida, fresca como não são as casas modernas de cimento. “Foi o sítio mais fantástico. Os polícias levaram o Cláudio e o Miguel a beber chá no deserto e eu aproveitei para ir passear sozinho em Gadamés, tomar o fresco. E havia uma festa em que se davam presentes, e os velhinhos vieram dar-me um presente.”

Houve ainda isto, em Gadamés. “Foi dos sítios onde conversei mais com o Cláudio.” Que os acompanhou à Síria, à Líbia e a Marrocos. “Ele era um fi ltro, um conhecimento que nós não tínhamos, uma forma muito peculiar de ver o mundo. Para ele também foi uma grande viagem. O que ele queria era ir beber aquele islão que sonha e onde nunca tinha tido oportunidade de ir. Mesmo Marrocos, só conhecia o Marrocos da sua vida.”

Nos países mais vigiados por polícias, Síria e Egipto, poucas vezes Camilo fi lmou às escondidas. Uma delas foi num cibercafé à noite, na Líbia.

E depois há tudo o que não se fi lma mas fi ca. Como aquele café, também na Líbia, onde um homem o puxou para dentro de uma porta e do lado de lá havia uma rapariga que tinha uma coisa para lhe perguntar, a ele, estrangeiro vindo do Ocidente: “Explique-me como é o mundo lá fora.” A.L.C

Camilo e a cadeira de plásticoUm café com TV e cadeira de plástico era onde Camilo de Azevedo queria ter ouvido Obama.

Comboio entre Damasco e Amã

Amã, Jordânia

Jordânia, estação de comboios

“Filmei na Líbia com um pelotão de polícias, no Egipto tinha oito polícias, opolícia-polícia, o polícia que vigia o polícia, toda a imaginação de polícias”

Biblioteca de Alexandria

Cairo, Cidade dos vivos e dos mortos

Camilo de Azevedo

Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 9

que as mudanças passaram pelas comunidades, mas que elas as absor-veram para mudar o menos possível. Como o Mediterrâneo tem um excesso de História, aprendeu a lidar com ela dessa forma. Isso mantém-se.

O que acho é que a aceleração dos últimos 150 anos, em particular dos últimos 50, é de tal modo poderosa que curto-circuita todos os adquiridos anteriores. Mas não rebentou com eles. Há uma tentativa desesperada de resistir à instantaneidade como forma de vida. Acho que é isso que explica os fundamentalismos, essa dificuldade de entender a fusão dos tempos. É a resistência do clã que se adapta ao sistema político moderno, transformando as lideranças de clãs em lideranças modernas dos partidos. É o modo como a penetração da cul-tura americana é espantosamente compatível com o arcaísmo da vida na família alargada. Poucos países conseguem concentrar tão bem essas contradições como o Líbano. É uma espécie de grande concentrado do Império Otomano, da globalização e da resistência à globalização, ao mesmo tempo.

As religiões são chapéus de chuva, atrás dos quais se abrigam as velhas realidades clânicas. A imigração, que transformou o Mediterrâneo num espaço de morte, com centenas a tentarem atravessá-lo, é uma mudança decisiva no equilíbrio de que falava Orlando Ribeiro? O livro acaba justamente com a imi-gração. Adopto a ideia de que neste mar sempre se perseguiram os para-ísos na terra, e que a viagem é uma busca do paraíso terreal. Para concluir com a ideia - do Cláudio Torres [co-autor do documentário] - de que o paraíso terreal mora dentro de cada um, tem a ver com a força que leva as pessoas a partirem. Sempre se partiu

ou porque se tinha que fugir ou por-que não se tinha como ficar. Rara-mente partir é uma escolha. É uma escolha só para quem pode. Género Bruce Chatwin. Exacto. O Chatwin sustenta que o via-jante é um nómada e eu discuto isso. No caso do Chatwin, é um luxo. Para mim, é um luxo. É uma dádiva que tenho, uma possibilidade. Como o rei Faisal diz a Lawrence da Arábia: só os ocidentais escolhem o deserto. Exactamente. O que se passa no Medi-terrâneo tem que ver com uma ten-dência humana muito antiga, mas com decisões de policiamento muito modernas. A decisão de fechar o Medi-terrâneo é da Europa. E aquilo que é horroroso nas políticas de imigração - a expulsão e o repatriamento - deixa de ser função de um estado para pas-sar a ser função de Bruxelas. A Europa está nesta posição extraordinária de ter uma política de expulsão sem ter uma política de entrada nem de inte-gração. Mais, consome 50 por cento do orçamento em expulsões e repa-triamentos.

Isto é absurdo por razões humanas e porque dá alimento a posições sobre a imigração como as mais recentes do parlamento italiano, que criminalizam quem ajude um emigrante sem papéis, ou seja, criminalizam a humanidade. São pura e simplesmente protofascis-tas, não têm outro paralelo que não nos anos 30 na Alemanha. E Bruxelas foi incapaz de contestar aquele tipo de legislação porque se inclui no qua-dro legal da directiva de retorno. Uma das perguntas para a qual não tens resposta definitiva: por que é que se enchem as mesquitas a sul e se esvaziam as igrejas a norte? Ensaio uma resposta, acho que é pelo menos parte da resposta. A dificul-dade de fazer em 50 anos o caminho

que as sociedades do Norte puderam fazer em 150 ou 200, ou seja, a ace-leração dos tempos no presente. Onde tive a melhor ideia disto foi em Sana, no Iémen. O camelo ainda é meio de transporte e o último todo-o-terreno também. A sociedade é a do petróleo e ao mesmo tempo tão arcaica, con-servadora e fechada como os sauditas das areias. Foi aí que tive a noção de como é difícil a comunidades tribais lidarem com a avalancha de moder-nidade e ao mesmo tempo com o facto de os modernistas que os dirigiram serem ditadores.

Ficaram sem saída. A certa altura, a mesquita transformou-se num reduto de identidade e de liberdade. Esta avalancha do moderno é de tal modo violenta sobre uma sociedade habituada a andar devagar que fica difícil lidar com a vertigem.

Eu não procuraria convencer o meu avô, se ele fosse vivo, de coisas que pudesse pensar. Estou convencido de que aquilo que lhe pudesse dizer não era aquilo que ele ouviria. Se isto é assim entre gerações num país ociden-talizado, como não há-de ser nas ter-ras em que a intromissão do Ocidente é tardia, e onde as boas ideias chegam com o colonialismo? Digamos que o europeu leva duas malas. A mala dos direitos individuais e da revolução e a mala do colonialismo e imperialismo económico. Para voltar aos ditadores. Uma explicação para o reforço das mesquitas - depois aproveitado pelo islamismo político - é a falência pós-colonialista....

Do nacionalismo árabe, clara-mente. ... dos serviços públicos e de todas as redes que é suposto o Estado construir. Esta é a história do crescimento do Hamas, da Irmandade Muçulmana: redes sociais

ligadas às mesquitas que fazem aquilo que o Estado não faz. No fundo, é o princípio das antigas fundações em que se alicerçou a socie-dade otomana, e até a sociedade árabe inicial. A ideia da fundação ligada à dízima. O império nunca foi centrali-zado, os estados são um produto recente. Os sistemas de dominação naquele mundo foram sempre muito fractais, em mosaico, intercomunitá-rios. E este princípio de autogoverno foi seguido mesmo pelo mais perene dos impérios, o romano. Só é brutal se há dissensões no topo, ou uma sedi-ção que corre o risco de contaminar o vizinho. Fora disso, procura convi-ver com os poderes locais, É essa a história do Mediterrâneo. Os poderes locais sempre foram fortíssimos. Grande náufraga do falhanço nacionalista é a esquerda laica. No Egipto, na Palestina - o que é que aconteceu? A esquerda é vítima quer da força da religião como resistência identitária quer das ditaduras. Às vezes, a dife-rença entre estar no Governo ou na prisão é a diferença de uma atitude ou do modo como acordou naquele dia o líder nacionalista. Não há meio termo. Com excepção do Líbano e da Palestina. No Líbano, o [historiador de esquerda] Samir Kassir acabou morto em 2005. Aí as tradições são outras, é muito mais complicado. Há um bom exem-plo, o caso da Síria. Tem dois ou três partidos comunistas. Dois estão no Governo, o outro está na prisão. Mas podia ter sido ao contrário.

A esquerda foi cúmplice da moder-nidade dos regimes nacionalistas, mas essa modernidade foi imposta à bruta. Nunca se procurou trabalhar com o tempo. Todos aqueles líderes, de Ataturk [Turquia] ao xá da Pérsia ao Nasser [Egipto], tinham os olhos

“Hoje não tenho uma crença particular no homem. Transitei do cristianismo para o marxismo bastando-me acreditar no homem. Substituí uma crença por outra. E hoje estou convencido de que o homem é capaz do pior e do melhor, e que não há nenhum destino escrito. Não há uma bondade inata que, no fim, triunfe sobre o mal. É possível, aliás, que o mal triunfe. Tenho a certeza absoluta que se quiser algum bem tenho que lutar muito, e que vale a pena fazê-lo.”

Wdi Rum, Jordâniaa

10 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

postos no Ocidente e nas ideias ocidentais que transformavam a reli-gião num produto do passado e da ignorância. Tentaram afrontar a reli-gião ou nacionalizá-la. “Périplo” é o livro de um não-crente. Mas compreendes quem procura negociar dentro dos limites da tradição religiosa, em vez de quebrar. Isso tem a ver com o modo como olho para as pessoas hoje, que não é como olhava. E o modo como hoje respeito os tempos longos da história. Isto parece estranho vindo da esquerda radical, mas tem a ver com uma con-clusão política a que cheguei também em Portugal. Uma pessoa de esquerda nunca deve deixar de lutar por trans-formações, mas deve resistir à tenta-ção de as impor à bruta. E a esquerda do século XX nunca soube resistir à pior das tentações do poder, que é o poder. Ou seja, a ideia de que, em nome da razão, a pode impor de qual-quer forma.

Para mim, os fins não justificam os meios. E como entendo que a política deve ser feita com a maioria, deve ser a possibilidade de a maioria se apro-priar da política, isto é incompatível com impor valores à bruta. A batalha pela hegemonia ao nível dos valores implica trabalhar com o factor tempo. Se tivesses que apontar os falhanços da esquerda no Sul do Mediterrâneo, quais seriam? Em nome da modernidade, a aceita-ção da ditadura. O que deixou o campo aberto às redes sociais do isla-mismo político. Digamos que os pobres passaram a reconhecer-se no islamismo político. E não na esquerda. Um tremendo falhanço. Brutal. Há um outro dado, que se per-cebe bem na Palestina. Arafat é o líder nacionalista que tem que fazer com-promissos com todos os chefes que vieram com ele de Tunes, mas ainda é o pai de uma nação sem estado. Por

“A Europa está nesta posição extraordinária de ter uma política de expulsão sem ter uma política de entrada nem de integração”

Passeio de barco na baía de Alexandria

Perséfone no armazém de estátuas na Líbia

baixo dele, e com a cobertura dele, todos os sistemas de poder na socie-dade se reconstituíram em ligação íntima com os israelitas, porque já não é possível fazer comércio na Palestina sem ser com empresas isra-elitas. Então, são as próprias circuns-tâncias de um território ocupado, com segmentos de autogoverno, diga-mos, que colocam as novas lideranças palestinianas, que vieram do exílio, na estrita dependência do inimigo. Ao fim de alguns anos, isto não só cor-rompe completamente como acaba por deixar a maioria do povo entre-gue às correntes menos comprome-tidas com os laços económicos com Israel. Seres ateu e de esquerda é uma liberdade ou uma incapacidade neste mundo? Reconhecendo que a esquerda não soube dialogar com a religião, parece-te inevitável que esse diálogo aconteça, e que tudo terá que ser discutido dentro dos limites dessa religião? Não só penso que o diálogo é indis-pensável, como o diálogo com o isla-mismo político é absolutamente indispensável. A ideia de que não se pode ou deve dialogar com o isla-mismo político é um enorme erro. É o equivalente a dizer que não se deve dialogar com aqueles povos. Porque, se houvesse eleições realmente demo-cráticas, os que mandam não se aguentavam nem seis meses. O islamismo político ganharia. Ganharia. Depois havia de perder, mas abria-se o jogo. O partido que actualmente governa a Turquia não é outra coisa que não uma variante da Irmandade Muçulmana. Então, neste universo muito mais próximo do islamismo político do que há décadas - e já vimos como a esquerda também foi responsável por isso -, o que é que a esquerda tem a fazer? A esquerda árabe é tributária da for-mação marxista europeia e teve sem-

pre dificuldade em compreender o fenómeno religioso. O que faço no livro é um exercício que hoje muita gente na esquerda faz: tentar com-preender o fenómeno religioso depois de a fractura entre religião e ciência ter deixado de ser o que era. Hoje a ciência não tem que se opor à fé para resolver problemas de ordem filosófica que decorrem estritamente da crença. Não há resposta científica para algo que decorre da fé. O facto de eu não ter religião, e de pensar que a religião é um produto dos homens, permite-me ter a distância que de algum modo um jornalista pode ter. Não parto para a análise da religião com um “parti pris” de ateu. Parto para a análise da religião como fenómeno humano, que é o que me interessa.

As religiões são profundamente desconhecedoras das suas vizinhas. Os sunitas desconhecem tanto os xii-tas quanto os católicos desconhecem os protestantes. Em Alepo, em 2007, num encontro ecuménico, defendi isto: pelo menos podemos concordar que o homem inventa Deus à sua semelhança. E no fim eles declara-ram-me crente: você acredita no homem. E eu disse que sim. Tive que dizer. Mas, de facto, hoje não tenho uma crença particular no homem. Transitei do cristianismo para o mar-xismo bastando-me acreditar no homem. Substituí uma crença por outra. E hoje estou convencido de que o homem é capaz do pior e do melhor, e que não há nenhum destino escrito. Não há uma bondade inata que, no fim, triunfe sobre o mal. É possível, aliás, que o mal triunfe. Tenho a cer-teza absoluta que se quiser algum bem tenho que lutar muito, e que vale a pena fazê-lo. Mas hoje a minha rela-ção com a crença na humanidade resume-se a quase uma atitude ego-ísta: poder chegar ao fim da vida e achar que, apesar de tudo, fui útil, não sacaneei o próximo, não fiz coisas de que me tenha mesmo que arrepen-

der. Que a minha vida teve algum sen-tido - e só entendo a minha vida com outros. Se fosses um homem de esquerda no Egipto, o que farias? No Egipto, não sei bem. Não há nenhum partido em que me pudesse reconhecer. Seria provavelmente um activista social ou cultural, um jorna-lista procurando ser sério, um escri-tor procurando ganhar espaço de liberdade. A minha política seria a minha forma de ser útil nesse mundo. Ou seja, não é possível fazer política de esquerda no Sul do Mediterrâneo? É possível. No Egipto, é que não há, neste momento, forças visíveis. No Líbano, é um pouco diferente. Ou na Palestina, onde eu estaria com a esquerda da Terceira Via, nem Hamas nem Fatah, que não se conseguem entender entre si. Apesar de tudo, na Palestina há uma possibilidade de a esquerda laica se afirmar se não esti-ver dividida.

Não me esqueço de um momento em Gaza, num encontro com vários deputados, em que eu e a [eurode-putada] Luisa Morgantini estamos a discutir com eles: “Porque é que con-tinuam a atirar ‘rockets’? Isso não presta para nada, não tem nenhum efeito militar, só une a sociedade isra-elita contra vocês. Que falta de sen-tido nisso!”. E um homem da FDLP [partido de esquerda] levanta-se e diz: “São capazes de ter razão, mas digam-me lá o que faz um gato numa jaula? Pelo menos tem que mostrar as garras. Isto são as nossas garras. A gente sabe que não serve para nada, mas temos que mostrar qualquer coisa”. Estamos vivos. Estamos vivos. Eu consigo compre-ender isto. A questão deles não é a eficácia. A eficácia deles é demons-trarem que estão vivos.

Ver crítica de livros págs. 36 e segs.

12 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

falar. Foi o rei da festa. Disse adeus, fez caretas, imparável...

“Blood’s a Rover” é o fi nal daquilo a que ele chama a sua “American Underworld Trilogy”, onde inclui “American Tabloid” e “The Cold Six Thousand”. A determinada altura, neste livro por onde passam alguns anos da História norte-americana (de 1968 até 1972), lê-se: “I am here to

tell you that it is all true and not at all what you think”. (“Estou aqui para vos dizer que é tudo verdade e nem tudo como vocês pensavam”. E continua: “Vocês vão ler com alguma relutância e capitular no fi m. As páginas que se seguem vão forçar-vos a sucumbir. Vou dizer-vos tudo.”) Um começo assim promete.

Mas é na contracapa desta

edição especial de “Blood’s a Rover” distribuída na feira que está uma pequena maravilha. Ellroy escreve aos leitores uma carta: “Queridos livreiros, aqui está o meu novo romance em toda a sua magnifi cência melífl ua e de macho-ferido. A Knopf vai lançar esta bomba atómica em forma de livro no dia 22 de Setembro. O vosso trabalho é curti-la e

Famílias disfuncionais, cancro, doen-ças, drogas, álcool, um escritor que morreu (Robert Jordan) e deixou um manuscrito inacabado que um outro escritor, Brandon Sanderson, está a concluir. Ao fim de meia hora a assistir ao “Editor’s Buzz”, o painel na Book Expo America onde os editores falam dos seus livros para os próximos meses, ficava-se deprimido.

Uma das apostas para a “rentrée” é a história de uma infância invulgar contada em BD. “Stitches”, o livro de memórias de David Small, será publi-cado em Setembro na W.W. Norton. Este premiado ilustrador e autor de livros infantis norte-americano nasceu com problemas de saúde. O pai, que era médico, tentou resolvê-los com radiografias e injecções. Aos 11 anos apareceu-lhe no pescoço um caroço que todos pensavam ser um quisto sebáceo. Quando, finalmente, David Small foi operado, três anos e meio depois, acordou com uma cicatriz na garganta e uma única corda vocal. Dei-xou de ter voz e o silêncio, que nele era habitual, “deixou de ser uma esco-

lha”. O estranho é que ninguém da família lhe contou que ele tinha can-cro. Nem que a morte andava dema-siado perto.

O editor Robert Weil, que apresen-tou o livro na Book Expo America (BEA), a feira dedicada ao sector livreiro que se realizou no final de Maio no Jacob K. Javits Convention Center de Nova Iorque, falou de uma infância “tão aterradora que poderia ter sido inventada por Kafka”.

David Small cresceu em Detroit nos anos 50 numa família disfuncional. A mãe era lésbica não assumida. O pai era infeliz, a avó tinha problemas psi-cológicos e o irmão só voltou a falar com David agora, quando ele lhe enviou o manuscrito a avisar que ia ser publicado.

É uma história de abusos. Os pais um dia proibiram-no de ler “Lolita” e queimaram-lhe o livro no quintal. “É um filme mudo disfarçado de livro”, acrescentou o editor Bob Weil na apre-sentação. Mas apesar disto tudo, quando se pega em “Stitches” não se consegue largar o livro antes do fim.

Outra história de sobrevivência é a de Alex Lemon, poeta norte-ameri-cano que em Janeiro de 2010 vai editar as memórias. “Happy - a memoir” é a aposta da editora Alexis Gargagliano, da Scribner. “Quando me enviaram pela primeira vez o manuscrito tive dúvidas. Não estava certa de querer ler a história de um universitário que abusou de drogas”, disse. Mas uma viagem de avião depois, já estava con-vencida. Para Alexis este é o tipo de livro que nos faz lembrar o que é estar-mos vivos. Alex Lemon era o rapaz que engatava todas as raparigas na facul-dade, era o rapaz das festas e a estrela da equipa de basebol. Na universidade a sua alcunha era “Happy”. Um dia acordou de manhã sem conseguir mexer parte da cara. Tinha 19 anos, sofrera o seu primeiro Acidente Vas-cular Cerebral. Seguiram-se vários e anos de tormento.

“O cancro está quase omnipresente em livros de ficção e de não-ficção”, explica José Prata, editor da Lua de Papel e da Caderno que esteve na BEA. “São histórias de todo o tipo e

A morte fi ca-nos tão bemna próxima temporada

Duas “samba ladies” de biquíni e penas coloridas desfi lavam à hora certa pelos “stands” da Book Expo

America, em Nova Iorque. Mas não dava para disfarçar: doença, morte, luto são temas dos livros que vêm aí.

Isabel Coutinho, em Nova Iorque

Liv

ros

É impossível decifrar os rabiscos de James Ellroy na dedicatória que escreveu num exemplar de “Blood’s a Rover”, o seu próximo livro que será publicado pela Alfred Knopf no fi nal de Setembro. Estava a escrever em pé, todo torto com o livro inclinado, e tinha à frente uma gigantesca fi la de quem foi à BEA para o ouvir

Atenção aos impostores, no Facebook James Ellroy só há um. E promete conversar com os leitores sobre o novo romance, a partir de Setembro, quando chegar “Blood’s a Rover”.

James Ellroy só há um

apanhar a sua gravidade visceral desde agora e até à data do seu lançamento. (...) O romance abarca o período entre 1968-72. É um

James Ellroy

Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 13

vários desses livros que reflectem sobre a doença fogem ao gueto da literatura barata. Há uma série de autores de prestígio que estão a escre-ver livros que reflectem sobre estes temas. Alguns destes livros são escri-tos por professores, por doutorados, são de auto-ajuda mais ao menos dis-farçada. Como se o género da auto-ajuda estivesse a sofrer um ‘upgrade’”, conclui o editor de “O Segredo” em Portugal.

Embora a Marta Ramires, editora da Casa das Letras, parecesse que na BEA não havia nenhuma nova tendên-cia a merecer destaque (“estava tudo muito parado”) notou que os livros de memórias e a não-ficção eram predo-minantes. Surgem obras que mistu-ram memórias com auto-ajuda e dá como exemplo o livro-testemunho do actor Patrick Swayze, que luta contra o cancro . E “Resilience”, as memórias de Elizabeth Edwards, mulher do polí-tico John Edwards, doente com cancro da mama.

Os livros de reflexão política pare-cem ter acabado com as eleições norte-americanas. “Já ninguém tem livros a reflectir sobre o Iraque ou Guntá-namo”, comenta José Prata. “E como a resposta do mercado à crise finan-ceira foi muito rápida, praticamente esgotaram-se os livros sobre a origem da crise.” Não existiam na feira. Pas-sou-se agora a uma segunda fase, em que se publicam narrativas, histórias paralelas à crise, de alguns dos prota-gonistas. “Está a fazer-se uma espécie de micro-história da crise”, afirma.

Segredo em torno de Dan BrownSempre a uma hora certa, as “samba ladies”, duas meninas de biquíni e penas coloridas pelas costas abaixo desfilavam rodeadas por músicos que tocavam ao vivo. Eram o contra-ponto aos livros com temas depres-sivos que se viam nos “stands”.

O editor Robert Weil,que apresentou o livro de David Small, falou de uma infância “tão aterradora que poderia ter sido inventada por Kafka”

“Stitches” livro de memórias de David Small em formato BD: um dia David acordou com uma cicatriz na garganta e uma única corda vocal

sacana de um romance histórico, lato no que abarca, profundo na exploração da sua era, cheio das minhas típicas maluquices e imbuído de uma altíssima capacidade de acreditar e com os corolários da conversão política e revolução. Oh, yeah - este é mesmo um livro para estes tempos. O livro oferece-vos o Howard ‘Dracula’ Hughes, o ‘Gay’ Edgar Hoover e o ‘Tricky Dick’ Nixon. Tem os diabólicos olhos da máfi a vigiando a República Dominicana. Tem voodoo no Haiti (...) e a minha melhor personagem feminina: a Red Goddess Joan. Leia este

“Blood’s a Rover” é o final daquilo a que Ellroy chama a sua “American Underworld Trilogy”,onde inclui “American Tabloid” e “The Cold Six Thousand”

livro. Tome consciência da sua grandiosidade. Encontrem-me no Facebook e digam-me o que acharam (coloquem mensagens no meu muro!). O vosso, James Ellroy”.

Durante a conferência explicou que foi o seu editor que lhe pediu para fazer isto (ele nem usa computador), mas promete interagir com quem no Facebook lhe escrever a comentar a obra. Mas atenção: há um só James Ellroy no Facebook - aquele que tem uma foto dele igual à dos livros. Todos os outros são impostores. I.C.

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fi m, e ainda tinha muito para contar. “When Everything Changed” termina no ano de 2008, quando Hillary Clinton foi candidata às eleições presidenciais norte-americanas. E como é estranho ler a determinada altura que a revista “Newsweek” escreveu que as mulheres não podiam ser escritoras... I. C.

