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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO
LUNA PIFFER BRAGA
ABORDAGEM AO PACIENTE NO TRAUMA:
REVISÃO DE LITERATURA
São Paulo - SP
2011
LUNA PIFFER BRAGA
ABORDAGEM AO PACIENTE NO TRAUMA:
REVISÃO DE LITERATURA
Monografia apresentada à Universidade
Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA,
como requisito parcial para obtenção do título
de Especialização em Clínica Médica de
Pequenos Animais.
Orientador: MSc. Monalyza Cadori Gonçalves
São Paulo – SP
2011
Ficha catalográfica preparada pelo setor de classificação e
catalogação da Biblioteca “Orlando Teixeira” da UFERSA
Bibliotecária: Marilene Santos de Araujo
CRB/5 1013
B730a Braga, Luna Piffer. Abordagem ao paciente no trauma: revisão bibliográfica. /
Luna Piffer Braga. – Mossoró: 2012.
36f. : il.
Monografia (Especialização em Clínica Médica e
Cirurgica de Pequenos Animais) – Universidade Federal Rural
do Semi-Árido. Orientadora: Profª. M. Sc. Monalyza Cadori Gonçalves.
1. Tratamento do trauma. 2. Pressão intracraniana. 3.
Emergência. I.Título.
CDD: 636.0897
LUNA PIFFER BRAGA
ABORDAGEM AO PACIENTE NO TRAUMA:
REVISÃO DE LITERATURA
Monografia apresentada como
requisito parcial para obtenção do título
de Especialização em Clínica Médica
Pequenos Animais da Universidade
Federal Rural do Semi-Árido.
PROVADA EM:_____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA ____________________________________
Profº. Presidente
_____________________________________ Profa.
Primeiro Membro _____________________________________
Profº Segundo Membro
Este trabalho é dedicado a
Renato Braga Perez, meu filho,
nascido em 01 de Novembro deste
ano. Que sua vida seja iluminada.
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai Antonio Carlos Braga Júnior, por me apoiar em tudo o que faço e
por incentivar e acreditar nos meus sonhos.
À minha mãe, Maria José Camila Piffer Nunes, por me incentivar e por estar
sempre pronta para me ajudar.
Ao meu irmão Guilherme Piffer Salles por me apoiar e me ajudar na realização
do presente trabalho.
À minha família por serem meus grandes amigos sempre, ouvindo
pacientemente todas as novidades.
À Gisele e Sandra, pelo apoio e por me ajudarem a cuidar do pequeno Renato
para que conseguisse realizar o trabalho.
À minha querida amiga Amanda Lemos Marques que me deu força mesmo
estando longe.
À professora Monalyza Cadori Gonçalves, pela orientação e pelo amparo
oferecido durante a realização do presente trabalho.
À professora Valéria Teixeira, que em um momento de dúvidas me ajudou a
vencer.
“Chegará o dia em que os
homens conhecerão a alma dos animais
e, nesse dia, um crime contra um animal
será um crime contra a humanidade“.
(Leonardo Da Vinci)
RESUMO
A terapia intensiva é uma área em ascensão e muitos clínicos querem aumentar seus
conhecimentos no assunto para atender essa nova demanda. Tendo em vista auxiliar
nessa busca por maiores conhecimentos na área, o presente trabalho procurou reunir
informações recentes sobre a abordagem e tratamento do animal com traumatismo
craniano. O trauma de crânio é uma condição bastante observada nas clínicas e muitas
vezes esses animais são considerar, antes mesmo de serem socorridos. Com um
atendimento rápido associado a uma avaliação bem feita e a um tratamento eficiente,
boa parte dos pacientes consegue se recuperar. No pronto atendimento, primeiro se faz o
ABC do trauma e correção de qualquer alteração destes sistemas para depois ser feita
avaliação neurológica específica. O tratamento do sistema neurológico, inicialmente
medicamentoso, tem por objetivo diminuir o edema cerebral e consequente aumento da
pressão intracraniana. Caso não se consiga resultados, a cirurgia de crânio é uma chance
de recuperação para esses pacientes. O prognóstico depende das condições neurológicas
do animal, sendo muitas vezes de reservado a desfavorável. No entanto com um
atendimento de qualidade e um tratamento adequado, muitos deles se recuperam.
Palavras-chave: emergência, pressão intracraniana, tratamento do trauma.
ABSTRACT
Intensive therapy is an emerging area and, to serve this new demand, many
clinicians are studying more about emergency medicine. Intending to help the
knowledge advance in the area, this work makes a new information revision about
approach and treatment of animals with skull encephalic trauma. The Brain trauma is a
very common condition in hospitals and often patients are considered lost, even before
being treated. However, with a quick assessment and effective treatment, most patients
can be recovered. In these cases the first procedure to be conducted is the ABC of
trauma, to immediately correct any abnormality of these systems, followed then by
specific neurologic evaluation. The neurological treatment, initially medicinal, aims to
decrease the cerebral oedema and its consequent high intracranial pressure. If you do
not get results, the skull surgery is an alternative option, with good chances of patient
recovery. The prognosis depends on the animal’s neurological conditions, but when a
good assessment and proper treatment are conducted, many patients can recover.
