Luís Graça, Textos62_ Enfermagem Em Portugal _ Nursing in Portugal
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15/6/2014 Luís Graça, Textos62: Enfermagem em Portugal / Nursing in Portugal
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Luís Graça: Textos sobre saúde & trabalho / papers on health & work página / page 62
62. Graça, L.; Henriques, A. Isabel (2000) - Evolução daPrática e do Ensino da Enfermagem em Portugal
[Practice and Teaching of Nursing in Portugal duringthe XX Century] (a) (b)
Versão em português Portuguese version only
Índice
1. A historiografia da enfermagem em Portugal
2. O ensino da enfermagem: a subordinação ao modelo médico-hospitalocêntrico
3. O ensino da enfermagem: a autonomia
4. Enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutico: um estatuto de
subalternidade
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1. A Historiografia da Enfermagem em Portugal
Falta-nos uma perspectiva histórica da evolução da
enfermagem em Portugal, do seu ensino, da sua prática, das suas
condições de exercício, de emprego e de trabalho, da sua
sociodemografia, da sua actividade associativa, etc., pelo menos
desde há 150 anos para cá, em articulação com o
desenvolvimento do sistema de saúde e de assistência (Graça,
1996).
Aliás, sobre este tópico a bibliografia ainda é escassa e de
reduzido interesse, a não ser descritivo e factual (Sacadura,
1950; Ferreira, 1986; Nogueira, 1990; Ferreira, 1990). Quanto à
investigação sociológica, ela é praticamente inexistente.
Lemos (1991), por sua vez, dedica à história da enfermagem
apenas algumas notas circunstanciais, o mesmo é dizer que ignora
pura e simplesmente a proto-história da prestação de cuidados
básicos aos doentes desde a Idade Média até ao fim do Antigo
Regime.
Há cem anos atrás, a situação da enfermagem hospitalar no
nosso país deixaria muito a desejar, por comparação com países
europeus como a Inglaterra ou a Alemanha. Em contrapartida, no
início da segunda metade do Séc. XVIII, temos notícias de que
eram frequentes os abusos praticados pelos enfermeiros e
ajudantes do Hospital Real de Todos os Santos (HRTS).
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Lemos (1991. 142-143) dá-nos conta de alguns exemplos, mais ou
ou menos anedóticos e caricatos, de "comportamentos
reprováveis", extraídos da leitura do relatório do enfermeiro-
mor (provedor) D. Jorge Mendonça, que tinha sido nomeado pelo
Marquês de Pombal:
Por volta de 1758, "os enfermeiros e mais pessoal inferior"
(sic) costumavam trazer os amigos para almoçar e jantar no
hospital;
Entre Julho de 1758 e Junho de 1759, o consumo de carne
de galinha era exorbitante, dando qualquer coisa como 100
galinhas em média por dia e originando uma despesa
superior a 7600$000 réis;
Como termo de comparação, refira-se que na época uma tal
importância era elevada: o equivalente à remuneração anual
de 180 enfermeiros (Em 1775, um enfermeiro do Hospital
Termal das Caldas da Rainha ganhava anualmente 42$000
réis) e muito provavelmente superior a 10% das receitas do
HRTS (Em 1788, o seu sucedâneo, o Hospital de S. José,
tinha de rendimento anual 80 contos);
Os cadáveres não eram devidamente removidos pelos
enfermeiros e ajudantes, pelo que entravam rapidamente
em putrefacção e, não raras vezes, serviam de repasto aos
ratos que infestavam o hospital;
Era frequente os enfermeiros e ajudantes fugirem de noite
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pelos telhados, abandonando as suas tarefas de vigília dos
doentes; ou, em alternativa, passarem o tempo a jogar às
cartas ou a tocar instrumentos musicais;
Havia igualmente o hábito de se ficar com o espólio dos
doentes que morriam; o vestuário era depois "arrematado
por um trapeiro, à razão de 2$500 réis por mês".
Foram, de resto, estes e outros abusos que Jorge Mendonça
terá procurado combater, de acordo com o teor do relatório que
enviou ao Marquês de Pombal.
Também não sabemos como se processava, entre nós, o processo
de procura e de oferta de cuidados de enfermagem ao domicílio,
fora portanto do contexto assistencial hospitalar.
Sabe-se, no entanto, que no princípio do Séc. XIX havia dois
lugares de enfermeiras no quadro do pessoal feminino da Casa
das Rainhas, com um vencimento anual de 53$900 réis cada uma,
bastante maior do que as moças de quartos (38$230 réis), mas
bastante menor do a engomadeira ou até as açafatas, para não
falar das outras categorias de pessoal, de estatuto social mais
elevado, como as damas, a camareira-mor ou as damas de honor.
Em pleno Séc. XIX devia ser já relativamente frequente o
recurso aos serviços de enfermeiros e de enfermeiros por
parte das famílias nobres e burguesas mais ricas. Por exemplo,
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em 1864, escrevia o Marquês de Fronteira e d'Alorna (1802-
1881) à sua filha, Condessa da Torre:
"Levo comigo [ para Paço de Arcos ] o enfermeiro, do qual não
posso prescindir, porque tem que temperar a água, fazer-me as
fricções, que vejo hão-de continuar, e curar-me as mãos. E para
mim é indiferente que ele fique em casa ou fora, porque das dez
da noite à seis da manhã não o ocupo. A minha vida é um relógio;
assim o exigem os nervos que estão bastante atacados"
(Memórias do Marquês de Fronteira e d'Alorna, Vol. V. 1932.
258) (Itálicos meus).
