Militares, Geopolitica e Politica Externa

download Militares, Geopolitica e Politica Externa

of 34

Transcript of Militares, Geopolitica e Politica Externa

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    1/34

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    2/34

    Copyright 1999 da Humanitas FFLCH/USP

    proibida a reproduo parcial ou integral,sem autorizao prvia dos detentores do copyright

    Servio de Biblioteca e Documentao da FFLCH/USPFicha catalogrfica: Mrcia Elisa Garcia de Grandi CRB 3608

    Editor ResponsvelProf. Dr. Milton Meira do Nascimento

    Coordenao editorial e capaM. Helena G. Rodrigues

    DiagramaoAntonieta Caputo

    RevisoRoberto E. dos Santos

    HUMANITASPUBLICAES FFLCH/USP

    e-mail: [email protected]

    Tel.: 818-4593

    O442 Oliveiros S.Ferreira: um pensador da poltica / organizado porRaquel Kritsch, Leonel I. A. Mello, Claudio Vouga. SoPaulo, Humanitas Publicaes FFLCH / USP, 1999.

    254 p.

    Trabalhos apresentados no Seminrio Acadmico emHomenagem ao prof. Oliveiros S. Ferreira, realizado naFFLCH/USP, em 6-7 Abril de 1999.

    ISBN 85-86087-67-X

    1. Cincia Poltica 2. Teoria Poltica 3. Histria do Brasil 4.Poltica Internacional 5. Amrica Latina 6. Ferreira, Oliveiros daSilva I. Kritsch, Rachel II. Mello, Leonel I. A. III. Vouga, Claudio

    CDD 320.1

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    3/34

    Militares, geopoltica e poltica externa1

    Shiguenoli MiyShiguenoli MiyShiguenoli MiyShiguenoli MiyShiguenoli Miyamotoamotoamotoamotoamoto

    Quando as Foras Armadas assumiram o poder no Brasil, h

    35 anos, havia a previso de que, repetindo as vezes anteriores, ainterveno se daria por um prazo determinado. O primeiro Ato Ins-

    titucional (que no tinha nmero, pois pretendia ser nico), baixado

    poucos dias depois, em 09 de abril, deixava transparecer esta inten-

    o. De acordo com tal Ato, o mandato do Presidente e Vice-Presi-

    dente eleitos no dia 11 de abril findaria em 31 de janeiro de 1966.

    Nessa mesma data, assumiriam os novos mandatrios, a serem esco-

    lhidos no dia 03 de outubro de 1965 (Senado Federal, 1972).

    Os rumos tomados pelo movimento de 1964 so bastanteconhecidos. A literatura produzida tanto no Brasil quanto no exte-rior, que estudou as duas dcadas do regime militar, bastante ex-tensa, e explorou, convenientemente, as diversas facetas. De relatosde testemunhas abordagem jornalstica, passando pelas anlises

    acadmicas, muita coisa se disse sobre o ciclo militar, e, aos poucos,ficam sendo conhecidos os inmeros problemas enfrentados pelosdiversos atores daquele longo perodo.

    1 O presente texto focaliza apenas a lguns dos textos do prof. Oliveiros S. Ferreirasobre o tema em apreo. Destarte, possivelmente, podero acontecer discre-pncias ou ms interpretaes em alguns momentos sobre o pensamento doautor acerca das questes ora abordadas. A consulta s centenas de textos de

    Oliveiros, publicados principalmente pelo jornalO Estado de S . Paulo, devido premncia do tempo, infelizmente no pde ser realizada, fato que poderiasanar, em grande parte, as dificuldades aqui encontradas para se analisar essavertente de sua obra.

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    4/34

    88

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    Ultimamente, essa literatura tem sido engrossada atravs dosdepoimentos prestados pelos prprios integrantes dos diversos go-

    vernos, tanto representantes civis quanto da caserna (p. ex., SaraivaGuerreiro, 1992; Barboza,1992, etc.). Neste ltimo caso, cada umprocurando, sua maneira, mostrar os aspectos favorveis de suaparticipao em todo o processo, na maior parte das vezes eximin-do-se de qualquer responsabilidade pelos desmandos praticados. E,geralmente, jogando a culpa na conjuntura, nos elementos impon-derveis, etc.

    Poderamos aqui mencionar, quantificar e classificar toda aliteratura que se produziu, tanto no perodo militar quanto posterior-mente. Mas provavelmente pouco poderia ser acrescentado a tra-balhos que, h bastante tempo, oriundos do meio acadmico, j sepreocuparam com esta perspectiva, inclusive nos primeiros momen-tos, ainda nos anos 60 (Souza, 1966).

    No que diz respeito ao papel desempenhado especificamentepelos militares em todo o perodo, contudo, a literatura menosabundante do que aquela que trata, por exemplo, de temas agr-rios, sindicais, scio-econmicos ou eleitorais, entre outros. Claroque ela existe, e foi escrita tanto pelos adeptos, na maior parte de-fensores ardorosos do regime, quanto por aqueles que discordavamradicalmente dos meios utilizados pelo estamento militar para con-

    trolar o aparato de Estado. E, dentro desta perspectiva, menos pes-soas ainda se preocuparam em discutir questes relacionadas atua-o do pas no cenrio regional ou internacional, levando em consi-derao, no s o papel exercido pelos diplomatas e militares es-ses dois profissionais do Estado , mas tambm pelos elementosfornecidos pela geografia, procurando descobrir qual o papel desti-nado ao Brasil na imensa constelao de pases que disputam o

    poder no intrincado jogo do xadrez mundial.Em parte, principalmente se levarmos em conta a produo

    oriunda do meio acadmico, stricto sensu, isto at perfeitamente

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    5/34

    89

    Os militares e a poltica....................................................................

    compreensvel. Como tradicionalmente grande parte dos setores uni-versitrios, na rea de Humanidades, sempre se manifesta contrria

    participao de instituies outras nos destinos do pas que nosejam os partidos polticos, os sindicatos, os movimentos sociais e asorganizaes no-governamentais, a idia de se pensar em estudarexatamente aquela [instituio] responsvel pelos anos de arbtrioencontrava pouca ou nenhuma receptividade para se analisar, commais clareza e iseno, qual o papel desempenhado por todos osatores no processo poltico, fundamentalmente as Foras Armadas.

    Por isso mesmo, as primeiras anlises, que depois se torna-ram pontos de referncia, um tanto exagerados, para se entender opapel dos militares (ou da poltica brasileira como um todo no pas),foram produzidas por pesquisadores estrangeiros, oriundos, porexemplo, apenas para citar dois casos, dos Estados Unidos ou daBlgica (Stepan, 1971; Skidmore, 1969; Schooyans, 1973). Os co-legas das universidades nacionais, com rarssimas excees, no seaventuraram a trilhar searas to ridas. Havia, claro, uma srie deproblemas, desde a falta de informaes, dificuldade em se obterentrevistas (ao contrrio de Stepan, que entrevistou metade do mi-nistrio de Castelo Branco em tempo reduzido), o receio de ser iden-tificado (ou ficar rotulado) como simpatizante dos condutores doregime, e at o fato de no se sentirem confortveis dialogando exa-

    tamente com aqueles considerados responsveis pelo estado de ex-ceo.

    Claro que poder ser ponderado, e com justa razo, que omomento pelo qual passava o pas levava a comportamentos dessanatureza, com posies muitas vezes extremadas. Afinal de contas,a imprensa era censurada, a universidade bem como as demais ins-tituies eram perseguidas. Docentes, alunos, militantes das mais

    diversas tendncias eram detidos, presos, torturados, e muitos desa-pareceram no s nas brumas da noite, mas tambm durante o dia;dezenas de professores foram compulsoriamente aposentados (s

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    6/34

    90

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    vezes mesmo sem terem sido contratados, como Bolivar Lamounier),atingidos por atos arbitrrios (em muitos casos com a prpria coni-

    vncia das administraes universitrias).Mas nem este quadro adverso foi suficiente para desanimar

    aqueles que, mesmo em doses diminutas, pelo menos inicialmente(na verdade, durante bastante tempo ainda), interessavam-se emconhecer o que era o estamento militar, quais os seus propsitos,quais as diversas tendncias que se digladiavam para assumir o po-der, o que pensavam as Foras Armadas sobre as demais institui-

    es, como essas deveriam ser moldadas, e tambm o que pensa-vam elas sobre o prprio Estado brasileiro.

