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    PPLLAANNTTAASS MMEEDDIICCIINNAAIISS UUTTIILLIIZZAADDAASSPPEELLOOSS UUSSUURRIIOOSS DDOO SSUUSS NNOOSS BBAAIIRRRROOSSDDEE PPAAQQUUEETT EE SSAANNTTAA TTEERREESSAA:: UUMMAA

    AABBOORRDDAAGGEEMM EETTNNOOBBOOTTNNIICCAA

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROFACULDADE DE FARMCIAMESTRADO EM CINCIAS FARMACUTICAS

    uliana Costa Posse

    Rio de Janeiro2007

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    UFRJ

    PLANTAS MEDICINAIS UTILIZADAS PELOS USURIOS DO SUS

    NOS BAIRROS DE PAQUET E SANTA TERESA: UMA

    ABORDAGEM ETNOBOTNICA

    Juliana Costa Posse

    Dissertao de Mestrado apresentada ao

    Programa de Ps graduao em Cincias

    Farmacuticas, da Universidade Federal do

    Rio de Janeiro, como parte dos requisitosnecessrios obteno do ttulo de Mestre

    em Cincias Farmacuticas.

    Orientadoras: Suzana Guimares Leito

    Mara Zlia de Almeida

    Rio de Janeiro

    Abril de 2007

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    FICHA CATALOGRFICA:

    P856p Posse, Juliana Costa.Plantas medicinais utilizadas pelos usurios do SUS nos bairros de

    Paquet e Santa Teresa: uma abordagem etnobotnica/ Juliana CostaPosse.- Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Farmcia, 2007.

    115f.: il.Orientador: Suzana Guimares Leito e Mara Zlia de Almeida.Dissertao (mestrado)- UFRJ/Faculdade de Farmcia/Programa de

    Ps-graduao em Cincias Farmacuticas, 2007.Referncias bibliogrficas: f. 104-111.

    1. Plantas medicinais. 2. Etnobotnica. 3. Medicina popular. 4.Doenade Alzheimer. I. Leito, Suzana Guimares. II. Almeida, Mara Zlia.III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Farmcia,Programa de Ps-graduao em Cincias Farmacuticas. IV. Plantas

    Medicinais utilizadas pelos usurios do SUS nos bairros de Santa Teresa ePaquet : Uma abordagem etnobotnica.

    CDD 581.634

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    PLANTAS MEDICINAIS UTILIZADAS PELOS USURIOS DO SUS NOS BAIRROS

    DE PAQUET E SANTA TERESA: UMA ABORDAGEM ETNOBOTNICA

    Juliana Costa Posse

    Orientadoras: Suzana G. Leito & Mara Zlia de Almeida

    Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em Cincias

    Farmacuticas, Faculdade de Farmcia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

    como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Cincias

    Farmacuticas.

    Aprovada por:

    ___________________________________

    Presidente da Banca Avaliadora

    _____________________________________

    Profa. Dra. Luci de Senna Valle

    _____________________________________

    Profa. Dra. Mnica Freiman de Souza Ramos

    ______________________________________Profa. Dra. Nancy Barbi

    Rio de JaneiroAbril de 2007

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    DEDICATRIA:

    Dedico esta dissertao minha me que, l em Saquarema, ao regar as

    plantas pela manh, ao reparar as rvores crescendo mais do que eu, e ao vibrar com os

    maracujs que nasciam, me ensinou a admirar e respeitar as plantas.

    Dedico tambm esta dissertao ao Grupo de Santa Teresa e ao Grupo de

    Paquet. Essas pessoas maravilhosas, alm de terem sido a inspirao para este trabalho, me

    ensinaram muitas coisas que vo alm de uma Pesquisa Cientfica.

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    AGRADECIMENTOS:

    As minhas queridas orientadoras Mara Zlia de Almeida e Suzana G. Leito que,cada uma no seu tempo e do seu jeito, me guiaram com muita sabedoria e dedicao, porme aceitarem como aluna, e principalmente, pela amizade cultivada neste perodo.

    Ao programa de Psgraduao em Cincias Farmacuticas, pela oportunidade derealizao desta pesquisa.

    Ao Ilimani, pela pacincia e compreenso desse momento particular da minha vida,pelos espetaculares almoos enquanto eu escrevia e principalmente por estar ao meu ladoem todos os momentos.

    Ao meu pai, pelo apoio e por sempre acreditar nas minhas escolhas.

    A minha me, por tambm me apoiar sempre.

    Ao meu primeiro orientador Leandro M. Rocha por me introduzir na vidaacadmica e pela amizade.

    Aos professores da UFF: Andra Gomes, Carlos Peregrino, Gabriela Monsegui,Janie Garcia, Mnica Cox e Tnia Stolze que fizeram parte da minha formao.

    Aos amigos gegrafos Bira, Caco e Aline.

    s amigas farmacuticas Rita e Airam pelos livros emprestados, pelas sugestes,pelo incentivo e pela amizade de sempre.

    Aos novos amigos do grupo de estudos de etnobotnica e plantas medicinais, pelascontribuies, trocas e bate-papos.

    A toda a equipe do Programa de Fitoterapia do municpio do Rio de Janeiro.

    A Dra. Maria Carmen, coordenadora do Programa de Fitoterapia, que torceu pormim desde o incio, que me incentivou a fazer o mestrado e que no mediu esforos parame ajudar a realizar esta pesquisa.

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    Ao Paulo Leda, pela amizade e companheirismo, que me ajudou desde o incio comdicas, artigos e sugestes e agora no final com o conhecimento em informtica.

    equipe de cultivo do Programa de Fitoterapia, em especial a tcnica agrcolaSelma, que me ajudou no trabalho de campo em Paquet.

    farmacutica do Programa Emlia pelo incentivo e apoio.

    mdica Mrcia Augusta pela contribuio no histrico do grupo de Paquet.

    psicloga Arlete Batista (in memorian) que se foi, mas deixou lies de vida aogrupo de Santa Teresa.

    Aos diretores das unidades CMS Ernani Agrcola e UIS Manuel Arthur Villaboimpelo apoio.

    s botnicas Mariana Reis e Ins Machiline pela ajuda, sugestes pela identificaobotnica das espcies herborizadas.

    Aos colegas de laboratrio: Danilo, Michele, Lisiuex, Alex, Aline pela ajuda ecompanheirismo.

    professora Nancy Barbi pela reviso e pelas sugestes.

    bibliotecria Maria Rosa Alves Bento, pela reviso da bibliografia e elaboraoda ficha catalogrfica.

    tradutora e nova amiga Marlia van Boekel Cheola, pela reviso do texto eelaborao do abstract.

    minha famlia que, mesmo de longe esto sempre torcendo e rezando por mim.

    todos os meus amigos.

    CAPES pela bolsa.

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    RESUMO

    POSSE, Juliana Costa. Plantas medicinais utilizadas pelos usurios do SUS nosbairros de Paquet e Santa Teresa: Uma abordagem etnobotnica. Rio de Janeiro,2007. Dissertao (Mestrado). Programa de Ps-graduao em Cincias Farmacuticas,Faculdade de Farmcia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

    Os grupos de usurios de plantas medicinais do Programa de Fitoterapia da SMS RJ caracterizam-se por encontros que acontecem regularmente com pessoas da comunidade

    e profissionais de sade. Os grupos tm como finalidade trocar conhecimentos, envolver acomunidade nos cuidados com a horta local (cultivo, preparo e uso) e passar conhecimentoscientficos na forma de palestras e cursos.

    O objetivo deste trabalho foi analisar, do ponto de vista Etnobotnico, o uso deplantas medicinais pelos componentes dos grupos de usurios das unidades de sade nosbairros de Santa Teresa e Paquet, no Rio de Janeiro e selecionar plantas com o potencialpara futuros estudos contra distrbios de memria.

    Foram realizadas vinte entrevistas informais e semi-estruturadas com oscomponentes dos grupos em suas residncias e nas unidades de sade, alm da observaoparticipante durante as reunies e nas atividades externas dos grupos. Nas entrevistas foramcitadas 72 plantas que, em sua maioria, foram coletadas e herborizadas. As plantas foramadquiridas em lojas da cidade, com vizinhos, nas hortas das unidades e em seus prpriosquintais. As famlias botnicas mais citadas foram Asteraceae, Lamiaceae, Myrtaceae eRutaceae. Foram selecionadas 10 plantas que no decorrer das entrevistas foram indicadaspara boa memria. So elas: Alecrim Rosmarinus oficinailis L.; Alevante ou levante

    Mentha gentilis L.; Alfazema Aloysia gratissima Gill.; Anis estrelado Ilicium verumHook; Camomila Chamomila spp ; Canela Cinnnamomum zeylanicum Breyn; Cravo Syzygium aromaticum L.; funcho Foeniculum vulgare Mill.; Ginkgo Ginkgo biloba L.;Mangueira Mangifera indica L. As categorias de doenas de maior representatividadenesta pesquisa, segundo a classificao internacional de doenas da OMS, foram: doenasinfecciosas e parasitrias, doenas do sistema nervoso, e doenas do aparelho digestivo.

    Estes dados diferem drasticamente daqueles obtidos no ltimo estudo epidemiolgicorealizado pela Secretaria Municipal de Sade para a rea Programtica 1 (AP1) que incluios bairros desse estudo, o que permite sugerir que, nesse caso, o uso de plantas medicinais restrito s doenas mais simples tratadas em atividades caseiras, no sendo registradas nasestatsticas epidemiolgicas do municpio.

    Apenas 6% das plantas citadas no levantamento etnobotnico se apresentaram sob aforma dos Fitoterpicos produzidos pelo Programa de Fitoterapia. A falta de identificaocultural com as formas farmacuticas apresentadas pode ser um dos motivos para a pouca

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    adeso dos entrevistados, pois, embora as plantas indicadas pelo Programa sejam utilizadaspelos membros dos grupos, as indicaes e formas farmacuticas citadas so distintas.

    A partir das entrevistas e da vivncia nos grupos, conclui-se que o trabalho comgrupos de fitoterapia tambm funciona como foco de solidariedade, acolhimento, ateno ecuidado. Novas relaes e trocas de experincias criam um tecido social no cotidiano

    dessas pessoas. Neste espao tambm ocorre a revalorizao de saberes e prticas emplantas medicinais permitindo que o conhecimento popular se mantenha vivo e emconstante transformao.

