Notas Sobre a Clínica Do Trauma

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NOTAS SOBRE A CLÍNICA DO TRAUMA Silvia Lira Staccioli Castro H Ana Maria Rudge HH RESUMO Discute-se a neurose traumática ilustrando-a com um caso clínico. Observando que adoecimentos psíquicos encontrados nos dias de hoje guardam semelhanças com aqueles tratados por Freud e outros psicanalistas na primeira metade do século XX, apresenta-se as idéias desses pioneiros. O caso clínico leva à observação de que o supereu é um instrumento conceitual importante para se privilegiar uma abordagem dinâmica no estudo psicanalítico da neurose traumática. A exacerbação da hostilidade do supereu é responsável tanto por aspectos da neurose traumática semelhantes à melancolia, quanto por idéias persecutórias que podem surgir a partir da projeção dos ditames superegoicos. Palavras-chave: trauma; neurose traumática; angústia; supereu; clínica NOTES ON THE CLINIC OF TRAUMA ABSTRACT Traumatic neurosis is discussed and illustrated by a clinical case. Observing that psychic troubles found nowadays keep similarities with those treated by Freud and other psychoanalysts in the first half of the XX century, the ideas of those pioneers are briefly presented. The discussion of the clinical case shows that the superego is an important conceptual instrument to privilege a dynamic approach to traumatic neurosis. The exacerbation of superego´s cruelty is responsible for some aspects of the traumatic neurosis similar to melancholy, as well as to paranoid ideas that may result from the projection of superego dictates. Keywords: trauma; traumatic neurosis; anxiety; superego; clinic. H Doutora e Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Psicanalista. Psicóloga oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Endereço: Avenida das Américas 2901- sl 1007- Barra Business - Barra da Tijuca - Rio de Janeiro – RJ - Brasil. CEP: 22631-002. E-mail: silviafl[email protected] HH Professora do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pesquisadora do CNPq. Membro Psicanalista da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle. Pesquisadora da Associação Universitária de Psicopatologia Fundamental. Endereço: Marquês de São Vicente, 225; Edifício Cardeal Leme, sala 201. Gávea, 22453-900, Rio de Janeiro, RJ – Brasil. E-mail: [email protected]

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Notas Sobre a Clínica Do Trauma

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  • Notas sobre a clNica do traumaSilvia Lira Staccioli CastroH

    Ana Maria RudgeHH

    resumo

    Discute-se a neurose traumtica ilustrando-a com um caso clnico. Observando que adoecimentos psquicos encontrados nos dias de hoje guardam semelhanas com aqueles tratados por Freud e outros psicanalistas na primeira metade do sculo XX, apresenta-se as idias desses pioneiros. O caso clnico leva observao de que o supereu um instrumento conceitual importante para se privilegiar uma abordagem dinmica no estudo psicanaltico da neurose traumtica. A exacerbao da hostilidade do supereu responsvel tanto por aspectos da neurose traumtica semelhantes melancolia, quanto por idias persecutrias que podem surgir a partir da projeo dos ditames superegoicos.

    Palavras-chave: trauma; neurose traumtica; angstia; supereu; clnica

    Notes oN the cliNic of traumaabstract

    Traumatic neurosis is discussed and illustrated by a clinical case. Observing that psychic troubles found nowadays keep similarities with those treated by Freud and other psychoanalysts in the first half of the XX century, the ideas of those pioneers are briefly presented. The discussion of the clinical case shows that the superego is an important conceptual instrument to privilege a dynamic approach to traumatic neurosis. The exacerbation of superegos cruelty is responsible for some aspects of the traumatic neurosis similar to melancholy, as well as to paranoid ideas that may result from the projection of superego dictates.

    Keywords: trauma; traumatic neurosis; anxiety; superego; clinic.

    H Doutora e Mestre em Psicologia Clnica pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Psicanalista. Psicloga oficial da Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Endereo: Avenida das Amricas 2901- sl 1007- Barra Business - Barra da Tijuca - Rio de Janeiro RJ - Brasil. CEP: 22631-002.E-mail: [email protected]

    HH Professora do Departamento de Psicologia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Pesquisadora do CNPq. Membro Psicanalista da Sociedade de Psicanlise Iracy Doyle. Pesquisadora da Associao Universitria de Psicopatologia Fundamental. Endereo: Marqus de So Vicente, 225; Edifcio Cardeal Leme, sala 201. Gvea, 22453-900, Rio de Janeiro, RJ Brasil.E-mail: [email protected]

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    Embora o tema das novas formas de mal estar e patologias psquicas esteja em voga, assim como as tentativas de teorizar sobre a nova clnica da contem-poraneidade, atendimentos psicanalticos prestados numa unidade militar com policiais feridos em combate nos mostraram o quanto frequente a manifestao da clssica neurose traumtica. O ambulatrio de psicologia de um Batalho da Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) procurado por muitos policiais, vtimas da neurose traumtica. Nesses atendimentos, observaes rea-lizadas nas primeiras dcadas do sculo passado que encontravam nos traumati-zados de guerra sintomas semelhantes aos da melancolia se viram corroboradas.

