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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 3, p. 93-119, set-dez. 2006 93 O eclipse do olhar e a invisibilidade arqueológica O eclipse do olhar e a invisibilidade arqueológica O eclipse do olhar e a invisibilidade arqueológica O eclipse do olhar e a invisibilidade arqueológica O eclipse do olhar e a invisibilidade arqueológica Enlightenment and invisibility in Archaeology Enlightenment and invisibility in Archaeology Enlightenment and invisibility in Archaeology Enlightenment and invisibility in Archaeology Enlightenment and invisibility in Archaeology Marcos Pereira Magalhães I Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo: A arqueologia como ciência é fruto da mudança de consciência que o homem passa a ter com o advento da modernidade. Contudo, ao contrário das Ciências Sociais, sua cientificidade não está na formação da modernidade, mas é dela uma conseqüência. Por outro lado, se entendida a modernidade como clímax do Iluminismo, a pós- modernidade poderá ser encarada como o surgimento de uma realidade onde a luz encontra-se ocultada pela matéria. Realidade na qual a teoria é a base do saber virtual em ciência. A arqueologia, como a física quântica e a psicanálise, enfim, é uma das ciências que apreende a luz oculta dessa nova realidade, a luz ocultada pela história. Qual a conseqüência disto? Palavras-chave: alavras-chave: alavras-chave: alavras-chave: alavras-chave: Iluminismo. Modernismo. História da Ciência. Arqueologia. Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: Archeology as a science is the product of the conscience change in mankind caused by the advent of modernity. However, contrary to other Social Sciences, its status as a scientific does not lie in the formation of the modernity, but is its consequence. On the other hand, if we understand modernity as the climax of Enlightenment, pos-modernity can be understood as the rise of a reality light which is hidden by materiality. Such reality has theory as the basis of science virtual knowledge. Archaeology, like quantum physics and psychoanalysis, is one of the sciences that grasp the hidden light of this new reality. The light concealed by History. What’s its consequence? Keywords: eywords: eywords: eywords: eywords: Enlightenment. Modernism. Science’s History. Archeaology. I Museu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Ciências Humanas/Arqueologia. Pesquisador. Belém, Pará, Brasil (mpm@museu- goeldi.br).

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Marcos Pereira Magalhães I

ResumoResumoResumoResumoResumo: A arqueologia como ciência é fruto da mudança de consciência que o homem passa a ter com o advento damodernidade. Contudo, ao contrário das Ciências Sociais, sua cientificidade não está na formação da modernidade,mas é dela uma conseqüência. Por outro lado, se entendida a modernidade como clímax do Iluminismo, a pós-modernidade poderá ser encarada como o surgimento de uma realidade onde a luz encontra-se ocultada pelamatéria. Realidade na qual a teoria é a base do saber virtual em ciência. A arqueologia, como a física quântica e apsicanálise, enfim, é uma das ciências que apreende a luz oculta dessa nova realidade, a luz ocultada pela história. Quala conseqüência disto?

PPPPPalavras-chave: alavras-chave: alavras-chave: alavras-chave: alavras-chave: Iluminismo..... Modernismo. História da Ciência. Arqueologia.

Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: Archeology as a science is the product of the conscience change in mankind caused by the advent of modernity.However, contrary to other Social Sciences, its status as a scientific does not lie in the formation of the modernity, butis its consequence. On the other hand, if we understand modernity as the climax of Enlightenment, pos-modernity canbe understood as the rise of a reality light which is hidden by materiality. Such reality has theory as the basis of sciencevirtual knowledge. Archaeology, like quantum physics and psychoanalysis, is one of the sciences that grasp the hiddenlight of this new reality. The light concealed by History. What’s its consequence?

KKKKKeywords:eywords:eywords:eywords:eywords: Enlightenment. Modernism. Science’s History. Archeaology.

I Museu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Ciências Humanas/Arqueologia. Pesquisador. Belém, Pará, Brasil ([email protected]).

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INTRODUÇÃO

A evolução do pensamento arqueológico vem,regularmente, sendo narrada através dos progressosacumulados ao longo da história do conhecimento,especialmente no desenvolvimento das técnicas,que teria concedido à arqueologia seu caráterdisciplinar e epistemológico moderno. Assim, tem-se, quase por regra, que a arqueologia resultou doproduto da curiosidade mística do homem antigo,da ascensão do nacionalismo no mundo ocidentale do aproveitamento dos avanços teóricos emetodológicos de outras disciplinas, mas,principalmente, do sucessivo progresso nas técnicasde pesquisa (de campo e laboratório), efetuado porantiquários e colecionadores, fossem particulares oupatrocinados por governos, museus e universidades(SALMON, 1988; TRIGGER, 2004).

Entretanto, desde que pesquisas recentes tornamcada vez mais claro que o desenvolvimentotécnico não implica, necessariamente, em mudançasna organização social e na mentalidade humana1 , aexplicação para o surgimento da arqueologia comodisciplina científica passa ser outra. Se, por outrolado, também forem consideradas as observaçõesde Mithen (2002), de que a evolução doconhecimento efetua-se pela conexão modular deexperiências específicas representando etapas comníveis característicos e, ainda, que cada etapa exigea reorganização de um conjunto particular deconexões modulares provenientes de experiênciaspreviamente adquiridas, então, pode-se esperarque, na verdade, ocorreu uma mudança na própriamentalidade para que as técnicas e a percepçãodos objetos na natureza convergissem para aprodução de um conhecimento que transformasseos antiquários em cientistas.

Para compreender esses argumentos sem tropeços,precisa-se fazer um breve deslocamento da visão,desfocando-a da arqueologia e direcionando-a paraa história da ciência. Esse deslocamento obriga orelato de uma história de 400 anos de ciência, naqual a arqueologia apresenta apenas 25% departicipação. Ou seja, a Arqueologia só se consolidana condição de disciplina científica na primeirametade do século XX, período em que as ciências,de um modo geral, passaram por profundasmudanças, que fazem com que elas abandonem,definitivamente, preceitos formalizados na ciênciaclássica, para fundar uma outra ciência situada alémda modernidade.

A ciência clássica fundamentava-se no mecanicismoe no positivismo. Esse fundamento garantia à ciênciaa certeza, como afirmou Pierre Simon Laplace noinício do século XIX, de que bastava dispor-se deum conjunto de leis científicas para predizer tudo oque aconteceria no universo. Essas leis só precisariamobter a informação do estado completo do universoem qualquer dado momento. Isto é, com oconhecimento da condição inicial seria possívelcalcular o estado completo do universo em qualquermomento, tanto no futuro quanto no passado.Laplace pressupunha, inclusive, que existiriam leisgovernando o comportamento humano e a história.

A doutrina do determinismo científico, apesar daresistência de muitos, continuou sendo o pressupostopadrão da ciência até os primeiros anos do séculoXX. Entretanto, entre os anos de 1910 e 1920, arelatividade geral e, principalmente, a incertezaquântica colocaram o determinismo em cheque,mudando completamente os rumos da ciência. Osnovos rumos da ciência foram consolidadosposteriormente, na década de 1940, quando

1 Em Carajás, por exemplo, onde foram efetuadas pesquisas em sítios de caçadores-coletores, a cerâmica foi introduzida ou conquistadasem que ocorresse, durante dezenas de séculos, qualquer alteração na organização social e nos modos e meios de subsistência e deexploração econômica (MAGALHÃES, 2005).

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diferentes modelos de universo foram propostos pelasdiferentes soluções encontradas para as equações deAlbert Einstein, em especial a elaborada pelamatemática de Kurt Gödel, em 1949. Com ela,Gödel provou que era impossível demonstrar todasas asserções verdadeiras, mesmo só tentandodemonstrá-las através da aparentemente indubitávelaritmética. Assim, o princípio da incerteza da chamadamecânica quântica e o teorema da incompletude deGödel marcam o limite da capacidade da ciênciapara conhecer o passado e prever o futuro. Ou seja,o conhecimento da condição inicial não garante aprevisão dos acontecimentos no Universo,independente de qual seja.

Ora, foi justamente no meio desse turbilhãotransformador que a arqueologia aparece comociência, deixando para trás o seu passado político(ao serviço do nacionalismo) e comercial (ao serviçode colecionadores e museus). Porém, as ciênciasque surgirão no bojo das transformações ocorridasnas bases do conhecimento, curiosamente, terãocomo objeto o diretamente inobservável. Isto é,aquilo que não pode ser visto nem por olhosdesarmados e nem mesmo por instrumentos, masapenas indiretamente pressuposto. Assim, surge, naAstronomia, a Cosmologia, de objetos tão grandese distantes cujas imagens presentes são merosreflexos de um passado, às vezes, quase imensurável;na Física, a Mecânica Quântica, de objetosinfinitamente pequenos e imperceptíveis. É inauguradoum novo campo de saber com a Psicanálise, queperscrutará o não menos inconcebível inconsciente.Nas Ciências Sociais consolida-se, finalmente, aArqueologia, que desvendará os escombros da históriaescondidos sob o solo, em boa parte, sem qualquerreferência documental e, às vezes, sem lembrança,memória e até mesmo, sem nenhuma pré-supostaremota existência.

Pois bem, a Arqueologia na condição de ciência éfruto de sua época, quando finalmente técnicas,métodos e saberes encontram um camposuficientemente amadurecido para que as conexões

mentais reorganizem as informações dispersas entãoexistentes, num conhecimento capaz de ir além dosmonumentos e dos tesouros materiais visíveis eresgatáveis. Ela é fruto da mesma época em que oIluminismo chega ao seu clímax, quando a sua ciênciaclássica (e sua variável moderna) perde a capacidadede previsão e não mais consegue perscrutar osobjetos do novo mundo contemporâneo, todosinvisíveis (LANDA, 1988). E aí que a ciência clássica,positivista e determinista e, então, modernizadaencontra o seu ocaso no eclipse do olhar. E é nestemomento que a Arqueologia surge para revelar oque não existia na história.

AS SEMENTES DA CIÊNCIA

Alguns pesquisadores, como Binford (1988), porexemplo, ainda que haja a grande divergência deopiniões, acham que a Arqueologia não épropriamente ciência. Porém, naquilo que se refereà ciência natural, todo conhecimento é para ohomem e é, antes de mais nada, antropológico.Enfim, para alguns, a arqueologia é uma CiênciaSocial, porém, sem independência, capacidade deprevisão e vinculada à antropologia ou à história. Àsvezes é vista como disciplina independente, mas comvínculos tão estreitos com a história (HODDER,1988), que seu nascimento só foi possível pelaprecedência desta última. O interessante nessasopiniões é a existência de um problema maior, cujaquestão fundamental não é abordada. Na superfíciedessa visão, o problema da posição da Arqueologiajunto à ciência – assim como de todas as outrasdisciplinas – está na ausência do entendimento danatureza da ciência. Afinal, se a arqueologia é ounão ciência, o que é, por sua vez, ciência?

A questão colocada acima pode suscitar diferentesrespostas. Mas se considerado o estreito vínculoda ciência com a idéia que se tem de natureza, porum lado, e as mudanças de percepção da naturezaque o homem tem ao longo da história, por outro,ver-se-á que ela não só é fruto dessas mudanças,

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como amadurece conforme a percepção dopróprio mundo é transformada (LENOBLE, 1990).Assim, entre aqueles que são contra ou a favor deuma arqueologia positivista, isto é, a busca aprevisibilidade dos acontecimentos apoiados em leisfundamentais, é unânime que a excelência da ciênciaé o da ciência natural super especial izada,fundamentada na universalização de leis invariáveis.Entretanto, esta idéia de ciência é o resultado dapercepção do homem em determinada época dahistória. A discussão sobre a cientificidade daArqueologia, independente da sua singularidade nocampo do conhecimento, por conta disso, nãopode ter por base uma suposta imutabilidade daidéia de ciência, tal como se ela fosse um dogmaou a coisa mais estabelecida e acabada do mundodo conhecimento. Por outro lado, a partir domomento que se compreende que a idéia deciência é mutável, a questão da arqueologia ser ounão uma ciência padrão, é completamentedesprovida de sentido. Afinal, não existe um padrãopara a ciência.

A História pode fazer frente à poderosa aparênciade imutabilidade da ciência, pois ela é capaz demostrar que os preceitos e os conceitos diferemnão só em qualidade e quantidade, como tambémse baseiam na variabilidade do pensamento humano,seja no tempo ou no espaço. Mas para aceitar essacapacidade, a História também passou por muitospercalços, inventando até um historicismo que emcasos extremos a afastou das suas finalidadesidentificadoras. Hoje, há historiadores afirmando,inclusive, o fim da história, incapazes que são deperceber que a história de qualquer coisa é a históriadessa coisa no tempo. Portanto, que a mudança deconteúdo da história é a própria mudança do sentidodo tempo.