Key words: emergency, intracranial pressure, trauma treatment.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 13
2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................ 14
2.1 FISIOPATOGENIA ................................................................................ 14
2.1.1 Lesão Primária ...................................................................................... 14
2.1.2 Lesão Secundária .................................................................................. 15
2.2 AVALIAÇÃO DO PACIENTE .............................................................. 17
2.2.1 Exame Clínico Geral ............................................................................. 17
2.2.2 Exame neurológico ............................................................................... 19
2.2.3 Localização da lesão ............................................................................. 19
2.2.4 Exames complementares ...................................................................... 21
2.2.5 Prognóstico ........................................................................................... 22
2.3 TRATAMENTO ..................................................................................... 23
2.3.1 Terapia de Suporte ............................................................................... 23
2.3.1.1 Fluidoterapia ...................................................................................... 23
2.3.1.2 Oxigênio ............................................................................................ 24
2.3.2 Analgésicos ........................................................................................... 25
2.3.3 Diuréticos .............................................................................................. 25
2.3.3.1 Manitol ............................................................................................... 26
2.3.3.2 Furosemida ........................................................................................ 27
2.3.3.3 Solução hipertônica 7,5% .................................................................. 27
2.3.4 Antibióticos ........................................................................................... 27
2.3.5 Anticonvulsivantes ............................................................................... 28
2.3.6 Antiinflamatórios .................................................................................. 28
2.3.7 Antioxidantes e Varredores de Radicais Livres .................................... 29
2.3.8 Bloqueadores dos Canais de Cálcio e Sódio ......................................... 30
2.3.9 Hipotermia ............................................................................................ 30
2.3.10 Fisioterapia e Cuidados de Enfermagem ............................................ 31
2.3.11 Abordagem Cirúrgica .......................................................................... 32
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 33
REFERÊNCIAS BIBLIIOGRÁFICAS ..................................................... 34
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Algoritmo do ABC do trauma ....................................................... 18
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Localização da Lesão e Sinais Clínicos Neurológicos ................ 20
Quadro 2. Localização da Lesão e Sinais Clínicos Respiratórios ................ 21
Quadro 3. Escala de Coma de Glasgow Modificada para Cães ................... 22
LISTA DE ABREVIAÇÕES
ABC do trauma Air, Breath, Circulation
PIC Pressão intracraniana
PAS Pressão arterial sistêmica
PAM Pressão arterial média
PPC Pressão de perfusão cerebral
TCE Trauma crânio-encefálico
DMSO Dimetilsufóxido
ATP Adenosina Trifosfato
TC Tomografia Computadorizada
13
1 INTRODUÇÃO
O aumento da busca por informações e melhor atendimento por parte dos
proprietários impulsionou grandes avanços na medicina veterinária nos últimos anos.
Dentre esses avanços inclui-se a terapia intensiva, que visa o tratamento de pacientes
críticos. A ocorrência de atendimentos emergenciais nos hospitais e clínicas é bastante
freqüente, sendo que não é incomum estes animais apresentarem trauma crânio-
encefálico (TCE) (SANTOS; et al, 2008).
O traumatismo craniano é definido por qualquer injúria na região cefálica que
atinja o sistema nervoso central, podendo causar lesões de maior ou menor gravidade.
Na clínica de pequenos animais é relativamente comum e de modo geral, se dá por
mordida de animais maiores, atropelamento, quedas, agressões e ferimentos penetrantes
(DEWEY, 2006). As vítimas normalmente necessitam de cuidados especiais, muitas
vezes emergenciais, tão logo ocorra o incidente (SAKAMOTO, 2010). O trauma crânio-
encefálico está associado a altas taxas de mortalidade, onde as hemorragias e edemas
cerebrais, presentes na maioria dos casos, são as principais causas dos óbitos (DEWEY,
2006; SAKAMOTO, 2010).
Esta revisão de literatura tem por objetivo abordar tópicos relevantes sobre a
fisiopatologia do trauma craniano, protocolo diagnóstico e adequado tratamento na
busca pelo aumento das chances de vida do animal atendido com traumatismo crânio-
encefálico.
14
2 REVISÃO DE LITERATURA
Na clínica de pequenos animais, o trauma crânio-encefálico é relativamente
comum e, de modo geral, se dá por mordida de animais maiores, atropelamento, quedas,
agressões e ferimentos penetrantes (DEWEY, 2006). As diferentes forças atuantes
durante o trauma e seus efeitos sobre as estruturas cerebrais vão determinar, após exame
minucioso, as necessidades terapêuticas para a estabilização e possível recuperação do
paciente (CHAN, 2008, a).
2.1 FISIOPATOGENIA
Após o trauma inicial ao parênquima cerebral, em decorrência da hemorragia,
isquemia e edema conseguintes, há o aumento do volume do cérebro. Este aumento de
volume eleva a PIC e diminui a perfusão, ocasionando mais lesões, caracterizadas por
processos necrolíticos. Esses processos, na maioria das vezes, é que levam o animal a
óbito (NELSON; COUTO, 2010; RABELO; CROWE, 2005).
As lesões são classificadas em primárias e secundárias (CHAN, 2008, b). As
primárias se instalam logo após o impacto e desencadeiam as secundárias, que são
cascatas bioquímicas. Ambas podem causar aumento da PIC (DEWEY, 2006;
RABELO; CROWE, 2005).
2.1.1 Lesão Primária
Ocorre no momento do trauma em decorrência da força da agressão, lesionando
o parênquima cerebral. Sua extensão está relacionada com o grau de aceleração e
desaceleração da força do impacto (BRAUND, 2003). São de difícil reversão, mas se
forem tomadas medidas rápidas mantendo um meio favorável, é possível recuperar o
tecido lesionado (SANTOS; et al, 2008).
