Literatura Portuguesa garrett 11.ºC_convertido
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Literatura portuguesa II
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Literatura portuguesa II
[Almeida Garrett – Folhas Caídas]
[2012-2013]
Agrupamento de Escolas do Cerco
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Almeida Garrett
(1799-1854)
João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett nasceu no Porto em 1799. O
pai era então funcionário superior da alfândega dessa cidade e a mãe descendia de uma família de comerciantes minhotos, que tinham outrora feito fortuna no Brasil. Nas veias do futuro visconde, corria, como vemos, o mais puro sangue da
burguesia capitalista. O apelido com que vulgarmente é conhecido - Garrett - foi buscá-lo a uma ascendente irlandesa, que descobriu na genealogia paterna.
Passou os primeiros anos nas quintas do Castelo e do Sardão, onde ouviu histórias de fantasmas e de aparições de almas do outro mundo e de mouras encantadas às graves criadas Brígida e Rosa.
Por ocasião das invasões francesas, acompanhou até aos Açores a família, que resolveu muito prudentemente procurar a segurança nas propriedades que possuía na Ilha Terceira. Foi aí que João Batista conviveu com os tios sacerdotes.
Estes parentes iniciaram-no no estudo dos clássicos e incutiram-lhe ideias conservadoras. E Garrett, dócil e amigo, para lhes fazer a vontade, chegou mesmo a preparar-se para abraçar a vida eclesiástica, embora, por falta de vocação, em breve seguisse outro caminho.
Em 1816, matriculou-se na Universidade de Coimbra. Como todos os académicos que então viviam na Lusa Atenas, viu-se Garrett assediado pelas ideias do liberalismo. Abraçou-as logo, sem grandes remorsos de voltar as costas às tradições da família. Nunca, porém, mostrou tendências anárquicas.
Terminando o curso em 1820, empregou-se na Secretaria dos Negócios do Reino como oficial e em 1822 casou com Luísa Midosi, de quem viria a separar-se em 1836.
Em 1823, após a reação absolutista, abandonou o cargo que desempenhava e houve por bem emigrar para a Inglaterra. Deste país passou até à França, empregando-se no Havre como correspondente comercial de uma filial da casa bancária Laffite, para se sustentar.
Aí por 1826, depois da outorga da Carta Constitucional por D. Pedra IV, regressou a Por.tugal e intrometeu-se, ato contínuo, na política. Fundou os jornais O Português e O Cronista em cujas colunas se fez arauto da causa liberal. Não tardou muito, porém, que D. Miguel se proclamasse rei absoluto. E Garrett não teve outro remédio senão exilar-se pela segunda vez para Inglaterra. Corria o ano de 1828. Os liberais no exílio, agrupados à volta de D. Pedro IV, resolvem invadir o Portugal absolutista. Garrett inscreveu-se sem demora num corpo expedicionário e, com Herculano e outros, desembarcou no Mindelo, tomando parte no cerco do Porto, em 1832.
Ainda D. Pedro não havia entrado em Lisboa e já ele ia a caminho de Paris encarregado de missões diplomáticas. Demorou-se pouco tempo nessa cidade. Após uma breve estada na Pátria, foi colocado em Bruxelas como cônsul geral. Aí teve o ensejo de se familiarizar com a literatura germânica. Regressou de vez a Portugal em 1836 e ajudou a preparar a Revolução de setembro. Vingada esta, Passos Manuel encarregou-o da reorganização do teatro nacional. Almeida Garrett não cruzou os braços: tratou da construção de um edifício apropriado, da criação de uma escola de arte dramática e ele mesmo começou a compor peças dentro do caráter nacionalista que o orientava. Reparte agora a sua atividade entre o trabalho público, a produção literária e uma vida sentimental bastante agitada.
Separado da mulher, viveu maritalmente, a partir de 1837, com Adelaide Deville Pastor, que viria a morrer em 1841 com apenas 22 anos, deixando-lhe uma filha. Mais tarde, em 1844, num baile de caridade, relacionou-se com D. Rosa de Montufar, Viscondessa da Luz, que viria a inspirar-lhe alguns dos seus mais belos poemas.
Em 1851, o crítico dos barões é nomeado visconde e, em 1852, Ministro dos Negócios Estrangeiros. Retirou-se do Governo um ano mais tarde, vindo a falecer em 9 de dezembro de 1854.
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Ao contrário de Alexandre Herculano, que só fez poesia quando novo, Almeida Garrett brindou-nos, já depois de entrar na casa dos
quarenta, com duas obras de grande mérito: Flores sem Fruto e Folhas Caidas.
Ao publicar a primeira, em novembro de 1845, queixava-se de que já não era poeta, de que a sua imaginação era então um
terreno sáfaro. E, por isso, iria plantar o seu «horta» de luzernas e beterrabas. Antes, porém, que ia arrancar as flores sem fruto que lá
estavam a murchar e enfeixá-las numa triste e última capela para deixar dependurada na cruz do seu túmulo. Flores sem Fruto
apareceram então.
Ainda bem que as luzernas e beterrabas não pegaram no seu jardim. Nele continuaram as flores a medrar. E que flores!
Em janeiro de 1853, ao publicar Folhas Ca ida s, escrevia:
A outros versos chamei eu já as últimas recordações de minha vida poética. Enganei o
público, mas de boa fé, porque me enganei primeiro a mim. Protestos de poetas que sempre
estão a dizer adeus ao mundo, e morrem abraçados com o louro - às vezes imaginário,
porque ninguém os coroa. Eu pouco mais tinha de vinte anos quando publiquei certo
poema, e jurei que eram os últimos versos que fazia. Que juramentos!
Pois foi ao quebrar antigos juramentos que Garrett se mostrou autêntico poeta romântico.
