IHUOnlineEdicao426

68
E MAIS IHU ON- LINE Revista do Instuto Humanitas Unisinos Nº 426 - Ano XIII - 02/09/2013 - ISSN 1981-8769 Laicidade e secularização. A fratura entre os reinos de Deus e de César Hans Georg Flickinger O Estado secular e sua base autolegitimadora Muriel Maia-Flickinger: “Clara”: a “pulsação da vida” nesse diálogo de Schelling Charles Taylor: O espírito democrático em risco Yves Charles Zarka: A laicidade num mundo dilacerado Fernando Catroga A separação entre os reinos de Deus e de César Luiz Bernardo Leite Araújo O nexo entre política do reconhecimento e secularização

description

IHUOnlineEdicao426

Transcript of IHUOnlineEdicao426

  • E M

    AIS

    IHU ON-LINERevista do Instituto Humanitas UnisinosN 4 2 6 - A n o X I I I - 0 2 / 0 9 / 2 0 1 3 - I S S N 1 9 8 1 - 8 7 6 9

    Laicidade e secularizao.

    A fratura entre os reinos de Deus

    e de Csar

    Hans Georg Flickinger O Estado secular e sua base autolegitimadora

    Muriel Maia-Flickinger:Clara: a pulsao da vida nesse dilogo de Schelling

    Charles Taylor:O esprito democrtico em risco

    Yves Charles Zarka:A laicidade num mundo dilacerado

    Fernando Catroga A separao entre os reinos de Deus e de Csar

    Luiz Bernardo Leite Arajo O nexo entre poltica doreconhecimento e secularizao

  • 2Edit

    ori

    alw

    ww

    .ih

    u.u

    nis

    ino

    s.b

    r

    Laicidade e secularizao. A fratura entre os reinos de Deus e de Csar

    IHUIHU On-Line a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos IHU ISSN 1981-8769.

    IHU On-Line pode ser acessada s segundas-feiras, no stio www.ihu.unisinos.br.

    Sua verso impressa circula s teras-feiras, a partir das 8h, na Unisinos.

    Apoio: Comunidade dos Jesutas Residncia Conceio.

    REDAO

    Diretor de redao: Incio Neutzling ([email protected]).Redao: Incio Neutzling, Andriolli Costa Mtb 896/MS ([email protected]), Luciano Gallas Mtb 9660 ([email protected]), Mrcia Junges Mtb 9447 ([email protected]), Patrcia Fachin Mtb 13.062 ([email protected]) e Ricardo Machado Mtb 15.598 ([email protected]).

    Colaborao: Csar Sanson, Andr Langer e Darli Sampaio, do Centro de Pesquisa e Apoio aos trabalhadores CEPAt, de Curitiba-PR.Projeto grfico: Agncia Experimental de Comunicao da Unisinos Agexcom.Editorao: Rafael tarcsio ForneckAtualizao diria do stio: Incio Neutzling, Patrcia Fachin, Fernando Dupont, Mariana Staudt, Wagner Altes Morais da Silva e Sulen Farias

    Instituto Humanitas Unisinos

    Endereo: Av. Unisinos, 950, So Leopoldo/RS. CEP: 93022-000

    telefone: 51 3591 1122 ramal 4128.

    E-mail: [email protected].

    Diretor: Prof. Dr. Incio Neutzling. Gerente Administrativo: Jacinto Schneider ([email protected]).

    No h mais socieda-des tradicionais e modernas. A socie-dade mundial ni-ca, secular e moderna, afirma Pablo Robles, da Unb. Segundo ele, isso tem que levar em conta exatamente as dife-renas que convivem simultaneamen-te na mesma sociedade: as assimetrias de poder, as novas formas de excluso, a necessidade de que diferentes popu-laes estabeleam relaes de convi-vncia e coexistncia etc.

    Discutir as temticas da laiciza-o e da secularizao e seus nexos a proposta desta da revista IHU On-Line desta semana. Cientistas polticos, professores de Direito, de Filosofia e outros pesquisadores de-batem o tema.

    A perda da convincibiliade dos pilares teolgicos sustenta o incio da secularizao, afirma Hans Georg Flickinger, Universidade de Kassel, na Alemanha, e da Pontifcia Uni-versidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS.

    Para o filsofo Fernando Ca-troga, Universidade de Coimbra, a Modernidade foi o momento forte de afirmao da secularizao. As religies civis plasmam-se em prticas simblicas que visam, na expresso de Rousseau, santificar o contrato social.

    Yves Charles Zarka, Universida-de Paris Descartes, acentua que a religio no ocupa mais o princpio de organizao do mundo. Contudo, no se pode falar de uma sada da religio, algo propalado nos meios intelectuais parisienses.

    No ponto de vista de Pablo Holmes, Universidade de Braslia UnB, no podemos mais pensar em termos de sociedades tradicionais e modernas, pois a sociedade mundial nica, secular e moderna.

    De acordo com Incio Helfer, professor do PPG em Filosofia da Unisinos, h um nexo entre a se-cularizao e o comunitarismo no entendimento de que a comunida-de dos crentes passa a ter pouco ou nenhum papel na estrutura poltica estatal. Mas no isso que ocorre no Brasil contemporneo, pondera.

    Para a doutoranda em Filosofia Tas Silva Pereira, um Estado laico no sinnimo de anti-religiosida-de, da mesma forma como a bus-ca pelo sagrado no tem uma vin-culao direta com as instituies religiosas.

    Para Jorge Claudio Ribeiro, PUCSP, a etapa atual do processo de secularizao teve incio na Europa, sendo impulsionada pela urbaniza-o, a ascenso da burguesia, a re-voluo comercial e a ocupao das

    terras de alm mar. No Brasil, o fenmeno adquire contornos que expressam o tipo de sociedade pa-radoxal em que vivemos.

    Vronique Champeil-Desplats completa o debate examinando o caso do Estado francs, laico, e que desde 1905 no subvenciona ne-nhum culto.

    Completam a edio, mais uma entrevista e um artigo.

    A entrevista com Muriel Maia-Flickinger, tradutora para o portugus de Clara: acerca da co-nexo da natureza com o mundo dos espritos: fragmento de um di-logo (Iju: Uniju, 2012), de autoria de Schelling,

    O artigo de Csar Bolao, pro-fessor da Universidade Federal de Sergipe e coordenador do grupo Comunicao, Economia Poltica e Sociedade - Cepos, analisa a contri-buio de Valrio Brittos ao campo da comunicao.

    A revista IHU On-Line estar disponvel em html, pdf, e verso para folhear na pgina eletrnica do IHU, neste segunda-feira, a par-tir das 17h.

    A verso impressa circular no campus da Unisinos, tera-feira, a partir das 8h.

    A todas e a todos uma boa lei-tura e uma excelente semana!

  • 3nd

    icew

    ww

    .ihu

    .un

    isino

    s.br

    LEIA NEStA EDIOtEMA DE CAPA | Entrevistas

    5 Fernando Catroga: A separao entre os reinos de Deus e de Csar

    12 Ba da IHU On-Line

    13 Hans Georg Flickinger: O Estado secular e sua base autolegitimadora

    18 Luiz Bernardo Leite Arajo: O nexo entre poltica do reconhecimento e secularizao

    23 Pablo Holmes: Laicidade, secularizao e o lugar na religio na sociedade

    30 Vronique Champeil-Desplats: Laicidade e liberdade religiosa na Frana

    32 Incio Helfer: Laicizao, secularizao e comunitarismo

    34 Tas Silva Pereira: A secularizao como uma das possibilidades da modernidade

    37 Jorge Claudio Ribeiro: Peculiaridades de uma secularizao la brsilienne

    DEStAQUES DA SEMANA42 ENTREVISTA DA SEMANA: Charles Taylor: O esprito democrtico em risco

    47 LIVRO DA SEMANA: Muriel Maia-Flickinger: Clara: a pulsao da vida nesse dilogo de Schelling

    56 ARTIGO DA SEMANA: Csar Bolao: Para alm da Economia Poltica: a contribuio de Valrio Brittos ao campo da Comunicao

    58 Destaques On-Line

    61 Constituio 25 Anos: Repblica, Democracia e Cidadania

    IHU EM REVIStA64 Agenda de Eventos

    65 Publicao em Destaque: #VEMpraRUA: Outono brasileiro? Leituras.

    66 Retrovisor

    67 Sala de Leitura

    twitter.com/ihu

    bit.ly/ihufacebook

    www.ihu.unisinos.br

  • SO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIO 000

    Destaquesda Semana

    IHU emRevista

    Temade

    Capa

    4

    ww

    w.i

    hu

    .un

    isin

    os.

    br

  • EDIO 426 | SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013

    tema d

    e Cap

    aw

    ww

    .ihu

    .un

    isino

    s.br

    5

    A separao entre os reinos de Deus e de CsarA Modernidade foi o momento forte de afirmao da secularizao, observa Fernando Catroga. As religies civis plasmam-se em prticas simblicas que visam, na expresso de Rousseau, santificar o contrato social

    Por Mrcia Junges

    A secularizao e a laicidade podem coexistir com as religies civis, desde que estas no se afirmem em conflitualidade com as religies propria-mente ditas, procurando substitu-las ou ex-tingui-las. Tal ocorreu nas conjunturas em que vingou o mais radical laicismo, ou l onde, como nos casos do nazismo e do comunis-mo, o Estado paganizou-se, ou fez do atesmo uma religio ao contrrio, reflete o filsofo portugus Fernando Catroga na entrevista que concedeu, por e-mail, IHU On-Line. E acrescenta: Na verdade, foi preciso esperar pela poltica do ralliement, inaugurada por Leo XIII nos finais do sculo XIX, mas sobre-tudo, pelo Conclio Vaticano II, para que Roma reconhecesse que a laicidade, desde que bem entendida, no atenta contra o preceito evan-glico que convida no confuso entre o rei-no de Deus e o reino de Csar.

    Fernando Jos de Almeida Catroga li-cenciado em Filosofia e Doutor em Histria Moderna e Contempornea pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, com a tese A Militncia Laica e a Descristianizao da Morte em Portugal (1867-1911), defendi-da em 1988. professor catedrtico da Facul-dade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal, no Instituto de Histria e Teoria das Ideias. De seus livros, citamos A Militncia Laica e a Descristianizao da Morte em Por-tugal (1865-1911). (2 vols., Coimbra, 1988); La rligiosit civique du republicanisme du-rant la priode de propagande. La Rvolution Franaise vue par les Portugais (Paris, F.C. Gulbenkian, 1990) e Entre Deuses e Csa-res. Secularizao, Laicidade e Religio Civil (Coimbra: Almedina, 2006).

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line - Qual o nexo exis-tente entre secularizao e laicidade?

    Fernando Catroga - Confesso que uma das razes que me levou a apro-fundar essa temtica nasceu da toma-da de conscincia de que, onde ela foi fortemente tocada pela influncia francesa como ocorreu em Portugal, Espanha, Itlia e em alguns dos pases da Amrica Latina, com particular des-taque para o Mxico , perdura uma grande confuso no uso dos conceitos de secularizao e de laicizao. Da a nfase que tenho dado sua perspe-tivao histrica e busca do seu en-tendimento na longa durao, porque os seus campos semnticos conotam e denotam realidades histricas dife-rentes. Saliente-se que, se a palavra sculo e seus derivados tm uma

    origem latina e referem-se a escalas temporais (gerao, lapso de tempo, durao da vida, perodo mximo de cem anos), laico radica em laos, um dos vocbulos usados pelos gre-gos antigos para designar povo.

    um fato que ambos foram in-tegrados na linguagem crist, recupe-rao que, no primeiro caso, teve por mediador a traduo, feita por S. Jerni-mo, de sculo como mundo, numa espcie de sinonmia com Kosmos, e que, no segundo, decorreu da utilizao de laos, nas tradues gregas do An-tigo Testamento, para significar a ideia de povo de Deus. E, com a institu-cionalizao gradual da Igreja, as duas expresses entraram na linguagem eclesistica: a ltima, para denominar a comunidade dos fieis; e a primeira,

    para distinguir os clrigos dos crentes. E ser necessrio chegar segunda me-tade do sculo XVIII para que se assista ao alargamento de derivados de sae-culum a esferas exteriores Igreja, primeiramente aplicada expropriao dos bens eclesisticos e, depois, ques-to do ensino e luta pela neutralizao religiosa do Estado. No entanto, s no final do sculo XIX, estes fenmenos passaram a ser objeto de reflexo, num crescendo que, na centria seguinte e, em particular, aps a II Guerra Mundial, dar azo ao aparecimento de filosofias, sociologias e teologias da secularizao, at se chegar ao debate atual acerca da dessecularizao e, portanto, da pertinncia, ou no, dos prognsticos que acompanharam muitas dessas reflexes.

  • SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013 | EDIO 426

    tem

    a d

    e C

    apa

    6

    ww

    w.i

    hu

    .un

    isin

    os.

    br

    IHU On-Line - Pelo que acaba de expor, pode concluir-se que defende a existncia de uma relao estreita entre a emergncia e consolidao do processo secularizador e o surgi-mento, na Europa, da viso moderna do mundo e da vida?

    Fernando Catroga - Sim. Porm, a resposta exige o esclarecimento do conceito de secularizao que usa-mos. Definimo-lo como um processo quase espontneo, de longa dura-o, sem autor, e que se refere ao caminho percorrido pela cultura oci-dental, desde a interpretao sacro--metafsica da realidade, at quela em que o mundo histrico, social, finito passou a desenhar, dominan-temente (mas no exclusivamente), o horizonte da responsabilidade e da explicao do destino humano. E te-mos igualmente como certo, na linha de Danile Hervieu-Lger1, que a sua consolidao foi inseparvel do im-pacto das transformaes provocadas pela Modernidade, nos seus diferen-tes nveis (econmico, poltico, inte-lectual, simblico), sobre a religio, ou, de um modo mais exato, sobre a configurao tradicional dos elos en-tre a religio e a sociedade. De onde o ligarmos emergncia do antropo-centrismo e da racionalidade que es-taria subjacente evoluo imanen-te da natureza, assim como maior autonomizao da razo terica e da praxis humana, cada vez mais enten-dida como a nica artfice do contrato social e a grande aceleradora do devir histrico, no seu irreversvel caminho para a emancipao individual e co-letiva. O que, sem negar a esperana escatolgica, alargou o horizonte de expectativas, linha que, descendo do cu terra, foi sendo rasgada pela concomitante substantivao e infini-tizao da humanidade, da histria e do progresso, como bem sublinhou R. Koselleck2.

    1 Daniele Hervieu-Lger: sociloga e diretora do Centro de Estudos Interdis-ciplinares dos Fatos Religiosos na cole de Hautes tudes en Sciences Sociales EHESS, em Paris. autora de inmeros livros, entre os quais citamos Le plerin et le converti. La religion en mouvement (Paris: Flammarion, 1999) e Catholici-sme, la fin dun monde (Paris: Bayard, 2003). (Nota da IHU On-Line)2 Reinhart Koselleck: historiador ale-mo, co-autor do Geschichtliche Grun-dbegriffe. Historisches Lexikon der po-

    IHU On-Line - Mas os seus textos tambm destacam condicionantes anteriores ao perodo moderno, com relevo para a herana judaico-crist. No acha isso contraditrio?

    Fernando Catroga - Na verdade, parece paradoxal filiar um fenmeno como o da secularizao num condi-cionante religioso. Entendamo-nos, porm. No se nega o peso que o ad-vento de uma civilizao racionalista, cientfico-tcnica, burocrtica, urbana e massificada teve no desencadear de um processo que conduziu, para utilizarmos a terminologia de Max Weber3, ao desencantamento ou desmagificao do mundo. No en-tanto, estes fatores no tm a autos-suficincia bastante para anular este outro, talvez mais matricial: a novi-dade do impacto da religio judaico--crist, quando comparada com as religies greco-romanas, bem como com outras religies do Livro.

    verdade que isto soa a contra-dio, pelo menos desde que se con-cretizou a aliana da Igreja com o Im-prio (sculo IV), e, a partir do sculo V, sob a influncia do agostinismo teo-lgico e poltico, o poder temporal foi quase subsumido pelo espiritual. Seja como for, igualmente indiscutvel que, no obstante as miscigenaes e conluios que existiram entre am-bas as esferas, elas no se fundiram.

    litisch-sozialen Sprache in Deutschland, um dicionrio histrico dos conceitos poltico-sociais fundamentais da lngua alem, em nove volumes, publicados entre 1972 e 1997, que teve como prin-cipal objetivo conhecer a dissoluo do mundo antigo e o surgimento do moderno por meio de sua apreenso conceitual. (Nota da IHU On-Line)3 Max Weber (1864-1920): socilogo ale-mo, considerado um dos fundadores da Sociologia. tica protestante e o esprito do capitalismo (Rio de Janeiro: Compa-nhia das Letras, 2004) uma das suas mais conhecidas e importantes obras. Cem anos depois, a IHU On-Line dedicou--lhe a sua 101 edio, de 17-05-2004, intitulada Max Weber. A tica protestan-te e o esprito do capitalismo 100 anos depois, disponvel para download em http://migre.me/30rKx. De Max Weber o IHU publicou o Cadernos IHU em Forma-o n 3, 2005, chamado Max Weber o esprito do capitalismo. Em 10-11-2005, o professor Antnio Flvio Pierucci minis-trou a conferncia de encerramento do I Ciclo de Estudos Repensando os Clssi-cos da Economia, promovido pelo IHU, intitulada Relaes e implicaes da ti-ca protestante para o capitalismo. (Nota da IHU On-Line)

    Recorde-se que a ideia de criao ex nihilo, distinta das cosmogonias mti-cas e filosficas clssicas, introduziu uma diferenciao essencial entre Deus e o mundo, cesura que vir a potenciar a paulatina dessacralizao da natureza, bem como da histria e da poltica. Em simultneo, a aliana com um povo eleito e a encarnao em Cristo humanizaram a revelao divina, o que dotou o homem, feito imagem e semelhana de Deus, de liberdade responsvel, porque sujei-ta ao julgamento do sentido da vida, no final dos tempos. Por outro lado, os vrios protestantismos, particular-mente os que enfatizaram a crena na predestinao e na graa divinas, reforaram os pressupostos da me-diao subjetiva da vivncia religiosa, numa coexistncia no contraditria com o comprometimento dos crentes na busca do sucesso nos negcios ter-renos, sinal de escolha divina.

    Autonomizao do homemPode defender-se, ento, que os

    prprios textos sagrados sugerem e potenciam a no confuso o mundo com o divino, a comear pela ideia de criao, pela consequente histori-cizao da revelao do sagrado, pela desdivinizao do universo (passo que possibilitou a emergncia da cincia moderna), pelo convite autonomi-zao do homem (filho de um Deus cada vez mais definido como Logos), pela dessacralizao da poltica pos-sibilitada pela secularizao das ideias de contrato social e de bem comum , e pela reapropriao moderna do pre-ceito cristo Dai a Csar o que de Csar e a Deus o que de Deus.

    Daqui se conclui que, se a secu-larizao teve na Modernidade o seu momento forte de afirmao, nas suas temporalidades prprias, ela tambm foi um processo de cunho totalizador e de longa durao. todavia, a maior autonomizao que provocou entre o mundo secular e o divino no pode ser vista como uma manifestao anti-religiosa ou mesmo arreligiosa, atitudes que s surgiro mais tarde e que ainda hoje so minoritrias. Alm disso, no ajuda muito o seu entendi-mento se continuarmos a no destrin-ar como, com frequncia, acontece quando se segue a terminologia fran-cesa a secularizao da laicidade.

  • EDIO 426 | SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013

    tema d

    e Cap

    aw

    ww

    .ihu

    .un

    isino

    s.br

    7

    IHU On-Line - O que quer dizer quando afirma que, se toda a laici-dade uma secularizao, nem toda a secularizao uma laicidade?

    Fernando Catroga - Como su-blinhei anteriormente, o conceito de laicidade tem uma histria diferente do de secularizao, devido sua ori-gem semntica e respetiva fixao na linguagem eclesistica, mas tambm no que respeita sua transfern-cia para os domnios no religiosos, deslocamento tardio, muito conflitu-oso e fortemente conectado com as aspiraes de emancipao poltica e social. Foi na Frana, no contexto dos combates pela implementao da escola obrigatria, gratuita e p-blica que j vinham do Iluminismo e da Revoluo Francesa, mas que se intensificaram depois das revo-lues de 1848 e da instaurao da III Repblica (dcada de 1870) que surgiram novos derivados de leigo, para definir melhor a inteno ideo-lgica da secularizao no campo da formao das almas e do consequen-te relacionamento das Igrejas com o Estado, tendo em vista garantir-se a liberdade de conscincia postulada como a primeira das liberdades e, portanto, os direitos fundamentais, incluindo, necessariamente, a liber-dade religio e no religio.

    IHU On-Line - Pode concretizar melhor a fixao desse vocabulrio?

    Fernando Catroga - O termo lai-cit surgiu no contexto da Comuna de Paris (1871) e foi logo dicionari-zado. E o mesmo aconteceu, pouco depois, com laicisation e laicisme, vocbulos que, radicando em laos, ainda soavam a algo de estranho aos ouvidos da opinio pblica, por cau-sa da sua novidade. Do francs, emi-graram para as lnguas novilatinas (e, mais tarde, para o turco), assim como para o ingls, com o aparecimento, nos incios da dcada de 1880, de ter-mos como laicization. Todavia, hoje, quando se quer traduzir, para esta ltima lngua, aquelas expresses, comum recorrer-se a derivados de sculo, e no de laico, prova de que a terminologia esgrimida na guer-ra religiosa francesa acabou por no ter sucesso nos pases de cultura anglo-saxnica.

    IHU On-Line - Como explica essa diferenciao?

    Fernando Catroga - Recorde-se que a desclericalizao e, de certo modo, a despatrimonializao das Igrejas, provocada, entre os sculos XVI e XVII, pelas interpretaes refor-madas do cristianismo, deram origem a uma espcie de secularizao inter-na da vida religiosa. Por outro lado, o quase desaparecimento da oposio entre autoridades religiosas de obe-dincia a poderes externos e o Esta-do, conjugado com a mediao mais direta do crente na interpretao do Livro, propiciou uma experincia da sacralidade mais subjetivada, cen-trao no incompatvel com a auto-governo comunitrio do culto e que, articulada, em algumas delas, com a crena na predestinao, abriu portas modernizao. E, no caso concreto dos Estados Unidos da Amrica, as prprias Igrejas, de forte influncia calvinista, apoiaram a celebrao de um contrato social fundante de uma nova nao e a construo de um Es-tado secularizado, porque religiosa-mente separado das religies, opo que no foi estranha a influncia de Locke e a memria das intolerncias havidas nas guerras religiosas que, no sculo XVII, tinham posto a Europa a ferro e fogo, impondo o princpio un roi, une loi, une foi e obrigando mui-tos perseguidos a emigrarem, nomea-damente para a Amrica.