15
As agressões podem causar concussões, contusões, lacerações e lesões difusas
da substância branca (ou lesão difusa de axônios), que causam hemorragias e edema
(BOSCO, 2008; RABELO; CROWE, 2005).
Bosco (2008) define concussão como distúrbio leve com perda da consciência
em curto espaço de tempo e sem sequelas. A contusão, já mais grave, envolve
lacerações com lesões de comprometimento estrutural e procedente sequela, estando
associada muitas vezes às fraturas. A lesão difusa se caracteriza por ruptura de fibras
das estruturas cerebrais (RABELO; CROWE, 2005).
As hemorragias são resultado das injúrias ocorridas nos vasos sanguíneos e
formam hematomas que levam ao aumento da PIC (ROZANSKI; RUSH, 2009,
PLATT, 2008). Podem ser epidurais, subaracnóideas ou intraparenquimatosas (BOSCO,
2008).
O edema também favorece o aumento da PIC (SAKAMOTO, 2010). Bosco
(2008) classifica o edema em vasogênico devido ao extravasamento vascular,
intersticial pelo acúmulo de líquido na substância branca, citotóxico pela alteração na
bomba de sódio e potássio e neurotóxico por hipóxia celular.
A lesão primária desencadeia vias bioquímicas que levam a um maior dano
cerebral aumentando ainda mais a PIC (CHAN, 2008 a).
2.1.2 Lesão Secundária
A lesão secundária ocorre por conta de mediadores inflamatórios que são
liberados em decorrência das alterações causadas pela lesão primária (BROUND, 2003).
A hipotensão e a hipóxia desencadeiam todo o processo bioquímico, levando à
diminuição da produção de ATP e consequente alteração da bomba de sódio e potássio,
aumentando a concentração destes íons no meio intracelular (ROZANSKI; RUSH,
2009). A resultante despolarização causa um aumento do glutamato no meio
extracelular fazendo aumentar ainda mais a concentração de cálcio intracelular
16
(DEWEY, 2006), que leva à ativação, dentre outras vias, da cascata do ácido aracdônico
e da oxidase xantina, produzindo radicais livres.
A ativação da cascata do ácido aracdônico também é induzida pela ação de
neutrófilos, oxidação de catecolaminas e isquemia. Além disso, há ativação de
mediadores de inflamação (interleucinas) e da cascata da coagulação, que junto ao
sistema complemento e às cininas, aumentam a lesão cerebral e contribuem para o
aumento da PIC (RABELO; CROWE, 2005).
Assim o aumento da PIC pode se dar por quatro causas mais comuns: inchaço
cerebral, pela vasodilatação; roturas vasculares, que causam hemorragias; obstrução das
vias liquóricas, que causam hipertensão e hidrocefalia e hérnias cerebrais (PLATT,
2008). As hérnias podem ocorrer nas regiões transcraniana, transtentorial e pelo forame
Mágno (TELLO, 2008).
O aumento da PIC diminui a perfusão cerebral, deixando a oxigenação celular
prejudicada. Isso faz com que a produção de gás carbônico aumente e,
consequentemente, a vasodilatação e a hipertensão intracraniana. Esse evento causa o
aumento da pressão arterial média e, em resposta, ocorre o reflexo de Cushing, ou seja,
bradicardia compensatória (ROZANSKI; RUSH, 2009). Caso a hipertensão sistêmica
continue aumentando, pode haver isquemia do miocárdio e arritmias ventriculares, além
de danos aos rins e a outros órgãos (RABELO; CORWE, 2005).
Além do aumento da PIC, pode haver lesão de reperfusão que acontece com o
retorno do suprimento sanguíneo ao tecido após um período de isquemia ou hipóxia
tecidual. O processo inicia com a interrupção do fornecimento de oxigênio e nutrientes,
levando ao acúmulo de metabólitos anaeróbicos e radicais livres. Com o
reestabelecimento da perfusão, o oxigênio molecular entra nas células e é convertido em
superóxidos e radicais hidroxilas altamente reativos, atacando os lipídeos, e proteínas da
membrana plasmática, glicosaminoglicanas e o DNA celular. Este dano celular
oxidativo leva à síntese e ativação de citocinas e até mesmo à apoptose. Essas lesões
induzem os leucócitos trazidos pelo reperfusão sanguínea a desencadear um processo
inflamatório, causando mais dano tecidual (HOLZER, 2002; VECHI et al, 1998)
17
2.2 AVALIAÇÃO DO PACIENTE
2.2.1 Exame Clínico Geral
Na maioria das vezes os animais que apresentam traumatismo craniano são
politraumatizados e chegam com hipovolemia, choque e depressão mental. Por isso,
uma avaliação bem conduzida do quadro geral permite que medidas tomadas com o
objetivo inicial de manutenção da vida melhorem inclusive o estado neurológico desses
animais (RABELO; CROWE, 2005).
O animal precisa ser avaliado como um todo, tendo como foco principal o
sistema respiratório e circulatório, para que seja possível otimizar a perfusão sanguínea
e a oferta de oxigênio para os tecidos. Para isso, utiliza-se o ABC do trauma como
forma de avaliação e estabilização do paciente (TELLO, 2006, b). O conceito do ABC
do trauma, atualmente, é conduzido de forma a avaliar primeiro o sistema respiratório,
depois o circulatório, o nervoso, o digestivo e por fim o musculoesquelético (TELLO,
2006, a).
A oferta de oxigênio, a melhora das condições respiratórias e uma boa pressão
sanguínea ajudam na recuperação do sistema neurológico em animais com TCE
(CHAN, 2008). Após a realização do ABC do trauma com o animal já estabilizado se
faz então o exame neurológico específico (SANTOS; et al, 2008).