FOLHAS CAÍDAS
a) Amor vivido e intenso
Estamos em presença de um lirismo muito individualizado, muito pessoal, muito autêntico. O poeta
amava agora como só sabe amar um homem maduro que se apaixona violentamente. A Viscondessa da Luz,
D. Rosa de Montufar, levou o poeta a semear nestas poesias «luzes» e «rosas» a granel (cfr. Perfume da rosa.
Rosa sem espinhos, Rosa pálida. Flor da ventura, Bela dI' ([ moI', Rosa e lírio. Coqllette dos prados). Foi a sua principal inspiradora, porque há outras. Com elas entretém Garrett um diálogo vivo, cheio
de realismo, o que confere a muitos poemas do livro típica feição dramatizada. É claro que só ouvimos a
voz do Poeta. Mas não nos é difícil adivinhar o que as amadas lhe terão dito, pois às vezes ele chega
mesmo a repetir perguntas feitas por elas nas costas do leitor:
Se estou cont'ente, querida, com esta imensa ternura
de que me enche o teu amor?
- Não. Ai! não; falta-me a vida, sucumbe-me a alma à ventura: o
excesso de gozo é dor. (Gozo e dor)
Garrett cantou em Folhas Caídas o amor que viveu e o modo como o viveu. Não se deixou arrastar
pela «moda», à semelhança dos clássicos petrarquistas; limitou-se a expor o que lhe brotava espontâneo do
coração. O que diz não lhe é imposto de fora, ditado por um estilo epocal; é fruto de um intimismo estri-
tamente pessoal, vem muito de dentro.
Em Este inferno de amar diz que a VIU. E pergunta:
Que fez ela? Eu que fiz - Não no sei; mas nessa hora a viver comecei.
E depois, em Destino, afirma que foi ter com ela, pOIS
[ ... ] em ti só sei viver, só por ti posso morrer.
Este amor, identificado pelo poeta com a mesma vida, é tão intenso que quase lhe consome o ser.
Assim o canta em Anjo és:
Não respondes - e em teus braços
com frenéticos abraços
me tem apertado, estreito! ...
Isso que me cai no peito
que foi? .. - Lágrima? Escaldou-me ...
Queima, abrasa, ulcera ...
Dou-me, dou-me a ti, anjo maldito,
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que este ardor que me devora
é já fogo de precito,
fogo eterno, que em má hora
trouxeste de lá ... de onde?
Em que mistérios se esconde
teu fatal, estranho ser! ...
Anjo és tu ou és mulher?
b) Amor sensual.
Garrett, em Folhas Caídas, ama com a alma e com o corpo, com os olhos, com os ouvidos, com os
sentidos todos. Sem preconceitos, ultrapassa os idealismos petrarquistas e, se não ignora a mulher que se
adora, conhece também a mulher que se deseja.
Estávamos habituados a que os poetas analisassem os efeitos do amor na alma. A fenomenologia da
paixão amorosa repercutida nos sentidos foi Garrett o primeiro que a cantou a valer. Esqueçamos o que diz
em Não te amo: Ai! não te amo, não; e só te quero de um querer bruto e fero
que o sangue me devora:
não chega ao coração, a) para fixarmos a atenção nesta embriaguês erótica da estrofe final de Os Cinco Sentidos. poema onde a
mulher surge com romântica elevação sensualmente apetecida, condensando no seu corpo toda a gama de
belezas naturais:
A ti! Ai, a ti só os meus sentidos, todos num confundidos,
sentem, ouvem, respiram;
em ti, por ti deliram!
Em ti, a minha sorte;
a minha vida, em ti.
E, quando venha a morte, será morrer por ti.
c) Estilo.
O estilo desta coletânea caracteriza-se pela sinceridade e pelo realismo emotivo.
Com efeito, em Folhas Caídas os versos não se amoldam a clichés pré-existentes, a conceitos
convencionais amorosos tipo chapa única. Seria difícil idealizá-los a partir do nada, a brotar dum peito
árido em questões de amor, tal é a sinceridade emotiva que deles se desprende. De Camões se diz que
cantou bem e muito, porque a sua experiência foi profunda. Com Herculano podemos dizer que, se
Camões fizesse versos de amor na idade em que Garrett estava, com certeza não o igualaria. Os versos de
Folhas Caídas, na verdade, parecem retratar um coração de vinte anos que ama deveras e que não tem
vergonha de o confessar.
Sob o aspeto puramente formal, convém assinalar que Garrett abandonou agora os versos brancos
dos árcades, substituindo-os pelos de redondilha, agrupados em estrofes regulares. Às vezes, produz
impressionantes efeitos musicais com aliterações e rimas intermédias, sobretudo nos versos mais longos: São belas - bem o sei, essas estrelas; Mil cores - divinais têm essas flores; Mas
eu não tenho, amor, olhos p'ra elas.
Em toda a natureza não vejo outra beleza senão a ti. (Cinco Sentidos)
Não te amo, quero-te: o amor vem da alma e eu na alma - tenho a calma,
a calma do jazigo.
Ai não te amo, não. (Não te amo)
O ritmo frásico é, em geral, de fôlego curto, coincidindo frequentemente com o ritmo versífico. Daí
o libertar-se destas poesias garrettianas uma fresca musicalidade de toada popular: Pescador da barca bela, onde vais pescar com ela, que é tão bela,
ó pescador?
(adaptado de Barreiros, José António, História da Literatura Portuguesa 2, ed. PAX, s/d)
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Advertência a Folhas Caídas
Antes que venha o inverno e disperse ao vento essas folhas de poesia que por aí caíram, vamos escolher uma ou outra
que valha a pena conservar, ainda que não seja senão para memória.
A outros versos chamei eu já as últimas recordações de minha vida poética. Enganei o público, mas de boa fé, porque
me enganei primeiro a mim. Protestos de poetas que sempre estão a dizer adeus ao mundo, e morrem abraçados com o
louro - às vezes imaginário, porque ninguém os coroa. Eu pouco mais tinha de vinte anos quando publiquei certo poema,
e jurei que eram os últimos versos que fazia. Que juramentos! Se dos meus se rirem, têm razão; mas saibam que eu
também primeiro me ri deles. Poeta na primavera, no estio e no outono da vida, hei de sê-lo no inverno, se lá chegar, e hei
de sê-lo em tudo. Mas dantes cuidava que não, e nisso ia o erro.
