Movimento recente de retorno para as Classes D e E parece ser ...

4
1 Destaque Depec - Bradesco Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos Ano XIII - Número 133 - 13 de janeiro de 2016 Cortes utilizados para classificar as famílias em classes sociais de acordo com a renda mensal familiar Movimento recente de retorno para as Classes D e E parece ser conjuntural Ana Maria Bonomi Barufi O atual momento da economia levanta o questionamento de quão sustentável é o movimento de mobilidade social observado ao longo da última década. Como resultado do aumento da taxa de desemprego registrado desde meados de 2014, estimamos que cerca de 6,3 milhões de pessoas deixaram as Classes A, B e C, uma redução de 3,4 pontos percentuais da participação desse grupo no total da população analisada. Esse movimento pode ser decomposto da seguinte forma: 2,6 milhões de indivíduos deixaram as Classes A e B e 3,7 milhões de indivíduos deixaram a Classe C, e a contrapartida disso foi um aumento das Classes D e E em 6,5 milhões de indivíduos (já que nesse período houve também crescimento populacional). Entretanto, essa queda precisa ser colocada em perspectiva, uma vez que o acréscimo do número de indivíduos nas Classes A, B e C entre 2004 e 2014 foi de mais de 50 milhões de pessoas. Assim, esse movimento recente de piora do mercado de trabalho acarreta no retorno de algumas famílias para as classes sociais mais baixas, mas é importante destacar que ele é conjuntural. Isso porque conforme ocorra uma retomada do mercado de trabalho, é muito provável que a renda das famílias volte a subir. O estudo de mobilidade social realizado pelo DEPEC se baseia nas informações da PNAD e da PME. A PNAD, com informações mais defasadas (o último dado se refere a 2014), provê a distribuição das classes sociais de acordo com a renda de todas as fontes para o Brasil como um todo. Já a PME proporciona a variação mensal da distribuição das classes sociais, considerando apenas a renda do trabalho e o comportamento do mercado de trabalho nas 6 regiões metropolitanas investigadas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). A compatibilização entre as duas pesquisas é obtida mensurando quão relevante é a PME na PNAD para cada classe social, calculando um fator de expansão que é atualizado a cada PNAD e mantido constante para os meses que sucedem a última divulgação dessa pesquisa. Esses dados nos provêm portanto, uma estimativa da participação das classes sociais. Um segundo ponto a ser destacado é que a definição de classe social pode variar muito. Aqui, consideramos uma classificação com base na renda familiar de todas as fontes, acompanhando os mesmos cortes em termos reais ao longo do tempo (deflacionando-os pelo INPC). Os cortes utilizados, descritos na tabela que segue, foram definidos a partir de valores que estão relacionados em média à posse de determinados bens duráveis, com um padrão de consumo relativamente uniforme. RENDA MENSAL FAMILIAR (VALORES DE NOVEMBRO/2015) CLASSE A R$ 9954 OU MAIS CLASSE B DE R$ 6585 A R$ 9954 CLASSE C DE R$ 1646 A R$ 6585 CLASSE D DE R$ 995 A R$ 1646 CLASSE E ATÉ R$ 995 Considerando os cortes de classes sociais mencionados acima, é possível obter o gráfico que segue, que acompanha a evolução da participação das classes sociais ao longo do tempo. Fonte e elaboração: BRADESCO

Transcript of Movimento recente de retorno para as Classes D e E parece ser ...

Page 1: Movimento recente de retorno para as Classes D e E parece ser ...

1

Destaque Depec - BradescoD

epar

tam

ento

de

Pesq

uisa

s e

Estu

dos

Econ

ômic

osAno XIII - Número 133 - 13 de janeiro de 2016

Cortes utilizados para classificar as famílias em classes sociais de acordo com a renda mensal familiar

Movimento recente de retorno para as Classes D e E parece ser conjuntural

Ana Maria Bonomi Barufi

O atual momento da economia levanta o questionamento de quão sustentável é o movimento de mobilidade social observado ao longo da última década. Como resultado do aumento da taxa de desemprego registrado desde meados de 2014, estimamos que cerca de 6,3 milhões de pessoas deixaram as Classes A, B e C, uma redução de 3,4 pontos percentuais da participação desse grupo no total da população analisada. Esse movimento pode ser decomposto da seguinte forma: 2,6 milhões de indivíduos deixaram as Classes A e B e 3,7 milhões de indivíduos deixaram a Classe C, e a contrapartida disso foi um aumento das Classes D e E em 6,5 milhões de indivíduos (já que nesse período houve também crescimento populacional). Entretanto, essa queda precisa ser colocada em perspectiva, uma vez que o acréscimo do número de indivíduos nas Classes A, B e C entre 2004 e 2014 foi de mais de 50 milhões de pessoas.