Tudo indica que a enfermagem, com a expulsão das ordens
religiosas em 1834 e a laicização do pessoal hospitalar, começa a
ganhar alguma especificidade e visibilidade, ao ponto de se
poder falar também de uma enfermagem hospitalar para os
pobres e de uma enfermagem privada para os ricos, a exemplo
da medicina. O mesmo Marquês de Fronteira e d'Alorna que
recorre em 1862 aos serviços particulares de um enfermeiro, é
o mesmo que escreve, também à filha, em 21 de Setembro de
1862, o seguinte:
"O Dr. Gomes esteve aqui ontem muito tempo; examinou-me,
achou-me muito melhor, mas não bom. Escreveu ao Teixeira,
lembrando os banhos do Estoril, o que muito me seca, mas, que,
se for necessário, tomarei, e, depois deles, os banhos do mar.
Faça-se o que os doutores determinarem!... Aprova a mudança
de ares" (Memórias do Marquês de Fronteira e d'Alorna, Vol. V.
1932. 259) (Itálicos meus).
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É, com o romantismo, que a literatura vem popularizar a figura
da enfermeira à cabeceira do doente, ainda e sempre um papel
que cabe à mulher, no domínio da prestação de cuidados no
domicílio, como é o caso de Margarida, um das heroínas do
popular romance de Júlio Dinis (1839-1871), As pupilas do
senhor Reitor:
"Assim continuou este viver por muitos anos mais, até que a mãe
de Clara adoeceu. Durante a moléstia, foi Margarida desvelada e
incansável enfermeira (sic, itálicos meus), colhendo sempre, em
paga dos seus carinhos, modos rudes e ásperos, expressões
inequívocas da aversão que nunca deixara de sentir por ela. A
heróica rapariga não afrouxava por isso na afectuosa caridade
com que a tratava.
"A doença agravou-se, e a morte foi declarada inevitável" (...)
(Dinis, 1986. 103).
Trata-se da mesma Margarida de quem Ricardo Jorge disse:
"idealíssima Margarida que iniciou a minha puberdade no
platonismo do amor" (cit. pro Ferreira, 1986. 56).
2. O Ensino da Enfermagem: a Subordinação aoModelo Médico-Hospitalocêntrico
Com um atraso de algumas décadas em relação às ideias
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pioneiras dos grandes reformadores da enfermagem no Séc.
XIX (v.g., o Pastor alemão Fliedner e as inglesas Florence
Nigthingale e Ethel Bedford Fenwick), as primeiras iniciativas no
domínio da formação profissional dos enfermeiros portugueses
remontam ao final da Regeneração ou fontismo.
De acordo com Ferreira (1986), os primeiros cursos de
"enfermagem científica" (sic), realizados entre nós datariam de
1881, 1886 e 1887 (respectivamente nos Hospitais de Coimbra,
Lisboa e Porto).
Significativamente, a necessidade de formar pessoal de
enfermagem minimamente qualificado é sentida sobretudo pelos
hospitais das três cidades onde se ministra o ensino oficial da
medicina (A Faculdade de Medicina de Coimbra e as Escolas
Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto).
E é sentida sobretudo pelos médicos e cirurgiões. Será, de
resto, por sua iniciativa e sob a sua liderança, que serão criados
os primeiros cursos e escolas profissionais, como foi o caso, por
exemplo, das Escolas de Enfermagem Artur Ravara, em Lisboa
(1930) e da Ângelo da Fonseca, em Coimbra (1931).
A Escola Superior de Enfermagem Dr. Angelo da Fonseca
reivindica hoje o privilégio de ter sido "a primeira Escola de
Enfermagem do País, fundada em 17 de Outubro de 1881, pelo
Administrador dos Hospitais da Universidade de Coimbra,
Senhor Professor Doutor António Augusto Costa Simões, sendo
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denominada por Escola dos Enfermeiros de Coimbra". No sua
página na Internet pode ainda ler-se que:
Em 1919, transformou-se em Escola Oficial, com a
designação de Escola de Enfermagem dos Hospitais da
Universidade de Coimbra;
Em 8 de Janeiro de 1931, adoptou a designação de Escola
de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca;
Em 1982, passou a leccionar cursos de formação pós-
básica;
Em 15 de Setembro de 1989, foi convertida em Escola
Superior de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca,
começando em 1990 a leccionar os primeiros Cursos
Superiores de Enfermagem e, em 1998, Cursos Pós-
Graduação;
Em 1999, deu início à Licenciatura em Enfermagem.
Segundo Ferreira (1990. 549), a Escola de Enfermagem dos
Hospitais da Universidade de Coimbra só teria sido criada em
1918, pelo Decreto nº 5768, de 10 de Maio. De novo
regulamentada em 1920, passará a ter a designar-se como
Escola de Enfermagem de Dr. Ângelo da Fonseca pela Portaria
nº 7001, de 8 de Janeiro de 1931.
Recorde-se que Ângelo da Fonseca (1872-1942) ficou sobretudo
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conhecido como fundador da urologia em Portugal, como
director-geral da instrução pública e como principal colaborador
do Ministro do Interior, António José de Almeida, que também
era médico, na reforma do ensino superior (1911).
Outra escola pioneira foi a de Artur Ravara: a "Escola de
Enfermeiros do Hospital de S. José" nasceu por iniciativa do
enfermeiro-mor (termo que designava então o cargo de
director) do Hospital de S. José, o Dr. Tomás de Carvalho.
Criada pela portaria do Ministério do Reino, de 28 de Janeiro de
1886 (Diário do Governo nº 22), destinava-se exclusivamente ao
pessoal do Hospital de S. José e hospitais anexos (Hospitais
Civis de Lisboa, a partir de 1913).
Da elaboração do respectivo programa, publicado em 1887, foi
encarregue o Dr. Artur Ravara, professor da Escola Médico-
Cirúrgica de Lisboa e cirurgião da corte... Ao que parece, a
primeira experiência de formação regular em enfermagem
terminaria precocemente, em 1889, devido às dificuldades
provocados pelo analfabetismo da grande maioria dos alunos/as
(Nogueira, 1990. 133).
