Introducao a semanalise - Julia Kristeva.pdf

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Julia Kristeva - semiotiké

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  • ~--------------~ ie!ates e ates e ates semitica

    julia kristeva - ..... INTRODUAO A

    ,,

    SEMANALISE

    ~,,,, - '/. ~ f PERSPECTIVA

    7/1\\-$

  • Coleo Debates Dirigida por J. Guinsburg

    Equipe de Realizao - Traduo: Lucia Helena Frana Ferraz; Reviso: Samlra Martlia Dolinsky e Eloisa Graziela Franco de Oliveira; Produo: Ricardo W. Neves e Raquel Fernandes Abranches.

  • julia kristeva - ' INTROD1UAO A ,

    SEMANALISE

    ~'''~ ~ ~ PERSPECTIVA n,,~

  • Ttulo do original francs

    I:11uetwnx1) Recherches pour une smanalyse

    Editions du Seuil, 1969

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Kristeva, Julia, 1941- . Introduo semanlise / Julia Kristeva ;

    traduo Lcia Helena Frana Ferraz. - 2. ed. So Paulo : Perspectiva, 2005. - (Debates ; - 84)

    Ttulo original: Recherches pour une smanalyse. ISBN 85-273-0720-0

    1. Semntica (Filosofia) 2. Semntica geral 3. Semitica 4. Signos e smbolos I. Ttulo. II. Srie.

    05-0698 CDD-121.68

    ndices para catlogo sistemtico: 1. Semitica : Filosofia da linguagem 121.68

    2' edio

    Direitos reservados em lngua portuguesa EDITORA PERSPECTIVAS.A. Av. Brigadeiro Lus Antnio, 3025 01401-000- So Paulo - SP - Brasil Telefax: (0--11) 3885-8388 www.editoraperspectiva.com.br 2005

  • SUMRIO

    l. O Texto e sua Cincia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 2. A Semitica, Cincia Crtica

    e/ou Crtica da Cincia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3. A Expanso da Semitica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 4. A Palavra, o Dilogo e o Romance . . . . . . . . . . . . . 65 5. Por uma Semiologia dos Paragramas . . . . . . . . . . . 97 6. A Produtividade Chamada Texto. . . . . . . . . . . . . . . 133 7. Poesia e Negatividade ...................... 175

  • l. O TEXTO E SUA CINCIA

    J bem tarde, somente agora, os homens comeam a se dar conta do enorme erro que propagaram com sua crena na linguagem.

    NIETZSCHE, Humano, humano demais

    [ ... ] de diversos vocbulos refaz uma palavra total, nova, isolada da lngua.

    MALLARM, Avant-Dire

    Fazer da lngua um trabalho - poiein -, laborar sobre a materialidade do que, para a sociedade, um meio de contato e de compreenso, no distanciar-se de sada da lngua? O ato chamado liter1io, por no admitir a distncia ideal em relao quilo que significa, introduz o estranhamento radical relativamente ao que se julga ser a lngua - um portador de sentido. Estranhamente prxima, intimamente estranha mat-ria de nossos discursos e de nossos sonhos, a literatura nos parece hoje ser o ato mesmo que apreende como a lngua fun-ciona e indica o que ela amanh tem o poder de transformar.

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  • Sob o nome de magia, poesia e, enfim, literatura, essa prtica sobre o significante encontra-se, ao longo de toda a Histria, envolvida por um halo misterioso que, seja valori-zando-a, seja atribuindo-lhe um lugar ornamental, se no nulo, d-lhe o duplo golpe da censura e da recuperao ideolgica. Sagrado, belo irracional/ religio esttica, psiquiatria - essas categorias e esses discursos pretendem, cada um por seu turno, ocupar-se desse "objeto especfico", o qual no poderamos denominar sem classific-lo em uma das ideologias recupera-das e que constitui o centro de nosso interesse, operacional-mente designado como texto.

    Qual o lugar desse objeto especfico dentre a multipli-cidade das prticas significantes? Quais so as leis de seu fun-cionamento? Qual seu papel histrico e social? Tantas per-guntas hoje colocada~: cincia das significaes, SEMITICA, perguntas que seduzem continuamente o pen-samento e s quais um certo saber positivo acompanhado de um obscurantismo estetizante recusam conceder seu lugar.

    Entre a mistificao de um idealismo sublimado e su-blimante e a recusa da attude cientfica, a especificidade do trabalho com a lngua persiste e mesmo h um sculo se a-centua de modo a conq11istar mais e mais firmemente seu domnio prprio, sempre mais inacessvel s tentativas de ensasmo psicolgico, sociolgico e esttico. A falta de um conjunto conceitual se faz sentir, o qual acederia particu-laridade do texto, destacaria suas linhas de fora e de muta-o, seu devir histrico e seu impacto sobre o conjunto das prticas significantes.

    A. Trabalhar a lngua implica, necessariamente, remon-tar ao prprio germe onde despontl:lm o sentido e seu sujeito. o mesmo que dizer que o produtor da lngua (Mallarm) obrigado a um nascimento permanente, ou melhor, que, s portas do nascimento, ele explora o que o precede. Sem ser uma criana de Herclito que se diverte com seu jogo, ele esse ancio que volta, antes de seu nascimento, para mostrar queles que falam que eles so falados. Mergulhado na lngua, o texto , por conseguinte, o que ela tem de mais estranho: aquilo que a questiona, aquilo que a transforma, aquilo que a descola de seu inconsciente e do automatismo de seu desenvol-

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  • vimento habitual. Assim, sem estar na origem da linguagem1 e eliminando a prpria questo de origem, o texto (potico, lite-rrio ou outro) escava na supeifcie da palavra uma vertical, onde se buscam os modelos dessa significncia que a lingua-gem representativa e comunicativa no recita, mesmo se os marca. Essa vertical, o texto a atinge fora de trabalhar o significante: aimsgem sonora que Saussure v envolver o senti-do, um significante que devemos pensar aqui tambm no sen-tido que lhe deu a anlise lacaniana.

    Designaremos por significncia esse trabalho de dife-renciao, estratificao e confronto que se pratica na lngua e que deposita sobre a linha do sujeito falante uma cadeia significante comunicativa e gramaticalmente estruturada. A semanlise, que estudar no texto a significncia e seus tipos, ter, pois, de atravessar o significante com o sujeito e o signo, assim como a organizao gramatical do discurso, para atingir essa zona onde se congregam os germes do que significar na presena da lngua.

    B. Este trabalho justamente questiona as leis dos discur-sos estabelecidos e apresenta um terreno propcio no qual novos discursos podem se fazer ouvir. Tocar nos tabus da ln-gua, redist1ibuindo suas categorias gramaticais e remanejando suas leis semnticas , pois, tambm tocar nos tabus sociais e histricos; mas essa regra contm ainda um imperativo: o sen-tido dito e comunicado do texto (do fenotexto estruturado) fala e representa essa ao revolucionria que a significncia opera na medida em que encontra seu equivalente na cena da

    l. "A partir da teologia dos poetas, que foi a primeira metafsica, e apoiando-se na lgica potica da decorrente, vamos no presente procurar as origens das lnguas e das letras." (Giambattista Vco [1668-1774), La Science Nouvelle, d. Nagel, 1953, 428.)

    "Parece-nos, pois, evidente ter sido em virtude das leis necessrias da i1atureza humana que a linguagem potica tenha precedido apario da prosa ... " (Ibidem, 460). Herder procurava no ato potico o modelo da apario das primeiras palavras. Assim tambm Carlyle (Histoire lna-cheve de la Littrature Allemande, Ed. Univ. of Kentucky Press, 1951, p. 3) sustenta que a esfera literria "encontra-se na nossa natureza mais nti-ma e envolve as bases primeiras, onde se originam o pensamento e a ao". Encontra-se uma idia semelhante em N1etzsche, em sua tese da arte ne-cromante: remontando ao passado, restitui ao homem sua infncia.

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  • realidade social. Assim, por um duplo jogo, na matria da lngua e na histria social, o texto se instala no real que o engendra: ele faz paiie do vasto processo do movimento mate-rial e histrico, se no se limita - enquanto significado - a seu autodescrever ou a se abismar numa fantasmtica subjetivista.

    Em outros termos, no sendo o texto a linguagem comu-nicativa que a gramtica codifica, no se contenta com repre-sentar - com significar o real. Pelo que significa, pelo efeito alterado presente naquilo que representa, participa da mobili-dade, da transformao do real, que apreende no momento de seu no-fechamento. Dito de outro modo, sem remontar a -simular - um real fixo, constri o teatro mvel de seu movi-mento, para o qual contribu e do qual o atributo. Transfor-mando a matria da lngua (sua organizao lgica e grama-tical), para a transportando a relao das foras sociais da cena histrica (em seus significados regulados pela situao do sujeito do enunciado comunicado), o texto liga-se - l-se -duplamente em relao ao real: lngua (alterada e transfor-mada) e sociedade (com cuja transformao ele se harmo-niza). Se ele desorganizar e transformar o sistema semitico regulador da mudana socal e, ao mesmo tempo, dispuser nas instncias discursivas as instncias ativas do processo social, o texto no lograr se construir como signo nem no primeiro, nem no segundo tempo de sua articulao, nem em seu conjunto. O texto no denomina nem determina um exte-rior: designa como um atributo (uma concordncia) essa mo-bilidade heraclitiana que nenhuma teoria da linguagem-signo pde admitir e que desafia os postulados platnicos da essn-cia das coisas e de suaforma2, substituindo-os por uma outra linguagem, um outro conhecimento, cuja materialidade no

    2. Sabemos que, se para Protgoras "a parte mais importante da edu-cao consiste em ser um conhecedor de poesia" (338e), Plato no leva a srio a "sabedoria" potica (Crtilo 391-397) quando ele no condena sua influncia transformadora e libertadora das multides (Leis). surpreen-dente que a teoria platnica das Formas, que se v questionada pelo trabalho potico na lngua (sua mobilidade, sua ausncia de fixidez etc.), encontre alm disso e ao mesmo tempo um adversrio ndomvel na doutrina de Her-clito. E de todo natural que, na sua batalha para impor suas teses da lngua como instrumento de expresso com fim didticos (378 a, b), da essncia

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  • texto apenas agora comeamos a perceber. O texto est, pois, duplamente orientado: para o sistema significante no qual se produz (a lngua e a linguagem de uma poca e de uma socie-dade precisa) e para o processo social do qual participa en-quanto discurso. Seus dois registros, de funcionamento aut-nomo, podem se separar em prticas menores, onde um remanejamento do sistema significante deixa intacta a repre-sentao ideolgica que ele transp01ta, ou, inversamente, eles se renem nos textos marcando os blocos histricos.

    Tomando-se a significncia uma infinidade diferenciada cuja combinatria ilimitada jamais encontra limites, a "literatu-ra"/ o texto subtrai o sujeito de sua identificao com o discur-so comunicado, e, pelo mesmo movimento, rompe com sua categoria de espelho que reflete as "estruturas" de um exterior. Engendrado por um exterior real e infinito em seu movimento material (e sem ser deste o efeito causal), e incorporando seu destinatrio combinatria de seus traos, o texto cria para si uma zona de multiplicidade de marcas e de intervalos cuja ins-crio no-centrada pe em prtica uma polivalncia sem uni-dade possvel. Esse estado - essa prtica - da linguagem no texto afasta-o de toda dependncia de uma exterioridade metafsica ainda que intencional e, pmtanto, de todo expres-sionismo e de toda finalidade; o que significa que o afasta tam-bm do evolucionismo e da subordinao instrumental a uma histria sem lngua\ sem com isso destac-lo daquilo que seu papel na cena histrica: marcar as transformaes do real his-trico e social, praticando-as na matria da lngua.

    estvel e definida das coisas cujos nomes so imagens enganadoras (349 b) - necessrio, pois. conhecer a essncia das coisas sem passar pelos nomes: eis o ponto de partida da metafsica ps-platnica at hoje - Plato, depois de haver desacreditado os poetas (o texto de Homero no lhe fornece provas para a estabilidade da essncia), acaba por opor-se ao discpulo de Herclito e ao princpio heraclitiano da mudana ( Crtilo ).