18
Figura 1: Algoritmo do ABC do trauma.
Fonte: ROZANSKI; RUSH, 2009.
A – vias aéreas
Hemorragia arterial
externa
Desobstrução das vias
aéreas
Obstrução das vias aéreas
Considerar a colocação
de um cateter
transtraqueal e uma
traqueostomia
B – respiração (o animal
respira normalmente?)
B – respiração (o animal
respira normalmente?)
Sim – monitorar a
adequação da ventilação,
administração continuada
de oxigênio, partir para o C.
Não – entubação
endotraqueal
C – circulação
Controle do pulso e dos
sons cardíacos
19
2.2.2 Exame Neurológico
O exame neurológico específico é feito sem grandes manipulações no paciente
devido às possíveis fraturas e instabilidades na coluna vertebral (VERNAU, 2005). São
avaliados o andar, se há ataxia, paresia, paralisia flácida/rígida; o nível de consciência,
se o animal se apresenta em decúbito, inconsciente, se deambula; se recebeu
anteriormente alguma medicação que possa alterar seu estado de consciência, e se há
algum tipo de lesão em que haja a necessidade de intervenção cirúrgica imediata
(TELLO, 2006a).
Uma boa forma de avaliar o grau de lesão cerebral inicial, bem como a evolução
do quadro é a aplicação da escala de coma de Glasgow pediátrica modificada para cães.
Os parâmetros dessa escala consideram a abertura ocular, melhor resposta a vocalização
e melhor resposta motora (ROZANSKI; RUSH, 2009; PLATT, 2005; SAKAMOTO,
2010; CUNHA et all, 2010).
2.2.3 Localização da Lesão
O quadro clínico varia conforme a localização da lesão causada pelo trauma
(ROZANSKI; RUSH, 2009).
Rabelo e Crowe (2005) descrevem as lesões classificando em cerebral focal,
onde o animal apresenta alteração de comportamento, depressão, déficit visual e andar
em círculos; cerebral generalizada, onde há estados de estupor e coma; do tronco
encefálico, em que há presença de estados de estupor e coma, ausência dos reflexos do
tronco e de pares de nervos cranianos, além de hemiparesia ou tetraparesia espástica;
vestibular central, onde ocorre cabeça lateralizada, ataxia e estrabismo posicional;
vestibular periférica, apresentando Síndrome de Horner ipsilateral, e por fim, lesão
cerebelar, em que pode haver ataxia, dismetria, tremores intencionais e descerebelação
(espasmo de membros anteriores com flacidez dos posteriores e opistótono). Trauma
craniano ainda inclui uma possibilidade de descerebração, em que há espasmo dos
20
quatro membros e coma, e lesão de Schiff-Scherington, onde o animal apresenta
espasmo de membros anteriores e paraplegia (quadro 1).
As alterações respiratórias que podem ocorrer também se caracterizam de acordo
com a localização das lesões. A respiração de Cheyne-Stokes, períodos de taquipnéia,
seguida de apnéia, caracteriza lesão em região de cápsula interna, gânglio basal,
diencéfalo e cortical. A hiperventilação neurogênica central (taquipnéia regular) é
causada por lesões em mesencéfalo. A hipoventilação alveolar central (bradipnéia
regular) é vista em lesões de tronco encefálico. E a respiração apnêustica, inspiração
longa seguida de expiração e apnéia com longo intervalo entre cada respiração,
normalmente também caracteriza lesão de tronco (quadro 2) (BRAUND, 2003).
Quadro 1. Localização da Lesão e Sinais Clínicos Neurológicos
LOCALIZAÇÃO DA LESÃO SINAIS CLÍNICOS
Cerebral Focal Alteração de comportamento, depressão, déficit
visual e andar em círculos.
Cerebral generalizada
Estupor, coma e lesão de descerebração (espasmo
dos quatro membros, coma, e lesão de Schiff-
Scherington).
Tronco Encefálico
Estupor, coma, ausência dos reflexos do tronco e de
pares de nervos cranianos e hemiparesia ou
tetraparesia espástica.
Vestibular Central Cabeça lateralizada, ataxia e estrabismo posicional
Vestibular Periférica Síndrome de Horner ipsilateral
Cerebelar
Ataxia, dismetria, tremores intencionais e
descerebelação (espasmo de membros anteriores
com flacidez dos posteriores e opistótono).
Fonte: RABELO; CROWE, 2005.
21
Quadro 2. Localização da Lesão e Sinais Clínicos Respiratórios
SINAIS CLÍNICOS LOCALIZAÇÃO DA LESÃO
Respiração de Cheyne-stokes Lesão em cápsula interna, gânglio basal, diencéfalo e
cortical.
Hiperventilação Neurogênica
Central Lesões em Mesencéfalo
Hipoventilação Alveolar Central Lesão em Tronco encefálico
Respiração Apnêustica Lesão em Tronco encefálico
Fonte: BRAUND, 2003.
2.2.4 Exames Complementares
A avaliação do hemograma é indicada para observar anemias, sangramentos e
leucocitose. Alterações no coagulograma podem sugerir lesões cerebrais e de glicemia,
esta podendo estar aumentada nos primeiros dias devido ao hipermetabolismo
(RABELO; CROWE, 2005; DEWEY, 2006).
A bioquímica do líquor é útil para se observar o índice de lactato, que se muito
alterado revela mal prognóstico (RABELO; CROWE, 2005; DEWEY, 2006).