Em rigor, a primeira Escola Profissional de Enfermagem vai
nascer já no Século XX, por Decreto de 10 de Setembro de
1901. Com sede no Hospital de S. José, em instalações
provisórias, propunha-se então como missão ministrar "a
instrução doutrinária, técnica e os conhecimentos de prática que
as exigências da ciência actual reclamam" a todos aqueles que, no
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hospital, "tenham de cumprir prescrições médicas ou cirúrgicas
e de prestar cuidados de enfermagem a doentes" (cit. por
Nogueira, 1990. 134). Em princípio previa-se já um curso básico
com a duração de um ano, enquanto o curso completo seria de
dois anos.
Em 1918, pelo Decreto nº 4563, de 12 de Julho, é reorganizada
a Escola Profissional de Enfermagem dos Hospitais Civis de
Lisboa, a funcionar no Hospital de S. Lázaro.
Em 1930, pelo Decreto nº 19060, de 29 de Novembro, passa a
chamar-se Escola de Enfermagem Artur Ravara, sendo então
transferida para o Hospital dos Capuchos (Ferreira, 1990. 549;
Nogueira, 1990. 134).
No final do Séc. XIX, terá nascido igualmente a Escola de
Enfermagem do Porto (a de Santo António, em 1896).
Recuando no tempo, constata-se que já em 4 de Janeiro de 1836
havia sido criado nas Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e
Porto um curso de parteiras, com a duração de dois anos e
estágio final. Em princípio, exigia-se como habilitações mínimas o
saber ler e escrever. Todavia, a formação de parteiras com
alguma preparação prática já se fazia antes, na Casa Pia, criada
em 1780 (Miguel, 1981. 541).
Por sua vez, Ricardo Jorge, no seu relatório apresentado ao
Conselho de Instrução Pública (1885), faz uma referência
explícita à necessidade de criação de cursos de enfermagem no
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âmbito das Escolas Médico-Cirúrgicas (criadas em Lisboa e
Porto, em 1836), ao mesmo tempo que invectiva a tentativa a
continuar a manter essas "entidades fósseis" (sic) que eram os
barbeiros-sangradores e os cirurgiões ministrantes.
Não deixa de ser interessante notar que a condenação destes
dois praticantes de artes médicas se faz em nome da defesa da
profissão médica e, implicitamente, do monopólio do exercício da
medicina pelos médicos diplomados. Por outro lado, o enfermeiro
é visto claramente em termos subordinação ao médico (ajudante
hospitalar ou assistente de leito na clínica privada, segundo as
expressões usadas por Ricardo Jorge):
"Houve já, depois da restauração das escolas [médico-
cirúrgicas], cursos de sangradores e cirurgiões ministrantes;
ainda na ditadura de 1870 se restabelecia a fóssil entidade que
foi, e bem, pouco depois abolida. Fora com esses títulos que
desvirtuam a profissão e abrem o caminho da curandeirice", diz
Ricardo Jorge (Itálicos meus).
O autor refere-se aqui ao golpe militar liderado pelo velho
Duque de Saldanha, em 19 de Maio de 1870, dando origem a um
governo ditatorial que teve apenas cem dias de vida. Por outro
lado, o ofício de sangrador ou barbeiro-sangrador será extinto
por decreto de 13 de Junho desse ano (Pina, 1938). E
continuando, escreve o nosso higienista, no seu habitual estilo
enfático e contundente, tão característico do seu tempo e da sua
personalidade:
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"Não direi o mesmo dos cursos de enfermeiros, destinados a
fornecer aos hospitais bons ajudantes, e mesmo à clínica
particular bons assistentes de leito. Nos Estados Unidos
florescem belas instituições desta ordem; e na França, graças a
Bourneville, prosperam já num grande número de hospitais.
Criado o internato e a assistência de clínica, não poderia iniciar-
se esse curso humanitário no Hospital de Santo António, cuja
administração devia ter o máximo empenho em promovê-lo?"
(Jorge, 1885, cit. por Correia, 1960. 49. Itálicos meus).
Quanto à formação das parteiras, ministrada nas Escolas
Médico-Cirúgicas, Ricardo Jorge, diz que é um "curso menor de
obstetrícia (...) frequentado por mulheres que não possuem em
geral a menor instrução". Embora a lei então impusesse então
como condição mínima o saber ler e escrever , "o lente de partos
tem de desempenhar (...) todos os anos as funções de mestre-
escola".
E comenta em tom jocoso o autor do relatório:
"Com tais predicados imagina-se o que serão em geral estas
comadres ao rematar o curso e em que condições estão elas para
utilizar do ensino. Ao menos que os exames de instrução primária
e francês lhes sejam exigidos" (Jorge, 1885, cit. por Correia,
1960. 49).
Ricardo Jorge estaria então longe de imaginar que, pela mão de
muitas destas comadres, que não sabiam ler nem escrever, nem
muito menos tocar piano e falar francês, virão ao mundo ainda
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muitos milhões de portugueses e portuguesas até meados do
Séc. XX!
Pelo Decreto de 28 de Outubro de 1903, será entretanto
aprovado o regulamento do curso de parteiras, professado na
Universidade de Coimbra e nas Escolas Médico-Cirúrgicas de
Lisboa e Porto. A partir de 1905, só serão admitidas a este
curso candidatas com o 2º grau de instrução primária, o
equivalente hoje ao 1º ciclo do ensino básico (artº 7º).
O curso era de dois anos: no 1º ano, a regência do curso era
confiada a um professor substituto da secção cirúrgica e no 2º
pelo professor titular da cadeira de obstetrícia (artº 1º).
Embora competisse aos conselhos escolares definir os
respectivos programas, o regulamento do curso de parteiras
estipulava que, no 1º ano do curso, as matérias deviam
restringir-se "ao que for mais elementar e mais propriamente
referente a gravidez e partos normais"; o 2º ano, por seu turno,
era dedicado ao estudo dos partos distócicos, aos exercícios
com manequins e à assistência clínica (Boletim dos Serviços
Sanitários do Reino, 1903. 146-148).