    3. A teoria clssica considerava a literatura e a arte em geral como uma imitao: "Imitar natural nos homens e se manifesta desde sua infncia [ ... ] e em segundo lugar todos os homens tm prazer com as imitaes" (Aristteles, Potica). A mimesis aristotlica, cuja sutileza est longe de ser revelada, foi compreendida ao longo da histria da teoria literria como uma cpia, um reflexo, um decalque de um exterior autnomo, para dar

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  • Esse significante (que no mais um desde que no de-pende mais de um sentido) textual uma rede de diferena que marca e/ou rene as mutaes dos blocos histricos. Ana-lisada do ponto de vista da cadeia comunicativa e expressiva do sujeito, a rede abandona:

    - um sagrado: quando o sujeito concebe um centro regen-te-intencional da rede;

    - uma magia: quando o sujeito se preserva da instncia dominante do exterior, qual a rede, por um gesto inverso, por destino, teria de dominar, mudar, orientar;

    - um efeito (literrio, belo): quando o sujeito se identifica com seu outro - o destinatrio - para lhe oferecer (para se ofe-recer) a rede sob uma forma fantasmtica, ersatz do prazer.

    Desligar a rede desse trplice n - do um, do exterior e do outro, ns onde se entrnva o sujeito para a se erigir - seria talvez abord-la no que tem de especificamente prprio, a

    apoio s exigncias de um realismo literrio. Para a literatura concebida, pois, como uma arte, foi atribudo o domnio das percepes, oposto quele dos conhecimentos. Essa distino que encontramos em Platino (Ennades, IV, 87: Dites de physeos tautes ouses, tes men noetes, tes de aiesthetes.! Tambm a natureza tem dois aspectos: um inteligvel, o outro sensvel) foi retomada por Baumgarten, que fundou com a palavra o discurso esttico: "Os filsofos gregos e os padre; da igreja sempre distinguiram cuidadosa-mente entre coisas percebidas (aistheta) e coisas conhecidas (noeta). , de fato, evidente que no identificavam as cmsas inteligveis s coisas sens-veis ao dignificar com esta palavra coisas to distantes do sentido (das ima-gens, portanto). Conseqentemente, as coisas intelectuais devem ser conhe-cidas por uma faculdade superior, como objetos da lgica; as coisas perce-bidas devem ser estudadas por uma faculdade inferior, como objetos da cin-cia das percepes ou esttica (Al. G. Baumgarten, Rfiexions Sur la Posie, Ed. Univ. of California Press, 1954, 116) E mais alm: "a retrica geral pode ser definida como representaes dos sentidos, a porica geral como a cincia que trata geralmente d:1 apresentao perfeita das representaes sensitivas" (ibidem, 117).

    Se, para a esttica idealista de Kant. o "esttico" um julgamento universal mas subjetivo, pois oposto ao co11ceitual, em Hegel a arte da pala-vra chamada "poesia" torna-se a expresso suprema da idia em seu movi-mento de particularizao: "ela (a poesia) abarca a totalidade do esprito humano, o que comporta sua particularizao nas mais variadas direes" (Hegel, Esthtique, "La posie , Ed. Auber, p. 37). Posta assim em para-lelo com a filosofia especulativa, a poesia d~la se diferencia, ao mesmo tem-po, em viude da relao que estabelece entre todo e parte. "Certamente,

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  • saber: a transformao a que submete suas categorias e a cons-truo de seu domnio fora delas. ao mesmo tempo, cons-truir-se no texto um campo conceitua! novo que nenhum dis-curso possa propor.

    C. rea especfica da realidade social - da histria -, o texto impede a identificao da linguagem como sistema de comunicao de sentido, com a histria como um todo linear. Equivale dizer que ele impede a constituio de um continuum simblico substitutivo da linearidade histrica, e que no pa-gar jamais - quaisquer que sejam as justificativas sociolgi-cas e psicolgicas que lhe possamos atribuir - sua dvida para com a razo gramatical e semntica da superfcie lingstica de comunicao. Fazendo romper a superfcie da lngua, o texto o objeto que permitir quebrar a mecnica conceitua! que pe em foco uma linearidade histrica e ler uma histria estratificada: de temporalidade co1iada, recursiva, dialtica,

    suas obras devem possuir uma unidade concordante, e aquilo que anima o todo deve estar igualmente presente no particular, mas essa presena, em vez de ser marcada e acentuada pela m1e, deve permanecer um em-si inte-rior, semelhante alma que est presente em todos os seus membros, sem dar-lhes a aparncia de uma existncia independente" (ibidem, p. 49). As-sim, sendo uma expresso - urna exteriorirno particularmente - da idia, e porque participa da lngua, a poesia uma representao interiorizante que coloca a idia o mais perto do sujeito: ''A fora da criao potica con-siste, pois, em a poesia modelar um contedo interiormente, sem recurso a figuras exteriores ou a sucesses de melodias: desse modo, ela transforma a objetividade exterior numa objetividade interior, que o esprito exte1ioriza pela representao, sob a prpria forma na qual essa objetividade encontra-se e deve se encontrar no esprito" (ibidem, p. 74). Evocado para justificai a subjetivizao do movimento potico, o fato de a poesia seJ" verbal rapidamente descm1ado: Hegel recusa pensar na mate1ialidade da lngua: "Esse lado verbal da poesia poderia dar margem a consideraes infinitas e infinitamente complicadas, das quais creio, contudo, dever abster-me, para ocupm--me de assuntos mais impor-tm1tes que me esperam" (ibidem, p. 83).

    Essas reprodues de certos momentos ideolgicos da concepo do texto - que cortam a pgina em dois e tendem a invadi-la - no esto desti-nadas unicamente a designar que aquilo que est escrito acima, tal qual um iceberg, v ser lido sobre o fundo de uma tradio incmoda. Elas indicam, tambm, o pesado fundo idealista, de onde uma teoria do texto deve poder emergir: o do sujeito e da expresso, aquele fundo que se encontra por vezes retomado sem crtica, por discursos de pretenses materialistas que buscam na literatura uma expresso do sujeito coletivo da histria.

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  • irredutvel a um nico sentido, mas feita de tipos de prticas significantes nas quais a srie plural resta sem origem nem fim. Uma outra histria se perfilar assim, que serve de base histria linear: a histria recursivamente estratificada das sig-nificncias, da qual a linguagem comunicativa e sua ideologia subjacente (sociolgica, historicista ou subjetivista) represen-tam apenas a faceta superficial. Tal papel, o texto o desem-penha em toda sociedade atual: ele -lhe solicitado incons-cientemente, -lhe interdito ou dificultado praticamente.

    D. Se o texto permite a transformao em volume da li-nha histrica, no deixa de manter relaes precisas com os diversos tipos de prticas significantes na histria corrente: no bloco social evolutivo.

    Em uma poca pr-histrica / pr-cientfica, o trabalho com a lngua se opunha atividade mtica4 e, sem cair na psi-cose superada da magia5, porm tangenciando-a - podelia-mos dizer, conhecendo-a -, ele se oferecia como o intervalo entre dois absolutos: o sentido sem lngua acima do referente (se tal a lei do mito) e o corpo da lngua englobando o real

    4. "Poderamos definir o mito como esse modo de discurso em que o valor da frmula traduttore, trarlitore tende praticamente a zero. Sob esse ponto de vista, o lugar do mito na escala dos modos de expresso lingstica oposto ao da poesia, no importa o que tenhamos dito para aproxim-los. A poesia uma fom1a de linguagem extremamente difcil de traduzir numa ln-gua estrangeira, e toda traduo acarreta mltiplas deformaes. Ao contr-1io, o valor do mito como mito persiste, apesar da pior traduo. Seja qual for nossa ignorncia acerca da lngua e da culturn do povo de onde o recolhemos, um mito percebido como mito por todo leito no mundo inteiro. A substncia do mito no se encontra no estilo, nem no modo de narrao, nem na sintaxe, mas na histria que a contada, O mito linguagem; mas uma linguagem que trabalha num nvel muito elevado, e onde o sentido chega a descolar-se do alicerce lingstico sobre o qi.;al comeou a correr" (Claude Lvi-Strauss, Anthropologie Structurale, Ed. Plon, 1958, p. 232).

    5. Analisando a magia nas sociedades primitivas, Geza Roheim a iden-tifica com o processo de sublimao e afirma: "a magia, em sua f01ma pri-meira e original, o elemento fundamental do pensamento, a fase inicial de toda atividade [ ... ] A tendncia orientada para o objeto (libido ou destrudo) desviada e fixada sobre o Eu (narcisismo secundrio) para constituir objetos intermedirios (cultura), e desse modo dominar a realidade graas unicamente nossa prpria magia" (Magie et Schizophrnie, Ed. Anthropos, 1969, pp. 101-102; para esta tese de Roheim, cf. tambm The Origin and Function of Culture, New York, Nervous and Mental Desease Monographis, 1943).

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  • (se tal a lei do rito mgico). Um intervalo colocado em po-sio de ornamento, isto , esmagado, mas permitindo o fun-cionamento dos termos.do sistema. Intervalo que, com o cur-so dos anos, se distaneiar de sua proximidade com o rito para se aproximar do mito: aproximao exigida paradoxal-mente por uma necessidade social de realismo, este entendido como abandono do corpo da lngua.

    Na modernidade, oposto habitiialmente ao conhecimen-to cientfico formal6, o texto "estranho lngua" parece-nos, realmente, ser a operao mesma que introduz atravs da ln-gua esse trabalho que pertence manifestadamente cincia e que encobre a carga representativa e comunicativa da pala-vra, a saber: a pluralizao dos sistemas abertos de notao no submetidos ao centro regulador de um sentido. Sem se opor ao ato cientfico (a batalha do conceito e da imagem no tem curso hoje), mas longe de se igualar a ele e sem pretender substitu-lo, o texto inscreve seu domnio fora da cincia e atravs da ideologia como uma verbalizao (mise-en-langue) da notao cientfica. O texto transpe para a linguagem, para

    6. Como o nota Croce (la Posie, PUF, 1951, p. 9), "foi em relao poesia que foi abandonado, pela primeira vez, o conceito do 'conhecer re-ceptivo' e postulado o do 'conhecer como fazer'". Pensada em relao atividade cientfica, a literatura sucumbe a duas atitudes igualmente censurantes. Ela pode ser banida da ordem do conhecimento e proclamar-se ser da ordem da impresso, da excitao, da natureza (em virtude, por exem-plo, de sua obedincia ao princpio "da economia da energia mental do re-ceptor", cf. Herbert Spencer, Philosophie of Style, An Essay, New York, 1880); da apreciao (o discurso potico, para Charles Morris, "significa atravs de signos, cujo modo apreciativo, e sua finalidade principal pro-vocar a concordncia do intrprete sobre que o que significado deve ter um lugar preferencial em seu comportamento apreciativo", cf. Signs, Language and Behavior, New York, 1946}; da emoo oposta aos discursos referenciais (para Ogden and Richards, The Meaning of "Meaning", Lon-dres, 1923, o discurso referencial ope-se ao tipo emotivo de discurso). Se-gundo a velha frmula Sorbonae nullum jus in Parnaso, toda abordagem cientfica declarada inadequada e impotente face ao "discurso emocional".

