O aproveitamento de calor residual nos estádios da copa 2014

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1 APROVEITAMENTO DE CALOR RESIDUAL NOS ESTÁDIOS DA COPA 2014 Marcos José Rodrigues dos Santos Engenheiro Eletricista - Metrologista [email protected] Programa de Energia e Automação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo maio de 2013 Abstract: This paper discusses the application prospects of natural gas and cogeneration systems for power generation in Brazil in a distributed manner, in response to the difficulties already faced by the country in relation to the expansion of the exploitation of domestic hydropower potential and the risks of failure arising from the consumption of electricity in peak hours. The discussion takes as an example one of the stadiums involved in the 2014 World Cup, more specifically the Mineirão – Belo Horizonte – MG - Brazil. Keywords: waste heat, energy efficiency, cogeneration, gas, world cup. Resumo: Este trabalho discute as perspectivas de aplicação de gás natural e de cogeração em sistemas de geração de energia brasileiros de maneira distribuída, em resposta às dificuldades já enfrentadas pelo País no que se refere à de ampliação da exploração do potencial hidrelétrico nacional e aos riscos de falhas decorrentes do consumo de energia elétrica em horário de pico. Para a discussão, toma-se como exemplo um dos estádios envolvidos com a Copa 2014, mais especificamente o Mineirão - Belo Horizonte – MG – Brasil. Palavras-chave: calor residual, eficiência energética, cogeração, gás, copa.

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APROVEITAMENTO DE CALOR RESIDUAL NOS ESTÁDIOS DA

COPA 2014

Marcos José Rodrigues dos Santos Engenheiro Eletricista - Metrologista

[email protected]

Programa de Energia e Automação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

maio de 2013

Abstract: This paper discusses the application prospects of natural gas and cogeneration systems for power generation in Brazil in a distributed manner, in response to the difficulties already faced by the country in relation to the expansion of the exploitation of domestic hydropower potential and the risks of failure arising from the consumption of electricity in peak hours. The discussion takes as an example one of the stadiums involved in the 2014 World Cup, more specifically the Mineirão – Belo Horizonte – MG - Brazil. Keywords: waste heat, energy efficiency, cogeneration, gas, world cup. Resumo: Este trabalho discute as perspectivas de aplicação de gás natural e de cogeração em sistemas de geração de energia brasileiros de maneira distribuída, em resposta às dificuldades já enfrentadas pelo País no que se refere à de ampliação da exploração do potencial hidrelétrico nacional e aos riscos de falhas decorrentes do consumo de energia elétrica em horário de pico. Para a discussão, toma-se como exemplo um dos estádios envolvidos com a Copa 2014, mais especificamente o Mineirão - Belo Horizonte – MG – Brasil. Palavras-chave: calor residual, eficiência energética, cogeração, gás, copa.

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1. INTRODUÇÃO O gerenciamento das causas das mudanças climáticas de maneira integrada entre as nações que habitam o Planeta é um dos maiores desafios do homem no século XXI. Neste sentido, foram instituídas iniciativas como, por exemplo, o Protocolo de Kyoto, que prevê a redução de emissões de poluentes para os países signatários; o Programa de Comércio de Emissões de Carbono (European Emissions Trading Scheme), que oferece incentivos para reduzir as emissões e as certificações AQUA e LEED - Leadership in Energy and Environmental Design - que avaliam o se um dado edifício é ambientalmente adequado. Neste contexto, em 30 de outubro de 2007, a FIFA - Fédération Internationale de Football Association - confirmou o Brasil como país-sede da Copa do Mundo de 2014. Assim, após 64 anos e pela segunda vez, o país abrigará mais uma Copa do Mundo, agora mais sensível ao desafio ambiental deste século. Nesta data, o Brasil se mostrava amplamente disposto a promover a “primeira copa verde”. A idéia era que as obras fossem sustentáveis e não gerassem impactos negativos ao meio ambiente. Seriam construídos estádios ambientalmente adequados e seriam preparadas ações para alavancar a reciclagem de produtos, a coleta seletiva de lixo, o incentivo aos produtos orgânicos e a reestruturação de parques; embora o país ainda se encontrasse tentando equacionar problemas como o lixo das cidades, o esgoto não tratado, as ações de desmatamento e as emissões descontroladas de gases poluentes.

Na ocasião, Joseph Blatter - presidente da FIFA – disse estar impressionado com toda a preocupação ecológica evidenciada pelo Brasil que, aliás, já vinha sendo uma recomendação da FIFA desde o Mundial da Alemanha em 2006.

Dando prosseguimento a idéia de se realizar uma “copa verde”, em 29 de abril de 2010, foi estabelecido um Acordo de Cooperação Técnica entre o Ministério dos Esportes – ME e o Ministério do Meio Ambiente – MMA. Adicionalmente, a Ministra do Meio Ambiente à época - por meio da Portaria nº 223, publicada no DOU, Seção 1, em 16 de junho de 2010, no âmbito do MMA - instituiu o Grupo de Trabalho – GT para propor e articular ações de sustentabilidade ambiental para a Copa de 2014. Evidentemente, o ótimo sucesso do projeto da Copa Verde exigiria envolvimento integrado de diversos órgãos do Executivo e dos governos estaduais e municipais no processo. Mas, segundo João Alberto Viol, presidente do Sinaenco, o Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva, o Brasil não conseguirá cumprir o objetivo totalmente. Acredita que o Brasil conseguirá fazer alguns projetos com inovações, que venham de encontro à sustentabilidade, mas que isso não está num plano global, resultado de ampla discussão (RAMIL, 2010).