Distribuíam convites para caipiri-nhas no pavilhão do Cool-er, onde um novo leitor de eBooks britânico estava a ser apresentado. Era impos-sível escapar-lhes.

Dos gigantescos cartazes onde se anunciava o novo Dan Brown, “The Lost Symbol”, também ninguém escapava. Estavam pendurados logo à entrada, uns a seguir aos outros, todos iguais e com a mesma mensa-gem. O livro mais esperado dos últi-mos anos irá para as livrarias norte-americanas no dia 15 de Setembro e será publicado pela Doubleday, chan-cela da Random House que pertence ao grupo Bertelsmann. Sabe-se que terá outra vez Robert Langdon, como personagem principal, mas não se sabe mais nada.

“Só cinco pessoas do mundo inteiro é que tiveram acesso ao manuscrito que está em posse da Random House”, explica João Gonçalves, director de “marketing” do grupo Bertelsmann em Portugal e que este ano foi à BEA. “Com enormes medi-das de segurança e acordos de confi-dencialidade como costuma aconte-cer nestes casos”, continua. Por isso “The Lost Symbol” não foi distribuído na feira, nem se falou dele.

Ainda houve outras ausências de livros importantes. Ninguém falou de “Inherent Vice”, de Thomas Pynchon que estará à venda em Agosto e será um dos livros do Verão, e também não havia rasto de exemplares de “The Humbling”, de Philip Roth, que a Houghton Mifflin Harcourt vai publicar em Novembro.

Há 14 anos que se esperava um novo romance de Pat Conroy (autor de “O Príncipe das Marés”) e ele já existe. É “South of Broad”, será editado pela Doubleday em Agosto, e foi distribuído na BEA apesar de o escritor não ter ido à feira como estava marcado. O agente explicou que o médico de Conroy lhe recomendou que não fizesse a viagem até Nova Iorque por estar ainda a recu-perar de uma intervenção cirúrgica. De regresso também está Lorrie Moore com “The Gate At The Stairs” (ver caixa); Richard Russo (autor de “A Ponte dos Suspiros” e prémio Pulit-zer), com “That Old Cape Magic”, romance onde conta a história de um casamento e James Ellroy com o final de uma trilogia. Entre as doenças e o Dan Brown haverá outras escolhas. Este ano vamos ter literatura a sério.

Quando tudo mudoupara a mulher americana,

segundo Gail Collins

Gail Collins, a actual colunista do “The New York Times”, foi a primeira mulher a estar no cargo de editora das páginas editoriais daquele jornal (de 2001 a 2007). Este dado da sua biografi a só vem provar a actualidade do livro que lança em Outubro, “When Everything Changed - The Amazing Journey of American Women from 1960 to the Present” (Little, Brown).

Na Book Expo America Gail Collins lembrou que em 1960 as norte-americanas tinham que pedir permissão aos maridos para se habilitarem a um cartão de crédito. O seu livro fala das mudanças que aconteceram nas últimas décadas em relação aos direitos das mulheres. Não é a primeira vez que Gail se dedica a este assunto. O seu livro anterior, “America’s Women: Four Hundred Years of Dolls, Drudges, Helpmates and Heroines”, foi um best-seller em 2003. Na conferência que deu na BEA explicou que tudo começou quando lhe pediram,

A revolução na vida das mulheres norte-americanas nas últimas décadas é o tema do novo livro de Gail Collins. Vai ser publicado em Outubro.

Na BEA Gail Collins lembrou que em 1960 as norte-americanas tinham que pedir permissão aos maridos para

se habilitarem a um cartão de crédito

Lorrie Moore não gosta de falar em público. Por isso arranjou um estratagema para a sua conferência na Book Expo America onde falou sobre o novo romance. Fingiu que levava cartões com perguntas que leitores lhe tinham feito. Respondia a umas e a outras não. Explicava porquê. Por exemplo, à pergunta: “Não publica há 11 anos”, respondeu: “Vamos passar à frente com esta pergunta”. Mas lá foi dizendo que a vida de divorciada, de mãe de um rapaz adolescente, com um ex-marido que lhe envia mensagens por correio electrónico que ela deveria apagar antes de ler, foram razões para a ausência.

A autora de “Pássaros da América” e de “Como a Vida” (Relógio d’Água) está de regresso com “A Gate at The Stairs”, romance que vai para as livrarias norte-americanas a 8 de Setembro. Mais conhecida pelos seus livros de contos, não publicava há mais

David Small, o autor de “Stitches”

quando se reformou aos 70 anos. Também era um livro sobre jovens raparigas que andavam na universidade e todos os editores o rejeitaram. Nunca o conseguiu publicar e para ele, que na vida nunca falhara em nada, isso foi complicado. Quando o avô de Lorrie Moore morreu, a família quis queimar o manuscrito. Alguém teve a ideia de o salvar e entregou-o à neta. Por isso desde essa altura que Moore sabe que “um romance é uma coisa muito assustadora”. Esperemos que não precise de mais 11 anos para escrever o próximo, já que este pode bem vir a ser a grande obra da “rentrée”. I. C.

de uma década: o seu último livro é de 1998.

“A Gate at The Stairs” conta a história de uma rapariga de 20 anos que está a entrar na vida adulta pouco depois dos acontecimentos do 11 de Setembro. É um romance “divertido, emocionante e poderoso”, escreve a editora Victoria Wilson, da Alfred Knopf, numa carta que acompanha a edição distribuída na BEA. “Num minuto estamos a rir-nos às gargalhadas e no outro sentimos como se tivéssemos levado um murro no estômago”.

Moore não considera que este

seu livro possa ser considerado “sobre o 11 de Setembro”, mas encontra-se na sombra desse acontecimento. É um livro sobre uma jovem rapariga que abandona a quinta onde vive no Midwest para ir para a universidade numa grande cidade. Conta-nos o que lhe acontece durante esse ano, em que arranja um emprego de ama em “part-time” numa família que

acaba de adoptar um bebé e que a seus olhos lhe

parece extremamente glamorosa. Para a autora é um romance sobre o colapso de uma cidade

e de um país e sobre os mistérios de se formar ou não uma família.

E a propósito desta incursão na personagem de uma

universitária de 20 anos - está “na idade da paixão” - Moore

lembrou o romance que o avô, prestigiado

académico, escreveu

no seu jornal, um artigo sobre as mulheres na mudança do milénio. Leu vários livros e percebeu que não havia muita coisa relacionada com as mulheres. Compreendeu que a atitude histórica de olhar para as mulheres como seres menos inteligentes e mais fracos vinha desde o início da civilização e decidiu que era sobre isto que queria escrever. Quando começou a investigação percebeu que tinha um profundo desconhecimento sobre a forma como algumas coisas tinham acontecido. E percebeu, também, que no espaço de poucas décadas tudo mudou.

A sua investigação mistura política, moda, cultura popular, economia, sexo, famílias, trabalho. Entrevistou centenas de mulheres. Este livro é uma sequela, porque quando estava a escrever “America’s Women” já ia em 1960, a dois capítulos do

“When Everything Changed” termina em 2008, quando Hillary Clinton foi candidata às eleições presidenciais norte-americanas

O romance mais esperado de Lorrie Moore vai chegar às livrarias americanas em Setembro: “A Gate at The Stairs” é o regresso da autora de “Pássaros da América”. Não publicava desde 1998.

Lorrie Moore regressa com a grande obra da “rentrée”?

“Há uma série de autores de prestígio que estão a escrever livros que reflectem sobre estes temas [doença, morte, luto]. Alguns destes livros são escritos por professores, por doutorados, são de auto-ajuda mais ao menos disfarçada. Como se o género da auto-ajuda estivesse a sofrer um ‘upgrade’” José Prata, editor

“A Gate at The Stairs” é um romance pós 11 de Setembro

Lorrie Moore não publicava desde 1998

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16 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

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Marcos Ana passou 23 anos da sua vida encarcerado pelo regime franquista. Em 2007 decidiu fi cuja tradução portuguesa, “Digam-me Como É Uma Árvore”, chega agora às livrarias. Almo d

A vida de Marcos Ana

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Marcos Ana tem agora 89 anos e continua com a vitalidade e o optimismo que, há meio século, fizeram dele um símbolo da resistência ao franquismo

Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 17

u fi nalmente publicar as suas memórias da prisão e da vida, o dóvar está de olho nelas para um fi lme. Mário Santos

A vida deste homem dava um filme. Este homem chama-se Marcos Ana. Um pseudónimo que Fernando Macarro Castillo escolheu nos anos 50 para homenagear e honrar pai e mãe, camponeses pobres da província de Salamanca. O pai morreu durante a Guerra Civil de Espanha, vitimado pelos bombardeamentos da aviação nazi aliada de Franco. A mãe morreu anos depois. Morreu “de franquismo”, como o poeta Miguel Hernandez. Mar-cos Ana tem agora 89 anos e continua com a vitalidade e o optimismo que, há meio século, fizeram dele um sím-bolo da resistência ao franquismo. Conversámos com ele no Instituto Cer-vantes de Lisboa, onde apresentou “Digam-me Como É uma Árvore”, o livro das suas memórias “da prisão e da vida” que a Guerra e Paz acaba de publicar.

A vida deste homem dará um filme, que Pedro Almodóvar vai realizar. Quando o livro saiu em Espanha, há dois anos, o diário “El Pais” publicou um excerto, o episódio sobre “o pri-meiro amor de Marcos Ana”, a história de como um prisioneiro político do franquismo conhece finalmente o amor, nos braços de uma terna pros-tituta madrilena, depois de ter passado 23 anos na prisão. “Pedro Alomodóvar telefonou imediatamente para a edi-tora e disse que queria comprar os direitos do livro para levá-lo ao écrã e faremos o filme seguramente já na pró-xima Primavera”, conta Marcos Ana, que está “muito contente” com a ideia: “Não conhecia Almodóvar pessoal-mente. Sabia que era um homem com talento, evidentemente, mas parecia-me um homem um pouco distante, um pouco excêntrico. Quando o conheci pessoalmente, dei-me conta de que é um homem com uma grande densidade humana, uma sensibilidade à flor da pele, e que tinha de facto lido o meu livro, trazia-o cheio de anota-ções, na primeira vez que nos vimos. Estou muito contente porque o filme será outra maneira de contar a nossa história a pessoas que não lêem mas que vão ao cinema”. Aliás, Almodóvar disse a Marcos Ana que este livro de memórias “não dava para fazer um filme, dava para fazer três ou quatro filmes, de diferentes géneros. Também lhe interessou muito, por exemplo, a história da rapariga com o ataúde”. É a história de uma rapariga que pro-mete ao irmão, jovem prisioneiro polí-tico condenado à morte, que não dei-xará que o enterrem na vala comum que era de regra nesses casos e naquele tempo. E assim, na madrugada em que o irmão é fuzilado, ela dirige-se ao cemitério onde a execução ocorrera, transportando à cabeça um caixão improvisado... “É uma cena de Buñuel”, reconhece Marcos Ana: “Na verdade, há muito material ‘fotográ-fico’ no livro. Não é novidade para mim, porque há anos, em França, quando ainda não tinha escrito o livro, só pelas coisas que eu contava nas con-ferências a que ia, havia realizadores interessados em levar a minha vida ao cinema. Não é uma surpresa que Almo-dóvar se tenha interessado”. Marcos Ana só não sabe ainda que género de colaboração poderá dar agora ao rea-lizador: “Ainda não falámos sobre como é que se vai fazer, mas ele disse-me que temos de conversar muito

antes de fazer o filme e eu terei de ajudá-lo naquilo que ele quiser, claro. Ele é que é o génio, é ele que tem de fazer o filme, mas claro que colabora-remos. Tornei-me muito amigo dele, vemo-nos com frequência e ele está muito tocado pelo tema.”

Um poeta necessárioMarcos Ana nasceu qm 1920 numa aldeia de Salamanca. Teve uma infân-cia pobre e uma educação católica. Foi, aliás, quando distribuia propa-ganda religiosa que teve uma “ilumi-nação” política, ao ouvir num comício um dirigente das Juventudes Socialis-tas Unificadas. Filiou-se e participou ao lado dos republicanos, tanto quanto a idade adolescente lho per-mitiu, na Guerra Civil, na frente de Madrid. Não tendo conseguido fugir de Espanha no final da guerra, foi encarcerado, como milhares de outros espanhóis vencidos. Tinha então 19 anos e só voltou à liberdade nas vés-peras de completar 42 anos. Na pri-são, tornara-se entretanto, a partir de meados dos anos 50, um “poeta mili-tante” lendário, símbolo da resistência à ditadura franquista.

“Comecei a escrever poesia porque era também uma maneira de ser útil no cárcere Em Burgos, criei uma ter-túlia na prisão, com os companheiros que tinham inquietações artísticas e culturais. No princípio era uma maneira de conseguirmos ter o prazer de criar, mas logo nos demos conta de que era também uma arma. E então utilizei a poesia para que se conhe-cesse o drama dos presos políticos. Por isso digo muitas vezes: não sei se sou um poeta bom ou mau, o que sei é que fui um poeta necessário. Os meus poe-mas foram necessários. Porque com eles bati à porta do mundo e criei um movimento de solidariedade muito

forte em muitos países. Vimos que a partir do cárcere havia a possibilidade de contribuir não só para a nossa liber-dade mas para a liberdade de Espa-nha”, diz Marcos Ana, que não perdeu nem o sentido da poesia nem o do humor: “Agora só escrevo poemas quando me enamoro, por exemplo. E isso, tendo a idade que tenho, demons-tra que perco o sentido da realidade com bastante frequência...” Está a pre-parar uma antologia dos seus poemas “dispersos pelo mundo”, poemas que lançou do cárcere “como um náufrago que lança uma garrafa ao mar sem saber onde vai parar”. Mas continua a não separar poesia e militância polí-tica: “Essas coisas vão a par. Em pri-meiro lugar, não sou um intelectual, como houve outros, que tropeçaram nos ideais da classe trabalhadora e a apoiaram. Comigo foi ao contrário: sou um filho da classe operária que num determinado momento tropeçou na poesia e começou a escrever. Sou um revolucionário que, além disso, escreve poemas. Mas o fundamental é a minha atitude revolucionária perante a vida e as coisas, que está acima de tudo. Foi a vida que escolhi, a vida dura. Se ao mesmo tempo há poemas, são os poemas de um revolu-cionário. Como dizia Gabriel Celaya, ‘a poesia é uma arma carregada de futuro’. E assim a via eu também e assim a continuo vendo”.

Viver em juventudePor causa da repressão política do fran-quismo, Marcos Ana chegou tarde à sua própria juventude. Mas quando ela chegou não perdeu tempo a lamen-tar o tempo perdido. Libertado no final de 1961, exilou-se em França, onde dirigiu, a partir de Paris, uma organi-zação de solidariedade com os presos políticos espanhóis e respectivas famí-lias. Nessa condição, viajou muito, amou outro tanto, teve um filho. Só voltou a Espanha depois da morte de Franco, quando se iniciou a transição para a democracia. Hoje continua sendo combativo (não deixou de ser militante comunista) e jovial. Confessa-se até um “romântico”: “Para mim o amor é a aventura mais apaixonante do ser humano e por natureza sou um romântico. Fui-o na luta, fui-o no amor, fui-o na vida. Creio que é uma atitude. É como com a juventude. Claro que a biologia tem as suas leis e essas leis

cumprem-se. Mas para mim a juventude também é uma atitude e eu sempre tive essa atitude de viver em juventude. Além disso, creio

que a arte de viver jovem é a arte de manter jovens as ideias”.

Poderá sur-preen-

“Para mim o amor é a aventura mais apaixonante do ser humano e por natureza sou um romântico. Fui-o na luta, fui-o no amor, fui-o na vida. Creio que é uma atitude”

Para Almodóvar, o livro de memórias de Marcos Ana “não dava para fazer um filme, dava para fazer três ou quatro filmes, de diferentes géneros”

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De 28 de MAIO a 21 de JUNHOTradução: José Maria Vieira Mendes; Adaptação e Encenação: Christine Laurent; Cenário e figurinos: Cristina Reis; Desenho de luz: José Álvaro Correia.

Interpretação: Rita Durão

De 3ª a Sábado às 21.30h. Domingo às 16.00h TEATRO DO BAIRRO ALTOR.Tenente Raul Cascais, 1A. 1250 Lisboa Telef: 213961515 / Fax 213954508e-mail: [email protected] http://www.teatro-cornucopia.pt

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18 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

der que só agora tenha decidido publicar as suas memórias, mas ele explica-se: “Quando fui libertado, o aparelho clandestino do Partido [Comunista Espanhol] tirou-me logo de Espanha e dediquei a minha vida a lutar pelos companheiros que conti-nuaram na prisão. Não tinha tempo para nada, andava como um sonâm-bulo de um país para outro.” Marcos Ana recorda uma noite passada em casa de Pablo Neruda, na Isla Negra, no Chile, pouco depois de ter sido libertado. Conversaram até “altas horas da madrugada”, e então Neruda disse-lhe: “Somos uns insensatos, deveríamos ter tido um gravador aqui. Terias um livro comovente. Pensa que até as coisas mais humanas acabam por se mecanizar e tu escreverás algum dia, mas asseguro-te de que nunca as tuas recordações terão a comoção que tiveram esta noite.” Porquê? “Porque então estava tudo muito fresco em mim. Inclusivamente, fazia interven-ções públicas que às vezes não conse-guia terminar. Saltavam-me as lágri-mas, ficava sufocado, porque tinha presente o rosto dos meus irmãos que tinham ficado na prisão. Se tivesse escrito então talvez tivesse tido mais força, mas não pude, porque não tinha tempo. Escrevi-o agora porque me dei conta de que não tinha nenhuma razão nem nenhum direito de ocultar o que tinha vivido, e porque escrevê-lo podia servir para que as novas gerações, sobretudo, soubessem o que se passou em Espanha, por que perdemos a guerra, a razão daquela guerra, a vida nos nossos cárceres. Tinha de escrever este livro.”

Em Espanha foram vendidos mais de 60 mil exemplares de “Digam-me Como É Uma Árvore” e a obra já foi traduzida para francês, italiano e por-tuguês. O livro é de memórias mas o autor continua decididamente virado para o futuro e entusiasmado, porque tem recebido mensagens de correio electrónico de “jovens que pela lingua-gem se vê que não são jovens politiza-dos, mas que se mostram surpreendi-dos ao saberem, agora que lêem o livro, o que aconteceu em Espanha.” Foi, aliás, para esses jovens que Marcos Ana escreveu: “Escrevi este livro não a pensar nos meus camaradas ideoló-gicos, mas sobretudo para essa imensa maioria de gente que não nos conhece e que tem de nós uma ideia pré-con-cebida. E sobretudo escrevi-o a pensar na juventude, para que a juventude se mobilize. Quis que fosse um livro sim-ples, para que as pessoas o leiam com facilidade, inclusivamente as pessoas que estão afastadas da política. Por isso

termina em 1977, porque para o perí-odo da transição democrática já não me serviria a linguagem que utilizei aqui, uma linguagem mais poética, nalguns casos lírica. Procurei, sobre-tudo, surpreender a realidade do que vivi pelo lado mais humano e mais pró-ximo do coração das pessoas. É calcu-ladamente pouco analítico, para que as pessoas o leiam com paixão, para que chorem e riam com o livro. Os jovens que o têm lido mandam-me cartas belíssimas.” E recorda o caso de uma mãe que lhe pediu, “cho-rando”, que autografasse um exemplar do livro “para um rapaz que tem 24 anos e se quer matar”. Conta Marcos Ana: “Assinei o livro e escrevi: ‘Se te puder ser útil, a minha morada é esta, os meus telefones são estes. Telefona-me, se precisares de mim’. E este rapaz telefonou-me pouco tempo depois e disse-me obrigado pelo seu livro, obri-gado pela dedicatória que sei de memória, e prometo-lhe que vou viver, porque quando um homem como você foi capaz de sobreviver a tanta dificul-dade, eu sou um miserável se não for capaz de resolver os meus problemas. Prometo-lhe que vou voltar para a uni-versidade e que vou viver, e a única coisa que lhe peço em troca é que me permita conhecê-lo para poder dar-lhe um abraço. Só por causa disto já teria valido a pena ter escrito o livro.” Um livro escrito contra o esquecimento mas, sobretudo, um livro que é “uma canção à vida e à liberdade”.

Marcos Ana acredita que “há muita gente que, sem o saber, está à espera de que lhe chegue uma mensagem.” Inclusive os jovens alegadamente desinteressados da política. Ou sobre-tudo os jovens: “Nunca me ocorreria falar à juventude como um apóstolo, como um mártir, por ter estado 23 anos no cárcere. Os jovens querem que falemos com eles ao seu nível e creio que temos muito a aprender com as ideias da juventude. Muitos compa-nheiros que são velhos lutadores crêem que a sua experiência é impor-tante, e é-o, mas se a pusermos em sintonia com o tempo em que vivemos. Porque se a temos como um patrimó-nio pessoal e não a actualizamos, essa experiência converte-nos num obstá-culo aos impulsos e às ideias da juven-tude. O ideal é que a experiência dos mais velhos e os impulsos da juven-tude caminhem juntos para mudar o mundo.”

Conta Marcos Ana que uma vez um polícia lhe perguntou, “iracundo”, por que causa lutava ele, afinal. “Lutamos por uma sociedade na qual ninguém lhe possa fazer a si o que você me está

fazendo a mim”, foi a resposta. Que continua a valer. Ana define-se hoje como “um comunista que procura diferenciar as ideias das infraestrutu-ras. A bondade das ideias está aí. Con-tinuo a ser comunista porque a bon-dade das ideias está acima dos equívo-cos dos homens e dos partidos e há que continuar lutando por elas.”

Marcos Ana acaba de ser proposto para o Prémio Príncipe das Astúrias: “Se me derem o prémio, irei recebê-lo mas em nome dos milhares de homens e mulheres que em Espanha perderam a vida e a liberdade por lutarem pela democracia. Tal como o meu livro. Quero que se veja no meu livro, não a minha história, mas a história de uma geração, ainda que seja eu o protago-nista de muitas coisas. Mas sou apenas mais um.”

Ver crítica de livros págs. 36 e segs.

“Nunca me ocorreria falar à juventude como um apóstolo, como um mártir, por ter estado 23 anosno cárcere. Os jovens querem que falemos com eles ao seu nível e creio que temos muito a aprender com as ideias da juventude”

Marcos Ana lutou ao lado dos republicanos na Guerra Civil Espanhola

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20 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

No papel, “Histórias de Caçadeira” é a história de um feudo de sangue numa cidadezinha rural do Sul ame-ricano, entre dois grupos de meios-irmãos filhos do mesmo pai e mães diferentes, criados em lados diferen-tes da cidade. Podia ser um western antigo, um rapidinho de Roger Cor-man, um melodrama social; nas mãos do realizador e argumentista Jeff Nichols, 31 anos, natural de Little Rock, Arkansas, é uma das mais aus-piciosas estreias americanas dos últi-mos anos e mais uma acha para a fogueira do novo neo-realismo que prolifera no actual cinema indepen-dente transatlântico, conjugando uma extrema economia de meios com um olhar atento e desencantado sobre a América profunda e uma ins-piração da “nova Hollywood”.