    O cientificismo positivista comunga a mesma definio da arte, mes-mo reconhecendo que a cincia pode e deve estudar seu domnio. "A arte uma expresso emotiva [ ... ] Os objetos estticos servem de smbolos que exprimem os estados emocionais. O artista, como quem o olha ou o escuta, a obra de arte, introduzem significaes emotivas (emotive meanings) no objeto fsico, que consiste numa pintura exibida sobre uma talagara, ou em

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  • a historia social, portanto, os remanejamentos histricos da significncia evocando aqueles que encontramos marcados em seu domnio prprio pela descoberta cientfica. Essa transpo-sio no poderia operar-se ou permaneceria caduca, fechada em seu alhures mental e subjetivista - se a formulao textual no se apoiasse na prtica social e poltica - portanto, na ideo-logia da classe progressista da poca. Assim, transpondo uma operao da insc1io cientfica e falando uma atitude de clas-se, isto , representando-a no significado daquilo que en-tendido como um sentido (uma estmtura), a prtica textual descentra o sujeito de um discurso (de um sentido, de urna estrutura) e constri-se como a operao de sua pulverizao numa infinidade diferenciada. Ao mesmo tempo, o texto evita censurar a explorao cientfica da infinidade significante, censura essa sustentada simultaneamente por uma atitude es-ttica e por um realismo ingnuo.

    Assim sendo, vemos em nossos dias o texto tomar-se o teneno onde atua, enquanto prtica e apresentao, o rema-nejamento epistemolgico, social e poltico. O texto literrio atualmente atravessa a face da cincia, da ideologia e da polti-ca como discurso e se oferece para confront-los, desdobr-los, refundi-los. Plural, plurilingstico s vezes, e freqente-mente polifnico (pela multiplicidade de tipos de enunciados que aiiicula), ele presentifica o grfico desse cristal, que o

    sons produzidos por instrumentos musicais. A expresso simblica da sig-nificao emotiva uma meta nat1ral, isto , representa um valor que aspi-ramos desfrntar. A avaliao uma caracterstica geral das atividades orien-tadas do homem (human goal actfvities), e oportuno estudar sua natureza lgica em sua generalidade, sem restringi-la anlise da arte" (H. Reichenbach, The Rise of Scientij!c Philisophies, Univ. of California Press, 1956, p. 313).

    Uma outra espcie de positivismo, que no est

  • trabalho da significncia, tomada num ponto preciso de sua infinidade: um ponto presente da histria onde esta infinida-de insiste.

    A particularidade do texto, assim designado, separa-ora-dicalmente da noo de obra literria instalada por uma in-terpretao expressionista e fenomenolgica, facilmente populista, surda e cega ao registro dos estratos diferenciados e confrontados no significante folhado - multiplicado - da lngua: diferenciao e confronto, cuja relao especfica com a fruio que pulveriza o sujeito claramente percebida pela teoria freudiana, e que a prtica textual dita de vanguarda, contempornea e posterior ruptura epistemolgica operada pelo marxismo acentua de modo historicamente marcante.

    Mas se o conceito de texto colocado aqui escapa ao do-mnio do objeto literrio solicitado conjuntamente pelo sociologismo vulgar e pelo esteticismo, no se poderia con-fundi-lo com esse objeto plano que a lingstica postula como texto, esforando-se por tomar precisas as regras verificveis de suas articulaes e transformaes. Uma descrio positi-vista da gramaticalidade (sinttica ou semntica), ou da agra-maticalidade, no ser suficiente para definir a especificidade do texto tal como lido aqui. Seu estudo depender de uma anlise do ato significante - de um questionamento das pr-prias categorias da gramaticalidade - e no poder pretender

    Logos, 1923, Trad. em ingls em Reflections on Art, Ed. by S. K. Langer, Baltimore, The Johns Hopkins Press and London, Oxf. Univ. Press, 1959, pp. 10-23). Se, de fato, um texto aplica uma notao rtmica do significante e do significado, obedecendo s leis por ele dadas e assim aparentando conduta cientfica, impossvel identificar os dois tipos de prticas significantes (como o faz H. Read, The Forms of Things Unknown, Lon-dres, Faber & Faber Ltd., 1960, p. 21: "A meta fundamental do artista a mesma do erudito: enunciar um fato [ ... ]No consigo pensar em nenhum critrio de verdade em cincia que no se aplique com o mesmo vigor arte"). Mesmo se no aceitarmos o modo pelo qual Read define a "arte" e a "cincia", subordinandocas enunciao de um fato, e se definirmos suas prticas pelas leis de sua lgica interna, ainda assim a formulao de um texto insere ou no no discurso ideolgico a.operao formulria da cincia contempornea e, como tal, furta-se a toda neutralidade cientfica, a todo sistema de verdade extra-subjetivo, e, port:anto, extra-ideolgico, para se acentuar como prtica includa no processo social em curso.

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  • fornecer um sistema de regras formais que acabariam por en-cobrir totalmente o trabalho da significncia. Este trabalho sempre um a mais que excede as regras do discurso comuni-cativo e como tal insiste na presena da frmula textual. O texto no um conjunto de enunciados gramaticais ou agramaticais; aquilo que se deixa ler atravs da particulari-dade dessa conjuno de diferentes estratos da significncia presente na lngua, cuja mern1ia ele desperta: a histria. Equi-vale a dizer que uma prtica complexa, cujos grafos devem ser apreendidos por urna teoria do ato significante especfico que se representa atravs da lngua, e unicamente nessa medida que a cincia do texto tem qualquer coisa a ver com a descrio lingstica.

    II

    O movimento do conhecimento cientifico, eis o essencial. UlNIN, Cahiers Philosophiqu.es

    Assim sendo, coloca-se o problema de afirmar o direito existncia de um discurso que levasse em conta o funciona-mento do texto e de esboar as primeiras tentativas de cons-truo desse discurso. A semitica parece-nos oferecer hoje um terreno ainda no demarcado para a elaborao desse dis-curso. importante lembrar que as primeiras reflexes siste-matizadas sobre o signo - semeion - foram as dos esticos, e coincidiram com a origem da epistemologia antiga. Opondo-se ao que se julga ser o ncleo da significao, a semitica retoma esse semeion sobre o fundo do longo desenvolvimen-to das cincias do discurso (lingstica, lgica) e de sua su-pradeterminante - a matemtica - e se inscreve como um cl-culo lgico, tal como o vasto projeto leibnizano dos diferentes modos de significar. Vale dizer que o procedimento semitica retoma de alguma fonna o procedimento axiomtico fundado por Boole, de Morgan, Peirce, Peano, Ze1melo, Frege, Rus-sel, Hilbert etc. Com efeito, a um dos primeiros axiomti-cos, Charles Sanders Peirce, que devemos o emprego moder-

    20

  • no do termo semitica7 Mas se a via axiomtica, exportada para fora do domnio matemtico,tende ao impasse subjetivista positivista (consagrado pela Construction logique du monde, de R. Carnap ), o projeto semi tico no fica menos aberto e cheio de promessas. A razo talvez deva ser procurada na acepo de semitica que podemos descobrir nas breves indi-caes de Ferdinand de Saussur. Notemos a importncia que se destaca para ns da semiologia saussuriana:

    A. A semitica construir-se- como uma cincia dos dis-cursos. Para alcanar o estatuto cientfico, ter necessidade, num primeiro tempo, de se fundar numa entidade formal, isto , de destacar uma entidade sem exterior, do discurso reflexi-vo de um real. Tai , para Saussure, o signo lingstico. Sua excluso do referente e seu carter arbitrrio9 aparecem hoje como postulados tericos, permitindo ou justificando a possi-bilidade de uma axiomatizao dos discursos.

    B. "[ ... ] nesse sentido, a lingi:istica pode tomar-se opa-dro gerai de toda semiologia10, embora a lngua seja apenas

    7. "A lgica, em seu sentido geral, creio t-lo mostrado, somente uma outra palavra para semitica (semeiotike ), uma doutrina quase necess-ria ou formal dos signos. Ao descrever a doutrina como 'quase necessria' ou formal, tenho em vista que observamos os caracteres de tais signos como o podemos, e a partir de tais observaes, por um processo que no me recuso a chamar de abstrao, somos levados a julgamentos eminentemente falveis e, conseqentemente, num sentido absolutamente necessrios, relativos ao que devem ser os caracteres dos signos utilizados pela inteligncia "cientfi-ca". "(Philosophical Writings of Pierce, ed. por J. Buchler, 1955, p. 98).

    8. "Pode-se conceber uma cincia que estude a vida dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral; chama-la-emos de semiologia (do grego semeion, "signo"). Ela nos ensinaria em que consistem os signos, quais leis os regem. Como no existe ainda, no se pode dizer o que ela ser; mas tem direito existncia, seu lugar est determinado de antemo. A lingstica apenas uma parte dessa cincia geral; as leis que a semiologia descobrir sero aplicveis lingstica e esta se encontrar, assim, vinculada a um domnio bem definido no conjunto dos fatos humanos. Compete ao psiclo-go determinar o lugar exato da semiologia" ( Cours de Linguistique Gnrale, p. 33; Curso de Lingstica Geral, Cultrix/Edusp, p. 24).

    9. Para a crtica da noo do arbitrrio do signo, cf. E. Benveniste, "Nature du signe linguistique", em Problrnes de Linguistique Gnrale, Gallimard, 1966.

    10. Sobre as relaes semiologia-lingstica, cf. R. Barthes, "lments

    21

  • um sistema particular"ll. Est assim enunciada para a semio-logia a possibilidade de poder escapar s leis da significao dos discursos como sistemas de comunicao, e de pensar outros domnios da significncia. Uma primeira advertncia contra a matriz do signo foi, pois, pronunciada para ser posta em prtica no prprio trabalho de Saussure consagrado nos textos, os Anagrammes, que traam uma lgica textual distin-ta daquela regida pelo signo. O problema do exame crtico da noo de signo impe-se, pois, a toda a empresa semitica: sua definio, seu desenvolvimento histrico, sua validade e suas relaes com os diferentes tipos de prticas significan-tes. A semitica no lograria se fazer a no ser obedecendo totalmente lei que a fundamenta, a saber, desintricao dos procedimentos significantes; isto implica que ela se volte incessantemente sobre seus prprios fundamentos, pense-os e transforme-os. Mais que semiologia, ou semitica, esta cin-cia constri-se como uma cdtica do sentido de seus elemen-tos e suas leis - como uma semanlise.

    C. "Compete ao psiclogo determinar o lugar exato da semiologia", escreve Saussure, e coloca assim o problema essencial: o do lugar da semanlise no sistema das cincias. Hoje, evidente que o psiclogo e mesmo o psicanalista s dificilmente detenninaiiam o lugai da semanlise: essa especi-ficao seria devida, talvez, a uma teoria geral tio funcionamento simblico, para cuja constituio o concurso da semitica in-dispensvel.Dever-se-ia, no obstante, entender a proposio saussuriana como uma advertncia: a semitica no poder ser uma neutralidade formal semelhante da axiomtica pura, nem mesmo da lgica e da lingstica. Explorando os dis-cursos, a semitica participa dessa troca de aplicaes entre as cincias, que o materialismo racional de Bachelard foi um dos primeiros a pensar, e situa-se no cruzamento de diversas cincias, produzidas elas mesmas pelo processo de interpene-trao das cincias.

    de smiologie", em Communicarion, n. 4; J. Derrida, De la Grammatologie, Ed. de Minut (Gramatologia, Ed. Perspectiva), e "Grnmatologie et smiologie" em Information Sur les Sciences Sociales, n. 4, 1968.