De acordo com Claudio Langone, coordenador da câmara temática do meio ambiente e sustentabilidade - Ministério Esporte – todos os estádios que usarão recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) terão de conquistar certificados com selos reconhecidos internacionalmente relacionados à sustentabilidade. O mesmo acontecerá para os hotéis. Ainda segundo Langone, nove dos 12 estádios da Copa entraram em contato com o Banco. Acrescentou que os estádios que usarão dinheiro

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privado não estão obrigados a alcançar a certificação, mas há uma diretriz de que eles também o façam. A tendência é que todos sejam certificados (RAMIL, 2010).

Sabe-se que doze estádios estão envolvidos com a Copa. Entretanto, até meados de abril de 2013, somente o estádio Mineirão (Belo Horizonte) e a Arena Pantanal (Cuiabá), mencionavam no sítio “Portal 2014” o objetivo de alcançar a Certificação LEED (MANDARIM; SINAENCO, 2013).

Passando-se a uma análise sob um ponto de vista mais técnico, percebe-se que o gás natural e a cogeração têm sido amplamente utilizados na geração de energia em vários países, de modo a se aumentar os esforços de sustentabilidade das edificações e o alcance de certificações pertinentes. Não é difícil encontrar citação de casos fora do Brasil neste sentido. As Figuras 1 e 2 ilustram exemplos.

Figura 1 - Jinqiao Sport Center – Xangai, China Fonte: CUMMINS POWER GENERATION, 2011

Figura 2 - ExCel Exhibition Centre Londres, UK Fonte: CUMMINS POWER GENERATION, 2011

Entretanto, considerando que a matriz energética brasileira é fortemente embasada na geração de energia hidrelétrica, centros de desporto como o Mineirão e a Arena Pantanal acabaram sendo projetados para operar predominantemente a base de energia elétrica fornecida pela companhia de eletricidade local.

Por outro lado, numa rápida análise, o uso do gás natural para geração localizada de energia em substituição à energia hidrelétrica, dificilmente seria entendido com uma evolução sustentável sob o ponto de vista da certificação LEED, já que, neste caso, as emissões seriam trazidas para o interior dos centros urbanos. Porém, com uma reflexão mais cuidadosa e, conforme o caso, pode-se identificar alguns compensadores como a eficiência global do sistema e a eliminação dos hidroclorofluorcarbonos - HCFCs dos aparelhos de ar condicionado de ciclo a compressão, à medida que estes sejam substituídos por ciclos de absorção, a serem discutidos mais adiante.

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Neste ponto, é relevante lembrar que o gás natural do pré-sal já vinha se mostrando como a fonte de energia capaz de viabilizar o próximo ciclo de crescimento do Brasil. Embora a maior parte das reservas de gás brasileiras se encontre em campos off shore e sua produção seja subordinada às condições de extração do petróleo, tais restrições parecem ser menores do que aquelas enfrentadas por outras forma de geração de energia no Brasil. Entretanto, já se percebe algumas dúvidas em relação à consolidação de uma posição grande destaque por parte do gás natural.

Embora o consumo de gás natural tenha crescido consistentemente entre 1998 e 2006, passou a apresentar alguma instabilidade a partir de 2007, conforme demonstra o Gráfico 1 (ABEGÁS, 2012). Por outro lado, tomando-se o setor de serviços como exemplo, a relação R$/MMBTU do gás natural, que vinha se mantendo estável desde 2008, aumentou razoavelmente entre janeiro de 2011 e janeiro de 2012 - vide Gráfico 2 - aproximando-se da relação correspondente à eletricidade, que se manteve razoavelmente estável. Nota-se que o gráfico expressa um comportamento médio, de modo que em determinadas regiões do País, o gás natural pode estar, de fato, se mostrando inviável economicamente.

Gráfico 1 – Comercialização histórica do gás natural no Brasil – 1998 a 2012 e comparativo de janeiro de 2012 em relação a janeiro de 2011 - em milhões de m3/dia. Fonte: ABEGÁS, 2012

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Gráfico 2 – Relação R$/MMBTU para o Setor de Serviços ao longo do tempo Fonte: ABEGÁS, 2012

Analisando-se as tarifas de gás natural, nota-se que o valor médio para o segmento de cogeração na Comgás é de R$ 1,31 por m3 (volume mensal de 115.000 m3), de acordo com a deliberação da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo - ARSESP n° 379 de 28/11/2012. No entanto, a tarifa de energia elétrica para uma aplicação de capacidade equivalente, considerando a concessionária AES Eletropaulo, classificação A4 Verde, tem o preço médio de R$ 0,27 por kWh, conforme Resolução n° 1436 de 24/01/2013 da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL. Assim sendo, para que a cogeração alcance viabilidade econômica, o retorno dos investimentos deve possuir um payback em, no máximo, cinco anos, uma economia operacional mínima de 15% e uma Taxa Interna de Retorno (TIR) de no mínimo 15%. Tomando-se como base estes indicadores econômicos, a tarifa de gás natural deveria possuir um preço médio de R$ 0,60 por m3 para aplicação no setor terciário (ANDREOS, 2013). Nota-se que esta possibilidade de redução de preços não pode ser considerada descartada, já que o Ministério das Minas e Energia entende que possíveis novas políticas energéticas e incentivos podem ser criados para plantas de cogeração nos setores industrial e de serviços (MME, 2007).