    E no tempo em que estiveram controlando os destinos nacio-

    nais, as Foras Armadas tinham algum projeto? No que o mesmo

    constitua e em que bases se assentava? Como entendiam as relaes

    com os vizinhos e como pensavam a insero do pas no sistema

    internacional?

    A partir de meados dos anos 80, principalmente no final dociclo militar, muitas anlises foram elaboradas, tentando respondera estas questes. Nos pases fronteirios, por exemplo, nos casosargentino, uruguaio, paraguaio e boliviano, a literatura que se preo-cupava com esses temas j era bastante extensa. Poder-se-ia menci-onar, entre outros, o grupo criado em torno do general de reserva

    argentino Juan Enrique Guglialmelli, diretor da revista Estratgia,que contava entre seus colaboradores nomes como Carlos Mastrorilliou Oscar Camilin, ou crticos de outros pases, como o paraguaioDomingo Laino, no se esquecendo do ex-chanceler boliviano RaulBotelho Gonsalvez (Cf. Mastrorilli, 1973; Camilin, 1973; Laino,1979; Gonsalvez, 1974).

    As denncias contra o Brasil eram extensas. Criticava-se a

    poltica energtica, a poltica demogrfica, a expanso poltica, eco-nmica e comercial brasileira, alm, obviamente, de outorgar-se aogoverno de Braslia o papel de imperialista, subimperialista, pas

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    7/34

    91

    Os militares e a poltica....................................................................

    hegemnico, pas-chave, etc.(Cf. Marini, 1973; Payro, 1973). Isto severificava desde o final dos anos 60, aumentando substancialmente

    na dcada de 70, depois que o sistema elaborou a teoria docerco que considerava, histericamente, a necessidade de neutra-lizar-se os regimes hostis ao longo das fronteiras nacionais,exemplificada com a Operao Trinta Horas e com a intervenona Bolvia, por ocasio do golpe que derrubou Juan Carlos Torres,propiciando a ascenso de Hugo Banzer (Cf. Grael, 1985;Needleman, 1974; Schilling, 1981, etc.).

    Enquanto essa volumosa literatura procurava mostrar que oBrasil tinha um projeto hegemnico, basicamente geopoltico, deprojeo continental, no Brasil a ateno dedicada a esses temaspelo meio acadmico praticamente inexistia. Por outro lado, as pu-blicaes castrenses tambm difundiam idias hoje muito criticadas,atravs, p. ex., deA Defesa Nacional,Segurana & Desenvolvimento,onde a tnica era o anticomunismo, sendo a doutrina de segurananacional o eixo em torno do qual giravam todas as preocupaesgovernamentais. Falava-se, com eloqncia, no Brasil Grande Po-tncia ou potncia emergente, no Pacto do Atlntico Sul e nas diver-gncias com a Argentina. Ateno especial era dedicada a assuntoscomo as projees do pas no cenrio regional e mundial, a geopo-ltica como formadora de fronteiras, a prpria expanso territorial, a

    diviso das Guianas a meias entre Venezuela e Brasil e a outros deigual quilate (Cf. Meira Matos, 1983; Teixeira Soares, 1973; RochaCorrea, 1965).

    Qual a poltica brasileira para atingir esses objetivos? A pers-pectiva diplomtica coincidia com a viso militar? Qual delas preva-lecia? Certamente que dois dos principais agentes responsveis pelaatuao/projeo do pas no cenrio mundial, os militares e os di-

    plomatas, no tocavam os mesmos instrumentos, e muito menosestavam afinados. Havia uma clara falta de sintonia entre ambos.Enquanto ao Itamaraty ficavam reservadas, como natural, as ne-

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    8/34

    92

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    gociaes no plano diplomtico, os temas relativos s fronteiras e segurana nacional eram primazia do estamento militar. Se dvidas

    se verificassem entre essespolicy-makers, cabia Secretaria Geraldo Conselho de Segurana Nacional arbitrar quaisquer divergn-cias. Na maior parte das vezes, a favor da concepo militar, escora-da no binmio segurana e desenvolvimento. Afinal de contas, tudoera pensado sob este prisma, no s no mbito domstico, mastambm no plano externo.

    E o que pensavam disso os poucos representantes da universi-

    dade que estudavam o tema? Vejamos o que diz um deles, Oliveiros

    S. Ferreira, cuja obra ser alvo de nossas atenes de ora em diante.

    Alm de jornalista, um dos pioneiros e um dos professores mais auto-

    rizados/competentes a tratar desses assuntos no meio acadmico bra-

    sileiro, Oliveiros S. Ferreira diz que depois de 1964, a poltica exter-

    na passou a ser instrumento dos objetivos e finalidades estabelecidos

    pelas Foras Armadas em sua poltica de ocupao do territrio, de

    repdio legenda da inferioridade natural e de construo, no Bra-

    sil, do ltimo baluarte da civilizao crist (Ferreira, 1974: 29).

    Esta era uma viso contrria quela encontrada em GesMonteiro muito citado por Oliveiros , que dava nfase s ForasArmadas como instrumento da poltica externa. Segundo OliveirosFerreira, a ordem se invertera, com propsitos bem definidos: fazer

    do pas uma potncia, no uma potncia qualquer, mas acumulan-do poder de tal maneira que se deveria construir com a aceleraopossvel, um Poder Nacional que faa do Brasil uma potncia ouvi-da no concerto dos fortes e respeitada naquele dos fracos (Ferreira,1974: 29). Um pas que tivesse no apenas voz, mas direito de voto.Por motivos bvios, a idia de veto no se colocava. Ou seja, pelomenos naquele perodo que vai de 64 a 74, nos dez primeiros anos

    do ciclo militar, identificava-se a vontade do Conselho de SeguranaNacional, onde eram pensadas e elaboradas as polticas pblicas,com a aspirao nacional (que no era verdadeiramente nacional,

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    9/34

    93

    Os militares e a poltica....................................................................

    mas de apenas um grupo) que seria a de realizar um projeto degrandeza para o pas.

    Para que serviria tal projeto? Para que o mundo pudesse verque o Brasil, por seus recursos, suas riquezas, seu trabalho, por seumrito, sabia andar com seus prprios ps, e reivindicava lugar aosol, ao lado das outras potncias. Nem que para isto tivesse quecontestar, na defesa de seus prprios interesses, uma potncia ami-ga e hegemnica no hemisfrio ocidental, como os Estados Unidos.Da Castelo Branco enfatizar, j em 1964, que no devemos dar

    adeso prvia s atitudes de qualquer das grandes potncias nemmesmo s potncias guardis do mundo ocidental, pois que na po-ltica externa destas, necessrio distinguir os interesses bsicos dapreservao do sistema ocidental dos interesses especficos de umagrande potncia (Castelo Branco, 1964: 110).

    Ou seja, amigos sim, mas negcios parte. Nas grandes li-

    nhas de defesa do mundo ocidental interesses poderiam coincidir,mas o mesmo no poderia ser dito com relao s reas de influn-cia brasileira no continente sul-americano. Por isso no se pode darcrdito idia de que o Brasil tenha tido, naqueles anos, uma pol-tica dealinhamento automticocom os Estados Unidos, emboraCastelo Branco mencionasse inmeras vezes a defesa associativa. Oprprio governo norte-americano tinha plena conscincia disso desde

    o comeo.Na verdade a hostilidade poltica de poder das grandes

    potncias j era patente 50 anos atrs na postura do governo brasi-leiro (Ferreira, 1977f: 2). Para o autor, cuja obra estamos analisan-do neste momento, a poltica externa brasileira apresenta dois traospermanentes: 1) o desejo de o pas elevar-se s condies de po-tncia capaz de influir nos assuntos mundiais, o qual foi exposto

    pela primeira vez quando saiu da Sociedade das Naes em 1926;2) consentir, menoscabo aos direitos juridicamente estabelecidos daAmrica no concerto mundial (Ferreira, 1977f: 2).

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    10/34

    94

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    Sem ter presente essas aspiraes do pas, j naqueles mo-mentos, e que se constituem em caractersticas da poltica brasileira

    ainda hoje, mutatis mutandis, no se pode fazer uma avaliao cor-reta do papel do pas no cenrio internacional. Ou seja, a com-preenso desse movimento pendular de reclamo da vigncia doDireito Internacional e de aspirao a posies que permitam reali-zar, sob outro nome, uma poltica de poder, essencial para quepossamos entender os movimentos do Brasil na Amrica Latina(Ferreira, 1977f: 3).