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    ABSTRACT

    POSSE, Juliana Costa. Plantas medicinais utilizadas pelos usurios do SUS nos

    bairros de Paquet e Santa Teresa: Uma abordagem etnobotnica. Rio de Janeiro,2007. Dissertao (Mestrado). Programa de Ps-graduao em Cincias Farmacuticas,Faculdade de Farmcia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

    The groups of users of Medicinal Plants of the Phytotherapy Program of the CityDepartment of Health of Rio de Janeiro (SMS- RJ) are characterized by regular meetingsbetween people of the community and health care professionals. The main goal of these

    groups are: to involve the community into activities such as taking care of the local gardensof medicinal plants (cultivation, preparation and use), knowledge exchange, and to pass onscientific knowledge through lectures and courses.

    The aim of this work was to analyze, from the ethnobotanic point of view, the use ofmedicinal plants by the members of the groups of the Health Units of Santa Teresa andPaquet neighborhoods, in Rio de Janeiro, as well as to select plants with potential forfuture studies against memory disturbs.

    Twenty informal and half-structured interviews were made with the components ofthe groups at their homes and at the health units, besides participant observation during themeetings, as well as in the outdoors activities of the groups. In the interviews, 72 plantswere quoted, most of which were collected and herborized. The plants were acquired at cityshops, with neighbors, in the gardens of the Health Units and at their own backyards. Themost mentioned botanical families were Asteraceae, Lamiaceae, Myrtaceae and Rutaceae.Ten plants, recommended as memory improvers, were selected along the interviews, asfollows: rosemary Rosmarinus oficinailis L.; alevante or levante Mentha gentilisL.; alfazema Aloysia gratissima Gill; anise star Ilicium verum Hook; chamomile Chamomila spp ; cinnamon Cinnnamomum zeylanicum Breyn; clove Syzygiumaromaticum L.; fennel Foeniculum vulgare Mill.; Ginkgo Ginkgo biloba L; mango tree Mangifera indica L. We may say that those plants have the potential to be furtherinvestigated in studies for the treatment of Alzheimer Disease. According to the WHOinternational classification of diseases, the most representative disease categories in this

    research were: infectious and parasitic diseases, diseases of the nervous system, and thoseof the digestive tract. These data differ from those of the last epidemiological study issuedby the Department of Health of the City of Rio de Janeiro for the AP1 area (Program Area1, which includes these two neighborhoods). In this way, it is possible to suggest that theuse of medicinal plants by the studied groups is restricted to the treatment of simplediseases, treated by home activities, being left out of the epidemiological statistics of theCity.

    Only 6% of the plants cited in ethnobotanical mentions represented herbalmedicines produced by the Phytotherapy Program. The lack of cultural identification with

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    the presented pharmaceutical uses may be one of the reasons for the non adhesion to theProgram by the interviewed, once the plants suggested by the Program may be even usedby the members of the groups, but with distinct indications and pharmaceutical uses.Taking into account the interviews and the groups experience, we can reach the conclusionthat the work with groups of phytotherapy also works as a focus of solidarity, shelter,

    attention and care. New exchanges of experiences and relationships create a socialnetwork within the daily life of those people. In this context the rescue of the knowledgeand practices on medicinal plants also occurs, in a contribution to keep the popularknowledge alive and in permanent transformation.

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    LISTA DE TABELAS E QUADROS: PG

    Quadro 1: Dcima reviso da Classificao Internacional de doenas eproblemas relacionados a sade ( CID-10)__________________________ 41

    Tabela 1: Famlias das espcies vegetais citadas nas entrevistas em SantaTeresa e Paquet_______________________________________________55

    Tabela 2: Levantamento Etnobotnico entre os participantes dos gruposde fitoterapia de Santa Teresa e Paquet___________________________ 59

    Tabela 3: Relao das espcies identificadas e herborizadas____________ 65

    Tabela 4: Populao total brasileira e proporo por sexo, idade e situaode domiclio_________________________________________________ 81

    Tabela 5: Plantas para memria, seus usos e propriedades_____________ 99

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    LISTA DE FIGURAS PG

    FIGURA 1: Localizao de Paquet_____________________________27

    FIGURA 2: Bairro de Paquet_________________________________28

    FIGURA 3: Grupo de fitoterapia de Paquet______________________29

    FIGURA 4:Localizao de Santa Teresa na cidade do Rio de Janeiroe ilustrao dos pontos tursticos do bairro._______________________32

    FIGURA 5: Bairro de Santa Teresa_____________________________33

    FIGURA 6: Grupo de Fitoterapia de Santa Teresa_________________34

    FIGURA 7:Etapas da oficina de travesseiros e camisetas do grupo deFitoterapia de Santa Teresa______________________________________________________________________76

    FIGURA 8: Plantas para memria______________________________98

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    LISTA DE GRFICOS: PG

    Grfico 1: Representatividade das famlias botnicas.........................................67

    Grfico 2: Representatividade das formas de preparo e uso................................69

    Grfico 3: Representatividade das doenas mais citadas.....................................79

    Gfico 4: Projeo preliminar da populao no Brasil.......................................82

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    ABREVIATURAS E SIGLAS:

    a.C. Antes de Cristo

    AP-1 rea Programtica 1

    BHT Butilhidroxituloeno

    CAPS Centro de Apoio Psico-social

    CEP Comit de tica em Pesquisa

    CID-10 Classificao internacional de Doenas 10 Reviso

    CMS Centro Municipal de Sade

    FDA Food and drugs Administration

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IR Importncia Relativa

    OMS Organizao Mundial de Sade

    PAM Posto de atendimento Municipal

    PROPLAM Programa Estadual de Plantas Medicinais

    PS Posto de Sade

    PSF Programa de Sade da Famlia

    RENAME Relao Nacional de Medicamentos

    SES Secretaria Estadual de Sade

    SMS Secretaria Municipal de Sade

    SNC Sistema Nervoso Central

    SUS Sistema nico de Sade

    UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

    UIS Unidade integrada de Sade

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    SUMRIO:

    1.INTRODUO...........................................................................................02

    1.1. Plantas medicinais na Histria ..............................................................02

    1.2. Polticas Pblicas no Brasil.....................................................................06

    1.2.1.O SUS..........................................................................................06

    1.2.2. A fitoterapia no SUS.................................................................07

    1.3. A Medicina Popular................................................................................13

    1.4. A Etnobotnica........................................................................................14

    1.5. Os Programas de Fitoterapia no Brasil e no Rio de Janeiro...............15

    1.6. Breve Histrico sobre os bairros pesquisados......................................17

    1.6.1. A ilha de Paquet......................................................................17

    1.6.2. O bairro de Santa Teresa.........................................................19

    2. JUSTIFICATIVA.......................................................................................22

    2.1. A escolha do Local...................................................................................22

    3. OBJETIVOS...............................................................................................24

    4. METODOLOGIA......................................................................................25

    4.1. Caracterizao do local..........................................................................25

    4.1.1. Paquet.....................................................................................25

    4.1.2. O grupo de fitoterapia de Paquet.........................................26

    4.2.1. Santa Teresa.............................................................................30

    4.2.2. O grupo de Fitoterapia de Santa Teresa................................30

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    4.2. Aprovao do Projeto de dissertao pelo comit de tica em

    pesquisa...........................................................................................................35

    4.3. Mtodos e tcnicas de coleta de dados..................................................36

    4.3.1. Mtodos etnogrficos..............................................................36

    4.3.2. Entrevistas...............................................................................37

    4.3.2.1. Histria de Vida........................................................37

    4.3.2.2. Entrevistas semi-estruturadas e formulrios.........38

    4.3.3. Coleta e identificao do material botnico..........................39

    4.4. Anlise dos dados...................................................................................40

    4.4.1. Analise quantitativa.................................................................42

    4.4.2. Levantamento bibliogrfico....................................................43

    5. RESULTADOS E DISCUSSO...............................................................44

    5.1. Aspectos sociais.......................................................................................44

    5.1.1. Histrico e caracterizao dos grupos...................................45

    5.1.1.1. Paquet......................................................................45

    5.1.1.2. Santa Teresa..............................................................47

    5.1.2. Origem dos componentes dos grupos....................................50

    5.1.3. Grupo como prtica de sociabilidade....................................51

    5.1.4. Apreenso e transmisso do conhecimento............................52

    5.2. Levantamento etnobotnico.................................................................. 54

    5.2.1. Aspectos botnicos ..................................................................54

    5.2.2. Formas de uso e preparo.........................................................68

    5.2.2.1. Definio e agrupamento dos termos......................69

    a) emplastro..........................................................................69b) macerado..........................................................................70

    c) ch.....................................................................................70

    d) xarope...............................................................................71

    e) banho................................................................................72

    f) travesseiros......................................................................74

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    5.2.3. Classificao das doenas segundo a OMS..........................77

    5.2.4. Anlise quantitativa................................................................79

    5.2.5. Pergunta direcionada: plantas para memria.....................80

    5.2.5.1. O envelhecimento populacional e a doenas de

    Alzheimer...............................................................................80

    5.2.5.2. Plantas para memria..............................................87

    a) alecrim..............................................................................87

    b) alevante............................................................................88

    c) alfazema............................................................................89

    d) anis-estrelado...................................................................90

    e) camomila...........................................................................91

    f) canela.................................................................................92

    g) cravo..................................................................................93

    h) erva-doce...........................................................................94

    i) ginkgo biloba....................................................................96

    j) mangueira.........................................................................97

    6. CONCLUSO.........................................................................................101

    7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................104

    8. ANEXOS..................................................................................................112

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    "Resgatar e amar um pedao da Me Terra

    muito mais profundo do que simplesmente criar sistemas para

    manter vivo o nosso corpo fsico: o resgate profundo da

    relao do homem com a Natureza, de substituir o tempo de

    relgio - nossa escravido - por ritmos. Tempo de caju, tempo de

    manga. O levantar e pr do sol. A lua minguando e crescendo...

    E percebemos que, de fato, precisamos de MUITO POUCO para

    sentir a felicidade; que a integrao com a beleza natural uma

    fonte de satisfao mais profunda e serena do que grandes

    conquistas no mundo urbano."

    Marsha Hanzi

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    1. INTRODUO

    1.1. PLANTAS MEDICINAIS NA HISTRIA

    Os vegetais fazem parte da cultura humana desde seus antepassados como fonte de

    alimentos, vesturios, habitao, combustvel, como utenslios para manifestaes

    artsticas e religiosas e como meio restaurador da sade. Os vegetais e seus usos foram,

    desde sempre, fundamentais para a existncia e desenvolvimento da sociedade

    contempornea atual em todas essas esferas.