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Em meio ao atual cenário, o vice-presidente Comercial e de Estratégia da BG Brasil, Marcelo Esteves, recentemente lançou dúvidas sobre a oferta de gás natural brasileira ao declarar que acredita que os campos do pré-sal que a companhia explora em parceria com a Petrobras não possuem um "tsunami de gás" como se cogitou no passado. Mas admite que as incertezas ainda sejam grandes (BAHNEMANN, 2013). Tal manifestação reforça a preocupação do Governo do Estado de São Paulo que, embora venha promovendo um programa de incentivo fiscal para a cogeração por meio do gás natural vê, ao mesmo tempo, dificuldade de se desenvolver o mercado livre do combustível em São Paulo. Entende que não se trata de um problema de regulação, mas sim de falta de oferta (POLITO, 2012).

Mas a incertezas que cercam o gás natural não parece atuar como freio para o ímpeto das companhias envolvidas com distribuição do combustível, haja vista o perfil crescente de ampliação da rede de gasodutos brasileira demonstrado no Quadro 1.

Quadro 1 – Evolução da rede de distribuição de gás no Brasil Fonte: ABEGÁS, 2012

Assim, aparentemente, o gás natural segue evoluindo, mas precisará se apresentar com um farto abastecimento e demonstrar um bom histórico de estabilidade de preços, antes de definitivamente se consolidar no mercado e remover barreiras culturais que dão preferência à hidroeletricidade, consolidadas num tempo em que esta era mais abundante.

Contudo, enquanto o Governo e a Comunidade se empenham para ampliar o crescimento do País, os esforços para ampliação da capacidade de geração de energia hidrelétrica – historicamente alinhada ao crescimento do Produto Interno Bruto e supostamente mais condizente com fatores vocacionais e culturais do Brasil – enfrentam dificuldades preocupantes. São exemplos: a resistência da sociedade à ampliação do número de usinas hidrelétricas em defesa da preservação ambiental, a diminuição relativa da capacidade de armazenamento de água dos reservatórios, os limites e restrições de ampliação das linhas de transmissão e a necessidade de despacho de usinas termoelétrica para suprir a demanda de energia em horário de pico. O Gráfico 3 evidencia que a apesar dos esforços para expansão da hidroeletricidade e para redução da geração de energia elétrica por fontes mais poluidoras, houve apenas uma pequena ampliação (2,3%) da geração hidrelétrica e uma pequena redução (0,5%) da geração por meio de derivados de petróleo e de carvão mineral e seus derivados, entre os anos de 2010 e 2011. Por outro lado, as novas energias renováveis (solar, eólica, biomassa, etc.), também indicadas no Gráfico 3, muito dificilmente alcançarão proporções relevantes em menos de dois decênios.

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O alcance de uma solução para questão da demanda em horário de pico citada no parágrafo anterior é inadiável. A preocupação acentua-se a cada ano e vem sendo tratada com ações como:

a. adoção do regime de horário de verão, que provoca um melhor aproveitamento da luz solar durante o dia e, assim, desloca o pico de demanda de energia de iluminação em relação ao pico das demais demandas de energia elétrica;

b. incentivo ao uso de energia solar térmica, que pré-aquece a água do banho diário e, por isso, economiza energia no horário de pico;

c. aplicações piloto de tecnologias de redes elétricas inteligentes, que vão permitir a programação de eletrodomésticos e outros equipamentos para a realização de atividades consumidoras energia elétrica em horários de baixa demanda;

d. criação da tarifa branca, que se trata de uma nova modalidade de tarifação para consumidores de baixa tensão, que entrará em vigor em 2014 e prevê preços mais em conta para o consumo de energia elétrica fora dos horários de pico.

Vale lembrar que a questão da demanda em horário de pico não é nova e as usinas termoelétricas a gás já apresentam expressiva colabora neste sentido. Porém um relevante problema das termoelétricas é o grande consumo de água utilizada no resfriamento, para a condensação do vapor de exaustão das turbinas, o que constitui uma forte agressão ao meio ambiente, por conta do volumes captados e das perdas devido à evaporação. Nestas condições, passa-se a valorizar a possibilidade de geração energia elétrica distribuída, ainda por meio de gás natural, principalmente em horário de pico, onde a maior parte do calor residual gerado pode ser reaproveitada em funções importantes das edificações envolvidas.

Gráfico 3 - Matriz elétrica brasileira

Fonte: EPE, 2012

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De qualquer forma, em meio a tantas incertezas, parece oportuno prospectar aplicações para o gás natural, a serem implantadas caso a ampliação da disponibilização deste combustível e a intensificação de seu uso se consolidem. Assim sendo, este trabalho procura iniciar uma discussão sobre a possibilidade de operação de um centro de desporto brasileiro – tomando-se como exemplo o Estádio do Mineirão - tendo o gás natural como energético principal, levando-se em conta a aplicação de medidas de eficiência energética, em especial, a cogeração com o aproveitamento de calor residual.