    11. F. Saussure, Cours ... , p. 101 (Curso ... , p. 82).

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  • Ora, se se procura evitar conceb-la como um procedi-mento capitalizador do sentido e, por conseguinte, criador do campo unificado e totalizante de uma nova suma teolgica, e para comear a demarcar o lugar semitico, importante pre-cisar suas relaes com as outras cincias 12

    uma relao semelhante quela que une a matemtica s matemticas, mas exposta a uma escala geral, abarcando toda construo significante, a que atribui lugar semitica. Movimento de retirada com relao aos sistemas significantes, portanto, com relao s diferentes prticas significantes que postulam a natureza, produzem textos e apresentam cincias.

    A semitica, ao mesmo tempo, faz parte do corpo das cincias porque possui um objeto especfico: os modos e as leis da significao (a sociedade, o pensamento), e porque se elabora no cruzamento de outras cincias; mas tambm se reserva uma distncia terica que lhe permite pensar os discursos cientficos dos quais faz parte e, simultaneamen-te, para extrair deles o fundamento cientfico do materialis-mo dialtico.

    Na sua classificao das cincias, Peirce reserva um lu-gar particular theorics que situa entre a filosofia e a idiosco-

    12. Depois de Auguste Comte, a filosofia idealista moderna. seja ela subjetivista (a do crculo positivista de Viena, por exemplo) ou objetivista (corno o neotomismo), tenta designar um lugar para a cincia no sistema das atividades humanas e postular relaes entre as diferentes cincias. Inme-ras obras abordam estes problemas (citemos algumas marcando os anos an-tes da renovao psicanaltica e do advento da semitica durante os anos 60 - Neotomistas - J. Maritain. De Bergson Thomas d'Aquin, New York. 1944; M. de Wulf, Jnitiation la Plzilosophie Thomiste, 1949; Nicolai Hai1mann, Phi/osophie der Nature, Serlina, 1950: Gnter Jacoby, Allgemeine Ontologie der Wircklichkeit, B., II. 1955; parn a crtica desses filsofos teo-lgicos cf. G. IGauss, Jesuiten, Gott, Materi2, Berlim. 1957; Neopositivas: Phillip Frank, Philosophie of Science. The Link between Science and Philosophie, New Jersey, 1957; Gustav Berginarin. Philosophie of Scence, Madison, 1957) e tentaram uma classificao das cincias. Outras, seguin-do o ceticismo de J. Venn. Principies Empirical and Jnductive Logik, 1889, recusam-se pensar a unidade diversificada das cincias e renem-se., assim, a um relativismo subjetivo no distante do idealismo objetivo. surpreen-dente, porm, ver que essas filosofias, mesmo nas obras mais recentes. com-preendendo-se a os sucessores da epistemologia magistral de Husser! e dei-xando de lado a revoluo freudiana, evitam colocar o problema do ato

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  • pia 13 ( qual pertencem as cincias fsicas e as cincias huma-nas). A terica uma subclasse das cincias filosficas (lgi-ca, esttica, tica etc.) ao lado daquilo que Peirce chama necessary philosophy e que, segundo ele, pode ser nomeada epistemy porque, nica entre as cincias, realiza a concepo platnica e helnica em geral de episteme".

    Esta subclasse tem apenas duas subdivises que dificilmente podemos classificar como ordens, ou antes, como fail111ias: a cronoteoria e a topoteoria. Esse tipo de estudo est em sua infncia. Pouca gente reconhece que existe outra coisa alm de uma especulao ideal. E possvel que, no futuro, a subclasse seja completada por outras ordens.

    A semitica, hoje, nos parece poder erigir-se como uma tal terica: cincia do tempo (cronoteoria) e topografia do ato significante (topoteoria).

    Instncia que pensa as leis da significncia sem se deixar bloquear pela lgica da linguagem comunicativa, na qual fal-ta o lugar do sujeito, mas incluindo suas topologias no traa-do de sua teorizao, e, com isto, voltando-se sobre si mesma, como por sobre um de seus objetos, a semitica/ a semanlise construir-se-, com efeito, como uma lgica. Mais que uma lgica formal, porm, ela ser talvez o que se pode chamar de lgica dialtica - termo cujos dois componentes neutralizam, reciprocamente, a teleologia da dialtica idealista e a censura dirigida ao sujeito na lgica formal.

    significante tal como a trilha freudiana pennite coloc-lo em questo, em sua origem e sua transformao, e conceber a possibilidade de uma cincia que o teria por objeto.

    A filosofia marxista, em suas tentativas epistemolgicas freqentemente contaminadas por um naturalismo que esquece (portanto, no analisa) a parte do processo significante (do sentido e do sujeito) que produz os conceitos, e, exposta a um evolucionismo inconscientemente hegeliano (Strumiline, La Science et la Dveloppement des Forces Productives, Moscou, 1954), apresentou uma classificao das cincias do ponto de vista do materialis-mo dialtico, na qual, mais do que nas classificaes positivistas, a semitica encontrar seu lugar. (Cf. B. A. Kedrov, Classification des Sciences, t. II, Moscou, 1965, p. 469).

    13. O termo idioscopia emprestado de Bentham e designa "cincias especiais, escreve Peirce, que dependem de uma observao especial e que atravessam ou outras exploraes, ou certas presenas dos sentidos[ .. .)" ("Phi-Josophie and the Science: A Classfication" em Philosophical Writings ... , p. 66).

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  • Operando uma troca de aplicaes entre a sociologia, a matemtica, a psicanlise, a lingstica e a lgica, a se-mitica torna-se a alavanca que orienta as cincias para a elaborao de uma gnosiologia materialista. Pela interven-o semitica, o sistema das cincias v~se descentrado obrigado a se voltar para o materialismo dialtico para per-mitir semitica, por sua vez, ver a elaborao da signifi-cao, isto , produzir uma gnosiologia. O sistema cientfico extrado de sua banalidade, e uma profundidade lhe acrescentada, que pensa as operaes que o constituem -uma verticalidade que pensa o procedimento significante.

    Assim, a semitica enquanto semanlise e/ou crtica de seu prprio mtodo (de seu objeto, de seus modelos, de seu discurso colocados pelo signo) participa de um procedimento filosfico (no sentido kantiano do termo). Ora, o lugar semi-tico exatamente que remaneja a distino filosofia/cincia: nesse lugar, e a partir dele, a filosofia no pode ignorar os dis-cursos - os sistemas significantes - das cincias, e as cincias no podem esquecer que so discursos sistemas significantes. Lugar de penetrao da cincia na filosofia e de anlise crtica do procedimento cientfico, a semanlise delineia-se como a articulao que permite a constituio rompida, estratificada, diferenciada de uma gnosiologia materialista, isto , de uma teoria cientfica dos sistemas significantes na histria, ou seja, da histria como sistema significante. Por isso, digamos que a semanlise extrai o conjunto dos sistemas significantes das cincias, de sua unvocidade no-crtica (orientada para o ob-jeto e ignorando o sujeito), ordena criticamente os sistemas sig-nificantes e contribui, desse modo, para o embasamento no de um sistema do saber, mas de uma srie discreta de proposies sobre as prticas significantes.

    A semanlise, cujo projeto antes de tudo crtico, no se construir como um edifcio terminado, enciclopdia geral das estruturas semiticas, e ainda menos como o topo ltimo, a metalinguagem final e saturada duma imbricao de lingua-gens, onde cada uma toma a outra por plano de contedo. Se tal a inteno da metassemiologia de Hjelmslev14, a sema-

    14. A teoria semitica de Hjelmslev (Prolgomenes une Thorie du

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  • nlise, ao contrrio, rompe a neutralidade secreta da metalin-guagem supraconcreta e superlgica e designa para as lingua-gens as operaes definitivas para lhes atiibuir o sujeito e a histria. Pois longe de compartilhar do entusiasmo da glos-semtica que marcou a belle poque da razo sistematizante persuadida da universalidade de suas operaes transcenden-tais, a semanlise se ressente do abalo freudiano, e, em outro plano, o marxista, o do sujeito e de seu discurso, e sem propor sistema universal e fechado, formaliza para desconstruir. Ela evita, assim, o voltar-se agnstico da linguagem sobre si mes-ma e lhe designa um exterior- um objeto (sistema significante) resistente-, o qual a semitica analisa para situar seu fonna-lismo numa concepo materialista histrica, que toma essa formalizao obliquamente.

    Na etapa atual, hesitante, dividida entre o cientificismo e a ideologia, a semitica penetra em todos os objetos do dom-nio da sociedade e do pensamento, o que significa que ela

    Langage, trad. fr., Ed. de Minuit, 1968), por sua preciso e sua amplitude, e malgrado sua extrema abstrao (tornando-se o anti-humanismo um logicismo apriorstico), , sem dvida, a mais bem-definida dentre as que propem um procedimento de fonnalizao dos sistemas significantes. Exem-plo marcante das contradies internas das cincias ditas humanas, a con-cepo hjelmsleviana da semitica parte de premissas carregadas de ideolo-gia (como a distino substncia/forma, contedo/expresso, imanncia/ transparncia etc.), e atravs de uma srie de decorrncias logicamente defi-nidas, chega metassemiologia que, "na prtica, idntica descrio da substncia". "A distino de Saussure (substncia/forma) e a formulao que dela deu no devem, portanto, levar-nos a crer que os functivos, desco-bertos graas anlise do esquema lingstico, no podem ser considerados, com alguma razo, como sendo de natureza fsica". Ora, esse retorno do formalismo a uma mate1ialidade objetiva parece roar numa posio mate-tialista e continuou no partido oposto da filosofia. Porque Hjelmslev recua diante do problema: "Em que medida possvel, afinal de contas, conside-rar as grandezas de uma linguagem, tanto em seu contedo quanto em sua expresso, como grandezas fsicas?", indaga, para recusar tratar desse pro-blema "que s concerne epistemologia", e para preconizar uma pureza anepistemolgica do dorrnio em que reina a "teoria do esquema lingstico". A teoria hjelmsleviana finalista e sistematizante, reencontra na transcen-dncia o que havia se dado como imanncia e delineia, assim, os confins de uma totalidade fechada, delimitada por uma desctio ap1iorstica da lingua-gem, por bloquear a via para o conhecimento objetivo dos sistemas signifi-cantes, irredutveis linguagem como sistema biplano. Pode-se duvidar de

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  • penetra nas cincias sociais e procura seu parentesco com o discurso epistemolgico.