Ou, nas palavras do seu realizador - ao telefone de Austin, Texas, dois anos depois de ter completado o filme, ano e meio depois da estreia ameri-cana, no momento em que o filme chega finalmente a Portugal - “um filme de Sam Peckinpah que deu para o torto”, gémeo do cinema de David Gordon Green (amigo de Nichols e co-produtor do filme), Kelly Reichardt ou

Lance Hammer (cujo “Ballast” venceu o IndieLisboa este ano), rodado com meia-dúzia de tostões em exteriores do Arkansas profundo, com um elenco onde o veterano Michael Shannon (nomeado este ano para o Óscar de melhor secundário por “Revolutionary Road”) coabita com actores locais sem experiência prévia. Momentos esco-lhidos de uma conversa longa e ani-mada, onde se falou de dinheiro, de família e de um cinema que já ninguém quer fazer. Ainda existem feudos como o que conta hoje?Na verdade, não sei. Imaginamos uma história que nos parece dar um filme, mas depois temos de fazer com que ela se transforme em algo que pudesse realmente acontecer. Era esse o meu objectivo: o que faríamos confronta-dos com esta situação? Sou o mais novo de três irmãos, temos uma rela-ção muito próxima, e a possibilidade de perder um deles foi a âncora emo-cional do filme. Uma das coisas que ouvi, e que considerei um elogio, foi que noutras mãos ele não resultaria - seria um filme pitoresco sobre um feudo familiar no Sul dos EUA, com tiros e saloios de jardineiras a

mascar tabaco. Esse era o meu grande medo: que tudo tombasse no cliché. A maior parte dos cineastas nunca fize-ram justiça ao Sul porque o vêem sem-pre de modo pré-concebido, como um sítio atrasado e provinciano. Só quando vi “O Arremesso” [Billy Bob Thornton, 1996] é que vi um filme sobre o Sul em que as pessoas soavam como gente que eu conhecia. Quis fazer um filme sobre gente real? Sim, sim. Não trabalho em estruturas narrativas clássicas em três partes - tudo começa com as personagens, escrevo a partir daí e deixo-me levar. E é interessante, porque tive o Mike Shannon, que é o melhor actor do mundo [risos], e depois alguém como o G. Alan Wilkins, que nunca tinha entrado num filme e provavelmente nunca mais vai fazer nenhum. Não se

pode trabalhar com ele da mesma maneira que com o Mike, que é um

supercomputador extremamente pre-ciso a quem se dá toda a informação e que a processa muito depressa. Para mim, enquanto realizador, o impor-tante era: eles parecem reais? Eles soam reais? Estou a dar-lhes o espaço suficiente para eles se

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O homem da graJeff Nichols chega dos confi ns da América com “Histórias de Caçadeira”, uma das melhores

independente olhando para uma tradição rural

“Histórias da Caçadeira”: um feudo de sangue numa cidadezinha rural do Sul americano, entre dois grupos de meios-irmãos filhos do mesmo pai e mães diferentes, criados em lados diferentes da cidade

“Há bastante tempo que há uma sede grande de um cinema realista, e filmes como o meu são um produto disso. Mas pergunto-me de onde esses filmes virão agora, num mercado onde o financiamento independente não só começou a secar como está cada vez mais resguardado”

Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 21

ande espingarda primeiras obras americanas em muito tempo: um fi lme que se inscreve no presente do cinema

l do fundo dos tempos. Jorge Mourinha

Jeff Nichols em conversa com Michael Shannon, que diz ser “o melhor actor do mundo”

comportarem de um modo realista? E é isso que é difícil. Isso coloca-o ao lado de uma nova geração de filmes americanos neo-realistas...Muitas vezes o cinema independente é uma reacção àquilo que se está a pas-sar no “mainstream”. Há bastante tempo que há uma sede grande de um cinema realista, e filmes como o meu são um produto disso. Mas pergunto-me de onde esses filmes virão agora, num mercado onde o financiamento independente não só começou a secar como está cada vez mais resguardado. Como é que esses filmes serão feitos e como se mata essa sede, quando o que se pede é género, fórmula, actores conhecidos, o tipo de equação que permite aos financiadores cobrirem os riscos... O que é assustador é que em 2007 houve alguns dos melhores filmes que vi em muito, muito tempo. “Promessas Perigosas” [David Cronen-berg, 2007], “Este País Não É para Velhos” [ Joel e Ethan Coen, 2007], “Haverá Sangue” [Paul Thomas Ander-son, 2007] e “O Assassinato de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford” [Andrew Dominik, 2007] foram qua-tro dos filmes mais brilhantes feitos na última década, são o tipo de histórias e o modo de contar uma história de que quero fazer parte, e em todos eles sentimos que os realizadores estão a ter uma oportunidade de fazer o que querem.Todos eles têm uma sensibilidade muito anos 1970 - era algo que você procurava em “Histórias de Caçadeira”?É curioso, porque comecei por ter ape-nas o título e a imagem da personagem principal ter marcas de tiro de caça-deira nas costas sem que soubéssemos porquê. E a partir daí comecei a pen-sar, OK, como é que consigo fazer a partir destes elementos algo que o Sam Peckinpah faria? Tive muito aquela

coisa do cineasta estreante - como não sei se vou ter hipótese de fazer outro filme, meto o máximo de coisas neste. E o que começou de facto como um desses filmes dos anos 1970 tornou-se inevitavelmente diferente, mais pes-soal.Uma espécie de Peckinpah com a violência deixada de fora...Certo. A abordagem da violência em “Histórias de Caçadeira” - e isto pode ser visto como uma alegoria do pró-prio filme como um todo - nasceu das restrições de produção. Não podíamos andar aos tiros por todo o lado, por-tanto por um lado é uma decisão prá-tica: esta é a maneira mais poderosa de mostrar a violência dentro das nos-sas possibilidades. Mas depois come-çamos a pensar se estamos apenas a ceder em algo ou se essa concessão se pode tornar num elemento do próprio filme - o que me parece correcto para uma meditação sobre a vingança. E aí tudo começa a fazer sentido. Não só é viável como é mesmo assim que deve ser feito, e isso começa a influenciar a própria montagem. Penso que o cinema independente consiste essen-cialmente em gerir concessões - como é que conseguimos construir o melhor filme a partir dos materiais que temos? Falou de Peckinpah. Há algum realizador, clássico ou contemporâneo, com quem sinta especial afinidade?Claro que há realizadores, como John Ford ou David Lean, que tiveram grande impacto. Mas é-me mais fácil escolher filmes específicos, como “Tender Mercies” [Bruce Beresford, 1982], “O Presidiário” [Stuart Rosen-berg, 1967], “Lawrence da Arábia” [David Lean, 1962], ou mesmo “A Vida É um Jogo” [Robert Rossen, 1961]. Todos estes realizadores têm na minha opinião uma enorme arte na selecção dos planos, onde esco-

lhem colocar a câmara e como a movem. Kurosawa e Hitchcock eram a mesma coisa: encontraram um modo de contar uma história dentro da selecção dos planos. Isso é para mim muito importante - tínhamos um orçamento mínimo e eu queria rodar em película, o que é complicado quando não se tem dinheiro. Continua a ser difícil montar um filme independente nos EUA?Cada vez mais. Era suposto ter arran-cado com um projecto chamado “Goat” [baseado num livro de Brad Land sobre as praxes universitárias]; tínhamos o financiamento assegurado e estávamos a duas semanas de come-çar quando os financiadores se retira-ram. À falta de melhor, tenho estado a escrever e tenho uma mão-cheia de guiões que estou a tentar produzir. Mas a reacção que tenho das pessoas é, “’Histórias de Caçadeira’ é óptimo, parabéns por teres conseguido fazê-lo, tens um filme de terror ou um filme de género?” Portanto tenho andado a bater com a cabeça contra este novo paradigma...

Ver crítica de filmes págs. 44 e segs

22 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

Se muda de página sempre que lê a palavra génio aplicada por dá cá aquela palha esteja como se estivesse em casa. Nós também. Sente-se. Tome um café. Leia o jornal. Sirva-se. Oiça o álbum dos americanos Dirty Projectors e tal-vez a tentação, apenas a tentação, de soltar a palavra genial surja.

Depois recomponha-se. Não recorra à conveniência fácil de tentar explicar, apenas porque é difícil expli-car, um disco como “Bitte Orca” dessa forma.

Dave Longstreth, a alma e a razão de ser do grupo, não é genial. É alguém com ideias, capaz de as explorar, uti-lizando as possibilidades expressivas da música. Tem insuficiências, como todos. Nem sequer se pode dizer que as supere, mas gere-as melhor do que a maioria porque as identifica. Foi assim que ganhou confiança. Uma estrutura que hoje lhe permite arris-car, mas que não nasceu do nada. Sur-giu depois de muitas chapadas.

“Ah, ah, ah, ah....”, ri-se com prazer, lembrando portas fechadas, tentativas goradas, horas de ensaios inconse-quentes, cinco discos e muitas outras cassetes lançadas a que apenas meia dúzia de aficionados ligaram. A partir desta semana, na altura em que é lan-çado o novo disco, vão apelidá-los de “geniais”, “talentosos” ou “banda mais inteligente da pop”.

Está escrito. 2009 é o seu ano. Pri-meiro vieram elogios dos vizinhos lá do bairro, esse mesmo, Brooklyn, Nova Iorque. Entre eles Vampire Weekend (dois deles chegaram a tocar com Dave há anos); TV On The Radio, com quem andam agora em digressão; ou Grizzly Bear - Chris Taylor, membro destes, foi o co-pro-dutor do anterior disco do grupo. Depois, mais louvores e colaborações com David Byrne e Björk, “duas das pessoas que mais admiro e respeito neste meio”, diz Dave.

Agora surge o novo álbum. Ele é esganiçado a cantar. Para compensar, os três membros femininos do grupo cantam com tal harmonia que pare-çam vindos de outra planeta. É uma obra de arte-pop, canções livres res-pirando África, folk enviesada, rock fantasista, dissonâncias da clássica ou melodias R&B, sem ser nenhuma dessas linguagens em particular.

É um idioma só deles. E Dave, 28 anos, agora está preparado. “Às vezes dizem-nos que estamos a ir na direc-ção certa, mas quando não temos a certeza, é difícil de acreditar, não é? Durante anos, não estava preparado para que gostassem das minhas coi-sas. Agora estou. Sinto-me satisfeito pelo que faço e pela forma como o estou a fazer. Acredito apenas em pessoas a dar o seu melhor. Génios não existem. Sei lá o que é isso.”

A desordem inteligível Nós também não. Embora tenhamos tido um primeiro vislumbre de que poderíamos estar perante um génio ao ouvir “Rise Above”, anterior álbum do grupo, recriação feita de memória, de um outro álbum, “Damaged”, disco de 1981 do grupo punk Black Flag. Confusos? Não vale a pena. Dave gosta de operar assim. Com conceitos. Um outro disco, “The Getty Address”, girava à volta das noções de imperialismo cultural e misticismo Azteca.

Recentemente tocaram ao vivo, em Nova Iorque, na companhia de Björk, e ele compôs uma série de temas para a ocasião inspirados na observação de baleias. Estão a ver? São ideias pré-vias que, supostamente, estão lá para contaminar o resultado final. Apenas um método como outro qualquer.

Quando se ouvia “Rise Above” não se vislumbrava o rasto da obra dos Black Flag. O que tínha-mos era canções alienígenas, har-monias anómalas, irritações espontâ-neas de guitarras, vozes estranhas, amálgama sonora excêntrica (guitar-ras tribalistas, momentos de folk artesanal, sonhos desfeitos de rock e sabe-se lá o que mais) amparada por blocos estáveis.

Às vezes parece que esta música estaria melhor numa galeria de arte do que num palco rock. Mas agora há “Bitte Orca”, o disco onde, não prescindindo de procurar novos territórios sónicos, con-seguem organizar a desordem de forma mais inteligível. É isso, estão mais perceptíveis.

Esse movimento já havia sido ence-tado no disco anterior. Há um ano, em entrevista, Dave dizia-nos que sentia que algo estava a mudar. Agora confessa-nos o que realmente mudou.

“Desta vez não havia uma temática. Não existiu nada a pré-determinar a feitura das canções. Foram sendo fei-tas enquanto andávamos em digres-são, sem nenhum motivo de inspira-ção. Neste disco deixei que as can-ções fossem simplesmente canções. Apenas quis fazer música mais expressiva e directa, embora sem

prescindir do desejo de abstracção e de inovação.”

“Rise Above” admirava-se. Con-templávamo-lo de todos os ângulos. Parecia perfeito. “Bitte Orca” pode conter mais imperfeições, mas deixa-se amar. Como acon-teceu com outros gru-p o s ( Ve l v e t U n d e r -ground,

Talking H e a d s , Can ou Ani-mal Collective) este é o disco de um grupo que se encontra enquanto grupo, conseguindo par-tilhar essa satisfação com o comum dos mortais. Em vez de projectar con-ceitos, Dave abriu-se à dinâmica dos músicos à sua volta.

“Durante muito tempo pensava

que a música que compunha era qual-quer coisa que não contemplava a ideia de colectivo. Mas neste disco dei por mim a pensar em todas estas

pes-soas com quem criei fortes laços afec-tivos. Nesse sentido, cada uma das canções foi também pensada tendo em conta a personalidade de cada um

deles, enquanto pessoas e instrumen-tistas.”

Essas pessoas são Amber Coffman (voz, guitarra), Angel Deradoorian

(voz, teclas), Brian Mcomber (bateria), Nat Baldwin

(baixo) e Haley Dekle (voz).

Inicial-

m e n t e Dave compôs

as melodias e as fracções de guitarra.

Algumas canções foram mesmo preparadas em Lisboa, onde perma-neceu uma semana com a namorada Amber Coffman depois de terem actuado em Junho de 2008, na ZDB,

Os géniosOs Dirty Projectors correm o risco de ser mais admirados do que amados. Mas “Bitte Orca”, o magnífi co novo álbum, vale esse risco. “Os génios não existem” diz-nos, com toda a razão,

Dave Longstreth - mas no seu caso a dúvida fi ca no ar. Vítor Belanciano

Não sei se o que faço é apreensível por todos, mas sei que faz s

não existem

Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 23

z sentido para mim

em Lisboa, e na Fundação Serralves, no Porto.

Depois, no Verão, juntaram-se todos em Portland, Oregon, onde já viveu. “Conheço muito bem a cidade e, depois, um amigo construiu lá um centro artístico, situado num velho edifício, e convidou-nos para o habi-tarmos. Era a situação perfeita para nós e aceitámos de imediato.”

Ele cresceu no Connecticut, onde o pai geria um centro médico e a mãe era advogada do estado. Foi o irmão, artista plástico, cinco anos mais velho, que o contaminou com o vírus da música. Acabou na universidade de Yale a estudá-la. Esteve lá pouco tempo, desiludiu-se com os cânones, ele que gosta de os desafiar. Mudou-se para Portland, começando a actuar ao vivo regularmente em espaços precários, ao mesmo tempo que ia lançando discos, em edições semi-artesanais. Um vício que ficou foi o das cassetes, de tal forma que “Bitte Orca” é agora também editado nesse formato.

Mais tarde, regressou a Yale, com-pletando a formação. “Na universi-dade aprendi muito sobre orquestra-ções, por exemplo. Foi importante, mas ter tocado informalmente em muitos sítios antes permitiu-me con-viver com pessoas que criam música apenas pelo prazer de o fazer, o que foi fundamental também. Olho para mim e vejo um autodidacta.” O espí-rito “do-it-yourself” levou-o quando foi viver para Nova Iorque, partici-pando activamente na afirmação cria-tiva do bairro de Brooklyn.

Hoje quando contempla o futuro não fica preocupado. Algumas das figuras que admira (William Blake, John Coltrane, Gustav Mahler ou Richard Wagner) passaram a vida a tentar comunicar o seu universo, diz ele, porque ergueram obra vasta, diversa e complexa. Ele, por enquanto, só tem que “explicar por-que é que o último álbum é diferente do anterior”.

“Não sei se aquilo que faço é apre-ensível por todos, mas sei que faz sentido para mim. A forma como me aproximo das coisas é intuitiva, não tem nada demais”, conclui, antes de começar a falar de Lisboa.

Fala daquilo que toda a gente fala. Da luz. Dos passeios que deu. Das ruas inclinadas. Das pessoas que conheceu. Dos restaurantes. Por momentos quase caímos na tentação de afirmar o seu génio, mas depois começou a explicar, com pormenores de degustação, que não existe nada melhor no mundo do que as sardi-nhas de Lisboa. Foi mesmo a tempo.

Ver crítica de discos págs. 41 e segs.

sica

“Durante muito tempo pensava que a música que compunha era qualquer coisa que não contemplava a ideia de colectivo. Mas neste disco dei por mim a pensar em todas estas

pessoas com quem criei fortes laços

afectivos” Dave

Longstreth

Dave Longstreth, à esquerda

24 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

O vocalista fala da “Catraia” e de uma ida ao cinema. Anda de “cerveja a ver-ter pelo baile” e o baile é isso mesmo: festa rock’n’roll em que o público dança e a banda serve música ao público. Eles de fatos impecáveis, as guitarras com som reverberante, muito surf-rock, o órgão Farfisa a espa-lhar luz faiscante por todo o cenário e a secção rítmica a manter a dança no ritmo certo.

À sua frente, um par em movi-mento. Olhos nos olhos, dança esta música-fantasia que serve os dois e ninguém mais. Assim é o vídeo de “Catraia” e, nele, há-de ouvir-se um berro a apimentar a canção e o som de um “theremin” erguendo o baile ao espaço sideral.

Eis a apresentação d’Os Tornados, banda portuense que se estreia com “Twist do Contrabando”. É um álbum onde o rock’n’roll cumpre a sua fun-ção primordial, pôr o povo a dançar. É um álbum que vai lá trás, aos sons de Ventures e Link Wray, ao “yé yé” português do Conjunto Académico João Paulo, dos Tártaros ou dos Titãs, e recupera-os naquele ponto em que a mera reprodução dá lugar a algo mais intemporal.

A banda cita Quentin Tarantino e percebemo-la: “O Tarantino vai bus-car pormenores fantásticos de certos imaginários e recria-os de uma forma muito actual”, aponta o guitarrista Manuel Oliveira. Marco, teclista e irmão de Manuel, acentua: “Esta reci-clagem cultural, se assim se pode cha-mar, é uma opção criativa como outra qualquer. E é, decididamente, muito contemporânea.”

Olhando para muito do que é a música popular actual, não podemos deixar de concordar. Olhando para este revivalismo de tudo o que foram os anos 1980, do exigente pós-punk transformado em caricatura (vide White Lies) à simples celebração nos-tálgica de memórias passadas (vide os concertos temáticos que se orga-nizam a intervalos regulares), chega-mos aos Tornados e à música dos Tornados e parecem-nos algo de novo e entusiasmante.

Pegam em música historicamente desconsiderada e, enquanto parte de uma geração a vem legitimando (as compilações “Portuguese Nuggets” são disso exemplo meritório), os Tor-nados descobrem-lhe uma vitalidade insuspeita. Depois, guitarras em punho

e andamento cool, pegam numa ideia de romantismo à antiga e atiram-se ao baile com um “twist do contrabando” entoado em pose de galã e com pinta de canalha - num momento sussurram-se fugas para Paris, no outro dispara-se “sai da minha beira / eu não me recordo de ti / não faço puta de ideia / do que fazes aqui”.

Falta vinho nos chás dançantesOuvimos os Tornados pela primeira vez na colectânea “Novos Talentos FNAC” de 2008. “Veludo azul”. O título apontava para David Lynch, a música era um híbrido de Del Shan-non, o de “Runaway”, com um ambiente de bar perdido em auto-estrada deserta.

Imaginamo-lo ocupado por pessoal: uma femme-fatale, uns quantos de aspecto soturno e uma banda em palco. Portanto, com “Veludo azul” conhecemos os Tornados e obrigámo-nos a prestar atenção.

Meses depois, já com “Twist do Con-trabando” no horizonte, soubemos de um concerto de apresentação peculiar. Nada de boémia nocturna. “Um Chá

Dançante com Os Tornados”, assim rezava o convite. “Está em desuso e pareceu-nos interessante”, explica o guitarrista Tiago Gil. Descreve: “serviu-se o chá, uns scones...” Interrompe-se e esclarece: “É o ambiente ideal para os Tornados? Não, não é. Os Tornados querem é noite e rock’n’roll. Faltava vinho e cerveja.” Faltava outra coisa, essencial para perceber o que é real-mente a banda.

A determinado momento da con-versa, estão eles a suar nos seus fatos, que o sol batia forte numa esplanada junto ao Tejo, e contam-nos dos seus concertos. Das investidas espanholas e de uma actuação em Évora: “Ao pri-meiro acorde o pessoal começa logo a correr e a dançar.” De como nos maio-res centros urbanos, “as pessoas ficam mais atentas, a tentar perceber o que se passa em palco, a olhar em volta para ver se podem dançar”.

Depois, o vocalista e guitarrista Nuno Silva dirá isto: “Hoje em dia as pessoas idolatram tanto as bandas que vão aos concertos para ver e não para dançar.” Ora, se há coisa em que os Tornados são conservadores, é nisto: sobem a palco para servir quem os vê. “Não há mal nenhum em estar de cos-

tas para a banda. Antigamente, as pes-soas iam aos concertos para dançar. As bandas estavam lá para servir um propósito.” Tiago Gil: “O que nos dá energia é ver o pessoal a dançar. Nós tocamos e entretemos.”

Nada de ironia pós-modernaOs Tornados editam agora o primeiro álbum mas a sua história é antiga. Marco e Manuel Oliveira são irmãos e o baterista Hélder Coelho é primo de ambos. Tiago Gil e Manuel são amigos de infância e Nuno Silva era presença assídua em casa dos Oliveira. Enquanto estudantes universitários, decidiram marcar um ensaio.

O plano era fazer uma banda para tocar em bares. Estavam convocados quatro músicos, apareceram seis. Não foi a única surpresa. A meio do ensaio, já estava posta de parte a ideia peregrina da banda de bares. Nas-ciam os Contrabando. Em 2006, pas-sam a Conjunto Contrabando, entre-tanto rebaptizados Tornados, estes Tornados que começaram por mer-gulhar nos sons da década de 1960, pré-psicadelismo, e que se descobri-ram verdadeiramente enquanto banda ao depararem com o verda-

Em “Twist do Contrabando” o rock’n’roll cumpre a sua função primordial, pôr o povo a dançar. Vai lá tWray, ao “yé yé” português do Conjunto Académico João Paulo, e recupera-os como matéria intemporal. A

Os Tornados entram em campo: Tiago Gil, Marco Oliveira, Manuel Oliveira, Nuno Silva, Miguel Lourenço e Hélder Coelho

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Os Tornados têm pose de galã

e pinta de canalha

Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 25

deiro baú de raridades que é o rock’n’roll português do período.

Pela forma como discorrem sobre uma série de nomes que apenas agora começam a ser redescobertos, per-cebe-se o fascínio que têm por aquele som e imaginário. Nuno Silva destaca os Tártaros como unânimes entre a banda: “Pela atitude e pelo som, por-que são do Porto.”

Acrescenta-lhes o Conjunto Mistério e elege o Conjunto Académico João Paulo, “ainda que menos rock”, como “a banda que tinha o som ‘maior’, mais refinado”. E Tiago Gil lembra-se de nomes como Tecla 6 e Iniciadores, “com um lado de bailarico que é meio baile, meio surf-rock”.

E Nuno destaca o mítico “I am a chancho”, dos Steamers, e elogia a sua descoberta mais recente, o angolano Conjunto Oliveira Muge. Revela que, ao vivo, os Tornados tocam por vezes “O vento mudou”, canção que Edu-ardo Nascimento levou ao Festival da Canção de 1967 - por uma simples razão: “É um grande som e essa é a nossa forma de o homenagearmos.”

Aquilo é importante. Não há nos Tornados quaisquer sinais de ironia pós-moderna. Isto é sério: acreditam naquela música, acreditam que, utili-zando-a como referência, “não como espelho”, distingue Tiago Gil, é possí-vel criar algo de novo. Cantam em por-tuguês por razões óbvias: porque as suas referências o faziam (“nessa cena dos anos 1960 havia algo de caracte-rístico, não eram apenas reproduções dos Shadows”), porque, resume Nuno Silva, “nunca andei de Cadillac, o mais próximo foi um Toyota Starlet”.

Agora, que nos dizem que isto que ouvimos em “Twist do Contrabando” não é a descoberta de um som, antes mero ponto de partida - “este é o disco que fizemos agora, do futuro não sabemos” -, já sabemos que os encontraremos brevemente em con-texto diferente.

“Efeitos Secundários”, estreia em longa-metragem de Paulo Rebelo, co-argumentista de “O Fantasma” e “Odete”, de João Pedro Rodrigues, chegará às salas em Setembro. A banda sonora desse melodrama inspirado em Douglas Sirk e filmado no Monte da Caparica foi composta pelos Tornados. A culpa foi de “Veludo azul”, a canção que Paulo Rebelo apanhou um dia na rádio e lhe deu a certeza de ter desco-berto a banda que procurava.

Os Tornados, que não são pessoal para perder tempo, seguiram as indi-cações do guião e as sugestões do rea-lizador e, em mês e meio, tinham 19 temas prontos. “O filme é um melo-drama e obrigou-nos a uma abordagem um pouco diferente. Temos lá coisas mais bailarico, outras mais garage, psi-cadelismos com cítaras, twists, ambien-tes musicais diversos.” Ou seja, criaram uma fantasia diferente. Isso, contudo, fica para mais tarde.

Por agora, é tempo de virar costas ao palco e deixar soar o “Twist do Con-trabando”. Nós dançamos. Os Torna-dos agradecem.

Ver crítica de discos pág. 41 e segs.