O caso é que o preceito positivista, ainda defendidocomo um dogma perfeito da ciência, já não tem forçasuficiente para sustentar seus alicerces em aceleradoapodrecimento. Entretanto, há quem resistaatrapalhando aqueles que propõem novos preceitos

e retardando a discussão de um ponto ainda maisfundamental para a valoração do conhecimentocientífico: a finalidade ética de seus produtos(THOMAS, 2004). Mas discutir isto exigiria muitaspáginas, já que, de antemão, há uma melancólicaconfusão que se faz da ética com a moral. Aqui oespaço de discussão é outro, porém, é bastante óbvioque a ciência moderna tem fracassado em termoséticos, haja vista as suas máquinas de guerra, seusvínculos estreitos com o poder explorador do estadotirânico e do grande capital, que tentam controlar ouneutralizar, constantemente, a busca do bem-estar e‘progresso’ humano.

Relações essenciais entre a ciência e a religião, ciênciae a arte e até mesmo entre ciência e filosofia deixaramde ter qualquer importância. Contudo, por maissurpreendente que pareça, a ciência moderna não éa ciência hoje e, muito menos, a Ciência. Este éapenas um dos estágios por ela alcançado ao longodo percurso feito desde o Renascimento até aatualidade e cuja evolução é imprevisível. Neste últimoestágio, o domínio do conhecimento produzido é oda percepção mental na qual a teoria predominasobre a experiência na compreensão da percepçãocientífica da natureza. Por isto mesmo, não se deveesperar que ao fim se encontrem propostas para oretorno inquestionável do poder de predição que aciência clássica gozava no passado, mas, que a novaciência já é real, tem quase cem anos de nascimentoe sua maior qualidade na arqueologia é uma insuspeitacapacidade de antecipação.

Na sua primeira infância, no seu surgimento, aciência possuía uma outra face, bem diferentedo que hoje apresenta. Como foi essa face?Comumente diz-se que a ciência clássica surge comGalileu Galilei e se desenvolve até Isaac Newton.Esse desenvolvimento foi o refinamento cada vezmaior da ciência, eliminando dela qualquer carne esubstância que não fosse a razão em nome daprecisão. A ponto de Friedrich Hegel dizertextualmente que a razão é ciência e a ciência a únicarealidade do Espírito (KOJÈVE, 1972).

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Porém, a ciência que manipulou os corpos e renuncioua habitá-los, hoje se encontra tão próxima da‘humanização’ quanto a robótica. Mas nos primórdiosera diferente, pois a ciência estava muito próxima damudança da forma de pensar proposta por Merleau-Ponty (1971), segundo a qual se é o mundo que pensae está no âmago da carne; ou, mais ainda, da opiniãode Paul Cézanne, ao afirmar que “Eu sou a consciênciada paisagem que pensa em Mim” (apud MERLEAU-PONTY, 1966). Hoje, como na sua primeira infância,naquilo tão eficientemente realizado pela ciênciaclássica e assumido pela moderna – a separação entreespírito e corpo – observa-se que não se pode maisfazer idéia de um espírito que não esteja de par comum corpo.

O Espírito só pode estabelecer-se no solo fértil deum corpo. Ao negar isto, a ciência clássica, apesarde feita pela razão, acabou por se tornar acéfala, emrazão de ela desconhecer o Eu, que na suposição ena ficção geral ainda representa o que há de maisconhecido, embora seja, na realidade, um estadode coisas extremamente complicado e cheio deobscuridades imperscrutáveis para a mentalidademoderna. Para a ciência clássica, porém, corpo eracorpo e nada mais. Descartes já dizia, que o

eu, isto é, a alma pela qual sou o que sou, éinteiramente distinta do corpo, é até mais fácil deconhecer que ele, e, mesmo se o corpo não existisse,ela não deixaria de ser tudo o que é (DESCARTES,1989, p. 46).

Essa herança recebida pela ciência moderna habituouo homem a dizer: ‘isto é o mundo e isto sou eu’.Mas, na verdade, o mundo e o Eu são um só e asobscuridades do mundo e da imaginação sãoprojeções dos fragmentos do corpo e da alma.

A fragmentação entre Eu e corpo, alma e ego produza obscuridade da psique, que nada mais é do que asombra da phisis (natureza) humana reclamando seulugar. Por mais que o homem moderno combata suanatureza e a negue, afirmando que ela nada significapara a inteligência formada pela cultura, ela persiste e

permanece viva e real como sempre, pois sem elaseria impossível a existência. O atual homem civilizadoage de modo adequado no seu espaço delimitado,mas, no caso de um dilema insolúvel, ele é capaz deultrapassar os limites de sua civilização e trazer à tonaa sua phisis. Aí ele tem idéias súbitas e atua de acordocom inspirações momentâneas, que não se relacionacom a razão; então já não é ele quem pensa, masalgo que pensa com ele. Situações estas que põe emcheque os métodos clássicos positivistas.

Contudo, na sua fase heróica, pré-clássica, noRenascimento, a ciência teve seus primeiros preceitosformulados por artistas. Foi Leonardo da Vinci, embusca de uma melhor compreensão das cores, oprimeiro a descrever os valores da ciência. Este artista,enquanto viveu, entre os anos de 1452 e 1519,entretanto, não separou o espírito do corpo.

Ora, a ciência é filha do olhar, posto que nasce davalorização do olho como principal órgão dossentidos para a observação. Mas, no seu início, oolho era uma janela na qual a luz podia entrar e sair.Para da Vinci (1987), o espírito do pintor deve fazer-se semelhante a um espelho que adota a cor do queolha e se enche de tantas imagens quantas coisastiverem diante de si, ou seja, a sua capacidade deolhar e perceber não é para esvaziar o espírito, masao contrário, para preenchê-lo. Como queadmirado, da Vinci perguntou: “quem acreditaria queum espaço tão reduzido seria capaz de absorver asimagens do Universo?”.

Da Vinci trabalhou na busca das leis da luz, dos olhose das cores, com o objetivo de participar de suascausas. Esta ciência ainda está fortemente amarradaaos preceitos alquimistas. Paracelso (1973, p. 63)afirmava que “a filosofia ensina como o Sol e a Luaaparecem e estão no firmamento, um sendo aimagem especular do outro”. Assim como umhomem poderia ver-se exatamente refletido numespelho, o médico também deveria ter exatoconhecimento do homem para nele ver o espelhodos quatro elementos.

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Na natureza, para os renascentistas, as partesestavam vinculadas pela alma do mundo, pelo espíritodo mundo e regidos pelo amor. A magia era a artedos vínculos e do amor e a natureza, por ser ovínculo universal, era maga. Segundo seuspensadores, o amor é mago porque todo poder damagia reside nele e a sua obra é feitiço eencantamento pelo olhar. O Renascimento divinizoua natureza: para a ciência renascentista, ela é mágicae autônoma, em nada dependente de Deus e possuios segredos da sua ordem, da sua vida, da sua alma;em moral, ela retém em si mesma o amor, aadmiração, a confiança, a adoração, enfim, queoutrora visava ignorá-la.

Vê-se logo que a ciência renascentista, cheia de magiapor vínculos naturais, não poderia agradar ao poderoficial constituído, que se fez justamente pelaausência de um discurso natural. O poder erasobrenatural, não admitia vínculos, era hierarquizado,eterno e intransferível.

No Renascimento, de fato, a ciência, a arte e amagia não eram coisas separadas, faziam parte domesmo discurso. Visavam ao mesmo objetivo:tornar a natureza mais clara e mais substanciosa.Havia uma identidade entre ‘visível’ e ‘vidente’, esteúltimo, aquele que via. A postulação de que osujeito que olha não seja, ele próprio, estranho aomundo olhado, cria a imagem de um mundo feitode coexistências, simultaneidades, parentescos,implicações mútuas, afinidades, imbricações,entrelaçamentos, correspondências; em suma, umcontexto de reversibilidade, de vida. Neste mundo,a espessura da carne não deve ser temida como umobstáculo que separa o Eu do outro, mas acolhidacomo um meio de comunicação. Olhar que faz umapelo à função da sensibilidade de todos os homens,dos quais os artistas eram os mais bem equipados.

Os homens do Renascimento amaram apaixonadamentea natureza, sentiram-na na qualidade de poetas, masnão a conheceram porque, entregues à sensação eà admiração, não se resignaram a pensá-la. Toda a

representação da natureza, ainda quando tentam,apesar de tudo, racionalizá-la, organiza-se em redorda doutrina da Alma do Mundo; é o mana dostempos primitivos melanésios, a força imprevisívelcom a qual é possível entrar em comunhão mística,mas também a negação da lei regular e, logo, daciência. Mas essa negação é relativa, pois que háuma intuição (portanto, uma idéia não racional)de que existe uma lei na irregularidade das leis danatureza e, logo, a possibilidade de uma outraciência. Campanella (1620) chegou a dizer que aTerra vive porque manifesta um ritmo comotodos os seres vivos, que são as leis naturais,como as que trazem as tempestades de chuvas etrovoadas no verão.

Para Jung (1987), a arte constitui, em supremo grau,uma realidade impessoal e até mesmo inumana ousobre-humana, pois como artista ele é sua obra, enão um ser humano, é, no mais alto sentido,‘homem’, e homem coletivo, portador e plasmadorda alma inconsciente e ativa da humanidade. Todasas épocas, apesar de suas diversidades externas,possuem uma relação interna. Assim, já noRenascimento, a arte tornou-se um fator deincubação criativa e só revelou seu sentido quandofoi considerada projeção daquilo que era imanenteà psique coletiva, razão pela qual a arte esteve àfrente da ciência, a ponto de, em certos aspectos,absorvê-la, ou seja, no Renascimento, a ciência eraa própria arte.

Não havia no Renascimento uma unidade originalna essência da arte e da ciência, que justificasse,necessariamente, uma absorção recíproca, isto é, aredução de uma à outra. O que havia, na verdade,era que o estado da unidade estava apenas numestágio de indiferença, na qual a ciência ainda nãoera reconhecida. Para que possa haver a unidade, éindispensável que as partes sejam reconhecidas noencontro da convergência, e que só será alcançadoa partir do Iluminismo e, para tanto, foi precisomudar a sensibilidade.

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A arte só pode formular imagens de espaços vividos,nunca algum espaço absoluto ou qualquer tipo deconceituação abstrata como a matemática. A arterepresenta a expressão direta e interativa dosvalores que se originam no próprio viver (não é atoa que a partir das diferentes vivências, existamtantos estilos diferentes). O próprio Leonardo daVinci já dizia que a cor do iluminado participa dacor do iluminante.

A gestação da ciência clássica deve-se maisprecisamente à pintura. Alguns teóricos da pintura(ZUCCARO, 1607), na época, chegaram aconfundir a pintura com a arte e a ciência. A pintura,por deter o privilégio do olhar, com artifíciossingulares e operações artificiosas, retrata e imita anatureza e, com artifício humano, constrói emforma, espécie e acidente a força de suas cores(ZUCCARO, 1607). A arte da pintura (ou ciência)não tirava seus princípios, nem tinha qualquernecessidade de recorrer às ciências matemáticas, massim à natureza (MIRANDOLA, 1955).

O modelo da ciência e da arte renascentista, portanto,é a natureza. Para imitá-la será necessário um olharcapaz de conhecê-la. Representar um objeto implicaprimeiro saber o que ele é, conhecer a sua estruturaíntima. Se este objeto é um céu noturno, é necessáriopesquisar o que são os astros e o que é o céu; se éum corpo humano, conhecer sua anatomia, por issoos artistas renascentistas, bem antes dos médicos,praticaram a dissecação de cadáveres.

O conhecimento da matéria e da forma está na baseda estética renascentista e a arte passa a ser umprocesso de conhecimento, cuja finalidade não é tantoo conhecimento do objeto estudado, mas oconhecimento do intelecto humano, da faculdade deconhecer. “A forma é representação dos fenômenose fenômeno em si mesmo, é fenômeno absoluto,chave para entender o mundo dos fenômenos”(ARGAN, s/d, p. 76). Se os objetos naturais existemno espaço, é preciso da mesma forma organizarracionalmente a representação da natureza, tal como

a história organiza o conhecimento da humanidadee, como o mundo é natureza e humanidade,perspectiva e história integram-se e formam juntasuma concepção unitária e mágica do mundo.