2. O GÁS NATURAL

O gás natural é uma mistura de hidrocarbonetos leves que, quando submetido à temperatura ambiente e à pressão atmosférica, se mantém no estado gasoso. Trata-se de um gás não-tóxico, inodoro, incolor e mais leve que o ar. Pode ser usado em substituição a outros combustíveis mais poluentes como lenha, carvão e óleos combustíveis. Por ser um combustível fóssil, formado há milhões de anos, é considerado uma fonte de energia não renovável. Porém, oferece menos riscos ao meio ambiente do que outros combustíveis mais tradicionais, como o petróleo e carvão mineral, uma vez que normalmente é isento de enxofre e de cinzas, tornando-se dispensáveis as custosas instalações de eliminação de enxofre e de cinzas, exigidas nas termoelétricas a carvão e a óleo. Os principais poluentes atmosféricos emitidos pelas centrais termelétricas a gás natural são o dióxido de carbono (CO2), os óxidos de nitrogênio (NOx) e, em menor escala, o monóxido de carbono e alguns hidrocarbonetos de baixo peso molecular, inclusive metano, devido à combustão incompleta. Cabe destacar que o teor de nitrogênio contido no gás também influencia as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), que são decorrentes tanto de mecanismos térmicos quanto da composição do combustível. Portanto, mesmo não contendo nitrogênio na sua composição química, a queima de gás natural pode produzir óxidos de nitrogênio (NOx), dentre eles, o dióxido de nitrogênio (NO2) e o óxido nitroso (N2O), em função da reação do nitrogênio atmosférico presente no ar de combustão. A emissão de NOx tem como principal conseqüência, a acidificação da água das chuvas e a deposição de sulfatos e nitratos sólidos no ambiente (MMA, 2013).

3. SÍNTESE DA EVOLUÇÃO DA COGERAÇÃO

Os princípios da cogeração já são conhecidos desde o século XIX, quando Thomas Edison desenvolveu a primeira planta de geração de calor e de energia elétrica nas proximidades de Wall Street. Porém, antigamente, a viabilidade econômica se dava somente nos casos de grandes projetos ou aplicações especiais. A cogeração começou a tomar vulto na década de 1980, devido à queda no preço do gás natural nos Estados Unidos e acabou contribuindo significativamente para o declínio do ímpeto de construção de usinas nucleares e hidrelétricas naquele país.

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Atualmente, a cogeração tornou-se viável para aplicações a partir de 30 kW, graças aos avanços tecnológicos dos motores a diesel e gás natural lean burn, bem como, dos trocadores de calor e dos sistemas de controle (CUMMINS POWER GENERATION, 2011). 4. PRINCIPAIS FUNDAMENTOS DA COGERAÇÃO

Sabe-se que pelos sistemas convencionais, cerca de 1/3 da energia contida nos combustível pode ser convertida em energia elétrica. Com o objetivo de melhorar o aproveitamento da energia primária diante dos desafios atuais, ressurge a cogeração com tecnologia que permite a geração simultânea de calor e eletricidade, de modo que mais de 80% da energia contida no combustível possa, de fato, ser utilizada. Grosso modo, a cogeração aproveita o calor perdido no processo principal, isto é, aquele que não foi convertido em energia mecânica, atribuindo-lhe uma aplicação secundária como, por exemplo, aquecimento, ventilação e resfriamento de ambientes, além do uso de vapor de água fervente para fins de limpeza e esterilização em cozinhas, lavanderias, etc. A Figura 3 apresenta um comparativo entre o aproveitamento das tecnologias convencionais e da cogeração.

Figura 3 - Comparativo - Tecnologias convencionais e cogeração Fonte: BRANDÃO, 2004 Quando o aproveitamento das perdas térmicas do processo principal permite a produção de frio, além de eletricidade e calor, este passa ser chamado de trigeração ou produção combinada de eletricidade, calor e frio.

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As principais vantagens da cogeração são:

a. diminuição do consumo do combustível utilizado; b. diminuição das emissões; c. baixíssimo risco de interrupção de alimentação da carga se houver conexão com a

concessionária local; d. independência da geração convencional e de linhas de transmissão, considerando-

se os respectivos impactos ambientais; e. colaboração com a postergação de investimentos no sistema de distribuição; f. apoio à melhoria da qualidade da energia da rede elétrica.

A cogeração é muito útil à indústria. Entretanto, também tem se difundido bastante em empreendimentos do setor de serviços como hospitais, hotéis, centros de desporto, edifícios de escritórios, centros comerciais e sistemas de redes urbanas de calor; que demandem energia elétrica e energia térmica e, normalmente, em situações em que o tempo de uso seja maior que 4.500 horas (BRANDÃO, 2004). As principais tecnologias de Cogeração disponíveis no mercado atualmente são:

a. Turbina de Vapor (Ciclo de Rankine); b. Turbina de Gás (Ciclo de Brayton); c. Ciclo Combinado; d. Motor alternativo de Combustão Interna (Ciclo Diesel ou Otto); e. Células de Combustível; f. Micro-turbinas.

As turbinas de vapor são mais aplicáveis a grandes plantas de indústrias, onde se exige mais do que 20MW de potência instalada e grande quantidade de vapor. Normalmente, as turbinas de gás são utilizadas em grandes complexos de edifícios tais como hospitais ou redes urbanas de calor e frio. O ciclo combinado é mais indicado em situações em que a necessidade de eletricidade é maior do que a de vapor ou se requer grande flexibilidade neste sentido. As Células de Combustível são bastante indicadas para o setor de serviços, por conta da sua eficiência e da sua operação silenciosa; porém, os custos de produção ainda são um grande limitador para a sua implantação. Assim sendo, os motores alternativos e as micro-turbinas a gás, conjuntamente com chillers de absorção (quando se busca a trigeração), são as tecnologias mais utilizadas no setor de serviços.