Assim, esse movimento recente de piora do mercado de trabalho acarreta no retorno de algumas famílias para as classes sociais mais baixas, mas é importante destacar que ele é conjuntural. Isso porque conforme ocorra uma retomada do mercado de trabalho, é muito provável que a renda das famílias volte a subir.

O estudo de mobilidade social realizado pelo DEPEC se baseia nas informações da PNAD

e da PME. A PNAD, com informações mais defasadas (o último dado se refere a 2014), provê a distribuição das classes sociais de acordo com a renda de todas as fontes para o Brasil como um todo. Já a PME proporciona a variação mensal da distribuição das classes sociais, considerando apenas a renda do trabalho e o comportamento do mercado de trabalho nas 6 regiões metropolitanas investigadas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). A compatibilização entre as duas pesquisas é obtida mensurando quão relevante é a PME na PNAD para cada classe social, calculando um fator de expansão que é atualizado a cada PNAD e mantido constante para os meses que sucedem a última divulgação dessa pesquisa. Esses dados nos provêm portanto, uma estimativa da participação das classes sociais.

Um segundo ponto a ser destacado é que a definição de classe social pode variar muito. Aqui, consideramos uma classificação com base na renda familiar de todas as fontes, acompanhando os mesmos cortes em termos reais ao longo do tempo (deflacionando-os pelo INPC). Os cortes utilizados, descritos na tabela que segue, foram definidos a partir de valores que estão relacionados em média à posse de determinados bens duráveis, com um padrão de consumo relativamente uniforme.

RENDA MENSAL FAMILIAR

(VALORES DE NOVEMBRO/2015)

CLASSE A R$ 9954 OU MAIS

CLASSE B DE R$ 6585 A R$ 9954

CLASSE C DE R$ 1646 A R$ 6585

CLASSE D DE R$ 995 A R$ 1646

CLASSE E ATÉ R$ 995

Considerando os cortes de classes sociais mencionados acima, é possível obter o gráfico que

segue, que acompanha a evolução da participação das classes sociais ao longo do tempo.

Fonte e elaboração: BRADESCO

Page 2: Movimento recente de retorno para as Classes D e E parece ser ...

2DEPEC

Des

taqu

e D

EPEC

- B

rade

sco

Fonte: PME Elaboração: BRADESCO

Evolução da estimativa das participações das classes sociais na população brasileira – Média móvel 12 meses dos dados originais

Evolução da estimativa do número de brasileiros nas

classes A, B e C - média móvel de 12 meses - em milhões

Fonte: PME, PNAD Elaboração: BRADESCO

Tais estimativas revelam alguns pontos importantes. Entre 2004 e 2014, houve um acréscimo de mais de 50 milhões de pessoas nas Classes A, B e C. Esse movimento representou uma significativa inclusão social, e esteve associado à expansão do consumo que foi bastante forte nesse período. Entre os fatores que a proporcionaram, é possível destacar a significativa melhora do mercado de trabalho, com queda da taxa de desemprego aos níveis mais baixos da série histórica, maior formalização das relações de trabalho, expansão de programas sociais, aumento do grau de escolaridade da população (a média de anos de estudo das pessoas de 25 anos ou mais passou de 6,36 para 7,78 entre 2004 e 2014), valorização do salário mínimo, entre outros.

De fato, percebe-se pela linha azul do gráfico que segue que a taxa de desemprego dessazonalizada das 6 regiões metropolitanas da PME veio em uma

trajetória descendente relevante desde o início de 2004 até meados de 2014. A partir da metade de 2014, a taxa de desemprego começou a subir, sendo que esse movimento foi mais forte entre as Classes E, D e C.

Dois fatores estão associados a esse movimento específico por classe: por um lado, por construção, conforme as pessoas perdem emprego, é maior a chance que passem para uma classe social mais baixa, aumentando o contingente de desempregados nessas classes. Por outro, os indivíduos nesses grupos possuem qualificação mais baixa e, muitas vezes, estão envolvidos em atividades de trabalho mais informais, e, portanto, menos estáveis. Além disso, trabalhadores mais qualificados muitas vezes também são mais especializados, o que representa maior custo para demiti-los, já que as empresas possivelmente investiram em seu treinamento e necessitam de sua experiência para realizar determinada tarefa.