á trás, aos sons de Ventures e Link l. Apresentam-se os Tornados. Mário Lopes

“Não há mal nenhumem estar de costas para a banda. Antigamente, as pessoas iam aos concertos para dançar. As bandas estavam lá para servir um propósito”, diz Nuno Silva. Tiago Gil: “O que nos dá energia é ver o pessoal a dançar. Nós tocamos e entretemos”

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De vez em quando o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, convida um compositor ou intérprete a criar de raiz um espectáculo e levá-lo à cena no CCB. Chamam a essa iniciativa Carta Branca, em referência à liber-dade total que é oferecida aos criado-res. O percussionista Pedro Carneiro e o compositor Jorge Palma foram dois dos portadores da Carta Branca e agora é a vez de Camané: segunda-feira teremos a oportunidade única de ver a obra do fadista reescrita para as pau-tas da Orquestra Metropolitana de Lis-boa e o piano de Mário Laginha.

Esta não é, no entanto, a primeira vez que Camané trabalha os seus temas com orquestra. O ano passado o Teatro Municipal de Portimão convidou-o a tocar com a Orquestra do Algarve na inauguração do novo teatro. Na altura o fadista convidou Mário Laginha para fazer alguns arranjos e o encontro foi gratificante ao ponto de Camané ter sentido “imediata identificação” com Laginha e Cesário Costa, o então direc-tor da Orquestra do Algarve e actual director da Metropolitana de Lisboa.

“Logo na altura combinámos encon-trarmo-nos outra vez porque tivemos muito prazer a trabalhar juntos”, disse ao Ípsilon o fadista, a partir da Argen-tina onde esta semana deu concertos. O espectáculo do Algarve serviu de embrião para o do CCB, mas, de acordo com Camané, este “tem mais arranjos, mais temas com orquestra, é mais completo”.

No palco do CCBO que podemos esperar ver no palco do CCB? O concerto será “baseado no

último disco”, o extraordinário “Sem-pre de Mim”, mas também terá “alguns temas mais antigos”. A maior parte dos arranjos é de Laginha, havendo igual-mente um do pianista Filipe Melo, para “Mais um fado no fado”, e outro do incontornável Zé Mário Branco, para “Luz de Lisboa”. Laginha realça a pre-sença de vários temas de Zé Mário Branco, que qualifica, após estudá-lo para este espectáculo, como “um com-positor incrível”.

A estrutura do concerto é curiosa: todos os músicos estão “sempre jun-tos no palco”, embora aconteçam “sempre coisas diferentes”. “Pode acontecer uma música nova com gui-tarras e orquestra, e a seguir um fado tradicional só com guitarras”, disse Camané. Segundo Cesário Costa tere-mos direito a ver Camané com o seu habitual trio (guitarra portuguesa, guitarra de fado e viola-baixo), Camané com o piano de Laginha, Camané com Orquestra, Camané com piano e Orquestra e ainda Camané com trio, Laginha e Orquestra.

Garantidos no alinhamento estão, além dos dois temas já mencionados, “À mercê de uma saudade”, “Asas fechadas”, “Lembra-te sempre de mim”, “Esse silêncio”, “Marcha de Lis-boa”, “Te Juro”, “Abandono” e “Mar-garida” (de Laginha, a partir do poema de Álvaro de Campos).

Já houve experiências de fado com orquestra, no entanto, segundo Cesá-rio Costa, o que distingue este con-certo é a “presença do piano e dos arranjos do Laginha, que trazem um lado jazzístico raro à união entre orquestra e ao fado”.

Camané confessa que não deu gran-des indicações a Laginha. “Ele é muito generoso e gosta de acompanhar can-tores. Fez os arranjos para a minha forma de cantar”. Laginha teve por-tanto de se desunhar, passe a expres-são. Pensou no universo da Broadway como referência, mas chegou à con-clusão que “não é transportável para aqui”. Realça que à excepção dos tra-balhos de Carlos do Carmo “não há muitas referências para isto” pelo que teve “de experimentar”, “de usar as cordas de uma maneira que fosse cria-tiva e respeitasse o fado”.

Cesário Costa exemplifica essas experiências: “Há certas partes em que normalmente temos a guitarra a con-duzir e essa parte agora é feita pela harpa. Ou então por vezes há uma tuba presente na instrumentação, o que dá um colorido muito diferente”.

Num trabalho destes há especifici-dades a ter em conta. Por exemplo: no fado, o tempo é muitas vezes ditado pelo cantor, e os instrumentistas vão atrás. Com uma orquestra a acompa-

nhar, isto podia tornar-se problemá-tico. Laginha admite que na concepção do alinhamento (definido pelos três) houve temas que propôs porque achou “que a relação deles com o tempo não ia ser dramática”. Noutros, em que há pausas e interrupções, viu-se obrigado “a fazer uma escrita muito clara, para o maestro saber que vai ali haver uma suspensão”.

Mas esses possíveis empecilhos parecem ter sido bem contornados, pelo menos a ter em conta a opinião sempre exigente do principal interve-niente, Camané: “No ‘Abandono’, que é um fado irregular, com muitas para-gens e tempos incomuns, quem dá o tempo sou eu a cantar e a orquestra tem de me seguir. Mas acho que tal como ficou vai resultar muito bem”. Assegura ainda que “os silêncios foram respeitados, bem como os tempos e a ligação com as palavras”.

Inquirido sobre se o concerto resul-tará num disco, responde com recurso ao seu usual modo de auto-descon-fiança: “Não faço ideia se vão gravar ou não. Espero mesmo não saber se vão gravar, que é para não ficar ner-voso”. Mas não deve haver pro-blemas: Cesário Costa assevera que “houve todo um trabalho feito para que a subtileza do Camané estivesse presente, de modo que o Camané não estivesse ao serviço da Orquestra. Que-remos oferecer leveza e delicadeza para o Camané brilhar”.

Ver agenda de concer-tos págs. 39 e segs

Leveza, delicadeza

Camané convidou Mário Laginha a reescrever para a Orquestra Metropolitana de Lisboa os temas de “Sempre de Mim” e mais alguns fados antigos. No palco do CCB vão estar Camané

com o trio habitual, o piano de Laginha e a Orquestra. Mais que grandiosidade, esperem delicadeza e jazz. João Bonifácio

A maior parte dos arranjos é de Mário Laginha, que Camané considera “muito generoso” no seu “métier”

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A estrutura do concerto é curiosa: todos os músicos estão sempre juntos no palco, embora aconteçam sempre coisas diferentes

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28 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

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O amor também pode acontecer assim, por carta, com um objecto de desejo imaginário. O amor pode acontecer assim? O amor é assim, diz Alvis Hermanis, encenador letão de “Sónia”, peça de Tatiana Tolstaia: subjectivo, depende mais de nós do que do outro. “Não é preciso um par-ceiro real para se estar apaixonado. Basta imaginar. Essa é a essência do amor.” Isso é “Sónia”.

Sónia, a figura central da peça, ima-ginou tanto que, durante anos, amou o fantasma de um homem, Nikolay. Ele, por uma razão inventada - o dever para com os três filhos -, não se podia encontrar com ela. Mas ele não existe. Sónia acredita em tudo, é uma tonta, constata o narrador. Tonta por amor. Tonta ao ponto de cair na armadilha de uma mulher, Ada, que se quis vin-gar de uma coisa pequena qualquer e recruta uma trupe para a ajudar na missão de inventar uma personagem, Nikolay, e escrever falsas cartas de amor (o verdadeiro pesadelo de quem está apaixonado, ser tudo ilusão). Para Ada todos olham; Sónia é feia. Ada é a número um em ténis e canoa; Sónia tem jeito para cozinhar (a cena em que prepara um frango para ir ao forno em palco, mimando-o, é memo-rável). Ada é astuta, Sónia ingénua. A história de amor continua, por carta, sempre.

Mas, ironia do destino, sem o saber a malvada Ada acaba por garantir a Sónia a felicidade que nunca teria, o ser amada, mesmo que seja tudo ilu-são: as cartas de amor (que neste caso se podem dizer ridículas), o pacto do encontro à distância que põe os dois amantes a olharem para a mesma estrela, todos os dias, à mesma hora... Neste jogo nem é preciso existir alguém de carne e osso do outro lado. Contra tudo e contra todos, no centro de uma paródia jocosa, Sónia insiste na paixão.

Depois a II Guerra chega. E nem o narrador sabe o que aconteceu aos dois - imagina.

Resta acrescentar que, para fazer de Sónia, Alvis Hermanis (n. 1965) escolheu não uma actriz mas um actor, Gundars Abolins. O que torna este jogo ainda mais rebuscado: ele é um homem com peso e, de facto, não é difícil imaginar esta história com um tipo de mulher doméstica, fisicamente mais para o masculino. E é fácil esque-cermo-nos que ali está um homem, a inspirar-nos absoluta ternura - ou não, depende se o nosso olhar é mais cínico ou mais romântico.

Ao telefone no carro, em viagem para férias, o encenador diz que a opção nunca teve a ver com nada ligado à transexualidade. Tomou-a simplesmente porque não encontrava

nenhuma actriz para o papel. “Não temos esse tipo de actriz em Riga. Que tipo de actriz é não sei explicar, tem a ver com sentimentos irracionais. A escolha tem que encaixar com o que se tem na cabeça. Assim a personagem fica mais abstracta: não é sobre uma mulher em particular, é sobre mulhe-res em geral. É disto que gosto.”

Burlesco Alvis Hermanis tira também partido de uma tradição do burlesco em que os papéis femininos eram interpreta-dos por homens. Chegou a imaginar uma marioneta gigante a figurar Sónia - porque queria que ela fosse menos marcada psicologica e sociologica-mente do que no original. “O actor masculino, massivo, mudo [a perso-nagem não fala], concreto, atento aos detalhes, impôs-se quase natural-mente”, disse numa entrevista ao jor-nal do festival de Avignon, França, onde “Sónia” esteve no ano passado (foi o “buzz” do festival). A contrace-nar com ele, e a fazer o papel de nar-rador, tem um não actor, Jevgenijs Isajevs, técnico do Teatro Nacional de Riga, que Hermanis dirige.

E aqui volta-se ao burlesco: Her-manis quis este contraste entre as duas personagens, as únicas em palco, uma triste e outra alegre, uma muda e outra a falar, sendo que o

actor que fala não está habituado a representar. Não porque o burlesco seja uma tradição do teatro letão.

Influenciado por duas culturas, a russa - que tem por base as emoções, o jogo dos actores, a acumulação de objectos e de décors - e a alemã - mais intelectualizada, e de uma perfeição cenográfica e visual - o teatro na Letó-nia é sempre “humano, doce, ternu-rento, romântico”. “Tem este lado de tratar os actores e o público de forma doce, romântica.”

E mais Alvis Hermanis não desen-volve porque acha que deve deixar as análises para os críticos. E porque não é o teatro que lhe interessa, é “a vida”. “Não estou interessado em tea-tro. Quando ensaio a minha atenção está toda virada para a vida, para como os seres humanos se expressam na vida. O teatro é apenas um instru-mento. Agora é claro que não se leva a realidade para o palco, tem que se transformar poeticamente essas ima-gens.”

As dele, pelo menos em “Sónia”, são feitas com coisas concretas, cenas da vida privada. Um frango na vida é um frango em palco e pode-se até fazer da sua preparação um pequeno espectáculo. Mas os “rituais do dia-a-dia, a forma como as pessoas fun-cionam fisicamente são baseados em coisas muito lógicas e precisas e isso sempre foi uma obsessão minha”. “Sou muito lógico e preciso sobre a forma como uma acção física é repro-duzida em palco. Porque isso é como nós, seres humanos, existimos. Nós não filosofamos, passamos o tempo a fazer coisas de uma forma muito lógica, precisa e detalhada.”

Se virem o actor Gundars Abolins enquanto Sónia a mexer no frango percebem o que ele quer dizer.

Ver agenda de teatro pág. 34 e segs.

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Foi um dos espectáculos de que mais se falou no Festival d’Avignon do ano passado. A ternura de “Sónia”, do encenador letão Alvis Hermanis, chega ao Teatro Maria Matos, em Lisboa. De 18 a 20 de Junho, espectáculo do ciclo “Dias das histórias (im)prováveis”. Joana Gorjão Henriques

O teatro na Letónia é sempre “humano, doce, ternurento, romântico”. “Tem este lado de tratar os actores e o público de forma doce, romântica”Alvis Hermanis

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O encenador letão escolheu um

homem para fazer o papel de Sónia

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30 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

O início de “Arriscar o Real”, a nova apresentação da Colecção Berardo, no Museu Berardo, em Lisboa, pode servir de mote àquilo que se passa durante o percurso proposto por Larys Frogier, o comissário.

Em confronto, as obras de Dan Fla-vin e de Donald Judd - este último tinha as janelas do seu loft nova-ior-quino, situado no Soho, emolduradas por um trabalho em néon do seu amigo e vizinho. De um lado, o “objecto sem qualidades”, de Judd; do outro, uma das luminosas home-nagens de Flavin ao construtivista russo Vladimir Tatlin.

O diálogo entre dois tipos de mini-malismo, termo aceite com reticên-cias por ambos os artistas norte-ame-ricanos, é afectado pela tensão entre obras que se queriam objectivas, no caso de Judd, ou intencionalmente políticas e poéticas, em Flavin.

Há, portanto, uma permanente tensão ao longo de “Arriscar o Real”.

O confronto entre uma escultura pós-minimalista de Richard Serra e o vídeo “O Mundo de Janiele”, de Cae-tano Dias, é outro exemplo dado pelo comissário da exposição, que aponta também para as questões políticas inerentes à obra do artista brasileiro, no qual se observa uma menina a dançar com um “hula hoop”, enquanto a câmara faz um movi-mento contrário, de 360 graus, reve-lando o espaço em volta: uma favela.

Não existe escapatória para esta oposição entre corpo e realidade, em vários destes encontros entre obras díspares concebidos por Frogier, numa exposição dividida em três sec-ções: “Espaços reais: a figura em recuo”; “O real para lá dos limites: a figura em actos”; e “O real traumá-tico: a figura sob todos os seus esta-dos.”

Esta nova leitura da Colecção Berardo, onde se podem encontrar algumas aquisições recentes, como

Exp

osiç

ões

A exposição no Museu Colecção Berardo, “Arriscar o Real”, inclui obras de Dan Flavin emprestadas por Panza di Biumo. Também

lá estão Donald Judd, Bruce Nauman, Caetano Dias... Uma permanente tensão até 30 de Agosto, em Lisboa. Óscar Faria

Arriscar

“As primeiras peças deFlavin com lâmpadas fluorescentes constituíram uma verdadeira revolução”Panza di Biumo

com arte

“The Cotton Fabric Paintings # 17” (2007), de Pedro Cabrita Reis, e o vídeo “A hot afternoon 3. Perfor-mance in Lisbon on 4 April 1978”, da italiana Gina Pane, conduz o espectador através de obras signifi-cativas de artistas como Bruce Nau-man - trabalhos nos quais se pode ler um comentário, muitas vezes no pro-longamento dos textos de Samuel Beckett, ao absurdo e à violência pre-sentes no quotidiano -, Robert Gober, Jeff Koons, Francis Bacon, Richard Hamilton, Mario Merz, Giovanni Anselmo, Carl Andre, Frank Stella e Marcel Duchamp.

Da arte conceptual, com a sua variante de crítica institucional, à arte pop, passando pela arte povera e che-gando aos nossos dias, a exposição abarca assim um largo espectro de leituras.

Uma das grandes novidades da mos-tra é a inclusão de sete esculturas de Dan Flavin provenientes da Colecção Panza, começada a reunir, em 1956, pelo conde Giuseppe Panza di Biumo e sua mulher, Rosa Giovanna Panza di Biumo - o acervo iniciou-se com a aquisição de obras de Antoni Tàpies, Jean Fautrier e Franz Kline e hoje é considerado um dos mais significati-vos do mundo, com cerca de 2500 trabalhos, destacando-se os núcleos de arte minimal e conceptual.

Místico disfarçadoNo Museu Berardo são mostradas cinco peças de Flavin dedicadas a Donald Judd, todas de 1987, e ainda duas outras com envios em título para dois nomes, Anne e Caroline. Entrevistado por Gisella Gellini, o coleccionador nota: “As primeiras peças de Flavin com lâmpadas fluo-rescentes constituíram uma verda-deira revolução, pois introduziram a luz real, ainda que artificial.” E acres-centa que, para si, o artista norte-americano era um místico “disfar-çado”: “Por trabalhar na década de 1960, não podia falar em misticismo, mas tinha dentro de si esse impulso inato, eu diria mesmo reprimido, que precisava de ser exprimido.”

O conde Panza di Biumo chegou mesmo a convidar Flavin a realizar uma das suas obras, o “Varese Corri-dor”, nas cavalariças Villa Menafoglio Litta Panza, construída no século XVIII em Biumo, lugar que alberga parte da sua colecção - cada espaço recebe a obra de um único artista.

Como sublinha na entrevista a Gellini, a necessidade de expor apro-priadamente e de forma duradoura uma série de trabalhos “ambientais” pesou no convite realizado não só a Flavin, mas também a Irwin, James Turrell e Maria Nordman: “Comecei a coleccionar as obras de Flavin em 1966 e de outros artistas de Los Ange-les em 1968, e achei que esta evolu-ção da luz era uma mudança radical, algo de extrema importância na his-tória da cultura. Portanto, dedicar-lhe uma grande parte do espaço dispo-nível era uma escolha necessária, mas era também uma oportunidade de expor de um modo permanente e correcto estas obras de arte que rara-mente estão expostas de forma ade-quada.”

Por ocasião da exposição actual, o Museu Berardo dá início à publicação de uma nova colecção de livros, inti-tulada “Sem Título” e com design do atelier R2. Até ao final de 2009 serão lançados “Arriscar o Real. Fábricas da Figura na Arte do Século XX”, de Larys Frogier - um questionamento das acepções de figura e de real na história de arte dos últimos cem anos; “Paisagens Oblíquas. A Permanência da Paisagem na Arte”, de Eric Corne e “Casa de Bonecas. Propostas Con-temporâneas Sobre a Mulher e a Sub-jectividade”, de Ana Rito.

Ver agenda de exposições pág. 32 e 33

O vídeo “O Mundo de Janiele”, de Caetano Dias

Ao centro, uma das peças de Dan Flavin,

de 1987, dedicadas a

Donald Judd. À esquerda, “Epiphany”,

de Richard Hamilton,

outraa das obras em

“Arriscar o Real”

AGENDA CULTURAL FNACentrada livre

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO

Apoio:

Consulte a agenda cultural Fnac em http://cultura.fnac.pt/Agenda

EXPOSIÇÃO

TEJOFotografias de Neni GlockEsta exposição é o resultado de dez anos de trabalho persistente, durante os quais Neni Glockobservou e retratou o lado simultaneamente duro e poético do nosso rio Tejo.

19.06. - 08.07.2009 FNAC CHIADO

AO VIVO

NORBERTO LOBOPata LentaPata Lenta celebra o amor, a paz e a luz que encontra na liberdade.

AO VIVO

MADAME GODARDAuroraAurora e a sua música graciosa, burlesca e tropical aquece os nossos dias.

AO VIVO

:PAPERCUTZLylacSão um dos poucos grupos a sair de Portugal para a cena internacional independente de música electrónica. O álbum de estreia Lylac inclui remisturas de artistas reconhecidos como Neotropic, The Sight Below, Spandex e Signer.

16.06. 19H00 FNAC CHIADO

17.06. 19H00 FNAC BRAGA21.06. 18H00 FNAC VASCO DA GAMA

18.06. 19H00 FNAC BRAGA18.06. 22H00 FNAC GAIASHOPPING

AO VIVO

GOMONosyDe regresso aos discos em 2009, Gomo mantém-se fiel ao formato canção com uma estética pop/rock onde a sátira e o humor estão sempre presentes.

13.06. 18H30 FNAC CHIADO30.06. 21H30 FNAC COLOMBO11.07. 22H00 FNAC COIMBRA

Exp

osiç

ões

32 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

As ilusões da arte

O minimalismo virado do avesso na Marz, por Bruno Pacheco. Óscar Faria

Ainda nãoDe Bruno Pacheco. Lisboa. MARZ - Galeria. R. Reinaldo Ferreira, 20A. T. 915769723. Até 20/6. 3ª a Sáb. das 12h às 20h.

mmmmm

Em finais de 1963, na Green Gallery, em Nova Iorque, Donald Judd propôs uma exposição que hoje constitui uma referência da história da arte do século XX. Nessa mostra, o artista apresentou uma série de obras, “specific objects”, que não eram nem pintura, nem escultura, mas qualquer coisa entre aquelas disciplinas tradicionais - “trabalho tridimensional”, disse. Nesta nova definição, podiam encontra-se ecos, por exemplo, dos “combines”, criados uma década antes por Robert Rauschenberg. Contudo, no

caso de Judd a forma final do objecto era minimal, um termo a que este autor sempre resistiu.

Na Green Gallery, Judd instalou duas peças directamente no chão, tentando assim contrariar o

ilusionismo das práticas artísticas europeias através de objectos, caixas, que definissem em simultâneo “o topo, a forma global e o volume interior.”

Tendo como pano de fundo esta

história, mas virando-a do avesso, Bruno Pacheco (Lisboa, 1974) revela na Galeria Marz, em Lisboa, um conjunto de trabalhos recentes: pinturas, esculturas e obras sobre papel. A diversidade dos trabalhos

Agenda

InauguramDe um Quarto, no Quarto PisoDe João Gaspar. Lisboa. Galeria Arte Periférica. Praça do Império - Centro Cultural de Belém, Loja 3. Tel.: 213617100. De 13/06 a 02/07. 2ª a Dom. das 10h às 20h.

Pintura.

Oisive Jeunesse, à Tout AsservieDe Maria Beatriz. Lisboa. Galeria Ratton. Rua da Academia das Ciências, 2C. Tel.: 213460948. Até 18/09. 2ª a 6ª das 10h às 19h30. Inaugura 15/6 às 19h30.

Desenho, Outros.

Aspectos da ColecçãoDe António Areal, Manuel Cargaleiro, Armando Basto, Fernando

Calhau, Michael Biberstein, Cristino da Silva, Pepe Diniz. Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 30/08. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 18/6 às 21h30.

Pintura, Desenho, Outros.

A Colecção do CAM por Heimo ZobernigLisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474 . Até 30/08. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 18/6 às 21h30.

Instalação, Pintura, Outros.

Mu. Lua em Chão de Terra BatidaDe Pedro Morais. Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 30/08. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 18/6 às 21h30.

Instalação.

ContinuamArriscar o RealDe vários autores.

Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 30/08. 6ª das 10h às 22h (última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 19h (última admissão às 18h30).

Pintura, Outros.

Dan Flavin na Colecção PanzaDe Dan Flavin. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 30/08. 6ª das 10h às 22h (última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 19h (última admissão às 18h30).

Instalação, Outros.

Serralves 2009 - a ColecçãoDe vários autores. Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 27/09. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.

Pintura, Escultura, Outros.

Daniel BurenPorto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 30/08. 2ª a Sáb. das 10h às 19h. Na Biblioteca.

Objectos, Publicações.

Ombro a Ombro: Retratos PolíticosLisboa. MUDE - Museu do Design e da Moda. Rua Augusta 24. Tel.: 218886117. Até 13/09. 6ª e Sáb. das 10h às 22h. 3ª a 5ª e Dom. das 10h às 20h.

Design, Outros.

Happy DaysDe Vasco Araújo. Almada. Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea. R. Cerca, 2 / Pç. Camões. Tel.: 212724950. Até 13/09. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb. e Dom. das 13h às 18h.

Instalação.

PinocchioDe Jorge Molder. Lisboa. Chiado 8 - Arte Contemporânea. Largo do Chiado, 8 - Edifício Sede da Mundial-Confiança. Tel.: 213237335. Até 10/07. 2ª a 6ª das 12h às 20h.

Fotografia.

Photoespaña 2009De Mabel Palacín, Cristóbal Hara. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 26/07.

6ª das 10h às 22h (última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h (última admissão às 18h30).

Fotografia.

Dexter Sinister - Extended Caption (DDDG)Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 - Edifício da CGD. Tel.: 222098116. Até 27/06. 2ª a Sáb. das 10h às 18h (última admissão às 17h45).

Objectos, Fotografia, Outros.

Sea (C)

De João Tabarra. Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. Até 04/07. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.

Vídeo.

Estrela Brilhante da Manhã / Bright Morning StarDe Tamar Guimarães, Jonathan Meese, Jannis Varelas, John Bock, Manuel Ocampo, Markus Selg, Kenneth Anger, Joachim Koester, António Poppe, Alexandre Estrela, Brian Butler. Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 - Bairro Alto. Tel.: 213430205. Até 01/08. 4ª a Sáb. das 15h às 23h. Ciclo Kenneth Anger.

Vídeo, Outros.