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Por se tratar das soluções técnicas mais indicadas para centros de desportos como os estádios envolvidos com a Copa 2014, este trabalho procura aprofundar a discussão em torno dos motores alternativos e das micro-turbinas a gás, como segue. 4.1 Cogeração por meio de Motor alternativo ou de Combustão Interna Os motores alternativos são também chamados de motores de combustão interna e são utilizados mais intensamente no Setor de Serviços e nas indústrias de pequeno porte. Este tipo de Cogeração é indicado para instalações com potências da ordem dos 10 MW, eventualmente, passando um pouco de 20 MW. O aproveitamento de calor residual se dá a partir da energia contida nos gases de exaustão do motor e nos fluidos de refrigeração e lubrificação. Este tipo de cogeração apresenta um rendimento térmico maior do que a cogeração por meio de turbina a gás e a vapor. Porém, os baixos níveis de temperatura de trabalho implicam fortes restrições relacionadas à recuperação do calor residual do processo. A recuperação de calor dos óleos lubrificantes e do fluido de refrigeração dos turbo compressores (usualmente disponível a cerca de 70 ºC) é limitada para finalidades de produção de água quente, que pode ser empregada em uso doméstico, em processos de lavagem e na alimentação de caldeiras. Já os gases de exaustão, com temperaturas de até 700 ºC, representam outra fonte importante para a recuperação de calor de um motor. O calor destes gases pode ser aproveitado diretamente ou então ser recuperado numa caldeira para produção de vapor. Suas aplicações mais relevantes são:

a. produção de energia em situação de emergência e em regiões não abastecidas pelas concessionárias de energia elétrica;

b. casos em que a geração de calor não é principal prioridade. c. casos em que o consumo de energia sofre variações ao longo do tempo.

A figura 2 ilustra o funcionamento de um sistema de cogeração com motor alternativo. Destaca-se como o calor contido nos líquidos lubrificante e refrigerante, bem como, nos gases de exaustão, são aproveitados no processo. A figura 3 apresenta os níveis de aproveitamento da energia recuperada.

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Figura 4 - Esquema geral de funcionamento dum sistema de Cogeração com motor alternativo Fonte: Brandão

Figura 5 – Energia recupera na cogeração com motor de combustão interna Fonte: Brandão, 2004 Grosso modo, os motores de combustão interna estão divididos em dois grupos, os chamados de motores de Ciclo Otto e os chamados de Ciclo Diesel. A combustão que ocorre na câmara de combustão provoca a expansão dos gases resultantes, que por sua vez, causam o movimento cíclico do pistão acoplado ao eixo que vai produz o torque necessário ao acionamento do gerador elétrico.

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O primeiro motor operante no Ciclo Otto foi fabricado em 1862 pelo alemão Nicolaus August Otto, tendo como base as teorias enunciadas por Beau de Rochas, de que a combustão se processa a volumes constantes. Já o primeiro motor do Ciclo Diesel foi fabricado em 1892 por outro alemão, de nome Rudolf Christian Karl Diesel (PENIDO FILHO, 1949). Do ponto de vista mecânico, não existem grandes diferenças entre os tipos de motores em questão. Os motores Diesel são maiores e mais robustos em decorrência da taxa de compressão necessária ao seu funcionamento. Em geral, nos motores Otto, a mistura (ar e combustível) é introduzida na câmara de explosão de forma já dosada e homogeneizada. Nos motores a Diesel, o ar aquecido deve rapidamente se espalhar, encontrar com o combustível injetado em alta pressão e, depois, entrarem em combustão. Por isso, é difícil o alcance de rotação elevadas neste tipo de motor, sob risco da queima ocorrer de forma incompleta. Outro aspecto relevante é que, nos motores Otto, a ignição é causada por uma faísca produzida por um sistema elétrico, mas nos motores Deisel a combustão ocorre pelo contato do combustível sob pressão com o ar quente (BRUNETTI, 2012). A Figura 6 ilustra o funcionamento dos motores em questão.

Figura 6 – Funcionamento de motores ciclos Otto e Diesel (quatro instantes de uma mesma câmara de explosão) Fonte: OLIVEIRA; COSTA, 2009

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Os Motores a explosão (Ciclo Otto) utilizam como combustível gasolina, etanol, gás natural, propano, butano ou uma mistura destes dois últimos, biogás, gás de síntese, nafta química, entre outros. Em relação aos motores que usam o Ciclo Diesel, os combustíveis permitidos e mais utilizados abrangem uma grande variedade na forma líquida, desde os vários tipos de fuelóleo ao gasóleo e ainda misturas de combustíveis gasosos com líquidos em proporções que permitam a auto-ignição, denominados de dual fuel (BRANDÃO, 2004). As perspectivas adotadas neste trabalho têm o gás natural como combustível a ser utilizado e, portanto, o Ciclo Otto seria o mais recomendável. Neste caso, o gás é misturado com o ar sob pressão em proporção pré-determinada e sofre ignição, dando-se início ao ciclo. De qualquer forma, o gás natural também pode ser utilizado sob o Ciclo Diesel, mas o combustível precisa obedecer a mistura de gás natural com 3% a 5% de diesel. Estes equipamentos são conhecidos como bi-fuel ou dual-fuel, dependendo do modo em que são executadas as misturas de combustíveis. Nos sistemas a gás que fazem uso do Ciclo Diesel, são usados compressores de elevada potência, de modo a criar as elevadas pressões de gás necessárias à injeção deste nas câmaras de combustão. A eficiência deste tipo de cogeração é da ordem de 75%. Nota-se que aproximadamente 30% da energia do combustível é transformada em energia mecânica e cerca de 45% em energia térmica. Como principais vantagens e desvantagens da cogeração por meio de motor de combustão interna têm-se: a. Vantagens

alta eficiência mecânica; atende as variações das necessidades térmicas; partida rápida; dispensa supervisão constante.

b. Desvantagens:

baixo rendimento térmico; baixo tempo de vida útil; custo de manutenção elevado.