    Afinal, qual o raio de atuao do pas: um alcance apenas nocenrio regional ou, mais ambicioso, um papel mais importante nosistema internacional? Oliveiros considera que o Ministrio das Re-laes Exteriores tem como poltica forar o Estado brasileiro a re-clamar para si a posio de preeminncia no cenrio internacionalcomo condio de poder exercer sua autonomia decisria no sul doHemisfrio (Ferreira, 1977f: 4). Quer dizer, existe uma plena cons-cincia de que os centros de deciso se encontram no HemisfrioNorte, restando ao pas exercitar suas influncias e suas polticas depoder no mbito regional, na Bacia do Prata. E o pas tinha que agirassim, porque no querendo reconhecer que nossos primeiros in-teresses esto hoje, e agora na Amrica Latina, nos recusamos aentender a proclamao ntida de que seremos a grande potncia

    de primeira classe do ano 2000 (Ferreira, 1975: 338).As preocupaes de Oliveiros com a Amrica Latina sempre

    se fizeram presente. Inclusive, seu livro mais importante vai tratardesta questo, levando o sugestivo ttulo de Nossa AmricaIndoamrica, onde analisa o pensamento do aprista Haya de la Tor-re. a partir desse texto que se vai poder estudar as reflexes queOliveiros faz sobre o pas e sobre o continente latino-americano em

    suas relaes com o mundo civilizado. E refletia sobre a regioporque considerava necessrio para no permitir que apenas osoutros, os que no somos ns, pensem um assunto que antes de

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    11/34

    95

    Os militares e a poltica....................................................................

    mais nada a ns mesmos diz respeito (Ferreira, 1981b: 425). Isto,apesar de estar consciente da importncia relativa que o continente

    desempenha no jogo mundial de poder: no embate de duas von-tades livres da ao constritora da realidade, a Amrica Latina comoum todo no ter outro papel a no ser o de ser informado, se equando (Ferreira, 1981b: 432).

    De qualquer forma, a sua percepo sobre as atividades doItamaraty era de que havia nesta instituio um fio condutor queorientava a poltica externa e que norteava o pas em busca de um

    statusregional. E esse norte no seria apenas do perodo ps-64,como se tornou comum pensar. A poltica externa, diz Oliveiros, idntica, enquanto concepo estratgica, desde 1958, vale dizer,desde o momento em que o Conselho de Segurana Nacional to-mou conscincia do peso estratgico do petrleo (Ferreira, 1974a:28). De l para c as variaes na conduta estratgica foram mni-mas, apesar das grandes variaes tticas (Ferreira, 1974a: 28).

    Esta posio constantemente reafirmada em seus textos,quando enfatiza que a linha mestra da poltica externa brasileira h anos orientada pelo estabelecimento militar, fundada em consi-deraes de ordem estratgica e geopoltica, e que, portanto, as di-retrizes a longo prazo so sempre as mesmas, quaisquer que sejamas inflexes tticas ditadas pelas personalidades dos chanceleres ou

    chefes de Governo, ou pelas variaes de poltica interna (Ferreira,1974a: 28).

    Pode-se pensar que, ao interpretar a poltica externa brasileiraem um perodo mais amplo, que vem desde os primeiros anos dosculo XX, mais precisamente com o Baro do Rio Branco, Olivei-ros Ferreira tem como grande hiptese o seguinte: o Brasil tem umprojeto de grandeza elaborado pelo Itamaraty que independe das

    conjunturas. Trata-se de um projeto para ocupar o lugar de lderinconteste na Amrica do Sul, face aos seus diversos predicados,principalmente os tradicionais fatores que compem o poder de um

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    12/34

    96

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    Estado, como territrio, populao, recursos naturais, etc. Esse pro-jeto oscila no tempo conforme o apoio que recebe, de governos

    civis ou militares, mas caminha sempre na mesma direo, visandofazer o pas cumprir seu destino manifesto. Da as referncias cons-tantes no s Casa do Baro do Rio Branco, mas tambm a Eucli-des da Cunha. Foi apoiado nesta premissa que viu, principalmentenos anos ps-64, a tentativa de implementao de tal projeto, viaForas Armadas.

    Com certeza se poderia questionar a capacidade efetiva queo pas teria para se lanar a esta gigantesca tarefa, face a uma sriede indicadores pouco favorveis, como as desigualdades scio-eco-nmicas marcantes, a existncia de um quadro poltico-institucionalpouco satisfatrio (na realidade era ordenado eficazmente, de ma-neira autoritria) e com o cenrio internacional, em meados dosanos 70, desenhando-se de maneira completamente adversa aosinteresses do pas.

    No se pode esquecer que em 1974, atravs do II PND, sesubstitua a terminologiaBrasil Potnciaparapotncia emergente, eque no se tratava de uma questo apenas semntica. J haviauma conscincia de que os ideais de grandeza traados nos anosanteriores, que no se apoiavam nos princpios geopolticos, comoentendidos atravs dos autores clssicos, mas simplesmente na eu-

    foria desenvolvimentista de captao de recursos externos em grandeescala, de projetos de impacto como a prpria Transamaznica,contrariavam tudo aquilo que Golbery do Couto e Silva em suaobra mais conhecida defendia (Couto e Silva, 1967).

    Em decorrncia dos problemas enfrentados interna e exter-namente, este projeto de grandeza tinha que ser pensado e repensa-do. Por isso, em meados dos anos 70, no se falava mais na Grande

    Potncia, mas empotncia emergente: no se priorizava mais o au-mento da populao para fortalecer o Poder Nacional, mas dava-seincio ao controle demogrfico, que na terminologia oficial se desig-

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    13/34

    97

    Os militares e a poltica....................................................................

    nava planejamento familiar. E, tambm, por isso, esta ltima ques-to era tratada pelo prprio ministro-chefe do Estado-Maior das

    Foras Armadas, tenente-brigadeiro Waldir de Vasconcelos.Os textos de Oliveiros, quando tratam do papel do Brasil no

    sistema internacional, tm dois momentos bastante distintos. Noprimeiro deles, apresenta-se como um dos que acreditam na possi-bilidade de o pas converter-se em Grande Potncia no ano 2000,citando indicadores tradicionais como territrio e outros, como aposio que o pas ocupa no mundo, na condio de sexta ou dci-

    ma potncia econmica. Neste instante, seu julgamento da situaono dos mais pessimistas, pois apesar de tudo o que temos denegativo, temos um peso especfico prprio no mundo, o qual co-mea a inquietar alguns que esto mais perto dos grandes cenriosdecisrios do poder mundial (Ferreira, 1977d).

    No segundo momento, suas interpretaes caminham na di-

    reo contrria, apontando as dificuldades enfrentadas pelo pas eas divergncias na conduta dos negcios de Estado. O otimismoinicial, que parece apoiar-se no wishfull thinking(que ele diz nuncater influenciado suas concepes de mundo, j que por naturezapessimista), cede lugar ao cientista poltico rigoroso, realista, que vuma estrutura de poder mundial pouco conivente com os pasesfora da rbita de tomada de deciso. E aqui j no mais fixava data

    para o alcance do grande objetivo.Embora acreditasse no Brasil Potncia, Oliveiros Ferreira, con-

    tudo, tinha vises diferentes do estamento militar. Suas preocupa-es, em grande parte, alm das correlaes de fora existentes nocenrio internacional, estavam centradas nas relaes Estado-So-ciedade. Pesava aqui sua formao terica, apoiada em autores cls-sicos da teoria poltica e da Sociologia, e que abrangem espectro

    bastante variado, indo de Hobbes a Rousseau, de Trotsky a RosaLuxemburgo, de Durkheim a Mannheim, passando por Marx, Lenine Weber.

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    14/34

    98

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    Acreditava no Brasil Potncia, mantendo, porm, posturas maisreservadas, conforme se pode ver em entrevista concedida por exem-

    plo revistaBanas,em 1976: Acredito, mas sem fixar data. Trata-sede um projeto cuja execuo depende de que o Pas acredite tam-bm nele. Mas o Brasil no acredita, e, pior ainda, d risada (Ferreira,1976: 27-31). Para ele era preciso fortalecer a sociedade civil, por-que at agora ela no tinha assumido suas responsabilidades paraque se realizasse o projeto de potncia (Ferreira, 1976: 27-31). E,pior, a sociedade no se manifestava a esse respeito. Em outra opor-

    tunidade, diz que enquanto a Sociedade Civil no conseguir arti-cular o seu projeto de Grande Potncia, ela ser sempre colocadasob suspeio pelo estamento militar (Ferreira, 1977k).