Os exames de imagem, como a radiografia e a tomografia computadorizada
(TC), ajudam a avaliar possíveis lesões em coluna, hemorragias agudas e fraturas de
crânio (PLATT, 2005; ROSANSKI; RUSH, 2009). A TC é indicada em animais com
histórico de trauma cefálico, incluindo os assintomáticos, pois pode haver hematomas
intracranianos (CABASSU, 2008).
22
2.2.5 Prognóstico
O prognóstico depende da gravidade da lesão, podendo ser influenciado pelas
alterações secundárias causadas no pós-trauma (ROZANSKI; RUSH, 2009). Os animais
que apresentam lesões intracerebrais, normalmente, têm um pior prognóstico àqueles
que apresentam lesões corticocerebrais. De qualquer forma é preciso paciência e
persistência para tratar as lesões cerebrais traumáticas, como edema, necrose e
hemorragias, sendo muitas vezes necessários meses para a recuperação completa
(VERNAU, 2005).
A escala de coma de Glasgow é considerada um bom parâmetro para
determinação do prognóstico. A soma da pontuação dos parâmetros que avaliam a
atividade motora, os reflexos e o nível de consciência do paciente, reflete o prognóstico.
A soma final de 3 a 8 sugere prognóstico ruim, de 9 a 12 reservado e 13 a 15 bom
(QUADRO 3) (PLATT, 2005; ROZANSKI; RUSH, 2009; SAKAMOTO, 2010,
CUNHA et al, 2010).
Quadro 3. Escala de Coma de Glasgow Pediátrica Modificada para Cães.
Pontos Abertura ocular Melhor resposta à
vocalização
Melhor resposta
motora
6 ______ ____ Movimento
espontâneo e normal
5 _____ Latido/ rosnado Reação ao toque
4 Espontânea Choramingo irritado Reação a dor
3 Estímulo
verbal/comando/grito Choramingo a dor
Flexão anormal
(descorticação)
2 Estímulo doloroso Ganido a dor Extensão anormal
(descerebração)
1 Sem abertura Sem resposta Nenhuma
Fonte: CUNHA et al, 2010.
23
2.3 TRATAMENTO
A abordagem inicial é sempre feita pensando no suporte da vida, buscando
manter o volume de sangue e oxigênio em níveis adequados (NELSON; COUTO,
2010).
Uma das primeiras atitudes a serem tomadas, junto à terapia de suporte, é a
elevação da cabeça entre 15º e 30º em pacientes que se apresentam em decúbito, para
ajudar a diminuir a PIC (DEWEY, 2006).
Depois do tratamento de suporte, o principal objetivo para o trauma craniano é
evitar o aumento da PIC, além de impedir a evolução do edema e da isquemia e a
formação de hérnia (RABELO; CROWE, 2005; SANTOS; et al, 2008).
2.3.1 Terapia de Suporte
2.3.1.1 Fluidoterapia
A perfusão arterial é um dos fatores determinantes na melhora ou piora do
quadro geral e neurológico (BRAUND, 2003). Considerando que a pressão arterial
sistêmica (PAS) está diretamente ligada à perfusão cerebral, se a PAS aumentar, a
pressão de perfusão cerebral (PPC) também aumenta (NELSON, COUTO, 2010).
Assim a administração de fluidos intravenosos deve ser adequada e a diurese do
paciente avaliada (TELLO, 2006, b).
Os colóides, como por exemplo o hetamido (Hetarstach®), aplicado na dose de
10 a 20ml/kg em bolus rápido em cães e de 5ml/kg em 5 a 10 minutos em gatos, são
indicados para reverter o choque hipovolêmico. Além da sua rápida ação para
restabelecer volume, e consequente pressão arterial, permite a utilização de menor
quantidade de fluidos para manutenção (BRAUND, 2003; NELSON; COUTO, 2010).
24
Pinto (2007) relata que a solução salina hipertônica a 3% pode diminuir a PIC,
podendo também diminuir a incidência de herniação cerebral. Já a salina hipertônica
7,5% é indicada por muitos autores para reverter o choque, na dose de 4 a 5ml/kg
administrados em 3 a 5 minutos. No entanto, deve-se tomar cuidado com a utilização de
solução salina a 7,5%, pois apesar de melhorar a pressão arterial média (PAM) e a PPC,
não é indicada em casos de desidratação e o sódio pode contribuir na formação do
edema cerebral (DEWEY, 2006; PLATT, 2008; SANTOS; et al, 2008).
Os cristalóides normalmente são escolhidos para a manutenção, mas também
podem ser utilizados para reverter o choque hipovolêmico. No entanto, é necessário
cuidado para não haver agravamento do edema por excesso de fluido. A fluidoterapia
para o choque é de 90ml/kg/h em cães e de 60ml/kg/h em gatos (BRAUND, 2003;
DEWEY, 2006).
O dextran 70 é uma boa opção como adjuvante para reverter o choque. Sua dose
é de 10 a 20ml/kg em cães (não podendo passar de 50ml/kg/h) e de 5ml/kg em 5 a 10
minutos em bolus nos gatos (DEWEY, 2006).
O sangue e seus derivados são importantes para manter o volume de células
sanguíneas e da albumina em casos de anemia. O hematócrito deve ser elevado para
valores mínimos entre 25 a 30% e a albumina acima de 2g/dl. A dose de transfusão é de
4 a 10ml/kg/h em animais estáveis, mas caso o paciente esteja instável a administração
deve ser mais rápida (DEWEY, 2006; RABELO; CROWE, 2005).