    Laicizao interna e externaAo contrrio, a Igreja Catlica

    e tridentina detinha, ainda no s-culo XVIII, um estatuto privilegiado, atravs da aliana entre o trono e o Altar e do controle de extensssimos bens materiais e do quase monop-lio da educao e do ensino. Por isso, na rea da sua influncia, o processo modernizador indissocivel, com a Revoluo Francesa, de programas de revoluo cultural, poltica e social intensificou o clima de hostilidade, colocando Roma numa posio de-fensiva face s foras que reivindica-vam as ideias de liberdade, igualda-de e progresso. A questo religiosa tornou-se mesmo, desde os finais do sculo XVIII e, em alguns pases catli-cos, at II Guerra Mundial, no ponto nodal onde se condensaram todas as outras contradies. Se tivermos pre-

    sente este condicionante estrutural, perceber-se- melhor por que que, nesse longo perodo, as foras que se autodeclaravam portadoras do facho da modernizao das sociedades ca-tlicas alimentaram o antijesuitismo, o anticongreganismo e o anti-ultra-montanismo, ao mesmo tempo que pugnavam por transformaes pol-ticas que possibilitassem a laicizao externa das instituies jurdico--polticas e a laicizao interna das conscincias.

    O caderno reivindicativo desta corrente, modelado em Frana, co-nhecido: se comeou com a luta pela laicizao da escola, logo se estendeu ao registo civil obrigatrio, laicizao da assistncia hospitalar, laicizao dos cemitrios, laicizao do espao pblico, ao reconhecimento do casa-mento como um contrato e, portanto, do divrcio, e, logicamente, ao regres-so da separao das Igrejas do Estado instituda em 1905. Em simultneo, a escola laica devia ensinar as religies somente como fatos sociais e inculcar uma moral social e cvica em alternati-va catlica, que fomentasse valores como o amor ptria, o altrusmo e o solidarismo.

    IHU On-Line - Essa pretenso totalizadora, formulada num clima anticlerical, no teve como conse-quncia transformar a laicidade num laicismo?

    Fernando Catroga - Em parte, essa ilao verdadeira. Mas, a res-ponsabilidade no deve ser somente assacada a um dos contendores, pois, como costumo afirmar, o anticlerica-lismo foi o irmo siams do clericalis-mo, e basta ter presente o contedo do Syllabus e da Quanta Cura (1864), bem como as decises do Conclio Va-ticano I4 (1860-70), para se ver como

    4 Conclio Vaticano I (CV I): ocorreu de 8 de dezembro de 1869 a 18 de dezembro de 1870, proclamado por Pio IX (1846 a 1878). As principais decises do Conclio foram conceber uma Constituio dog-mtica intitulada Dei Filius, sobre a F catlica e a Constituio Dogmtica Pastor Aeternus, sobre o primado e in-falibilidade do Papa quando se pronuncia ex-cathedra, em assuntos de f e de moral. E tratou-se de questes doutrin-rias que eram necessrias para dar novo alento e informar melhor sobre assuntos essenciais de f. Para alm de proclamar como dogma a Infalibilidade Papal, o Conclio, ao defender os fundamentos da

  • SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013 | EDIO 426

    tem

    a d

    e C

    apa

    8

    ww

    w.i

    hu

    .un

    isin

    os.

    br

    que, na poca, Roma anatemati-zou os valores e os ideais nucleares da Modernidade. Porm, s por si, a hostilidade no significava antir-religiosidade. A laicidade, sendo um neo-iluminismo, nasceu para garantir o respeito pela liberdade de pensa-mento e, por conseguinte, a liberdade religiosa, o que passava pela demo-cratizao cultural e poltica da socie-dade. E a remisso que laos fazia para povo foi uma das razes da sua escolha. Todavia, o proselitismo fez dela uma mundividncia alternativa. Da que, contra a f transcendente, alguns falassem em f laica.

    IHU On-Line - E esta funo do Estado, religiosamente neutro, mas educativamente ativo, era compa-tvel com o modelo poltico liberal, aparentemente o mais adequado aos ideais de separabilidade?

    Fernando Catroga - Como, na-quela conjuntura, a Igreja nunca iria estender s outras Igrejas o que que-ria para si, nem abdicaria das posies privilegiadas que, historicamente, go-zava, percebe-se por que que, mes-mo quando, do ponto de vista social e econmico, os apstolos da laici-dade, incluindo os que tinham uma viso liberal da economia, apelavam para o intervencionismo do Estado no que concerne criao de infra--estruturas culturais (nos campos do ensino e da assistncia, por exemplo) que funcionassem como instncias instituintes do pluralismo religioso e da separao entre a sociedade pol-tica e as Igrejas. O ritualismo religioso teria de abandonar o espao pblico e refluir para a esfera da sociedade ci-vil e autogovernar-se, de acordo com o princpio da liberdade de associa-o. E daqui resulta esta outra cons-tatao: a laicidade brotou com uma evidente inteno militante no seio de movimentos que tenderam a ligar o ncleo duro da cultura republicana com as ideias de inspirao socialista ou, o que foi mais frequente nas l-timas dcadas do sculo XIX, enqua-drveis naquilo que, hoje, pode ser designado por liberalismo positivo, em contraste com o liberalismo ne-

    f catlica, condenou os erros do Racio-nalismo, do Materialismo e do Atesmo. (Nota da IHU On-Line)

    gativo que se desenvolveu l onde, como nos EUA, a secularizao no implicou um proselitismo to assumi-do como o do laicismo.

    Reino de Deus e Reino de CsarQuando o choque entre as aspi-

    raes de autonomia, emancipao e progresso e a Igreja foi grande e pro-longado, a estrutura eclesistica e, em particular, o papado e o clero regular, foram qualificados como foras obs-curantistas e retrgradas, cujo poder urgia abater ou secundarizar. E s o Estado o conseguiria, pelo que, no obstante a laicidade estar sustentada na herana iluminista e nas problem-ticas da tolerncia civil e dos direitos fundamentais, a neutralidade que ela proclamava nem sempre foi respei-tada, em boa medida devido a um ativismo que foi diretamente propor-cional ao combate que a Igreja moveu aos princpios da liberdade religiosa e da separabilidade, e que se tornou ainda mais intenso quando os grupos mais radicais, ao velho anticlericalis-mo e antiultramontanismo, juntaram a crtica essncia das religies e o prognstico historicista sobre a inevi-tvel morte de Deus e extino da necessidade do religioso. Na verdade, foi preciso esperar pela poltica do ralliement, inaugurada por Leo XIII nos finais do sculo XIX, mas sobretu-do, pelo Conclio Vaticano II5, para que

    5 Conclio Vaticano II: convocado no dia 11-11-1962 pelo Papa Joo XXIII. Ocorre-ram quatro sesses, uma em cada ano. Seu encerramento deu-se a 8-12-1965, pelo Papa Paulo VI. A reviso proposta por este Conclio estava centrada na viso da Igreja como uma congregao de f, substituindo a concepo hierrquica do Conclio anterior, que declarara a infali-bilidade papal. As transformaes que in-troduziu foram no sentido da democrati-zao dos ritos, como a missa rezada em vernculo, aproximando a Igreja dos fiis dos diferentes pases. Este Conclio en-controu resistncia dos setores conserva-dores da Igreja, defensores da hierarquia e do dogma estrito, e seus frutos foram, aos poucos, esvaziados, retornando a Igreja estrutura rgida preconizada pelo Conclio Vaticano. O IHU promoveu, de 11 de agosto a 11-11-2005, o Ciclo de Estu-dos Conclio Vaticano II marcos, traje-trias e perspectivas. Confira, tambm, a edio 157 da IHU On-Line, de 26-09-2005, intitulada H lugar para a Igreja na sociedade contempornea? Gaudium et Spes: 40 anos, disponvel para downlo-ad na pgina eletrnica do IHU, http://migre.me/KtJn. Ainda sobre o tema, a IHU On-Line produziu a edio 297, Karl

    Roma reconhecesse que a laicidade, desde que bem entendida, no atenta contra o preceito evanglico que con-vida no confuso entre o reino de Deus e o reino de Csar.

    Em sntese, julgo que, nesta ma-tria, ser frutuoso correlacionar as distines conceituais com as especi-ficidades das experincias histricas que elas denotam, tanto mais que nem toda a secularizao implicou uma laicidade e muito menos um lai-cismo, embora toda a laicidade pre-tendesse acelerar a secularizao.

    IHU On-Line - Ento, nesta or-dem de ideias, v a laicidade como uma especificidade deste ltimo processo?

    Fernando Catroga - Geminan-do o horizonte de expectativas com os ideais emancipatrios, os adeptos da laicidade apresentaram-na como uma tendncia universal e irrevers-vel da histria da humanidade. To-davia, hoje, temos de ser cautelosos face a este otimismo. Em primeiro lugar, muito do que carateriza a se-cularizao e laicidade est indisso-ciavelmente ligado quer rea geo-cultural que mile Poulat, h algum tempo, definiu como cristianitude, quer aos seus preconceitos euro-cntricos e ocidentalocntricos. E o prprio caso francs sem dvida, o de maior durabilidade, logo seguido, desde Ataturk at quase aos nossos dias, pelo turco aparece hoje como uma exceo, no s no contexto da secularizao, mas tambm no con-fronto com os pases onde, sob sua influncia, eclodiram confrontos en-tre o laicismo e o clericalismo, como aconteceu em Portugal, Espanha, turquia, Itlia, Mxico e um pouco por todos os pases que viveram mo-mentos revolucionrios influencia-dos pela experincia francesa.

    Rahner e a ruptura do Vaticano II, de 15-6-2009, disponvel no link http://migre.me/KtJE, bem como a edio 401, de 03-09-2012, intitulada Conclio Vaticano II. 50 anos depois, disponvel em http://bit.ly/REokjn e a edio 425, de 01-07-2013, intitulada O Conclio Vaticano II como evento dialgico. Um olhar a partir de Mikhail Bakhtin e seu Crculo e dis-ponvel em http://bit.ly/1cUUZfC. (Nota da IHU On-Line)

  • EDIO 426 | SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013

    tema d

    e Cap

    aw

    ww

    .ihu

    .un

    isino

    s.br

    9

    IHU On-Line - Quais as peculia-ridades do laicismo de Portugal luz do caso francs?

    Fernando Catroga - Sob o eco do que ia acontecendo na Frana, o laicismo portugus formou-se, como movimento, nas ltimas dcadas do sculo XIX e incios de Novecentos, igualmente alimentado por grupos de livre-pensamento, por associaes manicas, por organizaes republi-canas, socialistas, anarquistas, e por alguns setores monrquico-liberais mais progressistas. No entanto, e ao contrrio da Frana da III Repblica em crescente industrializao, urbani-zao e massificao, essa militncia teve sempre um cariz vanguardista num pas debilmente secularizado, o que no de espantar, sobretudo numa sociedade dominantemente ru-ral, com o analfabetismo a situar-se volta dos 80%, e onde a incluso co-munitarista e paroquial dos indivduos na famlia alargada, pastoreada pelo clero em aliana, regra geral, com os notveis locais, era muito forte. Por tudo isto, nos meios mais citadinos e nas elites mais intelectualizadas, a campanha contra a Igreja fez radicar a convico de que a liberalizao e a democratizao poltica, social e cul-tural do pas s seriam realizveis com a separao das Igrejas tanto do Esta-do como da Escola.

    Laicidade republicanaEste projeto recuperou a me-

    mria do antijesuitismo do Marqus de Pombal, do anticongreganismo da Revoluo Liberal (a partir de 1834, as ordens religiosas masculinas foram expulsas e os seus bens vendidos em hasta pblica), bem como do anti--ultramontanismo e do anticlericalis-mo em geral, e fez sua a agenda do laicismo livre-pensador francesa. Por outro lado, a agudizao da ques-to poltica, ligada, nos princpios do sculo XX, ao crescimento de alguma industrializao, nomeadamente em Lisboa, concentrou na questo reli-giosa todos os demais problemas em litgio: o poltico (Monarquia tida por traidora do seu passado liberal ou Repblica), o social, o educativo (liberdade religiosa, Escola obriga-tria, gratuita e laica). E isto explica que, entre as correntes ideolgicas que propunham a laicizao do Esta-

    do e da sociedade, tenha sido a ten-dncia mais radical do republicanismo a conquistar a hegemonia, domnio que veio a culminar na Revoluo de 5 de Outubro de 1910. E a priorida-de que esta deu ao cumprimento do programa laicizidador representa um sintoma da importncia desta guerra religiosa, logo traduzida no fato de o novo poder republicano, governando ainda em ditadura revolucionria, ter decretado, em sete meses, leis anlo-gas quelas que a III Repblica fran-cesa demorou cerca de trinta anos a promulgar.