    O uso de Plantas Medicinais pelos homens foi descrito ao longo da histria da

    humanidade. Acredita-se que o registro mais antigo seja na Medicina Chinesa realizado

    pelo imperador Shen Nong (2000 a.C.), que investigou o potencial medicinal de diversas

    plantas e outros produtos naturais, registrados no Livro da Medicina Interna do Imperador

    Amarelo, onde constavam registros de 365 drogas vegetais. Vrios textos dessa poca se

    tratam de documentos religiosos, denotando a tradicional associao entre aspectos

    filosficos e espirituais, aplicados para a Medicina Chinesa, Islmica e Ayurvdica.

    (BOTSARIS, 1995).O respeito milenar tradio da Fitoterapia Chinesa fez com que as

    frmulas utilizadas naquela poca fossem as mesmas de hoje. Estas frmulas magistrais

    hoje so encontradas nos livros em diversos idiomas e so utilizadas e estudadas em quase

    todos os pases. No Japo, desde 1950 o Ministrio da Sade Japons reconhece 148 destas

    frmulas como de utilidade pblica (LOBOSCO, 2005).

    Nas antigas civilizaes ocidentais, os primeiros registros datam de 1500 a.C.

    quando foi escrito o manuscrito egpcio Papiro de Ebers, considerado um dos mais

    importantes livros da cultura mdica. A partir desse manuscrito o velho mundo tomou

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    cincia de uma Farmacopia egpcia contendo diversas espcies vegetais (ALMEIDA,

    2000).

    Durante as chamadas civilizaes clssicas, as drogas vegetais comearam a ser

    registradas de forma sistemtica. Na Grcia, Dioscrides escreveu a obra que

    posteriormente foi traduzida para o latim no sculo XV, a chamada De Matria Mdica.

    Neste documento foram descritas mais de quinhentas espcies vegetais e seus usos na

    teraputica.

    O comrcio de drogas vegetais naquela poca era comum. As Especiarias eram

    extremamente valiosas e cobiadas. A busca por estes produtos foi o motivo da criao de

    diversas rotas comerciais terrestres e martimas com a inteno de fazer a conexo entre o

    Ocidente e o Oriente, como por exemplo, a rota da Seda e a Rota das ndias. Foi dessa

    forma que, plantas j usuais no Oriente como a canela, gengibre e algumas pimentas

    chegaram ao Egito e ao Mediterrneo (NEPOMUCENO, 2005).

    Quando os turcos conquistaram Constantinopla, em 1473, os mercadores europeus

    assistiram ao bloqueio de suas principais rotas comerciais. Na tentativa de uma soluo

    para contornar o problema, Portugal, seguido pela Espanha, organizou expedies para a

    explorao de rotas alternativas martimas para o Oriente. O projeto portugus previa um

    ciclo oriental, contornando a frica enquanto que o projeto espanhol apostou no ciclo

    ocidental, que culminou no descobrimento das Amricas (AQUINO, 1988).

    Com o estabelecimento de colnias no continente americano, as naes europias

    introduziram nelas o plantio das especiarias asiticas, barateando os custos e tornando-as

    mais acessveis para o mercado. Essa expanso teve como conseqncia levar as prprias

    colnias a adotar essas especiarias, em detrimento de espcies nativas.

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    Por outro lado, a colonizao levou novas espcies de plantas para o Velho Mundo

    que posteriormente tornaram-se hbito no cotidiano europeu como exemplo a batata, o caf

    e o ch preto (ALMEIDA, 2000).

    No Brasil, os Jesutas trouxeram as boticas portteis para tratar os colonos e

    nativos acometidos por doenas como tuberculose, varola e sarampo. Entretanto, foram

    obrigados a assimilar as plantas nativas, utilizadas pelos ndios para suprir as deficincias

    de Portugal. Foi assim que a ipeca, a quina, a jurubeba e a copaba passaram a fazer parte

    das boticas dos Jesutas (DUNIAU, 2003).

    Em 1808, a Famlia Real Portuguesa mudou-se para o Brasil e instalou a sede do

    governo no Rio de Janeiro. Nesta poca, D. Joo criou o Jardim Botnico, na poca

    chamado Jardim de Aclimao, com a finalidade de adaptar as espcies vindas das ndias

    Orientais (JARDIM BOTNICO, 2006).

    A publicao da primeira edio da Farmacopia Brasileira representou um esforo

    significativo de regulamentar a manipulao de produtos derivados das plantas medicinais.

    Elaborada por Rodolfo Albino, essa obra contemplou mais de 280 espcies botnicas

    nacionais e estrangeiras, o que refletia as caractersticas teraputicas da poca (MARQUES

    & PETROVICK, 2004).

    Aps a segunda guerra mundial, na dcada de 50, houve um crescimento industrial

    nos pases do terceiro mundo, principalmente incentivado pelo capital estrangeiro

    (HOBSBAWM, 1995). A indstria farmacutica acompanhou esse movimento mundial e

    se desenvolveu no Brasil a partir desse momento histrico. Com o interesse no lucro, os

    medicamentos sintticos conquistaram, a partir da, lugar na teraputica modificando

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    completamente a forma de tratar doenas o que fez surgir o atual complexo mdico-

    industrial-hospitalar (OLIVEIRA, 1985).

    Em conseqncia desse processo de industrializao, o conhecimento tradicional do

    uso de plantas medicinais passou a ser posto em segundo plano naquela poca. Por falta de

    estudos cientficos, o uso de plantas medicinais tornou-se sinnimo de atraso tecnolgico e

    muitas vezes charlatanismo, o que fez os usurios, os mdicos e os pesquisadores se

    afastarem desse campo. Foi um momento no qual o uso de plantas medicinais esteve mais

    prximo do misticismo do que da cincia (LORENZI & MATOS, 2002).

    Na dcada de 70, o movimento social urbano da Contracultura incluiu, dentre

    outros campos, a importao de sistemas teraputicos distintos daqueles j existentes, e

    mesmo opostos a eles numa atitude de rejeio cultural e insatisfao ao modelo mdico j

    estabelecido (LUZ, 2005).

    Alm da importao de antigos sistemas mdicos, como a Medicina Tradicional

    Chinesa, Ayurvdica e Homeopatia, a incorporao de terapias ligadas s religies de

    matrizes africanas e indgenas foi um fato histrico que atingiu o Brasil durante as dcadas

    de 70 e 80, basicamente nos grandes centros urbanos. Tal fato se caracteriza pelos

    seguintes eventos: surgimento de diversas lojas de produtos naturais e esotricos,

    revalorizao dos agentes de cura (raizeiros, curandeiros, pais de santo), aparecimento

    freqente no noticirio da grande imprensa escrita e televisiva de reportagens sobre

    terapias e prticas alternativas e, especificamente, o grande crescimento do consumo de

    produtos fitoterpicos (LUZ, 2005; CARRARA, 1994; CARLINI, 2002).

    Acompanhando esse processo histrico mundial, em 1978, na Conferncia

    Internacional sobre Ateno Primria Sade de Alma-Ata, a Organizao Mundial de

    Sade (OMS) recomendou aos governos, mdicos e autoridades sanitrias dos pases em

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    desenvolvimento, que levassem em considerao os muitos recursos da Medicina Popular,

    incorporando essas formas culturalmente comprovadas pelo povo. A OMS preocupada

    com as doenas endmicas e com o crescimento da incidncia de doenas crnicas e

    degenerativas mostrava a importncia das medicinas regionais como excelentes auxiliares

    dos sistemas organizados de sade (OLIVEIRA, 1985).

    1.2. POLTICAS PBLICAS NO BRASIL:

    1.2.1. O SUS

    A Constituio Brasileira (BRASIL, 1988), dispe sobre a criao do Servio

    nico de Sade (SUS) e estabelece o conjunto de aes que devem ser seguidas por

    instituies privadas e pblicas, nas esferas federais, estaduais e municipais.

    A Lei Orgnica da Sade (BRASIL, 1990), estabeleceu pela primeira vez, de

    forma relevante, um conceito sobre a sade passando de um modelo assistencial centrado

    na doena e baseado no atendimento a quem procura para um modelo de ateno integral

    sade, onde prope a incorporao progressiva das atividades de promoo, preveno e

    recuperao da sade.

    Trata de trs aspectos principais:

    a) Em primeiro lugar incorpora o conceito mais abrangente de que a sade tem

    como fatores determinantes e condicionantes o meio fsico (condies geogrficas, gua,

    alimentao, habitao, etc.); o meio scio-econmico e cultural (ocupao, renda,

    educao etc.); os fatores biolgicos (idade, sexo, herana gentica etc.); e a oportunidade

    de acesso aos servios que visem promoo, proteo e recuperao da sade. Isso

    implica que, para se ter sade, so necessrias aes em vrios setores, o que s uma

    poltica governamental integrada pode assegurar.

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    b) Em segundo lugar, a Lei Orgnica da sade tambm legitima o direito de

    todos, sem qualquer discriminao, s aes de sade em todos os nveis, assim como

    explica que o dever de prover o pleno gozo desse direito responsabilidade do Governo,

    isto , do poder pblico. O dever do Estado, no entanto no exclui o dever do prprio

    cidado, da famlia, da empresa e de outros setores sociais. Isso significa que, a partir da

    nova constituio, a nica condio para se ter direito de acesso s aes de sade

    precisar deles.

    c) Por ltimo, estabelecido o Sistema nico de Sade - SUS, de carter

    pblico, formado por uma rede de servios regionalizada, hierarquizada e

    descentralizada, com direo nica em cada esfera de governo, e sob controle dos seus

    usurios.

    Dentro das diretrizes bsicas traadas, umas das que mais se aproxima do uso

    de plantas medicinais a regionalizao e o controle social que prope a participao

    social, trabalhando a promoo da sade, tornando o usurio um co-responsvel pela

    prpria sade, pela sade dos seus familiares e pela sade da sua comunidade.

    1.2.2. A FITOTERAPIA NO SUS

    O interesse popular e institucional vem crescendo no sentido de fortalecer a

    fitoterapia no SUS, uma vez que depois da dcada de 80 diversas Resolues, Portarias e

    Relatrios foram elaborados com nfase na questo das plantas medicinais.

    As Conferncias Nacionais de Sade vm contemplando deliberaes para

    desenvolvimento de uma Poltica Nacional de Plantas Medicinais, Medicamentos

    Fitoterpicos e Assistncia Farmacutica e insero destas plantas medicinais e

    medicamentos fitoterpicos na ateno a sade no SUS.