2.3.1.2 Oxigênio
O aumento da extensão da lesão secundária está relacionado com a hipóxia
cerebral, devendo-se assim evitar ao máximo que esta ocorra (SANTOS; et al, 2008). A
pressão parcial de oxigênio, podendo ser medida por hemogasometria, deve ser mantida
em 90mmHg nos cães e em 100mmHg nos gatos (BRAUND, 2003). Caso não seja
possível fazer a hemogasometria, a oxigenação do paciente pode ser avaliada com o
oxímetro de pulso, considerando, contudo, possível erro de valores (RABELO;
CROWE, 2005).
25
O fornecimento de oxigênio é feito por cateteres nasais ou transtraqueais ou
ainda por máscara em animais com lesões leves, e por entubação ou tubos de
traqueostomias com ventilação assistida em animais com lesões graves. Nestes casos há
necessidade de cuidado para não haver compressão da jugular, pois com isso há
consequente aumento da PIC (DEWEY, 2006).
Apesar de ser indicada a hiperventilação para pacientes com TCE, por ajudar a
diminuir a PIC através da vasoconstrição, trabalhos recentes não recomendam como
terapia inicial, pois pode piorar a isquemia e a oxigenação cerebral nos casos de
hipertensão intracraniana (BRAUND, 2003).
2.3.2 Analgésicos
A analgesia é importante para não haver aumento da ação simpática, evitar
vocalizações e tirar a dor do paciente (NELSON; COUTO, 2010).
Os analgésicos mais utilizados são os opióides, pois têm a capacidade de
interagir com receptores específicos no cérebro, principalmente tálamo e córtex
cerebral, impedindo a propagação de estímulos dolorosos (NEVES, 2010).
Os opióides mais utilizados na clínica são a morfina, hidromorfina e fentanil,
mas há indicações de outros como a codeína, que é recomendada para animais com
distúrbios neurológicos e dor severa o butorfanol, que apresenta pouca depressão
respiratória e a naloxona, que em doses altas pode ser administrada logo após o trauma e
ajuda na recuperação neurológica (NEVES, 2010).
2.3.3 Diuréticos
Nos casos de TCE, a coleta do fluido cerebroespinhal não é recomendada por
poder causar herniação cerebral em situação de aumento da PIC, indicando assim o uso
de diuréticos (NEVES, 2010).
26
Os diuréticos mais utilizados em pacientes com esse tipo de trauma são o
manitol e a furosemida (BOSCO, 2008).
2.3.3.1 Manitol
O manitol é recomendado devido seu efeito de diminuição do edema e PIC
(RABELO; CROWE, 2005).
Além do seu efeito no edema, o manitol diminui a viscosidade do sangue
melhorando a PPC junto com a vasoconstrição reflexa (RABELO; CROWE, 2005;
TELLO, 2008). Outras ações desejáveis do manitol incluem a diminuição de produção
do líquido cerebroespinhal e inativação de radicais livres (DEWEY, 2006; NEVES,
2010).
Suas ações são bastante benéficas, mas há suas desvantagens, como aumento da
viscosidade do sangue em pacientes desidratados e liberação de histamina, que pode
aumentar uma hipotensão pré-existente. Portanto, é recomendada a administração de
fluidos sempre que utilizar o manitol (BOSCO, 2008).
Dewey (2006) recomenda uma dose de 0,5 a 1g/kg administrados em 10 a 20
minutos, por via intravenosa, podendo fazer a administração em bolus, não devendo
ultrapassar 3 aplicações em 24h. Já Neves (2010) sugere uma dose entre 0,25 a 2g/kg
em 20 a 30 minutos, intravenoso, a uma velocidade de 2ml/kg/min.
O cuidado com a dose do manitol é importante para que não aumente sua
concentração extravascular, excedendo a concentração intravascular e assim
aumentando o edema cerebral. O efeito de vasoconstrição reflexa acontece em alguns
minutos após sua aplicação e a ação osmótica começa dentro de 15 a 30 minutos. Sua
duração no organismo é de 2 a 5 horas (RABELO; CROWE, 2005).
27
2.3.3.2 Furosemida
A furosemida é utilizada, nestes casos, para sinergismo com o manitol,
potencializando a ação deste (BOSCO, 2008). Administrada pouco antes do manitol, na
dose de 2 a 5mg/kg por via intravenosa, pode diminuir a PIC em 10 minutos da
aplicação, além de evitar o efeito rebote inicial do manitol (JHONSON, 2007).
2.3.3.3 Solução salina hipertônica a 7,5%
A solução salina hipertônica a 7,5% é um cristalóide de ação osmótica similar ao
manitol, que eleva a pressão vascular de forma rápida. No entanto, por levar à
hipernatremia, sua utilização não é feita de rotina, mas sim quando não há resposta ao
uso do manitol ou quando há deterioração neurológica severa (VERNAU, 2005).
Bosco (2008) recomenda a utilização de solução salina hipertônica a 7,5% para
melhorar a pressão arterial, promover a diurese, podendo diminuir a PIC nos pacientes
de trauma cefálico.
2.3.4 Antibióticos
Devido ao tempo de tratamento nesse tipo de trauma, podem ocorrer
complicações como septicemia causada por utilização prolongada de sondas e cateteres,
pneumonia aspirativa e infecções hospitalares (RABELO, CROWE, 2005).
Os antibióticos que atingem a barreira hematoencefálica são vários, sendo os
mais utilizados a ampicilina, o metronidazol, a sulfa em associação ao trimetropim e as
cefalosporinas de terceira geração. A escolha do antibiótico, no entanto, varia conforme
o quadro clínico (NEVES, 2010).