    Os policiais acompanhados psicoterapicamente, aps terem passado por um grande trauma, encontravam-se deriva, desgovernados, tendo j perdido o controle da situao de angstia e/ou depresso em que se viam. Padeciam dos seguintes sintomas: sonhos de angstia que reproduziam a experincia traumtica; humor depressivo alternado com momentos de raiva; retrao da libido manifesta em impotncia ou diminuio do desejo sexual; desinvestimento dos objetos do mundo externo e hiperinvestimento do eu; isolamento social; indisposio para realizar qualquer atividade cotidiana, como se alimentar, sair de casa e dormir, condies necessrias para a prpria sobrevivncia humana. Buscavam ajuda para se localizarem em meio ao caos a que suas vidas havia se reduzido desde o trauma.

    Observvamos nestes pacientes um enorme desejo de que o analista pu-desse desvendar os enigmas trazidos pelo no saber sobre seu novo modo de estar no mundo, seu sofrimento, suas atitudes inadequadas e incompreensveis, enfim, sobre seu novo eu. Eles tinham estranhas sensaes corpreas oriundas da violenta descarga de angstia que os desestabilizava. O surgimento involuntrio de angstia desconcertava-os por ferir a suposta autonomia do eu; ela era a mais patente prova de no ser mais possvel controlar as prprias reaes emocionais aps a vivncia do incidente traumtico.

    O trauma resulta de um evento que inflige uma ferida narcsica, porque atesta a vulnerabilidade humana. Desse acontecimento inesperado pode advir uma neurose traumtica, que no , de forma alguma, uma mera revivescncia de uma neurose infantil. O fato de ter estado vulnervel e impotente diante da pos-sibilidade de morte pode levar o sujeito a enfrentar uma expectativa angustiada permanente. Foi-lhe mostrado pela vida que a segurana de que pensava desfrutar era ilusria; a partir disso tudo pode se tornar extremamente ameaador.

    A partir da clnica com soldados que retornaram gravemente doentes da 1. Grande Guerra, Freud deparou-se com uma nova sintomatologia, (ROUDINES-CO; PLON, 1998, p. 277), semelhante quela que acometia vtimas de graves acidentes ferrovirios, e que havia sido batizada por Oppenheim (BERCHERIE, 1996[1983], p. 93) de neurose traumtica. O psicanalista observou a presena de sintomas peculiares, como perturbaes motoras, tais como as da histeria; si-nais acentuados de indisposio subjetiva, como na melancolia e na hipocondria; debilitao e perturbao da capacidade mental; distrbios do sono, isolamento social e indisposio para a realizao de atividade fsica e intelectual, prevale-

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    cendo fadiga e desnimo, entre outros sintomas de cunho depressivo. Era comum a ocorrncia de terrveis pesadelos que reproduziam a vivncia traumtica passa-da em meio ao campo de batalha.

    Comumente o neurtico de guerra apresentava uma retrao da libido, j que a energia psquica que investira os objetos do mundo exterior retornava para o eu, que ficava hiperinvestido. Ocorria ento aquilo que Ferenczi (1921[1918]) chamou de hipersensibilidade do eu, condio que tambm encontrada na hipocondria, e que se relaciona incapacidade de suportar desprazer moral ou fsico. Da decorreu a opinio do psicanalista de que a neurose traumtica uma neurose narcsica.

    O amor excessivo pelo eu derivava de uma regresso narcsica, ficando o doente numa posio de debilidade infantil. Isto explicaria, por exemplo, os distrbios de marcha presentes nos militares egressos da guerra, que eram enten-didos como formaes defensivas contra a repetio da angstia. Estes distrbios remontariam poca da infncia anterior aquisio do andar.

    As neuroses narcsicas - neurose de guerra, demncia precoce, parania e melancolia - para o psicanalista hngaro, deveriam ser descritas a partir dos seguintes sintomas depresso hipocondraca devida ao hiperinvestimento no eu; pusilanimidade; angstia; excitabilidade elevada acompanhada de acessos de clera; hiperestesia de todos os rgos de sentido (fotofobia, hiperacusia, hiperes-tesia cutnea intensa) e sonhos de angstia.