4.2 Cogeração por meio de Micro-Turbinas As microturbinas são formadas basicamente por compressor, câmara de combustão, turbina propriamente dita e gerador elétrico. Quando a potência do conjunto ultrapassa 250kW, chegando a cerca de 1MW, o equipamento passa ser chamado de miniturbina.

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Normalmente as microturbinas existentes no mercado têm como função principal a geração de eletricidade, podendo ou não, funcionar em cogeração. Raramente são encontrados casos onde a função principal da microturbina é a geração de calor. Quando em funcionamento, a pressão do ar admitido é elevada até cerca de 70psig pelo compressor. O calor proveniente da queima da mistura ar mais combustível, eleva a temperatura e a pressão dos gases resultante desta queima. Ao alcançar a turbina, estes gases se expandem, assim girando o eixo da turbina, que por sua vez, está acoplado ao gerador e ao compressor. Quando há cogeração, é feito o acoplamento de um recuperador de calor proveniente dos gases de escape, que pode ajudar no pré-aquecimento do ar antes que este entre na câmara de combustão. Em seguida, o restante do calor residual pode ainda ser usado no aquecimento de água, caso esta seja útil ao processo principal. O rendimento total do sistema pode chegar a 80%, considerando-se um rendimento sob o ponto de vista elétrico da ordem de 30%. Normalmente, as microturbinas funcionam a gás, mas vários tipos de combustíveis podem ser utilizados. São exemplos: gasolina sem chumbo, gasóleo, alcoóis, querosene, propano, etc. A refrigeração do sistema pode ser feito com ar ou água. No primeiro caso, aproveita-se para injetar o ar refrigerante através do gerador antes de entrar na câmara de combustão, de modo a refrigerá-lo. No segundo caso, a água deve ser bombeada pela área a ser refrigerada. Cabe destacar a importância dos sistemas eletrônicos de controle, que permite um funcionamento adequado e seguro das microturbinas. A figura 7 ilustra o funcionamento básico de uma microturbina.

Figura 7 - Ilustração do funcionamento básico de uma microturbina Fonte: Brandão, 2004

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Para maiores esclarecimentos entre as principais tecnologias de cogeração, apresenta-se a seguir o Quadro 2, que permite a comparação das características técnicas mais relevantes de tais tecnologias.

Quadro 2 - Características técnicas mais relevantes das principais tecnologias de cogeração Fonte: Brandão, 2004 4.3 A Trigeração Inicialmente, cabe revisar alguns conceitos de refrigeração. Vale lembrar que para que uma determinada substância mude do estado líquido para o estado gasoso, é necessário que seja fornecido a esta substância a quantidade de calor necessária a esta mudança. Tal calor é denominado calor latente de vaporização ou calor de mudança de estado sem variação de temperatura e pressão, já que durante o fenômeno de alteração de estado, a temperatura e a pressão não variam. No processo inverso, que também ocorre sem variação de temperatura e pressão, é necessário que seja retirada uma determinada quantidade de calor da substância em estado gasoso, agora chamado de calor latente de condensação, para que a substância possa alcançar o estado líquido. Para uma dada pressão do sistema, as temperaturas de vaporização e de condensação são coincidentes.

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Porém, estas temperaturas variam proporcionalmente à variação da pressão, ou seja, quanto menor for a pressão aplicada à substância, menor serão as temperaturas de vaporização e condensação do processo em questão e vice versa. Assim sendo, para resfriar um dado líquido contido em um reservatório, basta reduzir a pressão da substância líquida refrigerante contido em uma serpentina instalada no interior do recipiente que contenha o líquido a ser resfriado. Ao se baixar a pressão da substância no interior da serpentina com a ajuda de um compressor, a sua vaporização ocorrerá numa temperatura menor do que se mantida a pressão anterior. Assim sendo, o processo de vaporização vai retirar calor da substância agora em estado gasoso, resfriando também a serpentina que o envolve e, se a temperatura de vaporização for menor do que a do líquido que se pretende refrigerar, este realmente será refrigerado devido à proximidade com a serpentina em processo de refrigeração. (MACINTYRE, 1997). Nos processos de Trigeração – geração de eletricidade, calor e frio - a energia térmica proveniente do sistema de recuperação de calor é aproveitada para resfriar água, que por sua vez, passa a ser utilizada no arrefecimento de processos industriais e em equipamentos de resfriamento ambiental. O resfriamento da água é feito por meio de resfriadores (chillers) de absorção, que se distinguem dos resfriadores (chillers) de compressão, pelo fato do compressor (utilizado nos resfriadores de compressão) ser substituído por uma fonte indireta de calor, normalmente, aquele recuperado da geração principal. Alguns resfriadores (chillers) de absorção utilizam a forma de ignição direta, ou seja, o calor é obtido por meio da queima direta de um combustível, normalmente, gás natural. Entretanto, os resfriadores mais comuns nos processos de cogeração são aqueles de ignição indireta. Neste caso, o calor é fornecido, em geral, na forma de vapor de baixa pressão, água quente ou proveniente de um processo de purga quente. O processo pode ser executado por um efeito simples o duplo. Neste segundo caso, o Separador (um dos componentes do sistema, a ser apresentado mais adiante) é duplicado. Dependendo da aplicação, escolhe-se um tipo de solução denominada absorvente, a ser utilizada na refrigeração da água (vapor), em meio a um processo termoquímico de absorção. Para os casos de climatização de ambientes, o absorvente empregado é o brometo de lítio, enquanto que nos casos de refrigeração, o absorvente é o amoníaco. O funcionamento completo de um sistema didático é ilustrado na Figura 8 e, basicamente, ocorre da seguinte forma: O Evaporador é o equipamento do sistema onde é resfriada a água que será utilizada na climatização ou refrigeração de interesse. Tal água circula em uma serpentina no interior do evaporador que, por sua vez, é envolvida e resfriada pela ação do vapor de água. Vale esclarecer que o interior do evaporador é mantido como uma câmara de vácuo a pressão de aproximadamente 6 mmHg, o que faz com que e a água proveniente do Condensador rapidamente se transforme em uma nuvem de vapor com temperatura de aproximadamente 40C. Para realizar a mudança de estado (passar para vapor devido à