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    Em 1986, o Relatrio final da 8 Conferncia Nacional de Sade

    (CONFERNCIA NACIONAL DE SADE, 1986), realizado em Braslia-DF, refere

    introduo de prticas alternativas no SUS e ao acesso democrtico de escolher a

    teraputica preferida. Dez anos depois, a 10 Conferncia Nacional de Sade

    (CONFERNCIA NACIONAL DE SADE, 1996) contemplou as seguintes deliberaes:

    a) "Os gestores do SUS devem estimular e ampliar pesquisas realizadas em parceria

    com Universidades Pblicas que analisem a efetividade das prticas populares

    alternativas em sade com o apoio das agncias oficiais de fomento pesquisa";

    b) "Incorporar ao SUS, em todo o pas, as prticas de sade como a fitoterapia,

    acupuntura e homeopatia, contemplando as terapias alternativas e prticas

    populares";

    c) "O Ministrio da Sade deve incentivar a fitoterapia na Assistncia Farmacutica

    Pblica e elaborar normas para sua utilizao, amplamente discutidas com os

    trabalhadores em sade e especialistas, nas cidades onde existir maior participao

    popular, com gestores mais empenhados com a questo da cidadania e dos

    movimentos populares".

    A 1 Conferncia Nacional de Medicamentos e Assistncia Farmacutica

    (CONFERNCIA NACIONAL DE MEDICAMENTOS E ASSISTNCIA

    FARMACUTICA, 2005) aprovou 48 propostas dentro da rea Fitoterpicos /

    Biodiversidade / Homeopticos. Entre elas pode-se citar:

    a) Apoiar e incentivar o financiamento de pesquisas e desenvolvimento da prtica do

    cultivo orgnico de plantas medicinais e a implantao de servios que utilizem

    fitoterpicos na rede pblica com o apoio do governo federal;

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    b) Criar plos regionais dentro dos estados para a produo de medicamentos

    fitoterpicos, priorizando as espcies vegetais locais;

    c) Definir e normatizar os servios de fitoterapia, organizados por nvel de

    complexidade da ateno sade, com recursos humanos qualificados,

    incorporando os conhecimentos tradicionais;

    d) Incluir os medicamentos fitoterpicos na RENAME inserindo-os na Poltica

    Nacional de Assistncia Farmacutica;

    No mbito estadual, foi elaborada no Estado do Rio de Janeiro a Resoluo SES N

    1590 (SES, 2001). Este documento legal permitiu a normatizao e a implantao do

    Servio de Fitoterapia no municpio do Rio de Janeiro. Posteriormente, atravs do

    Programa Estadual de Plantas Medicinais (PROPLAM), foi publicado o Guia de

    Orientaes para implantao do Servio de Fitoterapia que se baseou na Resoluo SES

    N1590. Este guia teve os objetivos de estabelecer parmetros prtica da Fitoterapia e

    estruturao dos Servios de Fitoterapia no SUS (MICHILES, 2004).

    Ainda neste guia recomendado que se faa nos municpios uma pesquisa

    etnofarmacolgica com a finalidade de se levantar as espcies tradicionalmente utilizadas

    pela comunidade local. Um modelo de questionrio para esta pesquisa tambm proposto

    neste guia.

    O mais recente instrumento de normatizao produzido para orientar e potencializar

    as iniciativas de sade a Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares no

    SUS (BRASIL, 2006). Foi instituda por meio da Portaria n 971 publicada no Dirio

    Oficial da Unio em 4 de maio de 2006.

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    Nesta poltica so contempladas as seguintes reas: Plantas Medicinais e a

    Fitoterapia, Medicina Tradicional Chinesa e Acunpultura, Homeopatia e Termalismo

    Social. Esta poltica foi construda com o objetivo de ampliar as opes teraputicas aos

    usurios do SUS, e garantir o acesso a essas prticas com segurana, eficcia e qualidade,

    na perspectiva da integralidade da ateno sade. Tem o objetivo ainda de estimular as

    aes de participao social, com o intuito de envolver os usurios nas diferentes instncias

    das polticas de sade (BRASIL, 2006).

    No domnio das Plantas Medicinais e Fitoterapia, a Poltica Nacional de Prticas

    Integrativas e Complementares prope as seguintes diretrizes:

    1. Elaborao da Relao Nacional de Plantas Medicinais e da Relao

    Nacional de Fitoterpicos;

    2. Provimento do acesso a plantas medicinais e fitoterpicos aos usurios do

    SUS;

    3. Formao e educao permanente dos profissionais de sade em plantas

    medicinais e fitoterapia;

    4. Acompanhamento e avaliao da insero e implementao das plantas

    medicinais e fitoterapia no SUS;

    5. Fortalecimento e ampliao da participao popular e do controle social;

    6. Estabelecimento de poltica de financiamento para o desenvolvimento de

    aes voltadas implantao das plantas medicinais e da fitoterapia no

    SUS.

    7. Incentivo pesquisa e desenvolvimento de plantas medicinais e

    fitoterpicos, priorizando a biodiversidade do Pas.

    8. Promoo do uso racional de plantas medicinais e dos fitoterpicos no SUS.

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    9. Garantia do monitoramento da qualidade dos fitoterpicos pelo Sistema

    Nacional de Vigilncia Sanitria.

    Ainda nas propostas da poltica, importante ressaltar um item, dentro da diretriz

    n 5, que indicado e justamente o que vem acontecendo dentro do Programa de

    Fitoterapia do Municpio do Rio de Janeiro, no que se refere aos grupos de Fitoterapia,

    tema desta pesquisa :

    Resgatar e valorizar o conhecimento tradicional e promover

    a troca de informaes entre grupos de usurios, detentores

    de conhecimento tradicional, pesquisadores, tcnicos,

    trabalhadores em sade e representantes da cadeia produtiva

    de plantas medicinais e fitoterpicos; (BRASIL, 2006).

    Em 22 de junho de 2006 foi assinado o decreto n 5813 que aprova a POLTICA

    NACIONAL DE PLANTAS MEDICINAIS E FITOTERPICOS (BRASIL, 2006).

    Esta poltica tem carter interministerial e tem como objetivo garantir populao

    brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterpicos,

    promovendo o uso sustentvel da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e

    da indstria nacional. As diretrizes que constam neste documento legal so:

    1. Regulamentar o cultivo, o manejo sustentvel, a produo, a distribuio e o uso de

    plantas medicinais e fitoterpicos, considerando as experincias da sociedade civil nas suas

    diferentes formas de organizao.

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    2. Promover a formao tcnico-cientfica e capacitao no setor de plantas medicinais e

    fitoterpicos.

    3. Incentivar a formao e a capacitao de recursos humanos para o desenvolvimento de

    pesquisas, tecnologias e inovao em plantas medicinais e fitoterpicos.

    4. Estabelecer estratgias de comunicao para divulgao do setor plantas medicinais e

    fitoterpicos.

    5. Fomentar pesquisa, desenvolvimento tecnolgico e inovao com base na

    biodiversidade brasileira, abrangendo espcies vegetais nativas e exticas adaptadas,

    priorizando as necessidades epidemiolgicas da populao.

    6. Promover a interao entre o setor pblico e a iniciativa privada, universidades, centros

    de pesquisa e organizaes no-governamentais na rea de plantas medicinais e

    desenvolvimento de fitoterpicos.

    7. Apoiar a implantao de plataformas tecnolgicas piloto para o desenvolvimento

    integrado de cultivo de plantas medicinais e produo de fitoterpicos.

    8. Incentivar a incorporao racional de novas tecnologias no processo de produo de

    plantas medicinais e fitoterpicos.

    9. Garantir e promover a segurana, a eficcia e a qualidade no acesso a plantas medicinais

    e fitoterpicos.

    10. Promover e reconhecer as prticas populares de uso de plantas medicinais e remdios

    caseiros.

    11. Promover a adoo de boas prticas de cultivo e manipulao de plantas medicinais e

    de manipulao e produo de fitoterpicos, segundo legislao especfica.

    12. Promover o uso sustentvel da biodiversidade e a repartio dos benefcios derivados

    do uso dos conhecimentos tradicionais associados e do patrimnio gentico.

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    13. Promover a incluso da agricultura familiar nas cadeias e nos arranjos produtivos das

    plantas medicinais, insumos e fitoterpicos.

    14. Estimular a produo de fitoterpicos em escala industrial.

    15. Estabelecer uma poltica intersetorial para o desenvolvimento socioeconmico na rea

    de plantas medicinais e fitoterpicos.

    16. Incrementar as exportaes de fitoterpicos e insumos relacionados, priorizando

    aqueles de maior valor agregado.

    17. Estabelecer mecanismos de incentivo para a insero da cadeia produtiva de

    fitoterpicos no processo de fortalecimento da indstria farmacutica nacional.

    Pode-se perceber, no item n10, a valorizao do conhecimento das prticas

    populares de sade, que mostra que o tema desta pesquisa est de acordo com o que

    preconiza os dois mais recentes instrumentos legais de normatizao de Plantas

    Medicinais.

    1.3. A MEDICINA POPULAR

    Segundo Oliveira (1985), pode-se conceituar a medicina popular como:

    Conjunto de saberes, tcnicas e prticas de cura inseridos nos aspectos cultural, histrico

    e psicossocial de determinada populao.

    A Medicina Popular uma prtica que resiste poltica e culturalmente medicina

    acadmica e se diferencia desta em diversos aspectos: uma medicina descentralizada e

    independente da tecnologia estrangeira e do imperialismo econmico.

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    A Medicina Popular foi recriada no espao urbano atravs do fenmeno das

    migraes para os grandes centros. Pessoas oriundas do meio rural trouxeram seus saberes

    e tcnicas de manipulao e cultivo de plantas medicinais e se adaptaram s novas

    condies de espao e ambiente.

    Atualmente, nos grandes centros, a Medicina Popular compete com medicina

    acadmica podendo encontrar sua prtica em clnicas, em lojas de produtos naturais, feiras

    livres, em centros espritas e outros ncleos religiosos. Pode-se dizer que estas aplicaes

    mantm vivo o uso da Medicina Popular, mas no o garante s futuras geraes, uma vez

    que os detentores deste conhecimento, via de regra, no o transmitem aos seus

    descendentes. A educao formal retira os jovens do convvio com os mais velhos durante

    uma parte significativa do tempo fomentando o seu desinteresse por este conhecimento

    (AMOROZO, 1996). A modernizao traz uma certa desvalorizao da cultura local, a

    qual os jovens esto no grupo mais atingido, reforando a tendncia perda ou abandono

    das prticas locais de sade (AMOROZO, 2002). Dentro desta problemtica, visvel a

    necessidade de estudos nesta rea, pois pode ocorrer a quebra de um ciclo de transmisso

    oral desta cultura que no est nos livros e nem se aprende nas universidades.

    Na discusso sobre o papel do setor industrial farmacutico, alguns pontos podem

    ser abordados: existe um conhecimento generalizado de que a indstria em geral muitas

    vezes cria desejos de consumo sobre necessidades infundadas so os chamados

    modismos. A indstria de medicamentos fitoterpicos no exceo a esse fenmeno.