    Mdico e psicanalista adepto da hipnose, Simmel (1921[1918]) esteve por dois anos frente de um hospital militar do exrcito alemo durante a 1. Guerra Mundial (FREUD, 1975[1919], p. 214), que atendeu cerca de dois mil neurticos de guerra. Eles apresentavam o seguinte quadro clnico: distrbios do mbito motor e cognitivo que impediam o cumprimento das obrigaes militares, como a alterao das condies de todo o sistema muscular ou de partes do mesmo, que diminuam em maior ou menor grau a capacidade do soldado de mover-se. O distrbio motor manifestava-se amide sob a forma de movimentos ou posturas do corpo involuntrias e compulsivas e, s vezes, como transtornos da fala que s vezes chegavam ao total mutismo. Havia tambm casos de transtornos de rgos de sentido, da viso e da audio, que variavam da hipersensibilidade luz ou ao som at completa cegueira e surdez, prejudicando o contato com o mundo. Seus estudos mencionam ainda casos de soldados afetados por ataques epileptiformes, e com transtornos na esfera intelectual que englobavam desde a perda de deter-minadas faculdades mentais como a leitura e o clculo, at alteraes funcionais da memria que podiam chegar at a amnsia total.

    Em seu texto apresentado no Congresso Internacional de Psicanlise em 1918, Simmel (1921[1918]) explicou a origem da neurose de guerra a partir da premissa freudiana de que o eu do soldado, dividido entre um eu pacfico de um lado e um eu guerreiro de outro, tem de atuar como mediador das demandas pulsionais em relao s exigncias da realidade externa. A entrada numa guerra produz no soldado uma ciso do eu, pois, ao mesmo tempo em que ele tem que ser camarada com seus pares, sacrificando-se, espera-se dele virtudes antisociais,

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    isto , violncia suficiente para ferir e matar. Estar diante da perspectiva de uma aniquilao completa torna o eu do soldado vulnervel. Este um fator decisivo, na opinio do autor, para que se constitua uma neurose de guerra.

    Em uma guerra, como os valores compartilhados pelos grupos combaten-tes so antagnicos queles pregados culturalmente, o sujeito perde a possibi-lidade de pacificar suas moes pulsionais destrutivas. Sendo assim, o sujeito se v pronto a atender demanda da pulso de morte, ante a qual, antes da guerra, era levado a resistir devido s exigncias impostas pela cultura. Esse novo panorama pode levar o soldado a adoecer, justamente por causa da perda da capacidade de mediao do conflito entre as pulses e a realidade externa, isto , entre o mundo interior e o exterior.

    Embora Simmel fosse adepto da idia freudiana de tomar a neurose de guerra como um caso de neurose traumtica, o autor buscou estabelecer as con-seqncias do trauma para um eu militar, diferenciando-as daquelas sofridas por um eu civil. Isto porque acreditava que, devido lavagem cerebral operada na formao militar, ocorreria uma alterao significativa na constituio psquica do militar. Em sua viso, o militar externaliza na figura do chefe no somente seu ideal do eu, como Freud props em 1921, mas seu supereu. Para defender esta tese, o autor faz a seguinte pergunta retrica: por que a unidade combatente recebe o nome de infantaria? (SIMMEL, 1921[1918]).

    O eu do militar, por esta razo, seria especialmente vulnervel a uma de-sintegrao de sua estrutura, e a consequentes desordens psquicas. Em sua opi-nio, as neuroses de guerra, ao contrrio das neuroses traumticas de tempos de paz, no so desencadeadas pelo impacto de um sbito acidente catastrfico, mas devido a uma acumulao de influncias traumticas, j que, embora o soldado esteja preparado para enfrentar uma condio de estresse que o civil no poderia suportar, se o perodo de exposio a condies tpicas de um campo de batalha excessivamente longo, o militar pode atingir um esgotamento fsico e emocional de tal magnitude que resulte num severo colapso mental.

    Para corroborar sua tese, Simmel (1921[1918]) recorre a alguns casos de soldados que adoeceram logo aps passarem por situaes de choque de propor-o insignificante em relao a experincias anteriores que aparentemente no haviam gerado nenhuma reao psicolgica imediata.

    No entanto, o prprio Freud (1996[1939]) referiu-se a um perodo de in-cubao, chamado tambm de perodo de latncia, que seria o tempo decor-rente entre o acontecimento traumtico e o primeiro sinal da neurose traumtica. A pessoa saa aparentemente ilesa de um grave acidente, porm, com o passar do tempo, desenvolvia uma srie de sintomas que pareciam estar ligados ao episdio violento vivido anteriormente.