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baixa pressão), a água precisa consumir o chamado calor latente e, assim, extrai calor da serpentina e, consequentemente, do líquido a ser refrigerado. No Absorvedor, o vapor da água é coletado pela substância absorvente que é injetada nesta região. Simultaneamente, o calor trazido da serpentina é dissipado por meio da passagem da água dos tubos que vêm das torres de refrigeração (não representadas na Figura 7) e atravessam o Absorvedor. O Gerador (representação do calor residual aproveitado da turbina ou outro tipo de geração da energia principal) fornece o aquecimento necessário à separação entre vapor de água e a substância absorvente. Este processo ocorre efetivamente no componente denominado Separador. Assim, a solução absorvente retoma o estado concentrado e o vapor de água segue em direção ao Condensador, onde volta ao estado líquido (por efeito dos mesmos dutos que refrigeram o Absorvedor) e segue em direção ao Evaporador, reiniciando-se assim, um novo ciclo do processo.

Figura 8 - Resfriadores (chillers) de absorção de efeito simples Fonte: UTFPR, 2010

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5. O MINEIRÃO E UMA ALTERNATIVA DE APLICAÇÃO COGERAÇÃO PARA O ESTÁDIO 5.1 O Mineirão

O projeto básico de reforma do estádio foi desenvolvido por Gustavo Penna Arquiteto & Associados em parceria com a empresa alemã GMP. O projeto executivo ficou a cargo da BCMF Arquitetos. A modernização do Mineirão inclui construção de cobertura, vestiários, novas arquibancadas, estacionamentos e esplanada. O estádio tem 64,5 mil lugares e, em 21 de dezembro de 2012, se tornou o segundo estádio pronto para a Copa, disponibilizado ao uso depois do estádio Plácido Aderaldo Castelo Branco – Castelão – Fortaleza - CE. Além da realização das obras, a administração do Mineirão prevê a conquista da Certificação LEED, a cargo do CTE - Centro de Tecnologia de Edificações. O custo da obra foi previsto em R$ 695 milhões e a construção foi tarefa das construtoras Construcap, Egesa e Hap. A exploração do empreendimento será feita por parceria público-privada ao longo de 27 anos (MANDARIM; SINAENCO, 2013).

5.2 O Perfil da demanda de energia

O Quadro 3 foi montado a partir dos dados de simulação desenvolvida pelo CTE - Centro de Tecnologia de Edificações, por meio do Programa Energy Plus. Embora tais dados não reflitam exatamente a potência instalada, são suficientemente adequados para estimativa da potência exigida por um sistema de cogeração a ser eventualmente instalado no local.

A demanda de energia do estádio está dividida em seis setores (CH1 a CH6) e a fonte de energia é unicamente a eletricidade fornecida pela concessionária de energia elétrica local. Percebe-se que a maior parte da demanda é oriunda da iluminação e dos equipamentos para operação do estádio. Por outro lado, percebe que o setor 6 (CH6) é, disparadamente, o grande consumidor de energia do Mineirão.

Quadro 3 – Demanda energética do Estádio Mineirão Fonte: BIONDO, 2012

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5.3 A despesas com energia elétrica

O Quadro 4 apresenta a despesa estimada com energia elétrica ao longo de um ano. Também foi montado a partir dos dados de simulação desenvolvida pelo CTE - Centro de Tecnologia de Edificações e, neste caso, considerando-se tarifa horo-sazonal verde – consumidor A4.

Como já era de se esperar, nota-se que a soma das despesas em horário de ponta (41,73%) é maior do que aquela fora de ponta (32,13%).

Quadro 4 – Estimativa de despesa anual do Estádio Mineirão com energia elétrica Fonte: BIONDO, 2012 5.4 Uma alternativa de aplicação de cogeração Com uma rápida análise do Quadro 3, percebe-se que a demanda total do Mineirão é de aproximadamente 2,6MW, destacando-se que 65,5% desta demanda é proveniente do setor CH6. Por outro lado, a relação calor/eletricidade é de apenas 0,14 (se considerada apenas a eletricidade demandada pelo setor CH6) ou de apenas 0,10 (se considerada a eletricidade demandada por todo o estádio). Nestas condições, fica evidente que demanda não é compatível o a tecnologia das turbinas a vapor, seja pela relativa baixa demanda de potência, seja pela baixa necessidade de calor. As células de combustível poderiam eventualmente ser aplicáveis se não fosse a questão de custo - ainda alto. O ciclo combinado possui uma flexibilidade praticamente total na produção de calor e eletricidade e, por isso, talvez pudesse ser aplicado no caso em questão. Mas há que se considerar a relativa “baixa demanda” do estádio, em comparação com as demandas normalmente supridas por esta tecnologia. A cogeração por motor de combustão interna é indicada para aplicação no Mineirão, tanto pela faixa de potência coberta, como pela flexibilidade da relação calor/eletricidade. Entretanto, há a inconveniência da queima dos derivados de petróleo de altos níveis de emissão de poluentes.