Os cantos que formam esta pequena coleção pertencem todos a uma época de vida íntima e recolhida que nada tem
com as minhas outras coleções.
Essas mais ou menos mostram o poeta que canta diante do público. Das Folhas Caídas ninguém tal dirá, ou bem pouco
entende de estilos e modos de cantar.
Não sei se são bons ou maus estes versos; sei que gosto mais deles do que nenhuns outros que fizesse. Porquê? É
impossível dizê-lo, mas é verdade. E, como nada são por ele nem para ele, é provável que o público sinta bem
diversamente do autor. Que importa?
Apesar de sempre se dizer e escrever há cem mil anos o contrário, parece-me que o melhor e o mais reto juiz que pode
ter um escritor é ele próprio, quando o não cega o amor-próprio. Eu sei que tenho os olhos abertos, ao menos agora.Custa-
lhe a uma pessoa, como custava ao Tasso, e ainda sem ser Tasso, a queimar os seus versos, que são seus filhos; mas o
sentimento paterno não impede de ver os defeitos das crianças. Enfim, eu não queimo estes. Consagrei-os Ignoto Deo.
E o deus que os inspirou que os aniquile se quiser: não me julgo com direito de o fazer eu. Ainda assim, no Ignoto Deo
não imaginem alguma divindade meia velada com o cendal transparente, que o devoto está morrendo que lhe caia para
que todos a vejam bem clara. O meu deus desconhecido é realmente aquele misterioso, oculto e não definido sentimento
de alma que a leva às aspirações de uma felicidade ideal, o sonho de oiro do poeta.
Imaginação que porventura não se realiza nunca. E daí quem sabe? A culpa é talvez da palavra, que é abstrata de mais.
Saúde, riqueza, miséria, pobreza, e ainda coisas mais materiais, como o frio e o calor, não são senão estados
comparativos, aproximativos. Ao infinito não se chega, porque deixava de o ser em se chegando a ele. Logo o poeta é
louco porque aspira sempre ao impossível. Não sei. Essa é uma disputação mais longa.
Mas sei que as presentes Folhas Caídas representam o estado de alma do poeta nas variadas, incertas e vacilantes
oscilações do espírito, que, tendendo ao seu fim único, a posse do ideal, ora pensa tê-lo alcançado, ora estar a ponto de
chagar a ele - ora ri amargamente porque reconhece o seu engano - ora se desespera de raiva impotente por sua
credulidade vã.
Deixai-o passar, gente do mundo, devotos do poder, da riqueza, do mando, ou da glória. Ele não entende bem disso, e
vós não entendeis nada dele. Deixai-o passar, porque ele vai onde vós não ides; vai, ainda que zombeis dele, que o
calunieis, que o assassineis. Vai, porque é espírito, e vós sois matéria. E vós morrereis, ele não. Ou só morrerá dele aquilo
em que se pareceu e se uniu convosco. E essa falta, que é a mesma de Adão, também será punido com a morte. Mas não
triunfeis, porque a morte não passa do corpo, que é tudo em vós, e nada ou quase nada no poeta.
janeiro - 1853
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Linhas de Leitura
1. A coletânea Folhas Caídas não é fruto de um acaso, antes o produto de uma escolha criteriosa.
2. Qualquer que seja a reação do público em relação aos poemas, mesmo que de riso, será sempre em segunda mão, porque, primeiro, a sentiu o próprio autor.
3. O poeta sente a necessidade de justificar a publicação de Folhas Caídas (Garrett tinha, então, 54 anos de idade). Certamente que o que queria justificar era o seu conteúdo, por isso teve o cuidado de advertir que, mesmo no inverno da vida, haveria de ser poeta «em tudo».
4. As Folhas Caídas dizem respeito a uma época de vida íntima e nada são pelo público nem para o público.
5. As Folhas Caídas foram inspiradas por um deus a quem o autor as consagrou.
6. O poeta parece pretender mistificar o Ignoto Deo a quem consagra os seus versos, envolvendo-o num manto de mistério.
7. Segundo Garrett, o poeta é louco porque aspira sempre ao impossível. Resta saber que impossível será este.
8. As Folhas Caídas «representam o estado de alma do poeta nas variadas, incertas e vacilantes oscilações do espírito». Efetivamente, dá-se conta disto mesmo, não só de poema para poema, mas, por vezes, ao longo de um mesmo poema.
9. O mundo material e o poético são incompatíveis, mas o que prevalece é o espírito (poesia) e não a matéria.
10. Nos poetas, apenas o corpo é mortal, a poesia, não:
«E aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da Morte libertando», Camões, Os Lusíadas, I, 2 (Proposição).
Para uma melhor compreensão dos aspetos formais nas Folhas Caídas
O metro e as estrofes
As Folhas Caídas evidenciam, efetivamente, a preferência de Garrett pela redondilha. Todavia, a obra apresenta grande
variedade de metros, muitos dos quais coexistir na mesma composição, numa perfeita adequação do ritmo desenvolvimento do
tema ou motivo poético.
Noutras composições, Garrett adotou o verso de nove sílabas (eneassílabo), próprio para o canto, divulgado pela ópera e
amplamente aproveitado pelos Românticos para traduzir a «doce melancolia» por que se manifestava a sensibilidade oitocentista.
Independentemente da estrutura métrica e do esquema rítmico adotados, os versos aparecem de preferência agrupados em
quadras, sendo mais frequentes os metros curtos, sobretudo redondilha, o que acentua a intertextualidade voluntariamente
assumida pelo poeta, com a poesia tradicional. Ocorrem também composições em sextilhas, estâncias que andam em voga no
Romantismo, sendo posteriormente muito usadas pelos poetas que cultivam a poesia de inspiração popular. Encontram-se também
uma composição em quintilha e outra em oitavas, para além de poemas em sétimas, ou estâncias de sete versos, muito prezados
pelos trovadores e pelos poetas do Cancioneiro Gerol.