    Mas, por outro lado, havia outros impedimentos, como a es-trutura do prprio regime poltico, que bloqueava quaisquer mani-festaes, contribuindo para que a sociedade civil fosse engajada noprojeto de Brasil grande. Como mencionam os mais conhecidosespecialistas em relaes internacionais e em temas estratgico-mili-tares, so vrios os elementos que compem o poder nacional, eque vo do territrio (considerando-se espao e posio) s ForasArmadas, da populao aos recursos naturais. O incremento dessepoder nacional, dessas capacidades, que vai determinar o papelde cada Estado no cenrio mundial.

    Mas, como diz Gramsci, a quem Oliveiros costuma referir-se:o modo atravs do qual se exprime o ser grande potncia dadopela possibilidade de imprimir atividade estatal uma direo aut-noma, que influa e repercuta sobre outros Estados: a grande potn-cia potncia hegemnica, chefe e guia de um sistema de alianase de acordos com maior ou menor extenso. A fora militar sintetizao valor da extenso territorial (com populao adequada, natural-

    mente) e do potencial econmico. (...) A medida decisiva para esta-belecer o que se deve entender por grande potncia dada pelaguerra. O conceito de grande potncia est estreitamente ligado s

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    15/34

    99

    Os militares e a poltica....................................................................

    guerras. grande potncia aquele Estado que tendo ingressadonum sistema de alianas para uma guerra (e hoje cada guerra pres-

    supe sistemas de foras antagnicas) no momento da paz conse-gue conservar tal relao de foras com os aliados que lhe permiteestar em condies de assegurar a manuteno dos pactos e as pro-messas feitas no incio da campanha. Mas um Estado que, paraentrar em guerra, necessita de grandes emprstimos, necessita con-tinuamente de armas e munies para os seus soldados, de abaste-cimentos para o Exrcito e a populao civil, de navios para os trans-

    portes, isto , que no pode guerrear sem a ajuda contnua de seusaliados e que, durante algum tempo depois da paz, ainda necessitade ajuda, especialmente de abastecimentos, de emprstimos ou ou-tras formas de subsdios financeiros, como pode ser igual aos seusaliados e impor a manuteno dos pactos? Um Estado nestas condi-es s considerado grande potncia nas cartas diplomticas, pois,na realidade considerado como um provvel fornecedor de ho-

    mens para a coalizo que dispe dos meios no s para sustentar asprprias foras militares, mas para financiar aquelas dos outros alia-dos (Gramsci, 1968: 191-193).

    Realisticamente falando, o pas, portanto, no preenchia taiscondies. O que, obviamente, se percebia era que o mundo era (econtinua sendo) extremamente competitivo, e as relaes interna-

    cionais, entendidas dentro dos princpios conflitivos estabelecidospela anlise de Raymond Aron. Podemos lembrar aqui algumaspalavras deste ltimo autor, quando diz que o sistema internacional um conjunto constitudo por unidades polticas que interagem entresi atravs de relaes regulares e que so suscetveis de entrar emuma guerra geral (Aron, 1975: 103).

    Golbery do Couto e Silva, quando trata da segurana inter-

    nacional, no deixa dvidas sobre esse fato. Alm do mais, as diver-sas clivagens verificadas dentro do estamento militar, com gruposcompletamente distintos, contriburam para fazer com que o projeto

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    16/34

    100

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    no conseguisse alar vo. Sem contar, fato crucial, que a sociedadeno fora consultada, nem para saber se concordava ou discordava

    do projeto, e muito menos para colaborar em sua implementao.Lanando mo de autores clssicos do realismo poltico, como

    Raymond Aron, Hans Morgenthau e Thomas Hobbes (apenas paracitar alguns) para analisar o sistema internacional, Oliveiros Ferreiraestava atento aos problemas enfrentados para fazer do pas umaGrande Potncia, considerando tanto os entraves internos quantoas dificuldades impostas pelo cenrio externo.

    Assim, esclarecia em 1974 que as relaes internacionais noso governadas por sentimentos morais, mas pela realidade do po-der (Ferreira, 1974a: 28). E sobre isso dizia que por tradio soupessimista, pessimista por natureza, embora por formao seja leva-do a ver a realidade tal qual , no tal qual a desejo (Ferreira, 1977e:2). Oliveiros tem uma boa interpretao a esse respeito quando con-

    sidera que foi no perodo em que o princpio do chefe se tornou anorma habitual da relao entre superiores e subordinados nas For-as Armadas (basicamente perodo Mdici), que tomou forma oprojeto de potncia, acalentado h anos no estabelecimento militar.O enorme fosso que se construra entre o Estado e a Sociedade Civila partir do Ato 5, e entre o chefe e os subordinados depois do Ato17, impediu que os fundamentos do projeto (sua possibilidade de

    efetivao, alm dos custos sociais nele implcitos) fossem discutidospela opinio pblica e mesmo no seio do estamento militar (Ferreira,1977k).

    Para Oliveiros S. Ferreira, o projeto de potncia sempre forade origem militar, e no tivera o apoio da sociedade, isto , os gover-nos ps-64 nunca tiveram um projeto para a organizao da so-ciedade em funo do objetivo internacional (Ferreira, 1977j: 2).

    Provavelmente, as Foras Armadas nunca se preocuparam com estaquesto pelo fato puro e simples de que, considerando-se a instn-cia mais competente, com capacidade de interpretar os anseios na-

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    17/34

    101

    Os militares e a poltica....................................................................

    cionais e ver a realidade internacional sempre de maneira racional,e defendendo o que imaginavam ser os interesses da Ptria, arroga-

    ram-se o direito de estabelecer o que seria bom para o pas, a partirde uma tica muito particular de ver o mundo, exageradamentemaniquesta.

    Consideravam, certamente, que as demais instituies nacio-nais eram corrompidas ou incompetentes e que os polticos s de-fendiam seus interesses pessoais, legislando sempre em causa pr-pria, e que no tinham, portanto, ao contrrio delas (Foras Arma-

    das), os mesmos valores puros aprendidos durante anos na caserna,onde se pensava exclusivamente em servir a Ptria. Por isso, naEscola Superior de Guerra encontra-se a placa com a frase cunhadanos anos 60 por Castelo Branco, na qual se l: Nesta Casa estuda-se o destino do Brasil.

    Podia at haver uma coincidncia entre os pontos de vista

    das Foras Armadas e os da sociedade. Mas no era isto que seconsiderava. Para ele, quando (os militares) nele (poder) se viram,vislumbraram a possibilidade de realizar o sonho geopoltico, queem muitos de seus fotogramas coincidia com algumas das aspira-es da nao. Mas, o fato, porm, de a idia da grande potnciano encontrar bases sociais de sustentao fez com que o projetofosse especfico do estamento militar. Ou seja, o estamento no

    encontrou grupo social capaz de contrapor ao seu um projetosocietrio de potncia e, conseqentemente, um projeto societriode organizao social e poltica (Ferreira, 1977j: 2).

    Para o autor em questo, o que inviabilizava, em grande par-te, o projeto de Brasil Potncia era uma falta de sintonia entre osdecididores da poltica nacional, no s no ps-64, mas muito an-tes. Assim, diz que o que havia entre o Itamaraty e o Ministrio da

    Guerra era um grande descompasso; a casa do Rio Branco, tinhaum projeto estratgico; o Exrcito no podia dar-lhe apoio militar. Oresultado foi o malogro do primeiro (Ferreira, 1988: 132).

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    18/34

    102

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    Ou seja, houve sempre um planejamento inadequado sobreo papel que as Foras Armadas deveriam desempenhar para viabilizar

    tal projeto. Verificavam-se, sobretudo, as divergncias entre as trsarmas, com a supremacia histrica do Exrcito, e com a Marinhapagando pelos pecados cometidos em 1893, ficando relegada a umplano secundrio, o mesmo ocorrendo com a Aeronutica. A no-formulao de uma poltica nica para as armas, alm de equvocosno estabelecimento dos objetivos, portanto, dificultou a ascensodo pas. Assim, a concepo defensiva e terrestre da doutrina mili-

    tar associada ao desinteresse que o assunto poltica externa mere-ceu dos Estados-Maiores, e separao do planejamento estratgi-co feito pelo Itamaraty daquele elaborado nos Estados-Maiores (almdo afastamento da sociedade das decises estratgicas) privou aChancelaria dos instrumentos normais de execuo de uma polticainternacional e das balizas por onde conduzir esta poltica (Ferreira,1988: 135).