A facilidade da arte renascentista – principalmente,até o início do período da iluminação – deperscrutar a natureza, devia-se ao fato de que aciência aristotélica estava presa aos dogmasdoutrinais e subordinada à teologia. O humanismoencontrou na arte, então, um campo livre paraexplorar o conhecimento da natureza sem oconfronto com princípios sagrados. A ciência daarte pôde se expandir e explorar outros camposdo conhecimento sem provocar a Igreja, guardiãdos dogmas da fé. Entretanto, assim que as novasregras foram estabelecidas, nas quais a Igreja deixavaclaro uma permissão para a exploração da matéria,o humanismo foi o primeiro a virar as costas paraa arte e, principalmente, para tudo que tivessequalquer vinculo mágico.

A relação entre arte e ciência na Renascença é,portanto, bem diferente da situação moderna. Asprimeiras grandes descobertas científicas doquatrocento devem-se à arte e foi um artista, daVinci, ao ter a primeira idéia de aplicação matemáticaà natureza, quem abriu caminho para uma ciênciacapaz de estabelecer leis. Da Vinci encontra-se nafonte da futura ciência clássica, sobretudo daquelaque nascerá a partir de Galileu, momento em que,ao lançar as bases de uma ciência autônoma edecisiva na futura cisão entre os campos artísticos ecientíficos, ciência e arte vão enveredar por duasvias divergentes: a ciência encaminhar-se-á para oracionalismo do espírito e o mecanicismo danatureza; ao passo que a arte continuará no seuanimismo constitucional.

Hoje, a simbologia artística ultrapassa a consciênciacontemporânea, a qual a razão não é capaz deapreender, visto que esta prescinde apenas dacompreensão do atual. É preciso, então, que arazão seja preparada para poder atingir aquilo que

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ainda não pode entender. A arte não é apenas umproduto ou um derivado, mas uma reorganizaçãocriativa justamente daquelas condições as quais umarazão causal quer derivá-la, pois a arte não se baseiaem condições prévias externas. Por outro lado, aarte é uma ação transformadora, visto que o artistanão se l imita à natureza da matéria-primamanipulada por ele. A arte cria um mundo quenão havia antes na natureza e, portanto, é atividadeque antecipa o tempo.

O Renascimento é uma das raras épocas dopensamento em que a arte e a ciência deramexatamente a mesma representação órfica danatureza. Contudo, para o humanismo clássico ogrande problema não é da ordem do natural, masda ordem do humano. Conseqüentemente, haviauma oposição entre a tradição humanista (clássica)e a naturista cósmica, que Descartes (1989), porexemplo, empenhar-se-á em esclarecer:

... nada há que afaste mais o espírito fraco do caminhoreto da virtude do que imaginar que a alma dosanimais seja da mesma natureza da nossa, e que,por conseguinte, nada temos a temer nem a esperardepois desta vida, como ocorre com as formigas...(DESCARTES, 1989, p. 78).

Separando a alma do corpo e retirando da naturezaqualquer espiritualidade, o humanismo clássicoprojeta para o infinito o seu ideal de sobre-natureza,tornando o homem tão somente social, moral eaté mesmo religioso, mas em nada cósmico.

Por outro lado, o desenvolvimento dos séculos XVe XVI, preparatório para o nascimento da ciênciaclássica, foi quase exclusivamente literário e artístico.Apesar de inúmeros trabalhos matemáticos (Tartaglia,Cardano, Viète) terem se aplicado na simplificaçãodos sinais algébricos e na unificação da noção denúmero, a ciência encontra-se em plena letargia.De fato foram artistas como da Vinci que tiveram aidéia de que, conjugando a experiência com amatemática, poderiam penetrar nos segredos danatureza (MEZAN, 1988).

Pode-se dizer, assim, que o Renascimento maisprepara do que inaugura a ciência clássica. Será noIluminismo, no início do século XVII, que se situará overdadeiro começo da ciência racional e também oocaso da ciência da natureza. Se antes disso os saberesestavam bem de acordo com o espírito da época, naqual a arte supriu toda vontade, por outro lado haviauma dualidade no meio desses saberes, ondefermentava um pensamento contrário, que mais tardecontaminaria tudo: o pensamento racional.

Antes do século XVII, os físicos contentavam-se emrepetir Aristóteles e nunca pensavam em olhar paraa natureza e, mesmo quando a olhavam, nada viamalém daquilo que a razão podia dizer. A Idade da Luztrouxe o prazer de ver e a ciência surge da satisfaçãode olhar. Mas o prazer que revela os segredos dastrevas também trouxe para os homens da épocamil temores na apreciação do desconhecido. Para aIgreja, ‘sacralizadora’ do pensamento dominante, omedo foi justamente de ter seus dogmas revelados.

O reflexo das primeiras luzes sobre as trevasadministradas pela Igreja gerou inicialmente, uma fortereação por parte dela, que temia ter seus processosinconscientes questionados. Uma vez que ela era oPoder, esforçou-se em distinguir ‘ciência da natureza’e ‘ciência natural’, esforços esses que causaram grandesapreensões. Impressionado com a punição dada aGalileu, Descartes (1989, p. 53) apressa-se em deixarpara a Igreja o julgamento de sua obra, antes mesmode lançá-la. Para tanto, escreveu o ‘Discurso doMétodo’, que veio à público em 1637 sem o seunome, cujo objetivo era testar o terreno. Na quintaparte do Discurso escreveu ele:

Gostaria muito de prosseguir e de mostrar aqui todaa cadeia das outras verdades que deduzi destasprimeiras (da metafísica ele passa para a física). Mascomo para isso necessitaria falar de muitas questão (aquestão do movimento da Terra, entre outras) queestão em controvérsia entre os doutos, com quemnão desejo me indispor, creio que seria melhor dissome abster, e dizer somente, em geral, quais são elas,a fim de deixar que os sábios (isto é, as autoridadeseclesiásticas) julguem se seria útil que delas o públicofosse informado com mais pormenores.

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Descartes prefere não arriscar e espera que a Igrejadefina-se. Mas para a Igreja a natureza erasimultaneamente inimiga da graça e serva cômodadas nossas necessidades temporais. A Igreja começa,então, a matar o espírito, pois em vez de combaterde fato o desrespeito explícito à sua autoridade, elao encoraja através do incentivo às ciências exatas.Isto acontece porque a perspectiva cristã consideravao mundo um campo aberto para a atividade humana,favorecida por um Deus infinitamente removidodeste mundo. Entretanto, esta visão de mundo quedesbancou progressivamente a autoridade da ciênciahelenística, abre as portas para uma outra ciência,da qual Descartes, com o sinal verde e aliviado,torna-se um dos ideólogos.

A concepção cristã de que o mundo era apenas umartefato material de Deus, permitiu investigaçõescada vez mais objetivas desse artefato. O efeitohistórico da evidência disso vê-se no campo dacartografia do quatrocento ao século seguinte. Osantigos ideais de Ptolomeu, intocáveis duranteséculos, foram sendo desafiados cada vez maisradicalmente por cruzados, exploradores e viajantescasuais (LENOBLE, 1990). Foi a própria visão cristãde então que permitiu o desafio à sabedoria científicados antigos através de pesquisas não-tradicionaissobre a natureza, que não encontravam provasobjetivas da existência de vida espiritual.

Se o mundo é completamente suscetível à pesquisaracional, então a existência de espíritos tem que sernegada. Esta foi a idéia acordada entre a Igreja e aciência: à ciência a Matéria, à Igreja o Espírito. Abortoda ciência da natureza, ascensão da ciência natural.

Giordano Bruno (1907, p. 123) foi uma das maisimportantes vítimas da Igreja. Afinal, ele afirmou que

a luz estava mais presente, clara e exposta para nossainteligência do que a luz do Sol exposta aos olhosexteriores, pois a luz do dia sai e se põe e nemsempre que a ele nos dirigimos está presente,enquanto a outra está tão presente para nós quantonós a nós mesmos, tão presente, que seria nossaprópria mente.

Além disso, dizia que a natureza dá a si mesmo umespelho: as artes. Para ele a reflexão do olhar é oespelho; a da alma, a natureza; e a da natureza, asartes. Bruno apresenta uma doutrina da infinidadedo mundo, entendendo sustentar através dela queo mundo é o todo, que se basta a si mesmo eencerra o próprio Deus na sua riqueza imanente.

A Igreja não podia tolerar semelhante visão eaproveitou a ocasião para selar o contrato, na qualficava explícito aquilo que ela proibia e permitia. Aperseguição e a execução do panteísta místico Brunoera prova disso. Ele insistiu hereticamente que a vidaespiritual existia em toda a natureza e derivava suaforça de suas múltiplas fontes. Porém, o que eledefendia não era apenas opinião sua e sim do espíritomutante renascentista, que visava o retorno ànatureza e que foi o motor inicial da ciência. Mas nadiscussão básica, porém, quase muda, sobre oespírito na natureza prevaleceu o espíritosobrenatural. E a natureza ficou órfã.

Descartes esforçou-se intelectualmente, paramostrar que corpo, sensibilidade, alma e razão eramcoisas diferentes e que os animais não possuíam almae, justamente por isso, estavam absolutamentedesprovidos de razão. Sintonizado com o discursocristão, Descartes negou à natureza qualquer espírito,comparando-a a uma máquina precisa, mas escravado corpo e irracional.

A ASCENSÃO DA LUZ

A arte renascentista – cujas práticas estavaminconscientemente fundidas às práticas científicas,constituindo momentos de um mesmo processo eaté se confundindo sob o mesmo sujeito Humanista– encontra, a partir de Galileu, o seu limite. Osgrandes princípios da teoria da arte do quatrocento,erguidos tendo por base a pesquisa científica com ofim de fundamentar a prática artística, tornam-seinadequados à futura ciência, aquela mesma quenasce no âmago da luz.

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Com Galileu e as discussões com seus adversáriosaristotélicos, anuncia-se a mutação que sobrevirá aotratamento do olhar e da ciência. O conflito entre oque é visto a olho nu e o que é mostrado pelotelescópio leva os aristotélicos, apostando noprimeiro, a afirmar a inadequação do perspicillumpara o conhecimento astronômico e a negar qualquerverdade aos resultados obtidos por Galileu.Resultados perigosos para os antigos postuladosteológicos-metafísicos e epistemológicos: a perfeiçãoesférica dos céus é destruída pela observação decrateras lunares e fases de Vênus; a distinção entrecores reais e aparentes ou entre essenciais e acidentaistorna-se defasada com a mecânica celeste e a novateoria da luz por ela exigida, na qual não há lugarpara o translúcido aristotélico.

A partir de Galileu, terá início um lento, gradual econstante processo de cisão entre arte, ciência emagia. Isto é, da idéia de concepção de vínculosnaturais, principalmente desde a vitória da ciênciaracional sobre a ciência mágica (a alquimia). Assim,o Iluminismo deixa escapar a mais alta manifestaçãode uma humanidade para a qual religião, arte efilosofia formavam uma unidade indivisível. Essaunidade foi a aventura incomparável que oRenascimento tentou experimentar através daalquimia, mas que, por não entendê-la, não soubefazer vir à superfície da alma do homem a verdadetão profunda que seu corpo ocultava, pois a própriaalquimia era um produto medieval, da ausência deluz, onde o que se revelava deveria permanecersecreto, oculto, longe de qualquer esclarecimento.

O pensamento iluminista, ao contrário, tudoqueria revelar, abraçando a idéia do progresso ebuscando ativamente a ruptura com a história e atradição escolástica. Esse pensamento visou aodesenvolvimento de uma ciência objetiva, àmoralidade das leis universais e à arte autônomanos termos da própria lógica interna destas. Odomínio científico da natureza prometia a liberdadeda escassez da necessidade e da arbitrariedade dascalamidades naturais. O desenvolvimento de formas

racionais de organização social e de modosracionais de pensamento prometia a libertação dasirracionalidades do mito, da religião, superstição,liberação do uso arbitrário do poder, bem comodo lado sombrio da própria natureza humana. Poroutro lado, as descobertas científicas e a busca daexcelência individual em nome do progressohumano levaram os iluministas a acolherem oturbilhão da mudança e verem a transitoriedade, ofugidio e o fragmentário como condição necessáriapor meio do qual o projeto modernizador poderiaser realizado.