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    1.4. A ETNOBOTNICA

    A etnobotnica uma rea de pesquisa interdisciplinar inserida na Etnobiologia e

    atualmente pode ser definida como a inter-relao entre populaes humanas e o ambiente

    botnico (ALBUQUERQUE, 2002) sendo uma interface entre as Cincias Naturais e as

    Cincias Humanas. O estudo da Medicina Popular nos grandes centros pode usar a

    etnobotnica como ferramenta de pesquisa, pois esse envolve plantas medicinais e pessoas

    com culturas e vises de mundo distintos.

    A etnobotnica tem o papel de conservar o uso sustentvel da biodiversidade do

    ponto de vista do saber local (ALBUQUERQUE, 2004). Esta funo da etnobotnica se

    torna ainda mais urgente quando se tratam de pesquisas na regio da Mata Atlntica que

    representa atualmente uns dos ecossistemas mais devastados e ameaados pela ocupao

    humana e pela explorao imobiliria.

    Estudos etnobotnicos de registro de plantas, seus usos e formas teraputicas

    (plantas medicinais) por grupos humanos tm oferecido a base para diversos estudos,

    especialmente no campo da fitoqumica e farmacologia, inclusive como ferramenta para o

    descobrimento de novas drogas (ELISABESTKY, 1999).

    Uma parte significativa do que hoje utilizado terapeuticamente partiu de

    informaes obtidas de comunidades tradicionais que utilizam produtos naturais em suas

    prticas de sobrevivncia e manejo do meio ambiente. Farnsworth e colaboradores indicam

    que atualmente no mundo existem 119 substncias obtidas de 90 espcies de plantas

    diferentes que so usadas como frmacos. Coincidentemente, 77% dessas drogas foram

    obtidas como resultado de estudo etnomdico e, ainda, so usados de forma bastante

    semelhante ao uso original relatado (CORDELL, 2000).

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    1.5. OS PROGRAMAS DE FITOTERAPIA NO BRASIL E NO

    MUNICPIO DO RIO DE JANEIRO

    Pela prpria concepo do sistema pblico de sade no Brasil, com nfase na

    municipalizao dos servios, a maioria das experincias ocorre a partir das secretarias

    municipais de sade com variao dos modelos que vo desde facilitar o acesso da

    populao s plantas medicinais at gerar informaes quanto ao manejo e uso correto das

    plantas medicinais (MINISTRIO DA SADE, 2006).

    Em iniciativa pioneira, o Professor Francisco de Abreu Matos, farmacutico,

    fitoqumico e pesquisador da Universidade Federal do Cear, idealizou e implantou o

    Projeto Farmcia Viva voltado para atender pequenas comunidades, validando plantas

    de amplo uso popular na regio para produzir e disponibilizar a esta mesma populao

    preparaes extemporneas (MATOS, 2002) . Este sistema de trabalho inspirou diversas

    iniciativas em todo Brasil.

    O Programa de Fitoterapia do municpio do Rio de Janeiro foi institucionalizado

    em 1992 com os seguintes objetivos:

    a) Produo de medicamentos fitoterpicos;

    b) Atividades em grupos de usurios;

    c) Capacitao de recursos humanos e implementao de pesquisas com plantas

    medicinais.

    Aps uma pesquisa a respeito das patologias mais freqentes nas unidades de

    sade (SANTOS, 1998), a equipe do Programa de Fitoterapia selecionou algumas plantas

    medicinais que apresentavam segurana e eficcia comprovadas na literatura. Atualmente,

    o programa conta com um elenco de 25 plantas, organizadas no Memento Teraputico

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    (REIS, 2002) e manipula tinturas, cremes, gis, pomadas, vulos, xampus, colutrios e

    xaropes nas seis Oficinas Farmacuticas.

    A maioria das plantas utilizadas para a manipulao dos fitoterpicos cultivada

    em 18 hortas em diversas unidades de sade com a superviso de uma equipe de

    agrnomos.

    Dentro do Programa, ainda existem sete Grupos de Fitoterapia situados nas

    seguintes unidades de sade: PS Ceclia Donnangelo em Vargem Grande, UIS Manuel

    Arthur Villaboim em Paquet, CMS Ernani Agrcola em Santa Teresa, Instituto de

    Geriatria e Gerontologia Miguel Pedro em Vila Isabel, PAM Guilherme da Silveira em

    Bangu, Hospital Municipal Raphael e Souza em Curicica e CAPS Rubens Correa em Iraj.

    Na zona oeste da cidade existe diversos grupos em fase de formao que tambm contam

    com a parceria do Programa de Sade da Famlia do municpio do Rio de Janeiro.

    1.6. BREVE HISTRICO SOBRE OS BAIRROS PESQUISADOS

    1.6.1. A ILHA DE PAQUET

    O primeiro registro que se tem da Ilha de Paquet de 1555, quando Andr Thevet,

    cosmgrafo da expedio de Villegaignon em sua misso para fundar a Frana Antrtica,

    descobre Paquet. Esse registro anterior prpria fundao da cidade do Rio de Janeiro.Em 18 de dezembro de 1556, o Rei da Frana, Henri II, reconhece as descobertas de

    Andr Thevet e nessa data hoje celebrado o aniversrio de Paquet (PAQUET, 2006).

    Estcio de S veio ao Brasil com a misso de derrotar os franceses e colonizar as

    novas terras. Com a aliana dos ndios Temimins vence os franceses, aliados aos Tamoios

    e em 1565 funda a cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano e

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    cumprindo sua misso colonizadora, a Ilha de Paquet doada por Estcio de S, sob a

    forma de duas sesmarias, a dois de seus companheiros de viagem. A parte norte foi doada a

    Incio de Bulhes (hoje chamada bairro do campo pelos moradores) e a parte sul (bairro da

    ponte) a Ferno Valdez (PAQUET, 2006).

    O lado sul da Ilha teve colonizao mais rpida e o lado norte se caracterizou pela

    formao da Fazenda So Roque, com sua extensa rea agrcola e criao de gado. Foi nas

    terras da Fazenda So Roque que foi erguida a primeira capela da Ilha, a Capela de So

    Roque 1697, o padroeiro da Ilha. At ento a comunidade tinha que atravessar a Baa de

    Guanabara at Mag, para participar de seus cultos religiosos.

    Finalmente, j com a Famlia Real no Brasil e o Prncipe Regente

    freqentando Paquet, um alvar especial de D. Joo cria a Freguesia do Senhor Bom Jesus

    do Monte e em 1833, por decreto Imperial, a Ilha de Paquet fica totalmente independente

    de Mag e passa a pertencer ao municpio da Corte. Em 1903, os Distritos de Paquet e

    Governador so unidos no Distrito das Ilhas, incorporando ilhas e ilhotas ao redor

    (PAQUET,2006).

    Em 1961, o Governador do Estado da Guanabara cria o Distrito

    Administrativo de Paquet e em 1975, com a fuso dos Estados da Guanabara e Rio de

    Janeiro, a Ilha de Paquet passa a pertencer Cidade do Rio de Janeiro, constituindo suaXXI Regio Administrativa.

    A ilha tambm ficou muito famosa por ser cenrio do romance A Moreninha,

    de Joaquim Manuel de Macedo publicado em 1843. Nesse perodo a publicao foi um

    marco literrio do gnero Romantismo no Brasil, sendo leitura quase que obrigatria nas

    escolas at hoje.

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    1. 6.2. BAIRRO DE SANTA TERESA

    O primeiro nome dado ao bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, foi Morro do

    Desterro, por haver ali uma ermida erguida em homenagem a Nossa Senhora do Desterro.

    O incio das ocupaes est relacionado a fatos religiosos. Aquela que mais tarde seria

    conhecida como Madre Jacintha de So Jos, vivia com outras freiras da ordem religiosa

    das Carmelitas Descalas que tem como padroeira Santa Teresa. Os planos iniciais eram de

    construir um convento na Chcara da Bica, mas optou-se por ocupar o espao sobre o

    morro, onde j existia a ermida. Foi construdo, assim, o primeiro convento feminino do

    Rio, Convento das Freiras da Ordem Carmelitas Descalas de Santa Teresa, marcando

    fundao do bairro de Santa Teresa (MACHADO, 2002).

    Ainda hoje, por trs das grossas paredes decoradas por azulejos portugueses e

    janelas protegidas por grades e pontas de ferro, vive uma comunidade de freiras reclusas.

    As freiras Carmelitas serviram de inspirao para a criao do mais famoso bloco de

    Carnaval do bairro, o Bloco das Carmelitas. Os folies se fantasiam de freira e saem

    pelas ruas na sexta a noite e na tera a tarde seguindo o mesmo trajeto que, segundo a

    lenda, uma freira fazia nas noites de carnaval quando fugia do convento.

    H at hoje muitas representaes de f, com orientaes religiosas distintas: a

    igreja Ortodoxa, Rua Monte alegre; o templo budista, na Estrada Joaquim Mamede e a

    Igreja Anglicana, na Rua Paschoal Carlos Magno.

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    A histria de Santa Teresa tambm tem relao com fluxos migratrios

    transnacionais. Os ingleses foram uns dos primeiros estrangeiros a serem atrados pelos

    atributos do bairro, o clima ameno e a paisagem. Italianos fixaram-se na rea em torno da

    Rua Paula Matos. Suos ocuparam a Vila Santa Ceclia na Rua Almirante Alexandrino.

    Alm dos portugueses, que associavam o bairro semelhante com algumas regies de

    Portugal, principalmente o bairro da Alfama, em Lisboa (MACHADO,2002).

    No final do sculo XVIII, o governo fez diversos investimentos para aumentar a

    captao da gua na cidade. Os recursos hdricos do bairro foram importantes para o

    processo de ocupao, pois havia gua em abundncia para o abastecimento da cidade.

    Foram realizas obras para conduzir a gua da floresta ao Aqueduto - hoje em dia conhecido

    como Arcos da Lapa. Em 1818, surge um decreto que define o traado da Rua do

    Aqueduto, atuais Joaquim Murtinho e Almirante Alexandrino. No fim do sculo XIX, a

    funo do aqueduto ampliada com a eletrificao dos trens. Os trilhos foram colocados,

    sobre o Aqueduto da Carioca, para a passagem dos bondes. O bonde eltrico revolucionou

    o Rio de Janeiro e a vida carioca que se transformou radicalmente. Acabava o sculo XIX

    e com ele a mentalidade oitocentista. Santa Teresa viveu o impacto da Belle poque, que se

    anunciou com o barulho do primeiro bonde a cruzar o Aqueduto, em 1896 (MACHADO,

    2002).