PortulíndiaDe Nuno Félix da Costa. Lisboa. Museu do Oriente. Av. Brasília - Edifício Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte. Tel.: 213585200. Até 05/07. 6ª das 10h às 22h (última admissão às 21h30). 2ª, 4ª, 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 18h (última admissão às 17h30). No Lounge.

Fotografia.

Lições de Música, Vol. IIDe João Paulo Feliciano.

Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel Bombarda, 526/536. Tel.: 226061090. Até 30/07. 3ª a 6ª das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30.

Vídeo, Fotografia, Desenho, Esculturas, Objectos.

ColectivaDe Daniela Steele, Kasia Gubernat, Paula Cruz, Colectivo Unsinn. Porto. Galeria Por Amor à Arte. R. Miguel Bombarda, 572. Tel.: 226063699. Até 01/07. 3ª a Sáb. das 15h às 19h.

Pintura, Desenho.

Viagens com a Minha TiaDe Daniel Blaufuks. Vila do Conde. Solar - Galeria de Arte Cinemática. Solar de S. Roque. Tel.: 252646516. Até 21/06. 3ª a 6ª das 14h30 às 18h. Sáb. das 10h às 00h. Dom. das 10h às 18h.

Instalação, Vídeo, Fotografia.

Cahier de Cent Dessins

De Pedro Tropa. Lisboa. Galeria Quadrado Azul - Lisboa. Largo dos Stephens, 4. Tel.: 213476280. Até 20/06. 3ª a Sáb. das 13h às 20h.

Fotografia, Desenho.

João PenalvaLisboa. Galeria Filomena Soares. Rua da Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 04/07. 3ª a Sáb. das 10h às 20h.

Instalação, Fotografia.

Dias ÚteisDe Catarina Botelho. Lisboa. R. Garrett. Até 18/07. 4ª a Sáb. das 14h às 20h. Na Rua Anchieta, nº 31.

Fotografia.

Sem título, 2009, uma peça com 21 cactos em vasos de plástico

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¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 33

apresenta

9JUL

JOSHUAREDMANCASCAISCIDADELA

10JULJAZZANOVACASCAISCIDADELA

23JUL

LISA EKDHALCASCAISPARQUEMARECHALCARMONA

CASCAIS PARQUE MARECHAL CARMONA 14JUL ELIANE ELIAS 1ªPARTE BOSSA NOSSA 15JUL ANTÓNIO ZAMBUJO CONVIDA IVAN LINS 19JUL BUIKA CONVIDA MARIZA 21JUL MAFALDA VEIGA HIPÓDROMO 22JUL KATIE MELUA 29JUL JAMES TAYLOR 31JUL SEALMAFRA JARDIM DO CERCO 16JUL VAYA CON DIOS 17JUL VADIOS CAMANÉ, MÁRIO LAGINHA, BERNARDO SASSETTI E CONVIDADO CARLOS BICA

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coloca em questão as regras definidas por um programa fechado, como era o do minimalismo.

Se, por um lado, a arte vive numa época designada como sendo a da condição “pós-médium”, não é menos verdade que hoje se assiste a uma expansão permanente dos limites da pintura e da escultura.

Bruno Pacheco põe assim num mesmo plano conceptual um óleo sobre tela e uma peça com 21 cactos em vasos de plástico, sendo estes colocados sobre recipientes no mesmo material. É contudo em “Not Yet Titled (First Draft)”, que essa situação se torna mais evidente: numa caixa montada sobre uma parede podem desfolhar-se uma série de molduras que contêm um número significativo de papéis. Quando fechada, a caixa é uma escultura, quando aberta, ela transforma-se num mostruário de pequenas pinturas, colocadas nas páginas de forma a potenciarem inesperados diálogos - como se as imagens, aparentemente distantes entre si, se prolongassem umas nas outras.

Uma pintura pode ser, assim, entendida na sua objectualidade. Ela já não é só aquilo que representa, mas também aquilo que de facto é:

cores, linhas, formas. Bruno Pacheco não permite uma aproximação imediata do espectador às obras, cria uma distância que tanto pode ser dada por um filtro de uma determinada tonalidade, pela perspectiva ou pelo enquadramento escolhidos ou mesmo pelo humor na escolha do tema.

Se, no piso térreo da galeria, está patente “Arbusto (Red Bush)” - e logo aí somos tentados a ver aquela imagem como uma explosão -, na cave, o artista instalou “Bush

Lesson”, um óleo no qual se vê um grupo de pessoas a analisarem uma pequena árvore em tudo idêntica à vista anteriormente. Somos levados, dessa forma, a identificarmo-nos com as personagens que rodeiam aquela manifestação da natureza: também nós tentamos decifrar cada um dos objectos da exposição.

Pinturas de grandes dimensões, entre as quais “Shoreline”, uma linha de costa desenhada por um cetáceo e “Orange Tree” - uma obra com uma estranha dimensão

escultórica, dada não só pelas cores escolhidas, mas pelo facto de a sua aparição ser mediada por uma luminosidade próxima daquela que nos é dada a ver através de binóculos próprios para a visão nocturna -, convivem com uma peça de chão formada por cimento e dois recipientes em plástico. O mimimalismo levado às últimas consequências, colocado de pernas para o ar: formas simples e banais, tinta seca e a crueza do aglomerante - baixo materialismo, portanto.

Na outra sala da galeria, no piso inferior, um continente de cactos, essa natureza sem fim, sobre um fundo plástico: como se a individualidade de cada planta transpusesse o serialismo industrial e o acaso pictórico - o artista usa os recipientes como paleta. Na parede, “Box”, um óleo sobre tela onde vê uma caixa aberta: nem pintura, nem escultura. Objectos sem nenhuma especificidade particular. Comentários sobre as ilusões da arte.

ResortDe Pedro Valdez Cardoso. Faro. Galeria Artadentro. R. Rasquinho, 7. Tel.: 289802754. Até 18/07. 3ª a Sáb. das 15h às 19h.

Escultura.

TransparênciasDe Leonor Brilha, Vanessa Chrystie. Porto. Galeria Arthobler. R. Miguel Bombarda, 624. Tel.: 226084448. Até 02/07. 3ª a Sáb. das 15h às 19h30.

Fotografia, Pintura.

Revolution-Patriotism, Raft / Dark DaysDe Costa Vece. Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. Até 04/07. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.

Instalação.

Pancho Guedes - Vitruvius MozambicanusLisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 16/08. 6ª das 10h às 22h (última admissão às 21h30). 2ª a Dom. e Feriados das 10h às 19h (última admissão às 18h30).

Arquitectura, Desenho, Escultura, Pintura.

Com PiadaDe Jarbas Lopes. Lisboa. Baginski Galeria/Projectos. R. Capitão Leitão, 51/53. Tel.: 213970719. Até 31/07. 3ª a Sáb. das 13h30 às 19h30.

Desenho.

Exposição SolarDe Miguel Palma. Lisboa. Baginski Galeria/Projectos. R. Capitão Leitão, 51/53. Tel.: 213970719. Até 31/07. 3ª a Sáb. das 13h30 às 19h30.

Escultura.

Doodling Infi nity, 2005/09De Joana Rosa. Lisboa. VPFCream Arte. Rua da Boavista, 84 - 2º. Tel.: 213433259. Até 20/06. 2ª a Sáb. das 14h às 19h30.

Desenho.

“Doodling Infi nity, 2005/09”

Tea

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¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

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A carga Variações metida nos contentoresInteractividade, memória e festa popular, na noite do 25º aniversário da morte de António Variações. Joana Amaral Cardoso

Experiência VariaçõesDe André Murraças. Encenação: André Murraças.

Lisboa. Fábrica do Braço de Prata. R. da Fábrica do Material de Guerra, 1. Até 14/06. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 21h30 e 23h. Tel.: 218686105.

Aqui há farturas, pipocas, cervejas e António Variações em espírito, com a sua carga pronta e metida nos contentores. Em plena Fábrica do Braço de Prata, em Lisboa, espera-se esta noite celebrar a

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Teatro

EstreiamFernando e GabrielaDe Pedro Barbeitos, Rute Rocha. Encenação: José Mateus (assistente de encenação). Com Alexandre Pedro, Pedro Barbeitos, Rute Rocha, Tiago Pereira. Olival Basto. CC da Malaposta. R. Angola. De 18/06 a 27/06. 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 219383100. 10€

Na Solidão dos Campos de AlgodãoDe Bernard-Marie Koltès. Encenação: José Peixoto. Com João Lagarto, Jorge Silva. Amadora. Espaço Cultural Recreios. Av. Santos Mattos, 2. De 17/06 a 28/06. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 214927315. 5€. Informações e reservas: 916648204 ou 218140825.

SilenciadorDe Jacinto Lucas Pires. Encenação: Marcos Barbosa. Com Diana Sá, Emílio Gomes, Ivo Bastos. Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Edifício da CGD. De 17/06 a 19/06. 4ª, 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 217905155. 12€ (5€ para -30 anos)

Jimmy Joyced!

De Donal O’Kelly. Encenação: Sorcha Fox. Com Donal O’Kelly. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. Dia 16/06. 3ª às 18h30. Tel.: 213257650. entrada livre (sujeita à lotação da sala).Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. Dia 13/06. Sáb. às 21h30. Tel.: 223401905. 20€ e 15€.

Concerto à la CarteDe Franz-Xavier Kroetz. Companhia: CTB - Companhia de Teatro de Braga. Encenação: Rui Madeira. Com Ana Bustorff. Braga. Theatro Circo. Av. Liberdade, 697. De 16/06 a 26/06. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 21h30. Tel.:

253203800.

A Ceia dos Cardeais

De Júlio Dantas. Encenação: Gil Filipe. Com Hélder Melo, Romeu Pereira, Simão Barros. Vila Nova de Famalicão. Casa das Artes. Pq. de Sinçães. De 15/06 a 16/06. 2ª e 3ª às 15h. Tel.: 252371297. Entrada livre.

De Homem Para HomemDe Manfred Karge. Encenação: Carlos Alardo. Com Beatriz Batarda. Guimarães. CC Vila Flor. Av. D. Afonso Henriques, 701.

Dia 13/06. Sáb. às 22h. Tel.: 253424700. 5€ e 7,5€.

ChinoiserieLisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 12/06 a 14/06. 6ª às 19h. Sáb. às 17h e 23h. Dom. às 17h. Tel.: 218438801. 5€ a 10€.

A Partir de AmanhãDe Cláudia Gaiolas, Tiago Rodrigues (texto). Encenação: Cláudia Gaiolas. Com Cláudia Gaiolas. Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. Dia 12/06. 6ª às 22h. Tel.: 232480110. Consumo mínimo obrigatório: 2,5€.

ContinuamRei UbuDe Alfred Jarry. Companhia: Companhia de Teatro de Sintra. Encenação: Nuno Correia Pinto. Com Carla Dias, Nuno Correia Pinto, Tiago Matias. Sintra. Casa de Teatro. R. Veiga da Cunha, 20. Até 14/06. 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 219233719.

Crucifi cadoDe Natália Correia. Encenação: Miguel Moreira, João Brites. Com Adelaide João, Miguel Moreira, Paula Só, Sílvia Almeida, Filipe Luz. Palmela. Teatro O Bando. Vale de Barris. Até 28/06. 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.: 212336850. 8€ a 12€ (sujeitos a descontos).

PiafDe Filipe La Féria. Encenação: Filipe La

Agenda

Féria. Com Sónia Lisboa, Wanda Stuart, Noémia Costa, Paula Sá, Mafalda Drummond, Ricardo Loscar, Ruben Madureira, Bruno Galvão, Nuno Barbosa, Silvano Magalhães, Jorge Pereira, Arménio Pimenta. Porto. Teatro Rivoli. Pç. D. João I. Até 31/12. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 17h00. Tel.: 223392200.

Das Pessoas em PessoaDe Fernando Pessoa. Encenação: Ricardo Bargão. Com Ricardo Bargão. Lisboa. Kabuki - Centro d’Arte. R. Newton, 10B. Até 13/06. 6ª e Sáb. às 22h00 (nos dias 30/05 e 5, 6 e 13/6). Tel.: 210994142. 6€.

Menina ElseDe Arthur Schnitzler. Encenação: Christine Laurent. Com Rita Durão. Lisboa. Teatro da Cornucópia - Bairro Alto. R. Tenente Raúl Cascais 1A. Até 21/06. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 213961515. 15€

Monólogos da VaginaDe Eve Ensler. Encenação: Isabel Medina. Com Ana Brito e Cunha, Guida Maria, São José Correia. Lisboa. Casino. Al. dos Oceanos Lote 1.03.01 - Parque das Nações. Até 31/12. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 22h00. Dom. às 17h00. Tel.: 218929070. 18€ a 22€.

Querida Professora Helena SerguéiévnaDe Ludmilla Razoumovskaia.

Encenação: João Mota. Com Hugo Franco, Marco Paiva, Maria

Ana Filipe, Tânia Alves, Rui Neto. Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 30/06. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 217221770.

10€ (sex. a dom.); 7,5€ (jovens e terceira idade) e 5€ (qua. e qui.).

Pedras nos BolsosEncenação: Manuel Coelho. Com Diogo Morgado, Rui Unas.

Olival Basto. CC da Malaposta. R. Angola. Até 14/06. 4ª, 5ª, 6ª e

Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 219383100. 10€

Harper ReganDe Simon Stephens.

Encenação: Ana Nave. Com António Cordeiro, Cristóvão Campos,

Dinarte Branco, João Ricardo, Luísa Cruz, Maria Amélia Matta, Sofia Dias. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II. Pç. D. Pedro IV. Até 14/06. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h45. Dom. às 16h15. Tel.: 213250835.

Porto em DirectoDe Criação Colectiva. Encenação: Claudio Hochman. Com Adriana Faria, Alexandra Calado, Cristina Cardoso, Joana Duarte Silva, Jorge Loureiro, Nuno Preto, Rui Pena. Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n. Até 30/06. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h45. Dom. às 16h00. Tel.: 226063000.

O Inspector-GeralDe Nikolai Gogol, António Victorino D’Almeida (música). Encenação: Maria do Céu Guerra. Com Maria do Céu Guerra, João D’Ávila, Adérito Lopes, Carla Alves, Jorge Gomes, Pedro Borges, Rita Fernandes, Sérgio Moras, Sérgio Moura Afonso, Susana Costa. Lisboa. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2. Até 28/06. 5ª, 6ª e Sáb. às 21h45. Dom. às 17h00. Tel.: 213965360.

Dança

EstreiamNortadaCompanhia Olga Roriz. Coreografia: Olga Roriz. Bailarino:Catarina Câmara, Rafaela Salvador, Sylvia Rijmer, Bruno Alexandre, Pedro Santiago Cal. Viana do Castelo. Teatro Municipal Sá de Miranda. R. Major Xavier Costa. De 18/06 a 20/06. 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 258809382.

Isolda + À Flor da Pele + Fauno + Strokes Through The TailCompanhia Nacional de Bailado. Coreografia: Olga Roriz, Rui Lopes Graça, Vasco Wellenkamp, Marguerite Donlon. Leiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo Cortez Pinto. Dia 17/06. 4ª às 21h30. Tel.: 244834117.

Pointe to Point - Encontro de Dança Ásia-EuropaLisboa. Museu do Oriente. Av. Brasília - Ed. Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte. De 13/06 a 14/06. Sáb. e Dom. às 16h e 23h00. Tel.: 213585200. Entrada livre no limite dos lugares disponíveis (não se aceitam reservas).

Espaço Público

Este espaço vai ser seu. Que fi lme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever

sobre ele, concordando ou não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para [email protected]. E nós depois publicamos.

Os contentores são símbolos do mais-ou-menos-ícone

Menina Else

Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 35

“Experiência Variações”. Há exactamente 25 anos, Portugal perdia alguém que não será bem “um ícone, mas certamente uma referência”, diz André Murraças, performer, criador, encenador. “Morreu na noite de 12 para 13 de Junho e acho que iria gostar que passássemos um Santo António com ele presente”, comenta entre os contentores alguém que é seu fã, “absolutamente”.

Desta vez, Murraças não faz um “one-man show”, mas também não se resguarda - simplesmente presta tributo a Variações após um convite, que já tem dois anos, da produtora Cassefaz. Guardado o projecto para a data redonda, agora ele está em oito contentores, desde dia 9 e até dia 14, no âmbito das Festas da Cidade.

Os contentores são símbolos do mais-ou-menos-ícone: “O Variações é tão complexo, tão cheio de caixinhas. O que é engraçado é que todas essas facetas nunca se misturam: a origem minhota, a vinda para Lisboa, as viagens ao estrangeiro, o lado de barbeiro/cabeleireiro de que ele gostava muito mas que servia para pagar as contas para ser músico...”,

explica. “Cada um é uma faceta dele ou um aspecto da história de Portugal a que ele também está ligado.”

Formado o puzzle, o resultado é um misto de performance, teatro, artes plásticas e um punhado de tecnologia. No último contentor estará alguém a dedilhar no YouTube a vida e obra de Variações - mais precisamente versões da “Canção do engate”, espelho multigéneros da versatilidade e transversalidade do cantor. “É o que existe dele, o que ficou.”

Na web moram as possibilidades documentais, mas também o tributo, “as dedicatórias”. No fundo, o final do percurso desta espécie de “parque temático” Variações é a ideia de que é um doutor em portugalidade e um artista para todos. Aos olhos de Murraças o “camaleão musical” está subdividido em oito parcelas, oito aspectos dele e de Portugal e da sua memória sensorial de Variações. Primeiro, a piscina de neve que simboliza as viagens, descalço, até à escola, a sua infância, nos arredores de Braga - e pede-se ao visitante que se divirta na piscina de bolinhas brancas. Depois, a viagem, a primeira, de Braga até Lisboa. Chegado a Lisboa,

conheça-se a cidade “Experiência Variações”, passando directamente para a barbearia. Num dos espaços mais luminosos e mais plásticos, o actor Carlos António, que faz de Variações, vai estar num monólogo em “loop” a falar da importância do corte de cabelo: “Ele diz que é um criminoso, um guerreiro da beleza e que tem esse poder e essa missão”, lembra. “Ele dizia que as tesouras pagavam a música.”

Murraças leu a biografia “Entre Braga e Nova Iorque”, de Manuela Gonzaga, tirou dúvidas com a autora e depois esqueceu tudo - quis-se centrar na sua experiência de António Variações, no que mais admira nele. “O lado de inovação, progressista, mas com aquela coisa do que é ser português, do desleixo, do não cuidarmos de nós, do deixarmos para amanhã... esse fado.” E continua a questionar-se: “Ele morreu com o segundo álbum ainda por sair. Resta perguntar o que ainda vinha daí. É tão forte aquele início e o quanto ainda nos marca, que te perguntas: ‘Se este homem continuasse vivo, onde é que todos nós estávamos, musicalmente, culturalmente?’”

InternetEstamos online. Entre em www.ipsilon.pt. É o mesmo suplemento, é outro desafi o. Venha construir este site connosco.

Liv

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36 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

Ficção

O velho gagá no seu labirintoNovo romance do brasileiro Chico Buarque explora os precários (e criativos) mecanismos da memória. Jorge Marmelo

Leite DerramadoChico BuarqueDom Quixote

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Conheçam Eulálio Montenegro d’Assumpção, nascido a 16 de Junho de 1907, descendente de prósperos comerciantes da cidade do Porto,

herdeiro de Eulálio Penalva d’Assumpção, conselheiro do Marquês do Pombal, e até do doutor Eulálio Ximenez d’Assumpção, “alquimista e médico particular de dom Manuel I” lá nos idos de mil quatrocentos “e lá vai fumaça”.

Conheçam-no agora que está numa cama de hospital, entrevado, centenário e meio louco, arruinado, entorpecido pela morfina, gagá e desfiando histórias sem nexo sobre o suposto passado ilustre da sua linhagem. Vejam-no porque é ela a personagem principal do novo romance do brasileiro Chico Buarque, “Leite Derramado”, confirmação, se preciso fosse, de um dos mais notáveis escritores contemporâneos da língua

portuguesa - já o era quando apenas escrevia canções.

“Leite Derramado” é menos atrevido, em termos linguísticos e estilísticos, do que “Estorvo” e “Benjamim”, desprovido, portanto, de experimentalismos formais, e não tem a seu favor a sofisticação narrativa ou os artifícios metaliterários de “Budapeste”. A força maior da narrativa é, neste quarto romance de Chico Buarque, a simplicidade aparente. Lê-se e é como se cada um dos leitores pudesse ocupar um lugar na borda da cama do enfermo Assumpção e o estivesse escutando e segurando-lhe a mão, à espera do seu derradeiro suspiro.

Para reflectir sobre a complexidade dos mecanismos da memória (“São tantas as minhas lembranças, e lembranças de lembranças de lembranças, que já não sei em qual camada da memória eu estava agora”), Chico Buarque socorre-se, pois, da coloquialidade de um velho senil. Porém, tratando-se do discurso de um homem centenário, com modos de outros tempos e uma “linguagem acurada”, o estilo, a despeito das delirantes peripécias narradas, é absolutamente fluente e límpido, mesmo torrencial, e servido por uma ironia finíssima (o acidente no banho do qual resulta o internamento do senhor Assumpção, narrado já perto do final do livro, é, por falar nisso, absolutamente antológico). O resultado é uma prosa saborosíssima.

Dirigindo-se confusamente ora à enfermeira predilecta, ora à filha, ora à mãe, ora a algum maqueiro de circunstância, e baralhando-os a todos com os fantasmas do passado (o proverbial leite derramado), o narrador vai-se revelando um homem cortês, um cavalheiro supostamente proveniente de uma aristocracia desmoronada. Mais do que a romântica ruína que sobrou

dessa hipotética família ilustre (“papai foi o político mais influente da Primeira República, contei que o rei Alberto costumava vir da Bélgica se aconselhar com ele?”), Assumpção é sobretudo o que resta de um homem que amou insensatamente uma mulher mestiça moldada às suas (alegadas) necessidades de casta - e por elas aclareada e dotada de uma falsa linhagem -, a qual perdeu por vergonha ou ciúme, não se sabe bem. O que se sabe é que, como prenúncio do descalabro, essa mulher, Matilde, se recusará a alimentar a própria filha, despejando (derramando) o leite do peito no lavatório da casa de banho.

A cena é repetidamente revivida por Assumpção no leito hospitalar, transformada na causa do desaparecimento da orgulhosa civilização a que os Assumpção pertenciam, soterrada sob a explosão demográfica e urbanística do Rio de Janeiro, e de todos os desatinos do tempo: “Mesmo vivendo nas condições de um hindu sem casta, em momento algum perdi a linha”, diz o velho a dado passo, sem que jamais seja possível estabelecer com exactidão se o que ele conta é puro delírio, falsificação ou invencionice; se Matilde morreu, fugiu ou foi internada num sanatório; ou mesmo se alguma vez existiu a mansão de Botafogo e tudo o resto.

“É para si próprio que um velho repete sempre a mesma história, como se assim tirasse cópias dela, para a hipótese de a história se extraviar”, lê-se na página 114, pouco depois de Assumpção constatar que é “esquisito ter lembranças de coisas que ainda não aconteceram”. “A memória é deveras um pandemónio”, sabemo-lo perfeitamente, mas só na figura de um velho tonto às portas da morte a capacidade para reinventar confusamente o passado alcança o seu zénite. Chico Buarque sabe-o e explora com mestria o humor destrambelhado que sobra nos interstícios das dissertações do velho patarata e algo tarado.

Vezes sem conta Assumpção se enreda na memória sensual de Matilde (“ela dizia, eu vou, Eulálio, e seu corpo tremia inteiro, levando o meu a tremer junto”), reconstruindo-a sucessivamente para passar em revista velhas e pouco aristocráticas perversões (“Durante um período, para você ter uma ideia, encasquetei que precisava enrabar o Balbino”) e manifestar, ainda, sinais de uma surpreendente vitalidade fescenina: “Também acho uma delícia quando você esquece os olhos em cima dos meus, para pensar no galã da novela, nas mensagens do celular, na menstruação atrasada”, diz à enfermeira.

Tetraplégico, arruinado e com “dores nos ossos e nas escaras”,

FicçãoMar de PapoilasAmitav Ghosh(tradução de Marta Mendonça)PresençaA crítica inglesa foi hiperbólica nos elogios a este romance, comparando-o a

obras de Melville, Conrad, Dickens, Dumas e Tolstoi. “Mar de Papoilas” é simultaneamente um romance histórico, uma saga complexa com dezenas de personagens, episódios e intrigas e uma história de aventuras. Ghosh foi finalista do Man Booker Prize 2008.