    D. Se a semitica est apenas em seus primeiros passos buscando-se como cincia, seus problemas esto ainda me-nos elucidados quando aborda esse objeto especfico, o texto que designamos mais acima. raro, se no ausente, que os diferentes tericos e classificadores das cincias considerem seriamente em seus esquemas a possibilidade de uma cincia do texto. Essa zona da atividade social parece estar relegada ideologia, at mesmo religio15

    De fato, o texto precisamente aquilo que no pode ser pensado por todo um sistema conceitua!, que fundamenta a inteligncia atual, pois ele exatamente que delineia seus li-mites. Inteuogar que delimita o campo de uma certa lgica cognoscente justamente pon.iue dela est excludo; aqui-lo que permite, por sua prpria excluso., o prosseguimento de uma inteiTogao que no o v e nele se apia: eis, sem dvida, o passo decisivo que deve ser tentado por uma cin-cia dos sistemas significantes, que os estudaria sem admitir a excluso daquilo que a torna possvel - o texto - e sem se apropriar dele ao medi-lo com os conceitos de seu interior (como estrutura, ou, mais especificamente, neurose, perver-

    que o conceito de conotao possa provosar a abe1tura do sistema assim fechado. As pesquisas posteriores a Hjemslev sobre o signo literrio (conotativo) alcanaram construes mecfmicas complexas que no rom-pem a cerca do signo-limite da denotao, Mais profundamente, os concei-tos de base contedo e expresso descrevem o signo para fix-lo e so coextensivos a seu domfnio, mas no lhe atravessam a opacidade; quanto ao conceito de texto como processo, praticnmente afastado pelo de lngua como sistema, que o encampa,

    15. O fonnalismo russo foi, sem dvida, o p1imeiro a abrir o caminho para urna semitica dos textos literrios. A 'eu positivismo fenomenolgico juntou-se a tmida tentava do crculo lingstico de Praga de esboar uma semitica da literatura e; das art~s, marcad

  • so etc.), mas marcando, de sada, essa alteridade, sem exte-rior. E assim, nesse sentido, que esta cincia ser materialista.

    evidente, portanto, que designar o texto como fazendo parte dos objetos de conhecimento de uma semitica um gesto cuja ousadia e dificuldade no desconhecemos. Parece-nos, contudo, indispensvel prosseguir com esta pesquisa, que, a nossos olhos, contribui para a construo de uma semitica no bloqueada pelos pressupostos das teorias da significao que ignoram o texto como prtica especfica; e que, por isso, ser capaz de refazer a teoria da significncia que se tomar, assim, uma gnosiologia materialista. Essa contribuio dever-se- ao fato de que, com relao ao texto, e em virtude das particularidades deste objeto, a semitica, mais que em ou-tros domnios, obrigada a se inventar, a rever suas matrizes e seus modelos, a refaz-los, e a dar-lhes a dimenso histrica e social que os constri em silncio ..

    O texto confronta a semitica com um funcionamento que se coloca fora da lgica aristotlica, exigindo a construo de uma outra lgica, e impelindo, assim, ao mximo - ao exces-so - o discurso do saber, obrigado, conseqentemente, a ceder ou a se reinventar.

    Equivale dizer que o texto prope semitica uma pro-blemtica que atravessa a opacidade de um objeto significante produto, e condensa no produto (no corpus lingstico pre-sente) um duplo processo de produo e de transformao de sentido. neste ponto da teorizao semitica que a cincia psicanaltica intervm para dar uma conceitualizao capaz de apreender a figurabilidade na lngua atravs do figurado16

    Questionando a psicanlise, a semanlise pode "desobje-tivizar" seu objeto: tentar pensar, na conceitualizao que pro-

    16. A teoria freudiana da lgica do sonho, deslocando-se entre o cons-ciente e o inconsciente pela anlise da srie de operaes de produo e de transformao que toma o sonho irredutvel ao discurso comunicado, indica a direo que a semitica do texto poderia elaborar. Assim: "O trabalho ps-quico na formao do sonho divide-se em duas operaes: a produo dos pensamentos do sonho, sua transformao em contedo do sonho[ ... ] esse tra-balho, que verdadeiramente o do sonho, difere muito mais do pensamento no estado de viglia do que acreditaram mesmo os tericos mais obstinados em reduzir a parte da atividade psquica na elaborao do sonho. A diferena

    28

  • pe desse objeto especfico, um corte vertical e no limitado por origem nem por fim, restabelecendo a produo da signi-ficncia, na medida em que essa produo no causa do produto, sem se contentar com uma organizao supe1ficial de uma totalidade objetual.

    As cincias matemticas, lgicas e lingsticas oferecem modelos formais e conceitos operacionais a essa empresa; as cincias sociais e filosficas detenninam as coordenadas de seus objetos e situam o lugar de onde fala sua pesquisa. Pro-pondo, assim, uma formalizao, reduzir a ela, mas represen-tando sempre seu teatro, isto , inscrevendo as leis de um tipo de significncia, a cincia do texto uma condensao, no sentido analtico do termo, da prtica histrica - a cincia da figurabilidade da histria:

    reflexo sobre o processo histrico, de forma abstrata e te1ica conseqente, reflexo corrigida, mas segundo as leis que o prprio processo histrico real nos prope, de modo que cada momento possa ser considerado do ponto de vista de sua produo, de onde o processo atinge sua maturidade plena e sua fmma clssica 17

    Os estudos que se seguem, elaborados ao longo de dois anos, e cuja desigualdade ou contradies esto relacionadas s etapas sucessivas de um trabalho nem definitivo nem aca-bado, testemunham uma tentativa primeira de elaborao te-rica que seria contempornea prtica textual atual e cin-cia das significaes de nossos dias. Eles tentam apreender atravs da lngua aquilo que estranho a seus hbitos e desor-ganiza seu conformismo - o texto e sua cincia -para integr-lo na construo de uma gnosiologia materialista.

    entre essas duas formas de pensamento uma diferena de natureza, razo pela qual no podemos compar,las ( .. .]" (L'lnte1prtation des Rves, PUF, 1926 [1967] p. 432).

    17. Marx e Engels, Oeuvres Choises, t. I, Gosposlitisdat, Moscou, 1955, p. 332.

    29

  • 2. A SEMITICA, CINCIA CRTICA E/OU CRTICA DA CINCIA

    Num movimento decisivo de auto-anlise, o discurso (cien-tfico) orienta-se, hoje, para as linguagens para extrair seus (delas/dele) modelos.

    Em outros termos, j que a prtica social (isto , a econo-mia, os costumes, a arte etc.) considerada um sistema signi-ficante estruturado como uma linguagem, toda prtica pode ser cientificamente estudada enquanto modelo secundiio em relao lngua natural, modelada sobre essa lngua e mode-lando-a1.

    nesse ponto exatamente que a semitica se articula, ou melhor, atualmente se procura.

    Tentaremos destacar aqui algumas das particularidades que lhe asseveram um lugar preciso na histria do saber e da HJeo1ogia, pois, a nosso ver, esse tipo de discurso marca maci-

    l. Cf. Troudy po Z11adovy11 Sistemam (Trabalhos Sobre os Sistemas Significantes), Tartu, Estnia, URSS, 1965,

    31

  • amente o processo de subverso cultural que nossa civiliza-o est prestes a sofrer. Particularidades que explicam a hos-tilidade mal camuflada da palavra (da conscincia) burguesa em suas mltiplas variantes (do esteticismo esotrico ao cien-tificismo positivista, do jornalismo liberal ao engajamento limitado), que declara ser esta pesquisa obscura, gratuita, esquemtica ou empobrecedora quando ela no recupera, como margem inofensiva, os produtos menores, no que uma investigao em curso no deixa de falhar.

    Face expanso (e contestao) da semitica, neces-sria uma teoria de seu procedimento que a situe na histria da cincia e do pensamento sobre a cincia e que se ligue pesquisa epistemolgica que o marxismo hoje o nico a empreender com a seriedade dos trabalhos de (e inspirados por) Louis Althusser. As notas que se seguem so apenas uma anfora (um gesto de indicao) dessa necessidade. Falare-mos, pois, menos no que a semitica do que o que nos pare-ce poder fazer.

    A Semitica como Modelagem

    A complexidade do problema comea desde a definio dessa pesquisa nova. Para Saussure, que introduziu o termo (Cours de linguistique gnrale, 1916), a semiologia deveria designar uma vasta cincia dos signos, da ql1.~1!.!!l}~,l~stica

    s~~~'~R~~a~~~a arte. . desca,1iD2~~~-~~~~~ITI~: i,~~!1E~;;!;lR:e ,,_~~~~~-4? .. ~~!eto~s1~().d~,J~2!~gia (gesto, som,1rna,g,~rn etc'..; ~te~s1ffe a,~-e~onhec1mento atr::r~~s~~1f~i~~/'s~gik~~'!u lilnrgti'!stc~mr~parte, mesmo pdvilegiada, da cincia geral dos signos, mas a

    sernologiaqueepfl"e"d'"'IiirgtffS'fte~ffn:rittrprema.nente, aqu~I~:i:&.s~.sl~~fsgnrns'Uicfil:~ant~.d(). ~~~IJ;{S0"3 . No poderemSrofquf"s vantagens

    2. "A semiologia chamada a encontrar, cedo ou tarde, a linguagem (o verdadeiro) em seu caminho no somente a ttulo de modelo, mas tambm a ttulo de componente, de relais ou de significado" (R. Barthers, lments.de smiologie, Communication, 4).

    3. ldem.

    32

  • e desvantagens dessa inverso4 a nossos olhos muito pertinente, e que exige, por sua vez, modificaes em virtude das prprias aberturas que permitiu. Seguindo aqui J. Derrida, assinalare-mos as limitaes cientficas e ideolgicas que o modelo fonolgico arrisca impor a uma C~,i,Sll~~i~l!J!19jl~J v.r-

    tic~"'$.~9,~Jiv-&~tjr!ls .... Mas fixaremos o gesto de base da semitica. ~a uma formalizao, uma produo de modelos5 Assim~quando dissermos semi.tic.ik12ensaremos na elabora-

    , :.-'1"'-~""'..,;"")!o;i:\~>;:,.,'''i.,-,.'w:& ti ~ ~- "-

  • na particularidade que a distingue dentre as outras "cincias"8. Os modelos que a semitica elabora, como os modelos das cincias exatas, so representaes9 e, como tais, realizam-se nas coordenadas espao-temporais. Ora - e surge a distino das cincias exatas -, a semiti~a .. tambm a. prQdlJ.o da t.eori(l da D1odelagell1 Cjl}e ela:riia te
  • pesquisa semitica pe1manece uma pesquisa que no encon-tra nada ao fim dela ("nenhuma chave para mistrio algum", dir Lv-Strauss), a no ser seu prprio gesto ideolgico, para dele tomar nota, neg-lo e recomear outra vez. Tendo, de incio, um conhecimento corno meta, acaba por obter como resultado de seu trajeto uma teoria que, sendo ela prpria um sistema significante, remete a pesquisa semitica a seu ponto de pa1tida: ao modelo da prpria semitica, para critic-lo ou inve11-lo. Isso para dizer que a fazer

    representam particulares, das quais cada uma tem um antes e um depois, ou, mais exa-tamente, cada uma tem apenas um antes, e revela seu depois no prprio silogismo"w. A prtica semntica rompe com essa viso teleolgica de uma cincia subordinada a um sistema filosfico e, por isso mesmo, destinada a tornar-se, ela mes-ma, um sistema11 Sem se converter num sistema, o lugar da semitica, enquanto lugar de elaborao de modelos e de teo-rias, um lugar de contestao e de autocontestao: um "cr-culo" que no se fecha. Seu "fim" no reencontra seu "come-o", mas o rejeita, faz oscilar e se abre a outro discurso, ou seja, a outro objeto e a outro mtodo; ou melhor, no h mais nem fim nem comeo, o comeo um fim e vice-versa.