    O que se percebia era uma grande dificuldade para oestamento militar, que no conseguia dar conta nem das relaesEstado/sociedade, e, muito menos, de arcar com um projeto de gran-deza por conta prpria. Assim, vindo para impor Sociedade Civilo seu conceito prprio de honra e para fazer do Brasil uma grandepotncia, o estamento militar criou as condies de sua crise inter-

    na, at mesmo porque, ao buscar eliminar a poltica agiu de manei-ra politicamente clara e poderosa e criou um vigoroso pensamentopoltico dentro de seus quadros, do qual a Sociedade Civil no temnotcias, pelo rigor do Ato n 17 (Ferreira, 1977a: 4).

    Estas preocupaes vo orientar grande parte da produoliterria de Oliveiros Ferreira, principalmente nos anos 70. Ao mes-mo tempo, como j foi enfatizado, tambm se dedicara a estudar o

    papel do pas no cenrio regional, seja atravs da nfase nas rela-es com os Estados Unidos, seja no contexto mais prximo daBacia do Prata. Na verdade, a poltica externa e o papel desempe-

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    19/34

    103

    Os militares e a poltica....................................................................

    nhado pelas Foras Armadas sempre lhe foram temas caros, suasmotivaes maiores em termos analticos. Foi assim que, ao final

    dos anos 70, ajudara a coordenar o primeiro grande seminrio rea-lizado em So Paulo sobre poltica e estratgia, cujos resultados fo-ram publicados por ocasio do segundo encontro, em 1983, quan-do se lanou a revista Poltica e Estratgia. Em outra ocasio igual-mente ajudou a criar oInstituto Brasileiro de Assuntos Estratgicos.

    H, tambm, uma outra caracterstica que marca os trabalhos

    de Oliveiros ao longo do tempo. Inicialmente, enquanto cientista po-

    ltico, stricto sensu, dedica-se a fazer interpretaes, analisando a con-

    duta das diversas instncias responsveis pela formulao das polti-

    cas pblicas. Posteriormente, nos anos 80, seus textos que tratam da

    questo da poltica externa e da defesa assumem tom diferente. Ago-

    ra suas reflexes vo alm das interpretaes. Elas passam a mostrar

    os erros e a sugerir quais polticas deveriam ser adotadas, isto , tm

    mais carter prescritivo. Aqui ele faz poltica externa. Contudo, no

    existe um paradoxo nessas duas formas de ver a poltica externa bra-

    sileira. Apenas o autor fazia essas diferenas em momentos distintos

    enquanto acadmico, porque, ao nvel poltico, relembra que junta-

    mente com Jlio de Mesquita Filho tinha sugerido, no comeo dos

    anos 60, ao presidente Jnio Quadros, prestar maior ateno co-

    munidade luso-afro-brasileira (Ferreira, 1976: 27-31).

    A geopoltica, entendida sempre como poltica de poder, foielemento importante nas anlises de Oliveiros S. Ferreira. Ainda em1969 publicava extenso artigo, e o mais completo at hoje, na revis-ta Aportes, sobre a Geopoltica do Brasil, de Golbery do Couto eSilva (depois republicada em Virgilio Rafael Beltran, no livroEl pa-pel poltico y social de las Fuerzas Armadas en America Latina, em1970, e em Foras Armadas para qu?). Alis, o livro de Golbery

    receberia ainda ateno em artigos publicados pelo jornal O Estadode S . Pauloem 1978 e 1981, enquanto em 1976 tambm se deteriana anlise de conhecida obra de Juan Guglialmelli.

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    20/34

    104

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    Por que Oliveiros se dedica geopoltica? Por motivos sim-ples. Porque a geopoltica essencialmente uma teoria do poder,

    costuma dizer. E poder significa aumento da capacidade nacional.Quer dizer possibilidade de interferir nas decises regionais ou mun-diais. Mas para isso necessrio, obviamente, perspectivas de longoalcance, que vejam o pas no apenas como um grande territrio,mas que levem na devida conta outros fatores alm das conjuntu-ras, principalmente as vontades nacionais, o desejo de trabalhar oselementos favorveis que o pas possui para alcanar um objetivo

    bem definido. Por isso mesmo, as anlises de Oliveiros vo se deternas questes fundamentais, como as relaes do pas no continentesul-americano, o que pensam os argentinos (ou parte deles), comoraciocinam os geopolticos nacionais e como se mantm os vnculosentre Estado e sociedade.

    Com essa tica, mostrava-se crtico quando percebia em obras

    geopolticas a deficincia no trato dessas questes, como fazia ao apre-

    sentar aos leitores o livro do general Guglialmelli: sendo essencial-

    mente um corpo de idias (no de doutrina) preocupado com a afir-

    mao do Poder Nacional, a partir das potencialidades geo-huma-

    nas, a associao da poltica com o pensamento militar igualmente

    voltado para a afirmao nacional em termos estritos de Poder e ins-

    pirado por influncias ideolgicas emanadas da Sociedade Civil ou

    do Ncleo de poder no Estado s pode ser danosa exata condu-o dos negcios externos de uma Nao (Ferreira, 1976a: 9).

    Para o nosso autor, as ressalvas tm razo de ser: o porqudisso transparece claro quando se considera um ponto em comumaos pensamentos geopoltico e militar; ambos tendem s extremida-des lgicas de tal maneira que aquilo que o exame de situao afir-ma ser possvel passa, no planejamento, a ser considerado como

    necessrio (Ferreira, 1976a: 9). Ou seja, as Foras Armadas vem osistema internacional de uma tica muito particular, e para analisaras relaes interestatais o pensamento militar encontra na geopoltica

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    21/34

    105

    Os militares e a poltica....................................................................

    a maneira mais coerente de exprimir sua percepo do cenrio di-plomtico (Ferreira, 1977f: 16).

    Crticas tambm so formuladas quando analisa detalhada-mente a obra geopoltica mais conhecida do pas. Apesar de apre-sentar ressalvas variadas em torno da obra de Golbery, Oliveirosconsidera que o livro, composto de uma srie de artigos, representao primeiro esforo articulado da ideologia de grande potncia(Ferreira, 1978: 206). Mas no se trata, diz Oliveiros, de uma obrageopoltica, pois ao olhar o prprio umbigo a postura ideolgi-

    ca, porque ao olhar o prprio umbigo (que o nosso igualmente)faz o pensador geopoltico perder a noo de relatividade da impor-tncia dos espaos no mundo (Ferreira, 1981: 8-9).

    Para Golbery, seu pas sempre o centro do mundo. Esselivro, porm, mostra j, naquele momento dos anos 50, um pensa-mento militar em ascenso, preocupado em traar as linhas da

    Grande Estratgia, que seriam executados quandoe se os meios (oPoder Nacional) o permitissem. por isso que a considerao doBrasil a partir da visada ao prprio umbigo opo ideolgica fun-damental quantos porm a soubemos entender, embora j toma-da no governo Castelo? (Ferreira, 1981: 8-9). Mas, por outro lado,observava a postura autoritria implcita no pensamento de Golberydo Couto e Silva: por no saber fundir a vontade organizadora

    num projeto autenticamente democrtico, nacional e popular par-ticipativo a revoluo que sugere em Geopoltica do Brasil arevoluo do Estado contra a Sociedade (Ferreira, 1981: 8-9).

    Embora crtico com relao a esses autores, Oliveiros tam-bm utilizava-se da geopoltica para respaldar seus argumentos quan-do via a insero do Brasil na regio. At mesmo porque a viso doEstado brasileiro, diz ele, sempre foi uma viso geopoltica (Ferreira,

    1975: 337). E escreve: no se trata de reviver os geopolticos, masreconhecer que h condicionantes geogrficos s quais no pode-mos fugir na elaborao de uma poltica externa que responda a

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    22/34

    106

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    projeto nacional de austeridade, grandeza e progresso, ou por outra(...) no pode esquecer o fato de que temos uma imensa costa des-

    povoada e desguarnecida em sua longa extenso, que temos fron-teiras com dez vizinhos, todos cheios de suspeita de quais sero osobjetivos desse colossal paquiderme, que s agora comea a levan-tar-se para a primeira refeio (Ferreira, 1975: 336).