Outras iniciativas surgirão já depois da República, e
nomeadamente por mão das congregações religiosas que
entretanto começaram a regressar ao país. A este nível, a Escola
de Enfermagem de S. Vicente de Paulo poderá ser considerada
pioneira.
Fundada em 1937 por Eugénia Tourinho, uma religiosa brasileira,
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diplomada em enfermagem por uma escola francesa, a Escola de
Enfermagem de S. Vicente de Paulo procurou "pôr em prática um
curso de três anos, no qual eram incluídas matérias de cariz
humanístico, como higiene mental, psicologia, sociologia, etc."
(Nogueira, 1990. 135).
É já no auge do Estado Novo que irá, entretanto, proceder-se ao
início da reforma do ensino e da prática de enfermagem, com o
D. L. nº 32612, de 31 de Dezembro de 1942, o qual vem, no
entanto, impor a infamante proibição do casamento às
enfermeiras, uma medida claramente sexista, inspirada no
modelo fascista italiano, e que só será revogada mais de vinte
anos depois (D.L. nº 44 923, de 18 de Março de 1963).
Ferreira (1990. 551), a propósito deste diploma legal, limita-se a
dizer candidamente que ele vem permitir "o casamento das
enfermeiras hospitalares, medida reclamada há muito" (sic).
Em 1940, pelo Decreto nº 30447, de 17 de Maio, o Ministério da
Educação Nacional havia, entretanto, criado a Escola Técnica de
Enfermeiras (ETE) do Instituto Português de Oncologia (IPO),
durante muito tempo a mais prestigiada e elitista de todas.
No sítio da actual Escola Superior de Enfermagem de Francisco
Gentil, pode ler-se:
"A sua criação ficou a dever-se, sem dúvida, à preocupação
dominante do Prof. Doutor Francisco Gentil de assegurar ao
país a formação de enfermeiros altamente qualificados,
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capazes de participar, pela sua competência científica,
técnica e humana, na melhoria da assistência de saúde;
"A criação da ETE (...) veio dotar o país, na época, com uma
Escola nova, moderna, na perfeita acepção do termo, que
iniciaria uma mudança profunda a nível de formação de
enfermeiras em Portugal.
Com um curso de três anos e exigindo como habilitação mínima o
2º ciclo liceal (o antigo 5º ano dos liceus ou o actual 3º ciclo do
ensino básico), esta escola teve reconhecidamente um "papel
importante na evolução do ensino da enfermagem em Portugal,
sob os auspícios da Fundação Rockfeller" (Ferreira, 1990. 549).
É nesta época que se regulamentam também os cursos de
especialidades de enfermagem (Decreto nº 32612, de 31 de
Dezembro de 1942).
O ensino de enfermagem nos pós-guerra sofrerá sucessivas
reformas, em geral ao sabor da produção legislativa no domínio
da saúde e assistência:
Em 1947, com o D.L. nº 36219, de 10 de Abril, passa-se a
exigir aos enfermeiros a instrução primária, sendo a
formação de um ano (curso ordinário) ou de dois anos (curso
completo);
Data desta altura a criação da figura da auxiliar de
enfermagem, como forma de colmatar a falta de pessoal de
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enfermagem que já se fazia sentir no nosso país, apesar da
lenta evolução do nosso sistema hospitalar.
O Regulamento das Escolas de Enfermagem da Cruz Vermelha,
que estava sob a tutela do Ministério do Exército, também data
do pós-guerra (Portaria nº 13833, de 7 de Fevereiro de 1952).
Os D.L. nºs 38884 e nº 38885, de 28 de Agosto de 1952, vieram
finalmente disciplinar e organizar o ensino da enfermagem nas
escolas oficiais, segundo Ferreira (1986) e Nogueira (1990).
A partir de então, passam a haver três cursos distintos:
Curso geral (Habitações mínimas: 1º ciclo liceal; duração: 3
anos);
Curso de auxiliares (Habilitações mínimas: instrução
primária; duração: 1 ano, mais seis meses de estágio);
Curso complementar (Habitações mínimas: 2º ciclo liceal,
além do Curso de Enfermagem Geral e prática profissional;
duração: 1 ano).
Foram, além disso, introduzidas em 1952 as seguintes reformas
(Nogueira, 1990.137-138):
O ensino passa a ser ministrado apenas em Escolas de
Enfermagem, oficiais ou particulares (ligadas aos institutos
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religiosos ou às misericórdias, no caso da do Porto), dotadas
de autonomia técnica e administrativa;
Melhoria da formação dos monitores para quem foi criado
especificamente o curso complementar de enfermagem;
Além da idade mínima (18 anos) e das habilitações mínimas
(conforme o curso), são requisitos de admissão ter
"robustez física" e "comportamento moral irrepreensível"
(sic);
O plano de estudos passa a ser constituído por aulas
teóricas, aulas práticas e estágios, de frequência
obrigatória;
No final do curso, os alunos deviam submeter-se a um
exame de Estado, a realizar em escola oficial.
3. O Ensino da Enfermagem: a Autonomia
O alcance da reforma de 1952 ficou, no entanto, limitado pela
persistência, se não mesmo agravamento, das deficiências que já
vinham de detrás. No essencial, e segundo o autor que temos
vindo a citar (Nogueira, 1990. 138-139):
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Indefinição dos objectivos de ensino/aprendizagem;
Natureza meramente selectiva dos exames;
Carência de monitores em quantidade e qualidade;
Aproveitamento oportunístico pelos hospitais do trabalho
dos estagiários, com grave prejuízo para a sua formação;
Enfoque hospitalocêntrico e tutela médico-hospitalar da
enfermagem.
Por exemplo, e ainda nesta época, a Escola de Enfermagem Dr.