A vitória obtida sobre a alquimia, por sua vez, nãofoi um mero efeito da acumulação do conhecimentocientífico racional-objetivo proveniente do olhariluminista. Pelo contrário, a própria alquimia não seesforçou em revelar as suas verdades ocultas, poisentre os alquimistas imperava a cegueira medieval.Foi a entropia desta vitória que deformou aexperiência como um todo, pois o olhar produziuinstrumentos de ciência a partir de então, cada vezmais eficiente para a quantificação, mas que semostraram cada vez mais inúteis no reino dasqualidades. O qualitativo foi reduzido ao subjetivo;o subjetivo abandonado como irreal; o invisível eimensurável descartados como inexistentes. Este foio resultado da profunda mudança ocorrida noconceito de natureza e, quando Galileu apontou otelescópio para o céu, a própria natureza doUniverso se alterou (MEZAN, 1988).

Em relação ao objeto da ciência alquímica, a psiquerevelou-se mais forte do que a substância química.Somente a exatidão moderna da inteligênciaobservadora indicou a balança (invenção alquímica)como chave para desvendar as combinaçõesquímicas. Ora, o problema dos alquimistas era queeles não sabiam o que estavam dizendo. Quandofalavam da pedra filosofal ou da grande obra, naverdade, falavam dos complexos da psique. Sóalguns séculos depois o homem saberia disso, poisos alquimistas por mais que procurassem a estruturaoculta da matéria, acabaram encontrando a

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estrutura psíquica da alma, ainda que mal pudessemestar conscientes do alcance desta descoberta(HUTIN, s/d).

Assumir uma magia tão submersa na sombra nãoera aconselhável aos iluministas, que optaram porromper com ela, em nome de uma razão superiordesprovida de qualquer sensação, mas repleta deimagens de visão. Esta ruptura, porém, trará gravesprejuízos mais tarde, quando, então, a ciênciamaterialista recusar qualquer realidade à alma, aodivino e ao mágico. A partir do momento em queos saberes seguiram rumos separados, as formasespirituais tornaram-se unilaterais e, entretanto,nenhuma razão histórica parece justif icarsuficientemente bem essa unilateralidade.

Apesar do seu nascimento ser, de certo modo,rebelde, a ciência clássica iluminista constituir-se-á emais tarde, na modernidade, far-se-á do mesmopoder que aparentemente questionava e rejeitava noRenascimento. A ciência clássica, é verdade, opôs-seà Escolástica, mas quando conseguiu derrotá-la ocupouos seus mesmos postos e serviu aos mesmossenhores de então. Para isso, desenvolveu umapersonalidade com rompantes faustianos, que adeixava ao lado daqueles os quais, inicialmente, lhenegaram o batismo. Foi também no Iluminismo quea ciência movimentou-se em direção ao espaço que,desde o Renascimento, era geralmente ocupado pelaarte: o dos subsídios e mecenas; ou seja, a ciência,paulatinamente, vai sendo subsidiada pelo Estado epela burguesia que cresceu junto com ela.

A absorção pelo poder das idéias e práticas científicasfoi possível porque os homens que as fizeramestavam em perfeito acordo com a ideologiadominante. O geocentrismo, por exemplo, não foiuma imposição bíblica; era produto de umaconsagração racional bem anterior à difusão dos livrossantos. O que a Bíblia fez foi dar um sentido sagradoe místico ao Sistema Geocêntrico e isto transparecea constante sintonia entre o pensamento laico e oideário de sua época; e as resistências comuns em

aceitar novos conceitos. Quando Galileu questionouo geocentrismo defendendo o Sistema Heliocêntricode Nicolau Copérnico, a crise provocada não foipelos poderes questionados, mas sim pela resistênciaà mudança, sendo apenas uma reação pelamanutenção do status quo.

Não é por coincidência, ou pura ironia, que a IgrejaCatólica recentemente perdoou Galileu. Isto podeparecer apenas um reconhecimento tardio de que aIgreja nunca foi contra as suas práticas científicas.Porém, essa atitude assume hoje outra feição: atentativa desesperada da Igreja em reafirmar o antigocontrato, que separava os campos da fé e dossaberes. Atualmente, a Igreja percebe que começaa perder espaço para a ciência, a qual não exclui desuas investigações nem os temas sagrados.Entretanto, vez ou outra a Igreja agita-se através decruzadas fundamentalistas tentando fazer permanecero ponto de vista de que ciência e religião operamem domínios igualmente legítimos, contudo,independentes. Esta reivindicação separatista aindaencontra respaldo no discurso da ciência moderna,que renunciou às inferências e pronunciamentosmorais sobre as condições do mundo físico, emnome de uma pseudoneutralidade científica.

Longe de se fechar à ciência iluminista, a religiãoconsente em tentar com esta a aventura de umarevolução física; a graça debruça-se sobre a naturezapara que ela sirva de Salvação. Por isto que FrancisBacon e Descartes concederam-se, através do próprioDeus, credenciais para a conquista do mundo, demodo que edificar uma ciência verdadeira era trabalharpela causa de Deus. Assim, a visão mecanicista danatureza faz-se passar por uma aliada da teologia. Eenquanto Galileu era condenado, os jesuítas ensinavamo Sistema Heliocêntrico na China (JUNG, 1987).Afinal, Galileu aperfeiçoou o telescópio, o olho, aprópria luz e esta não podia ser racionalmente negada,pois todos, então, podiam enxerga-lá.

A natureza é reduzida a uma peça de engenhariamecânica, em que o espírito suscita um entusiasmo

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intelectual, sem qualquer dos vôos do artista. Damesma forma distingue a sua causa da metafísica: aciência separada da arte e do mágico. Com isto ohomem comportar-se-á para a natureza como umengenheiro que já não tem de gerir nela qualquervalor. O projeto iluminista, entretanto, consideravaaxiomática a existência de uma única resposta possívela qualquer pergunta. Seguia-se, assim, que o mundopoderia ser controlado e organizado de modo racionalse ao menos se pudesse apreendê-lo e representá-lode maneira correta, mas isso presumia a existênciade um único modo correto de representação que,caso pudesse ser descoberto, forneceria os meios paraos fins iluministas (HARVEY, 1993).

Os pensadores iluministas também investirammaciçamente no domínio do futuro, por meio depoderes de previsão científica, engenharia social,planejamento racional e institucionalização de sistemasracionais de regulação e controle social. Eles seapropriaram, com sucesso, das concepçõesrenascentistas de espaço e tempo, levando-as ao seulimite, na busca da construção de uma sociedade nova,mais democrática, saudável e afluente. A diferençaera que o espaço e o tempo tinham de ser organizadosnão para refletir a alma do mundo ou a glória deDeus, mas para celebrar e facilitar a libertação do‘Homem’ como indivíduo livre e ativo, dotado deconsciência e vontade. Na visão iluminista da formacomo o mundo deveria ser organizado, mapas ecronômetros precisos constituíram instrumentosessenciais, pois, afinal, o mundo era uma grandemáquina. Enfim, o mecanicismo triunfara.

No século XVII, a ciência já rompeu todo vínculo coma arte. E apesar de Newton ainda preservar certoespírito renascentista, desenvolvendo pesquisasalquimistas e afirmando que Deus está presente emtoda parte na natureza e pode agir sobre ela à suamaneira ou que o espaço era o sensorium Dei, o seuPrincipia mathematica philosophiae naturalis é ocaminho inverso. Se por um lado, esse caminho nadamais foi do que a contrapartida fria, objetiva e puramenteracional das suas buscas herméticas, por outro, foi o

caminho que acabou se tornando a via principal e semvolta (THUILLIER, 1998). Em grande parte, porqueVoltaire, voluntariamente, se apreçou a exaltar amecânica celeste racional de Newton, atribuindo àssuas obras esotéricas um caráter menor e equivocado,fruto da curiosidade de um sábio entediado.

O fato é que apesar de alguma resistência aomecanicismo, ele seguiu explicando o mundo,mesmo quando se tentava o contrário. O maissignificativo é notar, sociologicamente falando, a faltade mudança de pensamento ou social, é homogêneae sincrônica. As mudanças acontecem com forçairrefreável, entretanto, enquanto alguns avançam,outros resistem. Em princípio, aqueles que resistemsão mais numerosos, porém, a relação se inverte eo que era novidade acaba por se tornar regra. Éimpressionante notar que essa heterogeneidade podeser partilhada pelo próprio agente da transformação:a ciência clássica é Newton, mas Newton tentoufazer um replay da ciência renascentista.

Immanuel Kant foi o último grande filósofo a construirum sistema fundamentado na unidade da ciênciaclássica, que se rompe definitivamente namodernidade, com as invenções e descobertas feitasdesde o próprio século XVIII. Entretanto, a ciênciamoderna tem em Charles Darwin seu grandedemiurgo. Afinal, quando Darwin finalmenteapresenta ‘A Origem das Espécies’, ele acaba com aharmonia mantida entre a ciência e a igreja, desde otriunfo do mecanicismo. A teoria da seleção naturalé a primeira obra de desconstrução feita pela ciência.Mais do que o sistema heliocêntrico de NicolauCopérnico no século XVI, que expulsou o planetado centro do Universo, a teoria da seleção naturaldo século XIX tira do homem a supremacia que elese outorgava sobre os outros animais e lança umimpacto profundo sobre os dogmas da Igreja, que, apartir deste momento, passa a desconfiar de tudoque vem da ciência. Mas, paralelamente, a ciênciasentiu-se capacitada e autorizada para compreendero mundo e alterá-lo conforme os seus preceitosinquestionáveis e, inclusive, focar seu olhar sobre o

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próprio homem, a fim de mensurá-lo e enquadrá-lo. Inicialmente, numa relação narcisística, ele olhapara a sua própria imagem tentando se reconhecere nada vê além de um bom selvagem e pensamentosque o fazem existir. Posteriormente, vê-se comoum verdadeiro objeto científico, que pode sermedido, catalogado e classificado.

A conseqüência disso foi que o projeto iluministavoltou-se contra si mesmo e transformou a buscada emancipação humana num sistema de opressãouniversal em nome dessa mesma libertação. Foi essaa tragédia iluminista: por trás da sua racionalidade,estava a lógica da dominação e da opressão. Aânsia por dominar a natureza, aprisionando-a empesos e medidas, envolvia o domínio de sereshumanos, o que no final só poderia levar àautodominação (BERNSTEIN, 1985). E assimfizeram Adolf Hitler, Joseph Stálin e, tardiamente,os regimes militares latinos americanos e os tiranosafricanos, árabes e asiáticos.

DAS CIÊNCIAS HUMANAS

A influência do Iluminismo sobre o humanismo vaiculminar, no século XIX, com a crítica romântica queresultará no surgimento das Ciências Sociaismodernas. Mas é ainda no século anterior, com oBarão de Montesquieu e a afirmação da necessidadede uma lei derivada da natureza das coisas, que aconcepção da sociedade é considerada natural.Porém, foram os economistas, primeiramente, queviram a necessidade das leis sociais, comparando-asàs leis físicas. As leis civis seriam inadequadas ao estudoda sociedade, portanto, somente através da natureza,que é indiferente aos esforços dos homens, poder-se-ia considerar os fatos do convívio humano segundoa perspectiva da ciência positivista. Auguste Comte,aceitando as idéias dos economistas, reafirmará queas leis sociais são naturais, atribuindo à sociedade amesma realidade que a de um organismo vivo, aindaque defendesse o caráter específico do ser social,produto dos relacionamentos humanos. Mas o

positivismo acabou impregnando as Ciências Sociaisem gestação de um empirismo restritivo que, narealidade, as nivelava às ciências naturais.

O romantismo foi uma reação, ainda no séculoXVIII, de resistência à racionalidade cada vez maiorapresentada pelo pensamento científico, inclusivesocial. Para os positivistas, os objetivos dos estudossociais deveriam ser a explicação, a previsão e odomínio cada vez maior dos acontecimentos,através do emprego de escalas numéricas, técnicasde estatísticas, correlação entre variáveis e aconstrução de modelos matemáticos. Ao longo doséculo XVIII, o sentido que orientava o espírito deseus pensadores era francamente otimista, poisacreditava-se na derrota e no extermínio da sombraque teria obscurecido, até então, ‘a marcha dahumanidade’. Porém, em alguns segmentos daintel l igentsia européia, eram percebidasinquietações sobre o novo rumo do pensamentoe da ação coletivos.

As denúncias dos ‘males da civilização’ começarama ser veiculadas quase ao mesmo tempo em que secompunham os hinos à sua vitória (DUARTE, 1986).Esse tom de denúncia não podia deixar de se nutririmaginariamente da representação de um passadoperdido, dada a ênfase muito radical no futuroque caracterizava a nova ordem. O progresso,o avanço de todas as formas e comportamentosera ameaçador, uma vez que implicava odesaparecimento dos antigos mores, a perda dequalidades sensíveis a que muitos se sentiamprofundamente apegados. Esse tom já se encontrapresente em movimentos artísticos como a novelasentimental inglesa e o Sturm und Drang alemão doséculo XVIII, assim como, bem antes, em boa parteda obra de Jean Jacques Rousseau, um notórioiluminista. No entanto, mais peremptoriamente, éinseparável dessa reação o movimento derevalorização da natureza e do mundo rural, nummomento em que o artifício industrial e o modo devida urbano envolviam cada vez mais rapidamenteas populações européias.