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Assim sendo, as turbinas gás, mais especificamente, uma miniturbina predominantemente geradora de eletricidade, acoplada a um recuperador de calor proveniente dos gases de escape, acaba compondo a solução tecnológica disponível no momento mais indicada para a demanda do Mineirão. Naturalmente, o calor residual seria aproveitado para necessidades de aquecimento e para o condicionamento ambiental. Com um estudo mais aprofundado, poder-se-ia optar por utilizar duas ou mais turbinas e combiná-las com o fornecimento da concessionária de energia elétrica local. A pequena demanda de energia elétrica durante os períodos de inatividade do estádio seria suprida pela concessionária local, enquanto que a demanda durante a ocorrência de eventos seria suprida pelo sistema de cogeração. Há que de destacar que uma parcela relevante dos eventos acaba ocorrendo durante o horário de pico. Assim, a geração de energia por cogeração poderia evitar as despesas adicionais decorrentes de operação neste horário, além de ajudar a aliviar o SIN - Sistema Integrado Nacional - no período mais crítico. Eventualmente, o estádio poderia gerar e vender energia ao SIN durante o seu período de ociosidade tanto em horário de pico como fora de pico, de modo a compensar os custos da energia suprida pela concessionária local e colaborar com o SIN. Há um “ponto de ótimo” de geração de energia localizada a ser estudado. 6. CONCLUSÃO O longo período em que o gás natural se manteve mais atraente do que a hidroeletricidade não é um indicador seguro de que a possível e recente perda de vanguarda deste combustível é passageira. Contudo, não se pode descartar a criação de incentivos fiscais que provoquem novo ciclo de interesse por este combustível. Adicionalmente, a falta de segurança em relação à disponibilidade do combustível nos níveis previstos não é desprezível. Por outro lado, os entraves relacionados à construção de hidrelétricas e linhas de transmissão se acumulam. Portanto, sabe-se apenas que há grandes incertezas a serem suprimidas. Independentemente do cenário energético incerto configurado, parece oportuno para o momento, desenvolver conhecimento que permita que os estádios envolvidos com a copa de 2014 e que certamente continuarão à disposição da população por muitos anos, possam vir a operar com energias alternativas, mais especificamente, o gás natural, caso este combustível se consolide e mantenha a sua competitividade econômica. Neste sentido, este trabalho que limitou-se a levantar uma discussão aparentemente relevante, poderia ser desdobrada em simulações que buscassem:

a. o mais adequado projeto de cogeração para cada estádio brasileiro de grande porte;

b. o cálculo da tarifa de gás natural máxima, especificamente para cada estádio, que ainda viabilizasse o uso deste combustível em sistema de cogeração;

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c. o mais otimizado regime de operação em cogeração, em cada estádio, de modo que a energia elétrica excedente possa ser vendida à concessionária local e, assim, reduzir os custos com a energia que eventualmente seja suprida por tal concessionária.

Observando-se o Quadro 3, percebe-se que aproximadamente 45% da demanda de energia do Mineirão correspondem à iluminação (interior mais exterior). Independentemente de eventuais esforços relacionados à cogeração aqui discutidos, parece relevante dispensar alguma atenção à possibilidade de otimização da operação e da tecnologia utilizada na iluminação deste estádio. 7. AGRADECIMENTOS O autor agradece às empresas Construcap e CTE, que gentilmente colaboraram com a coleta de dados técnicos referentes ao Estádio do Mineirão, fato essencial à elaboração deste trabalho. Também agradece ao professores Miguel Udaeta e Martin Galvão, que o despertaram para discussão do tema em questão, além de promoverem importantes debates no âmbito da disciplina “Tópicos Avançados em Sistemas Energéticos para um Desenvolvimento Limpo – PEA – Poli - USP”, que permitiram a formação da base necessária a este estudo.

8. RESPONSABILIDADE

As informações contidas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor.

9. REFERÊNCIAS ABEGÁS. Relatório ABEGÁS - Mercado e Distribuição. Disponível em: <http://www.abegas.org.br/Site/relatorios/2012_Relatorio_Abegas_Janeiro.pdf>. , 1 jan 2012 ANDREOS, R. Viabilidade econômica da cogeração - Aplicação e fatores limitantes. Disponível em: <http://www.engenhariaearquitetura.com.br/noticias/738/Viabilidade-economica-da-cogeracao.aspx>. Acesso em: 2 maio. 2013. BAHNEMANN, W. BG rejeita “tsunami”de gás em campos do pré-sal. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/noticias/bg-rejeita-tsunami-de-gas-em-campos-do-pre-sal-2>. Acesso em: 29 abr. 2013. BIONDO, L. M. Simulação Energética do Mineirão. . [S.l.]: CTE - Centro Tecnológico de Edificações. , 13 dez 2012 BRANDÃO, S. Cogeração. Disponível em: <http://ssbrandao.no.sapo.pt/Cogeracao.pdf>. Acesso em: 1 maio. 2003. , out 2004 BRUNETTI, F. Motores de Combustão Iterna. Blucher, 2012. v. 1

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