Sakamoto (2010), por exemplo, no tratamento de um cão com traumatismo
craniano de fratura exposta, optou pela utilização, em primeiro momento, da sulfa com
trimetropim, para evitar uma possível meningite e após 15 dias, trocou a medicação para
28
amoxicilina em associação com ácido clavulônico, devido à possibilidade de
osteomielite.
2.3.5 Anticonvulsivantes
As convulsões, quando presentes, devem ser tratadas, contudo não é indicada a
terapia anticonvulsivante como profilaxia (ROSANSKI; RUSH, 2009).
Podem ocorrer nos primeiros sete dias após o trauma ou a partir do sétimo dia,
sendo as iniciais relacionadas ao próprio trauma e as tardias devido ao aparecimento de
focos epiléticos (RABELO; CROWE, 2005).
As drogas mais utilizadas são o diazepam, fármaco de escolha na emergência, na
dose de 0,5 a 1,0mg/kg por via intravenosa, e o fenobarbital para casos graves,
refratários ou ainda como medicamento de manutenção nos pacientes que se tornam
epiléticos (AÑOR, 2007). A dose do fenobarbital é de 3 a 5mg/kg por via intravenosa
ou via oral, a cada 12 horas. O brometo de potássio é uma segunda opção para os casos
em que o animal apresentar epilepsia, principalmente se este for hepatopata. Se
associado ao fenobarbital a dose do brometo de potássio é de 30mg/kg por via oral, uma
vez ao dia. Sozinho, deve ser administrado na dose de 40mg/kg por via oral, uma vez ao
dia (NEVES, 2010; RABELO; CROWE, 2005).
2.3.6 Antiinflamatórios
O trauma desencadeia cascatas inflamatórias que causam hipóxia. A ativação da
síntese de prostaglandinas em situação de hipóxia leva à liberação de radicais livres
(lesão de reperfusão), podendo causar morte cerebral (NEVES, 2010).
Apesar da utilização de corticóides ser bastante controversa, a administração de
succinato de metilprednisolona pode diminuir a produção de radicais livres nos
neurônios isquêmicos (BOSCO, 2008). A dose utilizada é de 30mg/kg por via
intravenosa em bolus e subsequente aplicação de 15mg/kg após 2 e 6 horas. A glicemia
29
deve ser monitorada, uma vez que os corticóides podem levar à hiperglicemia
(DEWEY, 2006). Rabelo (2005) recomenda a utilização da metilprednisolona apenas
nos pacientes graves que não respondem ao tratamento inicial com oxigênio,
fluidoterapia e diurético. Em pacientes com lesões leves, a utilização de dexametasona,
na dose de 0,1mg/kg e prednisona, na dose de 0,5mg/kg, são suficientes para melhorar a
inflamação causada pelo trauma (RABELO; CROWE, 2005).
O DMSO, que também tem sua utilização controversa, pode reduzir o edema e
agir como antioxidante na presença de radicais livres. A dose recomendada é de 0,5 a
1g/kg por via intravenosa, administrados lentamente em solução a 10% (NEVES, 2010;
RABELO; CROWE, 2005).
2.3.7 Antioxidantes e Varredores de Radicais Livres
A produção de radicais livres, após o trauma, leva à autólise e formação de
edema cerebral, por isso os antioxidantes podem ser benéficos nesses casos (NEVES,
2010).
Os mais citados na literatura, além dos corticoesteróides, são os lazaróides (21-
aminosteróides), que têm ação análoga à metilprednisolona atuando como antioxidante,
mas sendo 100 vezes mais potentes (NEVES, 2010; MAZZAFERRO, 2009). Os
lazaróides têm estrutura esteróide, mas não exercem efeito glicocorticóide e não ativam
os receptores glicocorticoides. Os mecanismos propostos para o efeito protetor dos
lazaróides, incluem a inibição da peroxidação lipídica das membranas celulares pelos
radicais livres durante o processo de isquemia-reperfusão, através do sequestro dos
radicais peróxidos, e a inibição da liberação de ácido aracdônico a partir de células
lesadas (KAVANAGH; KAM, 2001).
A vitamina E tem sido descrita por alguns autores como uma alternativa ao
corticóide (metilprednisolona), devido a sua ação antioxidante bloqueando os radicais
livres, durante a hipóxia e inflamação. Pode ser administrada na dose de 1.600 a 2.000
UI por dia, durante 15 dias (BOSCO, 2008; NEVES, 2010).
30
2.3.8 Bloqueadores dos Canais de Cálcio e Sódio
Embora ainda não haja evidências da eficácia e benefícios dos bloqueadores de
canais de cálcio e sódio em pacientes com TCE, estes fármacos têm sido incluídos
recentemente na terapia destes pacientes (RABELO; CROWE, 2005; TELLO, 2008). O
objetivo seria impedir os efeitos da quebra na homeostase iônica devido ao acúmulo de
Na+ e Ca+ que ocorre durante a hipóxia cerebral. A entrada e o acúmulo do Na+
intracelular tem sido sugerido ser devido à falência da ATPase de Na/K (bomba) em
expulsar o Na+, ao influxo através de canais de Ca+ disfuncionais, ao cotransporte de
Na+-K+-Cl-, à troca Na+-H+ ou ainda a canais de Na+ controlados por voltagem.