Contudo, onze poemas apresentam estâncias com vários números de versos, irregularidade que se explica pela
obediência ao ritmo do discurso amoroso, intensamente emotivo e imitando as pausas naturais da linguagem coloquial. Há ainda
poesias compostas só de uma sequência de versos, ou menos longa, como se vê em «Ignoto Deo».
A pontuação O uso dos sinais de pontuação é também renovado por Garrett, pondo-os mais ao serviço da expressividade e do
dramatismo do que da lógica, ou então fazendo-os apenas sublinhar as pausas naturais do discurso emotivo. (Maria Ema Tarracha)
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IGNOTO DEO
(D. D. D.)
Creio em ti, Deus; a fé viva De minha alma a ti se eleva. És: - o que és não sei. Deriva Meu ser do teu: luz... e treva, Em que - indistintas! - se envolve Este espírito agitado, De ti vêm, a ti devolve. O Nada, a que foi roubado Pelo sopro criador Tudo o mais, o há de tragar. Só vive do eterno ardor O que está sempre a aspirar Ao infinito donde veio. Beleza és tu, luz és tu, Verdade és tu só. Não creio
Senão em ti; o olho nu Do homem não vê na terra Mais que a dúvida, a incerteza, A forma que engana e erra. Essência! a real beleza, O puro amor - o prazer Que não fatiga e não gasta... Só por ti os pode ver O que, inspirado, se afasta, Ignoto Deo, das ronceiras,
Vulgares turbas: despidos Das coisas vãs e grosseiras Sua alma, razão, sentidos, A ti se dão, em ti vida,
E por ti vida têm. Eu, consagrado A teu altar, me prostro e a combatida Existência aqui ponho, aqui votado Fica este livro - confissão sincera Da alma que a ti voou e em ti só spera.
1. (D.D.D.): (Dat, donat, dedicat; dá, oferece, dedica).
1.1. A quem é dedicada a obra?
1.2. Explique o sentido de Ignoto Deo (cf. «Advertência»).
2. Atente no sujeito e no objeto da enunciação.
2.1. Identifique-os.
2.2. O sujeito poético experimenta alguma dificuldade em definir o destinatário. Que versos
traduzem essa dificuldade?
2.3. Caracterize, com a ajuda do esquema, a relação eu/tu.
3. A mensagem poética constrói-se à volta do contraste terra/céu.
3.1. Faça um levantamento dos termos e expressões que nos reenviam para esse confronto.
3.2. Relacione os elementos dessa oposição com o sujeito e o objeto da enunciação.
4. Para que tipo de amor nos remete o poema?
Justifique, atentando na oposição forma/essência.
5. Comente, em termos de originalidade e de influências recebidas:
- a escolha da métrica;
- o uso da pontuação.
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8
ADEUS!
Adeus! para sempre adeus!
Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora
Sinto a justiça dos céus
Esmagar-me a alma que chora.
Choro porque não te amei,
Choro o amor que me tiveste;
O que eu perco, bem no sei,
Mas tu... tu nada perdeste;
Que este mau coração meu
Nos secretos escaninhos
Tem venenos tão daninhos
Que o seu poder só sei eu.
Oh! vai... para sempre adeus!
Vai, que há justiça nos céus.
Sinto gerar na peçonha
Do ulcerado coração
Essa víbora medonha
Que por seu fatal condão
Há de rasgá-lo ao nascer:
Há de sim, serás vingada,
E o meu castigo há de ser
Ciúme de ver-te amada,
Remorso de te perder.
Vai-te, oh! vai-te, longe, embora,
Que sou eu capaz agora
De te amar - Ai! se eu te amasse!
Vê se no árido pragal
Deste peito se ateasse
De amor o incêndio fatal!
Mais negro e feio no inferno
Não chameia o fogo eterno.
Que sim? Que antes isso? - Ai, triste! -
Não sabes o que pediste.
Não te bastou suportar
O cepo-rei; impaciente
Tu ousas a deus tentar
Pedindo-lhe o rei-serpente!
E cuidas amar-me ainda?
Enganas-te: é morta, é finda,
Dissipada é a ilusão.
Do meigo azul de teus olhos
Tanta lágrima verteste,
Tanto esse orvalho celeste
Derramado o viste em vão
Nesta seara de abrolhos,
Que a fonte secou. Agora
Amarás... sim, hás de amar,
Amar deves... Muito embora...
Oh! mas noutro hás de sonhar
Os sonhos de oiro encantados
Que o mundo chamou amores.
E eu réprobo... eu se o verei?
Se em meus olhos encovados
Der a luz de teus ardores...
Se com ela cegarei?
Se o nada dessas mentiras
Me entrar pelo vão da vida...
Se, ao ver que feliz deliras,
Também eu sonhar... Perdida,
Perdida serás - perdida.
Oh! vai-te, vai, longe embora!
Que te lembre sempre e agora
Que não te amei nunca... ai! não;
E que pude a sangue-frio,
Covarde, infame, vilão,
Gozar-te - mentir sem brio,
Sem alma, sem dó, sem pejo,
Cometendo em cada beijo
Um crime... Ai! triste, não chores,
Não chores, anjo do céu,
Que o desonrado sou eu.
Perdoar-me tu?... Não mereço.
A imundo cerdo voraz
Essas pérolas de preço
Não as deites: é capaz
De as desprezar na torpeza
De sua bruta natureza.
Irada, te há de admirar,
Despeitosa, respeitar,
Mas indulgente... Oh! o perdão
É perdido no vilão,
Que de ti há de zombar.
Vai, vai... para sempre adeus!
Para sempre aos olhos meus
Sumido seja o clarão
De tua divina estrela.
Faltam-me olhos e razão
Para a ver, para entendê-la:
Alta está no firmamento
Demais, e demais é bela
Para o baixo pensamento
Com que em má hora a fitei;
Falso e vil o encantamento
Com que a luz lhe fascinei.
Que volte a sua beleza
Do azul do céu à pureza,
E que a mim me deixe aqui
Nas trevas em que nasci,
Trevas negras, densas, feias,
Como é negro este aleijão
Donde me vem sangrar às veias,
Este que foi coração,
Este que amar-te não sabe
Porque é só terra - e não cabe
Nele uma ideia dos céus...