    Segundo Simmel (1921[1918]), dentre todos os sintomas observados em sua prtica clnica, aqueles especialmente comuns nas neuroses de guerra so: instabilidade e irritabilidade emocional gerais; tendncia a rompantes emoti-vos, sobretudo de ira; e, por ltimo, transtorno caracterstico do sono, pautado

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    pela alta incidncia de pesadelos que reproduzem as dolorosas experincias de guerra, levando frequentemente o sonhador a atuar impulsivamente sem acor-dar, em episdios de sonambulismo.

    De acordo com sua teoria, o eu militar tem a tendncia a empregar uma reao de defesa que a de romper com a realidade como efeito imediato da exposio s experincias terrveis de guerra, como ocorria nos estados de des-falecimento temporrio e estupor comatoso de longa durao apresentados pelos soldados oriundos das trincheiras da 1. Guerra (SIMMEL, 1921[1918]). Esse mecanismo pode levar produo, com muita frequncia, de transtornos de per-sonalidade que se parecem com os encontrados na psicose.

    Hardcastle (1944) tambm publicou estudo sobre os neurticos de guer-ra, de quem cuidou no Hospital de Ortopedia do Exrcito ingls. Ele comandou uma ala de psiquiatria durante a guerra, que acomodava cerca de 80 homens, to-dos acometidos por neurose traumtica. Estes pacientes apresentavam um estado crnico de angstia e depresso. Mostravam-se inibidos, e o interesse pelo sexo havia diminudo expressivamente em todos eles, havendo inclusive casos de im-potncia sexual e ausncia completa de desejo chamada pelo autor de aphanisis.

    A sua clnica era fundada na hipnose, e ele utilizava uma tcnica bem seme-lhante ao mtodo catrtico fora empregado por Breuer e Freud. Da Ferenczi (1921) ter nomeado esta tcnica teraputica de psicocatarse. Consistia em fazer com que o paciente falasse sobre suas experincias na guerra, especialmente aquelas que constituam o tema dos pesadelos que se repetiam ad nauseum, provocando angs-tia intensa. Deste modo, a hipnose era empregada para recuperar lapsos de memria que podiam ter ligao com o advento da doena. Atravs desta prtica, esperava-se que o paciente pudesse dar uma resposta adequada ao trauma. Valorizando uma perspectiva predominantemente econmica, o autor considerava que, sob hipnose, o sujeito poderia vir a abreagir o afeto que ficara estrangulado no trauma, tal como estabelecera a teoria pr-psicanaltica formulada por Breuer e Freud.

    Hardcastle (1944) observou primeiramente ser errnea a afirmao de que a neurose traumtica seria uma reao para se evadir da zona de guerra. Isto por-que naquela poca a guerra j havia terminado, e a maioria dos pacientes, apesar do desejo de retornar para suas casas, ainda no tinha condies para isso. Presos no passado como se o tempo tivesse sido interrompido no momento do trauma, eram, para usar a expresso de Braunstein (2003), mortos-vivos. De fato, eles es-tavam identificados com o morto, apagados subjetivamente, como se a ameaa de aniquilamento fsico houvesse gerado uma experincia de aniquilamento psqui-co. Pairava sobre o sujeito uma sombra, como na melancolia. A tristeza profunda e a falta de vontade de viver so muito marcantes na neurose traumtica.

    Alm disso, muitos dos comportamentos dos internados pareciam indicar um estado de expectativa angustiada, semelhante quele a que estiveram sujeitos durante a guerra. Assim, qualquer barulho repentino provocava uma reao de defesa imediata. At mesmo o andar de alguns deles lembrava a forma como se locomoviam no front. O fenmeno das dores, que podemos qualificar de fantas-mas, tomado como um sintoma primordial de neurose traumtica. Eram dores

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    que no tinham quaisquer motivaes fsicas; remetiam exclusivamente expe-rincia traumtica, como uma espcie de memria fixada, pois eram condizentes com a condio fsica do sujeito no momento do trauma. Para fornecer uma idia mais precisa deste quadro, o autor apresenta o caso de um homem que havia se ferido quando escapava de um navio em chamas, atingido por um submarino inimigo. Ele costumava apresentar uma equimose nas duas pernas toda vez que sonhava com o que lhe havia ocorrido.

    A reproduo da situao traumtica engendrada pelos sonhos de re-petio levava no s a um estado de angstia e depresso, mas tambm era responsvel pela manifestao de sinais fsicos que pareciam indicar que o sujeito de fato revivia, atravs destes pesadelos, a experincia do trauma, do qual trazia consigo marcas indelveis.

    Contrariamente opinio freudiana, Hardcastle (1944) acreditava que a etiologia da neurose traumtica localizava-se na infncia. Segundo seu ponto de vista, o adoecimento no era gerado primordialmente pela vivncia de uma situ-ao contingente que havia evocado o desamparo, mas o evento teria sido apenas o estopim para a atualizao e reedio de uma neurose infantil.