    10. Hegel. Science dela Lagique, Aubier, 1949, t. II, p. 571. lL "O contedo do conhecimento entra, como tal, no crculo de nos-

    sas consideraes, pois, enquanto deduzido, ele pertence ao mtodo. O pr-

    35

  • Toda semitica, portanto: ~~pode se fa~yJep9uanto crtica da sem1tica. Ponto morto das dncis~ a s~~id'(;'" a cons. cienia dessa morte e o relanamento do cientfico com essa conscincia; menos (ou mais) que uma cincia, ela , sobretu-do, o ponto de agressividade e de desiluso do discurso cien-tfico no prprio interior desse discurso. Pod~u;~7twstentar'}!J5t .. a ,semitica essa cincia da ig~ol9gia, c0~0 se

    ,,,:.: ... ,. _J''"';t'/ ;.\ , :> .'";:"'< ., . /".-.. _ . ... - : .. --;-,"-;>" -.,: ... :'l"//.'",< '>- -''"'' -""'' ., ,r ,_,.,,, ... ,e;;,'. ,, sug~riJ1 .. P~ ~us"sia1~v?l~folri~ia'..~:. fl'l~ tafl'lbmUfl'l i~~olog~a.~~; i~l1cia~. "

  • tifica a exatido e a pureza do discurso das ci~J1Cias ditas hu-m.arl(lS. Ela subverte as premissas exatas de o~d~;art~~p;~

    ~~d.imento cientfico, de modo que, na semitica, a lingsti-ca, a lgica e a matemtica so premissas subvertidas que nada tm (ou tm muito pouco) a ver com seu estatuto fora da semitica. Longe de serem unicamente o estoque de emprs-timos de modelos para a semitica, tais cincias anexas so tambm o objeto recusado da semitica, o objeto que ela re-cusa, para se constrnir explicitamente como critica. Termos matemticos, como teorema da existncia ou axioma da es-colha; fsicos, como isotopia; lingsticos, como competn-cia (comptence), desempenho (performance), gerao, anfora; lgicos, como disjuno, estrutura ortocomplemen-tar etc. podem adquirir um sentido alterado quando aplicados a um novo objeto ideolgico, como, por exemplo, o objeto que elabora para si uma semitica contempornea, e que diverso do campo conceitua! no qual os termos respectivos foram concebidos. Jogand,9 CQUM nq~idadeJ!;)'lii_07/10)!.i.dade;ccOm essa dif~rena de s~ntido de l1Il1 mesmo termo em difere11tes. c'oiifextoi't~iicos, a sel11iti~a. d~s~~11da .como a

    ci~.i~p~ss~.n~rn~i~eolg~. ,;O o~j~tq,q9~.9:~e~gsffG()nservar ain4.

  • dos termos, por que empregar uma terminologia que j possui um emprego restrito?

    Sabe-se que toda renovao do pensamento cientfico fez-se atravs e graas a uma renovao da terminologia: no h inveno propriamente dita, a no ser quando um termo novo surge (quer seja o oxignio ou o clculo infinitesimal). "Todo aspecto novo de uma cincia implica uma revoluo nos ter-mos tcnicos (Fachausdrcken) dessa cincia[ ... ] A econo-mia poltica contentou-se, em geral, em retomar, tais e quais, os termos da vida comercial e industrial, e em operar com eles, sem se dar conta de que, com isso, ela se fecharia no crculo estreito das idias expressas por esses termos [ ... ]"15 Considerando hoje passageiros o sistema capitalista e o dis-curso que o acompanha, a semitica - quando pensa as prti-cas significantes em seu percurso crtico - serve-se de termos diferentes daqueles que empregavam os discursos anteriores, das cincias humanas. Ren logia humanista e subjetivis

    A Semitica e a Produo

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    ~J~ . ~.m.,g~!i!YIW?&~2,l;~l? da semitica como um nvel semitico:.co ra n sonde

    2Jlif~~~J:z!U,?,~i~ .. "~-"- , . ...----~e. Na a me-lhor que essa definia par aes1gnT a novidade do procedi-mento semitico em relao s cincias humanas preceden-tes e cincia em geral: uma novidade pela qual a semitica

    15. Engels, prefcio edio inglesa de O Capital, 1866 (citado por Louis Althusser, op. cit., p. 112).

    38

  • se lga ao procedimento de Marx quando apresenta uma eco-nomia ou Ul1}
  • examinado igualmente sob o ngulo dessa troca. Por conse-guinte, Marx le,vado a.estudar trabalho enquanto vafor, a adotar a di~tino valor de uso:vlor de. troca e - smpre se-guinlo as leis da sodedade capitalista - estudar apenas o ltimo. A anlise m
  • -~--~----------------------------

    ~u~QJ!Jei;m~;~~~!llS~~~:;{:~\~~.~~I;I~iI1!~hve!~~~~~~~,J:1

  • Foipr.~is99}pQgQq~~~.ny,qlvip;i~o,tP gai~nciaqodi,~curs?, da~Ieis .. qe suas. l?e~~ut~c?~s.e. ge ~.u~.~ an~l~e~; foi ne-cessri~uma lo~ga fi'.ie
  • mo Ricardo considerava a mais-valia do ponto de vista da dis-tribuio e do consumo) ou, ento, abrir no interior da problem-tica da comunicao (que , inevitavelmente, toda problemtica social) essa outra cena, que a produo de sentido anterior ao sentido.

    Se adotamos o segundo caminho, duas possibilidades se ofe-recem: ou se isola um aspecto mensurvel, portanto representvel, do sistema significante estudado sobre o pano de fundo de um conceito no-mensurvel (o trabalho, a produo, ou o grama, o trao, a diferena); ou se tenta construir uma nova problemtica cientfica (no sentido designado anteriormente de cincia, que tambm uma teo1ia) que este novo conceito no deixa de suscitar. Em outros termos, no segundo caso tratar-se-ia de construir uma nova cincia depois de haver definido um novo objeto: o traba-lho como prtica semitica diferente da troca.

    Vrias manifestaes da atualidade social e cientfica jus-tificam, e at exigem, uma tentativa desse tipo. A irrupo do mundo do trabalho na cena histrica reclama seus direitos contra o sistema de troca, e exige do conhecimento a inverso de sua perspectiva: no mais troca fundada na produo, mas produo regulada pela troca.

    A prpria cincia exata j se defronta com os problemas do no-representvel e do no-mensurvel; tenta pens-los no como desvios relativamente ao mundo observvel, mas sim como estmtura de leis particulares. No estamos mais no tem-po de Laplace, quando se acreditava na inteligncia superior, capaz de englobar "na mesma frmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais imperceptvel tomo: nada seria incerto para e o futuro, assim como o passado, estariam presentes aos nossos olhos"22. Arn~J;caci.os qum-ta per.ce}JeJp,~e. pg~~9 dis,curso .(aJ.11telig ~ncjq). pr~

  • modelos, lgicos e matemticos, de formalizao. Herdeira des-sa infiltrao do pensamento cientfico no interior do no-repre-sentvel, a semitca da produ~o 'ser\ili,'sem dtV"ida, dos modelos que as i,ncias exatas elal(orar;i,u:. \a lqgica r[li~alente, a topologia). Mas porqu~ u"ma ~i~ncia-teoria do disc~rso e, portanto, de si mesma; porque tende a tomar o caminho dinmi-co da produo antes do prprio produto e, portanto, rebelde representao que se utiliza sempre de modelos (representati-vos), recusa a fixar a prpria formalizao que lhe d corpo, revolvendo-a incessantemente atravs de uma teoria inquieta do no-representvel (no-mensurvel), a semitica da produo acentuar a alteridade de seu objeto com relao a um objeto de troca (representvel e representativo) abordado pelas cincias exatas. Ao mesmo tempo, ela acentuar a subverso da termino-logia cientfica (exata), orientando-a para esse outro quadro do trabalho antes do valor que hoje dificilmente entrevemos.

    aqui que se el!cqptra a lif(c;11!gagr~~pcl.~-~I~~ :S efe~ivamente i1;1possv(;(l aPreeJ!~erge gu~~fala uma semitica dssa nat'ureia' qy_,i~do coloca o probl~ma de uma produo que n~ equivale f1:'om~iiia9,.~as qg,e se faz sempre atravs dela, Se no aeitarrnQS essa ruptu;a que

    , '' ~ , ' ~ ,_ 'li ''q' ."'' , , e,.,"' .. , ''

    separa claramente Jll".Q.bl~P1~.tica d~ t~\?.S,~~ cjg,~:'.l~llho, Entre as mltiplas conseqncias que tal abordagem semitica no deixa de ter, assinalemos uma: ela substitui a cop~po de uma historidade linear pela necessidade de estabelec~xuma tipfogia d~s p;ti~as significantes segurido os model~s parti-

    cuTre,~ de produc;: .a~ senti d que as fun

  • constituiriam talvez o que se chamou de histria monumen-tal, "na medida em que ela 'faz fundo', de modo literal, com relao a uma histria 'cursiva', figurada (teleolgica)"25

    Semitica e "Literatura"

    No campo assim definido da semitica, a prtica dita li-terria ocupa um lugar privilegiado?

    aq1,1elaproblemtica da proql1o semitica nova se qloca e, conse.qiieJ1temente. s te!llinteresse na Illedi-da em que ela (a [ir:atura) considerada em sua irredutibili-dade ao objeto da ling~ti

  • Tod9 texto lit~.rrio J!Ode ser encarado como prndutivi-dade. 01:a, a histna Iite~ria, desde o fim do sculo XX, oferece textos modernos que, em suas prprias estruturas, pensam-se como produo irredutvel representao (Joyce, Mallarm, Lautr,mnont,Roussel). Por isso, uma semitica da pi;qdu~ij_q deve ab,ordar e~pes t~xtos,]ust1Ilent~ P~~ 1Si~-~1Il prtica es~ritural. v9lt(.ld.
  • 3. A EXPANSO DA SEMITICA

    Assistimos h alguns anos a um curioso fenmeno do dis-curso cientfico, cuja significao social est por explicar e cujo vulto no pode ainda ser avaliado. Depois das aquisi-es da lingstica e, mais especialmente, da semntica, a se-mitica, engendrada por essas aquisies, amplia mais e mais a rea de suas pesquisas, e essa ampliao acompanhada de um questionamento ao mesmo tempo dos pressupostos do dis-curso filosfico clssico que organiza hoje o espao das "cin-cias humanas" e dos prprios princpios de onde a semitica (portanto, a lingstica moderna) partiu.

    O estudo estrutural das lnguas naturais forneceu aos se-mioticistas mtodos aplicveis s outras prticas semiticas. Foi por ele que a semitica se fom1ou antes de encontrar sua razo de ser no estudo das prticas semiticas, que no se-guem aquilo que a lingstica acredita ser a lgica do discurso natural, regulamentado pelas normas da comunicao utilit-ria (pela gramtica). A semitica encontra-se, pois, como o

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  • ponto de pai1ida do qual a cincia podia recuperar prticas significantes por longo tempo ocultas, postas margem da cultura europia oficial, declaradas irracionais ou perigosas para uma sociedade obediente s leis unvocas e lineares da palavra e da troca. Hoje a semitica orienta-se para o estudo da magia, das predies, da poesia, dos textos sagrados, dos ritos, da religio, da msica e da pintura rituais para descobrir em suas estruturas dimenses que a linguagem da comunica-o denotativa impede. Nesse procedimento, ela ultrapassa as fronteiras do discurso europeu e ope-se aos complexos semiticos das outras civilizaes, tentando escapar, desse modo, a uma tradio cultural can-egada de idealismo e de mecanicismo. Esse alargamento da esfera de ao da semiti-ca coloca o problema do instrumento que dar acesso s pr-ticas semiticas, cujas leis no so aquelas da linguagem denotativa. A semitica procura esse instmmental nos forma-lismos matemticos e na tradio cultural das civilizaes lon-gnquas. Prepara, assim, os modelos que serviro um dia para explicar as estruturas sociais complicadas, sem reduzi-las s estruturas das civilizaes que atingiram discursos altamente semiotizados (ndia, China).