Oh! vai, vai; deixa-me, adeus!
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APOIO À LEITURA METÓDICA 1. Após a leitura do poema, desenvolve os seguintes tópicos. — Tema e assunto tratados; — Relação eu/tu; — Campos lexicais ligados à ideia de terra e céu; — Associação terra/céu ao sujeito e ao objeto de enunciação; — Tom confessional; — Amor espiritual vs amor sensual; — Ideal de mulher.
Refere-te, ainda, aos seguintes aspetos:
— Teatralização do discurso e respetiva exemplificação; — Metro, rima e estrofes; — Pontuação. — vocabulário; — repetições; — Outros recursos (fónicos, morfosintácticos e semânticos)
2. Regista as características românticas do poema.
OUTRAS LEITURAS
ADEUS
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
(1923-2005)
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O ANJO CAÍDO
Era um anjo de Deus
Que se perdera dos céus
E terra a terra voava.
A seta que lhe acertava
Partira de arco traidor,
Porque as penas que levava
Não eram penas de amor.
O anjo caiu ferido,
E se viu aos pés rendido
Do tirano caçador.
De asa morta e sem splendor
O triste, peregrinando
Por estes vales de dor,
Andou gemendo e chorando.
Vi-o eu, o anjo dos céus,
O abandonado de Deus,
Vi-o, nessa tropelia
Que o mundo chama alegria,
Vi-o a taça do prazer
Pôr ao lábio que tremia...
E só lágrimas beber.
Ninguém mais na terra o via,
Era eu só que o conhecia...
Eu que já não posso amar!
Quem no havia de salvar?
Eu, que numa sepultura
Me fora vivo enterrar?
Loucura! ai, cega loucura!
Mas entre os anjos dos céus
Faltava um anjo ao seu Deus;
E remi-lo e resgatá-lo,
Daquela infâmia salvá-lo
Só força de amor podia.
Quem desse amor há de amá-lo,
Se ninguém o conhecia?
Eu só, - e eu morto, eu descrido,
Eu tive o arrojo atrevido
De amar um anjo sem luz.
Cravei-a eu nessa cruz
Minha alma que renascia,
Que toda em sua alma pus,
E o meu ser se dividia,
Porque ela outra alma não tinha,
Outra alma senão a minha...
Tarde, ai! tarde o conheci,
Porque eu o meu ser perdi,
E ele à vida não volveu...
Mas da morte que eu morri
Também o infeliz morreu.
ANJO ÉS
Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.
Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua fronte anuviada
Não vejo a c'roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d'amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não têm. - Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?
Não respondes - e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... - Lágrima? - Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De donde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?
TÓPICOS
- Nível Fónico
- Nível Morfossintático - Nível Semântico
- Percurso temático (Anjo _ Que Anjo – Anjo maldito – anjo ou mulher?)
- Tema
- Características Românticas: - Conceção da mulher;
- Subordinação do homem ao poder da mulher;
- Parateatralidade ou monólogo dialogado; - Individualismo.
- Amor físico conflituoso.
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OS CINCO SENTIDOS
São belas - bem o sei, essas estrelas, Mil cores - divinais têm essas flores; Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
Em toda a natureza Não vejo outra beleza Senão a ti - a ti!
Divina - ai! sim, será a voz que afina Saudosa - na ramagem densa, umbrosa. será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia, Nem sinto outra harmonia Senão a ti - a ti!
Respira - n'aura que entre as flores gira, Celeste - incenso de perfume agreste, Sei... não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma Senão o doce aroma Que vem de ti - de ti!
Formosos - são os pomos saborosos, É um mimo - de néctar o racimo: E eu tenho fome e sede... sequiosos,
Famintos meus desejos Estão... mas é de beijos, É só de ti - de ti!
Macia - deve a relva luzidia Do leito - ser por certo em que me deito. Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias, Tocar noutras delícias Senão em ti! - em ti!
A ti! ai, a ti só os meus sentidos Todos num confundidos, Sentem, ouvem, respiram; Em ti, por ti deliram. Em ti a minha sorte, A minha vida em ti; E quando venha a morte, Será morrer por ti.
estrofes Sentidos do
corpo Sensações despertadas Elementos da
natureza conotações Percurso lírico-
erótico
1º
2º
3º
4º
5º
6º
Apoio à leitura 1. Atente no título do poema. 1.1. Relacione-o com cada uma das estrofes. 1.2. Faça um levantamento do campo lexical referente a cada um dos sentidos. 1.3. Não é arbitrária a ordem das estrofes. Justifique. 1 .4. De que forma a crescente erotização eu/tu é traduzida pelas variações do refrão (a ti .. ./de ti . ../ em ti)? 2. O sujeito poético alterna o saber com o sentir. 2.1. Demonstre-o com expressões do texto. 2.2. Prevalece o saber ou o sentir? 2.3. Indique, exemplificando no texto, em que recurso estilístico se apoia a «confusão de sentidos)}. 2.4. Que tipo de amor se canta no poema? 3. A presença do rouxinol constitui um aviso que o eu poético ignora. Porquê? (Não esqueça que o rouxinol tem, na literatura portuguesa, uma simbologia própria.) 4. Contra o rigor clássico, o poema reflete influências conscientes do lirismo medieval e da poesia popular. Verifique-o: - no paralelismo de construção; - no uso do refrão; - na utilização da rima; - na linguagem simples e direta. 5. Saliente, ainda, outros recursos característicos da poesia de Garrett. (Veja, entre outros, o uso dos sinais de pontuação, a colocação dos adjetivos, o recurso à sinestesia, a rima interna e a métrica variada.)
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ESTE INFERNO DE AMAR Este inferno de amar - como eu amo! - Quem mo pôs n'alma... quem foi? Esta chama que alenta e consome, Que é a vida- e que a vida destrói - Como é que se veio a atear, Quando - ai quando se há de ela apagar? Eu não sei, não me lembra: o passado, A outra vida que dantes vivi Era um sonho talvez... - foi um sonho - Em que paz tão serena a dormi! Oh! que doce era aquele sonhar... Quem me veio, ai de mim! despertar? Só me lembra que um dia formoso Eu passei... dava o Sol tanta luz! E os meus olhos, que vagos giravam, Em seus olhos ardentes os pus. Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei; Mas nessa hora a viver comecei...