    J Freud (1920), quando assinalou o humor depressivo nas neuroses trau-mticas, denunciava a dessexualizao, apontando para o papel da pulso de morte nesse quadro clnico especfico. Ele aproximou a neurose traumtica da melancolia quanto a este tipo de mal estar. Entre os motivos que levaram Freud a fazer essa aproximao, parece-nos que tm lugar importante os ditames cruis do supereu que massacram o eu tanto na primeira enfermidade como na segunda. O humor depressivo e a retrao da libido so comuns s duas patologias.

    Como Freud (1915) notara, no existe representao inconsciente da mor-te. Num acidente envolvendo grande perigo de vida, a percepo do risco e da proximidade da morte provoca um completo estado de desamparo. A ameaa de morte revivida por incontveis vezes aps o trauma, numa literalidade que caracterstica da neurose traumtica, e que no se encontra em sintomas das neu-roses clssicas. O retorno involuntrio das lembranas dolorosas fazem o sujeito acreditar que, do fim da vida, no poder escapar novamente.

    A revolta por ter acreditado numa fico, o fracasso da fantasia de estar amparado e protegido, levam a intensos rompantes de ira, que podem chegar a perturbar o andamento da anlise, quando a transferncia negativa se torna muito intensa. Como o paciente no suporta defrontar-se com um Outro falho, insufi-ciente para garantir sua segurana, ele elege um Outro inteiro, completo e extre-mamente ameaador, que carrega o sadismo do supereu que se voltou contra o eu aps o trauma, vindo a construir um delrio paranoide. No se trata de um delrio paranoico propriamente dito, j que no h a certeza de estar sendo perseguido; resta sempre uma dvida, em se tratando de um neurtico.

    Depois de certo tempo decorrido da vivncia traumtica, nossa experin-cia clnica mostra que o paciente pode encontrar-se em um estado paranoide sem que seja psictico, tomado pela sensao de que est sendo vigiado e seguido por

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    quem pretende destruir tudo que seu, sua vida, a de seus familiares... Em ltima instncia, sua sanidade. No tem mais nenhuma tranquilidade, atormentado pela angstia que comparece atravs do real do corpo, sinalizando no ser possvel es-conder os indcios de uma aflio aterrorizante e a impresso de que o pior ainda est por vir. Embora essa ameaa de morte seja considerada como externa, ela no vem de fora, como supe o sujeito, ela produzida internamente, pelo supereu.

    A introduo do supereu no estudo do trauma permite abordarmos o sinto-ma traumtico de uma perspectiva dinmica, ponto de vista que no poderia ser adotado se mantivssemos apenas a idia do susto (Schreck), do excesso pulsio-nal, do quantum de energia que invade o aparelho psquico, dentro da concepo metafrica proposta por Freud em 1920 para explicar a sintomatologia da neurose traumtica, de uma vescula protetora de estmulos que foi rompida. Vale notar que essa metfora se deve ao fato de que o termo trauma veio originalmente da medicina, para designar ferimentos em que tecidos eram efetivamente rompidos.

    Os aspectos depressivos da neurose traumtica frequentam a literatura, re-metendo exacerbao da virulncia do supereu. tambm a essa exacerbao do supereu que se devem as vivncias paranides encontradas na clnica, em que essa hostilidade superegica projetada.

    A angstia na neurose traumtica pode levar ao suicdio. Sabemos que, quando o trauma resulta de uma experincia de ter estado a um passo da morte, resta a convico de que a sobrevivncia foi fruto de um verdadeiro milagre. O que fica impossvel compreender no a magnitude da tragdia, mas sim a sorte de ter escapado dela com vida.

    porque a mente no pode confrontar a possibilidade de sua prpria morte diretamente, que a sobrevivncia se torna para o ser humano, paradoxalmente, um eterno testemunho da impossibilidade de existncia (CARUTH, 1999, p. 62, traduo nossa).

    Conforme a autora, o que retorna nos flashbacks no a incompreenso de ter estado to perto da morte, mas a de ter sobrevivido a ela (CARUTH, 1999). di-fcil acreditar que se tenha escapado ileso do acidente, especialmente quando outros no receberam esse favor do destino, o que induz sempre ao incremento da culpa.

    Em alguns casos, ao invs de ocorrer um trabalho de luto para enterrar o que foi perdido com o trauma, o agravamento do poder sdico do supereu engen-dra um processo de compulso repetio que conduz o sujeito autodestruio.