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Ao lado desse processo de reação sentimental, diga-se assim, surgem logo os sinais de uma reaçãointelectual, com implicações políticas. Em muitoscasos, ela será conhecida justamente como umareação, ou seja, como resistência ativa às mudançastrazidas pela Revolução Francesa e seus coroláriosàs sociedades européias. É no mundo da culturagermânica que se articula mais claramente essemovimento. As filosofias de Johann Gottfried vonHerder, Johann Gottlieb Fichte ou Hegeltestemunham de diferentes maneiras essa atençãocrítica ao horizonte do iluminismo e da disposiçãoem oferecer alternativas ao modo excessivamentelinear ou materialista de conceber a história dosfilósofos anglo-franceses (ou do Aufklärung kantiano).

De um modo geral, o ponto mais evidente de todasessas resistências e reações é o seu caráter reflexivo,dependente da dinâmica de afirmação douniversalismo. Herder (1997) é bastante claro a esserespeito ao nomear seu grande tratado sobre ahistória da humanidade como uma ‘outra história’,em referência e oposição direta à Voltaire. ‘A doutrinadas cores’, de Goethe (1993), foi concebida termoa termo como uma refutação da ótica de Newton.A revalorização da obra de William Shakespeareempreendida pelos jovens dramaturgos alemãesvisava a esconjurar a racionalização e a convençãodo classicismo francês. Do mesmo modo, aredescoberta do estilo gótico permitia ironizar acontínua manipulação das fontes clássicasempreendida desde o Renascimento como recursode racionalização das formas e dos volumes plásticos.

A fórmula típica da ideologia universalista oitocentista,da cosmologia de Newton, também pressupunhaelementos isolados (os corpos celestes), articuladosem sistemas graças à ação de certas forças naturais.A denúncia da perda implicada por essa fragmentaçãodo mundo, e ênfase na segmentação dos elementosconstitutivos de todos os entes é a fórmula básicado romantismo. Perda, sobretudo, do sentidoespecífico que a co-presença dos elementos natotalidade acarretaria. A totalidade perdida (e a ser

recuperada) podia – e pode – ser encontrada emmuitos níveis. Um dos primeiros níveis,historicamente recuperado, cheio de implicaçõespara a constituição mais tarde da antropologia, é oda totalidade cultural. Aí estava um dos focos maisativos da ideologia da nação moderna, assim comoda noção contemporânea, antropológica, de culturasespecíficas. Já nesta época, a oposição explícita fazia-se contra o ideal da justaposição indistinta –indiferenciada ou igualitária – dos cidadãos, membrosde uma humanidade abstrata.

O romantismo, desde suas primeiras manifestações,expressou as marcas do dilema imposto pelo fatode ser englobado pelo universalismo: tratava-se dedenunciar os excessos do materialismo, as ilusõesde uma objetividade ingênua; mas restabelecia osprivilégios incontestados da religião ou retornava aum perdido passado místico. O valor da constituiçãodo saber científico, leigo e sistemático, foi mantidoe toda a tradição de diálogo com os pesquisadores,as técnicas e as problemáticas universalistasconstituiram-se e mantiveram-se serpenteando pelasespecialidades, universidades, laboratórios, técnicase ênfases doutrinárias. Além disso, essa ‘ciênciaromântica’ (a Naturphilosophie alemã) influenciou,por sua vez, as orientações mais universalistas demodo extremamente vívido, de tal sorte que aevolução de todas as ciências – e não apenas dashumanas – ao longo do século XIX foi um resultadocomplexo dessa interação (GUSDORF, 1985).

A sociologia durkheimiana, comumente associadaao universalismo em função do peso do positivismona definição do fato social e das tarefas da pesquisasociológica nascente, é, no entanto, filha direta demuitos dos postulados básicos do romantismo.Émile Durkheim expôs-se diretamente aopensamento de Wilhelm Wundt, por ele buscadoem Leipzig. Outras influências reconhecidas foramigualmente importantes, sobretudo a que lheaportou Claude Bernard em sua invenção doorganismo como ‘meio interno’, tão fundamentalpara as Ciências Biológicas como para as Humanas.

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Durkheim retém, enfim, a disposição universalista,mas propõe que se compreenda o caráter suigeneris da vida social, com propriedades emergentesque a distinguem da natureza geral e da naturezapsicológica individual humana. Totalidade de novoestatuto, a vida social deve ser compreendida comotendo regras especiais de funcionamento, quearticulam a morfologia social com sua fisiologia,representações e valores compartilhados.

Na pesquisa antropológica do século XX,inserem-se nesse contexto Franz Boa e BronislawMalinowski. Com efeito, credita-se ao primeiroa invenção explícita da idéia da pluralidade deculturas como objeto da análise comparada naantropologia; ao segundo atribui-se a invenção dotrabalho de campo antropológico como pedra detoque da metodologia dessa disciplina. O conceitoboasiano de culturas é claramente herdeiro danoção de totalidade/unidade cultural prevalecenteno romantismo desde Herder, apl icado aoconjunto ampliado das experiências humanas enão apenas aos fatos de civilização (DUARTE,1995). A luta de Boas contra os reducionismosfisicalistas e racialistas que caracterizavam aacademia ocidental de finais do século XIX podeser também vista como afirmação da qualificaçãosuperior do espírito, como fundamento dosfenômenos culturais.

Apesar da reação romântica e da influência dessareação na formação das ciências sociais, o espíritoda época garantiu a permanência nelas das idéiaspositivistas. Mas se a Sociologia e a Antropologiaencontram um campo aberto pelo olhar voltadopara o homem e suas estruturas sociais, que,através de métodos empíricos podiam sermensurados, catalogados, classificados e ordenados,segundo uma ordem evolut iva universal , aarqueologia como ciência em potencial encontraaí um grande obstáculo. Afinal, ainda que osobjetos materiais – a cultura material em si –possam ser obviamente observados, a cultura nãomaterial, ou seja, as idéia e os sentidos atributos

desses objetos, não o podem. Daí que aArqueologia, especialmente aquela desprovida decomplementos documentais, só poderia ser umconjunto de técnicas auxiliares da ciência humanadevidamente aparelhada pela eficiência do olhar:da história e da antropologia funcional.

No século XIX, nem a invenção de novas técnicaspara datação ou a curiosidade sobre o paleolíticoincentivada pela publicação de “A Origem dasEspécies”, mas com fins nacionalistas, tornam osantiquários cientistas de fato. A Arqueologia nãoera uma disciplina reconhecida como tal, porque aintrodução de novas técnicas e de justificativasteóricas importadas da biologia, da geologia e atéda política, não eram suficientes para daremexistência científica a um conjunto de práticasdispersas e exercidas por estudiosos de diferentesáreas do conhecimento. Não havia arqueólogo,mas paleontólogos, geólogos, historiadores,colecionadores, aventureiros, polít icos eengenheiros. A conexão entre as técnicas, as teoriase os objetivos disciplinares não foram estabelecidosantes do século XX. Até lá, a Arqueologia não podiaser compreendida em toda a sua potência, porqueseus objetos só eram considerados quandomaterialmente percebidos pelo olhar. Enfim, aArqueologia no século XIX não compunha umcorpo disciplinar porque, antologicamente falando,ela não existia.

Ainda que o positivismo mantenha postosimportantes no pensamento das ciências humanas,o fato do romantismo estar na origem das ciênciassociais garante a elas o seu caráter moderno. AsCiências Humanas são, em essência, filhas da ciênciamoderna. A ciência moderna, por sua vez, será umaradicalização do Iluminismo, que fragmentará a luzem suas várias faixas visíveis de cores, deixando asua unidade em segundo plano. Além de deixar sema garantia de domínio sobre a totalidade detonalidades, a fragmentação chega, inclusive, às faixasinvisíveis da luz. E é aí que o Iluminismo começa aconhecer o seu ocaso.

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O eclipse do olhar e a invisibilidade arqueológica

Assim, a unidade da ciência fraturada na modernidade,pelos princípios iluministas radicalizados, implicaráem uma vertiginosa difusão das especialidadescom o surgimento de inúmeros campos deconhecimentos novos. Termina a época do sábiouniversal, o século dos enciclopedistas e começa omundo dos especialistas. É um tempo de fé ‘cega’no progresso e para conquistá-lo a ciência e a técnicaencontram-se no posto de comando, assegurandoo triunfo da razão.

Hoje, a crítica à multiplicação dos ‘ismos’ e seuconseqüente hermetismo por um lado, demonstraa ignorância sobre a época que vive a natureza,necessariamente, fragmentada do sujeito damodernidade. Mas uma das maiores angústias doconhecimento moderno é provocada exatamentepela perda da unidade da cultura, desde a separaçãoentre os campos da ciência, da arte e da magia.

A ciência clássica é certa de suas verdades, mas fazsurgir, mesmo através daqueles que nela se baseiam,como Kant com seu criticismo, a crise na ordem dascertezas. Esta é a marca da passagem da Era das Luzespara a era da suspeita. É nesta que tem a sua hora afísica da relatividade geral e da mecânica quântica, maiso pensamento de Karl Marx, de Sören AaybyeKierkegaard, de Friedrich Wilhelm Nietzsche, deSigmund Freud, de Max Weber, de Martin Heidegger,de Jean-Paul Sartre... Aí se vê o selo dacontemporaneidade: um olhar que já não absolutizao cogito, porque o situa no interior de uma existênciafinita e vulnerável, interrogante, mas inquieta.

O ECLIPSE DO OLHAR

A ciência moderna vivenciará uma outra realidade,longe da Era das Luzes, mas produto do ápice dela.Ou seja, o século XX é o clímax da Luz.Testemunhou-se um bombardeio incessante deefeitos luminosos, coloridos e formais. O mundoluminoso se cegou com a sua própria luz e tornou-se completamente abstrato. Desde então os

iluminados saturaram a ciência com seu excesso deluz! E assim a ciência moderna já não pôde mais ver.Isto foi anunciado ainda em seus primórdios, quando,presa às idéias iluministas, a ciência tornou-seconivente com a cegueira e deixou o mal triunfarjustamente naqueles que tinham por certo queestavam na luz. Assim, pensando que eramiluminantes, ao invés de iluminarem comopretendiam, fizeram justamente o contrário: oexcesso de informação levou à desinformação, àefemeridade, à uma temporalidade na estrutura dossistemas de valores públicos e pessoais que forneceuum contexto para a quebra do consenso e para adiversificação de valores numa sociedade em viasde fragmentação. Com isto, em vez delesdistribuírem luz, distribuíram trevas. Isto ficouabsolutamente ‘claro’ e ‘trágico’ com a cruzada sociale genética que alguns antropólogos, sociólogos,políticos (nazistas, socialistas, democratas erepublicanos), capitalistas, médicos e biólogosexecutaram, através da eugenia e em nome doaperfeiçoamento da raça humana, resultante naeliminação em massa – segundo procedimentosindustriais – daqueles considerados inferiores,durante a II Guerra Mundial, em pleno século XX.

Porém, a modernidade nada mais foi do que umaradicalização do movimento de renovação que associedades ocidentais exigiam desde o Renascimentoe que a sociedade industrial concretizou. De certaforma, o moderno é uma qualidade em si mesmo,e não algo contrastante com o passado. O modernonão seria um movimento meramente atual, masondas sucessivas de vanguardas provenientes dopassado que possuem as suas qualidades singulares.Assim, cada onda em si é ela mesma, modernidade,sendo moderna em sua própria época. Namodernidade característica da Idade Moderna,entretanto, as vanguardas sobrevivem não apenaspor meio da negação, da redefinição, da subversãoe da desfamiliarização, mas também porqueprosperaram sobre a morte de tudo a que se refere,especialmente na arte.