GOZO E DOR Se estou contente, querida, Com esta imensa ternura De que me enche o teu amor? Não. Ai não; falta-me a vida; Sucumbe-me a alma à ventura: O excesso de gozo é dor. Dói-me alma, sim; e a tristeza Vaga, inerte e sem motivo, No coração me poisou. Absorto em tua beleza, Não sei se morro ou se vivo, Porque a vida me parou. É que não há ser bastante Para este gozar sem fim Que me inunda o coração. Tremo dele, e delirante Sinto que se exaure em mim Ou a vida ou a razão.
Apoio à leitura
1. Partindo do princípio de que em Folhas Caídas
se conta uma «história de amor», diga qual dos
poemas estudados corresponde ao prólogo, ao
começo in medias res e à evocação do passado.
2.Refira os efeitos contraditórios que o amor
provoca no sujeito poético, assim como o recurso
estilístico que melhor os traduz.
3. O amor anula o passado remoto.
3.1. Em que versos isso está bem patente?
3.2. Que facto levou o sujeito poético a esquecer
esse passado?
4. Não esqueça que o presente no texto é também
passado em relação ao poema «Adeus», uma
espécie de desfecho anunciado para a relação
eu/tu, na série de poemas que se seguem. Trata-se
da presentificação de um momento passado.
4.1 Que efeito tira o poeta dessa presentificação?
4.2. Compare o passado remoto com esse
presente então experimentado, em termos de
vivência amorosa.
4.3. De que forma o uso da pontuação serve a
expressão dos sentimentos do eu poético?
5.Abundam, no texto, as metáforas de fogo e de
luz.
5.1. Forme os campos lexicais de fogo e luz.
5.2. Associe esses conjuntos de vocábulos à
conceção de amor expressa no poema.
5.3. Há quem tenha visto na referência a «luz»,
na última sextina, uma alusão à destinatária
referencial do poema. Clarifique essa associação
mundana.
6. Destaque as marcas do tom coloquial presentes
no poema.
7. Conclua da exemplaridade do poema, nas
Folhas Caídas, a nível da rima, do ritmo e do tom
teatral.
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NÃO TE AMO Não te amo, quero-te: o amar vem d'alma. E eu n'alma --- tenho a calma, A calma --- do jazigo. Ai! não te amo, não. Não te amo, quero-te: o amor é vida. E a vida --- nem sentida A trago eu já comigo. Ai, não te amo, não! Ai! não te amo, não; e só te quero De um querer bruto e fero Que o sangue me devora, Não chega ao coração. Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. Quem ama a aziaga estrela Que lhe luz na má hora Da sua perdição? E quero-te, e não te amo, que é forçado, De mau feitiço azado Este indigno furor. Mas oh! não te amo, não. E infame sou, porque te quero; e tanto Que de mim tenho espanto, De ti medo e terror... Mas amar!... não te amo, não.
Apoio à leitura
1. O poema constrói-se a partir de uma frase antitética inicial que se repete e se desdobra,
revelando a existência de um drama psicológico do poeta. Em que consiste esse drama?
2. Refira-se à relação eu/tu, privilegiando: - o retrato de mulher que o Tu corporiza; - os sentimentos que o eu poético deixa transparecer; - o valor da repetição insistente de ({Não te amo, quero-te}); - o tipo de amor para que o poema nos remete.
3. Explique de que forma a estrutura do poema ajuda a sua compreensão. 4. Surpreenda, na 4ª estrofe, algumas das figuras de estilo recorrentes na poesia de Garrett. 5. Registe, atentando na forma e no conteúdo, as características românticas do poema.
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1. Que características do olhar da amada são destacadas pelo sujeito poético?
2. Explica a oposição estabelecida entre luz de brilhar e chama de queimar.
3. Que tipo de sensações/emoções se associam a cada uma destas expressões?
4. Tendo em conta que “os olhos são o espelho da alma”, que sentimento denunciam os olhos da mulher amada?
5. Qual a palavra usada pelo sujeito poético para se referir a esse sentimento?
5.1. Identifique o recurso estilístico aí presente.
6. O momento do encontro dos olhares foi decisivo na vida do sujeito poético. Que consequências teve para ele?
7. Estabelece a relação de ideias que existe entre “facho do destino” e “fatal poder”.
8. Consideras que este poema de Folhas Caídas é ilustrativo da conceção romântica do Amor e Mulher? Justifica a sua resposta.
DESTINO Quem disse à estrela o caminho Que ela há de seguir no céu? A fabricar o seu ninho Como é que a ave aprendeu? Quem diz à planta --- “Floresce!” E ao mudo verme que tece Sua mortalha de seda Os fios quem lhos enreda? Ensinou alguém à abelha Que no prado anda a zumbir Se à flor branca ou à vermelha O seu mel há de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida, Teus olhos a minha vida, Teu amor todo o meu bem... Ai! não mo disse ninguém. Como a abelha corre ao prado, Como no céu gira a estrela, Como a todo o ente o seu fado Por instinto se revela, Eu no teu seio divino Vim cumprir o meu destino... Vim, que em ti só sei viver, Só por ti posso morrer.
SEUS OLHOS
Seus olhos – se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar,
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.
Divino, eterno! – e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, um só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
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BARCA BELA
Pescador da barca bela, Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela, Ó pescador?
Não vês que a última estrela No céu nublado se vela?
Colhe a vela, Ó pescador!
Deita o lanço com cautela, Que a sereia canta bela...
Mas cautela, Ó pescador!
Não se enrede a rede nela, Que perdido é remo e vela
Só de vê-la, Ó pescador!
Pescador da barca bela, Inda é tempo, foge dela,
Foge dela, Ó pescador!