    No incio do sculo XX, acompanhando o movimento artstico do Modernismo, a

    mecenas Laurinda Santos Lobo recebia em sua residncia intelectuais, artistas e poderosos

    da repblica para a realizao de saraus e bailes que retrataram a mudana da mentalidade

    na sociedade carioca. A casa hoje um centro cultural que combina runas antigas e

    arquitetura contempornea chamada Parque das Runas.

    Nos anos 70, acompanhando o movimento da contracultura, o bairro tambm foi

    palco de outros movimentos artsticos. Os Hippies, artistas e msicos escolheram Santa

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    Teresa para morar por ser um bairro mais tranqilo e sem o agito do resto da cidade.

    Muitos descendentes das primeiras famlias que habitaram Santa Teresa continuam

    morando no bairro, mantendo viva sua memria histrica.

    Nos anos 90, o bairro de Santa Teresa comeou a viver um novo processo, a

    revitalizao, com a mobilizao e a participao comunitria para a gerao de novas

    realidades. A cultura tornou-se um vis de desenvolvimento. Grande parte do movimento

    que passa pelo bairro tem haver com seu capital social e suas manifestaes culturais. Os

    Festivais de Inverno (97 e 98), o projeto de recuperao e pintura de fachadas Cores de

    Santa, o evento de visitao de atelis Arte de Portas Abertas e o carnaval so exemplos

    dessa revitalizao cultural que o bairro sofreu nos ltimos 10 anos.

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    2. JUSTIFICATIVA

    A descoberta de produtos naturais com potencial teraputico tem como ponto de

    partida informaes oriundas de comunidades tradicionais. A etnobotnica tem como

    objetivo trazer para linguagem cientfica estas informaes e funciona como um verdadeiro

    atalho para pesquisa e desenvolvimento de novos frmacos (ELISABETSKY, 1999).

    A pesquisa etnobotnica tambm tem um valor histrico de grande apreo.

    Normalmente, o conhecimento tradicional sobre plantas medicinais das comunidades

    estudadas construdo atravs de relatos verbais que so transmitidos oralmente. Ou seja,

    se estes conhecimentos no forem estudados e decodificados para a linguagem cientfica

    podero se perder com o tempo.

    O Programa de Fitoterapia do municpio do Rio de Janeiro apresenta vasto campo

    para pesquisa Etnobotnica, fundamental para que se conheam novas plantas, outras

    formas de emprego e novas aes teraputicas em uso pela comunidade.

    2.1. A ESCOLHA DO LOCAL

    Este trabalho teve como ponto de partida uma pesquisa desenvolvida no ano de

    2002 durante o programa de Acadmico bolsista da prefeitura no CMS Ernani Agrcola em

    Santa Teresa entitulada Uma experincia no resgate de saberes e prticas de fitoterapia

    em um bairro do Rio de Janeiro (POSSE, 2004). Nesta pesquisa, foi possvel perceber

    que os componentes deste grupo praticam a fitoterapia e este hbito est relacionado s

    suas origens e vivncias no meio rural. Tambm foi observado que as pessoas que detm o

    conhecimento popular em plantas medicinais no o transmitem, acarretando a quebra de

    um ciclo de transmisso oral deste conhecimento. Este ltimo fato ilustra a necessidade da

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    realizao de um estudo etnobotnico com o objetivo de perpetuar este conhecimento na

    forma escrita e incentivar a manuteno e transmisso do mesmo.

    Foi escolhido mais um grupo de fitoterapia para a realizao do trabalho, na UIS

    Manuel Arthur Villaboim em Paquet. Este grupo representativo no Programa de

    fitoterapia, pois foi um dos primeiros grupos a serem formados e o primeiro a montar uma

    horta de plantas medicinais numa escola do bairro seguindo o modelo Farmcias Vivas

    (MATOS, 2002).

    Estes dois bairros tm caractersticas de isolamento do resto da cidade, o que

    possvel acreditar que, por si s, seja um incentivo s prticas fitoterpicas. Outro fato

    importante que, nesses bairros, a maioria das residncias so casas com quintais e jardins,

    o que possibilita o cultivo de plantas medicinais para uso caseiro.

    Diante destas caractersticas, optou-se pelos bairros de Santa Teresa e Paquet

    para realizar um levantamento etnobotnico das plantas medicinais usadas pela populao

    local.

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    3. OBJETIVOS

    Geral:

    Analisar do ponto de vista Etnobotnico, o uso de plantas medicinais pelos

    componentes dos grupos de fitoterapia das unidades de sade nos bairros de Santa

    Teresa e Paquet;

    Especficos:

    Descrever o perfil dos componentes do grupo de fitoterapia das comunidades

    escolhidas;

    Inventariar as espcies para fins medicinais utilizadas pelos componentes dos grupos,especialmente aquelas para distrbios do sistema nervoso;

    Identificar e comparar os diferentes processos de transmisso de saberes e prticas a

    respeito de plantas medicinais dos componentes do grupo;

    Promover a revalorizao dos saberes e prticas a respeito de plantas medicinais dessas

    comunidades.

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    4. METODOLOGIA

    4.1. CARACTERIZAO DO LOCAL

    4.1.1. O BAIRRO DE PAQUET

    Paquet uma ilha, situada na Baa da Guanabara (figura 1, pg. 27).

    considerada oficialmente um bairro do municpio do Rio de Janeiro vinculado Sub-

    Prefeitura do Centro da cidade AP1 (rea Programtica 1).

    O significado de Paquet, em tupi- guarani, significa muitas pacas. A ilha

    costuma ser local de abrigo para pequenos mamferos como gambs e morcegos. Em

    conjunto com outras Ilhas prximas e com a rea do Manguezal de Guapimirim, esta

    regio apresenta-se como um rico viveiro de aves silvestres, marinhas e migratrias

    (PAQUET, 2006).

    Observa-se que, por suas particularidades, a ilha de Paquet um bairro atpico

    da cidade do Rio de Janeiro. Possui um isolamento geogrfico e cultural que pode ser

    explicado pelo fato de ser uma ilha com difcil acesso. O transporte at l realizado por

    barcas com intervalos em mdia de trs horas e aerobarcas que nem sempre esto

    funcionando. Na ilha no permitida a circulao de carros particulares. Seus moradores

    transitam de bicicleta, charretes, eco-taxis e o trenzinho turstico. Suas ruas ainda so de

    terra, o que caracteriza o aspecto rstico do bairro (figura 2, pg. 28).

    So cerca de 4500 moradores fixos, em sua maioria de famlias antigas na Ilha,

    com forte vnculo comunitrio. Parte dessa populao trabalha no Rio de Janeiro, usando o

    servio das barcas para chegar ao continente. essa populao fixa acrescenta-se os

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    veranistas que freqentam a ilha com a famlia nos finais de semana ou frias. Aos

    moradores e veranistas somam-se os turistas e visitantes que vm passar o dia ou

    pernoitam nos hotis e pousadas da Ilha. Este movimento sazonal e tem seu auge nas

    frias escolares (PAQUET, 2006).

    A vegetao de Mata Atlntica convive com as rvores exticas ornamentais

    como, por exemplo, os inmeros flamboyants e um baob situado no meio de uma das

    principais vias da ilha, apelidado carinhosamente de Maria Gorda.

    4.1.2. O GRUPO DE FITOTERAPIA DE PAQUET

    O grupo de fitoterapia de Paquet pertence s atividades organizadas pelo

    Programa de Fitoterapia que, na ilha, est vinculado unidade de sade Manuel Arthur

    Villaboim. Atualmente o grupo se rene na horta localizada na Escola Municipal Pedro

    Bruno perto da Praa So Roque s quintas-feiras pela tarde. No perodo desta pesquisa, o

    grupo consistia de oito senhoras, todas moradoras da ilha, aposentadas ou donas de casa

    (figura 3, pg. 29).

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    Figura 1: Localizao de Paquet.a) Baa de Guanabara e a ilha de Paquet

    b) ilha de Paquet e suas praias.Fonte: Acesso em: Set. 2006.

    a

    b

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    Figura 02: O bairro de Paquet:

    a) Flamboyant na praia dos tamoios; b) centrocomercial de paquet; c) pedalinhos na praia da guarda;d) turista de bicicleta; e) solar Del Rey;f) horta do grupo de fitoterapia na E. M. Pedro Bruno;g) canteiro na horta do grupo de fitoterapia.Fotos: Juliana Posse

    a b

    c d

    e

    g

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    Figura 3: integrantes do grupo de fitoterapia de Paquet.Fotos: Juliana Posse

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    4.2.1. SANTA TERESA

    O bairro de Santa Teresa est localizado na regio central do Rio de Janeiro,

    corresponde XXIII Regio Administrativa e ocupa uma rea de 5,70 Km, da qual

    metade (49,93%) urbana. Faz fronteira com os bairros do Alto da Boa Vista, Rio

    Comprido, Catumbi, Cidade Nova, Centro, Glria, Catete, Laranjeiras, Botafogo, Cosme

    Velho e Humait (figura 4, pg 32). Este bairro tambm est vinculado Sub-Prefeitura do

    Centro da cidade AP1 (rea Programtica1).

    Santa Teresa um lugar peculiar do Rio de Janeiro. Devido localizao geogrfica

    montanhosa, manteve-se preservada das transformaes que atingiram outras partes da

    cidade, sendo o nico bairro por onde o bonde ainda se estabelece como meio de transporte

    regular para moradores e visitantes (figura 5, pg. 33). Com forte identidade, o local se

    caracteriza aes culturais singulares. O posicionamento estratgico, entre a cidade e a

    floresta o que faz sua arquitetura sobreviver aos sculos e constitui um patrimnio ecltico,

    misturando diferentes estilos e perfis scio-espaciais. Em Santa Teresa, diversas classes

    sociais convivem em um mesmo espao.

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    4.2.2. O GRUPO DE FITOTERAPIA DE SANTA TERESA

    O grupo de fitoterapia de Santa Teresa uma das atividades do Programa de

    Fitoterapia do Municpio do Rio de Janeiro. Este se rene semanalmente pela manh s

    quartas-feiras no Centro Municipal de Sade Ernani Agrcola. O grupo se compe de um

    pblico fixo doze pessoas que vo a todas as reunies - e outro pblico flutuante,

    composto de moradores do bairro, mas que no so assduos por motivos diversos. O grupo

    reflete as caractersticas dos moradores do bairro de Santa Teresa que tem um perfil

    cultural e artstico mpar (figura 6, pg. 34).