    Nesse curto lapso de tempo, e num pas rural e com grande analfa-betismo, esmagadoramente catlico, foram impostos a separao das Igre-jas do Estado, a abolio dos feriados religiosos, o registo civil obrigatrio, o divrcio, a expulso das ordens religiosas, o ensino laico. No fundo, tratou-se do lanamento de uma pro-funda revoluo cultural, rotura que teria de suscitar grandes reaes. De certo modo, o cientificismo positivista em que filosoficamente o vanguar-dismo assinalado se inspirou, no lhe permitiu ver que uma sociedade esmagadoramente catlico-clerical e camponesa dificilmente se identifica-ria com uma poltica cultural que que-ria destruir usos e costumes profun-damente arraigados nas populaes. E, na prtica, tal desfasamento levou a que, nesta conjuntura, a laicidade republicana se tivesse afirmado como um laicismo que, em certos momen-tos, desmentiu o respeito pelas liber-dades que apregoava.

    Recatolizao das elitesEste radicalismo que, porm,

    nunca atingiu a intensidade que ga-nhar no Mxico e na Espanha na d-cada de 1930 foi-se atenuando com os anos, mas as dificuldades polticas e socias da I Repblica, acentuadas pelos impactos da I Guerra, deram fora ao acasalamento das alterna-tivas autoritrias e corporativas com movimentos nacionalistas, recato-licizadores e reclericalizadores das sociedades em que a instaurao da ordem liberal e capitalistas arrastou consigo a questo religiosa. A que-da da I Repblica em 28 de Maio de 1926 e, desde os incios da dcada de 1930, a institucionalizao do Estado

    Novo materializaram, poltica e auto-ritariamente, esse refluxo, que teve o seu ponto de chegada na Concordata de 1940. No se pense, contudo, que se regressou ao modelo confessional que existia antes de 1910. Salazar ten-tou recatolicizar as elites, bem como a educao e a religio civil que tinha sido popularizada desde as ltimas dcadas do sculo XIX, mas foi cioso da autonomia da esfera poltica, o que no deixou de contribuir para a ma-nuteno da separabilidade, embora num clima colaborante com a Igreja Catlica.

    Estado religiosamente neutroPosteriormente, o distanciamen-

    to crtico do pensamento laico em re-lao aos excessos do laicismo, bem como o de muitos setores da Igreja face tradio clericalista da vivncia da religio, bem visvel aps o Conc-lio Vaticano II, fez com que a existn-cia de amplos consensos em relao aos direitos fundamentais e ao cariz a-confessional do poder poltico con-duzissem, mesmo no momento mais radical da Revoluo Democrtica de 1974, secundarizao da questo religiosa e manuteno da Con-cordata, ainda que completada por uma nova lei da liberdade religiosa. O documento de 1940 somente foi revisto para permitir a legalizao do divrcio e, mais recentemente, para garantir uma maior equidade entre as vrias Igrejas e cultos oficialmente reconhecidos.

    Por tudo isto, o Estado democr-tico portugus, como o seu anteces-sor da I Repblica, religiosamente neutro, mas, no contexto concorda-trio herdado da ditadura, realidade que bem diferente daquela que a III Repblica francesa (e a I Repbli-ca portuguesa) construram. E so as especificidades atuais que me le-vam a inseri-lo na tipologia comum queles pases que, depois de te-rem vivido conjunturas de incidncia laicista, e, como reao, de terem sido alvo de polticas recatoliciza-doras avivadas por poderes ditato-riais, evoluram para uma soluo de quase-laicidade.

    IHU On-Line - E o caso italiano?Fernando Catroga - Antes de

    responder, queremos lembrar que,

  • SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013 | EDIO 426

    tem

    a d

    e C

    apa

    10

    ww

    w.i

    hu

    .un

    isin

    os.

    br

    nos pases do Sul da Europa, onde a conquista da Modernidade teve a oposio de boa parte da Igreja, os prprios Estados catlicos absolu-tistas, monrquico-constitucionais ousaram pr em causa os interesses da Igreja, fosse atacando o monoplio que esta exercia sobre o sistema de educao e ensino (antijesuitismo), fosse nacionalizando, para os priva-tizar, os bens eclesisticos (anticon-greganismo), fosse para consolidar o princpio da soberania nacional (anti--ultramontanismo). Nos seus registos e tempos prprios, essa orientao encontra-se, desde o sculo XVIII, em Frana, em Espanha, em Portugal, na Pennsula Italiana. No entanto, nesta ltima, depara-se com uma diferen-a fundamental: como, em boa parte dela, o poder temporal pertencia ao prprio papado, a luta pela criao de um Estado-nao italiano veio acres-centar um vetor que no existe em outros pases. que, no pas de Ga-ribaldi, a guerra religiosa tambm foi, aps 1848, uma guerra de libertao nacional.

    Algumas leis decretadas pelo novo poder italiano nas dcadas de 1860 e, sobretudo, a Lei das Garan-tias, de 1871 e outras, retiraram per-sonalidade jurdica s comunidades religiosas e transferiram para o Esta-do muitos dos bens que no estavam adstritos ao culto, educao e as-sistncia. tais disposies, tomadas por uma monarquia constitucional catlica, mas anatematizada pelo Papa, lanaram as bases da laicida-de italiana, embora esta no tenha ido to longe como as experincias francesa e portuguesa (sobretudo entre 1910 e 1926). Para isso, muito contribuiu a fraqueza de um Estado que desde o Risorgimento se edifi-cava sobre um mosaico de dialetos e de autonomias, assim como o ar-rastamento da questo romana (o Papa considerava-se prisioneiro dos Saboias) e a fora da prpria Igre-ja, o que permite avanar com esta concluso: o Estado foi sendo laici-zado, sem que a sociedade estivesse secularizada.

    Apoio a MussoliniPor sua vez, o impacto da I Guer-

    ra tambm propiciou, como em Por-tugal e na Frana, uma maior aproxi-

    mao do catolicismo com os ideais patriticos, passo que surgiu, porm, sob o efeito da humilhao imposta, em Versalhes, pelos vencedores e da ascenso de Mussolini6 e do seu mo-vimento ao poder. E, com os Acordos de Latro (1929), o Duce no s re-solveu a questo do Estado do Vati-cano, como taticamente soube ir ao encontro da recatolicizao da parte da Itlia mais laicizada, concordando com o regresso dos crucifixos e do ensino da religio catlica escola primria pblica, com a conferio de personalidade jurdica aos organis-mos eclesisticos e s congregaes religiosas, com o reconhecimento do valor civil do casamento pela Igreja, com a elevao de festas do calend-rio religioso a feriados nacionais, com a aceitao da validade dos diplomas em teologia, etc.

    Como contrapartida, a Santa S comprometeu-se a que a Ao Catlica no se transformasse em partido o mesmo ir acontecer em Portugal e no teve poder para se opor ao prolongamento de prticas regalistas, como a do controlo, pelo Estado, da nomeao dos bispos e dos curas. Ora, tal aliana teve, no essencial, este resultado: se os Acor-dos possibilitaram que a Igreja read-quirisse antigos privilgios, o certo que eles tambm abriram as portas a um maior alargamento da base de apoio a Mussolini. E, ao contrrio do que, em Portugal, acontecer com o Estado Novo de Salazar, o fascismo italiano acabar por colocar o catoli-cismo e a sua Igreja a funcionar como

    6 Benito Amilcare Andrea Mussolini (1883-1945): jornalista e poltico italino, governou a Itlia com poderes ditatoriais entre 1922 e 1943, autodenominando--se Il Duce, que significa em italiano o condutor. Baseando-se numa filosofia poltica teoricamente socialista, conse-guiu a adeso dos militares descontentes e de grande parte da populao, alargou os quadros e a dimenso do partido. Aps um perodo de grandes perturbaes po-lticas e sociais, quando alcanou gran-de popularidade, guindou-se a chefe do partido, e em 1922 organizou a famosa marcha sobre Roma, um golpe de propa-ganda. Usando as suas milcias para insti-gar o terror e combater abertamente os socialistas, conseguiu que os poderes in-vestidos o nomeassem para formar gover-no. Foi nomeado Primeiro Ministro pelo rei Vtor Manuel III, alcanando a maioria parlamentar e, consequentemente, po-deres absolutos. (Nota da IHU On-Line)

    uma espcie de complemente espiri-tual coadjuvante de uma religio civil imbuda de inspiraes pags e centrada no culto do Duce, onde at o ditador portugus vislumbrou ecos da tradio cesarista.

    Compromisso histricoCom o fim da II Guerra Mundial,

    com a Repblica e com a nova Cons-tituio demoliberal de 1948, seria expectvel que o legado de Latro7 fosse substancialmente alterado, mas isso no aconteceu. A nova ordem, construda sob a gide da Guerra Fria e sob o espetro da ameaa comunis-ta, devido forte implantao do PCI, contou com o empenhamento de Pio XII8 na criao de um partido demo-crata-cristo, fora que hegemonizar a vida poltica italiana at sua im-ploso nos finais do sculo passado. Assim, no obstante a Constituio salvaguardar os princpios da igualda-de e da liberdade, o essencial do es-tipulado nos Acordos manteve-se em vigor durante dcadas.

    De certo modo, e comparando com a situao na primeira dcada do sculo XX, a sociedade italiana do ps--II Guerra secularizou-se rapidamen-te, mas o mesmo no ocorreu ao nvel da laicizao do Estado. S em 1984 foi assinada uma nova verso dos Acordos, fruto de um compromisso histrico celebrado entre a Democra-cia Crist e a esquerda laica, e s cinco anos depois uma deciso do tribunal Constitucional determinou, explicita-mente, que a laicidade um dos prin-cpios supremos do sistema constitu-cional. Em funo do que ficou dito, ter-se- de aceitar que a experincia italiana, nas suas grandes especifici-dades, tem hoje mais analogias com as de quase-laicidade, do que com o modelo francs.

    7 IV Concilio de Latro: um dos maio-res conclios ecumnicos medievais. O IV Conclio de Latro foi convocado pelo papa Inocncio III atravs da Bula Vineam Domini Sabaoth de 10 de abril de 1213. No encontro, ficou decidido que os cris-tos deveriam confessar seus pecados e comungar pelo menos uma vez por ano, na poca da Pscoa. (Nota da IHU On--Line)8 Papa Pio XII (1876-1958): nascido Euge-nio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, foi eleito Papa em 2 de maro de 1939. Foi o primeiro Papa nascido na cidade de Roma desde 1724. (Nota da IHU On-Line)

  • EDIO 426 | SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013

    tema d

    e Cap

    aw

    ww

    .ihu

    .un

    isino

    s.br

    11

    IHU On-Line - J vrias vezes uti-lizou a expresso religio civil. Qual sua relao com a secularizao e a laicidade?