1.1. A quem se dirige o eu poético? 1.2. Elabore o campo lexical dos termos referentes à atividade piscatória (verbos e nomes). 1.3. Que aviso encerra o texto? 1.4. Que atmosfera se evoca no poema? 2. A linguagem do poema está, contudo, longe de ser apenas denotativa. 2.1. Indique o tipo de relação presente em:
- No céu nublado se vela [de encobrir; lat: velare] /recolhe a vela [de vela de barco; lat: vela] ... - ... barca bela ... /Que é tão bela/ ... a sereia canta bela...
2.2. Saliente o valor conotativo de bela aplicado a barca e a sereia. (Note que barca e sereia têm uma simbologia própria). 3. «Pescador» e «sereia» integram-se no discurso figurado de que o texto se socorre.
3.1. Estamos em presença de que figura de estilo? 3.2. Refira, agora, o sentido de «pescador» e de «sereia». 3.3. Os verbos que destacou em 1.2. que novos significados adquirem? 3.4. Refira-se ao valor conotativo do verbo «cantar» em «a sereia canta bela». 3.5. Reelabore o aviso formulado em 1.3. 3.6. Relacione esse aviso com a temática dos dois poemas da página 126.
4. Faça o estudo formal deste poema, destacando: - influências recebidas da lírica medieval e da poesia popular; - a importância do imperativo e do vocativo; - os jogos de sons.
5. Indique de que modo este poema se insere na problemática das Folhas Caídas.
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ROSA E LÍRIO
A rosa
É formosa; Bem sei.
Por que lhe chamam – flor D’amor
Não sei.
A flor, Bem de amor
É o lírio; Tem mel no aroma, - dor
Na cor O lírio. Se o cheiro
É fagueiro Na rosa.
Se é de beleza – mor Primor A rosa, No lírio
O martírio Que é meu
Pintado vejo: - cor E ardor É o meu A rosa
É famosa Bem sei...
E será de outros flor D’amor Não sei.
Símbolos Qualidades Elementos Comuns Elementos Diferentes Sensções Sinestéticas Simbologia
Rosa Formusura Aroma Agradável
Aroma
Cor (beleza) Cheiro é fagueiro Amor
Lírio Cor (dor) Mel no aroma Dor na cor Cor e ardor
Dor (amor)
Lírio Eu ----------------------- tu
----------------------- TU Rosa Eu
1. Após a leitura deste quadro, explica como este texto é um poema de amor, embora não o pareça. 2. A última estrofe permite fazer a ligação deste amor à mulher inspiradora confessa dos poemas deste livro. Como? 3. Alternado a presença dos dois símbolos, nota-se claramente que a dinâmica do poema gira à volta do símbolo «Rosa», sendo o eu fascinado por esta. Para compreenderes tal facto, seleciona os elementos seguintes: número de estrofes atribuídas aos dois símbolos, a pontuação usada na última estrofe e, dentro desta, o 4º verso. 4. Todo o poema é a expressão poética dum devaneio sentimental. A sua modernidade advém-lhe do uso original da métrica, da pontuação, das imagens poéticas, da extraordinária sensação de leveza e prazer que nos causa a sua leitura. Comenta estes aspetos.
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Características do Romantismo
1. Quanto ao público que lê
a) Democratização.
Deixa a nova literatura de ser só para reis, para fidalgos ou para círculos fechados de eruditos e torna-se a literatura do povo. O livro de cordel, o jornal, o romance picaresco, até mesmo o D. Quixote de Cervantes tinham arroteado o caminho a seguir pela obra romântica, entusiasmando a burguesia. Para esta classe, ávida de ler, se destina a literatura do Romantismo. Os burgueses é que vão ser os seus consumidores mais assíduos.
O povo humilde continuará analfabeto. [...] Mas pelo menos é curioso constatar que a poesia das décadas de 840 e 850 e sobretudo a ultrarromântica invadiu
infrene o interior das famílias burguesas, ficando profundamente ligada ao mundanismo, à vida cívica: escreviam-se versos em álbuns, acompanhavam-se poemas a canto e piano nos salões, havia recitais poéticos em festas de beneficência e patrióticas, promoviam-se saraus literários.
Foi por este motivo que se assistiu então a uma típica «aculturação» da mulher burguesa com a aprendizagem da língua francesa e da música.
b) Tom de mensagem ao próximo.
A obra literária literária não é já um mundo fechado de valores para eleitos; é uma comunicação franca de ideias práticas e vitais a todo o leitor. Envereda até, uma vez ou outra, pelos caminhos da denúncia social e do empenhamento político.
2. Quanto ao génio criador
Vai notar-se o predomínio da emoção, do sentimento sobre a razão e o espírito ordenador dos clássicos; isto é, vai sobrepor-se o culto do «eu» e dos direitos do coração às imposições orientadoras da inteligência (reação contra o racionalismo clássico).
3. Quanto aos temas
a) Culto da Idade Média. O «historicismo».
O Romantismo deixou de ter admiração por tudo quanto era greco-romano e baniu de vez o uso da mitologia. A Idade Média, tempo admirável em que o povo ajudava os reis a criar nações e em que os mesteirais, organizados em corporações, tinham iniludível valor político-social, seduziu com as suas narrações cheias de peripécias os românticos, visceralmente opostos aos absolutismos e partidários em política da soberania do povo.
Esta evasão para os tempos medievos proporcionou aos escritores o contacto com lugares, factos e tipos capazes de inspirarem a imaginação mais fria: castelos musgosos, lendas e tradições, cavaleiros, monges, cruzados, mouros, judeus.
Note-se, porém, que os temas de atualidade não foram postergados (por exemplo em Viagens na Minha Terra de Garrett) e até estiveram em voga nas poesias revolucionárias dos epígonos do Romantismo, para só falarmos no caso português.
b) Novo modo de ver a paisagem.
À idealização do «locus amoenus» prefere o romântico a descrição do «locus horrendus», e bem carregada nas tintas.