Assis Vaz, com sede no Porto, e que tinha sido criada pela
Portaria nº 14719, de 23 de Janeiro de 1954, passa a designar-
se um ano e meio mais tarde por Escola de Enfermagem do
Hospital de S. João (D.L. nº 40303, de 3 de Setembro de 1955).
Em Lisboa, por sua vez, será criada a Escola Oficial de
Enfermagem do Hospital de Santa Maria (Portaria nº 15965, de
10 de Setembro de 1956). Médicos e hospitais persistiam em
tutelar (senão mesmo) colonizar o ensino e a prática da
enfermagem.
Será preciso, entretanto, esperar pela reforma de 1965 (D.L nº
46448, de 20 de Julho), para que o ensino e o exercício da
enfermagem em Portugal comecem a desmedicalizar-se e ganhar
maior autonomia e especificidade, abrindo-se assim às correntes
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internacionais (e nomeadamente às orientações da OMS e do
Conselho Internacional de Enfermeiros):
Para admissão ao Curso Geral, cuja duração continua a ser
de três anos, passa a exigir-se como habilitações mínimas o
2º ciclo liceal ou equivalente;
O plano de estudos visa uma formação mais equilibrada e
polivalente do enfermeiro, com menos peso da patologia e
de outras matérias do domínio das ciências biomédicas;
A orientação da enfermagem já não é apenas para o hospital
mas também para o exercício de actividades no campo da
saúde pública e dos cuidados ambulatórios;
Enfatiza-se a necessidade de uma pedagogia activa e
participativa, etc.
O regulamento de 1965 virá, entretanto, a ser actualizado pela
Portaria nº 34/70, de 14 de Janeiro, "já na fase de
reorganização geral dos serviços de saúde" (Ferreira, 1990.
550).
De qualquer modo, e mesmo depois da reforma de 1971, não
deixa de ser sintomática que continuem a criar-se
sucessivamente novas escolas de enfermagem no âmbito do
sistema hospitalar. Em todo o caso, e ainda antes, em 1967,
tinham sido criadas a Escola de Ensino e Administração de
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Enfermagem (Portaria nº 22539, de 27 de Fevereiro) e a Escola
de Enfermagem de Saúde Pública (Portaria nº 22574, de 6 de
Setembro).
Paralelamente, começa a prestar-se atenção à formação de
enfermagem na área de saúde mental, com a criação de escolas
de enfermagem psiquiátrica junto das delegações do Instituto
de Assistência Psiquiátrica (Lisboa, Poro e Coimbra) (Portarias nº
22574, de 6 de Setembro de 1967, e nº 23335, de 25 de Abril
de 1968).
Também o ensino da enfermagem não passou incólume pelas
transformações operadas na sociedade portuguesa, na sequência
da revolução do 25 de Abril de 1974:
A estrutura e o conteúdo curriculares do curso de
enfermagem sofrem novas e profundas alterações, por
diploma legal de 9 de Agosto de 1976, como resultado de
um grupo de trabalho onde desempenharam um papel activo
os representantes das escolas e dos recém criados
sindicatos de enfermagem bem como da Associação
Portuguesa de Enfermagem (Nogueira, 1990. 140);
Curiosamente este diploma é omitido (deliberadamente ou
não) por Ferreira (1990), o qual, na qualidade de Secretário
de Estado da Saúde e Assistência do Governo de Marcelo
Caetano, foi um dos grandes mentores da reforma da saúde
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de 1971);
As próprias escolas de enfermagem, nascidas à sombra
tutelar dos hospitais e, durante anos, dependentes das
próprias direcções dos hospitais, só muito lentamente
começaram a ganhar a sua autonomia técnica e
administrativa, "sob o impulso da legislação de 1952"
(Nogueira, 1990. 143);
Em temos legislativos, é preciso esperar pela Portaria nº
34/70, de 17 de Janeiro, que vem consagrar a sua "plena
autonomia técnica e administrativa": As direcções passam a
ser entregues aos enfermeiros com funções de ensino, para
quem de resto tinha sido criada anteriormente uma carreira
própria (D.L. nº 48166, de 27 de Dezembro de 1967).
Poucas escolas, segundo Nogueira (1990. 144), terão conseguido
entretanto aplicar na prática o regulamento de 1970, que previa
além disso a participação dos alunos e da comunidade na
organização e funcionamento dos estabelecimentos.
A experiência de gestão democrática, no pós-25 de Abril de
1974, também não se fez sem sobressaltos e conflitos na
grande maioria das escolas de enfermagem. Entretanto, em
1976, será publicado novo regulamento dos órgãos de gestão
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(Portaria nº 674/76, de 13 de Novembro).
Os cursos de especialização na área de enfermagem que
entretanto tinham sido criados passavam a ter três áreas
distintas: (i) Gestão dos serviços de enfermagem; (ii) Ensino de
enfermagem; e (iii) Prática de investigação em enfermagem.
De qualquer modo, convém recordar que só em 1979 é que
passou a ser exigida, como habilitação mínima para a admissão ao
curso de enfermagem, o 3º ciclo ou curso complementar dos
liceus (ou seja, onze anos de escolaridade) (D.L. nº 98/79, de 6
de Setembro).
A mais recente das alterações, a nível do ensino da enfermagem,
é a sua integração no ensino superior politécnico, sob a dupla
tutela do Ministérios da Educação e da Saúde (D.L. nº 490/88,
de 23 de Dezembro, regulamentado pela Portaria nº 65-A/90,
de 26 de Janeiro).
Com integração no ensino superior, abre-se finalmente a
oportunidade, às escolas de enfermagem, de conquistar a
terceira vertente da autonomia que lhes faltava, a autonomia
científica, o que passa (também) pela valorização do seu pessoal
docente e pelo desenvolvimento da investigação científica. Com o
Decreto-Lei nº 353/99 de 3 de Setembro, o Ministério da
Educação vem aprovar a criação do Curso de Licenciatura em
Enfermagem, do Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em
Enfermagem e Curso de Complemento de formação.