    Nessas oportunidades, como por ocasio do I seminrio deNova Friburgo (RJ), Oliveiros tecia consideraes sobre o destinodo Brasil, concluindo com uma anlise da doutrina estratgica bra-

    sileira. Dizia naquele evento que o estabelecimento militar tinha doispapis a desempenhar: 1) afirmar a independncia militar (no sen-tido de rejeitar ajuda externa) e, 2) apagar a penosa impresso (pe-nosa do ponto de vista do orgulho profissional) sentida em terceirosde que ele era o gerente da poltica norte-americana na AmricaLatina (Ferreira, 1977f). Com esse raciocnio, naqueles anos, o Brasilde Ernesto Geisel, frente s presses norte-americanas e polticados direitos humanos implementada por Jimmy Carter, denunciouem 1977 o Acordo Militar firmado com Washington em 1952, assi-nou o Tratado Nuclear com a Repblica Federal da Alemanha em1975, e tambm votou na ONU, considerando o sionismo forma deracismo, alm de intensificar contatos com outras potncias em visi-tas presidenciais Frana, Inglaterra, Alemanha e ao Japo.

    Mas nem por isso Oliveiros deixava de ser crtico com relao atuao da poltica externa brasileira. Ao interpretar a gesto deAzeredo da Silveira frente ao Itamaraty, j dizia que nossa polticaexterna executada no vazio porque a opinio pblica ainda pensaque o Brasil um aliado menor dos Estados Unidos dentro do blocoocidental (Ferreira, 1976: 30).

    Na dcada de 80, Oliveiros contribuiu igualmente com in-

    meros ensaios, publicados na revista Poltica e Estratgia(reunidosem 1988 no livroForas Armadas para qu?), discorrendo sobre opapel das Foras Armadas tanto no plano interno quanto como ins-

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    23/34

    107

    Os militares e a poltica....................................................................

    trumento de poltica externa, vinculando esta e a defesa. Aqui queseus textos tm mais carter prescritivo, se bem que no perde de

    vista os elementos histricos que levaram situao um tanto inc-moda pela qual passava a instituio militar, enquanto agente quese auto-arrogava o direito de responsabilidade em assegurar o bomfuncionamento das instituies nacionais e a projeo internacionaldo pas.

    Nesta etapa, o autor demonstra certo desapontamento com aforma como os assuntos de poltica externa estavam sendo conduzi-

    dos desde os anos 60. Apontando as deficincias visveis na formu-lao e na implementao da poltica e da estratgia de insero dopas no cenrio regional/global, reagia de maneira bastante cidacom a incompetncia verificada no plano governamental. Da suassugestes de como equacionar o problema, ou pelo menos, o quedeveria ser feito para que o pas fosse respeitado, e no apenas con-fundido com uma das inmeras republiquetas do continente.

    Suas anlises desse perodo, como a maior parte de sua obra,

    continuam a ser feitas sob o paradigma realista, tanto na perspectiva

    de Raymond Aron, quanto de Hans Morgenthau. O entendimento

    do cenrio internacional , portanto, sempre percebido sob uma tica

    conflitiva: o discurso das relaes interestatais s faz sentido se se

    pensar poltica externa em termos depoltica de poder, sendo que

    as polticas domstica e internacional nada mais so do que duasmanifestaes diferentes do mesmo fenmeno: a luta pelo poder

    (Ferreira, 1988: 121).

    Grande parte das ponderaes de Oliveiros dizem respeito formulao da manobra e da grande estratgia do Estado, sem aqual nada possvel. Os policy makersque se preocupam com aatuao do pas no mundo deveriam, portanto, levar isso em alta

    conta, no momento de pensar e implementar as polticas nacionais:a poltica externa insere-se no quadro da grande estratgia do Esta-do, e as Foras Armadas passam a ser no o instrumento da poltica

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    24/34

    108

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    externa, mas sim o meio de que se serve o Estado para defender efazer valer seus interesses. Essa ao de defesa e afirmao dos inte-

    resses pode ser chamada de poltica externaem sentido amplo ecom fundadas razes (Ferreira, 1988: 122).

    Um dos motivos que levaram Oliveiros a fazer reflexes dessanatureza era um acontecimento recente e muito prximo: a guerradas Malvinas, travada pelo tradicional oponente brasileiro contra oreino de Sua Majestade britnica. Acontecera uma guerra no Atln-tico Sul e constatara-se a delicadeza da situao brasileira no

    preparada para enfrentar tal situao, se tivesse que faz-lo , j queao pas faltava tudo, desde equipamentos de boa qualidade at acompleta falta de uma poltica comum para as armas. J naquelesmomentos o autor advogava a criao de um Ministrio da Defesa:a ligaopoltica externa manobraexige que as Foras Armadassejam subordinadas a um comando nico operacional, distinto da-quele do Presidente da Repblica, seu comandante-chefe; requer,em suma, um Ministrio da Defesa (Ferreira, 1988: 153).

    Defendia a necessidade de um vnculo mais estreito entremilitares e diplomatas, ao mesmo tempo que considerava que paraenfrentar momentos como os das Malvinas que podem surgir desbito , polticas pblicas deveriam ser adotadas porque o ele-mento decisivo de qualquer situao a fora permanentemente

    organizada (Ferreira, 1988: 131). Isto o Brasil no tinha e opreocupava profundamente. Em outras ocasies, costumava lem-brar que em poltica internacional se no se tiver a possibilidade defazer a guerra no se pode fazer a diplomacia (Ferreira, 1976: 28).Ou ainda que sem foras no se pode fazer a guerra e se no hcondies para intervir, e isto o que define uma potncia, entono se potncia. No nosso caso, somos potncia virtualmente

    (Ferreira, 1976: 27). Via Oliveiros uma contradio muito clara nocaso brasileiro entre o desejo de ser uma grande potncia e aomesmo tempo a conscincia muito ntida de que se no tivermos

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    25/34

    109

    Os militares e a poltica....................................................................

    um enorme poderio econmico, no poderemos ser potncia (Fer-reira, 1976: 28).

    Fora em Gramsci que buscara inspirao para fazer tais afir-maes, j que para o autor italiano os grandes Estados foram gran-des Estados exatamente porque estavam preparados para inserir-seeficazmente nas conjunturas internacionais favorveis e essas eramtais porque havia a possibilidade de inserir-se eficazmente nelas(In: Ferreira, 1988: 131).

    Ao pensar a histria brasileira no s das ltimas dcadas,mas principalmente dessas, Oliveiros chegava concluso de queas alteraes na elaborao da estratgia brasileira deixavam muitoa desejar. No s pela falta de sintonia entre as trs armas, mas pelaprpria escolha de interveno/ insero internacional do pas queera feita. Diz Oliveiros: se o governo Costa e Silva iniciou oreequipamento da Marinha e da FAB e permitiu a ampliao dosefetivos do Corpo de Fuzileiros Navais , no foi capaz de dotaressas Armas de poder de dissuaso apto a amparar uma polticaexterna. Ges Monteiro dizia que as Foras Armadas so o instru-mento de uma poltica externa. Se as Foras Armadas inspiram-sena defensiva e no possuem os instrumentos de dissuaso o casode perguntar: h poltica externa? (Ferreira, 1988: 134).

    Na verdade, o que Oliveiros constatava que no perodo

    ps-Castelo Branco o pas no possua uma manobra, ou se existia,ela se encontrava desconectada da poltica externa (Ferreira, 1988:143). Como tal manobra no existia, haveria necessidade, portanto,de formul-la a partir dos dados mais elementares; antes, porm,deve elaborar-se a Doutrina Poltica que guiar a reorganizao dasForas Armadas, condio indispensvel a que se retirem da funode tutores do Estado e sirvam a uma poltica externa (Ferreira, 1988:

    144).Como se pode ver pelos inmeros escritos de Oliveiros nos

    anos 80 a preocupao bsica era qual o papel que o pas deveria

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    26/34

    110

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    desempenhar na Amrica Latina, como faz-lo e quais os instru-mentos que deveria ter para tal.

    Assim, sugeria que a poltica internacional do Brasil no per-odo que se abre deve buscar a defesa do cru interesse nacional,tendo sempre presente a manobra capaz de garanti-lo. (Ferreira,1988: 147). O realismo, nunca demais frisar, a linha condutorado raciocnio do autor e que permeia praticamente toda sua obra aolongo das dcadas de 60 aos anos 90. Sua descrena nos princpiosdo Direito Internacional, quando se encontram envolvidos interes-

    ses das grandes potncias, ou seja, quando estejam sendo imple-mentadas polticas de poder, mostrada en passantem textos diver-sos, onde comenta que as organizaes internacionais valem o quevalem, isto , quase nada (Ferreira, 1988: 147).