As Viúvas de EastwickJohn Updike(tradução de Isabel Baptista)CivilizaçãoUm quarto de século depois de “As Bruxas de Eastwick”, John

Updike - que morreu em Janeiro e foi um dos gigantes da literatura americana do último meio

século - regressou às suas personagens

Alexandra, Jane e Sukie e fê-las regressar, num Verão,

a Rhode Island. Claro que as “bruxas” voltaram a casar, ficaram viúvas e envelheceram. Mas a escrita de Updike não envelheceu.

O Apelo da FlorestaJack London(tradução de Miguel Serras Pereira)Relógio D’ÁguaÉ a história de um sossegado cão chamado Buck que se vê metido em aventuras, trabalhos

e perigos inesperados. Traiçoeiramente levado de casa de seu dono, ou seja, raptado, Buck é forçado a tornar-se um cão de trabalho e a puxar trenós em áridas e geladas paragens. É então que ouve o “apelo da floresta” (ou da selva, em anteriores traduções), o apelo dos seus ancestrais, os lobos, e decide juntar-se a eles para escapar à escravidão dos homens.

Cão em FugaDon DeLillo(tradução de José Miguel Silva)Relógio D’ÁguaTrata-se do sexto romance do autor e foi publicado originalmente em 1978. DeLillo não

tinha o prestígio que tem hoje, nem tinha ganho ainda o PEN/Faulkner ou o National Book Award, entre

Saídas

John Updike

A força maior da narrativa é, neste quarto romance de Chico Buarque, a simplicidade aparente

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Jack London

“A Origem do Homem e a Selecção Sexual” foi publicado em 1871

Museu do OrienteAv. BrasíliaDoca de Alcântara (Norte)1350-352 LisboaTel: 213 585 [email protected]

MUSEU DO ORIENTE

www.museudooriente.pt

mecenas principal: mecenas do serviço educativo:

6 a 10 de Julho20 a 24 de Julho

A páginas tantas 10.00 – 13.00

Tapetes mágicos 14.00 – 17.00

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A rota das especiarias10.00 – 13.00

O Oráculo do VelhoMandarim 14.00 – 17.00

3 a 7 de Agosto17 a 21 de Agosto

Ganesh Chaturthi -A Índia vem ter contigo!10.00 – 13.00

Quem é quem!14.00 - 17.00

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Estrela, estrelinha, oque me dará comoprendinha? 14.00 – 17.00

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Duração: 5 dias • Público-alvo: 6-12 anos Preço: € 35.00 p/ participante

A marcação deverá ser efectuada até 7 dias antes da realização da oficina

fériasde

verão a

oriente

Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 37

Assumpção mantém sempre um pé na gloriosa fazenda do pé da serra, na mansão de Botafogo, nas conversas de família em Francês (para que os empregados não compreendessem) e nas suítes do Ritz, como se a memória de tudo isso fosse a condição para continuar a justificar o facto de permanecer vivo e, ao mesmo tempo, uma privação imensa: “Qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer, a memória é uma vasta ferida.” A espaços, o lúbrico velhinho vai tendo consciência da real situação em que se encontra: “Seria até cômico, eu aqui, todo cagado nas fraldas, dizer a vocês que tive berço. Ninguém vai querer saber se porventura meu trisavô desembarcou no Brasil com a corte portuguesa. (...) não há passante que não afrouxe o passo para me espiar, como a um desastre à beira da estrada”, comenta.

Conheçam, pois, Eulálio Montenegro d’Assumpção e escutem as suas últimas palavras, a derradeira confissão e o delírio final de um velho cavalheiro louco. Vale absolutamente a pena.

Memórias

Memórias de um homemUm testemunho de vitalidade e optimismo, sem sombra de ressentimento. Mário Santos

Digam-me como é uma ÁrvoreMarcos Ana(tradução de Maria do Carmo Abreu)Guerra e Paz, € 19,80

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Marcos Ana passou 23 anos da sua vida encarcerado pelo regime franquista. Um triste recorde para um preso político.

Nascido numa família de campesinos

pobres da província de Salamanca, foi militante comunista desde a juventude e tinha 16 anos quando a Guerra Civil espanhola começou. Como milhares de outros republicanos vencidos que não conseguiram fugir a tempo de Espanha, foi preso em 1939. Por duas vezes foi condenado à morte, pena depois comutada em 60 anos de prisão. No final de 1961, Franco amnistiou os condenados políticos que estivessem há mais de 20 anos ininterruptos na cadeia. Marcos Ana exilou-se então em França, passando a dirigir em Paris uma organização de ajuda aos presos políticos do franquismo e respectivas famílias, que era simbolicamente presidida por Picasso.

Regressou a Espanha após a morte do ditador e iniciado o processo de transição para a democracia. Em 2007 decidiu finalmente publicar as suas memórias “da prisão e da vida”, cuja tradução portuguesa, “Digam-me Como É Uma Árvore”, chega agora às livrarias.

O título do livro vem de um poema do autor escrito na prisão de Burgos em 1960. Marcos Ana começara a escrever poemas em meados dos anos 50, poemas de combate político e urgência humana que eram uma forma de protesto contra a opressão franquista. Os processos rocambolescos como esses poemas eram passados clandestinamente para fora das prisões são recordados em “Digam-me Como É Uma Árvore”. Um deles consistia em contrabandear os poemas de memória: um prisioneiro cuja libertação estivesse próxima memorizava o texto e, uma vez em liberdade, passava-o para o papel.

Resultado previsível verificado muito depois, já em liberdade, por Marcos Ana: os versos impressos com o seu nome nem sempre eram exactamente aqueles que ele escrevera. Mas foram esses versos que, naqueles anos, transformaram Marcos Ana num “poeta militante”, símbolo e voz dos presos políticos do franquismo. Essa condição simbólica, de uma vida que representa e testemunha outras, de uma narração que poderia ter outros narradores e protagonistas, é uma das características deste livro. Como diz no prólogo Saramago, Marcos Ana não só “rejeita toda e qualquer tentação de olhar-se, complacente, ao espelho, como o despedaça para que, nos seus múltiplos fragmentos, venha reflectir-se a face dos seus companheiros de infortúnio”.

O livro recorda uma infância muito pobre e católica (Marcos Ana é um pseudónimo formado pelos nomes próprios do pai e da mãe do autor; vítima, o primeiro, de um bombardeamento durante a Guerra Civil; vítima, a segunda, da “normalidade” franquista), o despertar da consciência política e social à entrada da adolescência, a guerra, o “turismo penitenciário” (naqueles anos em que a fúria persecutória dos vencedores transformou colégios e conventos em prisões), o exílio e as digressões de “trabalho solidário” pela Europa e América Latina, os encontros (os poetas Miguel Hernández, Rafael Alberti, Pablo Neruda, a rainha Elisabeth da Bélgica, Che Guevara...), e termina quando começa a democratização da vida pública em Espanha, no final dos anos 70.

Mas surpreendentemente, e só aparentemente em contradição com que o que dissemos, estas memórias são menos políticas do que puramente humanas, afectivas, íntimas e até calculadamente (?) “ingénuas”. Marcos Ana conta “histórias comoventes”. De sonhos, lutas e “solidariedade”. Palavra que rima aqui mais vezes com emoção do que com ideologia. Por exemplo, a história (recordada com

outros prémios. A acção desenvolve-se em torno da hipotética existência de um filme pornográfico de Adolf Hitler e da investigação que uma jornalista para tentar deslindar a história.

As Duas CasasAna Teresa PereiraRelógio D’ÁguaAna Teresa Pereira (n. 1958) publicou no início dos anos 90 (na Caminho, a sua primeira editora) uma série de cinco livros de

aventuras juvenis que, como os de Enid Blyton, tinham cinco “heróis”, um cão incluído. Duas dessas histórias são aqui reeditadas: “A Casa das Sombras” e “A Casa do Nevoeiro”.

Os Olhos de HimmlerRui NunesRelógio D’Água“da rua, as vozes descem, escondem-se no sussurro, desoculta-as um riso, a claridade ténue da garagem escurece ainda

mais, sombras móveis que ora tapam um

pilar, ora um bocado de parede, ora o caixote, ora a água das poças, sombras que

procuram”... A escrita ficcional

de Rui Nunes não tem muitos pontos de

contacto com a dos seus contemporâneos portugueses. Este é o seu livro mais recente.

EnsaioA Origem do Homem e a Selecção SexualCharles Darwin(tradução de Ausana A. M. Varela)Relógio D’ÁguaNão é tão icónico quanto “A Origem das Espécies”, cujos 150 anos se estão

comemorando actualmente, mas é igualmente grandioso e desafiador. “A Origem do

Homem e a Selecção Sexual” foi publicado em

1871 (embora o autor nele trabalhasse desde os anos

30 do século XIX) e nele Darwin insere decididamente os macacos na nossa árvore genealógica e afirma a unidade fundamental da família humana, para lá das raças.

Charles Darwin

Rui Nunes

As memórias de Marcos Ana são menos políticas do que puramente humanas AN

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38 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

confessado embaraço) de certo retrato de Lenine que, como um ícone religioso, reconfortou os presos sujeitos a tortura. Ou a história (que compreensivelmente terá fascinado Pedro Almodóvar) de como Marcos Ana, aos 42 anos, acabado de sair do seu longo cativeiro, conheceu pela primeira vez o amor carnal com uma prostituta madrilena.

Escrito aos 87 anos, este livro é um testemunho de vitalidade e optimismo, sem sombra de ressentimento. São as memórias de alguém que não nomeia nem os companheiros que “tiveram fraquezas”, nem os seus directos torturadores: “porque devem ter filhos e netos e tanto tempo depois não quero conspurcar a recordação que tenham dos pais ou avós”. São as memórias de um homem. Um homem. Coisa rara.

Viagem

O Sul de nósSe a série documental mostrava como Camilo Azevedo sabe ver, o livro mostra como Miguel Portas é um viajante genuíno. Alexandra Lucas Coelho

PériploMiguel Portas e Camilo de AzevedoAlmedina

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Talvez seja difícil para um livreiro — ou para uma secção de livros num jornal — arrumar “Périplo”: Fotografia? Viagem? História? Ensaio?

Reportagem? Mas esse não é um problema do livro. Um livro recorre a tudo o que precisa para ser o que é, de

preferência algo novo. “Périplo” intercala texto e

fotografias ao longo de 350 páginas. As fotografias correspondem a uma escolha de entre 10 mil, essencialmente tiradas pelo realizador Camilo Azevedo na preparação da série

documental “Périplo”, que deu origem a este livro. São fotografias de viagens anteriores à filmagem.

Já o texto de Miguel Portas é posterior à série. Estrutura-se em prefácio, epílogo e oito capítulos temáticos (Mesopotâmicos; Povos do deserto; Egípcios; Urbanos e imperiais; Cairo; Israelitas; Líbios; Maiorias). Recorre a muitas leituras concretas (Bíblia, Tora e Corão, História do Mediterrâneo, arquivos antigos, novos ensaios, romances, poemas) e às impressões, reflexões e notas de várias viagens.

O peso de cada um destes elementos é variável. Há capítulos mais históricos (Mesopotâmicos, Israelitas) e há capítulos mais impressionistas (Povos do deserto, Líbios). Mas é sempre, sobretudo, um fresco no tempo ou no espaço traçado por Miguel Portas, em que muito de vez em quando se abre uma janela onde aparece alguém a falar, agora.

Em suma, há muito mais histórias da História (por exemplo dos mitos mesopotâmicos, egípcios, romanos e gregos, que enleiam Portas num fascínio) do que histórias de vivos.

Isto resulta de uma condicionante política: as viagens para filmar tinham vigilância de agentes policiais, o que não favorece o à vontade do povo.

E das viagens posteriores, muitas delas como eurodeputado, Miguel Portas optou por não aproveitar diálogos e personagens actuais. Não queria a actualidade, queria a grande paisagem da civilização.

Então, se algo há que por vezes falta ao livro, como a falta de vegetação ou de água no deserto, são esses rostos com nome e voz, micro-histórias que poderiam habitar o pergaminho, ajudar a compor a grande paisagem.

Mas de resto, se a série mostrava bem como o realizador Camilo Azevedo apanha pormenores expressivos e densos, o livro “Périplo” mostra como a curiosidade enérgica de Miguel Portas se estende em tantas direcções, com argúcia, sentido de humor e uma ponta de melancolia.

Nesse sentido, o autor deste texto é um genuíno viajante, perpetuamente movido pelo mistério dos homens na sua vida colectiva, das antiquíssimas cidades de Ur e Uruk aos “pipelines” megalómanos de Kadhafi, do tecer de um “kilim” à cozedura do pão, da agricultura entre os rios aos nómadas dos desertos que começam onde a oliveira acaba, ou seja, onde acaba o mundo mediterrâneo.

Neste mundo, “nunca se encontra uma mulher que não esteja ocupada”, e das camponesas às guerreiras, das estátuas da antiguidade às artistas contemporâneas, o livro parece

estar sempre disponível para esse contraponto à grande praça pública, tradicionalmente masculina.

E se a religião não é parte pequena neste mundo, também não é parte pequena neste livro, ainda que o viajante seja ateu.

Está lá a matriz política que tudo integra e digere, mas está lá também o urbanista amador (filho de um grande urbanista) a olhar para o modo com os homens sempre construíram, desde um vale no Iémen com arquitectura de terra em altura, à expansão aparentemente indecifrável de metrópoles como o Cairo. Miguel Portas reflecte sobre as fachadas e vai por trás, às lixeiras, aos subúrbios com milhões de miseráveis que são a mais clamorosa denúncia dos regimes árabes.

A forma como uma grande cidade destas se desdobra é toda uma história política.

Miguel Portas dedicou tempo a ler sobre o Mediterrâneo, cruzando eruditos, malditos e leigos, e este livro valeria só pelo estímulo desses cruzamentos, do que deles se extrai na observação, concorde-se ou não com as hipóteses.

Uma dessas leituras, pouco conhecida de um público alargado, é a chamada Geniza do Cairo, milhares de documentos de mercadores judeus dos século IX-XIII encontrados numa sinagoga do Cairo que vieram trazer luz sobre o quotidiano dos homens comuns, quando os três monoteísmos aqui conviviam.

Em contraponto, uma leitura contemporânea é a da “fatwa” pró-direitos das mulheres do imã xiita libanês com quem Miguel Portas conversou em 2008. No pós-11 de Setembro, quando “o terrorismo do integrismo islâmico é, além de bárbaro, ignorante”, uma “fatwa” como esta, escreve Miguel Portas, “faz pelas mulheres mil vezes mais do que dez discursos sobre a laicidade e a igualdade de direitos”.

Mas além das leituras, poucos viajantes portugueses terão estado tantas vezes em tantos países do Sul do Mediterrâneo. Esse é o grande fascínio deste livro, e o momento em que fotografias e texto convergem para o movimento.

Então vamos de comboio de Damasco para Amã com a cara ao vento porque não há janelas. Entramos no armazém das estátuas na Líbia para ver Perséfone cobrir a cara com um véu. Subimos o Nilo numa faluca como há três mil anos, parando de templo em templo. Chegamos ao grande palmeiral de Palmira, onde as ruínas anunciam o deserto.

E no fim, sim, talvez nos achemos em Tânger, a cidade do maior dos viajantes deste mundo, Ibn Battuta.

Aí, sentados naquele café em socalcos diante do Mediterrâneo, de onde se avista Gibraltar, a costa espanhola, a utopia de quem foi ficando para trás depois do colonialismo, das ditaduras nacionalistas, da globalização, o que vemos é o que deste lado quase nunca se vê: como o Sul é a outra parte de nós.

Estes exemplares são usados como forma de promoção. Na verdade são provas não corrigidas de obras que irão para as livrarias

Isabel Coutinho

Ciberescritas

NetGalley, uma boa ideia

Nesta edição da Book Expo America (BEA), que decorreu há semanas em Nova Iorque, aprendi uma palavra nova: “e-galleys”. Na feira costumam ser distribuídos aos jornalistas, bloggers, livreiros, bibliotecários e a todos os

que passassem por lá as tais “galleys” - exemplares impressos dos livros que durante os próximos meses vão ser publicados nos Estados Unidos.

Estes exemplares são usados como forma de promoção. Na verdade são provas não corrigidas de obras que irão para as livrarias norte-americanas a partir de Setembro e algumas só serão mesmo publicadas em 2010. Este ano a novidade é que os editores norte-americanos, em contenção de custos, optaram por distribuir algumas destas obras em formato electrónico.

Foi o que aconteceu com a HarperCollins, que distribuiu postais com as capas de alguns desses livros, com um código de acesso no verso. Quem for ao “site” da HarperCollins nos próximos meses e estiver na posse do código pode descarregar, assim, os livros em formato electrónico (PDF e EPUB) e lê-los depois no iPhone, num computador e no Sony Reader. Isto é feito através dos cartões Symtio, que são uma nova forma de vender livros electrónicos.

Ao distribuir na BEA os livros assim com tanta antecedência as editoras pretendem criar um grande falatório à volta destas obras que são as suas apostas e, se

os livreiros e os bibliotecários e os jornalistas gostarem delas, têm mais tempo para se prepararem e seguramente farão uma melhor divulgação das mesmas. É por isso que quando pegamos num jornal inglês ou num jornal americano temos críticas e recensões a livros exactamente na semana em que estes estão a chegar às livrarias. Por cá, embora

as coisas se estejam a modifi car, até há bem pouco tempo era comum passarmos pelas livrarias num fi m-de-semana e já estarem à venda livros que ainda não tinham sido entregues nas redacções dos jornais. Juntem a isso o tempo que leva a ler um livro, mais o tempo que leva a refl ectir sobre ele e a escrever a crítica. Contem com o tempo para a paginação e fi nalmente, semanas depois do livro estar na livraria, lá aparece a primeira referência num jornal.

O que por cá alguém devia fazer era um “website” como o do NetGalley. Já no ano passado, em Los Angeles, estavam representados na BEA. A NetGalley é “um serviço para pessoas que lêem e que recomendam livros”. Os editores fazem “upload” das suas “galleys”, isto é, colocam online as “provas não corrigidas” das suas obras a que juntam algum material de promoção e informações sobre o livro e enviam mensagens para que os seus contactos - jornalistas, bloggers, livreiros, bibliotecários, professores, etc - acedam ao site e descarreguem o livro para o seu computador, numa cópia em PDF protegida a que podem ter acesso durante um mês. Ou então têm a possibilidade de ler o livro enquanto estão online através de um programa de leitura que existe no site. No futuro poderá vir a existir a possibilidade de o PDF ser enviado através da Amazon para aqueles que possuem um Kindle, mas ainda não está a funcionar.

Quem está inscrito na NetGalley tem acesso a um catálogo público de todos os livros que irão ser publicados e que os editores ali disponibilizam e pode fazer uma requisição para a sua leitura. O editor decide depois se aceita esse pedido ou não. O NetGalley é um serviço grátis e também está preparada para receber dos editores fi cheiros áudio, trailers de livros, ilustrações, documentos Word ou PDFs.

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Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 39

Pop

A palavra é de ouroDe 18 a 27 de Junho, concertos, leituras, conferências. Mário Lopes

Festival Silêncio - Absolut Poetry Silent Party.Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré. De 18 a 27/06. Tel.: 213430107. 10€

Lisboa. Instituto Franco-Português.Av. Luís Bívar, 91. Tel. 213111400. Entrada livre

Lisboa. Goethe Institut. Campo Mártires da Pátria, 37. Tel. 218824510. Entrada livre.

Mais informações em www.festivalsilencio.com

Chamar Festival Silêncio! a um festival que celebra a palavra poderá parecer provocatório. Poderá? Pois claro, senão vejamos: entre 18 e 27 de Junho, por clubes e auditórios lisboetas celebrar-se-á a palavra ela mesmo,

proferida e soletrada sem outro enquadramento. Celebrar-se-á toda a sua capacidade expressiva quando se une a

algo mais. Expliquemo-nos. Entre 18 de 27 de Junho, Lisboa acolherá o Festival Silêncio, projecto

desen-

volvido pelo Goethe-Institut, pelo Instituto Franco-Português, pela editora 101 Livros e pelo Musicbox. Debates, conferências, concertos, DJ sets e VJ sets, leituras encenadas, sessões de spoken-word e uma “poetry slam” (já explicamos).

Discutir-se-á e serão lançados audiolivros (dia 19, no Goethe-Institut, Kilian Kissling, da editora Argon-Verlag, falará do panorama alemão e o actor Filipe Vargas fará uma leitura encenada d’”O Banqueiro Anarquista”). No Musicbox, ainda dia 19, Adolfo Luxúria Canibal apresentará o espectáculo “Estilhaços” e Sam The Kid, Viriato Ventura (seu pai, poeta que ouvimos no álbum “(Pratica) mente”), o anglo-polaco radicado em França John Banzai e o actor Marc-Uwe Kling participarão numa sessão de “poetry slam”, “batalhas de poesia”. À semelhança do “freestyle” do hip hop, em que vários declamadores têm três minutos para interpretar em palco uma criação poética, habitualmente da sua autoria, que será posteriormente avaliada por um júri seleccionado a partir do público - o músico e escritor Saul Williams é, nos Estados Unidos, um dos maiores defensores de um movimento que, à medida que se internacionalizou, se foi desmultiplicando em diversos formatos (em Nova Iorque, há beatbox em palco e na Suécia é habitual os declamadores serem acompanhados por músicos).

Na programação do Festival Silêncio, realce natural para “Tout Ira Bien”, dia 25, no Instituto Franco-Português: Alex Beaupain, autor de três bandas sonoras para Christophe Honoré, vai ao encontro das palavras de Kétnhévane Davrichewy (“Tout Ira Bien” é o seu primeiro romance) e do violoncelo de Valentine Duteuil.

Ao longo dos dez dias, destaque também para a sessão dedicada a Jacques Prévert: “A Voz dos Poetas... Na Escuridão”, dia 25 no Instituto Franco-Português, ou para as noites “Absolut Poetry -Spoken World” que, além de “Estilhaços”, incluem concertos de Wordsong (dia 20), Os Malditos (Mário Cesariny por Rodrigo Leão, Gabriel Gomes, Rogério Samora e Viviena Tupikova, dia 25), um concurso de Poetry Slam com JP Simões por anfitrião (dia 26) e, no dia seguinte, um espectáculo protagonizado pelos MCs Sagas, Ruas, NBC e Bob Da Rage Sense, com DJ Ride a tomar conta dos pratos.

Nova visita do senhor provocação

Marilyn Manson

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. 4ª às 21h00 (portas abrem às 20h). Tel.: 223394947. 25€ a 35€.

Segundo Marilyn Manson, “Eat Me, Drink Me”, o álbum de 2004, marcava o renascimento após quatro anos de silêncio. O homem estava apaixonado, metia a nova namorada nos telediscos, dedicava-lhe canções como “Mutilation is the most sincere form of flattery” e transpirava luxúria vampiresca.

Claro que Manson não sabia o que estava para vir. Se o soubesse, dir-nos-ia que esperássemos mais um pouco. Dois anos. Ou seja, 2009 e “The High End Of Low”, o disco que editou o mês passado.

Foi gravado com o regressado Twiggy Ramirez, baixista da formação clássica da banda, e Marilyn Manson está entusiasmadíssimo. Afirma que o disco nasceu do mesmo espaço mental de “Antichrist Superstar”, o seu álbum mais emblemático, e classifica-o como sendo “implacável, muito pesado e muito violento”. Anda a mostrá-lo mundo fora e, dia 17, quarta-feira, passará pelo Coliseu do Porto, data única no regresso a Portugal.

Do álbum, sabemos que recupera o peso rock industrial do passado, que se aventura pelos habituais “flirts” com o glam como explicado por Bowie. Tem títulos-choque como “Pretty as a swastika”, “I wanna kill you like they do in the movies” e um “We’re from America” que se apresenta como diagnóstico pouco “simpático” da mentalidade americana.

Marilyn Manson está de regresso mas é o Marilyn Manson de sempre e certamente que, no Porto, se ouvirão “Beautiful people” ou a versão de “Sweet dreams” - só para comprovar que esta história tem fio condutor há muito plenamente definido. M.L.

A primeira vez de Nosy

Gomo

Lisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberdade, 175. 3ª às 22h00. Tel.: 213103400. 10€.

Depois de uma estreia prometedora, há cinco anos, com “Best Of”, eis

Paulo Gouveia, verdadeiro nome de Gomo, de regresso com o segundo álbum, “Nosy”. É um disco com naturais semelhanças e diferenças em relação ao seu antecessor. As canções são mais sólidas e comprimidas e a voz de Gomo procura um naipe de soluções mais alargado, reagindo a uma sonoridade caleidoscópica.