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Como muito bem nota Nogueira (1990. 144), ele próprio um
enfermeiro diplomado e docente, pertencente à Ordem
Hospitaleira de S. João de Deus, "o pessoal docente (...) tem
sido aumentado bastante, em número e competência (...).
Contudo, tem-lhe faltado oportunidades de se dedicar à
indispensável investigação científica".
Quanto à carreira profissional de enfermagem, ela existe desde
1971, criada juntamente com a carreira médica de saúde pública
e a carreira médica hospitalar (D.L. nº 414/71, de 27 de
Setembro). Sofreria depois profundas modificações até à
actualidade (D.L. nº 178/85, de 23 de Maio e D.L. nº 134/87, de
17 de Março).
Presentemente, há três áreas de actuação específica do pessoal
de enfermagem: (i) prestação de cuidados, (ii) gestão de
serviços e (iii) assessoria (D.L. nº 437/91, de 8 de Novembro).
É difícil de prever o exercício da profissão de enfermagem em
Portugal, mas há quem pense que não seja "risonho" (sic) no
futuro próximo. Nogueira (1990. 145) aponta as seguintes
razões para fundamentar o seu cepticismo, embora algumas
possam estar eventualmente datadas ou ser meramente
conjunturais:
Extinção dos cursos intermédios de auxiliares de
enfermagem em 1975 (embora o Decreto nº 47523, de 4
de Fevereiro de 1967, já previsse a sua extinção, ao
permitir o funcionamento dos respectivos cursos, a título
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provisório);
A inexistência de planos de formação e requisitos legais
para os auxiliares de acção médica (antigos ajudantes de
enfermaria);
A insuficiência de pessoal de enfermagem, com a devida
qualificação, sendo ainda no final da década de 1990 os
enfermeiros em número inferior aos médicos e passando a
haver um crescente recurso a enfermeiros estrangeiros
(espanhóis, brasileiros, etc.);
A aparente atracção pelas actividades de gestão, em
detrimento da prestação directa de cuidados de
enfermagem, exercida sobre os enfermeiros com formação
pós-graduada;
A emigração, o abandono da profissão ou, pelo menos, o seu
exercício temporário ou sazonal em certos países dentro da
UE e até fora da UE (por ex., Suiça), com um mercado de
trabalho mais favorável ou mais atraente, etc.
4. Enfermeiros e técnicos de diagnóstico eterapêutica: um estatuto de subalternidade
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A enfermagem (tal como a fisioterapia e outras actividades
ditas paramédicas) foi, durante muito tempo, um típico exemplo
de uma ocupação ou semi-profissão, que nasceu de um processo
de especialização vertical, independentemente de mais tarde
ter vindo a desenvolver o seu próprio campo de competência.
Há mais de um século atrás a enfermagem, tanto em Portugal
como no resto da Europa, não tinha a preparação académica do
médico. Mas as enfermeiras de hoje não são o resultado da
professionalização das suas antecessores do Séc. XIX. Na
Noruega, por exemplo, as enfermeiras diplomadas aparecem
pela primeira vez, em 1860 (Hofoss, 1986). Não tinham nada em
comum com o pessoal, não qualificado e sem qualquer preparação
específica, que prestava cuidados básicos ao doente, no
domicílio ou no hospital.
As enfermeiras diplomadas limitaram-se a substituir esse
pessoal. Ou seja, a moderna enfermagem não foi construída a
partir de dentro, através de um projecto profissional de auto-
reforma. Foram formadas em escolas de enfermagem, não pelas
enfermeiras tradicionais com um projecto de melhoria da
qualidade da enfermagem, mas pelos médicos dos hospitais que
sentiam necessidade de assistentes clinicamente melhor
qualificadas.
Quanto às antigas auxiliares de enfermagem, recorde-se que a
sua criação, em Portugal, remonta a 1947, tendo sido então uma
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solução adhoc para suprir a falta de enfermeiros diplomados.
Esta situação não é especificamente portuguesa, aconteceu na
maioria dos países europeus. O exemplo da Noruega é
sintomático (Hofoss, 1986):
Na Noruega, depois da II Guerra Mundial e na sequência de
um acelerado desenvolvimento económico e social, a rede
hospitalar vai crescer muito rapidamente;
Durante os anos 50, torna-se cada vez mais difícil
satisfazer a procura de enfermeiras hospitalares;
O problema agrava-se nos anos 60 quando as escolas de
enfermagem foram integradas no ensino superior;
As estudantes de enfermagem passam a estagiar menos
tempo nos hospitais e a dedicar-se mais aos livros e às
aulas;
A falta de pessoal de enfermagem nos hospitais agudiza-
se, o que leva à criação de curtos programas de formação
para auxiliares de enfermagem;
O número de auxiliares de enfermagem, com formação
profissional, em breve será superior ao das registered
nurses (RN).
Em Portugal, entre 1965 e 1974, o número de auxiliares de
enfermagem que se formavam anualmente era cinco vezes
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superior (cerca de mil) ao número de enfermeiros com o curso
geral (cerca de 200).
Grande parte dos auxiliares de enfermagem, antes do 25 de
Abril de 1974, iam substituindo na prática os enfermeiros,
nomeadamente nos hospitais e nos serviços médico-sociais da
Previdência, sem as necessárias contrapartidas em termos de:
(i) reconhecimento formal das suas competências; (ii) nível ou
estatuto remuneratório; (iii) oportunidades de formação
profissional, etc., o que acabou por originar um movimento
reivindicativo, mais ou menos manifesto, já a partir de 1969.
A criação do Curso de Promoção de Auxiliares de Enfermagem,
com a duração de 20 meses, no consulado de Marcelo Caetano,
acabou por não ter grandes efeitos práticos, por diversas
razões (limitada capacidade de resposta das escolas,
dificuldade de dispensa do pessoal por parte dos serviços de
saúde, etc.).