    O trauma pode pr em funcionamento um supereu tirnico que se alimen-ta da pulso de morte, exortando o sujeito ao gozo via repetio, submetendo-o obedientemente a uma satisfao masoquista que compromete a sua sade mental. De fato, como ressaltou Lacan (1998[1963]), o supereu desconectado de toda e qualquer noo de moralidade, e no se confunde com o ideal do eu. Em seu estudo sobre o tema, Lacan evocou a Lei do Gozo ditada pelo supereu, observando que ele pode assumir o aspecto de um Ser-Supremo-em-Maldade(LACAN, 1998[1963]).

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    Na neurose traumtica, o supereu faz do eu sua vtima. Nestas circunstn-cias, o imperativo categrico impe ditames destrutivos. O supereu cria verdadei-ras armadilhas para o eu que, em ltima anlise, levariam morte, completando a ao que no foi finalizada quando do evento traumtico. Ocorre ento uma demanda de trabalho da pulso de morte vida anmica para que a ameaa de aniquilamento psquico, motivada pelo trauma, se realize de fato. No incomum que, aps o choque, o paciente venha a adotar atitudes drsticas e intempestivas, como, por exemplo, romper com a namorada, pr fim ao casamento, sair de casa, etc. Antes que seja abandonado pelo outro, como teme, ele o abandona, desfazen-do seus laos afetivos, substituindo a passividade pela atividade. Todavia, desta forma acaba satisfazendo o gozo, pois vivencia outras perdas, vindo a sofrer ain-da mais. Este funcionamento, que est alm do princpio de prazer, parece ser motivado pelo sentimento de culpa inconsciente. Da o drama dos sobreviventes dos campos de concentrao nazista que, aps serem libertados, vieram a se sui-cidar, provavelmente atormentados pelo doloroso sentimento de culpa por terem sobrevivido, ao contrrio dos milhares de companheiros falecidos, entre eles, amigos e parentes. Embora tenham escapado do inferno, sofriam dilacerados pe-las lembranas pavorosas daquela cruel experincia vivida na guerra.

    Desta maneira, o sadismo e a crueldade do supereu a servio da pulso de morte podem perder sua medida na neurose traumtica, levando o sujeito a atuaes danosas para si mesmo. Do trauma pode advir um luto bem-sucedi-do, ou um extremo mal-estar que compromete o futuro do sujeito, conforme ser exposto no caso clnico.

    ViNheta clNica

    Jlio procurou tratamento no ambulatrio de psicologia aps ter sofrido um tenebroso acidente, cuja lembrana ecoava em sua mente impedindo que pu-desse seguir com sua vida normalmente. Compareceu primeira entrevista dis-posto a contar tudo o que havia lhe acontecido. Era preciso falar, contar como havia sobrevivido ao massacre. Aflito, em muitos momentos ficava com a respi-rao alterada, ofegante, nervoso, cheio de sentimentos conflitantes dentro de si. Buscava uma sada para escapar da priso causada pelo pensamento ruminante de morte, que o devastava por dentro.

    O seu relato foi bastante emocionado e o transportou de imediato situa-o traumtica, catica e desesperadora, vivida subitamente num dia comum de trabalho. Retornava de uma misso num nibus da Polcia Militar, quando o ve-culo foi atacado por muitas balas de fuzil que atingiram um a um do grupo. Jlio ainda pensou em saltar do nibus em movimento, mas quando se aproximou da porta de entrada, foi atingido na barriga. O motorista tambm foi baleado, vindo a desmaiar sobre o volante, perdendo o controle do nibus, que caiu numa vala de esgoto. Neste meio tempo, Jlio foi projetado para fora do veculo e ficou par-cialmente preso embaixo do nibus. O peso do veculo impedia que seu resgate fosse realizado. Ento, ele ficou por horas a fio aguardando socorro naquela gua ftida, sentindo uma dor dilacerante. Perdia tanto sangue pelo ferimento em sua

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    barriga que suspeitava no poder sair vivo dali, chegando a perder a conscincia. No entanto, lutou corajosamente por sua vida, salva pela chegada do Caveiro (veculo blindado) do Batalho de Operaes Especiais (BOPE), que trazia ho-mens da tropa de elite para dar apoio aos policiais encurralados no canal de esgo-to. O nibus foi ento amarrado ao blindado, que serviu como guincho, puxando o veculo para fora da gua, e finalmente foi possvel libertar Jlio.

    No hospital deram sua morte como certa. Para sua esposa, disseram que era melhor que se preparasse para o pior, pois o estado de sade do seu marido era muito grave, tirando-lhe todas as esperanas. Quando acordou, muitas horas depois do acidente, ele descobriu que todos os seus objetos pessoais, que estavam numa bolsa presa ao seu corpo no momento do acidente, haviam desaparecido. Sentiu, ento, desgosto e dio profundos. Afinal, como poderia ter sido furtado estando sob proteo dos colegas policiais? A nica justificativa que pde encontrar para tal ati-tude foi a de que os responsveis pelo roubo suspeitavam que ele no sobreviveria.