Como a bomba ATPase de Na+/K+ não funciona na hipóxia ou isquemia, ela não
consegue expulsar o excesso de Na+ intracelular. Este acúmulo de Na+ intracelular
seria também responsável pela entrada dos íons de Ca2+. Além dos danos à célula,
causados pelo acúmulo de íons de Ca2+, o aumento da concentração desses íons no
meio intracelular, além de inatividade neuronal causada pelo estado de despolarização
da membrana por diminuir a diferença de cargas entre os espaços intra e extracelulares,
leva ao influxo de água para dentro das células, causando edema celular ( RETAUD et
al, 1994; TIMOTHY et al, 1985).
Estudos experimentais com bloqueadores de canais de Ca2+ e Na+ têm obtido
resultados favoráveis na diminuição das lesões causadas pelo acúmulo desses íons
durante hipoperfusão cerebral (XIE et al, 1994).
2.3.9 Hipotermia
A hipotermia terapêutica moderada consiste no resfriamento corporal com o
intuito de prevenir e/ou reverter os mecanismos indutores de lesão neurológica
(HOLZER, 2002).
Além da redução de consumo de oxigênio cerebral, tem se atribuído à
hipotermia terapêutica efeitos de contraposição aos danos de reperfusão, como: retardo
das reações enzimáticas destrutivas, supressão das reações de radicais livres, proteção
da fluidez das membranas lipoproteicas, redução da acidose intracelular e inibição da
31
biossíntese e liberação de neurotransmissores excitatórios (HOLZER, 2002). Estudos
recentes mostram ainda que a indução de hipotermia moderada, nas primeiras 48h, pode
inibir a liberação de glutamato, citocinas e radicais livres, diminuindo assim o edema
cerebral e, consequentemente, a PIC, evitando o aumento das lesões secundárias.
(DEWEY, 2006; BOSCO, 2008).
Recomenda-se o intervalo entre 32ºC a 37,5ºC, dependendo do caso, sendo mais
utilizadas na rotina as temperaturas entre 35,5ºC a 37,5ºC, elevando a temperatura em
1ºC por hora (RABELO; CROWE, 2005).
Existem diferentes métodos, externos ou internos, para se atingir a temperatura
alvo. Pode-se usar a perfusão de soros esfriados (geralmente soro fisiológico a 4ºC a
30mL/Kg) que diminui em cerca de 1,5ºC a temperatura central, sacos com gelo, toalhas
úmidas arrefecidas, almofadas ou cobertores de resfriamento, almofadas de gel com
água circulante, permutadores de calor intravasculares e circulação extracorporal. A
temperatura pode ser avaliada através da utilização de sensores na mucosa nasofaríngea
ou esofágica (ABREU et al, 2011).
2.3.10 Fisioterapia e Cuidados de Enfermagem
Nos pacientes em estado grave que apresentam-se em decúbito, a fisioterapia é
considerada muito importante para evitar sequelas funcionais causadas pela
imobilidade. A alteração na mecânica respiratória que diminui a capacidade pulmonar, a
diminuição do débito cardíaco e glomerular, as contraturas e atrofias musculares, entre
outras, podem ser minimizadas com o uso da fisioterapia durante a internação
(PARAIBUNA, 2004).
Para pacientes que apresentam capacidade de andar e se movimentar, a
recomendação é restringir movimentos. Como estes animais muitas vezes apresentam
ataxia busca-se evitar novos traumas (RABELO; CROWE, 2005).
Os cuidados com a nutrição também são importantes. Pacientes com TCE
podem apresentar gastroparesia e íleo paralítico devido ao estado de estupor ou coma,
podendo inclusive ter pneumonia aspirativa. Por isso a alimentação parenteral ou por
32
tubos esofágicos ou gástricos é recomendada (RABELO; CROWE, 2005, VERNAU,
2005).
Para um tratamento eficaz, é indicado monitoramento dos pacientes 24h por dia,
avaliação diária dos parâmetros hematológicos e bioquímicos e observação dos
parâmetros neurológicos a cada 30 minutos (ROZANSKI; RUSH, 2009).
2.3.11 Abordagem Cirúrgica
A indicação do tratamento cirúrgico nos casos de TCE é bastante restrita a
alguns tipos de lesão que não são solucionadas através da terapia medicamentosa
(PLATT, 2008).
A cirurgia é realizada nos casos de hemorragias focais, fraturas expostas ou
compressivas, presença de fragmentos ósseos ou corpos estranhos no parênquima, perda
persistente de líquido cerebroespinhal e para descompressão nos casos em que não se
obtém resultados com o tratamento convencional (PLATT, 2008; SANTOS; et al,
2008). Muitas fraturas podem ser reparadas com procedimentos básicos de cirurgia
reconstrutiva (POPE, 2006).
Apesar da cirurgia de descompressão ser controversa, há várias técnicas
descritas, como a de craniectomia sagital (CHAN, 2008 a; BOSCO, 2008). Godoi
(2007) descreve uma abordagem cirúrgica com resultados favoráveis em um paciente
com TCE, em que foi feita limpeza e descompressão da ferida causada pelo trauma.
33
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fisiopatologia do trauma craniano é dinâmica e de evolução rápida,
necessitando de uma abordagem clínica e um tratamento preciso e objetivo. É
importante considerar que pacientes politraumatizados não apresentam apenas lesões
cerebrais, mas também em outros órgãos, sendo fundamental o restabelecimento da
função pulmonar e da circulação sanguínea. A terapia de suporte e as medidas tomadas,
levando em consideração o estado e progressão das lesões após o TCE é que permitirão
que esses animais, mesmo apresentando lesões graves, possam se recuperar.
34
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