Despreza, por isso, o bucolismo de «ervas verdes e águas cristalinas» e o entusiasmo vai-lhe todo para a paisagem agreste, exótica, para a selva virgem com sua típica desordem, com suas asperezas e impetuosidades, com suas cataratas e rios caudalosos. A paisagem noturna, sepulcral, luarenta, é a que melhor se adapta aos sentimentos melancólicos dos autores. Às vezes, num semipanteísmo, o romântico vê-se embebido na mesma paisagem, a fazer
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um todo com ela e com ela identificando o seu estado de espírito. Ela como que se transfigura em símbolos. O poeta romântico tem com ela uma espécie de contacto sensual que quase o leva ao êxtase.
c) Preferência pelo homem na sua realidade total.
Sabemos que a beleza para o escritor clássico residia na imitação da natureza, não no particular, mas no universal. Em vez de criar tipos verosimilhantes aos seres individualizados e reais, idealizava seres com todas as perfeições e sem quaisquer defeitos.
O autor romântico procede de maneira diferente: movimenta nas suas obras todos os tipos humanos. Sente gosto em referir com pormenor os traços individuais dos heróis, não tendo pejo de colocar ao lado de pessoas sãs os marginais, os fora de lei, os aleijões tanto morais como físicos: o ladrão, o pirata, o assassino, o traidor, o perjuro, i incestuoso, o adúltero, a prostituta, o sacrílego, o cego, o corcunda, o mutilado. Às vezes, não teme aliar a elevação de sentimentos à hediondez física (como acontece, por exemplo, nestas personagens muito conhecidas: o sineiro Quasimodo de Nossa Senhora de Paris, de Vítor Hugo, e o jardineiro Belchior de A Escrava Isaura, de Bedrnardo Guimarães).
d) Intimismo e melancolia. Evasão.
Desde Bernardim e Rodrigues Lobo que o romance português vinha explorando uma melancolia patológica, a oscilar entre o pessimismo confessado e os desejos de um contentamento e de uma satisfação sempre longínquos. Agora, porém, mais do que nunca vai o homem romântico expandir o que nele há de mais pessoal e íntimo, a começar pela sensibilidade e voos da fantasia e a acabar nos impulsos do subconsciente. Daí que, ao contrário dos clássicos, sinta doce volúpia no sofrimento e prefira registar situações de dor e de melancolia, e ambientes de nebulosidade nórdica como o entardecer, o escurecer, a noite, as florestas sombrias, as cavernas, as ruínas, os agouros, os sonhos, a morte. A personagem romântica, mergulhada nesta melancolia pessimista, procura evadir-se umas vezes para o além-morte através do suicídio, outras vezes para o convento, o sacerdócio, a solidão, a loucura.
e) Exaltação do que é nacional e popular.
A cultura francesa do século XVIII tinha unificado espiritualmente a Europa; Napoleão Bonaparte tentou a unificação política. Como reação, es escritores românticos procuram exaltar tudo quanto é nacional, tudo quanto é popular. E creem que a alma dos nacionalismos europeus incarnou no povo da Idade Média e no povo se tem mantido inalterada. O popular e o folclórico adquirem, desta maneira, um grande prestígio junto da nova escola.
Foi por isso que a literatura romântica cedo adquiriu um caráter cívico e patriótico e enveredou a pouco e pouco pelo historicismo, tratando com muito carinho figuras nacionais.
4. Quanto aos aspetos formais
a) Independência criativa.
O génio criador agora não pode estar sujeito a normas férreas, como eram as da estética clássica. Essas normas são totalmente banidas, pois convertem a arte num puro mecanismo. O escritor romântico voa nas asas da imaginação, dos seus sentimentos e instintos. Criará obra estritamente pessoal. Não admite mais a divisão dos géneros clássicos. Com exceção do soneto, que conserva, inventa novos agrupamentos estróficos. Opõe-se tenazmente à imitação paradigmática dos escritores gregos e romanos.
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Confronto entre as tendências do Classicismo e do Romantismo
Classicismo Romantismo A razão, a inteligência O coração, a sensibilidade, a imaginação O geral, o universal O particular, o individual O objetivo, o impessoal O subjetivo, o pessoal A vontade, o heroísmo A melancolia, o abatimento A inteligência, as abstrações As sensações, a sensibilidade A clareza, a ordenação O mistério, o sonho, a meditação O paganismo O cristianismo O culto da antiguidade greco-latina O culto da Idade Média e dos tempos modernos O aristocrático, o nobre, o tradicionalista O popular, o pitoresco, a paisagem
(Cfr. Virgínia Mota, Manual de História da Literatura Portuguesa, 2ª edição, Lisboa, pág. 169).
Barreiros, António José, HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição, Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992
Garrett nos Exames:
Folhas Caídas: A. A poética de Folhas Caídas é a expressão vivida de contradições amorosas, provocadas pela visão da mulher e
pelo domínio desta sobre o homem.
Numa composição cuidada (mínimo 80 e máximo 220 palavras) comprova esta afirmação, apoiando-te nas
leituras de poemas desta obra.
B. Recorda as leituras que fizeste da poesia de Almeida Garrett e refere-te aos seguintes aspetos:
A forma como o autor tratou a relação amorosa.
Características marcantes da linguagem e do estilo.
C. “ Não te amo, quero-te...”
“ Anjo és. Mas que anjo és tu?
(...)
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste:
De Jeová ou Belzebu?”
“ É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração”
Tendo em conta que a poesia garrettiana revela um espírito renovador, não só quanto à conceção da mulher
amada e do amor, mas também quanto aos aspetos formais, numa composição cuidada (mínimo 80 e máximo 220
palavras), refere-te à nova sensibilidade e à nova expressão poética, evidenciadas na lírica de Almeida Garrett.
D. Recorde o estudo que fez da «Advertência» às Folhas Caídas e refira as principais ideias que Garrett aí deixou
expressas.
E. Baseado(a) em leituras e estudos feitos, constrói um pequeno texto, correto e coeso ( mínimo 80 e máximo
220 palavras), sobre a atualidade da mensagem da obra Folhas Caídas, que constituiu uma novidade no momento em
que foi publicada.