Mas, no geral, os esboços melódicos das guitarras mantêm-se, o mesmo sucedendo com os movimentos electrónicos e os arranjos coloridos. A pop em Gomo, aparentemente, não tem nada que saber: trata-se de evocar ou reconstruir emoções complexas em três frases musicais eficientes. O primeiro álbum possuía essa frescura, criava essa ilusão de simplicidade. O novo, inevitavelmente, é diferente. Não possui o vigor da estreia, mas é um disco mais maduro e rico que o antecessor. Como é que estas características serão adaptadas para o formato concerto? É o que se verá nesta primeira incursão de “Nosy” pelos palcos. Vítor Belanciano

Clássica

O percurso inovador do Sond’Ar-te Electric Um concerto que serve também de lançamento ao primeiro CD do agrupamento. Cristina Fernandes

Sond’Ar-te Electric EnsemblePedro Amaral (direcção)Frances Lynch (soprano)Monika Duarte Streitová, Nuno Pinto, Ana Telles, Suzanna Lidegran, Marco Perreira (instrumentistas), Paula Azguime (desenho de som e projecção sonora), Miguel Azguime (director artístico e electrónica

Cascais. Centro Cultural de Cascais. Av. Rei Humberto II de Itália. 6ª às 20h30.Sáb. às 21h00. Tel.: 214848900. Entrada livre.

Fundado em 2007, o Sond’Ar-te Electric Ensemble tem ainda uma curta existência, mas a sua

Gomo apresenta o segundo álbum, “Nosy”

No Musicbox, Adolfo Luxúria Canibal apresentará o espectáculo “Estilhaços”

Marilyn Manson anda a mostrar o novo álbum “The High End Of Low”

Con

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40 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

Preciosidades da música de câmara

Cistermúsica - XVII Festival de Música de AlcobaçaEnsemble ContrapunctusAna Ester Neves (soprano)

Benedita (Alcobaça), Centro Cultural Gonçalves Sapinho, dia 13, às 21h30.

Uma das marcas distintivas do Festival Cistermúsica, em Alcobaça até dia 20, é a aposta do seu director artístico - o compositor e violetista Alexandre Delgado - em programas fora do comum e nalgumas preciosidades da história da música portuguesa e europeia que poucas vezes são apresentadas em concerto. Merece destaque o concerto deste fim-de-semana, pela soprano Ana Ester Neves e o Ensemble Contrapuntus, formado por Alexei Eremine (piano), José Pereira (violino), Arthur Soulès (violino), Alexandre Delgado (violeta), Guenrik Elessin (violoncelo) e Nuno Inácio (flauta transversal).

Em vez do tradicional formato do recital para voz e piano, o programa explora obras que usam pequenas formações instrumentais para acompanhar o canto, correspondendo

assim a uma abordagem mais ampla e diversificada do

conceito de música de câmara, que é o principal fio condutor da edição deste ano. Serão interpretadas as “Chansons

madécasses”, de Ravel, que recorrem

ao piano, à flauta e ao violoncelo e foram

compostas a partir de poemas tradicionais da ilha Bourbon traduzidos por Evariste Désiré Parny; a “Chanson perpetuelle”, de Chausson, página de influência expressionista e simbolista, para voz, piano e quarteto de cordas; e “Il tramonto”, de Respighi, sobre texto de Percy Shelley, para voz e quarteto de cordas.

Será ainda apresentada em estreia absoluta uma nova partitura encomendada pelo festival à jovem compositora Sofia Sousa Rocha. Partindo de um poema de Alexandre O’Neill, recorre a uma instrumentação que reúne os efectivos das restantes peças (voz, piano, quarteto de cordas e flauta transversal). C.F.

actividade musical tem sido relevante e inovadora, incluindo várias apresentações em Portugal e no estrangeiro (Espanha, Polónia e França).

Trata-se de um dos raros ensembles a nível europeu que combina de forma estruturante instrumentos acústicos e meios electrónicos, decorrentes da experiência e pesquisa desenvolvida ao longo de vários anos por Miguel Azguime também director artístico do projecto) e por Paula Azguime no Miso Studio.

O grupo tem uma formação fixa de oito músicos dirigida pelo maestro e compositor Pedro Amaral e pretende ser um foco de divulgação e criação de novas peças de câmara com electrónica, em paralelo com a apresentação de páginas emblemáticas do repertório do século XX.

O próximo concerto (dia 13, às 21h30, no Centro Cultural de Cascais) é bem representativo dessa filosofia ao combinar uma das obras-chave da música do século passado - o “Pierrot Lunaire”, de Schoenberg, com a participação da excelente cantora britânica Frances Lynch - com composições mais recentes de dois autores portugueses. Será possível ouvir “De l’étant qui le Nie”, para piano solo, de Miguel Azguime, e “To a World Free From Religions”, de Pedro Rocha, que resulta de uma encomenda da Miso Music Portugal e que integra também o primeiro CD do grupo, que será apresentado no final do concerto

Além da peça de Pedro Rocha, o disco inclui “Derrière son Double”, de Miguel Azguime, e “Timshel” de João Pedro Oliveira. No dia 12, também no Centro Cultural de Cascais, o Sond’Ar-te Electric Ensemble realiza ainda uma sessão pública com leituras de novas obras de Ana Seara, João Damas, Pedro Carneiro e Pedro Francisco.

sexta 12MarizaTorres Novas. Palácio dos Desportos. Bairro das Tufeiras. 6ª às 22h00. Tel.: 249839190. 20€ a 30€.

Biel Ballester TrioCom Biel Ballester (guitarra solo), Leandro Hipaucha (contrabaixo), Graci Pedro (guitarra). Guarda. Teatro Municipal. R. Batalha Reis, 12. 6ª às

21h30. Tel.: 271205241. 5€.

Orquestra GulbenkianDirecção Musical: Joana Carneiro. Com Cristina Ánchel (flauta). Almada. Teatro Municipal. Av. Professor Egas Moniz. 6ª às 21h30. Tel.: 212739360. 17€. Pré-venda: 14€.

DeolindaArraiolos. Praça Lima e Brito. . 6ª às 22h00.

Entrada livre.

La Prohibida + DJ Andy Punch + John HolmesLisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré. 6ª às 01h30. Tel.: 213430107.

The Happy Mothers + Chemical Wire + Slimmy + rasheedPorto. Armazém do Chá. R. José Falcão, 180. 6ª às 23h00. Tel.: 22.2444223.

sábado 13Jeremy Pelt QuartetCom Jeremy Pelt (trompete), Danny Grissett (piano), Dwayne Burno (contrabaixo), Derrell Green (bateria), J.D. Allen (saxofone tenor). Guarda. Teatro Municipa. R. Batalha Reis, 12. Sáb. às 21h30. Tel.: 271205241. 7,5€.

Quinteto de Sopros Giv’’Me Five Ensemble da Escola Superior de Música de LisboaDirecção Musical: Sérgio Azevedo. Com Sérgio Azevedo (comentários). Monte Estoril. Museu da Música Portuguesa - Casa Verdades de Faria. Av. Sabóia, 1146 - B. Sáb. às 18h00. Tel.: 214815901. Entrada livre.

Obras de Britten, Azevedo e Berio.

Xeg + Tekilla + SkunkLisboa. LX Factory. R. Rodrigues Faria,

103. Sáb. às 22h00. Tel.: 213143399. 10€.

Mayra AndradeFaro. Teatro Municipal. Horta das Figuras - EN125. Sáb. às 22h00. Tel.: 289888100. 20€ a 22€.

MarizaEspinho. Nave Polivalente. Lugar de Sales - Silbalde. Sáb. às 22h00. Tel.: 227335860. 15€ a 30€.

Mosca Tosca + Os DivertidosPorto. Palácio de Cristal. R. D. Manuel II. Sáb. às 18h00. Tel.: 226057080/2. 7,5€ (dia). Passe Festival: 15€.

Tanira + Stygiens

Porto. Palácio de Cristal. R. D. Manuel II. Sáb. às 21h45. Tel.: 226057080/2. 7,5€ (dia). Passe Festival: 15€.

Jian Wang e Fang YuanCom Jian Wang (violoncelo), Fang Yuan (piano). Seteais. Palácio de Seteais. R.Barbosa du Bucage, 10. Sáb. às 17h00. Tel.: 219233200. 20€.

Obras de Johann Sebastian Bach, Brahms, Tchaikovsky, Christoph Gluck, Rachmaninoff e Schumann.

domingo 14Tony Conrad & Genesis P. OrridgePorto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro, 210. Dom. às 22h00. Tel.: 226156500. 12€. Pré-venda: 10€.

DeolindaSão Paio Vizela. Parque das Termas. Rua Dr. Abílio Torres - Vizela. Dom. às 22h00. Entrada livre.

Pedro GomesCom Pedro Gomes (piano). Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de Albuquerque. Dom. às 18h00. Tel.: 220120220. 5€.

Obras de Beethoven e Prokofiev

segunda 15Camané, Mário Laginha e Orquestra Metropolitana de LisboaDirecção Musical: Cesário Costa. Com Mário Laginha (piano), Camané (voz), José Manuel Neto (guitarra portuguesa), Carlos Proença (viola), Paulo Paz (contrabaixo). Com Orquestra Metropolitana de Lisboa. Lisboa. Centro Cultural de Belém. Praça do Império. 2ª e 3ª às 21h00. Tel.: 213612400. 5€ a 25€.

Ver texto pág. 26

Rui Caetano TrioCom Rui Caetano (piano), Bernardo Moreira (contrabaixo), Marco Franco (bateria). Lisboa. Centro Cultural de Belém. Praça do Império. 2ª às 19h00. Tel.: 213612400. 10€

quarta 17Alípio Carvalho Neto: Diggin’Com Alípio C. Neto (saxofone), André Mota (bateria), Gil Gonçalves (tuba).

Lisboa. Espaço APAV & Cultura. Rua José Estevão 135-A (ao Jardim Constantino). 4ª às

18h30. Tel.: 213587915.

Agenda

quinta 18Dream TheaterLisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96. 5ª às 21h30 (portas abrem às 20h30). Tel.: 213240580. 28€.

Hermeto PascoalEstarreja. Cine-Teatro Municipal. Rua do Visconde de Valdemouro. 5ª às 22h00. Tel.: 234811300. 5€ (sujeito a descontos).

Festim - Festival Internacional de Músicas do Mundo

Rafael Toral TrioCom Rafael Toral (amplificador), John Edwards (contrabaixo), tatsuya Nakatani (percussão). Cascais. Farol-Museu de Santa Marta. Rua do Farol. 5ª às 22h30. Tel.: 214815380. Entrada livre.

Jazz no Farol.

Gimba + José Cid + Zé Pedro + Os Irmãos Catita + Cais do Sodré Cabaret! + Ena Pá 2000 + Monstro Mau + Budda Power BluesLisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58. 5ª às 22h30. Tel.: 213467090. 10€.

Festa do Gui. Ajudar não dói nada.

Tocar de Ouvido - Festival Internacional de Música de Évora 09Évora. Arena. Av. General Humberto Delgado. 5ª, 6ª e Sáb. às 22h00. Tel.: 266743133. 6€. Passe: 10€.

Sara Tavares + DazkariehÉvora. Arena. Av. General Humberto Delgado. 5ª às 22h00. Tel.: 266743133. 6€. Passe: 10€.

InterlúnioCom Gonçalo Lopes (clarinete baixo e soprano), Johannes Krieger (trompete), Eduardo Lala (trombone), Ricardo Freitas (guitarra), Raimund Engelhardt (percussão). Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 - Bairro Alto. 5ª às 23h00. Tel.: 213430205. 6€.

Jorge Moniz QuartetoCom Mário Delgado (guitarra), Júlio Resende (piano), João Custódio (contrabaixo), Jorge Moniz (bateria). Lisboa. Centro Cultural de Belém. Praça do Império. 5ª às 22h00. Tel.: 213612400. Entrada livre.

Sementes de um Povo que CantaCom Brigada Victor Jara, Diabo a Sete, Quarto Minguante, Realejo Roncos, Corisco. Coimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. República. 5ª às 21h30. Tel.: 239855636. Entrada livre.

Homenagem a Michel Gia-cometti.

Deolinda

Sara Tavares

Ana Ester Neves no Festival Cistermúsica, em Alcobaça

Mariza Xeg Joana Carneiro

O maestro Pedro Amaral dirige o grupo

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

Dis

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Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 41

POP

No labirinto dos Dirty Projectors

“Bitte Orca” é mais uma notável fantasia nascida da mente de David Longstreth. Vítor Belanciano

Dirty Projectors Bitte OrcaDomino, distri. Edel

mmmmm

Que música é esta? A pergunta não se faz quando a música é indecifrável. Fazemo-la quando ela guarda

qualquer coisa de familiar, com a qual nos possamos relacionar um pouco, ao mesmo tempo que se nos apresenta desconhecida. Como escreveu David Byrne, a música dos Dirty Projectors parece feita por alguém que leu vagamente sobre a estrutura da música pop, sem realmente a ter ouvido. Mas não é apenas o edifício sónico. Também a forma de cantar e de tocar guitarra de Dave Longstreth, alma e razão de ser dos Dirty Projectors, é invulgar. Canta como se fosse um bom cantor a tentar ser mau. Canta como se fosse um mau cantor a tentar ser bom. Canta à sua maneira, com modulação dramática, enquanto produz acrobacias desorientadoras com a guitarra que se revelam, afinal, precisas.

Pode dizer-se que alguns dos álbuns mais sedutores deste ano possuem características semelhantes (Animal Collective, Micachu and the Shapes, Telephate, Grizzly Bear, etc). É verdade. Mas mesmo assim,

alguns desses projectos, ao lado dos Dirty Projectors, parecem convencionais. “Rise Above”, o anterior disco, já era uma obra maior. Mas agora conseguem criar um longa-duração ainda mais inspirado, emotivo e directo.

Algumas canções parecem ensaios formais abstractos, mas amparados por harmonias vocais calorosas e mudanças de temperatura e de direcção desconcertantes. São canções com um centro reconhecível, mas distorcidas e desestruturadas por ritmos complexos. É um território sónico livre, odisseia por elementos dos mais diversos idiomas (rock, blues, R&B, country, Ópera, clássica, pop africana), de onde sobressaem guitarras que evocam África, orquestrações circulares e vozes folk harmoniosas.

Ao lado dos TV On The Radio ou dos Animal Collective, os Dirty Projectors afirmam-se decididamente como um dos grupos, da facção alternativa americana, mais inspiradores desta década.

O regresso do lobisomem

EelsHombre Lobo - 12 Songs Of DesireE Works; distri. Popstock

mmmnn

Depois do épico “Blinking Lights And Other Revela-tions”, depois de uma compilação de êxitos e

raridades (“Meet The Eels”), um livro (“Things The Grandchildren Should Know”), e um documentário sobre o pai, o físico Hugh Everett III, Mark E regressa em modo conciso. “Hombre Lobo” tem 12 canções que caberiam num LP de vinil e marca o regresso da barba desgrenhada de “Souljacker”, o disco “voodoo-rock” de 2001.

Tendo por subtítulo “12 Songs Of Desire”, “Hombre Lobo” não se limita a recuperar o som mais cru de “Souljacker”: é como se a personagem adolescente e desadequada desse disco tivesse crescido e as inseguranças e angústias anteriores cavassem mais fundo. O homem está neurótico e insaciável e ouvem-se berros distorcidos em “Prizefighter” e um blues-rock demoníaco na contagiante “Tremendous dynamite” - “She’s tremendous dynamite!”, grita o lobisomem. Mas o homem, que não consegue manter a fachada todo o tempo, é um tipo de coração destroçado que canta “the look you give that guy / I wanna see / looking right at me” na belíssima melancolia Beatlesca de “The look you give that guy”, que, trovador de guitarra e voz em ambiente nocturno, se compraz na dor da saudade: “the longing is a pain / a heavy pressure on my chest / (...) The longing is a friend / a way to stay close”.

“Hombre Lobo”, com Mark E protegido por longa barba, com os Eels ora em modo garage-rocker entusiasmante, ora refugiando-se num tom confessional, naturalmente auto depreciativo, é um álbum onde se reflectem aqueles que são, desde sempre, os temas da banda de “Daisies Of The Galaxy”. Os primeiros versos de “Ordinary

man”, a última canção, são de resto exemplares: “Well it’s another warm day / in the city of cold hearts” seria arranque perfeito para a maioria das canções de E. A diferença, neste caso, está na concisão e na inspiração das canções. São imediatas e de arestas pouco limadas e impõem-se perante nós pela sua urgência. E são, ao mesmo tempo, curtas preciosidades pop que se alojam no subconsciente às primeiras audições.

“Hombre Lobo” não será considerado um dos grandes álbuns dos Eels, mas é um óptimo disco de um escritor de canções inspirado. Mário Lopes

Pink MountaintopsOutside LoveJagjaguwar; distri. Sabotage

mmmnn

Stephen McBean é um homem com duas cabeças. Uma gere os Black Mountain e vive envolta num psicadelismo sujo,

com pesados riffs herdados dos Black Sabatah a desenharem espirais negras em seu redor. A outra lidera os Pink Mountaintops, que, durante dois discos, foram o projecto lo-fi e caseiro de McBean: em vez dos riffs dos Black Mountian havia muralhas de distorção à maneira dos Jesus and Mary Chain, em vez de longos breaks de bateria, havia backbeats desenhados em caixas de ritmos baratas. Mas a essa base acrescentam-se, em “Outside Love”, cordas sumptuosas, melodias frágeis cantadas por Lolitas, percussões massivas, melódicas e flautas. O produto final é uma espécie de mundo em que as primas rurais das Ronettes pegam em guitarras slide para criarem um Gospel rosa, em que o amor é motivo de lamentos cantados em coros catárticos à procura da redenção do Senhor. “Outside Live” começa com grandiloquência: “Axis: thrones of love” tem entrada à Phil Spector, com piano, pandeireta e percussão pesada para depois, em fundo, surgirem coros e cordas plangentes. Em “Execution” temos bateria em

The Dirty Projectors: um dos grupos, da facção alternativa americana, mais inspiradores da década

Mark E ora em modo garage-rocker entusiasmante, ora refugiando-se num tom confessional, naturalmente auto depreciativo

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42 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

backbeat, ruído, órgãos vintage, melodia arrastada, tudo com clara influência dos Jesus and Mary Chain. Há mais dois pares de enormes canções: “Vampire” começa meia country, próxima do universo de Gene Clark, com cordas a dobrarem a guitarra acústica para depois os coros assomarem. Em “Holiday” temos uma caravana country-pop, com linhas de banjo dobradas por órgãos crepitantes, violino ébrio saído da Louisianna: soa a uma espécie de versão negativa dos Magnetic Fields e é óptima. A melodia de “Come Down” sobe e desce por entre órgãos de circo, flautas desafinadas em fundo numa improvável charanga folk-rock. E depois chega “And I thank you”: começa em registo country, a voz espraia-se numa espécie de crooning rock, há guitarra slide, coros e, quando menos se espera, metais soul a anteciparem um depois tremendo coro sempre a subir no refrão. Começa-se no indie rock, vai-se à country e tudo isto para chegar à soul. Há dois ou três temas disparatados, mas de resto, que Deus mantenha o senhor McBean por muitos e bons anos. João Bonifácio

Os TornadosTwist do ContrabandoArthouse; distri. Valentim de Carvalho

mmmmn

E ali em “De novo à espera”, disco está a chegar ao fim, Os Tornados resumem de forma perfeita o que é a sua

música. O ritmo é marcado nos timbalões, a guitarra, dolente, toca acordes reverberantes, o órgão Farfisa estende um tapete luminoso sobre a canção e o vocalista canta isto que ouvimos: “Tudo o que eu quero é passar esta noite contigo / Dançar o rock’n’roll / E tirar-te o vestido”. Pode haver aspiração mais elevada? No universo dos portuenses Tornados, no universo do rock’n’roll, não, não pode. As catorze canções de “Twist do Contrabando” vivem daquele explícito romantismo, de um ambiente de baile de 1960 filmado por um Tarantino português. Tipos

“vagueando pela feira de copo a verter” e pandeiretas

chocalhando para nosso prazer, guitarras tremeluzentes, falsetes de rockabilly ou theremins silvando escapadelas sci-fi - tudo o que a mitologia rock’n’roll nos ensinou ser a encarnação do cool. Ao mesmo tempo, neste disco dos Tornados, pega-se numa história durante muito tempo desconsiderada - a do rock português de

Sheiks, Conjunto Académico João Paulo ou Conjunto Mistério, felizmente recuperada e reavaliada nos últimos anos - e

injecta-se-lhe nova vitalidade. O movimento

faz-se em dois sentidos. Toca-se um “Coimbra” em versão rock e homenageiam-se as centenas de bandas anónimas que, na década de 1960, andavam a animar bailes de faculdade armados em Shadows. Toca-se um “Veludo azul”, piano em rodopio e glamour retro muito actual, e afinal não é nada disso. 2009 é o ano dos Tornados e eles têm catorze canções para pôr o povo a bailar. O “swing” é de ontem, a electricidade é mesmo de hoje. M.L.

Jarvis CockerFurther ComplicationsRough Trade; distri. Popstock

mmmnn

Ao leme dos Pulp, Jarvis Cocker criou uma figura única: um “clown” histriónico, desesperado e

debochado que gerava observações sociais violentas. Era uma espécie de palhaço da cidade, entesoado e iconoclasta, que corria o risco de se perder no seu próprio boneco. A idade fez-lhe ver que não havia futuro em continuar a rebolar no chão, vestido de plumas rosa, enquanto cantava (esganiçado) sobre revoltas sociais por via de relações sexuais com raparigas burguesas. Pelo que no seu primeiro disco a solo, de há dois anos, abandonou a persona-Pulp e pareceu querer reescrever-se como respeitável eminência pop, fazendo canções que aspiravam a ser clássicas mas a que faltava sempre o golpe de asa e a coesão no som que os Pulp conseguiam. Cocker tinha ganho vergonha. Mas em “Further Complications” (o novo disco ) é nítido que o ex- “clown” voltou a ter gozo em berrar. No cerne de “Further Complications” estão os riffs másculos do rock, mesmo que aqui e ali haja desvios em direcção ao disco-sound ou à balada. O disco abre com o tema homónimo, assente num riff clássico de guitarra, acelerado e posteriormente arrastado, com bateria poderosa em fundo e coro no refrão. A toada

mantém-se no

segundo tema, “Angela”, canção

devedora do garage rock do final dos anos 60, com um

belo riff de guitarra suja. As guitarras também dominam “Pilchard” e só em “Leftovers” (aproximação ao som dos Stones dos anos 70, com piano gingão, coros e harmonias de guitarras em registo balada) é que o ritmo amaina e Cocker regressa ao seu registo sarcástico, mas com a voz mais controlada. O disco perde coesão a seguir, dispersando-se entre proto-baladas (“I never said I was deep”, “Hold still”), temas dominados por saxofones furibundos (uma óptima “Homewrecker!”), disparates à guitarra (“Fuckingsong”) e pilhagens ao universo Pulp (“Caucasian blues”, muito, muito boa e “Slush”) antes de acabar com um tema “disco” (“You’re in my eyes”), que assenta na perfeição à voz de Cocker. Por muita graça que tenha ouvi-lo a berrar por cima de riffs barulhentos, o território de “You’re in my eyes” (baixos roliços, coros femininos quase kitch, metais lascivos) adequa-se melhor à idade, à voz e ao humor deste moralista sacana. J.B.

Jazz

André FernandesImaginárioTone of a Pitch

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Para este novo disco o

guitarrista André Fernandes renovou a sua

equipa. Aos já habituais Mário Laginha (piano e Fender Rhodes),

Nelson Cascais (contrabaixo) e Alexandre Frazão (bateria), juntou os convidados Bernardo Sassetti (piano e Fender Rhodes), Demian Cabaud (contrabaixo), Bernardo Moreira (contrabaixo), Marcos Cavaleiro (bateria) e DJ Ride (scratch). Apesar das participações de músicos diferentes há uma coerência que marca o disco, sendo naturalmente a guitarra de Fernandes o fio condutor. O seu fraseado revela maturidade, construindo improvisações seguras, sem urgência. Para além do peculiar domínio instrumental, André Fernandes desvenda um conjunto de boas composições que ganham forma através das boas dinâmicas de Sassetti, Laginha, Frazão e companhia. Um dos pontos altos do disco é o tema que lhe dá título, “Imaginário”, que tem ainda em particular destaque DJ Ride num delicioso momento de “scratch”. Mantendo o nível alcançado com o disco anterior, “Cubo” (um dos

melhores discos nacionais de 2007), André Fernandes aventura-se também em novas paletas sonoras. Nuno Catarino

André Fernandes aventura-sepor novas paletas sonoras

Em “Further Complications” voltou o ex- “clown” Cocker

Que Deus mantenha o senhor Stephen McBean (Pink Mountaintops) por muitos e bons anos

JOD

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Este espaço vai ser seu. Que fi lme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever sobre ele, concordando ou

não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para [email protected]. E nós depois publicamos.