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    Figura 4:a) Localizao de Santa Teresa na cidade do Rio de Janeirob) Ilustrao dos pontos tursticos do bairro.Fonte: . Acesso em: set. 2006.

    Ilustrao: Ana Maria

    a

    b

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    Figura 5: Bairro de Santa Teresa:a) Largo dos Guimares; b) rua Almirante Alexandrino; c) Castelinho;d) folies no carnaval de rua do bairro; e) arcos da Lapa com o bonde;f) bonde na rua Monte Alegre.Fotos: Juliana Posse.

    a b

    c

    d

    e

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    Figura 6: Grupo de Fitoterapia de Santa Teresa.Fotos: Juliana Posse

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    4.2 APROVAO DO PROJETO DE DISSERTAO PELO COMIT DE

    TICA EM PESQUISA

    Foi aberto o processo de aprovao da realizao desta pesquisa no Comit de

    tica em Pesquisa da Secretaria Municipal de Sade do Rio de Janeiro j que esta foi

    realizada com os usurios do Programa de Fitoterapia. Em Maio de 2005 foi dada a entrada

    na secretaria de sade para a abertura do protocolo com os seguintes documentos exigidos

    pelo comit:

    Folha de Rosto;

    Projeto de Pesquisa;

    Carta de Apresentao do(a) Orientador(a);

    Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;

    Cronograma (Coleta de dados iniciando no ms seguinte a entrega do Projeto no

    CEP-SMS);

    Currculos Pesquisador (es) e Orientador (a).

    Em setembro do mesmo ano o comit de tica em Pesquisa da Secretaria

    Municipal de Sade deu o parecer aprovado ao projeto sob o n61A/2005 (em anexo).

    A partir desse momento foi iniciada a pesquisa nas unidades de sade e a cada

    entrevista, era realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ao

    informante que o assinava em duas vias.

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    4.3. MTODOS E TCNICAS DE COLETA DE DADOS REALIZADOS NO

    TRABALHO DE CAMPO

    O Trabalho de campo foi realizado no perodo de agosto de 2005 at setembro de

    2006. Nesta pesquisa foram realizadas diversas tcnicas de natureza distintas utilizadas nas

    Cincias Naturais e das Cincias Humanas. A agregao de tcnicas teve como propsito

    acompanhar o carter multidisciplinar das pesquisas em Etnobotnica.

    4.3.1 MTODOS ETNOGRFICOS:

    O mtodo etnogrfico um conjunto de concepes e procedimentos utilizados

    tradicionalmente pela Antropologia para fins de conhecimento cientfico da realidade de

    um determinado grupo social. A abordagem etnogrfica se constri tomando como base a

    idia de que os comportamentos humanos s podem ser devidamente compreendidos e

    explicados se a referncia for o contexto social onde eles atuam. Para tanto, torna-se

    fundamental que se entenda o ponto de vista do outro, procurando o significado das

    prticas para os praticantes destas (VICTORA, 2000).

    A utilizao do mtodo etnogrfico possibilitou a insero da pesquisadora nos

    grupos estudados a fim de se fazer comum entre eles, participando das atividades extras,

    compartilhando dos mesmos hbitos e utilizando a mesma linguagem grias locais para

    evitar algum estranhamento e possibilitar maior compreenso no momento da entrevista e

    coleta de dados (ALBUQUERQUE, 2002).

    No perodo de agosto a dezembro de 2005 foi realizada a Observao Participante

    (BERNARD, 1988), na qual foi estabelecida uma relao de familiaridade e confiana

    entre a pesquisadora e os componentes dos grupos o que permitiu a vivncia dos

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    fenmenos scio-culturais para futura seleo e definio dos problemas.

    (ALBUQUERQUE, 2004). Em paralelo, a pesquisadora fez um dirio de campo, no qual

    aps cada visita, se registrava todas as observaes, sensaes e at pequenos dilogos que

    permitissem uma futura anlise crtica daquela vivncia.

    4.3.2. ENTREVISTAS

    Foram realizadas vinte entrevistas - oito em Paquet e doze em Santa Teresa - no

    perodo de janeiro a setembro de 2006. Este nmero refere-se a totalidade de participantes

    dos grupos. As pessoas que no tinham freqncia regular nas reunies e aquelas que

    entraram no grupo aps o incio da pesquisa no foram entrevistadas.

    4.3.2.1. HISTRIA DE VIDA

    Esta tcnica de coleta consiste em compreender o desenvolvimento da vida do

    sujeito investigado e traar com ele uma biografia que descreva sua trajetria at o

    momento atual. Pode-se dar uma nfase especial s relaes sociais do tema em questo

    (VICTORA, 2000).

    Lanou-se mo dessa tcnica para a percepo de trs aspectos de relevncia para

    melhor compreenso do uso de plantas medicinais:

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    a) A origem dos componentes do grupo;

    b) O grupo como prtica de sociabilidade e espao de relacionamento e promoo

    sade de seus participantes;

    c) Apreenso e transmisso do conhecimento de plantas medicinais.

    Por meio desta tcnica pode-se captar o processo de memria e de reflexo crtica sobre

    as vivncias em condies sociais especficas, constatar valores, expectativas, ideais de

    vida, ponderaes, frustraes, e sofrimentos face aos vrios processos sociais vivenciados

    pelo entrevistado (VIERTLER, 2002; VICTORA, 2000).

    4.3.2.2.. ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS E FORMULRIOS

    Foi realizado um roteiro de entrevista de natureza semi-estruturada (em anexo),

    ou seja, um roteiro com perguntas elaboradas previamente pela pesquisadora antes de ir a

    campo, o que permitiu flexibilidade e o aprofundamento de assuntos que poderiam vir a

    surgir (ALBUQUERQUE, 2004).

    No roteiro foi realizada uma pergunta especfica voc conhece alguma planta

    pra memria? - com objetivo de selecionar plantas, por processo de triagem guiada pela

    etnobotnica, com potencial de futura investigao de utilizao contra o Mal de

    Alzheimer (ORHAN, 2004).

    As entrevistas, previamente agendadas, foram realizadas nas unidades de sade

    ou nas residncias, com o auxilio de gravador e mquina fotogrfica.

    Na etapa final de cada entrevista foram aplicados formulrios (em anexo) com

    perguntas diretas para cada planta que foi citada no decorrer da entrevista.

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    4.3.3. COLETA E IDENTIFICAO DO MATERIAL BOTNICO

    Ao decorrer das entrevistas foram feitas as coletas das plantas citadas nas hortas

    das unidades e nos quintais das residncias de alguns entrevistados. Muitas plantas no

    foram coletadas, pois ao serem citadas, os informantes muitas vezes se remetiam a um

    tempo passado e outro lugar diferente do que residiam atualmente. Tambm no foram

    coletadas as plantas compradas em feiras e supermercados como hortalias e frutas.

    Trinta e oito plantas foram coletadas e herborizadas. Essas foram analisadas e

    identificadas pelas bilogas botnicas Mariana Reis de Brito do Museu Nacional UFRJ e

    Ins Machline Silva do Jardim Botnico do Rio de Janeiro. Vinte e oito plantas foram

    depositadas no herbrio da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As demais encontram-

    se em fase de identificao.

    Algumas espcies citadas nas entrevistas, que se encontravam cultivadas nas

    hortas das unidades pesquisadas foram identificadas e suas exsicatas encontram-se

    depositadas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

    Com relao s demais plantas citadas nas entrevistas que no puderam ser

    coletadas e identificadas, seus supostos nomes cientficos foram obtidos de literatura

    especfica de plantas medicinais.

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    4.4. ANLISE DOS DADOS

    A partir dos dados obtidos nas entrevistas foram construdos algumas tabelas e

    grficos com o auxlio do programa Microsoft Excel dando nfase a diversos aspectos

    como: famlia botnica, formas de preparo e indicaes teraputicas.

    Lanou-se mo de um processo de traduo e decodificao dos dados obtidos

    ao longo do trabalho de campo (dados micos) para a linguagem cientfica (dados ticos)

    com a finalidade de tornar a informao mais compreensvel ao universo acadmico e

    facilitar o agrupamento e padronizao dos dados para comparaes futuras.O ponto de

    vista mico corresponde ao modelo particular ao sistema em estudo, j o tico corresponde

    a um nvel de anlise e discusso no necessariamente relacionado ao sistema estudado, e

    sim a um nvel "neutro" de descrio e anlise pertencente ao pesquisador (VIERTLER,

    2002; GEERTZ, 2002).

    Os dados obtidos sobre a forma de uso e preparo das plantas citadas foram

    traduzidos e agrupados respeitando a classificao de preparo de formas farmacuticas

    conhecidas (PRISTA, 1981).

    Os dados obtidos sobre as indicaes teraputicas foram traduzidos e agrupados

    de acordo com o sistema mdico convencional, seguindo a dcima reviso da

    Classificao Internacional de Doenas e Problemas Relacionados Sade (CID-10)

    adotada pela Organizao Mundial de Sade (OMS), que agrupa doenas e sintomas em 21

    categorias (DATASUS, 2006), como pode ser observado na tabela a seguir:

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    QUADRO1: Dcima reviso da Classificao Internacional de doenas e problemasrelacionados a sade ( CID-10) (DATASUS, 2006).

    I - Algumas doenas infecciosas e parasitrias

    II - Neoplasias [tumores]III - Doenas do sangue e dos rgos hematopoticos e alguns transtornos imunitrios

    IV - Doenas endcrinas, nutricionais e metablicas

    V - Transtornos mentais e comportamentais

    VI - Doenas do sistema nervoso

    VII - Doenas do olho e anexos

    VIII - Doenas do ouvido e da apfise mastide

    IX - Doenas do aparelho circulatrioX - Doenas do aparelho respiratrio

    XI - Doenas do aparelho digestivo

    XII - Doenas da pele e do tecido subcutneo

    XIII - Doenas do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo

    XIV - Doenas do aparelho geniturinrio

    XV - Gravidez, parto e puerprio

    XVI - Algumas afeces originadas no perodo perinatal

    XVII - Malformaes congnitas, deformidades e anomalias cromossmicas

    XVIII - Sintomas, sinais e achados anormais de exames clnicos e de laboratrio, no

    classificados em outra parte

    XIX - Leses, envenenamento e algumas outras conseqncias de causas externas

    XX - Causas externas de morbidade e de mortalidade

    XXI - Fatores que influenciam o estado de sade e o contato com os servios de sade

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    4.4.1. ANLISE QUANTITATIVA

    A anlise quantitativa dos dados obtidos nas entrevistas foi realizada atravs do

    seguinte ndice:

    a) Importncia Relativa (IR) (BENNET & PRANCE, 2000; ALBUQUERQUE,

    2004). Neste ndice estabelecido que uma planta mais importante, quanto mais verstil

    ela for (maior nmero de indicaes a planta apresentar). O valor mximo que uma espcie

    pode obter 2. O clculo feito de acordo com a frmula abaixo:

    IR = NSC + NP, onde:

    NSC = nmero de sistemas corporais.