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A hostilidade em relação a outros sistemas de valorestende a redefinir o comportamento humano dentrode um sistema alternativo. O ativista moderno temde aniquilar o gosto dos outros para justificar o meioem que vive e a vanguarda prospera em talaniquilação. É o crepúsculo dos deuses de Nietzschetransportado contra todas as formas tradicionais depensamento e comportamento. A modernidade nãoapenas envolve uma implacável ruptura com todase quaisquer condições históricas precedentes, comotambém é caracterizada por um interminávelprocesso de rupturas e fragmentações internasinerentes. Quando um movimento que se denominavanguarda não tem nada para aniquilar ou é tão sutilque se torna difícil de perceber, então, pode-se dizerque, na verdade, a modernidade está morrendo, seauto-consumindo. Basta ficar um pouco mais alertaque se ouvirá, tal como James Joyce, a ruína de todoespaço, de vidro quebrado e de paredes que caem, eo tempo, uma lívida flama final. Esta é a característicafatalista do modernismo que se desfará por completono pós-moderno.

As artes e termos militares, como o próprio termovanguarda, denotam não apenas o comportamentoguerreiro do modernismo como também umanecessidade inconsciente de auto-sacrifício. Alémdisso, a linguagem militar do modernismo – tambémusada na ciência – revela a aliança tácita existenteentre ela e o aparelho repressivo da polícia, da políticae do poder. O homem, com seu impulso inato deter o poder em todo ato, não torna importante ajustiça, mas sim a satisfação da sua cobiça. E amodernidade, herdeira dessa fiança, deixou o homemcompletamente fora da sombra, porém, como efeitocolateral, hoje é sua própria sombra que assombra.

Enfim, apesar de todos os progressos científicos, avida não melhorou intrinsecamente – a cupidez e odesejo humano de poder superaram o humanismofragmentário do modernismo; e a arte e a literaturatomaram um curso inevitável de colisão com oscientistas e suas obras, até que, por fim, arte eciência, lado a lado, no apagar do modernismo,

estivessem devidamente enquadradas pelo artificial,pelo vulgar e pelo consumo (KARL, 1985).

Em resumo, a modernidade é a afirmação de valoresantagonistas: a artificialidade aparente contra orealismo necessário. A aparente artificialidade, porsua vez, quando está no mundo, já é a própriarealidade, ou seja, não é o novo, mas a consciênciade que o novo já apareceu. Neste choque entre oartifício e o real, nada é realmente verdadeiro, nemrealmente falso. Há penas simulacros.

Nessa modernidade, a ciência esforçou-se para seseparar do cartesianismo, mas acabou se deslocandopara posições contrárias, onde chegou apenas pararegressar, ou então para parar antes dasconseqüências últimas de sua rejeição original. Istoaconteceu porque ao negar as ciências antigas e ossistemas clássicos, a ciência moderna compreendeuque caso negasse o cartesianismo de fato, acabariapor afirmar as sensações e as forças emocionais, oucomo é chamado, o irracionalismo. Isto está emevidente conflito com o paradigma perfeitamenteordenado e racional sobre o qual a ciência modernafoi lançada.

Conclui-se disso tudo que a emergência de uma outrasensibilidade e idéia de natureza não está relacionada,diretamente, nem aos aspectos iluministas domodernismo, nem a qualquer ordem social mundialisolada. Resultou deles, de um conjunto de fatores,mas não o é em particular, pois, afinal, o iluminismoqueria ver. Entretanto, o que emergirá do seu seioserá justamente o invisível e imensurável e asconexões que se estabelecerão para que a novanatureza passe a ser percebida não serão da ordemdas imagens.

Em fins do século XIX e início do XX, enquanto asciências clássicas tentavam frear suas vanguardas e,conseqüentemente, controlar sua modernidade,outras menos populares e ainda em nascimentoavançam sobre assuntos desconhecidos, que já nãoeram sobre Deus, mas sobre o inconsciente, sobreo imensamente grande, sobre o imensamente

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pequeno. Sobre objetos que não podiam servisualizados nem com instrumentos ópticos deúltima geração.

As discussões sobre o inconsciente desequilibraramtodas as identificações, substituindo todas as crençaspor um espaço infinito no tempo, no qual sonhos,complexos e loucuras compõem um lugar delinguagens intertextuais e mágicas. Entretanto, se odespontar da psicanálise com o seu objeto imaterialpara muitos não pode ser considerada uma ciência,é no próprio meio de uma das ciências fundamentaisdo conhecimento humano que se confirmará essamudança radical. Ou seja, na física, com a relatividadecósmica e a incerteza quântica.

Até Einstein, acreditava-se que a mecânica deNewton descrevia a realidade com rigorosa exatidão.A ciência de então tinha por corolário a descriçãoou explicação objetiva dos fenômenos. A teoria darelatividade recolocou precisamente esta idéia emquestão, ou seja, segundo Einstein, para elaborar ateoria, os cientistas não registram passivamente osdados sensoriais, e sim constroem uma moldurateórica com o auxílio de princípios e conceitos poreles mesmos escolhidos. É recorrendo aos seuspróprios meios e às suas próprias experiênciaspessoais que os homens tentam forjar ferramentasintelectuais mais ou menos adequadas à realidade.Assim, a gênese das teorias científicas não dependeriaapenas da lógica e da epistemologia, mas tambémda psicologia, da sociologia e da antropologia cultural(THUILLER, 1998).

Ainda que essa subjetividade passe a ser reconhecidana construção do conhecimento, ela não écompletamente verdadeira ou praticada. Emprimeiro lugar, porque ainda existem bolsões deresistência positivista. Em segundo, no casobrasileiro em particular, por considerarem-secientistas de um país periférico, de auto-estimaterceiro-mundista, regularmente tem-se aimaginação previamente moldurada pela hegemoniacientífica dos países centrais.

Entretanto, as especulações da teoria da relatividadeestavam muito longe de se basearem na pura esimples objetividade. Para fundar a relatividade geral,Einstein partiu de vários pressupostos que não eramde modo algum evidentes. E além de sereminacessíveis aos sentidos e ao bom senso, pareciambizarros. Mas estavam lá: o Universo curvo e emexpansão, a velocidade limite e constante da luz, aunificação entre o tempo a o espaço.

Ainda mais radical que a teoria da relatividade foi odesenvolvimento da física quântica. Nela foi demolidapor completo a noção clássica de uma descriçãodeterminista da natureza e, consequentemente,Laplace foi definitivamente enterrado. No mundodo muito pequeno, o observador tem papelimportante na determinação da natureza física doque está sendo observado. Mais ainda, osresultados da experimentação só podem ser dadosprobabilisticamente. A certeza é substituída pelaincerteza, o determinismo, pelas probabilidades, osprocessos contínuos, pelos saltos quânticos. Alémdisso, o princípio da incerteza não depende damaneira pela qual se observa a partícula. Na verdade,tal como foi colocada por Heisenberg, essa incertezaé uma propriedade fundamental, inescapável domundo. Com isto, não se pode mais predizer oseventos futuros com exatidão e nem mesmo oestado atual do universo pode ser medido comprecisão (HAWKING, 2005; MLODINOW, 2005).

O interessante é que antes da relatividade e daincerteza quântica, o determinismo já havia sidolimitado pela própria física clássica, através da‘dependência hipersensível das condições iniciais’.Este conceito, posteriormente confirmado epopularizado com a teoria do caos, foi, no início,formulado por Jacques S. Hadamard, Pierre Duheme Henri Poincaré. Estes mostraram que a longoprazo, os eventos se tornavam impreditíveis(RUELLE, 1993). No entanto, com o sucesso e osdesafios das questões quânticas, esse conceitoprecisou de algumas décadas para ser redescobertoe tratado experimentalmente.

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Paralelamente, na arte que se torna cada vez maisabstrata, a necessidade de destruição de todas asimagens reconhecíveis faz Guillaume Apollinaire, porexemplo, abandonar a história, a tradição e aautoridade, quer institucional quer paternal. Ele aindadizia que dada a separação entre a arte e a natureza,o artista torna-se supremo, a nova divindade. Assim,senhor do mundo, o artista, mais do que nunca,proporciona a existência do que antes não havia nanatureza. O próprio Picasso dizia que a pintura deviaassumir o lugar da natureza.

O dadaísmo surge em virtude da capacidade dedestruição modernista. Breton (1985), através doSurrealismo, visava minar a confiança nas instituiçõessociais e proporcionar um campo irracional, a fimde apressar a extinção de tais instituições e dasociedade que as mantinha. O Dadá era muito maispoderoso, muito mais destrutivo e perigoso, nãoquerendo apenas a destruição das instituições e danatureza e sim a destruição do próprio Eu.

Após a destruição de tudo, o que viria? Quanto aisto, os modernistas não faziam a menor idéia, agorasó restava a incerteza. Assim, tornam-se sujeitos doinconsciente coletivo, no qual ninguém vai para ondequer, mas para onde é levado. Por todos essesmotivos, na inevitabilidade da corrente cultural queo inconsciente coletivo faz funcionar além dequalquer cálculo humano, Ezra Pound sepulta asvanguardas, quando em nome da negação moderna,se alia à política espúria dos fascistas. Em seguida,pouco depois do enterro do vanguardismo, oinconsciente coletivo faz funcionar o popular, amassificação, que na música alcança o grau maiselevado de divulgação, em detrimento de toda equalquer manifestação erudita. Enfim, o homemmergulha no mundo inconsciente da invisibilidadematerial e aflora na superfície como um corpofragmentado quase ao infinito pelas manifestaçõesindividualistas condicionadas pelo coletivo.

O modo de expressão dessa realidade apaga asfronteiras entre o racional e o irracional, o lógico e o

ilógico, o intuitivo e o mecânico e, fundamentalmente,entre o visível e o invisível. É a emanação de umestado de espírito ao mesmo tempo coletivo esingular. Nessa realidade, a imaginação já não se limitaàs formas exteriores, e da mistura das notas, cores esensações, ela também se torna imanente eperpetuamente presente. Deste modo, tanto opassado quanto o futuro podem ser realizados nopresente, quando transformados em imagens virtuais.Então, a única participação no tempo é na memóriada qual surgiu-se. As imagens formadas não são maisprovenientes das paisagens externas e,conseqüentemente, o olhar deixa de ser o meio maisadequado de apreensão da realidade.

Bachelard (1967, p. 38) dizia que

uma ciência que aceita as imagens é vítima das metáforas.O espírito científico deve lutar incessantemente contraas imagens, contra as metáfora.

Esta observação de Bachelard marcava uma rupturacom a ciência positivista, na qual a imaginação, plenae rigorosamente desenvolvida, conduz àgeometrização e ao formalismo. Bachelard (1948,p. 157-164) insistia que

a mão criadora, autônoma e por isso feliz, sonhandoseus próprios sonhos e escapando à tirania da visão,enfrenta os desafios concretos do mundo concreto,levada pela vontade de poder, pelo poder davontade...Expressa devaneios da força material,movida pelas duas grandes funções psíquicas: avontade e a imaginação.

Bachelard marca o início da compreensão doesgotamento da visão e começo do entendimentono qual, é justamente na visão onde habita as ilusõese os simulacros. Não em um sentido puramentenegativista, porém em uma alusão à potencialidadeda imaginação e principalmente do pensamento,capazes de formar imagens e formas que ultrapassama realidade, produzindo realidade. É uma faculdadepró-humanidade.

Quando o olhar não é mais capaz de perscrutar arealidade, a mente de quem pensa o mundo

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responde por uma sensibilidade tal como o corpo osente. Neste ponto, não há mais divisão entreiluminantes e iluminados, entre passado e futuro. Opróprio presente se torna indeterminado, ou melhor,determinado pela ação porvir. A partir destemomento, qualquer corpo de sensibilidade pode sero eu ou o outro. Pois quando todos são sujeitos dasensibilidade, não há mais sujeitos ou objetosisolados. Para finalizar, não há tempo que seexplique fora do espaço, já que o único espaçoexperimentável é o tempo que o corpo vivencia emseu presente particular.

PENETRAÇÕES EXPLÍCITAS

A idéia de que a arqueologia foi o resultado doaperfeiçoamento constante nas técnicas de pesquisavoltadas para o estudo de objetos materiais de valorpara antiquários, museus e políticas nacionalistasé uma simplif icação da complexidade dosacontecimentos que promoveram mudanças namentalidade e no modo de encarar a natureza.Acontecimentos esses que ocorreram desde oséculo XIX, mas que se acentuaram profundamenteno XX a ponto de mudar completamente ascaracterísticas fundamentais do Universo.