    Os trabalhos dos semioticistas soviticos recentemente publicados testemunham tais preocupaes. O lugar de van-guarda ocupado pelo grupo da Universidade de Ta11u, na Estnia 1 Suas pesquisas referem-se, sobretudo, aos sistemas modeladores secundrios, isto , s prticas semiticas que se organizam sobre bases lingsticas (sendo a linguagem denotativa o sistema primrio), mas que se constituem em es-truturas complementares, secundrias e especficas. Por con-seguinte, esses sistemas modeladores secundrios contm, alm das relaes prprias s estruturas lingsticas, relaes de um segundo grau e mais complexas. "Decorre da que um dos problemas fundamentais colocado pelo estudo dos siste-mas modeladores secundrios o de definir suas relaes com as estruturas lingsticas. necessrio, pois, determinar o

    1. Trudy po Znakovym Sistemam (Trabalhos sobre os sistemas sgnicos) II, Tartu, 1965; a obra de que falamos aqui e mais adiante faz parte da cole-o sobre os problemas semiticos publicada pela Universidade de Tartu.

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  • contedo do conceito 'estrutura lingstica'. Evidentemente, todo sistema de signos, inclusive o sistema secundrio, pode ser considerado corno uma lngua particular, cujos elementos mnimos - o alfabeto do sistema - precisam ser isolados, se desejarmos definir as regras de suas combinaes. Segue-se que todo sistema de signos pode, em princpio, ser estudado por mtodos lingsticos, o que define o papel particular da lingstica moderna como metodologia. No entanto, preciso distingir esses 'mtodos lingsticos' (no sentido lato da pala-vra) de certos princpios cientficos, prprios aos hbitos operacionais relativos s lnguas naturais, que so somente uma variante especfica e particular dos sistemas lingsticos. a afirmao desse princpio que possibilita a pesquisa das particularidades dos sistemas modeladores secundrios e dos meios a adotar para seu estudo"2

    No nos perguntaremos aqui se a estrutura das lnguas naturais diferente da estrutura dos sistemas modeladores secundrios. A diferena patente se, pelo termo estrutura lingstica, compreendermos a estrutura da lngua da comuni-cao usual (denotativa). Contrariamente, a distino deixa de ser vlida se considerarmos a estrutura da linguagem como uma infinidade potencial, apreensvel tanto nas redes lings-ticas da linguagem potica quanto nas prticas semiticas marginais e ocultas pela civilizao europia oficial. Em con-seqncia, o interesse do postulado de distintividade reside no fato de ele pennitir o estudo das prticas semiticas3 dis-tintas das lnguas naturais indo-europias, pronto a voltar, mais tarde, ao mecanismo do devir propriamente lingstico e a apreend-lo em seu funcionamentopolivalente, irredutvel aos procedimentos atuais das lingstcas. Para ns, a distino lgica lingstica/lgica dos sistemas secundrios s opera-cional. Permite semitica de hoje construir-se como supra-lingstica e partir em busca de l) uma metodologia que no se satisfaa com a anlise lingstica e 2) um objeto cuja es-

    2. Idem, ibidem. 3. Preferimos o tenno prtica ao termo sistema, empregado pelos semio-

    ticistas soviticos, na medida em que: 1) aplicvel a complexos semiticos no-sistemticos; 2) indica a insero dos complexos semi ticos na ativida-de social considerada como processo de transformao.

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  • trutura no seja redutvel da linguagem denotativa (sistemas modeladores secundrios).

    Com essa finalidade, os semioticistas de Tartu utilizam a notao e os conceitos da lgica simblica ou matemtica e os da temia da informao. Os sistemas secundrios estuda-dos so dos mais simples: poesia, cartomancia, adivinhas, -cones, notao musical etc. Mas, por mais simples que sejam, oferecem espcimens interessantes de estruturas cibernticas supercomplexas (superiores aos sistemas cibernticos; com-plexos do tipo estudado pela biologia). Os procedimentos de acesso a esses sistemas supercomplexos esto longe de ser elaborados - a lgica simblica e a teoria da informao no parecem permitir uma abordagem eficaz. preciso, entretan-to, valorizar o esforo realizado para encontrar uma lingua-gem exata e rigorosa, adaptada s prticas semiticas de uma organizao diferente daquela da linguagem denotativa codi-ficada. preciso, sobretudo, isolar as rupturas epistemol-gicas e ideolgicas, sugeridas ou j realizadas, ao longo da-quelas atividades semiticas.

    Contra o Signo

    A problemtica do signo (os semioticistas soviticos re-ferem-se, mais freqentemente, s temias de Peirce e de Fre-ge) est longe de se apresentar como esgotada. Ela permitiu o estudo das estruturas lingsticas independentemente de seus referentes e a descoberta das relaes significantes no prprio interior dos complexos semiticos. Nem por isso, a problem-tica do signo deixa de ser um pressuposto metafsico que difi-culta muitas vezes as pesquisas ulteriores. Na Frana, as limi-taes do simbolismo j foram assinaladas. Sem formul-las explicitamente, os semioticistas soviticos as deixam ouvir e do incio a uma superao ditada, de um lado, pela ideologia marxista e, de outro, pela ampla abertura da pesquisa em dire-o s prticas semiticas ocultas.

    Examinemos essas limitaes do simbolismo mais de perto. A noo de signo comporta uma distino simblica/no-

    simblica correspondente antiga diviso esprito/mat1ia e

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  • impede o estudo cientfico dos fenmenos ditos do esprito. Parece necessrio para certos estrnturalistas abandonar o sig-nificado relativo ao referente e, por razes de rigor cientfico, ater-se somente ao domnio do significante. A temia da comu-nicao prende-se a procedimento idntico. Esse procedimen-to, no entanto, na medida em que pressupe o signo, implica um idealismo, independentemente das intenes daqueles que o praticam. O crculo vicioso s pode ser abolido com a con-dio de limitar, de modo preciso, a esfera G bastante limita-da) dos atos significantes, qual a noo de signo pode ser aplicada sem tentar incluir no molde da problemtica do sig-no todas as prticas semiticas.

    Um estudo da histria do discurso ocidental mostrar que a apario lenta, porm tenaz, da noo de signo como algo diferente da prtica socialmente definida e limitada. Essa noo posterior ao sincretismo e inexistente nas sociedades arcaicas. Aplica-se, integralmente, s normas simblicas que fazem e consolidam todas as variantes da sociedade europia moderna (o discurso cientfico, a literatura representativa etc.), mas impotente face s prticas serniticas que se afastam das normas ou tendem a modific-las (o discurso revolucion-rio, a magia, o paragramatismo ). Conseqentemente, a proble-mtica do signo enquanto meio de explicao e de recuperao pode ser eficaz apenas para o estudo de estruturas de ordem sincrtica, isto , de estruturas que desconhecem a noo de signo. Comprovam-no os trabalhos de Lvi-Strauss consagra-dos a tais estruturas. Poder-se-ia supor que o simbolismo enquanto mtodo cientfico aplicvel de modo absoluto s prticas serniticas que derivam das normas que formam e consolidam as variantes da sociedade moderna (o discurso cientfico, a literatura representativa, a linguagem da comuni-cao corrente e consciente). Isto s relativamente verda-deiro, pois os sistemas simblicos normativos que acabamos de mencionar inte1ferem em outras prticas semiticas no-normativas (as que Toporov designa como "abordagens hipersemiticas do mundo")4. Por conseguinte, toda tentativa

    4. V. N. Toporov, "Para uma semiologia das predies em Suctnio, em Trudy ... , op. cit., p. 200.

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  • de simbolizao das prticas semiticas de uma sociedade ps-sincrtica uma reduo dessas prticas, uma eliminao de suas dimenses no-simblicas. Estruturado enquanto dicotomia (signo = no-prtica), o simbolismo projeta essa dicotomia sobre o objeto estudado, apresentando-o estruturado como uma dade. Por outro lado, os modelos simblicos pe-netram nas prticas semiticas no-normativas e exercem sobre elas uma retroao modificante, reduzindo-as a uma norma e a um simbolismo. Esse processo vlido para o conjunto das prticas semiticas de nosso complexo cultural - observado tambm nos quadros de cada prtica semitica tomada isola-damente, as quais, em nossa sociedade alicerada na troca, no podem jamais estar a salvo do simbolismo: elas so, a rigor, ambivalentes, simultaneamente smbolo e prtica. o caso, por exemplo, da literatura europia a partir da Renas-cena.

    O modelo do processo descrito acima corresponde aspiral hegeliana:

    Sociedade ps-sincrtica II

    Sociedade ps-sincrtica I Signo* prtica (S = P)

    Conceito didico 1 (oposicional, exclusivo)

    Modelo simblico I ---~ Simbolizao+ normalizao

    (explicao da prtica semitica+ retroao sobre ela)

    Conceito didico II ___ _, Modelo sunblico II

    A ruptura dessa espiral s pode sobreviver quando as pr-ticas semiticas no-normativas (no-simblicas) so exercidas conscientemente como tais (co_!!lo no-simblicas), e destroem o postulado primordial S = P. Observamos hoje

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  • esse jogo consciente dos. conjuntos semi ticos como prticas, mesmo quando os discursos marginais e considerados passi-vos (expresso ou reflexo) na nossa civilizao se reativam e impem suas estruturas aos sistemas explicativos. Na litera-tura encontramos exemplos disso na escritura de um Lautra-mont, de um Mallarm, de um Jarry, de um Roussel: uma es-crita consciente de construir uma nova semntica. A retomada desta outra semntica por um sistema explicativo (pela se-mitica) obrigar-nos- a fazer novas dcoupages e modifica-r nosso modelo global do mundo. Os semioticistas soviti-cos j se orientavam para o estudo de tais textos nevrlgicos. Segal e Tsivian (p. 320) examinam a semntica da poesia in-glesa do contra-senso. De seu lado, Toporov estuda a semitica das predies em Suetnio para descobrir que a histria (um dos discursos mais prximos do simbolismo) tem tambm um estatuto secundrio, modificador. Uma anlise pertinente desse gnero foi feita por Zegin sobre os Felskonstruktionen (em russo, iconnye gorki) na pintura antiga: o autor estuda as uni-dades espaciais e temporais da pintura fora da representao simblica (p. 231). Abordando uma prtica semitica sim-ples, a cartomancia, Lekomsteva e Uspenski encontram em cada unidade (cada carta) no um sujeito ou um sentido, mas um elemento que s se toma inteligvel num contexto, portan-to, uma espcie de hierglifo que s se l em relao aos ou-tros (p. 94).

    Se um abalo do signo se esboa, no , entretanto, ainda assumido a ponto de tomar-se uma metodologia conseqente. Duas vias simultneas se oferecem com vistas eliminao da espiral hegeliana do procedimento simblico que acaba-mos de descrever e cuja ineficcia tanto mais grave quanto mais sem sada . Essas vias so: 1) o mtodo axiomtico, nica abordagem cientfica que escapa atomizao e ao pos-tulado da inteligibilidade do signo em virtude de colocar a inteligibilidade nas articulaes e no nos resultados; 2) are-cusa a assimilar todas as prticas semiticas a uma problem-tica Signo= no-prtica (e, conseqentemente, dicotomia signo/no-signo). Podemos distinguir, desde j, diversas pr-ticas semi ticas: o sistema normativo simblico, a prtica se-mitica transformativa, a prtica semitica paragramtica.

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  • Analisando as linguagens do budismo5, Mll fala de sistema, de via e de via zero.

    Uma axiomatizao terica, que ser uma abordagem cien-tfica (simblica) aberta, poder estudar as diferentes prti-cas semiticas como sistemas de relaes, sem se preocupar com a problemtica do signo, sendo sua meta apenas apreen-der o funcionamento de seus objetos, no sentido de uma dialtica do sujeito e do objeto, ou seja, da inter-influncia sujeito-objeto, possvel depois da eliminao do postulado simblico S=P.