EspaçoPúblico

Os Tornados: swing de ontem, electricidade de hoje

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

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Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 43

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Romantismo tumularA morbidez de Edgar Allan Poe ao ritmo do “thriller”. Luís Miguel Oliveira

Sepultado vivoPremature Burial De Roger CormanEdição Divisa

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Sem extras

Na obra de Roger Corman como realizador o chamado “Ciclo Poe” ocupa um lugar central. Oito filmes, dirigidos entre 1960 (“House of Usher”) e 1964 (“The Tomb of

Ligeia”), com inspiração nos escritos de Edgar Allan Poe, fre-quentemente cru-zando no mesmo título elementos colhidos em histórias e poemas diferentes. São um

ponto central na obra de Corman, e por pelo menos duas razões. A pri-meira, por serem filmes que, mesmo realizados com pouco dinheiro, aparecem desprovidos do folclore “trash” que ainda faz, equivocamen-te, muita da fama de Corman. Bem pelo contrário, são filmes quase lu-xuosos (cenários, fotografia), muito “clássicos”, onde se revela toda a fineza e sofisticação da “mise-en-scène” do cineasta americano. E a segunda razão, de alcance mais vasto: este “ciclo” constitui o mais sistemático (mesmo “serialista”) projecto de adaptação cinematográ-fica de Poe, autor “infilmável” e de facto muitíssimo pouco filmado.

“Sepultado Vivo”, baseado no “Premature Burial” e estreado em 1962, foi o terceiro momento do “ciclo”. Tem, em relação aos outros filmes, uma variação: é o único sem Vincent Price, aqui substituído por um Ray Milland a trabalhar num registo perturbado menos “flamboyant” do que o de Price mas não menos intenso. Milland é Guy Carrell, aristocrata propenso a ataques de catalepsia e horrorizado com a perspectiva de durante algum deles vir a ser enterrado prematuramente. Como nos outros “filmes Poe” de Corman a adaptação é prodigiosamente inteligente: pega no “motivo” da história e, sem deturpação do seu espírito, transforma o que era um sussurro, um monólogo interior à beira da loucura, numa narrativa “objectiva” e pormenorizada, com um espaço “habitável” pelo espectador. Uma espécie de “racionalização” da loucura subjacente ao texto de Poe. Ou um ponto de vista sobre ela, a partir do qual Corman fica com as mãos livres para criar ou recriar o imaginário doente das personagens (a cena do pesadelo de Milland, uma coisa “pré-psicadélica”) e investir num romantismo mórbida e obsessivamente tumular (o cenário do mausoléu, as cenas com Milland no seu interior), sem que o filme deixe de responder às regras de um “thriller”. Não é o melhor filme do

“Ciclo Poe” (“House of Usher”, “Pit and the Pendulum”, “Masque of the Red Death”...) mas é, como todos, indispensável.

Heróis da guitarra Um micro-universo rock’n’roll: gente que quer sentir-se como os ídolos. Mário Lopes

Air Guitar NationDe Alexandra LipsitzZon Lusomundo

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Sem extras

A determinado momento, o pivot da CNN comenta tudo aquilo de forma eloquente e sucinta. “Aqui está uma das coisas mais parvas que já vi”. A “coisa” era

um concurso de “air-guitar”, o acto de simular tocar uma guitarra sem guitarra. É um karaoke das seis cordas: aquilo que fazemos no recato do quarto com os Deep Purple em volume considerável, aquilo que outros escolhem fazer em escuras pistas de discoteca quando se ouvem guitarradas monumentais. O que “Air Guitar Nation” nos mostra é que esses momentos reservados a festins ébrios ou a epifanias adolescentes podem ser levados muito a sério.

O pivot da CNN diz “aqui está uma das coisas mais parvas que já vi”. O guru da air-guitar, Zac Munro, diz que “é uma forma superior de arte performativa; meditação instantânea” e nós, enquanto vemos o documentário de Alexandra Lipsitz que acompanha dois americanos, C-Diddy e Bjorn Turoque, a caminho da glória no campeonato mundial, na Finlândia, não deixamos de achar que aquilo é idiota - mas uma idiotice que resultou num filme que é entretenimento puro.

C-Diddy, actor e comediante, filho de emigrantes coreanos, veste túnicas orientais, calças de rocker dos anos 1980 e, cereja no topo do bolo, adorna o peito com a Yellow

Kitty - depois, ouve-se uma canção dos Extreme e o homem fica ali, braços contra o ar e expressões faciais de metaleiro empenhado, a sentir-se no topo do mundo. Ele é o campeão do filme.

Bjorn Turoque é a sua Némesis. O punk que salta em Pogo pelo palco, simulando tocar power-chords e rasgando t-shirts para mostrar o torso adornado com a manifesto “make air, not war” - Bjorn perde invariavelmente para C-Diddy.

Filmado em 2003, com algum destaque no circuito de festivais em 2007 e agora editado em DVD em Portugal, o documentário mostra-nos um micro-universo rock’n’roll, povoado de gente que quer sentir-se como os seus ídolos. C-Diddy reconhece que não tem talento musical, mas quando se encaminha dos camarins do Roxy, em Los Angeles, para o palco da final ameri-cana de “air guitar”, comenta: “O Iggy Pop já tocou aqui, vou juntar-me aos grandes”. Bjorn Turoque até tinha uma banda, mas não ia a lado nenhum e ele decidiu pôr a guitarra de lado e dar um passo em direcção ao estrelato.

Quando o cenário passa dos EUA para a Finlândia - é lá que se organiza, em Oulu, o campeonato mundial - torna-se tudo mais sério. Ficamos a saber que o júri define as pontuações segundo os critérios “carisma, sentimento, originalidade, mérito artístico, capacidade técnica e destreza do ar”. Vemos os concorrentes numa “cidade olímpica”, montada num bosque, onde lhes é dada formação e onde se ensina a cartilha filosófica da “air guitar” - “o que importa não é o indivíduo, é a ‘air-guitar’”-, e seguimos aqueles dois americanos que se juntam a australianos, austríacos, finlandeses, ingleses, belgas ou noruegueses numa competição de egos e coreografias delirantes.

No dia da competição, são vistos por cinco mil pessoas em delírio de concerto rock e analisados por um júri, tal como em concurso televisivo de bailaricos. Nunca chegamos a perceber se levam tudo aquilo tão a sério quanto parece. Parte da piada do documentário, de resto, reside nessa incerteza.

Concursos de “air guitar” são das coisas mais parvas que já vimos, mas nunca imaginámos que seguíssemos tão interessados os 80 minutos de um filme a eles dedicado.

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Pegando em Poe, Corman investe num romantismo mórbida e obsessivamente tumular

Bjorn Turoque, o punk que simula tocar power-chords em “Air Guitar Nation”

Roger Corman

Cin

ema ¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

44 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

Estreiam

Como um “western” trágico, sem

“western”, sem tragédia

Um exemplar do novo “indie” americano, história de vingança que podia ser um “western” trágico – mas filmada contra o ”western” e contra o espectáculo da tragédia. Vasco Câmara

Histórias de CaçadeiraShotgun StoriesDe Jeff Nichols, com Michael Shannon, Douglas Ligon, Barlow Jacobs. M/12

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Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h 6ª Sábado 2ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h15; Medeia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h20, 21h30, 24h;

Numa entrevista à revista “Filmmaker”, Jeff Nichols responde

assim a uma pergunta do género “se pudesse escolher, em que época, em que lugar, filmaria?”: a meio dos anos 60, no sul americano, e a preto-e-branco, diz. Na sua nota de intenções, no site de “Histórias de Caçadeira”, explicita ainda mais ao que vem com esta primeira longa (2007): estar contra a corrente do cinema contemporâneo e suas vestimentas, por isso não usou o vídeo, por isso o filme tem diálogos e narrativa, por isso a câmara não se mexe, ou só se mexe quando tem de... (E há outra coisa: Nichols ficou marcado por “Lawrence da Arábia”, o que dito por um cineasta de 31 anos é algo que pode soar anacrónico).

Não é a primeira vez que, no contacto que vamos tendo com o novo “indie” encontramos a disposição para um “back to basics” – que é também o regresso ao tempo em que o cinema americano era adulto, e isso foi há muito tempo, algures entre os anos 60 e 70, lá está... Parece ser esta uma história a contar sobre o novo “indie”. Lembramo-nos de “Ballast” (2008), de Lance Hammer, de “Prince of Broadway” (2008), de Sean Baker, de “Wendy and Lucy” (2008), de Kelly Reichardt – filmes que o IndieLisboa exibiu – ou de um maravilhoso “Go Get some Rosemary” (2009), de Ben e Joshua Safdie (Quinzena dos Realizadores de Cannes), e vemos cineastas ao encontro de uma respiração entretanto perdida. E ao encontro de personagens e paisagens que nunca mais foram filmadas, ou nunca mais foram filmadas assim...

de John Cassavetes a Barbara Loden (modelos visíveis nos filmes citados), ou, para regressarmos a “Histórias de Caçadeira”, nunca mais assim desde Martin Ritt, Stuart Rosenberg ou Arthur Penn, a geração que, nos anos 60, passou do pequeno para o grande ecrã fazendo uma síntese com os restos do cinema clássico e com o pragmatismo do realismo televisivo.

É por este território que anda “Histórias de Caçadeira”, história de vingança entre duas facções de uma família do sul americano, entre dois grupos de filhos, aqueles que um pai alcoólico abandonou e aqueles que esse pai, depois de convertido à religião, criou com nova mulher. Passa-se no dormente Arkansas, estado natal de Nichols – estas personagens e esta paisagem adormecida são as da infância do realizador. E é uma história contada do lado dos “abandonados”, chamados Son, Boy e Kid – como se os pais se tivessem esquecido de lhes atribuir identidade... Podia ser um “western” que vai preparando o duelo final, aquilo pelo qual as personagens e os espectadores anseiam com euforia. Mas Nichols trabalha para frustrar euforias – e isso a uma segunda visão do filme corre o risco de se evidenciar como programa, como se ouvíssemos em surdina um “tema”, um discurso pós-11/09 contra a vacuidade das vinganças (e até o facto de o título caminhar para a abstracção, “Shotgun Stories”, “Histórias de Caçadeira”, participa de certa tendência para a aridez).

Nicholas, dizíamos, trabalha

Espaço Público

Mas as palavras são pedras. Escreveu Vergílio Ferreira. Tomas Alfredson [“Deixa-me Entrar”], por vezes, insinua que as imagens são pedras, tais são as inúmeras acções que omite. Atira-as para o fundo da neve, e submete-nos a imaginá-

las, transpondo a ténue fronteira que nos separa, a realidade da fi cção. Recusa a banalização, e propõe o onirismo. E as omissões tornam-se um verdadeiro veículo, libertador de emoções e sensações. História de vampiros sobre

a adolescência, que ignomínia, dirá a maioria. Eu direi, cuidado onde colocam o pé...André Logrado de Figueiredo, 24 anos, Estudante Arquitectura de Gestão Urbanística

meticulosamente essa frustração desde logo quando constrói com sentido de irrisão a personagem – Shampoo – que é a figura do agoiro: cheio de pensos, ele próprio desastre ambulante, à procura de lugar para estacionar o carro no terrenos de Son, Boy e Kid, que é como quem diz: à procura de lugar na narrativa. Ou quando nos faz interessar pelo irmão com medo. E quando – é o mais distintivo em “Histórias de Caçadeira” – usa como armas o laconismo, o silêncio nos planos e exercita uma respiração na montagem que contraria o espectáculo da tragédia anunciada, que contraria uma dimensão “bíblica” (a sequência em que a polícia chega e impede o que podia ser um ajuste de contas; as elipses com o episódio da serpente; a forma como a morte está sempre fora de campo). Não é por acaso que numa entrevista tenha assumido que o seu filme está menos do lado da poesia de Terrence Malick e mais do lado de “Hud”, de Martin Ritt, ou de “Cool Hand Luke”, de Stuart Rosenberg (isto para além das dívidas assumidas para com o universo de Cormac McCarthy ou Raymond Carver).

Rudo e CursiRudo y CursiDe Carlos Cuarón, com Gael García Bernal, Diego Luna, Guillermo Francella. M/12

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Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª

Jeff Nichols usa o laconismo, o silêncionos planos e uma respiração namontagem para contrariar o espectáculoda tragédia

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Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 45

atacadas de uma infinita melancolia. Depois, vamo-nos apercebendo de que nada neste “conto moral” vai para muito para além do cliché, caricaturando as regras melodramáticas, mais interessado no efeito imediato do que no essencial. Assim, tudo soa a “déjà vu”, numa irritante autocomplacênci com que o realizador se diverte. E, no entanto, surge um curioso olhar sobre a família e sobre a memória do cinema que acaba por resgatar parte exercício no vazio em que “Conto de Natal” se constitui. M.J.T.

Deixa-me EntrarLåt den rätte komma in / Let the Right One InDe Tomas Alfredsoncom Kåre Hedebrant, Lina Leandersson, Per Ragnar. M/16

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Lisboa: Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15;

Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h, 16h35, 19h10, 21h50, 00h35

3ª 4ª 16h35, 19h10, 21h50, 00h35;

“Esqueça ‘Crepúsculo’”, diz

uma frase usada pela publicidade

ao filme, e a verdade é que há algo de ligeiramente irritante nesta

moda

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h40, 19h, 21h50, 00h10 6ª 14h20, 16h40, 19h, 21h50 Domingo 11h30, 14h20, 16h40, 19h, 21h50, 00h10;

Porto: Arrábida 20: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h20, 16h45, 19h15, 21h45, 00h20 3ª 4ª 16h45, 19h15, 21h45, 00h20;

Fecha-se o “círculo” da vaga mexicana: “Rudo e Cursi” marca o “reencontro” da equipa do aclamado “E a Tua Mãe Também”, com Gael García Bernal e Diego Luna de novo nos papéis principais e o director original, Alfonso Cuarón, a produzir (com os conterrâneos Guillermo del Toro e Alejandro González Iñárritu) a estreia na realização do irmão (e argumentista daquele filme) Carlos. Mas a genealogia é mais interessante do que o resultado: “Rudo e Cursi” não passa de uma comédia de costumes simpática mas dramaticamente previsível sobre a ascensão e queda de dois irmãos provincianos erguidos a futebolistas-sensação que cedem às tentações da grande cidade. O filme tem graça, sim – mas a graça que tem deve-se sobretudo à presença irresistível de Guillermo Francella no papel do “olheiro” Batuta, uma criação assombrosa que “rouba” o filme às suas vedetas

nominais, porque o resto (incluindo a fotografia “queimada” e o final ambíguo que hoje significam à distância “filme independente”) passa sem deixar rasto nem memória. J.M.

GénovaGenovaDe Michael Winterbottom, com Colin Firth, Hope Davis, Monica Bennati. M/12

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Lisboa: Medeia Saldanha Residence: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 15h50, 17h50, 19h50, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 18h40, 21h25, 23h40;

Há uma bulimia criativa intrigante no britânico Michael Winterbottom que o vê saltar de projecto em projecto e de género em género, alinhar filme atrás de filme atrás de filme com uma voracidade insaciável. E essa espontaneidade é estimulante numa altura em que muito cinema parece desenhado por comité. O risco, claro, é

que essa vertigem

de fazer filmes se torne no único

motivo para a sua

existência, e “Génova” é um excelente exemplo disso: esta história de um professor universitário e das suas duas filhas que se mudam para Génova para “exorcizar” a morte da mãe num acidente de automóvel parece uma ideia em busca de uma história, um esboço de filme que ainda não encontrou a sua forma definitiva. Há bons momentos – sobretudo no lado observacional do comportamento das filhas, excelentemente interpretadas por Willa Holland e Perla Haney-Jardine, e no ambiente fantasmagórico que Winterbottom consegue criar a espaços — mas não chega invocar a sombra tutelar de “Aquele Inverno em Veneza”, de Nicolas Roeg, e estar disposto a correr riscos para daí resultar automaticamente um filme. J.M.

Continuam

Um Conto de NatalUn conte de NoëlDe Arnaud Desplechin, com Catherine Deneuve, Jean-Paul Roussillon, Anne Consigny. M/12

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Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª 15h, 18h15, 21h30 6ª Sábado 2ª 15h, 18h15, 21h30, 00h30;

Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h15, 21h30;

A uma primeira leitura, parece que “Conto de Natal” resolve alguns dos impasses narrativos da costumeira “chateza” dos filmes de Arnaud Desplechin, com personagens complexas, sobretudo

a de Catherine Deneuve,

Jorge Mourinha

Luís M. Oliveira

Mário J. Torres

Vasco Câmara

Deixa-me Entrar mmmmn mmnnn mmmnn mmmnn

Exterminador Implacável- A Salvação mmmnn mnnnn nnnnn nnnnn

À Noite no Museu mmnnn mmnnn nnnnn nnnnn

Cada um o seu Cinema nnnnn mmmnn mmmnn mmmnn

Um Conto de Natal mmmmn mmmnn mmnnn mmnnn

Génova mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn

Histórias de Caçadeira mmmmn nnnnn nnnnn mmmnn

Rudo e Cursi mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn

Traidor mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn

O Último Condenado à Morte a nnnnn nnnnn nnnnn

As estrelas do público

contemporânea de neutralizar, se não mesmo infantilizar, a carga simbólica tradicional dos mitos do vampirismo. “Deixa-me Entrar” não escapa completamente a isso, com o seu maniqueísmo corriqueiro e “sublimado”, entre um mundo “feio” (o dos adultos na Suécia de finais dos anos 70) e um mundo, digamos, “cândido” (o do miúdo protagonista). Por outro lado, tratando-se de uma história de infância desamparada, a condição da “vampira” assemelha-se à de um “amigo imaginário” e ganharia a ser explorada enquanto tal, deixando-a na sombra - o que o filme não faz, preferindo a enésima injecção sobre a dificuldade existencial dos vampiros. Ainda assim, se se deixa ver sem extraordinária maçada, e visto que Alfredson filma com cuidado mas sem muita imaginação (toda guardada para o “clou” na piscina), é por causa da sobriedade (e, no caso dela, mesmo alguma rudeza) do par protagonista. Luís Miguel Oliveira

Exterminador Implacável: A SalvaçãoTerminator SalvationDe McG, com Christian Bale, Sam Worthington, Bryce Dallas Howard, Helena Bonham Carter. M/12

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Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª Domingo 13h10, 16h10, 18h40, 21h25 6ª

“Conto de Natal”: a irritantecomplacência com que Desplechin se diverte

“Rudo e Cursi”: uma comédiade costumes simpática masdramaticamente previsível

Michael Winterbottom salta de fi lmepara fi lme, de género para género... masonde está o cinema?

Cin

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46 • Ípsilon • Sexta-feira 12 Junho 2009

16h10, 18h40, 21h25, 00h20 Sábado 13h10, 16h10, 18h40, 21h25, 00h20 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h40, 21h25; Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h45 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h45, 24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h10, 23h40; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h40, 00h10; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 7: 5ª Sábado Domingo 11h30, 13h40, 15h50, 18h05, 21h35, 23h45 6ª 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h50, 18h05, 21h35, 23h45; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 8: 5ª 6ª Domingo 11h50, 14h, 16h10, 18h30, 21h55, 00h05 Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h10, 18h30, 21h55, 00h05; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 1: 5ª Sábado Domingo 11h35, 13h45, 15h55, 18h30, 21h45, 23h55 6ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h55, 18h30, 21h45, 23h55; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 2: 5ª Sábado Domingo 11h45, 14h, 16h10, 18h20, 21h35, 00h10 6ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h10, 18h20, 21h35, 00h10; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª 6ª 13h50, 16h, 18h40, 21h30, 24h Sábado 11h30, 13h50, 16h, 18h40, 21h30, 24h Domingo 11h30, 13h50, 16h, 18h40, 21h30 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h, 18h40, 21h30; Medeia Fonte Nova: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 21h45; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 22h, 00h30 6ª 14h15, 16h45, 19h15, 22h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30, 24h 6ª 15h30, 18h30, 21h30 Domingo 11h30, 15h30, 18h30, 21h30, 24h; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h35, 19h05, 21h25, 24h; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h, 21h30, 23h40, 00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h10, 23h55; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h20, 00h15; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h20, 18h, 21h25, 00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h45, 00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado 15h20, 18h20, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h10, 24h; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 18h50, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h35, 18h25, 21h25, 00h15; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 4: 5ª Domingo 12h45, 15h40, 18h40, 21h30 6ª 15h40, 18h40, 21h30, 00h20 Sábado 12h45, 15h40, 18h40, 21h30, 00h20 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h30; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª Sábado Domingo 12h55, 15h30, 18h40, 21h20, 23h50 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h40, 21h20, 23h50; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h50, 00h20; UCI Freeport: Sala 1: 5ª Domingo 13h15, 16h, 18h25, 21h15 6ª 16h, 18h25, 21h15, 23h45 Sábado 13h15, 16h, 18h25, 21h15, 23h45 2ª 3ª 4ª 16h, 18h25, 21h15; ZON Lusomundo

Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h, 21h35, 23h40, 00h15; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h40, 21h20, 00h10;

Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 13h40, 16h20, 18h55, 21h30, 00h05 3ª 4ª 16h20, 18h55, 21h30, 00h05; Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h10, 16h50, 19h25, 22h, 00h35 3ª 4ª 16h50, 19h25, 22h, 00h35; Cinemax - Cinema da Praça : Sala 1: 5ª 6ª 15h30, 21h45, 00h05 Sábado 15h, 17h30, 21h45, 00h05 Domingo 15h, 17h30, 21h45 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h45; Cinemax - Penafiel: Sala 2: 5ª 6ª 15h30, 21h45, 00h05 Sábado 15h, 17h30, 21h45, 00h05 Domingo 15h, 17h30, 21h45 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h45; Medeia Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h30, 21h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h40, 21h30, 00h15 ; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h20, 21h30 6ª Sábado 13h10, 15h40, 18h20, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h30 6ª Sábado 13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h30, 18h30, 21h40, 00h30; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h20, 21h40, 00h30; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª Domingo 13h, 15h40, 18h40, 21h40 6ª 15h40, 18h40, 21h40, 00h10 Sábado 13h, 15h40, 18h40, 21h40, 00h10 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h40;

Os “Exterminadores” foram, nos anos 80 e 90, um capítulo determinante na “revolução digital” do cinema americano. Dir-se-ia que esta sequela, prequela, ou lá o que seja, vive na frustração de não poder registar mais do que um impasse nessa “revolução” - tudo o que tem para dar está visto e revisto, pobremente servido como simples condimento de um festival de fogo de artifício (muitas luzinhas, muita explosão, muita barulheira). Há alguma atenção às personagens - sobretudo com Marcus e a sua dupla natureza - mas mesmo isso não passa de uma alínea, enunciada mas não explorada. No fundo, este “Exterminador Implacável: Salvação” queria ser um jogo de computador, tanto como alguns jogos de computador querem ser filmes. O impasse resolver-se-á quando for impossível distinguir uns dos outros. L.M.O.

Segunda, 15O Último ApacheApacheDe Robert Aldrich. 15h30 - Sala Félix

Ribeiro

O OutroThe OtherDe Robert Mulligan. 19h - Sala Félix Ribeiro

A TorrenteTorrentDe Monta Bell. 19h30 - Sala Luís de Pina

O Quarto VerdeLa Chambre Verte

De François Truffaut. 21h30 - Sala Félix

Ribeiro

Chuva SúbitaShu-uDe Mikio Naruse. 22h - Sala Luís de Pina

Terça, 16Entre NuvensCeiling ZeroDe Howard Hawks. 15h30 - Sala Félix

Ribeiro

Depois da Meia-noiteAfter MidnightDe Monta Bell. 19h - Sala Félix Ribeiro

O Último DegrauUp the Down StaircaseDe Robert Mulligan. 19h30 - Sala Luís de

Pina

Stars in My CrownDe Jacques Tourneur. 21h30 - Sala Félix

Ribeiro

EsposaTsumaDe Mikio Naruse. 22h - Sala Luís de Pina

Quarta, 17Gangsters FalhadosI Soliti Ignoti

De Mario Monicelli. 15h30 - Sala Félix

Ribeiro

The Nickel RideDe Robert Mulligan. 19h - Sala Félix Ribeiro

A IluminaçãoIluminacjaDe Krzystof Zanussi. 19h30 - Sala Luís de

Pina

Doutor JivagoDoctor Zhivago De David Lean. 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Desilusões do PalcoUpstageDe Monta Bell. 22h - Sala Luís de Pina

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200

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“Exterminador Implacável: Salvação” queria ser jogo de computador