    Fernando Catroga - No ser necessrio citar Durkheim9 para re-conhecer que as sociedades geram ideias coletivas para reforarem o seu consenso, e basta convocar as lies da histria para se mostrar que as es-truturas polticas da velha Grcia e da velha Roma estavam sacralizadas. E o cristianismo, embora defendesse a distino entre Deus e Csar, acabou por se aliar ao Imprio e por subor-dinar o poder temporal ao espiritual. E nem a autonomizao da tica da poltica, com Maquiavel, nem as v-rias secularizaes do contrato social, dispensaram esse consrcio, como foi o caso de Rousseau10, pensador que, no contexto do debate acerca da to-lerncia, props o fomento de uma f civil, mas avisando que ela no podia ser confundida com a religio dos padres, ou com as religies polti-cas greco-romanas, e que, como con-dio necessria para a interiorizao do compromisso dos cidados para com as virtudes cvicas, teria de exigir que estes acreditassem na existncia de Deus, na imortalidade da alma e no Juzo Final. E, como prtica ritual, devia investir na educao moral e cvica, assim como em festas cvicas no espao pblico. S assim seria

    9 David mile Durkheim (1858-1917): conhecido como um dos fundadores da Sociologia moderna. Foi tambm, em 1895, o fundador do primeiro departa-mento de sociologia de uma universidade europia e, em 1896, o fundador de um dos primeiros jornais dedicados cincia social, intitulado LAnne Sociologique. (Nota da IHU On-Line)10 Jean Jacques Rousseau (1712-1778): filsofo franco-suo, escritor, terico po-ltico e compositor musical autodidata. Uma das figuras marcantes do Iluminismo francs, Rousseau tambm um precur-sor do romantismo. As ideias iluministas de Rousseau, Montesquieu e Diderot, que defendiam a igualdade de todos perante a lei, a tolerncia religiosa e a livre ex-presso do pensamento, influenciaram a Revoluo Francesa. Contra a sociedade de ordens e de privilgios do Antigo Regi-me, os iluministas sugeriam um governo monrquico ou republicano, constitucio-nal e parlamentar. Sobre esse pensador confira a edio 415 da revista IHU On--Line, de 22-04-2013, intitulada Somos condenados a viver em sociedade? As contribuies de Rousseau modernida-de poltica e disponvel em http://bit.ly/YGU1gM. (Nota da IHU On-Line)

    possvel cimentar o consenso social e nacional.

    Como se sabe, estas sugestes tero imediatamente duas aplicaes bem distintas: a emergncia de uma religio civil nos EUA, e a aplicao jacobina dos ensinamentos de Rous-seau pelo seu discpulo nesta mat-ria: Robespierre11. Depois, recebero ainda outras formas e fundamentos, pluralidade que, porm, no pe em causa esta constatao geral: de uma maneira mais explcita ou mais mitiga-da, todos os Estados-nao, incluindo os legitimados na soberania popular, ou os que impuseram a separabilida-de, geraram religies civis.

    IHU On-Line - Qual a diferena entre essas religies e as religies propriamente ditas?

    Fernando Catroga - Concordo com aqueles que tm caraterizado as primeiras como um sistema de crenas, mitos, ritos e smbolos que interpretam e definem o sentido da existncia humana no seio de uma comunidade de destino, indepen-dentemente de postularem, ou no, fundamentos transcendentes e ex-pectativas escatolgicas. Por outro lado, elas tambm se estruturam de acordo coma uma lgica que mim-tica e sincrtica em relao s Igre-jas, ao mesmo tempo que denotam, com mais evidncia, a sua origem construda e histrica, caracterstica que, somada fraqueza das esperan-as salvficas que prometem quan-do muito, a imortalidade garantida pela fama , faz delas uma religio mais fria e menos durvel do que as segundas.

    Explicando melhor: as religies civis plasmam-se em prticas sim-blicas que visam, na expresso de Rousseau, santificar o contrato so-cial, ou mais concretamente, uma entidade coletiva secular Ptria, Nao, Classe, etc. , ainda que no convoquem qualquer deidade ou es-catologia transcendente e se limitem a glorificar mitos de origem ou de destino manifesto, e a consagrar, volta de bandeiras, desfiles, oratrias

    11 Maximilien Franois Marie Isidore de Robespierre (1758-1794): advogado e poltico francs, uma das personalidades mais importantes da Revoluo Francesa. (Nota da IHU On-Line)

    e paradas, hagiografias cvicas e gran-des acontecimentos escolhidos para legitimar vocaes nacionais e dar sentido e consenso s comunidades politicamente organizadas.

    Religio ao contrrioEla atua, geralmente, de um

    modo autnomo, coexistente e pac-fico para com as Igrejas estabelecidas, podendo ser compatvel, nesse caso, com regimes de separabilidade, como acontece com a testica religio civil americana e com a neutra religio civil h muito socializada pelo repu-blicanismo francs. Mas, nos Estados--nao confessionais, as religies dominantes, comumente, tambm desempenham funes objetivas de religio civil, sobretudo quando es-to intimamente ligadas conquista da identidade e independncia na-cionais, como acontece, entre outros casos, por razes bem diversas, em Inglaterra, na Irlanda, na Polnia, na Grcia, ou nos pases com Estados confessionais e de forte tradio rega-lista. E estas experincias s no coli-diro com o respeito da liberdade reli-giosa se a ordem constitucional que as legitima respeitar o cumprimento dos direitos fundamentais do homem e do cidado.

    Em suma, a secularizao e a laicidade podem coexistir com as re-ligies civis, desde que estas no se afirmem em conflitualidade com as religies propriamente ditas, procu-rando substitu-las ou extingui-las. tal ocorreu nas conjunturas em que vingou o mais radical laicismo, ou l onde, como nos casos do nazismo e do comunismo, o Estado paganizou--se, ou fez do atesmo uma religio ao contrrio.

    Assim, conclumos: se o apelo ao fomento, atravs do rito e dos smbo-los, dos sentimentos de pertena, um reconhecimento tcito da insufici-ncia do racionalismo para solidificar e re-ligar o contrato social, nenhum comunitarismo, incluindo o propa-gado pelas religies civis, poder anular a assuno das liberdades fun-damentais e do esprito crtico neces-srios a que a compartilha de ideias e ideais coletivos seja vista como um meio ao servio da realizao da pes-soa humana, e no como um holstico fim em si mesmo.

  • SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013 | EDIO 426

    tem

    a d

    e C

    apa

    12

    ww

    w.i

    hu

    .un

    isin

    os.

    br

    Ba da IHU On-LineConfira algumas das edies da revista IHU On-Line que trataram sobre temticas ligadas poltica:

    Somos condenados a viver em sociedade? As contribuies de Rousseau modernidade poltica. Edio 415, de 22-04-2013, disponvel em http://bit.ly/YGU1gM

    Poltica de alianas: entre a necessidade e os limites. Edio 398, de 13-08-2012, disponvel em http://bit.ly/QvD5EE O mundo moderno o mundo sem poltica. Hannah Arendt 1906-1975. Edio 206, de 27-11-2006, disponvel em

    http://bit.ly/ZJYkrO A poltica em tempos de niilismo tico. Edio 197, de 25-09-2011, disponvel em http://bit.ly/1dmE0Yh A corrupo poltica e a rendio morte. Edio 149, de 01-08-2005, disponvel em http://bit.ly/1dq6HEG O Estado de exceo e a vida nua: A lei poltica moderna. Edio 81, de 27-10-2003, disponvel em http://bit.ly/cH3OMb

    Confira algumas das edies da revista IHU On-Line que trataram sobre temticas ligadas religio:

    O Conclio Vaticano II como evento dialgico. Um olhar a partir de Mikhail Bakhtin e seu Crculo. Edio 425, de 01-07-2013, disponvel em http://bit.ly/1cUUZfC

    Sementes ao vento: a dispora das religies brasileiras no mundo. Edio 424, de 24-09-2013, disponvel em http://bit.ly/15dMPh6

    Religies e religiosidades, hoje. Significados e especificidades. Edio 407, de 05-11-2012, disponvel em http://bit.ly/UdTV2r Congresso Continental de Teologia. Conclio Vaticano II e Teologia da Libertao em debate. Edio 404, de 05-10-2012,

    disponvel em http://bit.ly/SSYVTO Igreja, Cultura e Sociedade. Edio 403, de 24-09-2012, disponvel em http://bit.ly/OXjCNd Conclio Vaticano II. 50 anos depois. Edio 401, de 03-09-2012, disponvel em http://bit.ly/REokjn A grande transformao do campo religioso brasileiro. Edio 400, de 27-08-2012, disponvel em http://bit.ly/MVywqU J. B. Libnio. A trajetria de um telogo brasileiro. Testemunhos. Edio 394, de 28-05-2012, disponvel em http://bit.ly/KAJFd7 O feminino e o Mistrio. A contribuio das mulheres para a Mstica. Edio 385, de 19-12-2011, disponvel em

    http://bit.ly/xaDua2 O ecumenismo hoje. Uma reflexo teoecolgica. Edio 370, de 22-08-2011, disponvel em http://bit.ly/oUhThI Mater et Magistra, 50 anos: Os desafios do Ensino Social da Igreja hoje. Edio 360, de 069-05-2011, disponvel em

    http://bit.ly/kTYBUr Espiritismo: um fenmeno social e religioso. Edio 349, de 01-11-2010, disponvel em http://bit.ly/NrMrGF Matteo Ricci no Imprio do Meio. Sob o signo da amizade. Edio 347, de 18-10-2010, disponvel em http://bit.ly/eEhwCq Pentecostalismo no Brasil. Cem anos. Edio 329, de 17-05-2010, disponvel em http://bit.ly/lHJZuB Para onde vai a Igreja, hoje? Edio 320, de 21,21-2009, disponvel em http://bit.ly/ehaGmn Narrar Deus numa sociedade ps-metafsica. Possibilidades e impossibilidades. Edio 308, de 14-09-2009, disponvel

    em http://bit.ly/13U7lRV Novas comunidades catlicas: a busca de espao. Edio 307, de 08-069-2009, disponvel em http://bit.ly/jMVNKL O futuro que advm. A evoluo e a f crist segundo Teilhard de Chardin. Edio 304, de 17-08-2009, disponvel em

    http://bit.ly/158DVnm As religies da profecia: Judasmo, Cristianismo e Islamismo. Edio 302, de 03-08-2009, disponvel em http://bit.ly/fL3FjF Karl Rahner e a ruptura do Vaticano II. Edio 297, de 15-06-2009, disponvel em http://bit.ly/o2e8cX Lutero. Reformador da Teologia, da Igreja e criador da lngua alem. Edio 280, de 03-11-2008, disponvel em

    http://bit.ly/126sgyj Jesus e o abrao universal. Edio 248, de 17-12-2007, disponvel em http://bit.ly/16z6Pv7 O novo atesmo em discusso. Edio 245, de 26-11-2007, disponvel em http://bit.ly/13NLugg Projeto de tica Mundial. Um debate. Edio 240, de 22-10-2007, disponvel em http://bit.ly/fcYPFM Francisco. O santo. Edio 238, de 01-10-2007, disponvel em http://bit.ly/oXPcGB Os rumos da Igreja na Amrica Latina a partir de Aparecida. Uma anlise do Documento Final da V Conferncia. Edio

    224, de 20-06-2007, disponvel em http://bit.ly/gGMpe4

  • EDIO 426 | SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013

    tema d

    e Cap

    aw

    ww

    .ihu

    .un

    isino

    s.br

    13

    O Estado secular e sua base autolegitimadoraA perda da convincibiliade dos pilares teolgicos sustenta o incio da secularizao, afirma Hans Georg Flickinger, ao passo que a concepo do tempo em nossa sociedade apresenta-se como uma cabea de Janus, que parece inerente secularizao em geral

    Por Mrcia Junges

    Para o filsofo Hans Georg Flickinger, o Estado secular deve encontrar sua base legitimadora nele mesmo. Por isso, a democracia liberal vem buscando sua funda-mentao, preferencialmente, na fico do contrato originrio dos cidados que se sub-metem ao Estado. Em seu ponto de vista, o avano da modernidade tem diretamente a ver com a (re)ocupao de pilares enfraque-cidos da religio crist pelas ideias lanadas em nome do domnio irrestrito da razo hu-mana. Na entrevista concedida por e-mail IHU On-Line, Flickinger acrescenta que a se-cularizao um processo cultural, que atin-ge todas os campos de sociabilidade. Assim, pode ser percebida nas artes, educao e re-as cientficas.