    O Isomorfismo das Prticas Significantes

    A noo de signo se apaga, sobretudo, numa perspectiva marxista quando a cincia se ope s estruturas sociais, assim como as prticas semiticas abordveis a partir de uma base lingstica. Ento surgem as contradies entre o procedimento semitico e um raciocnio herdeiro do idealismo e da teleologia hegeliana. Os vestgios de uma concepo no-cientfica das prticas semiticas persistem sob a capa de uma abordagem que se diz marxista e que continua a considerar as artes como espaos alienados, ou seja, no-produtivos, mas expressivos ou ilustrativos. Quando tal concepo encontra a semitica, os contra-sensos no deixam de aparecer. Assim, os semioti-cistas soviticos tendem a estudar a pintura utilizando a teoria da informao (portanto, como um complexo de articulaes significantes), mas, ao mesmo tempo, tendem a explic-la como dependendo causalisticamente do modo de trabalho da sociedade. "A principal funo pragmtica da arte (na socie-dade agrcola) consistia em ultrapassar as tendncias indivi-duais e arcaicas do comportamento (nocivas numa dada cul-tura) e em criar o modelo psquico para uma espera longa e paciente dos frutos do trabalho investido"6 Esse exagero

    5. L. Mali, "A via zero". Em Trudy .. ., op. cit., p. 189. 6. L. Pereverzev, "O grau de redundncia como ndice das particulari-

    dades estilsticas da pintura nas sociedades primitivas", em Trudy .. ., op. cit., p. 217.

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  • leva1ia a uma eliminao dos detalhes e a uma operao utili-zadora de um nmero mnimo de signos; daria conta do desen-volvimento das fonnas simblicas da expresso e da substitui-o dos signos-cones por ndices e smbolos. Uma sociedade em crise elaboraria preferivelrnente formas de expresso menos estilizadas, mais individualizadas e mais realistas. Uma sociedade equilibrada, dominada por um grupo, cristaliza1ia sua arte numa estilizao que Pereverzev chama de estilo con-vencional (o Antigo Egito, por exemplo). O autor, visivel-mente partidrio da concepo de arte como expresso, v a pintura exprimir os estados da sociedade. Sem discutir aqui a pe1iinncia da anlise das sociedades, parece-nos que a hist-ria da literatura ope-se interpretao dada por Pereverzev. Um marxismo radical veria, sobretudo, nas prticas semiticas, inclusive na pintura, uma atividade da mesma ordem das ou-tras prticas sociais. Por outro lado, a distino valorizante da pintura entre simblicalrealista no pertinente. O valor so-cial de uma prtica semitica consiste no modelo global do mundo que essa prtica prope: esse valor s existe se a divi-so do corpus, proposta pela prtica semitica dada, orien-tada no sentido das rupturas histricas que renovam a socie-dade. Assim, uma pesquisa deformas pde acompanhar are-voluo russa, ao passo que uma arte individualista e realista coincide com uma sociedade de consumo e de estagnao. Mas aqui tambm toda generalizao perigosa: seria neces-srio falar concretamente de uma poca e de um espao preci-sos, dos produtores e dos consumidores, conhecidos e inventariados, das diferentes prticas semiticas.

    O exagero da teleologia e do projetivismo, com o qual o marxismo no deve ser contaminado, opera-se a partir de um confronto da conduta marxista com outros complexos cultu-rais (ndia), ou com prticas semiticas que se afastam dos quadros de nossa cultura (a linguagem potica, por exemplo). Desse modo, estudando os tons da msica hindu, encontram-se conelaes entre o sistema musical e todos os sistemas que recobrem fenmenos microcsmicos, macrocsmicos e cs-micos, inclusive a organizao social. "As sries das cones-pondncias (hmizontais )", escreve Volkova, "no so fecha-das e podem ser prolongadas. Cada uma das sries ve1iicais

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  • reversvel em direo ao primeiro elemento da srie, mas no de uma srie a outra"7 Syrkin, de sua parte, insiste nas obser-vaes da Chandogya Upanishad (uma parte dos Upanishad caracterizada por reflexes abstratas e prescries dogmticas relativas aos textos) que identificam os diferentes objetos de seus estudos, estabelecendo um sistema de equivalncias en-tre os complexos considerados (o termo upanishad significa equivalncia). A semitica hindu chegou mesmo a estabele~ cer equivalncias numricas: sua tendncia procura do isomorfismo atinge um nvel matemtico no qual domnios heterogneos (para um observador vindo de outra civilizao) se reconhecem equivalentes numericamente8 Ivanov e Toporov recuperam o mesmo isomorfismo em seu estudo das adivinhas dos Kets9 A estrutura das adivinhas anloga da linguagem natural: podem, conseqentemente, ser considera-das corno "uma manifestao daquela flexibilidade da lingua-gem, que pennite no discurso potico urna acepo to ampla quanto possvel das significaes figuradas e dos complexos srnicos". As adivinhas seriam construes de imagens meta-fricas cmTespondentes a um certo objeto, ou a toda urna si-tuao que a lngua natural descreve de um modo no-meta-frico. O esquema estratificado que os autores propem e que engloba os signos rituais, os signos das adivinhas, o discurso dos xams, as representaes temporais e espaciais etc. per-mite estabelecer um nico tipo estrutural que se repete em diferentes culturas (geogrfica ou historicamente) e em dife-rentes esferas semiticas. Tal modelo um passo em direo abolio do simbolismo, um estgio que a linguagem cient-fica obrigada a passar para poder, em seguida, dele se de-sembaraar, adotando uma axiomtica que estabelecer, em nveis diferentes, redes relacionais nas numerosas estrutura-es que nos cercam, desde os cristais at os livros.

    7. O. F. Volkova, "Descrio dos tons da msica hindu", em Tmdy ... , op. cit., p. 274.

    8. A. J. Syrkin, "O sistema de identificao na Chandogya Upanishad", em Trud ... , op. cit., p. 276; Ver tambm T. Elisarenkova e A. Svrkin, "Esbo-o de anlise de um hino nupcial hindu'', em Trudy ... , op. cit., p. 173.

    9. V. Ivanov e V. N. Toporov, "Por uma descrio dos sistemas semiticos dos Kets", em Trudy ... , op. cit., p. 116.

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  • Do mesmo modo, na perspectiva do isomorfismo das pr-ticas semiticas, impe-se uma reviso dos pressupostos que influenciam o estudo estrutural da linguagem potica, a sa-ber: a) a retrica, b) as relaes linguagem potica/linguagem cientfica, c) as estruturas da narrativa postuladas por Propp.

    Nada justifica a acepo, que remonta poca da retrica e da potica antigas, do discurso esttico concebido como um discurso ornamentado de trapos, de figuras ou de construes arquitetnicas particulares, que o dis-tinguiriam do discurso cotidiano, onde os ornamentos, mesmo que existam, seriam apenas provisrios. A chuva vai (idiot dojd, chove) no menos uma metfora que as pernas dos nervos se esquivam. (Maiakvski)10

    Se as construes poticas so consideradas como tais, isto se deveria apenas ao fato de sua apario ser muito pouco provvel, enquanto a probabilidade do emprego das outras construes , ao contrrio, muito grande. Seria potico o que no se tornou lei. Os semioticistas soviticos estudam, pois, o discurso potico segundo os mtodos da teoria da informa-o: a potica seria uma articulao de significantes que es-gota a entropia do texto. As leis da ciberntica talvez ainda no sejam capazes de apreender o funcionamento da poesia, mas esto aptas a situar desde j o impasse da anlise atual (retrica).

    O problema, difcil e ao mesmo tempo apaixonante, das diferenas entre o discurso denotativo e o discurso conotativo abordado com muitas precaues (na ausncia de critrios precisos e de instrumental eficaz para o estudo dessas distin-es) por Lesskis (p. 76) que se contenta em assinalar as par-ticularidades gramaticais da linguagem literria russa do s-culo XX (emprego dos tempos verbais, dos substantivos, dos adjetivos etc.) comparada ao discurso cientfico. Mintz (p. 330) vai alm, estudando a formao do sentido potico como secundrio com relao ao sentido de um outro texto potico: o autor observa a ironia como modo de estruturao potica no poema Neznakomka (A desconhecida), de Alexandre Blok.

    10. V. Zaretski, "Ritmo e sgnficao nos textos literrios", em Trudy .. ., op. cit., p. 68.

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  • Citemos tambm a crtica dirigida pesquisa de urna tipologia dos assuntos ou dos motivos da naiTativa, pesquisa que traduz um raciocnio no-cmTelacional e no-dialtico. Lembrando as unidades que Propp distinguiu para sua classi-ficao dos contos populares russos, Egorov 11 escreve:

    Essas unidades no nos trazem nada quanto compreenso da essn-cia do conto fantstico porque no podem entrar livremente em correlao umas com as outras: coloca-se uma interdio ao heri, e no ao malfeitor ou ao benfeitor, pune-se o malfeitor e no o heri ou seus colaboradores. O pensamento sincrtico operava com entidades totais que eram, j por elas mesmas, pequenos assuntos que passavam inteiramente de um conto a ou-tro; assim, uma diferenciao ulterior das funes de Propp privada de sentido [ ... ] A dissoluo dos motivos em partes constituintes (e, primeiro, em sujeitos e em predicados), tendo entre elas correlaes livres - eis uma particularidade da literatura dos tempos modernos. Mas o aumento do n-mero dos elementos aumenta o nmero das relaes entre eles, o que, por sua vez, complica a estrutura. As tentativas de reduzir toda a multiplicidade da dramaturgia mundial a trs dezenas de situaes so ingnuas.

    Questionar as fronteiras do signo e encontrar um iso-morfismo de todas as prticas significantes tambm questio-nar as fronteiras da representao temporal, sem com isso as-similar a diacronia temporal a uma sincronia subjetiva. Para Lotman, a mudana de espao na arte medieval na Rssia" 12 significa uma mudana de valores sociais: a passagem de uma situao local a uma outra indica uma mudana de estatuto moral; essa tica local, como a chama o autor, contradiz fre-qentemente certas normas crists. Analisando a iconografia budista, Toporov 13 distingue estruturas distributivas e estabele-ce suas equivalncias com as estruturas sociais e ticas. Em seu estudo da estrntura espacial dos cones russos e bizantinos, Zegin 14 descobre uma perspectiva invertida e, introduzindo a

    11. B. Egorov, "Os sistemas semiticos mais simples e a tipologia dos sujeitos", em Trudy ... , op. cit., p. llO.

    12. J. Lotman, "A concepo do espao geogrfico nos textos russos da Idade Mdia", em Trudy ... , op. cit., p. 210.

    13. B. N. Toporov, "Notas sobre a iconografia budista em relao aos problemas da semitica das concepes cosmognicas", em Trudy ... , op. cit., p. 221.

    14. L. Zegin," 'Felskonstruktion' na pintura antiga: a unidade espao temporal na pintura", em Trudy ... , op. cir., p. 231.

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  • noo de espao ativo ou deformador, mostra como uma pr-tica semitica antecipa a simbolizao cientfica: o pintor da Antigidade j se colocava ante problemas temporais e espaciais que a cincia tende a resolver apenas hoje. Zegin nota que, nas prticas semiticas, "a cincia poderia encon-trar a confirmao de suas posies e de suas concluses".

    Desse modo, um ponto de intenogao se coloca, a par-tir de agora, sobre a eficcia ulterior da problemtica do sig-no para uma semitica reconheceu sua necessidade e que se construiu a partir dela. Se essa problemtica necessria para d