O despontar de uma mentalidade capaz de mudaro modo como se compreende a natureza não é,simplesmente, o resultado do acúmulo secular deconhecimentos diversos. Fundamentalmente, umanova mentalidade desponta porque essesconhecimentos chegam a um nível em que suasdiferenças encontram pontos comuns de conexão,constituindo um outro conjunto de conhecimento,que reestrutura profundamente as perspectivasanteriores. Portanto, foi preciso esperar que todosos avanços técnicos promovidos por antiquários,geólogos, antropólogos, geógrafos, pré-historiadores,paleontólogos etc., encontrassem a mentalidadehistórica adequada, para que as conexões entrediferentes módulos técnicos, práticos, teóricos e depensamento convergissem para uma mesma

ontologia disciplinar. Fato que só ocorreu naprimeira metade do século XX, mas que sórecentemente vem sendo reconhecido, posto queem ambientes pouco f lexíveis, como nasuniversidades, muitos ainda atrelam a arqueologiaà antropologia ou à pré-história.

Ainda que seja possível dizer, sem sobressaltos,que a arqueologia é uma ciência social, ela nãose consolida como disciplina científ ica juntocom a antropologia ou com qualquer outracontemporânea. Como essas, ela é muito mais umpoema do que um matema, mas a imaginaçãoarqueológica (TILLEY, 1999) nada tem relacionadocom o imaginário antropológico. A imaginaçãoantropológica e suas contemporâneas foram forjadasno âmbito da mentalidade modernista, aindademasiadamente dependente da luz visível,principalmente daquela que permite enxergar ooutro do outro. Já a arqueologia, muito pelocontrário, consolidar-se-á como uma ciência doinvisível, tal como a psicanálise, a cosmologia e afísica quântica e, como essas últimas, é uma ciênciapós-modernista.

Essas considerações vão além do que pensa JulianThomas, o qual considerava que a prática arqueológicaemergiu no período moderno estando, portanto,conectada profundamente com os modos depensamento, formas de organização e práticas sociaisque são distintamente modernas (THOMAS, J.,2004). Muito pelo contrário, tenta-se mostrar que aarqueologia não é da essência da modernidade, masas pessoas que a imaginam é que estãodemasiadamente ofuscadas pelo excesso de luzirradiada da modernidade. Então, tem-se um conflitoentre a natureza de algo e a imagem dada a este. Fatoestabelecido porque a imaginação gerada não é asemelhança do objeto como ele é, mas a semelhançado imaginário que o sujeito tem de si mesmo.

Mesmo considerando que o objeto de estudo daarqueologia é, principalmente (mas não só), a culturamaterial, bastante concreta em si, ela não se

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apresenta de modo imediato à sensibilidade, poisregularmente está camuflada pelo “desvio para overmelho” que desvirtua os acontecimentos passadoshoje, tal como acontece aos astros muito distantesdo sistema cosmológico. Ainda que parte do objetoseja aparentemente visível, seus significantes,sentido e real idade histórica intrínseca sãocompletamente impermeáveis ao olhar. Esta é acaracterística que lhe garante a invisibilidade. Poroutro lado, a realidade de todo acontecimentoarqueológico está sempre no passado e este nãopode ser vivenciado, sentido ou simplesmentecontemplado de corpo presente por nenhumsujeito do presente, porque é o passado que chegaaté o sujeito e não o inverso. E quando chega,chega destorcido pelo tempo, pois o tempo já nãoé mais o que um dia foi. E se é, ele é o que estásendo na posição espacial ocupada pelo observador.

Não se pode compreender o presente conhecendoo passado já que, na realidade, entende-se o passadocom as imagens virtuais produzidas peloconhecimento presente. Entretanto, qual é oconhecimento presente? É aquele que resulta dareorganização de todo conhecimento passado, poisa cada vez que soma-se qualquer entendimento aoconhecimento, o presente, inevitavelmente, acabapor ser estruturalmente alterado. Ou seja,compreende-se o passado porque o presente éconhecido e altera-se o presente, porque conheceu-se o passado.

Se a arqueologia é da ordem das ciências do invisível,então partilhará com elas a incapacidade de previsão.Não obstante, deve-se esclarecer que essaimprevisibilidade nas ciências do invisível não é daordem das experiências. Essas podem até ser feitascom precisão, porém, para regularmente confirmara imprevisibilidade dos resultados. Na arqueologia,como ciência social, a questão se apresenta de modoparticular, já que nela não há experimentação. Oproblema está na questão do tempo. Os objetos daarqueologia, por serem provenientes do passado,só podem ser compreendidos e ter seus sentidos

originais revelados segundo a sensibilidade e acapacidade intelectiva do observador no presente.Assim, o arqueólogo é incapaz de ‘resgatar’ o tempopassado, porque tudo que se pode observar dele(assim como prever para o futuro) são impressõesconstituídas no momento da observação do sujeitono presente.

Consequentemente, a idéia de origem desloca-sedo sentido de originário, manifestação primeira, parao sentido de originalidade, novo, peculiar ou singular(MAGALHÃES, 1993). Isto está de acordo com aidéia inaugurada pelas ciências pós-modernistas naprimeira metade do século XX, de que oconhecimento das causas iniciais é insuficiente paraprever o desenrolar dos eventos em qualquer desuas fases. Como se sabe, a premissa de que oconhecimento das causas iniciais era o passaportepara a previsão de todas as outras fases era ofundamento epistemológico das ciências clássicas emodernas. Mas na natureza consagrada após aemergência das ciências pós-modernistas, aimprevisibilidade ocorre posto que, entre uma fasee outra, o evento pode ser alterado por diferentesmomentos da observação.

Entretanto, o arqueólogo pode escapar destaarmadilha se compreender a natureza do tempoarqueológico (MAGALHÃES, 1993). Um dosproblemas que impediram o nascimento daarqueologia científica ainda no século XIX foi o fatode o tempo histórico ser compreendido comouma sucessão l inear, segundo uma ordemprogressiva e universal. Esse tempo não eranovidade no mundo ocidental, embora tenha seconsagrado definitivamente com o evolucionismodarwinista. Há estudos que mostram o seusurgimento junto com o cristianismo, opondo-seao tempo pagão, que era essencialmente circular.Muitos pensadores posteriores sugeriram outrosmodos operantes para o tempo circular, comoNietzsche, Giambattista Vico, Oswald Spengler eArnold Toymbee, por exemplo. Porém, esses modosoperantes não suplantaram a força do tempo linear

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nas idéias dominantes e alguns, como o eternoretorno da diferença, ainda permanecemdesconhecidos (ou inconscientes) para a maioria dospensadores, mesmo quando eles não suportam opeso da infinitude linear.

Entretanto, a própria modernidade fragmentou otempo linear, que explodiu numa série quase infinitade histórias paralelas. A Antropologia, ao rever aquestão da linearidade do tempo cria, através doestruturalismo, o relativismo cultural. Já a história,influenciada por esta, elimina o acontecimento coma dilatação do presente, o qual já não é mais pensadocomo antecipação do futuro, mas sim como campode uma possível reciclagem do passado (DOSSE,1999). Neste tempo, o futuro é amarrado a umequilíbrio presente chamado a repetir-seindefinidamente. Assim, na modernidade, há amultiplicação de tempos paralelos, todos empresente perpétuo.

A tentativa da antropologia e da história em se adaptarà nova natureza que se formatava no século XXrevelou-se inconsistente, porque elas esqueceram ouignoraram a revolução maior submersa no universorelativístico: a revolução quântica. No universoquântico o tempo é pontual e linear e saltos entrelinhas de tempos diferentes é mais regra do queexceção. Como a arqueologia não é uma ciência queprecisou adaptar-se à nova natureza, já que é fruto doseu despontar, seu tempo pode ser entendidodiferentemente do tempo circular dos antigos, dolinear clássico e do presente perpétuo modernista.Ou seja, o tempo não deixa de ser uma sucessão,mas uma sucessão de diferenças paralelas, no qual opresente nunca permanece. Ou então, o presentepermanece, mas sempre se modificando juntamentecom outros presentes possíveis. Conseqüentemente,tanto o futuro quanto o passado são tão variáveisquanto o presente. Assim, há o eterno retorno dadiferença, que ocorre tanto no tempo quanto noespaço. Porém, por ser tão pontual quanto linear,isto é, tanto particular quanto universal, há vórticestemporais compondo corpos coletivos da mesma

natureza (com características particulares universais),mas que apresentam pontos de conexão entre si(MAGALHÃES, 2005).

Se for assim, então por que apesar de toda aheterogeneidade existente nas idéias e práticasarqueológicas, predomina no Brasil, quase um séculodepois, o discurso positivista do resgate do passadopara se conhecer o presente? Pela mesma razãoporque, apesar de toda incrível produção tecnológicade ordem prática e utilitária, a física quânticaainda permanece sendo um mistério para as mentescondicionadas pela luz. Não se pode esquecerque as mudanças nunca são homogêneas e nemsincronicamente absolutas. Entretanto, amudança no modo como a natureza passa a sepercebida, não sendo mais pelo olhar, obriga apensá-la para além do senso comum. A necessidadede manutenção de seu antigo status, postopermanecerem presos às impressionantes imagensdo mundo luminoso, faz os iluminantes classificarem,como mera subjetividade ou irracionalidade, todaimaginação que vai além da objetividade familiare controlável do mundo visível.

O importante, porém, é que a realidade,independente de qualquer vontade, só pode serapreendida quando penetra-se seu âmago atravésdas suas formas aparentes (as que os olhos vêem).Caso contrário, indaga-se por que apesar de tododiscurso favorável ao resgate do passado e dacompreensão do presente pelo entendimentodaquele, nenhum arqueólogo com esse discurso foicapaz de transformar a realidade? Esperar-se-ía queo resultado efetivo desse entendimento fosse este.Afinal, se uma ciência não é capaz de interferir narealidade então, para o quê ela serve? Para quê servea apreensão do mundo se a ciência, em vez de sercrítica (a negação da negação, ou seja, do erro), formeramente contemplativa? Obviamente, é de seesperar que qualquer ciência, inclusive as sociais, sejacapaz de interferir no mundo e não apenas explicá-lo. Na América do Sul e no Brasil, arqueólogos comoFunari (1999), Fournierin (1999), Eremides de

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Oliveira (2005), entre outros, propõem umaarqueologia interventora. Ainda que algumaspropostas sejam discutíveis e, no mais das vezes,independente da operacionalidade das mesmas, nãoconseguem sacudir a indiferença da sociedade dearqueólogos, isso mostra o quanto essa questão éatual e ainda mau compreendida. Porém, a tarefade explicação do mundo é função suficiente apenaspara a mitologia. Ciência não é para criar mitos sobrea criação do Universo, mas sim para produzirartefatos que interfiram nele. E não é justamenteisto o que acontece?

Na própria ciência humana há exemplos de tentativasde interferência sobre a realidade, como as propostasdo marxismo e das teorias econômicas em geral.Essas tentativas de interferência, entretanto,fracassaram. Fato estabelecido porque estavamrelacionadas às premissas da ciência moderna,demasiadamente impregnada pelos preceitosclássicos, que se baseavam na previsibilidadeproporcionada pelo entendimento certeiro darealidade. Como o controle da natureza social nãogarante a ordem e muito menos a previsibilidade,as interferências geraram mais desconstrução do queconstrução, mais entropia do que ordem. As teoriassociais e econômicas elaboradas pela ciênciamodernista foram incapazes de refazer o mundo sobreo entulho das torres lançadas ao chão, porquedesconheciam que a interferência sobre a realidadesó é possível através da antecipação e não da previsão.

A incapacidade de boa parte da arqueologia feita noBrasil em perceber que o tempo não é resgatável;seu conformismo com um mero entendimento darealidade (que não é possível porque ela tenta fazeristo através da explicação do passado em si); e aausência de uma preocupação com o curso dahistória vivida; devem-se à incompreensão de queessa arqueologia tem a natureza do seu próprioobjeto. Aliás, é bastante provável que menos de 10%dos arqueólogos, que intitulam suas pesquisas coma palavra resgate, em algum lugar da oração, têmnoção exata do que estão dizendo. Por outro lado,

a noção exata não basta. É preciso entender também,que a natureza desse objeto só permite interferênciana realidade, através da antecipação de eventosfuturos, que já estavam no passado e também nopresente. Portanto, não é nem pelo simplesentendimento do passado e nem por qualquercapacidade de previsão do futuro. Nada que estejaaquém ou além do observador presente pode serinferido.

O entendimento incorreto da natureza gera todasorte de desvio do pensamento. Na história daliteratura brasileira, por exemplo, os seus primórdiosestavam severamente atrelados aos ditames daliteratura européia. O que era nativo eracompletamente desprovido de valor literário ouartístico, de modo que escritor decente era aqueleque se despia de qualquer originalidade e se esforçavapara repetir os padrões artísticos europeus.Consequentemente, os escritores estavamregularmente atrasados em termos de tendênciaartística, porque estavam sempre à reboque dastendências internacionais e suas demandas. Duranteuns dois séculos, os acadêmicos ignoraram adiscussão sobre a sua incapacidade para valorizar aarte nativa, porém gastaram rios de saliva discutindoas razões do atraso da literatura brasileira frente aosditames da moda literária e artística européia.