    Desde que sofrera o severo acidente, vinha tendo muitos pesadelos que repetiam em todos os detalhes aqueles dolorosos momentos de angstia vividos no ataque feito sua vida. Eram to reais e intensos que o levavam ao desespero. A angstia era tamanha que o fazia, estando adormecido, socar o travesseiro e at chutar sua esposa, que dormia ao seu lado. Passado um tempo em anlise, esses sonhos monocrdios cessaram. Ento surgiram outros em que passava por situaes to penosas quanto as da circunstncia do acidente. Curiosamente, sem-pre estava sob ameaa de morte, em troca de tiros ou fugindo da perseguio de algum bandido. Acordava todo suado, em pnico, com a sensao de estar beira da morte. Seu sono ficou bastante perturbado, chegando ao ponto de ter medo de dormir. Procurava, ento, se deitar de dia, porque assim se sentia mais seguro.

    Com o tempo, a sensao de estar sendo perseguido foi aumentando, tor-nando-se mais consistente. Passou a sofrer de um transtorno delirante do tipo persecutrio. Assim, queixava-se de estar sendo caado por pessoas que queriam mat-lo, e que sabiam onde ele morava. Estava beira de um ataque de nervos.

    Havia sido baleado e usurpado, como comentou um dia, ficado na merda e dela parecia nunca ter sado. Isto parecia impossvel de ocorrer com um PM que sempre tinha sido visto como vibrador, adjetivo que dado aos PMs entusias-mados com sua misso. Trazia, para a analista, antigas reportagens que informa-vam sobre o seu bom desempenho em nome da PMERJ. Jlio orgulhava-se por ter sido elogiado inmeras vezes pela Corporao e homenageado outras tantas por bravura. Ele fazia desse modo uma tentativa de reconstruir sua imagem que fora mutilada, supondo ter a analista um saber sobre como recuperar o que fora perdido - no s a mobilidade e sade de seu corpo, como a integridade de seu eu.

    Estava desiludido com a Polcia Militar, pela qual fizera tanto e to pouco estava recebendo em troca. Revoltava-se com a impotncia da Corporao, que no havia conseguido proteger adequadamente seu membro.

  • Silvia Lira Staccioli Castro; Ana Maria Rudge

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    Quando a fantasia de que a Corporao lhe oferecia toda a segurana caiu, Jlio defrontou-se com a conscincia de que fora uma iluso acreditar-se prote-gido. Ele no sabia como lidar com a apario da falncia do Outro, desse Outro no todo. Ser policial era um sonho de infncia. Havia conquistado este ideal, mas naquele momento essa imagem no tinha mais valor, deixando-o desampa-rado. Observamos que na construo delirante paranide havia uma tentativa de restaurar a imagem de um Outro inteiro/completo, que antes pertencera Polcia Militar e que fora desfeita.

    A exposio da insuficincia da organizao policial militar causou-lhe intenso mal-estar. Era como se suas referncias subjetivas mais importantes esti-vessem ruindo. Uma vez em licena para tratamento de sade, havia sido exclu-do do grupo de combatentes. Isto fez com que ele perdesse o lugar no coletivo, rompendo a ligao afetiva com seus pares e com seu chefe. O amor que os unira por tantos anos havia sido posto em xeque, fazendo com que a manuteno do eu sustentada pela instituio total se tornasse falha e precria.

    Nem os cuidados mdicos que lhe eram prestados pareciam ser sufi-cientes para cobrir o buraco que ficara mostra. Jlio havia perdido no so-mente sua capacidade produtiva, mas junto com ela, sua prpria identidade. No reconhecia mais o que havia sobrado de si mesmo aps o acidente. Seu corpo havia sido cortado em dois e a costura na pele, mostrada analista na primeira sesso, denunciava o trauma.

    No aceitava estar naquela situao, no admitia ter sequelas, clamava por algo que aliviasse sua dor. Para a analista era claro que o paciente demandava uma restituio de natureza narcsica. Tudo que havia sofrido representava um grande golpe, uma decepo consigo mesmo e com a Corporao, uma ferida impossvel de cicatrizar. Desde ento, sua vida havia se transformado em lama, realidade da qual no conseguia sair.

    Numa sesso disse analista que parecia carregar consigo uma espcie de m que atraa somente coisas ruins para si. Tudo estava saindo do eixo. Apesar de nunca ter verbalizado isso explicitamente, parecia perguntar qual era sua par-cela de culpa para que o destino tivesse sido to cruel com ele, castigando-o da-quele jeito. Acreditava estar sendo punido por tudo o que j havia feito de errado na vida. Era hora de pagar por seus excessos.