A pressão sindical acentuou-se com a Revolução do 25 de Abril.
de 1974. Numa conjuntura favorável às reivindicações
igualitárias, o Curso de Auxiliares de Enfermagem acabou por
ser extinto, tendo os auxiliares, com três anos de serviço no
mínimo, sido promovidos ou integrados na carreira de
enfermagem (como enfermeiros de 3ª classe).
Na realidade, tratou-se de uma passagem administrativa, já que
o novo curso de promoção dos auxiliares de enfermagem, criado
em 1975, e indispensável para as pessoas progredirem na
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carreira, esteve muito longe de cobrir toda a população em
causa.
Apesar dos problemas que a enfermagem portuguesa continua a
enfrentar, é inegável que o seu estatuto socioprofissional, nos
últimos trinta anos, se aproximou do estatuto dos médicos, pelo
menos quando comparado com a situação em 1901. Nessa época, o
pessoal de enfermagem continuava a ser social e técnica
desvalorizado em relação à medicina e outras ocupações de
saúde Veja-se, a esse propósito, o quadro de pessoal de dois
serviços sanitários, resultantes da reforma de Ricardo Jorge
(Quadro 1).
Para além de funções laboratoriais (análises e preparação de
soros e vacinas), de investigação e de ensino, o Real Instituto
Bacteriológico de Lisboa (criado em 1892 por Câmara Pestana)
era também dotado de enfermarias para o internamento de
doentes portadores de doenças infectocontagiosas (v.g., raiva,
difteria, tétano, peste e outras).
O regulamento dos serviços de hospitalização será aprovado
pelo Decreto de 30 de Janeiro de 1902. O seu quadro de
pessoal prevê sete enfermeiras, duas com funções de
enquadramento: A enfermeira regente tinha a seu cargo especial
a enfermaria de difteria, e a enfermeira chefe a do serviço anti-
rábico (art. 15º do citado regulamento de 1902).
Um pormenor digno de nota é que a vacinação contra a raiva, por
exemplo, é feita, não pela enfermagem, mas pelo chefe do
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respectivo serviço (art. 8º), que é um dos dois médicos
auxiliares, de acordo com o disposto nos artigos 167º e 169º do
Regulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública
(1901). Ou seja, a vacinação era então um acto médico por
excelência, que só após a sua banalização será delegado, mais
tarde, à enfermagem.
O mesmo se passou, de resto, com o termómetro clínico que até
meados do Séc. XIX era um elemento básico do acto médico
(tal como ver os "pulsos" e ver as "águas" até ao Séc. XVII): à
medida que se desenvolvem outros meios auxiliares de
diagnóstico, mais sofisticados, o termómetro banaliza-se e tirar
a temperatura passa a ser um acto de rotina que é delegado pelo
médico à enfermeira.
Quadro 1 - Quadro do pessoal de dois serviços sanitários em que está prevista a
categoria de enfermeira ou enfermeiro (1901)
Real Instituto Bacteriológico de Lisboa Lazareto e posto marítimo de
desinfecção dos Serviços Sanitários
do Porto de Lisboa
Categoria Ordenado (em
réis) p/
categoria
Categoria Ordenado (em
réis) p/
categoria
1 Director (médico) 1000$000 (a) 1 Inspector 1000$000 (b)
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(médico)
1 Médico assistente 700$000 (a) 2 Médicos adjuntos 900$000 (c)
2 Médicos auxiliares 600$000 (a) 1 Médicos auxiliar 500$000 (d)
1 Amanuense 300$000 1 Amanuense
intérprete
500$000 (d)
1 Escriturário 300$000 1 Fiscal chefe 500$000 (d)
2 Preparadores 300$000 1 Fiscal subchefe 400$000 (d)
1 Ajudante de
preparador
200$00 2 Fiscais 400$000
1 Maquinista 306$000 1 Capelão 400$000
1 Auxiliar de
maquinista
180$000 1 Servente 180$000
10 Serventes 180$000 2 Enfermeiros 200$000 (e)
2 Palafreneiros 180$000 4 Guardas de 1ª
classe
200$000 (e)
1 Porteiro 150$000 12 Guardas de 2ª
classe
170$000 (e)
1 Enfermeira
regente
240$000 1 Maquinista
serralheiro
(1)
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1 Enfermeira chefe 180$000 1 Maquinista (2)
5 Enfermeiras 140$000 2 Fogueiros (3)
4 Criadas 120$000
4 Criados 132$000
Gratificação de exercício: (a) 200$00 (b) 450$000 (c) 300$000 (d) 100$000 (e)
80$000
Jornaleiros (salário ao dia) : (1) 1$500 (2) 1$000 (3) $600
Fonte: Regulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública, de 24 de
Dezembro de 1901 (Boletim dos Serviços Sanitários do Reino, 1902. 123-124)
Em termos remuneratórios, as enfermeiras continuam a ter, em
1901, o estatuto de pessoal menor ou auxiliar, com um ordenado
anual de 140$000 réis, ligeiramente superior aos dos criados e
criadas mas inferior ao do porteiro (150$000 réis). A
enfermeira-chefe, por seu turno, ganha o mesmo que os
palafreneiros e os serventes (180$000). Ainda em termos de
ordenado, a enfermeira regente (240$000) está longe de se
equiparar aos preparadores ou analistas de laboratório e ao
pessoal administrativo (300$00) e, muito menos, aos dois
médicos auxiliares que eram chefes de serviço e que, como tal,
recebiam 800$00 cada um (incluindo a gratificação de
exercício).
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Em contrapartida, no lazareto de Lisboa e no posto marítimo de
desinfecção, pertencentes aos Serviços Sanitários do Porto de
Lisboa, o respectivo quadro de pessoal só previa a existência de
dois enfermeiros (não de enfermeiras!) cujo vencimento anual
atingia os 280$000 réis (incluindo uma gratificação de exercício,
no valor de 80$000 réis), o mesmo que aliás ganhava um guarda
de 1ª classe.