79,91

86,93

99,74

108,05

115,11

111,71

122,45

129,75

123,34

76,0

86,0

96,0

106,0

116,0

126,0m

ai/0

4ju

l/04

set/0

4no

v/04

jan/

05m

ar/0

5m

ai/0

5ju

l/05

set/0

5no

v/05

jan/

06m

ar/0

6m

ai/0

6ju

l/06

set/0

6no

v/06

jan/

07m

ar/0

7m

ai/0

7ju

l/07

set/0

7no

v/07

jan/

08m

ar/0

8m

ai/0

8ju

l/08

set/0

8no

v/08

jan/

09m

ar/0

9m

ai/0

9ju

l/09

set/0

9no

v/09

jan/

10m

ar/1

0m

ai/1

0ju

l/10

set/1

0no

v/10

jan/

11m

ar/1

1m

ai/1

1ju

l/11

set/1

1no

v/11

jan/

12m

ar/1

2m

ai/1

2ju

l/12

set/1

2no

v/12

jan/

13m

ar/1

3m

ai/1

3ju

l/13

set/1

3no

v/13

jan/

14m

ar/1

4m

ai/1

4ju

l/14

set/1

4no

v/14

jan/

15m

ar/1

5m

ai/1

5ju

l/15

set/1

5no

v/15

Milhões

EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE BRASILEIROS NAS CLASSES A, B E C - MÉDIA MÓVEL DE 12 MESES

Fonte: IBGEElaboração: Bradesco

37,4%

49,8%

56,6%54,6%

19,9% 16,1% 18,9%

35,9%

21,3%

15,5%16,1%

5,4% 6,8% 5,9%3,5% 4,4% 5,1% 4,5%

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%ju

l/04

nov/

04

mar

/05

jul/0

5

nov/

05

mar

/06

jul/0

6

nov/

06

mar

/07

jul/0

7

nov/

07

mar

/08

jul/0

8

nov/

08

mar

/09

jul/0

9

nov/

09

mar

/10

jul/1

0

nov/

10

mar

/11

jul/1

1

nov/

11

mar

/12

jul/1

2

nov/

12

mar

/13

jul/1

3

nov/

13

mar

/14

jul/1

4

nov/

14

mar

/15

jul/1

5

nov/

15

Classe CClasse DClasse EClasse BClasse A

18,6%

16,7%

8,0%

13,5%

6,1%

10,8%10,5%

4,5%

8,1%6,1%

3,2%4,6%3,8%

1,6% 2,2%1,9% 2,2%

1,1%1,7%

0,0%

2,0%

4,0%

6,0%

8,0%

10,0%

12,0%

14,0%

16,0%

18,0%

20,0%

mar

/02

jul/0

2no

v/02

mar

/03

jul/0

3no

v/03

mar

/04

jul/0

4no

v/04

mar

/05

jul/0

5no

v/05

mar

/06

jul/0

6no

v/06

mar

/07

jul/0

7no

v/07

mar

/08

jul/0

8no

v/08

mar

/09

jul/0

9no

v/09

mar

/10

jul/1

0no

v/10

mar

/11

jul/1

1no

v/11

mar

/12

jul/1

2no

v/12

mar

/13

jul/1

3no

v/13

mar

/14

jul/1

4no

v/14

mar

/15

jul/1

5no

v/15

Classe EClasse DTaxa de desemprego 6 RMsClasse CClasse BClasse A

Evolução da taxa de desemprego dessazonalizada por classe social*

(*) Neste caso, a classe social é calculada apenas a partir da renda do trabalho das famílias (considerando os cortes de renda mencionados no início do texto).

Fonte: PME, PNAD Elaboração: BRADESCO

Page 3: Movimento recente de retorno para as Classes D e E parece ser ...

3DEPEC

Des

taqu

e D

EPEC

- B

rade

sco

Fonte: PME Elaboração: BRADESCO

Percentual de trabalhadores formais (ocupados com carteira sobre o total de

ocupados, e ocupados com carteira, empregadores, militares e funcionários

públicos, e trabalhadores por conta própria com

contribuição ao INSS), séries dessazonalizadas

Distribuição dos indivíduos das Classes D e E e das Classes A, B e C por nível de instrução, 2014