    Quer dizer, para o pas no h grandes diferenas em aderirou sair de uma srie delas, como por exemplo: pertencer ao TIAR

    e OEA hoje, o mesmo que no pertencer. Retirar-se dessas orga-nizaes mais lgico, mais econmico e compromete menos doque pertencer (Ferreira, 1988: 147). Nisso o autor tinha plena ra-zo, porque ao mesmo tempo que as organizaes internacionaismostravam-se impotentes para resolver questes que diziam respeitoa potncias como os Estados Unidos ou Unio Sovitica, desde ofinal da Segunda Guerra Mundial, apenas interferiam ou apresenta-

    vam solues quando estavam em jogo interesses dos pequenospases. E o Brasil no um pequeno pas.

    A viso crtica do autor transparece, agora, na avaliao quefaz do papel do Brasil, no mundo, a despeito do que avaliam outrospases: O Brasil no uma potncia mdia, apesar de tudo o quedizem sobre sua posio na escala das economias: potncia deterceira classe (Ferreira, 1988: 148), j que apresenta indicadores

    scio-econmicos completamente desfavorveis. Quando repensarento a insero do Brasil no sistema internacional? Diz Oliveiros:Quando o desenvolvimento social for uma realidade e o econ-

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    27/34

    111

    Os militares e a poltica....................................................................

    mico reduzir a dependncia externa (ainda que aumentando o co-mrcio internacional) ser o momento de reavaliar a poltica externa

    e a manobra (Ferreira, 1988: 148).As avaliaes dos trabalhos mais recentes do autor sempre

    vo insistir na necessidade de se fixar nova doutrina militar e repen-sar a manobra. S assim poder, um dia, alcanar seu destino degrande potncia. O Brasil, diz Oliveiros, at 1964, sempre quisser uma potncia e agiu diplomaticamente como tal, mal apoiadopela inexistncia de uma correta idia de manobra e ainda que au-

    mentando os objetivos intermedirios a serem primeiro alcanados(Ferreira, 1988: 136). Mas considerava igualmente importante de-monstrar que o objetivo da poltica internacional do Brasil, inde-pendentemente de regimes e governos, sempre foi buscar afirmar opas como primeira potncia da Amrica Latina, objetivo-fim queexigia se atingisse antes um objetivo-meio, que era o reconhecimen-to do Brasil como interlocutor vlido no crculo restrito das potnciasmundiais que decidem (Ferreira, 1988: 136).

    Nos anos ps-64, os governos ps Castelo construram umnovo objetivo-fim diverso do que a tradio dizia ser o nosso, e aoelabor-lo e ao procurar dar a ele concreo, criaram o vazio sobreo qual se assenta hoje a poltica externa brasileira, cujos executorestm conscincia (limitada) de que nada a ampara na ao, se no os

    princpios que ajudam a difundir e as tempestades que com elessemeou (Ferreira, 1988: 137).

    A concluso a que chega que houve erros de base no pen-samento militar e estratgico. Assim, quando as condies objeti-vas, a poltica objetivada de que fala Aron, comearam a indicar tero Brasil condies de ser interlocutor vlido dos que decidem, alte-rou-se o curso da rota e os governos brasileiros no mais seguiram a

    linha do passado, que era buscar a hegemonia na Amrica Latina.Essa mudana de curso, fatal para a formulao da manobra e dapoltica externa porque feitas sem apoio em nova doutrina militar

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    28/34

    112

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    de emprego e em Foras Armadas renovadas deu-se paradoxal-mente nos governos militares ps Castelo Branco, exatamente aqueles

    que foram vistos como pretendendo fazer do Brasil uma potnciamundial (Ferreira, 1988: 137).

    Para ele, havia a necessidade urgente de definies sobrepoltica externa e de defesa (Ferreira, 1988: 154). Isto porque noh manobra digna desse nome que no assente em uma DoutrinaPoltica, isto , a forma de organizar as Foras Armadas luz doestgio de desenvolvimento do pas (econmico, social e poltico) e

    das funes que a elas se devem atribuir no plano interno e noplano externo. A Doutrina Poltica leva manobra (soldada com apoltica internacional) e essa ltima estabelece a Doutrina Militar oude emprego das foras (Ferreira, 1988: 148).

    Esses textos escritos em momentos em que a academia via

    com receio tal reflexo, serviriam para mostrar que o assunto era to

    somente um tema como outro qualquer e que, portanto, deveria serestudado sem qualquer preconceito. Alm do mais, o campo abarca-

    do pelas suas anlises dizia respeito ao que os pases vizinhos pensa-

    vam sobre o Brasil, e que aqui era ainda completamente desconheci-

    do. Mas que tinha sua importncia, j que o estamento militar em

    vrios momentos se utilizara de argumentos geopolticos na formula-

    o das polticas nacionais, tanto no plano domstico quanto no in-

    ternacional.Como j foi dito anteriormente, a poltica brasileira era vista no

    continente como apoiada fundamentalmente em conceitos geopolti-

    cos encontrados desde os anos 30 em Mrio Travassos, nos anos 50

    e 60 em Golbery do Couto e Silva, e nos anos 70 em Carlos de Meira

    Mattos e Therezinha de Castro. Todas as iniciativas brasileiras teriam

    inspirao nesses pensadores, desde a interiorizao e integrao do

    territrio ao reforo das fronteiras, dos corredores de abastecimento e

    exportao ao adensamento demogrfico junto s provncias para-

    guaias com os brasiguaios, mesmo em Rondnia ou pressionando as

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    29/34

    113

    Os militares e a poltica....................................................................

    regies argentinas de Corrientes e Missiones, com as plantaes de

    soja ou com a poltica energtica no rio Paran. Ou seja, sempre

    dentro de uma tica de vivificao das fronteiras, ampliando as in-fluncias brasileiras no plano poltico, econmico, cultural.

    Se bem que no se detm nessas consideraes, abordandotemas especficos, como os citados no pargrafo anterior, mas sem-pre em um quadro mais amplo, as reflexes de Oliveiros S. Ferreiracoincidiam com as de seus colegas de alm-fronteiras. Com umadiferena fundamental: enquanto aqueles se preocupavam em de-

    nunciar o expansionismo brasileiro, Oliveiros procurava apontar asdificuldades na implementao de polticas que pudessem fazer opas alar vo, no s no contexto regional, mas mundial.

    Isto se referia s questes econmicas (como ser potncia sempoderio econmico?), sem uma indstria de armamentos compat-vel com tal projeto, sem sequer uma esquadra que pudesse satisfa-zer o desejo de o pas se converter em uma potncia mdia compoder de influncia na Amrica Latina. Como ser potncia sem ca-pacidade de intervir? E realava a incapacidade dos formuladoresdas polticas nacionais que no conseguiam ou no desejavam ca-minhar na mesma direo da sociedade na elaborao, na busca deum projeto de grandeza. Retiravam desta sociedade a possibilidadede apoio neste grande ideal, sem o qual tal projeto no se realizar.

    Finalmente, apenas para encerrarmos estes breves coment-rios, poderamos dizer que Oliveiros, ao produzir seus escritos, procu-

    rou sempre faz-lo a partir de uma viso crtica, analisando os fatos

    realisticamente, a partir da histria e dos dados. Contudo, como au-

    tor que se preocupou (ainda hoje) demasiadamente com as relaes

    Estado/Sociedade, com a insero do Brasil de maneira favorvel no

    sistema internacional, teve como grande Leitmotiv a paixo pelos

    destinos do pas e do continente. Esta paixo, ele a soube equilibrarperfeitamente com a razo e a sabedoria do padre Brown. Embora

    acredite que sim, ser que esta interpretao contempla corretamente

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    30/34

    114

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    o pensamento de Oliveiros? Este um enigma que s Chesterton e o

    padre Brown podero resolver.

    Referncias Bibliogrficas

    ARON, Raymond (1975) Paix et guerre entre les nations. Paris: Calmann-Levy.

    BARBOZA, Mrio Gibson (1992)Na diplom acia o trao da vida. Rio de Janeiro:

    Record.

    CAMILION, Oscar (1973) Relaciones argentino-brasileas.Estratgia(21): 43-48, mar/abril.

    CASTELO BRANCO, H. A. (1964)Discursos. Braslia: Secretaria de Imprensa.