    Conforme ensinou Freud (1996[1924], p. 185), a ltima figura na srie de imagos que constituem o supereu, iniciada com os pais, o prprio destino, cujo poder sombrio apenas poucos dentre ns so capazes de encarar como impessoal. Para a grande maioria das pessoas, ele no passa de uma projeo tardia do pai (FREUD, 1996[1928]).

    O eu, como mostrou Reik (1997), tende a vislumbrar outra ameaa por trs do perigo externo. O perigo reativa o medo do supereu, que sempre assume a forma de medo da morte, esteja a vida do sujeito realmente em perigo ou no.

  • Notas sobre a clnica do trauma

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    Tendo sofrido um choque e uma violncia inesperados, o eu sente-se aban-donado pelo supereu, desfazendo-se assim a certeza de ser amado e protegido que o acompanhava desde a infncia A perda desta segurana, que uma iluso, deixa o sujeito sem cho. O evento traumtico impe uma fratura ao eu, uma brusca perturbao do equilbrio libidinal narcsico.

    O choque abala de chofre a independncia relativa que o eu havia ad-quirido face ao supereu. como se a violncia do trauma trouxesse baila a potncia destrutiva do supereu, projetado no mundo exterior sob a forma do destino. Assim, sob a forma de um castigo que o sofrimento enfrentado: o que fiz eu para merecer isso?

    Vimos neste caso que o trauma pode acarretar fenmenos prximos aos ve-rificados na psicose, como a despersonalizao. H um verdadeiro estranhamento em relao nova imagem egica, que, no caso desse paciente, se tornou a de um homem frgil e amedrontado. A sensao que habita o sujeito traumatizado a de no ser mais o mesmo.

    Freud (1920)estabeleceu aproximaes entre a neurose traumtica e a his-teria, e tambm entre a melancolia e a neurose traumtica, o que nos permite concluir que as duas ltimas podem ser tomadas como neuroses narcsicas:1

    O quadro sintomtico apresentado pela neurose traumtica aproxima-se do da histeria pela abundncia de seus sintomas motores semelhantes; em geral, contudo, ultrapassa-o em seus sinais fortemente acentuados de indisposio subjetiva (no que se assemelha hipocondria ou melancolia), bem como nas provas que fornece de debilitamento e de perturbao muito mais abrangentes e gerais das capacidades mentais. (FREUD, 1920, p. 12)

    Como ficou patente nesse caso clnico, a neurose traumtica pode tambm aproximar-se da parania, quando o ataque superegico que causa a indisposio subjetiva projetado.

    Decerto, a anlise o lugar por excelncia para se tratar do trauma, pois incita o sujeito a elaborar o que ficou de fora da cadeia de significante, como um signo isolado, e que insiste em retornar causando angstia. Se a fantasia foi es-tilhaada pelo encontro com o real traumtico, o trabalho analtico pode atenuar seu impacto desestruturante. O amor de transferncia pode ser propcio recons-truo da esfera das fantasias e das narrativas que constituem o eu, possibilitando a ligao daquilo que ficou de fora do pensamento.

    Assim, o analista deve possibilitar que brotem do analisando as palavras que vo preencher as lacunas do que antes era indizvel, pois ele est ali, emprestando sua voz e seu corpo como testemunha da violncia do trauma, tornando-o menos absurdo e menos irreal. O amor de transferncia pode barrar o gozo do supereu sdico (FUKS, 2001), retirando o sujeito da compulso repetio do trauma.

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    Invariavelmente, a clnica com pacientes traumatizados provocar angs-tia no analista. Sabemos como difcil encarar os encontros com um real contin-gente, imprevisvel e insuportvel na vida do outro, pois ele nos remete s nossas prprias feridas narcsicas e a nosso desamparo ante o destino. uma tarefa que custa caro ao psicanalista, mas, como Freud j nos advertiu, psicanalisar uma das tarefas impossveis. Por isso mesmo, algum material relativo ao trauma pos-sivelmente permanecer com o analista espera de uma elaborao.

    Notas1 Ao elaborar a 2 tpica, no pequeno artigo Neurose e Psicose, Freud (1924 [1923] diferencia esquematicamente 1. neurose, em que o conflito entre pulso e realidade leva ao recalque da pulso, 2. psicose, em que a defesa contra a realidade, a favor da pulso e 3. o que chamar de neurose narcsica, resultante de um conflito entre eu e supereu, que tem a melancolia como paradigma.

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  • Notas sobre a clnica do trauma

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    Recebido em: 03 de abril de 2010Aceito em: 01 de fevereiro de 2012