    Hans Georg Flickinger, graduado em Di-reito e doutor em Filosofia pela Universidade

    de Heidelberg, professor da Universidade de Kassel (Alemanha) e da Pontifcia Universi-dade Catlica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Lecionou, tambm, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS. De suas publi-caes citamos Reflexion und Darstellung; Ein Beitrag zur Kunsttheorie der Moderne (bern: Herbert Lang; Frankfurt/M.: Peter Lang); Ne-ben der Macht; Begriff und Krise des burger-lichen Rechts (Frankfurt am Main: Syndikat, 1980), Marx; nas pistas da desmistificao filosfica do capitalismo (Porto Alegre: L&PM, 1985), Marx e Hegel (Porto Alegre: L&PM, 1986) e Teoria da auto-organizao; as razes da interpretao construtivista do conheci-mento (Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994), em colaborao com Wolfgang Neuser.

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line - A secularizao atinge outras esferas que no somen-te o fenmeno religioso?

    Hans-Georg Flickinger - Antes de responder a pergunta necessrio es-clarecer dois pontos. Primeiro: tratarei da questo de secularizao como ex-perincia da cultura ocidental-crist, deixando de lado os fenmenos com-parveis em outras tradies. Segundo: h quem use o conceito de seculariza-o para qualificar a fase de transio histrica especfica entre a Idade M-dia e o que entendido, normalmente, como tempo moderno; outros tomam a secularizao como fenmeno siste-mtico, no restrito a um determinado perodo histrico. Optei pela segunda concepo, que torna mais visvel a di-

    nmica da secularizao ao longo dos ltimos seis sculos.

    Assim desenhado meu uso do conceito, fica mais fcil responder a pergunta. Sem dvida, a secularizao iniciou-se com a perda da convincibi-lidade dos pilares teolgicos, sobre os quais a sociedade medieval havia sido erguida. A descoberta da perspectiva central na pintura, a inveno do m-todo experimental, a postura conside-rada dogmtica da instituio Igreja e, no por ltimo, o surgimento do esprito liberal so apenas uns poucos elementos que levaram ao profundo abalo da ordem poltico-social. Afir-mao da autonomia e liberdade do homem em lugar da ordem prescrita pelos dogmas teolgicos, tutelada

    pela Igreja eis a palavra de ordem que passou a valer a partir do sculo XVI. As dvidas quanto legitimidade da ideia do Deus-criador abriram o caminho ao experimento do uso da razo humana como referencial legi-timador da ordem profana. Com isso, porm, o homem teve de assumir o papel de criador e senhor do mundo; papel este que, como hoje se sabe, ul-trapassa suas possibilidades.

    Complexo de DeusPor se tratar de uma radical tro-

    ca de perspectiva cultural, a assim entendida secularizao no fen-meno restrito ao campo religioso; muito pelo contrrio, ela se espalha por todos os campos culturais. Quero

  • SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013 | EDIO 426

    tem

    a d

    e C

    apa

    14

    ww

    w.i

    hu

    .un

    isin

    os.

    br

    mencionar, entre outros, a psicologia, que enfrenta o que pode ser chamado o complexo de Deus (H.-E. Richter) e a fuga do indivduo no narcisismo; penso na Pedagogia, onde o ideal de levar o educando autonomia e liber-dade corre o risco de perder de vista a ideia de solidariedade como matriz do convvio social; na poltica, cujos conceitos centrais soberania, liber-dade, legitimidade tm origem nas ideias e linguagem teolgicas. Mes-mo a Fsica no escapa s marcas da secularizao, quando tenta remode-lar a origem do mundo e comprovar, deste modo, a onipotncia do homem como criador. De modo mais ou me-nos evidente, todas as reas veem-se contaminadas pela hybris do esprito humano; um esprito que s se enten-de como efeito da secularizao e da substituio de Deus pela razo.

    IHU On-Line - Como podemos compreender a secularizao do tempo?

    Hans-Georg Flickinger - O pr-prio conceito de secularizao d uma pista. Presente no termo portugus sculo, sua raiz remete ao saecu-lum do latim. Usamos o termo para denominar o perodo de cem anos. Ele serve de orientao dentro do flu-xo em si amorfo do passar do tempo. O ponto de referncia para estruturar o tempo na tradio ocidental crist o nascimento de Cristo. Falamos de sculos antes e depois de Cristo. Outras culturas apoiam sua orienta-o temporal em mitos diferentes, criando calendrios prprios: os mu-ulmanos, os judeus. Comum a todas, porm, a origem da ordem do tem-po num mito que aponta, simultanea-mente, a um evento e seu efeito infi-nito. A oscilao entre o a e agora e a ideia de eternidade foi sempre sua marca. Desde sua origem, a filosofia vem se preocupando, por isso, com o status ontolgico do tempo, no intuito de torn-lo acessvel ao entendimen-to humano. Aps a derrocada da ideia da eternidade divina, a viso secular do tempo reflete-se, sobretudo, na concepo de Kant1. Na sua crtica da

    1 Immanuel Kant (1724-1804): filsofo prussiano, considerado como o ltimo grande filsofo dos princpios da era mo-derna, representante do Iluminismo, in-discutivelmente um dos seus pensadores

    Metafsica, ele defendeu a tese mais radical possvel a esse respeito, fa-zendo do tempo um momento intrn-seco razo e, assim, uma condio de possibilidade de nosso acesso ao mundo. Kant contribuiu, assim, para a comprovao e garantia da soberania humana em detrimento da soberania divina.

    Cabea de JanusA apropriao do tempo pelo

    homem tem efeitos ambguos. A se-cularizao do tempo no conseguiu apagar a ideia de eternidade; muito pelo contrrio, observa-se ao avesso deste mesmo processo um anseio de revitaliza-la. Como exemplo, aponto a experincias que hoje marcam o coti-diano social. Por um lado, tem-se uma sociedade de risco que faz crescer o desejo de viver a imediatez do mo-mento; seu cunho a event-society ou, nas palavras de Christoph trcke2, a sociedade excitada; e cresce, por outro, simultaneamente o mercado bem sucedido de promessas de eter-nidade, encenado por uma diversida-de pouco transparente de seitas e co-munidades espirituais. Deste modo, a concepo do tempo em nossa socie-dade mostra-se como uma cabea de

    mais influentes da Filosofia. Kant teve um grande impacto no Romantismo ale-mo e nas filosofias idealistas do sculo XIX, tendo esta faceta idealista sido um ponto de partida para Hegel. Kant esta-beleceu uma distino entre os fenme-nos e a coisa-em-si (que chamou noume-non), isto , entre o que nos aparece e o que existiria em si mesmo. A coisa-em-si no poderia, segundo Kant, ser objeto de conhecimento cientfico, como at en-to pretendera a metafsica clssica. A cincia se restringiria, assim, ao mundo dos fenmenos, e seria constituda pelas formas a priori da sensibilidade (espao e tempo) e pelas categorias do enten-dimento. A IHU On-Line nmero 93, de 22-03-2004, dedicou sua matria de capa vida e obra do pensador com o ttulo Kant: razo, liberdade e tica, dispon-vel para download em http://migre.me/uNrH. Tambm sobre Kant foi publicado este ano o Cadernos IHU em formao nmero 2, intitulado Emmanuel Kant - Razo, liberdade, lgica e tica, que pode ser acessado em http://migre.me/uNrU. Confira, ainda, a edio 417 da re-vista IHU On-Line, de 06-05-2013, intitu-lada A autonomia do sujeito, hoje. Impe-rativos e desafios, disponvel em http://bit.ly/10v60Ch. (Nota da IHU On-Line)2 Christoph Trcke (1948): filsofo ale-mo, autor de, entre outros O Louco. Nietzsche e a mania da razo (So Paulo: Vozes, 1993). (Nota da IHU On-Line)

    Janus, que parece inerente seculari-zao em geral.

    IHU On-Line - H um nexo que une a secularizao e o avano da modernidade? Por qu?

    Hans-Georg Flickinger - A respos-ta um claro sim. Mais ainda, a mo-dernidade sequer pode ser pensada sem a passagem do esprito medieval para a modernidade. As caratersticas principais do que se entende como modernidade so herdadas da Ida-de Mdia. Quero lembrar a luta pela autonomia criativa da razo humana, que deveria substituir o Deus cristo como criador da ordem do mundo, e a qual culminou no debate entre os re-presentantes do Idealismo alemo J. G. Fichte3 e F. W. J. Schelling4, ao incio do sculo XIX. O Ego sum qui sum, a assim divulgada auto-revelao de Deus no Velho testamento, encon-trou no Eu sou Eu de Fichte sua fi-gura equivalente de fundamentao, cujas dificuldades de autolegitimao racional, entretanto, ficaram logo evi-dentes. Lembro tambm a ideia do progresso contnuo quanto ao conhe-cimento e a instrumentalizao da na-tureza. Essa ideia s pode ser enten-

    3 Johann Gottlieb Fichte (1762-1814): filsofo alemo. Exerceu forte influncia sobre os representantes do nacionalismo alemo, assim como sobre as teorias fi-losficas de Schelling, Hegel e Schope-nhauer. Fichte decidiu devotar sua vida filosofia depois de ler as trs Crticas de Immanuel Kant, publicadas em 1781, 1788 e 1790. Sua investigao de uma cr-tica de toda a revelao obteve a apro-vao de Kant, que pediu a seu prprio editor para publicar o manuscrito. O livro surgiu em 1792, sem o nome e o pref-cio do autor, e foi saudado amplamente como uma nova obra de Kant. Quando Kant esclareceu o equvoco, Fichte tor-nou-se famoso do dia para a noite e foi convidado a lecionar na Universidade de Jena. Fichte foi um conferencista popu-lar, mas suas obras tericas so difceis. Acusado de atesmo, perdeu o emprego e mudou-se para Berlim. Seus Discursos nao alem so sua obra mais conheci-da. (Nota da IHU On-Line)4 Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854): filsofo alemo. Suas primeiras obras so geralmente vis-tas como um elo importante entre Kant e Fichte, de um lado, e Hegel, de outro. Essas obras so representativas do idea-lismo e do romantismo alemes. Criticou a filosofia de Hegel como filosofia nega-tiva. Schelling tentou desenvolver uma filosofia positiva, que influenciou o existencialismo. Entrou para o seminrio teolgico de Tbingen aos 16 anos. (Nota da IHU On-Line)

  • EDIO 426 | SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013

    tema d

    e Cap

    aw

    ww

    .ihu

    .un

    isino

    s.br

    15

    dida desde que o homem seja visto como sujeito soberano com o poder de determinar a ordem profana. No por ltimo vale mencionar a legitima-o e instaurao do Estado moderno. H consenso quanto a que essa con-figurao poltica se apoia no poder soberano, independente de qualquer instncia a ele externa, tal como, por exemplo, da palavra divina. O Estado secular deve encontrar sua base le-gitimadora nele mesmo. Por isso, a democracia liberal vem buscando sua fundamentao, preferencialmente, na fico do contrato originrio dos cidados que se submetem ao Estado; variam apenas os motivos apontados pelos assim chamados contratualistas desde Hobbes5 at J.Rawls6 - para o seu fechamento. Como se v, o avan-o da modernidade tem diretamente a ver com a (re)ocupao de pilares enfraquecidos da religio crist pelas ideias lanadas em nome do domnio irrestrito da razo humana.

    IHU On-Line - Em que medi-da o desenvolvimento da tcnica e a exacerbao de um determinado tipo de racionalismo esto na raiz da secularizao?