    CASTRO, Therezinha de. (1976)Rumo Antartica.Rio de Janeiro: Livraria Freitas

    Bastos.

    ____. (1982) O Brasil no mundo atual. Posicionamento e Diretrizes. Rio de Ja-

    neiro: Colgio Pedro II.

    CORREA Jr., Manoel Pio (1996)O mundo em que vivi. Rio de Janeiro: Livraria

    Expresso e Cultura.

    COUTO E SILVA, Golbery (1967) Geopoltica do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro:

    Livraria Jos Olympio Editora.

    FERREIRA, Oliveiros S. (1966) O fim do poder civil.So Paulo: Convvio.

    ____. (1974) Poltica externa a servio de uma idia messinica. O Estado de S .

    Paulo, 31 de maro de 1974, p. 29.

    ____. (1974a) A nossa conduta externa. O Estado de S . Paulo, 25 de agosto de

    1974, p. 28.

    ____. (1975) A evoluo da poltica externa brasileira. In:A nova ordem mun-

    dial. Braslia: Cmara dos Deputados, Coordenao de Publicaes, p. 333-

    343.

    ____. (1976) O que falta para ser uma potncia. Entrevista revistaBanas,

    n. 1122, de 22 de maro a 4 de abril de 1976, p. 27-31.

    ____. (1976a) Brasil e Argentina, a geopoltica e a bomba. Suplemento Cultu-

    ral, ano 1 (11), p. 9, O Estado de S . Paulo, 26 de dezembro de 1976.

    ____. (1977) O tortuoso caminho das relaes Brasil-EUA. O Estado de S . Pau-

    lo, 20 de maro de 1977.

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    31/34

    115

    Os militares e a poltica....................................................................

    ____. (1977a) A vontade supera realidade da crise. O Estado de S . Paulo, 10 de

    setembro de 1977, p. 4.

    ____. (1977b) O estamento e sua doutrina poltica. O Estado de S . Paulo, 17 desetembro de 1977, p. 4.

    ____. (1977c) Dois padres de ao estratgica. O Estado de S. Paulo, 15 de

    outubro de 1977, p. 2.

    ____. (1977d) Os brasis que temos e o Brasil dos outros. O Estado de S . Paulo,

    12 de novembro de 1977, p. 2.

    ____. (1977e) Construir um Imprio ou apenas a liberdade?. O Estado de S.

    Paulo, 19 de novembro de 1977, p. 2.____. (1977f) Tendncias histricas e atuais da presena brasileira na Amrica

    Latina. Texto apresentado no Seminrio sobre Perspectivas para o desenvol-

    vimento dos Estudos Comparativos Latino-americanos e Relaes Internacio-

    nais, promovido pelo PECLA, DCP/UFMG, IUPERJ e pela Fundao Ford,

    realizado em Nova Friburgo, de 2 a 3 de dezembro de 1977, mimeo.

    ____. (1977g) Alguns fatores da realidade. O Estado de S . Paulo, 10 de dezem-

    bro de 1977, p. 4.

    ____. (1977h) O Brasil e o destino de grande potncia 1 parte. O Estado de

    S.Paulo, 11 de dezembro de 1977, p. 212.

    ____. (1977i) O Brasil e o destino de grande potncia 2 parte: O Brasil

    perante os Estados Unidos. O Estado de S . Paulo, 18 de dezembro de 1977,

    p. 188.

    ____. (1977j) A idia de potncia e o estilo de pensar.O Estado de S . Paulo, 28

    de dezembro de 1977, p. 2.

    ____. (1977k) A hipoteca que deve ser levantada. O Estado de S . Paulo, 31 de

    dezembro de 1997.

    ____. (1978) A hora de revisitar a Geopoltica de Golbery. O Estado de S.

    Paulo, 03 de dezembro de 1978, p. 206.

    ____. (1981) Geopoltica do Brasil, Cultura, II (58), p. 8-9, O Estado de S.

    Paulo,9 de julho de 1981.

    ____. (1981a) Professor explica o que condiciona as relaes com EUA.O Esta-

    do de S. Paulo, 20 de novembro de 1981, p. 7.

    ____. (1981b) A Amrica Latina e o panorama internacional, Convivium , ano

    XX, vol. 24 (6): 421-432, nov/dez. 1981.

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    32/34

    116

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    ____. (1988) Foras Armadas para qu?. So Paulo. GRD, 1988.

    ____. (1989) Palestra no Seminrio Poltica Internacional e Cooperao, pro-

    movido pela FUNDAP, DCP/USP e CEDEC, realizado em So Paulo, de 7 a10 de maro de 1989, mimeo.

    GONSALVEZ, Raul Botelho (1974)Proceso del subimperialismo brasileno. 2. ed.

    Buenos Aires: Editorial Universitria.

    GRAEL, Dickson de (1985)Aventura, corrupo e terrorismo. sombra da impu-

    nidade. Petrpolis: Vozes.

    GRAMSCI, Antnio (1968)Maquiavel, a poltica e o Estado moderno . Rio de

    Janeiro: Editora Civilizao Brasileira.GUGLIALMELLI, Juan Enrique (1976) Argentina, Brasil y la bomba atmica.

    Buenos Aires: Tierra Nueva.

    LAINO, Domingo (1979)Paraguai fronteiras e penetrao brasileira. So Paulo:

    Global Editora.

    MARINI, Rui Mauro (1973) Brazilian subimperialism.Monthly Review,23 (9):

    14-24, febr.

    MASTRORILLI, Carlos (1973) Geopolitica del Brasil: historia y doctrina.Estrategia(19-20): 37-70, nov/dic 72 ene/fev. 73.

    MEIRA MATTOS, Carlos (1983) O pensamento estratgico brasileiro. Projees

    das influncias da nossa continentalidade.Poltica e Estratgia, I (1): 177-185,

    out/dez.

    MORGENTHAU, Hans (1973) Politics among nations. 4. ed. New York: Alfred

    Knopf.

    NEEDLEMAN, Ruth (1974) Bolivia: Brazilis geopolitical prisoner.NACLAS Latin America & Empire Report, VIII (2): 24-26, febr.

    PAYRO, Ana Lia (1973) Brasil: outra vez gendarme de Amrica Latina.

    Cuadernos Americanos, 32 (3): 7-24, mai/jun.

    ROCHA CORREA, P. H. (1965) O Brasil e as Guianas. Catanduva-SP: Ibel.

    SARAIVA GUERREIRO, Ramiro (1992) Lembranas de um empregado do

    Itamaraty. So Paulo: Siciliano.

    SCHILLING, Paulo (1981) O expansionismo brasileiro. A geopoltica do generalGolbery e a diplomacia do Itamaraty. So Paulo: Global Editora.

    SCHOOYANS, Michel (1973)Dstin du Brsil. Gembloux: Duculot.

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    33/34

    117

    Os militares e a poltica....................................................................

    SENADO FEDERAL (1972)Legislao constitucional e complem entar. Braslia:

    Senado Federal, Diviso de Edies Tcnicas.

    SKIDMORE, Thomas (1969)Brasil de Getlio a Castelo. Rio de Janeiro: EditoraSaga S.A.

    SOUZA, Amauri de (1966) Maro ou abril? Uma bibliografia comentada sobre o

    movimento poltico de 1964 no Brasil. In:Dados(1): 160-175, 2 sem.

    STEPAN, Alfred (1971)Los militares y la poltica. Buenos Aires: Amorrortu Edit.

    TEIXEIRA SOARES, lvaro (1973)Histria da formao das fronteiras do Brasil.

    3. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito Editora.

    TRAVASSOS, Mrio (1947) Projeo continental do Brasil. 4. ed. So Paulo: Com-panhia Editora Nacional.

  • 8/13/2019 Militares, Geopolitica e Politica Externa

    34/34

    ....................................................................Oliveiros S. Ferreira: um pensador da poltica

    Divulgao Humanitas Livraria FFLCH/USPCapa: Quadro:A Rendio de Breda Diego

    Velazquez

    Mancha 10,5 X 18,5 cm

    Formato 14 x 21 cm

    Montagem Charles de Oliveira e Marcelo Domingues

    Tipologia Souvenir Lt Bt 11 e 15

    Papel miolo: off-set 75 g/m2

    capa: Supremo 250g/m2

    Impresso Bartira Grfica e Editora S.A.

    Nmero de pginas 256

    Tiragem 1000 exemplares

    Ficha tcnica