Na arqueologia brasileira atual, infelizmente, o níveldas discussões parece estar no mesmo patamar dados acadêmicos da literatura brasileira do séculoXVIII. Entretanto, enquanto a Arqueologia científicano Brasil dava seus primeiros passos, ainda nasdécadas de 1940 e 1950, paralelamente à própriaformação da disciplina no resto do mundo, certoscientistas sociais e outros representantes dopanorama científico dos países hegemônicos geravamaberrações acadêmicas que acabaram justificando oholocausto. A Arqueologia, como disciplina científica,não foi fruto de homens brilhantes e nem do avançodo capitalismo. Suas técnicas, métodos e teoriasestavam surgindo em diferentes regiões e sociedadesdo mundo.

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No Brasil, nas décadas de 1950 e 1960, porexemplo, métodos estratigráficos, originários dapaleontologia e geologia, mas atribuídos a especialistasamericanos, e métodos europeus de escavaçõesdetalhadamente controladas, atribuídas a especialistasfranceses, foram fundidos na década de 1970,paralelamente à arqueologia feita no resto do mundo.Se aí não ocorreu qualquer originalidade, pelo menosse acompanhou a tendência de consolidação dométodo arqueológico. Porém, o costume de se guiarpelo Norte da hegemonia científica dos países ricos,próprio de mentalidades com baixa auto-estimaintelectual, tem ignorado, sistematicamente, qualqueravanço original, especialmente teórico, que aarqueologia feita no Brasil possa ter proporcionado.O que é um desperdício.

Na década de 1950, por exemplo, quando BettyMeggers treina arqueólogos brasileiros para que essespossam efetivar suas pesquisas, a fundamentaçãoteórica introduzida, o neo-evolucionismo, o que,além de ser fruto do século XIX, já era questionadapor muitos outros arqueólogos (TRIGGER, 2004).Mais que isto. Lévi-Strauss, crítico ferrenho do neo-evolucionismo e cientista modernista, já havialecionado na Universidade de São Paulo entre osanos de 1934 a 1937 e passou quatro anoslecionando nos Estados Unidos nos anos de 1950 a1954. Portanto, os princípios do estruturalismo jáexerciam forte influência entre os antropólogosbrasileiros, quando Meggers chegou com o seu neo-evolucionismo pré-modernista. O estruturalismovirou ‘moda’ intelectual nos anos 1960 e 1970,entretanto, não entre os arqueólogos. Anos depoischega ao Brasil Anna Roosevelt, em fins da décadade 1980 e início da seguinte. Fazendo uma críticaferrenha às falhas derivadas da ausência da necessidadede se usar dados arqueológicos para estudar aspectonão-materiais de sistemas culturais, observadas naspesquisas de Meggers, ela tenta restaurar o neo-evolucionismo na teoria arqueológica amazônica,

Apesar do sucesso inicial, Roosevelt não obteve aconfirmação das suas proposições teóricas. Por outro

lado, desde a última década do século passado,arqueólogos se voltaram para o estruturalismo,especialmente na sua vertente histórica. Masjustamente agora, que o relativismo cultural temesbarrado em seus limites e encontrado forte reaçãofilosófica (DOSSE, 1999), surgem trabalhos naarqueologia, geralmente relacionados ao regional.Trabalhos que já surgem sujeitos a uma saraivada decríticas, justamente pela ausência de uma perspectivade acontecimento universal. Por conta dessainsatisfação, que poderia ser uma motivação para umadiscussão mais profunda sobre a teoria arqueológicana Amazônia, é com espanto que ouço arqueólogospregando o retorno às idéias de Meggers.

O problema dos arqueólogos, portanto, é, antes demais nada, saber o que hoje se pode entender porciência e qual a particularidade do seu objeto frenteà idéia que essa ciência tem da própria natureza. Aquestão é saber o que vem a ser qualquer dessascoisas: ciência e natureza. A arqueologia éArqueologia quando a sua ciência, que trata deartefatos materiais e não materiais deslocados notempo, não diferencia mais entre si natureza,homem e cultura; quando reconhece que seu objetodistorcido pela temporalidade pode ser revelado noespaço ocupado pelo observador; quando reconheceque o único tempo sensível é o tempo presente doobservador. Sobretudo, quando reconhece que aarqueologia é ciência, mas não é a Ciência Moderna.

A arqueologia é a ciência de penetração que exploraa aparência explícita e superficial da história. Portanto,é pós-modernista.

A Arqueologia pode retirar o homem moderno daletargia histórica que o enquadra, na qual a adaptaçãoao hábito do choque que o normaliza está definida nocaminho percorrido pela razão técnica, funcional epragmática das ciências voltadas à autopreservação. Aarqueologia pode romper este bloqueio fazendo vir àsuperfície, a potência virtual proveniente das culturashumanas esquecidas pela história, mas ainda manifestasno lugar próprio de suas expressões originais.

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O arqueólogo pode ir além do interesse de saberde onde as coisas surgem a fim de saber onde elasestão e para onde estão convergindo. Para tanto,ele precisa se tornar hábil em capturar do passadoalgo ainda manifesto no presente e capaz deinterferir positivamente no futuro, não num sentidomeramente instrumental, mas no sentidosignificante que o passado-presente pode ter paranós amanhã.

Neste ponto ele não prevê, antecipa. Nessaarqueologia, a intuição com sua disposição para aabsorção do inconsciente que habita, quer osindivíduos, quer as sociedades, pode produzir umconhecimento ‘antecipativo’ através da investigaçãode durações contínuas. A arqueologia podedesmascarar o efeito saturado do sujeito que ao ver-se, se confunde com a imagem daquilo que gostariade ver. O efeito próprio dessa confusão de imagensé trocar a imagem do ser das coisas pela imagemdo desejo.

A temporalidade arqueológica revela que sempreencontra-se nas linhas do passado um devir que seextinguiu, mas que constitui o seu próprio sentido.A arqueologia, ao mergulhar no passado, viaja pelointerior da história, alterando e diferenciando o seumundo, tornando-o estranho para si mesmo.Assim, neste sentimento de estranheza, de‘alheamento’, distância e duração, seu mundo nãose estreita, alarga-se; não se bloqueia, masexperimenta a vertigem da desestruturação queimpõe à história as alterações do tempo.

A arqueologia guarda um vínculo umbilical com otempo e tem, portanto, muito a aprender com ele,desde que renuncie a ‘instrumentalizá-lo’, a tomá-lo como mera condição do contato com memóriasesquecidas ou como reconstituição de uma outra –externa – realidade. Ela deve procurar, no tempo,os objetivos menos nítidos de um acontecimentoque se projeta no passado e no futuro, que lhepermite não só encontrar-se no sentido próprio delebem como transformar o presente e a sua realidade.

Assumir a natureza invisível dos objetos arqueológicosé reconhecer um tempo presente cuja atividadeconfere ao saber arqueológico a capacidade deantecipar o futuro. Esta é a diferença em relaçãoàqueles que, no fim das contas, buscam algum meiode previsão. O que está sendo colocado é apossibilidade da antecipação do que está por vir. E anovidade é esta: visto que só o tempo presente podeser vivenciado e é nele que se encontra o ponto deintercessão do o passado e do futuro, então tudoque é possível projetar para depois é porque já podeser vivenciado agora.

CONCLUSÃO

A Arqueologia não é fruto das causas que fizeramsurgir as ciências naturais, a história e as ciênciassociais. A Arqueologia tem as suas próprias causas eestas não são iluministas. Portanto, a positividade daarqueologia, se ela quiser cumprir algum papelhistórico para a ciência, é despojar-se de todo equalquer vínculo cumulativo, insensível e obstruídocom o mundo, relacionado à percepção das ciênciasbaseadas na observação visual da natureza.

Todo pensamento, sentido ou percepção é umaimagem psíquica, e o mundo em si existe o tantoquanto se pode produzir uma composição psíquicadele. Uma realidade arqueológica sem uma forçainconsciente, sem uma revelação psíquica é inútil,pois não carrega sentido e não pode transformar arealidade. Toda ciência deve ser capaz de transformara realidade, portanto, o pensamento arqueológicodeve produzir uma noção conseqüente com forçasuficiente para transformar o real.

Até mesmo a matéria é uma hipótese, pois quandose diz ‘matéria’ realmente se cria um símbolo de algodesconhecido. Na verdade, o princípio científico efilosófico da unicidade do ser, da vida e do cosmos, éindivisível em ‘mental’ e ‘corporal’, ‘espiritual’ e‘material’ e em ‘natureza’ e ‘cultura’. A única realidadeé a que está aqui e agora; verdades passadas nuncaescreverão este texto, ou o lerão, ou pensarão nesses

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conceitos; nem existem verdades futuras – elas aindaestão em gestação e escreverão e lerão textos distintose terão outra compreensão de mundo e pensamentos,talvez, mais intricados, mas certamente diferentes.Portanto, a arqueologia que conceitua o passado commera referência no presente, acaba por correr o riscode criar símbolos já conhecidos, mas inúteis, umavez que eles estão vazios dos conteúdos psíquicos esensíveis do mesmo passado nomeado por ela.

A solução desse problema aparece quando se busca asforças e expressões psíquicas do passado investigado,fazendo ressurgir uma aura até então ausente de cor evibração no tempo, mas ainda ativa no presente, poispreservou no tempo e no espaço, a capacidade deatravessar o presente. Desse modo, não é qualqueracontecimento arqueológico que fornece conteúdopsíquico e sensível atuante. Distinguir entre asmanifestações arqueológicas, aquelas cujas expressõesguardam uma força inconsciente ainda adequadapois ainda são ativas às sociedades contemporâneasdeve ser a tarefa do arqueólogo.

A Arqueologia, das ciências, é aquela que respondeàs necessidades interiores da história. Ela é meio-irmãda psicanálise, pois é filha da mesma mãe. Aarqueologia não é uma disciplina qualquer, ela possuiuma especificidade muito particular, exclusiva dela. Nomáximo pode ser comparada à psicanálise, masenquanto esta trata das pulsões íntimas individuais, aarqueologia trata das pulsões sócio-culturais no interiorda história. A motivação da arqueologia é omovimento de interiorização na história, implícito navontade humana de saber além do visível.

O espetáculo arqueológico não é o que se desenrolaà frente das vistas do arqueólogo, mas é aquele quese oferece ao recolhimento de algo que brota dedentro da história e não se deixa aprisionar pelopassado e nem pode ser congelado por umageometria temporal que se repete eternamente ouse alonga até o infinito.

Hoje, não é só a história que se encontra subtraídaà visibilidade, mas a própria visibilidade como

expressão da ciência. O que faz a arqueologia avançarnão é a evidência intelectual das interpretaçõespropostas pelo passado, mas um movimento aointerior desse mesmo passado, que além de não sedeixar descrever em termos de atos de visão, fazcom que aquele que o investiga absorva um sentidoaté então julgado inexistente em si mesmo.

O impulso ao interior e ao ex-secreto acaba levandoa mentalidade a uma busca de comunhão com anatureza. Esta busca se desespera na medida em quese constata que a natureza se reduz no urbano e nosocial à natureza não tão evidente das bactérias, dosvírus e do próprio homem. Mas esta busca danatureza traz o retorno da diferença, onde ela nuncapermanece a mesma, mas sempre é aquela queapreendemos. Porque, a natureza é o reduto ondea vida habita e se manifesta amorosamente.

A Arqueologia, no momento em que sente o mundo,a ecologia e o indivíduo como uma só expressão, torna-se subjetiva e política. Contudo, é preciso que aarqueologia sinta o indivíduo sincronicamente ligadoao social, ao cultural e à natureza, a um universo queresponde por ele e por muitos. Um universo que nãoé nem único e nem infinito, mas particular e paralelo amuitos outros com os quais pode deter pontos deconexão. O que vai além dessa perspectiva, visto quetambém é preciso que o arqueólogo compreenda estapropriedade imanente aos seus objetos de estudo. Sóassim ter-se-á a recuperação da aura da História. Oobjetivo final do conhecimento arqueológico, enfim,não é a simples recuperação de técnicas e práticaspassadas, mas a lapidação da alma coletiva do Homemcontemporâneo. E o objetivo maior da ciência é buscarcom eficiência a capacidade de fazer vir a ser combeleza, aquilo que nem mesmo era natureza.

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Recebido: 13/04/2006Aprovado: 07/08/2006