No quadro de pessoal dos restantes serviços de saúde pública a
que se refere o Regulamento de 1901 (Direcção Geral de Saúde
e Beneficência Pública, Instituto Central de Higiene, Delegação
de Saúde de Lisboa, Serviços de Saúde do Porto, Posto de
Desinfecção Pública de Lisboa, Estação de Saúde e Posto
Marítimo de Desinfecção do Porto, do Funchal e de Ponta
Delgada), não estava previsto qualquer lugar de enfermeiro ou
de enfermeira:
Num total de 291 lugares previstos nos diversos quadros de
pessoal, anexos ao Regulamento de 1901, o número de
enfermeiros (n=9) não representava senão uns escassos e
insignificantes 3%, enquanto que o número de médicos ascendia a
86 (cerca de 30%)
Em suma, no princípio do Séc. XX não existia ainda a enfermagem
de saúde pública, continuando-se a confiar aos enfermeiros
apenas as tarefas de custódia dos doentes internados, tarefas
essas que até então eram praticamente indiferenciadas.
Em contrapartida, o que é notório na reforma de 1901 é a
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emergência do protagonismo médico: são os médicos quem ocupa
exclusivamente os cargos de pessoal dirigente ou exerce as
funções de direcção técnica dos serviços, desde o director-
geral de saúde até ao guarda-mor chefe das estações de saúde
e postos marítimos de desinfecção.
No caso dos técnicos de diagnóstico e terapêutica, a sua
evolução é muito mais recente do que a do pessoal de
enfermagem. Todavia, já no Regulamento de 1901 surgem novas
categorias de pessoal de saúde, distintas quer da medicina quer
da enfermagem:
É o caso dos químicos (habilitados com um curso superior de
química), os preparadores ou analistas, os desinfectadores
e os engenheiros sanitários;
Estes últimos passaram a ser formados no Instituto
Central de Higiene, tal como de resto os médicos sanitários
(ou futuros médicos da carreira de saúde pública, criada
em 1971).
A formação dos técnicos de diagnóstico e terapêutica esteve a
cargo inicialmente das Escolas Técnicas dos Serviços de Saúde
(mais tarde, Escolas Superiores de Tecnologia da Saúde).
Pertencentes ao Ministério da Saúde, foram criadas pelo D.L. nº
371/82, de 10 de Setembro, e regulamentadas pela Portaria nº
549/86, de 24 de Setembro. Hoje, a formação tende equiparar-
se à de enfermagem, com a sua integração no sistema de ensino
superior politécnico (D.L. nº 415/93, de 23 de Dezembro).
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Entretanto, e ainda na 1ª metade do Séc. XX, foram criados
novos cursos sanitários. Ferreira (1990. 335-336) refere, pelo
menos, três ou quatro:
Visitadoras sanitárias (funcionou com maior ou menor
regularidade entre 1929 e 1952);
Agentes sanitários (entre 1946 e 1971, ano que foi
reestruturado);
Preparadores de laboratório (também entre 1946 e 1971)
Técnicos superiores de laboratório (entre 1969 e 1971, ano
em que também foi reestruturado).
No âmbito dos serviços públicos de saúde, a carreira dos
técnicos de diagnóstico e terapêutica obedece aos princípios
consagrados no D.L. nº 384-B/85, de 30 de Setembro. Em 1993
foram regulamentadas as actividades ditas paramédicas,
através do D.L. nº 261/93, de 24 de Julho. Dezoito categorias
de actividades paramédicas constam em anexo ao citado diploma
legal.
Legislação pertinente para as Escolas Superiores de Tecnologia
da Saúde (ESTES) e para a carreira de Técnicos de Diagnóstico
e Terapêutica (1985-2000) pode ser consultada no sítio da
ESTES de Lisboa (vd. http://www.estesl.pt/ ). Poderá ainda ser
consultado o "site" do Sindicato Democrático dos Técnicos de
Diagnóstico e Terapêutica, criado em 1979 e filiado na UGT (vd.
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http://www.sindite.pt/ ).
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prestígio de Ricardo Jorge. Lisboa: Instituto Superior de Higiene
Dr. Ricardo Jorge.
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Portuguesa de Saúde Pública, 4(1/2), pp. 39-50. (Originalmente
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saúde em Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
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perspectiva sociológica. Lisboa: Disciplina de Sociologia da Saúde
/ Disciplina de Psicossociologia do Trabalho e das Organizações
de Saúde. Grupo de Disciplinas de Ciências Sociais em Saúde.
Escola Nacional de Saúde Pública. Universidade Nova de Lisboa.
(Textos, T 1238 a T 1242).
HOFOSS, D. (1986) - The origin of species. Soc. Sc. Med. 22: 2
(1986) 201-209.
LEMOS, M. (1991) - História da medicina em Portugal: instituições
e doutrinas, Vol. II. Lisboa: D.Quixote; Ordem dos Médicos (1ª
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ed., 1899).
Memórias do Marquês de Fronteira e d'Alorna, Apêndice (1932)
(Org. de Ernesto de Campos de Andrada). Coimbra: Imprensa da
Universidade (Uma reimpressão fac-similada desta edição foi feita
pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986).
MIGUEL, M. A. M. (1981) - Casa Pia. In: Dicionário de História de
Portugal (Dir. de Joel Serrão). Porto: Figueirinhas, Vol. I, pp.
513-515.
NOGUEIRA, M. (1990) - História da Enfermagem, 2ª ed. Porto:
Edições Salesianas.
(a) Versão provisória. Não publicado / Draft. Unpublished paper
(b) Ana Isabel Henriques é enfermeira especialista tendo trabalhado no Hospital Garcia
d'Orta, Almada. Actualmente está colocada no Centro de Saúde do Fundão.
Última actualização: 1 de Abril de 2008 / Last update: April 1, 2005.
© Luís Graça (1999-2008). E-mail: [email protected]
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