    Hans-Georg Flickinger - Permito--me inverter a sequncia colocada na

    5 Thomas Hobbes (1588 1679): filsofo ingls. Sua obra mais famosa, O Leviat (1651), trata de teoria poltica. Neste livro, Hobbes nega que o homem seja um ser naturalmente social. Afirma, ao contrrio, que os homens so impulsio-nados apenas por consideraes egostas. Tambm escreveu sobre fsica e psicolo-gia. Hobbes estudou na Universidade de Oxford e foi secretrio de Sir Francis Ba-con. A respeito desse filsofo, confira a entrevista O conflito o motor da vida poltica, concedida pela Profa. Dra. Ma-ria Isabel Limongi edio 276 da revista IHU On-Line, de 06-10-2008. O material est disponvel em http://bit.ly/bDUpAj. (Nota da IHU On-Line)6 John Rawls (1921-2002): filsofo, pro-fessor de Filosofia Poltica na Universida-de de Harvard, autor de Uma teoria da justia (So Paulo: Martins Fontes, 1997); Liberalismo Poltico (So Paulo: tica, 2000); e O Direito dos Povos (Rio de Ja-neiro: Martins Fontes, 2001). A IHU On--Line nmero 45, de 02-12-2002, dedicou sua matria de capa a John Rawls, sob o ttulo John Rawls: o filsofo da justia, disponvel para download em http://bit.ly/bf90Gu. Confira, ainda, o 1 dos Ca-dernos IHU Ideias, intitulado A teoria da justia de John Rawls, de autoria do Prof. Dr. Jos Nedel e disponvel para down-load em http://bit.ly/9OaBiu. (Nota da IHU On-Line)

    pergunta. Pois acho que a exacerba-o da racionalidade instrumental eis a denominao de Horkheimer7/Adorno8 levou inicialmente ao de-senvolvimento impetuoso da tcni-ca. Submeter a natureza aos fins do homem exige uma tcnica cada vez mais sofisticada. Os defensores dessa

    7 Max Horkheimer (1895-1973): filsofo e socilogo alemo, conhecido especial-mente como fundador e principal pen-sador da Escola de Frankfurt e da teoria crtica. (Nota da IHU On-Line)8 Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969): socilogo, filsofo, musiclogo e compositor, definiu o perfil do pensamen-to alemo das ltimas dcadas. Adorno ficou conhecido no mundo intelectual, em todos os pases, em especial pelo seu clssico Dialtica do Iluminismo, escri-to junto com Max Horkheimer, primeiro diretor do Instituto de Pesquisa Social, que deu origem ao movimento de idias em filosofia e sociologia que conhecemos hoje como Escola de Frankfurt. Sobre Adorno, confira a entrevista concedida pelo filsofo Bruno Pucci edio 386 da Revista IHU On-Line, intitulada Ser autnomo no apenas saber dominar bem as tecnologias, disponvel para do-wnload em http://bit.ly/GCSKj1. A con-versa foi motivada pelo palestra Theodor Adorno e a frieza burguesa em tempos de tecnologias digitais, proferida por Pucci dentro da programao do Ciclo Filoso-fias da Intersubjetividade. (Nota da IHU On-Line)

    racionalidade instrumental legitimam sua opinio mediante a passagem ao incio do Velho testamento, onde consta: Sede fecundos, multiplicai--vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar.... O aviso, tomado a p-da-letra e fora do contexto mais amplo, impulsionou o aperfeioamento dos meios tcnicos para cumprir tal misso. No entanto, a partir do momento em que a palavra de Deus, enquanto autor da advertn-cia, perdeu fora, o homem passou a ocupar a cena sozinho, confiando no potencial de sua prpria razo. A con-fiana em si mesmo, enquanto ser racional, fez com que os fins por ele formulados, encontrassem apenas li-mites no estgio de desenvolvimento da tcnica. A experincia de limites , no entanto, incompatvel com a pos-tura de onipotncia narcsica, de onde nasce o impulso nunca satisfeito de desenvolver tecnologias que fogem, de modo crescente, ao seu controle. No de se admirar que essa din-mica acabe por virar contra o prprio homem como ser tico-moral. Tpico para esse estado das coisas o fato de que a avaliao tica do uso de tecnologias novas segue, na prtica, o seu desenvolvimento, ao invs de preced-lo.

    IHU On-Line - At que ponto correto e coerente aproximar secula-rizao e niilismo? Trata-se de fen-menos que se realimentam?

    Hans-Georg Flickinger - Focali-zo a pergunta no niilismo moderno, deixando de lado o niilismo grego que, enquanto epistemolgico, foi interpretado como ceticismo radical. Se tomarmos o niilismo epistemolgi-co moderno, no vejo o vnculo com as experincias da secularizao. Ao contrrio, as experincias mostram a continuidade entre a tradio teol-gico-medieval e o esprito iluminista no que se refere ao interesse de le-gitimar o conhecimento. Ao invs de contestar qualquer fundo ltimo de legitimao do saber - como o faz o niilismo , o cientificismo moderno insiste em revel-lo e legitim-lo. A mera troca de instncias fundamen-tadoras Deus substitudo pela razo no muda o projeto. Minha resposta seria outra se a concepo de moder-nidade tivesse fracassado em definiti-

    A modernidade sequer pode ser

    pensada sem a passagem do esprito

    medieval para a modernidade.

    As caratersticas principais do que se entende como

    modernidade so herdadas da Idade

    Mdia

  • SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013 | EDIO 426

    tem

    a d

    e C

    apa

    16

    ww

    w.i

    hu

    .un

    isin

    os.

    br

    vo; uma tese j defendida pela viso ps-moderna qual, porm, no me alinho irrestritamente.

    Isso muda, entretanto, quando falamos do niilismo tico-moral e da tese nietzschiana da desvalorizao dos valores superiores. Na medida em que o domnio da racionalidade instrumental, como efeito da seculari-zao, se impe na sociedade, os prin-cpios tico-morais tornam-se meros epifenmenos da lgica econmico--material. No mais o homem que decide sobre os princpios de avalia-o de sua atuao; menos ainda, so-bre a legitimidade desses princpios. Falar, a, de princpios tico-morais em sentido estrito, isto , determi-nados pelo prprio homem, seria um equvoco. Em termos do niilismo ti-co-moral pode-se, portanto, falar de uma certa retro-alimentao dos efei-tos da secularizao e da viso niilista.

    IHU On-Line - Em que aspectos a secularizao est em processo?

    Hans-Georg Flickinger - O cam-po que a se destaca , sem dvida, a poltica. A luta em vrios Estados oci-dentais pela validade constitucional do princpio de laicidade prossegue. Penso, por exemplo, na tur-quia ou nos Estados do Magreb, onde essa luta est sendo travada abertamente. Porm, a questo preocupa tambm democracias tradicionais como os EUA, a Alemanha e, recentemente, o Brasil. Embora com regras consti-tucionais claras, vm se organizan-do nestes pases correntes religiosas fortes no intuito de influenciar dire-tamente as decises poltico-sociais, tanto em nvel da legislao, quanto na rea administrativa. Esses proces-sos levam-me a pensar que a seculari-zao seja um trao inscrito na lgica interna do Estado moderno e que, por isso mesmo, causar sempre tenses e conflitos.

    Outra rea de tenso: s vezes subestimada, a organizao do campo social continua sofrendo com o deba-te acerca da secularizao. O que a incomoda o princpio de subsidia-riedade. Em consequncia da separa-o dos campos de responsabilidade entre Estado e Igreja, esse princpio d s instituies filantrpicas, so-bretudo quelas vinculadas Igreja, a preferncia quanto articulao e

    execuo das polticas sociais. Embora em grande parte financiado pelo ora-mento pblico, o trabalho social des-sas instituies aproveitado como plataforma para a divulgao contro-lada das respectivas ideologias.

    Como j disse antes, a seculariza-o um processo cultural, que atinge todas os campos de sociabilidade. Ele atinge tanto as artes como o confli-to em torno da caricatura de Maom -, quanto a educao a presena de crucifixos na sala de aula e re-as cientficas como a biologia, onde a luta entre Criacionismo e Darwinismo esquenta as cabeas.

    IHU On-Line - Tomando em con-siderao a laicidade, como podemos compreender a imanentizao do Es-tado, ou ainda, as razes teolgicas da poltica?

    Hans-Georg Flickinger - Ao falar do contratualismo, lembrei o modelo preferido para legitimar o moderno Estado liberal. O modelo resulta da tentativa de auto-fundamentar o po-der poltico fazendo do povo a fonte exclusiva da soberania. Com o modelo proposto pelos contratualistas duas demandas deveriam ser cumpridas: a

    destituio de Deus como fundo lti-mo da ordem profana e a imanentiza-o da fonte da soberania no prprio Estado. Eis o raciocnio que me parece sustentar, em ltima instncia, o prin-cpio de laicidade. A preocupao com o fundo, do qual se alimenta a ideia de soberania poltica traz consigo, de modo como que natural, a referncia ideia da soberania divina. A sobera-nia divina, expressa pela palavra do Deus-criador e dogma aceito ao longo da Idade Mdia, aponta a dois aspec-tos a serem levados em considerao: qualquer ideia de soberania remete necessria unidade da vontade; e ela precisa de sua autolegitimao. So as duas reivindicaes que restam para a fundamentao da soberania poltica e as quais esta tem de cumprir.

    IHU On-Line - Nesse contexto, qual a contribuio de Hans Blu-menberg9, Carl Schmitt10 e Karl Lwi-th11 para compreender as razes teo-lgicas da poltica?

    Hans-Georg Flickinger - Cada um destes autores escolheu um acesso diferente s experincias da seculari-zao. A descoberta da ruptura radi-cal da escatologia crist com a ideia de histria, defendida pelos gregos, levou Karl Lwith a investigar o futuro dessa viso crist na concepo mo-derna de histria. O resultado dessa investigao resume-se na tese de que o mito moderno do progresso histr-ico representa, na verdade, o resduo da escatologia teolgica. Com isso, o autor lana o olhar secularizao a partir da filosofia de histria. Hans blumenberg, o especialista daquela passagem da Idade Mdia para a po-ca renascentista, deu uma interpreta-o sistemtica da secularizao ao

    9 Hans Blumenberg (1920-1996): filsofo alemo autor de, entre outros, Die Legi-timitt der Neuzeit (2.ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988), traduzido para o francs como La legitimit des Temps Modernes (Paris: Gallimard, 1999). (Nota da IHU On-Line)10 Carl Schmitt (1888-1985): jurista e cientista poltico alemo. A IHU On-Line 139, de 2-05-2005, publicou o artigo O pensamento jurdico-poltico de Hei-degger e Carl Schmitt. A fascinao por noes fundadoras do nazismo. (Nota da IHU On-Line)11 Karl Lwith (1897-1973): filsofo ale-mo. Sua obra mais famosa Von Hegel zu Nietzsche (Stuttgart, Kohlhammer, 1958). (Nota da IHU On-Line)

    De modo mais ou menos evidente, todas as reas veem-

    se contaminadas pela hybris do

    esprito humano; um esprito que s se entende como efeito da

    secularizao e da substituio de

    Deus pela razo

  • EDIO 426 | SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013

    tema d

    e Cap

    aw

    ww

    .ihu

    .un

    isino

    s.br

    17

    afirmar que esse processo consistiria na transformao de contedos ori-ginalmente teolgicos em contedos seculares. A secularizao deveria ser vista como tentativa de dar respostas s perguntas no respondidas ade-quadamente pela teologia, as quais, porm, permanece, sem respostas.

    Nas trilhas de blumenberg, Carl Schmitt o jurista e filsofo com sim-patias explcitas pela ideia do Estado forte chegou a destacar a contribui-o da tradio teolgica na esfera do poltico. Sua tese radical a de que os modernos conceitos polticos repre-sentariam conceitos teolgicos secu-larizados. Mais ainda: existiria, segun-do ele, uma interconexo sistemtica entre pressuposies teolgicas e po-lticas. Embora com focos e argumen-tos diferentes, os trs autores chega-ram ao mesmo diagnstico.

    IHU On-Line - Em que medida plausvel um Estado neutro, como aquele apontado por Carl Schmitt, no contexto da laicidade e da intrincada relao entre poltica e economia?