Fonte: PNAD Elaboração: BRADESCO

60,2% 60,9%

63,8%65,8% 68,4%

72,2%74,6%

74,4%

44,2% 44,8%

48,0%49,1%

52,9%54,8%

54,3%54,4%

43,0%

49,0%

55,0%

61,0%

67,0%

73,0%

nov/

04fe

v/05

mai

/05

ago/

05no

v/05

fev/

06m

ai/0

6ag

o/06

nov/

06fe

v/07

mai

/07

ago/

07no

v/07

fev/

08m

ai/0

8ag

o/08

nov/

08fe

v/09

mai

/09

ago/

09no

v/09

fev/

10m

ai/1

0ag

o/10

nov/

10fe

v/11

mai

/11

ago/

11no

v/11

fev/

12m

ai/1

2ag

o/12

nov/

12fe

v/13

mai

/13

ago/

13no

v/13

fev/

14m

ai/1

4ag

o/14

nov/

14fe

v/15

mai

/15

ago/

15no

v/15

Com carteira, militares ou func. públicos, empregadores e contas próprias contrib. sobre o total de ocupadosCom carteira sobre total de ocupados

15,0%

48,0%

10,0%7,2%

16,6%

1,6% 1,3% 0,3%

6,3%

31,0%

9,9%7,4%

27,0%

5,7%

12,4%

0,2%0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

Sem

Inst

ruçã

o

Fund

amen

tal

Inco

mpl

eto

Fund

amen

tal

Com

plet

o

Méd

ioIn

com

plet

o

Méd

ioC

ompl

eto

Supe

rior

Inco

mpl

eto

Supe

rior

Com

plet

o

Não

Det

erm

inad

o

Classes D e E

Classes A, B e C

Em suma, a recente desaceleração da economia já apresenta consequências sobre a distribuição das famílias por classes sociais, de acordo com estimativa feita pelo DEPEC-Bradesco, considerando informações recentes do mercado de trabalho. No entanto, as mudanças estruturais da economia que embasaram o movimento de mobilidade social observado ao longo da última década não parecem ter se alterado de maneira significativa até o momento. Alguns deles, inclusive, não podem ser revertidos. Dentre esses, se destaca o aumento da escolaridade da população e a formalização das relações de trabalho (em função, dentre outros fatores, da redução do custo de formalização). Já

a valorização do salário mínimo e a expansão dos programas de transferência de renda, que acabam beneficiando as classes mais baixas, ainda não foram afetados de maneira significativa pela atual recessão.

O principal elemento que está por trás da passagem de pessoas das Classes A, B e C para as Classes D e E é o aumento da taxa de desemprego, acompanhado pela redução do salário real, observado nos últimos meses. Assim, conforme ocorra uma recuperação da atividade econômica, esse movimento poderá ser revertido. Com isso, os ganhos observados na última década poderão ser preservados.

Page 4: Movimento recente de retorno para as Classes D e E parece ser ...

4DEPEC

Des

taqu

e D

EPEC

- B

rade

sco

Octavio de Barros - Diretor de Pesquisas e Estudos EconômicosMarcelo Cirne de Toledo - Superintendente executivoEconomia Internacional: Fabiana D’Atri / Felipe Wajskop França / Daniela Cunha de Lima / Thomas Henrique Schreurs Pires Economia Doméstica: Igor Velecico / Andréa Bastos Damico / Ellen Regina Steter / Myriã Tatiany Neves Bast / Ariana Stephanie ZerbinattiAnálise Setorial: Regina Helena Couto Silva / Priscila Pacheco Trigo / Leandro de Oliveira Almeida Pesquisa Proprietária: Fernando Freitas / Leandro Câmara Negrão / Ana Maria Bonomi BarufiEstagiários: Gabriel Marcondes dos Santos / Wesley Paixão Bachiega / Carlos Henrique Gomes de Brito / Gustavo Assis Monteiro

Equipe Técnica

O DEPEC – BRADESCO não se responsabiliza por quaisquer atos/decisões tomadas com base nas informações disponibilizadas por suas publicações e projeções. Todos os dados ou opiniões dos informativos aqui presentes são rigorosamente apurados e elaborados por profissionais plenamente qualificados, mas não devem ser tomados, em nenhuma hipótese, como base, balizamento, guia ou norma para qualquer documento, avaliações, julgamentos ou tomadas de decisões, sejam de natureza formal ou informal. Desse modo, ressaltamos que todas as consequências ou responsabilidades pelo uso de quaisquer dados ou análises desta publicação são assumidas exclusivamente pelo usuário, eximindo o BRADESCO de todas as ações decorrentes do uso deste material. Lembramos ainda que o acesso a essas informações implica a total aceitação deste termo de responsabilidade e uso. A reprodução total ou parcial desta publicação é expressamente proibida, exceto com a autorização do Banco BRADESCO ou a citação por completo da fonte (nomes dos autores, da publicação e do Banco BRADESCO).