    NP = nmero de propriedades.

    NCS dado pelo nmero de sistemas corporais tratados por uma determinada espcie

    (NSCE) sobre o nmero total de sistemas corporais tratados pela espcie mais verstil

    (NSCEV).

    NSC = NSCE / NSCEV

    NP o nmero de propriedades atribudas para uma determinada espcie (NPE) sobre o

    nmero total de propriedades atribudas espcies mais verstil (NPEV).

    NP = NPE / NPEV

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    Este ndice foi escolhido por ser um ndice prprio para plantas medicinais, pois

    possvel se basear Classificao Internacional de Doenas adotada pela OMS j descrita

    nesse captulo quando se classifica as indicaes nos sistemas corporais. Outra razo para

    essa escolha foi utilizao desse ndice em trabalhos com grupos em outros bairros do Rio

    de Janeiro (BRITO, 2006; PATZLAFF, 2006) para posterior comparao dos resultados.

    4.4.2. LEVANTAMENTO BIBLIOGRFICO

    Para a elaborao do estado da arte das plantas citadas nesta pesquisa com

    indicao para memria, foi realizado o levantamento bibliogrfico nas bases de dados

    informatizadas Science Direct e Portal Capes alm de livros e revistas da literatura

    pertinente.

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    5. RESULTADOS E DISCUSSO

    5.1. ASPECTOS SOCIAIS

    Esta pesquisa foi realizada com integrantes dos grupos de Fitoterapia de Santa

    Teresa e Paquet que esto ligados as atividades do Programa de Fitoterapia nas unidades

    CMS Ernani Agrcola e UIS Manuel Arthur Villaboim, respectivamente.

    Os Grupos de Fitoterapia so encontros que acontecem semanalmente com

    pessoas da comunidade e profissionais de sade e discutem questes sobre plantas

    medicinais, auto-cuidado e promoo sade. Os grupos de Fitoterapia so espaos de

    dilogo e aproximao entre a realidade da comunidade envolvida, onde se exerce as

    prticas populares de sade e o ambiente institucionalizado e acadmico do SUS.

    No primeiro ano de pesquisa (2005), durante a observao participante, foi

    possvel perceber questes sociais de relevncia, para a compreenso do significado dos

    saberes e prticas em plantas medicinais do ponto de vista dos participantes dos grupos.

    Estas questes puderam ser mais bem compreendidas no segundo ano da pesquisa (2006),

    no momento das entrevistas, quando foram realizadas perguntas referentes a elas.

    Foram realizadas 20 entrevistas, sendo 12 em Santa Teresa e 8 em Paquet, o que

    representou a totalidades dos participantes dos grupos no perodo da pesquisa.

    Do total dos entrevistados 80% eram mulheres e 20% eram homens. A faixa etria

    variou entre 44 e 84 anos sendo que 70 % eram idosos (mais de 60 anos).

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    5.1.1. HISTRICO E CARACTERIZAO DOS GRUPOS

    5.1.1.1. PAQUET

    O grupo de Fitoterapia de Paquet foi o primeiro a ser formado. Teve incio

    em 1996 no Solar Del Rei, situado na Rua Prncipe regente, e comeou fazendo parte das

    atividades do Programa de Sade da Famlia (PSF) que englobava diversas atividades

    como reunies, palestras e a formao de grupos como o Grupo da Hipertenso, Grupo da

    Biodana e Grupo da Fitoterapia.

    Sob a coordenao da mdica do Programa de Sade da Famlia Dra. Mrcia

    Augusta Pereira dos Santos, o grupo era composto de muitas senhoras que participavam de

    todas essas atividades. Nesta poca, foi formada uma horta neste espao que logo se tornou

    pequeno para o cultivo das Plantas medicinais.

    Por conta da necessidade de um espao maior para este cultivo, atravs de

    uma parceria com a Escola Municipal Pedro Bruno, o grupo de fitoterapia foi transferido

    para um local dentro desta escola que anteriormente funcionava como rea de cultivo de

    hortalias para consumo nas refeies escolares.

    Esta parceria possibilitou o envolvimento dos alunos adolescentes da escola

    e os professores de Histria, Biologia e Artes que participavam de atividades prticas que

    complementavam o contedo curricular de suas aulas.

    Em 1998, no processo de implantao da horta de plantas medicinais, os

    alunos e os agentes de sade, sob a coordenao da Dra. Mrcia Augusta, realizaram uma

    pesquisa etnobotnica com a comunidade com a finalidade de se verificar as plantas mais

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    utilizadas. Baseado nessas informaes, foram selecionadas as plantas para o cultivo na

    horta (SANTOS & REIS; 1998).

    Um exemplo deste intercmbio entre o grupo de fitoterapia e a escola foi a

    realizao de um passeio de barco pelo Rio Suru e pelos manguezais do fundo da Baa da

    Guanabara. Nesta ocasio, o professor de biologia mostrava aos adolescentes e aos idosos a

    importncia ecolgica daquele ecossistema e a necessidade de sua preservao.

    Atualmente, elas se renem toda semana as quintas-feiras tarde e tem a

    liderana da farmacutica do Programa de fitoterapia Dra. Emlia Gombarovits e da tcnica

    agrcola Selma Moraes. Tambm participam das reunies os funcionrios da empresa de

    jardinagem terceirizada contratada pelo Programa. Eles tm a funo de fazer os trabalhos

    mais pesados da horta j que as senhoras componentes do grupo j esto bem idosas. Nas

    reunies, elas sempre discutem sobre os cuidados da horta e alguns problemas como: falta

    dgua para a rega, lixo, etc.

    A horta o foco principal da reunio do grupo de Paquet. No perodo da

    pesquisa existia um rodzio entre as senhoras de rega das plantas: cada dia da semana uma

    senhora era responsvel por ir at l e fazer a rega de todos os canteiros da horta. Em

    diversos momentos pode-se notar que as senhoras ficavam muito indignadas, at

    ameaavam a abandonar o grupo, quando a horta estava, segundo elas, mal cuidada por

    diversos motivos.

    Um dos momentos de grande importncia para o grupo de Paquet so as

    comemoraes de aniversrio e de fim de ano. As senhoras se dedicam a fazerem tortas,

    bolos, salgadinhos e passam tarde ali na horta comentando suas receitas e recebendo

    elogios uma das outras. Nessas ocasies elas sempre se unem e compram um bom presente

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    para o aniversariante. Eventualmente os maridos dessas senhoras participam das reunies e

    das outras atividades do grupo com exceo de Seu Luis, marido de Dona Ceclia, que

    acompanha a esposa em todas as reunies, mas no se considera do grupo.

    O grupo de fitoterapia uma das muitas atividades em grupo dessas senhoras.

    Elas participam da biodana, grupo de teatro da terceira idade, curso de bordado e

    hidroginstica. As aulas de biodana so bem tradicionais em Paquet. realizada h 10

    anos s teras-feiras no Solar Del Rei (local onde se situava a horta antes de ser no colgio)

    e composto de mais de 20 senhoras e muitas delas j foram integrantes do grupo de

    fitoterapia.

    5.1.1.2. SANTA TERESA

    O grupo de Fitoterapia de Santa Teresa merece destaque entre os outros

    grupos do Programa de Fitoterapia, pois tambm foi um dos primeiros a serem criados e

    atualmente, um dos grupos mais ativos e diversos culturalmente dentro do Programa.

    Pode-se dizer que o grupo teve incio em 1998, quando foi realizado em Santa

    Teresa um curso de Formao Tcnica em Fitoterapia e Terapias Corporais com o

    Projeto de Capacitao de Jovens para a Prtica de Preveno Sanitria em parceria com

    a Fiocruz e financiamento do fundo de amparo ao trabalhador que possibilitou aimplantao da Oficina Farmacutica da unidade. Nesse curso, jovens da comunidade

    aprenderam tcnicas de manipulao de fitoterpicos na Oficina Farmacutica do CMS

    Ernani Agrcola e participaram do plantio de espcies medicinais numa comunidade

    carente do bairro. Desses alunos, muitos entraram para o mercado de trabalho, nas reas de

    manipulao, pesquisa e at na prpria prefeitura, como por exemplo, o Oficial de

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    Farmcia Jadson Ramos que atualmente funcionrio da prefeitura e coordenador do

    grupo de usurios de Santa Teresa. Segundo ele, esta iniciativa mudou completamente a

    minha vida profissional.

    Em 1999, a coordenadora do Programa de Fitoterapia, Dra. Maria Carmen P.

    Reis, ao realizar uma palestra para divulgao do programa, convidou a psicloga do CMS

    Ernani Agrcola Arlete Batista para coordenar o grupo de usurios dessa unidade.

    No ano seguinte ocorreu o Curso de Plantas Medicinais na unidade voltado

    para os usurios e ministrado pela equipe de mdicos e farmacuticos do Programa de

    Fitoterapia. A partir da moradores do bairro comearam a se reunir periodicamente s

    quartas feiras pela manh.

    As primeiras atividades do grupo foram o cultivo de diversas mudas de espcies

    medicinais em vasos, j que naquela poca ainda no havia o terreno destinado para a

    horta.

    Em 2003, em funo de uma obra no posto de sade, foi possvel ter acesso a

    uma rea que anteriormente servia como depsito de entulho e lixo, o que em conseqncia

    trazia insetos e roedores para aquele local. Esta rea insalubre e intil se transformou num

    espao de convivncia do grupo e de cultivo de plantas medicinais que so utilizadas pela

    comunidade e tambm servem de matria-prima para a produo de medicamentos

    fitoterpicos na Oficina Farmacutica da unidade.

    Dentre as diversas atividades do grupo, houve diversas visitas a outras

    unidades de sade que desenvolvem atividades com o Programa de Fitoterapia e outras

    instituies ligadas ao tema como, por exemplo: Jardim Botnico, UFRRJ, Orquidrio

    Aranda, Criao de cabras Capril e Fazenda Modelo. O grupo tambm teve participao em

    eventos ligados a plantas medicinais como congressos, feiras e encontros.

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    Em Maio de 2006 o grupo passou por um momento difcil de perda de sua

    lder, Arlete Batista, que faleceu subitamente por um aneurisma cerebral. Este momento de

    tristeza fez com que o grupo se unisse mais ainda e desse continuidade as atividades que

    Arlete desenvolvia com tanta o