    Hans-Georg Flickinger - O diag-nstico do Estado neutro, feito por Carl Schmitt, tem a base na perda do espao autnomo do poltico. Segun-do o autor, o modelo da democracia parlamentar passa o poder de deciso poltica s mos de parlamentares que, ao invs de ver no bem comum o objetivo supremo da poltica, colocam seus interesses enquanto grupos economicamente potentes da socie-dade - em primeiro lugar. Dentro de um tal modelo (de democracia parla-mentar), uma instncia poltica una e independente seria uma indicao ne-gativa, pois a sociedade liberal com-posta por uma diversidade infinita de interesses e no h nela o que seria essencial para a democracia verdadei-ra, a saber, um mnimo de homoge-neidade da populao. Quem quises-se vencer a batalha poltica precisaria, segundo Schmitt, da maioria quantita-tiva de votos. A legalidade procedural seria a condio suficiente para legi-timar o contedo das decises. Com isso, porm, o Estado de legislao (Gesetzgebungsstaat) estaria apenas disfarando interesses parciais na sua maioria econmicos - como inte-resses comuns. O Estado ficaria, neste caso, como que em cima do muro, ou

    seja, politicamente neutro. Tratar-se--ia, na verdade, de uma despotencia-lizao do Estado como representan-te de uma vontade soberana. Diante deste diagnstico no surpreende que Schmitt tivesse criticado a democracia parlamentar e pleiteado em favor de um Estado forte.

    O princpio de laicidade s re-foraria essa lgica, porque com a excluso da religio exclui-se um refe-rencial importante de sustentao das diretrizes tradicionais da sociabilida-de, tais como a solidariedade, o amor do prximo, a justia social e outros.

    IHU On-Line - At que ponto po-de-se situar em Maquiavel12 as razes da laicidade?

    Hans-Georg Flickinger - So duas razes que nos levam a buscar as ra-zes da laicidade na filosofia poltica de

    12 Nicolau Maquiavel (1469-1527): his-toriador, filsofo, dramaturgo, diplomata e cientista poltico italiano do Renasci-mento. reconhecido como fundador da cincia poltica moderna por escrever so-bre o Estado e o governo como realmente so, e no como deveriam ser. Separou a tica da poltica. Sua obra mais famosa, O Prncipe, foi dedicada a Loureno de Mdici II. (Nota da IHU On-Line)

    Maquiavel. Primeiro: a concepo do poder poltico no remete a um princpio ltimo de sua legitima-o, seno baseia-se em investiga-es empricas da poca em que se exerce; fica descartado o recurso a qualquer emanao divina do po-der. Segundo: o prncipe como lder poltico coloca-se acima de todas as outras fontes de poder, inclusive da Igreja. Maquiavel desenhava, com isso, uma demarcao clara entre o poder profano e o da Igreja. No por acaso a publicao de O prncipe de-sencadeou uma polmica em torno a sua posio; polmica esta, expressa na ideia de um prncipe cristiano, vinculando-se, assim, a legitimao do poder poltico s diretrizes crists. Todavia, para mim no fica claro se o autor de O prncipe delimita o poder poltico profano apenas em relao ao poder da instituio Igreja, ou se sua delimitao atinge tambm a re-ligio como ideologia. Neste contexto, quero lembrar um outro autor polti-co, Jean bodin13, cuja argumentao acerca da soberania poltica profana contribui muito para esse debate.

    IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto no questionado?

    Hans-Georg Flickinger - Como que ao avesso da dinmica de mo-dernizao da sociedade hodierna, o fenmeno de secularizao vem acompanhando todo processo da implementao do esprito liberal. A ressureio dos diversos fundamenta-lismos at mesmo dentro da religio crist refora essa observao, que, radicalizada, leva-me a defender a tese de que quanto mais intensos fo-rem os impulsos do espirito (neo)libe-ral, maior h de mostrar-se tambm a demanda de um referencial religioso qualquer. O que trar sempre de novo presena a questo do papel siste-mtico da secularizao no mundo de hoje.

    13 Jean Bodin (1530-1596): jurista fran-cs, membro do Parlamento de Paris e professor de Direito em Toulouse. con-siderado por muitos o pai da Cincia Pol-tica devido a sua teoria sobre soberania. Baseou-se nesta mesma teoria para afir-mar a legitimao do poder do homem sobre a mulher e da monarquia sobre a gerontocracia. (Nota da IHU On-Line)

    Afirmao da autonomia e liberdade do

    homem em lugar da ordem prescrita

    pelos dogmas teolgicos,

    tutelada pela Igreja eis a

    palavra de ordem que passou a valer

    a partir do sculo XVI

  • SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013 | EDIO 426

    tem

    a d

    e C

    apa

    18

    ww

    w.i

    hu

    .un

    isin

    os.

    br

    O nexo entre poltica do reconhecimento e secularizaoPara Luiz Bernardo Leite Arajo, ambos fenmenos se colocam a partir de uma realidade poltica caracterizada pela tendncia natural a um desacordo razovel entre os indivduos quanto definio do bem viver

    Por Mrcia Junges

    Contrapondo-se cegueira de um liberalismo insensvel s diferen-as, a poltica do reconhecimento reivindica, para alm dos iguais direitos ju-rdicos e polticos, aos quais foram adicio-nados elementos sociais e econmicos ao longo do sculo passado, a incorporao de direitos culturais como realizao mais aca-bada, digamos, do princpio da igualdade afirmado pelos regimes democrticos mo-dernos. A reflexo do filsofo Luiz Bernar-do Leite Arajo na entrevista que concedeu, por e-mail, IHU On-Line. Em seu ponto de vista, Taylor afirma, ao modo de Rawls, que estamos condenados a viver em um con-senso sobreposto, quer dizer, que a coeso social nas democracias modernas, caracteri-zadas pela diversidade de perspectivas reli-giosas, filosficas e morais que se chocam e se fragilizam mutuamente, depende de uma tica da cidadania firmada por comunidades cujas razes divergem umas das outras, re-querendo uma justia poltica equidistante

    das diferentes posies e uma linguagem p-blica isenta de premissas extradas de uma ou outra forma de crena e tambm - o que importante - de descrena.

    Graduado em Filosofia pela Faculdades Associadas do Ipiranga, mestre em Filosofia pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro PUC-Rio e doutor e ps-doutor em Filosofia pela Universidade Catlica de Louvain, na blgica, com a tese Modernit, Raison Communicationnelle et Tradition. Un essai de systmatisation de la thorie criti-que de la religion chez Jrgen Habermas. Na Universidade do Estado de Nova Iorque e na Universidade Federal de Santa Catarina UFSC cursou ps-doutorado. Leciona no De-partamento de Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ e autor, entre outros, de Religio e Modernidade em Habermas (So Paulo: Edies Loyola, 1996) e Pluralismo e Justia: Estudos sobre Habermas (So Paulo: Edies Loyola, 2010).

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line - Qual a diferen-a entre laicidade e secularizao? E o que podemos compreender por ps-secularismo?

    Luiz Bernardo Leite Arajo - So termos aparentados, muitas vezes utilizados como sinnimos. A secula-rizao algo mais abrangente, com-portando um processo multifacetado no qual a laicidade um componente importante. Este ltimo conceito, at mesmo por sua costumeira utilizao a partir do contexto republicano fran-cs (laque, lacit), remete principal-mente ao aspecto poltico de uma teo-ria da secularizao. Como demonstra

    Charles taylor, em sua monumental obra Uma Era Secular, o secular uma categoria que se desenvolveu dentro da cristandade latina, reme-tendo ao tempo profano ou mun-dano (saeculum) em contraste com tudo aquilo que se referia ao eterno, sagrado, constituindo um termo de uma dade cujo significado foi sendo transformado medida que seu con-traponto se alterava, de maneira que a separao clara entre uma ordem imanente e outra transcendente, de cunho eminentemente religioso, pre-parou paradoxalmente o terreno para uma afirmao de autossuficincia

    do secular. Assim, a laicidade traduz, sobretudo, a doutrina poltica da se-parao entre Igreja e Estado, uma espcie de viga mestra da seculariza-o moderna, no sendo demasiado lembrar que as revolues americana e francesa deram lugar a dois modelos narrativos distintos, quer no sentido de distanciamento entre as institui-es governamentais e as instituies religiosas, quer no sentido de controle das primeiras sobre as segundas.

    SobrecargasO termo ps-secularismo de

    uso mais recente, correspondendo a

  • EDIO 426 | SO LEOPOLDO, 02 DE SEtEMbRO DE 2013

    tema d

    e Cap

    aw

    ww

    .ihu

    .un

    isino

    s.br

    19

    uma mudana de mentalidade segun-do a qual a autocompreenso secular da modernidade, que em princpio no colocada em questo malgra-do as interpretaes divergentes, no deveria ser norteada pelo secularis-mo ou laicismo enquanto ideologia ou viso de mundo. A ideia adquiriu importncia crescente nas discusses acadmicas atuais, em parte devido influncia do pensamento de Jrgen Habermas1, o qual em sua obra Entre Naturalismo e Religio usa a expres-so para denotar sociedades que se tornaram conscientes da persistncia da religio, de sua relevante contribui-o para a vida poltica, da necessida-de de eliminar sobrecargas mentais e psicolgicas desmesuradas para cida-dos crentes, e ainda do imperativo de acomodao das vozes religiosas na esfera pblica democrtica. No muito diferente, resguardadas as diferenas conceituais, da nfase de Taylor num novo sentido de secula-ridade que permita compreender as condies em que se do a aspirao humana de completude e a relao com a transcendncia em uma poca caracterizada pela eroso da certe-za imediata e pelo fim da f religiosa ingnua, ou seja, para alm dos sig-nificados tradicionais da secularida-de como esvaziamento da religio no espao pblico e como declnio das crenas e das prticas religiosas.

    IHU On-Line - Sendo a demo-cracia herdeira poltica do cristia-nismo, na concepo de Nietzsche2,

    1 Jrgen Habermas (1929): filsofo ale-mo, principal estudioso da segunda ge-rao da Escola de Frankfurt. Herdando as discusses da Escola de Frankfurt, Ha-bermas aponta a ao comunicativa como superao da razo iluminista transfor-mada num novo mito que encobre a do-minao burguesa (razo instrumental). Para ele, o logos deve contruir-se pela troca de ideias, opinies e informaes entre os sujeitos histricos estabelecen-do o dilogo. Seus estudos voltam-se para o conhecimento e a tica. Confira no site do IHU, www.unisinos.br/ihu, editoria Notcias do dia, o debate entre Habermas e Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI. Ha-bermas, filsofo ateu, invoca uma nova aliana entre f e razo, mas de maneira diversa como Bento XVI props na con-ferncia que realizou em 12-09-2006 na Universidade de Regensburg. (Nota da IHU On-Line)2 Friedrich Nietzsche (1844-1900): fi-lsofo alemo, conhecido por seus con-ceitos alm-do-homem, transvalorao

    como podemos compreender o fen-meno da laicidade?

    Luiz Bernardo Leite Arajo - de fato inquestionvel, a meu ver, essa afinidade eletiva, para utilizar um termo to caro a Max Weber, entre os ideais cristos de igualdade entre todos os seres humanos, porque cria-dos imagem e semelhana de Deus, de responsabilidade solidria pelo destino de cada um, de uma moral da conscincia individual autnoma e emancipada - entre outros que pode-riam se resumir na ideia de dignidade humana -, e os princpios bsicos das democracias liberais modernas. Por outro lado, onde tal ordem demo-crtica se imps, ela no resultou de uma relao harmnica entre pode-res mundano e supramundano, mas de uma tenso permanente entre a

    dos valores, niilismo, vontade de poder e eterno retorno. Entre suas obras figuram como as mais importantes Assim falou Zaratustra (9. ed. Rio de Janeiro: Civili-zao Brasileira, 1998), O anticristo (Lis-boa: Guimares, 1916) e A genea