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Health Matt Damon Rafael Chirbes Anish Kapoor Jon Hassell Cesária Évora RUI GAUDÊNCIO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7143 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE Sexta a-f f f fe ei ira a a a a 23 Outubro 20 00 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 www .ips si il lon n n. . . . . . . . . . . . . . . . . . .p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p p t t t t t t t t t t t t t t t t t t Na cabeça de António Lobo Antunes

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Na cabeça de António Lobo Antunes

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Fla

shGus van Sant e Brett Easton Ellis vão fazer um filme juntosGus van Sant, o realizador de “Milk” e “A Caminho de Idaho”, e Brett Easton Ellis, o escritor de “Menos que Zero”, estão a escrever, a meias, o argumento para um novo filme baseado na vida, e sobretudo na morte, do casal Theresa Duncan-Jeremy Blake. O ponto de partida do guião é um longo artigo que a “Vanity Fair” publicou em Janeiro de 2008, “The Golden Suicides” - um artigo que começa em Duncan e Blake e acaba, conspirativamente, na Igreja da Cientologia e no 11 de Setembro. Duncan, que criava imagens caleidoscópicas para ecrãs plasma e assinara entretanto um acordo para fazer dois filmes com a Fox, tinha 40 anos quando tomou uma dose excessiva de medicamentos e morreu, a 10 de Julho de 2007; Blake, produtor de videojogos para miúdas, suicidou-se uma semana depois, no Oceano Atlântico. O artigo da “Vanity Fair” sugere que a paranóia do casal em relação à Cientologia (Duncan e Blake diziam-se perseguidos por agentes daquela seita religiosa) começou depois de uma relação artística fracassada com Beck, e que nos últimos meses de vida os dois estavam absolutamente viciados (e orgulhosamente sós) em teorias da conspiração acerca do 11 de Setembro.Gus van Sant confirmou à “Variety” que tem o guião em cima da mesa, mas sublinhou que ainda não decidiu se vai ser ele a realizar o

filme.

Director José Manuel FernandesEditor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar SwaraDirectora de arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana SoaresEditor de fotografia Miguel MadeiraE-mail: [email protected]

Ficha Técnica

No princípio, havia um livro – um livro infantil publicado em 1963 que se transformou num pequeno clássico da literatura infantil americana. “Where the Wild Things Are” tinha apenas dez frases de texto e contava a sua história — a de Max, um miúdo que se portou mal, vai para a cama sem jantar e viaja até uma terra longínqua povoada por “coisas selvagens” — em 40 páginas. Ninguém, a começar pelo próprio autor, esperava que o livro de Maurice Sendak fosse o êxito que foi.E o mesmo se pode dizer do filme que Spike Jonze, o realizador de “Queres Ser John Malkovich?” e “Inadaptado”, tirou do livro — os rumores que rodeiam “O Sítio das Coisas Selvagens” há dois anos tornam-no num dos mais

singulares projectos que uma “major” de

Hollywood alguma vez aceitou

financiar, e se o filme conseguir recuperar o investimento (que se diz estar na ordem dos cem milhões de dólares) muita gente irá mostrar-se surpreendida

(e a Warner vai com certeza dar um grande suspiro de alívio).Com a bênção de Sendak, Jonze abriu e expandiu a história original com a colaboração do humorista Dave Eggers, convidou Karen O, dos Yeah Yeah Yeahs, para compor a banda-sonora (com o veterano Carter Burwell), foi rodar à Austrália e fez questão de que as “coisas selvagens” não fossem criadas por computador mas interpretadas por actores vestidos com fatos sobredimensionados (construídos pela Jim Henson’s Creature Shop). Para complicar a coisa, o elenco está longe de ter nomes de primeira linha — o único actor humano presente ao longo de todo o filme é o jovem Max Records (cuja interpretação tem sido unanimemente saudada). Catherine Keener tem um pequeno papel como a mãe de Max, e os nomes mais conhecidos dão voz às “coisas selvagens”: James “Tony Soprano” Gandolfini, Forest Whitaker, Chris Cooper e Catherine O’Hara.Depois de uma primeira projecção-teste que deixou o estúdio (e as audiências) completamente à toa, Jonze lá conseguiu finalmente levar o barco a bom porto,

não sem a necessidade de rodagens adicionais e de um longuíssimo trabalho de pós-produção. “O Sítio das Coisas Selvagens” chegou às salas americanas há uma semana com uma das recepções críticas menos unânimes dos últimos anos — praticamente não há dois observadores que partilhem uma mesma visão do filme, embora todos lhe reconheçam a extrema fidelidade espiritual ao livro de Sendak e admitam que é dificilmente um filme para miúdos — e uma surpreendente adesão do público, que fez dele o filme mais visto do fim-de-semana com 32 milhões de dólares em receitas.Como que a confirmar alguns receios, o “Los Angeles Times” avança no seu blogue Company Town que o sucesso de “O Sítio das Coisas Selvagens” se deve a um público essencialmente adulto (será dos Arcade Fire no espantoso “trailer”?). Uma coisa é certa: com o “dedinho” de Jonze, um dos mais inventivos criadores de imagens da sua geração, só um estúdio seriamente iludido esperaria um filme “normal”. A confirmar quando chegar às salas portuguesas, a 26 de Novembro. Jorge Mourinha

SumárioAntónio Lobo Antunes 6Na cabeça de...

Rafael Chirbes 12Escreveu “Crematório” para pôr um ponto final nos idealismos de uma geração

Pedro Campos Costa e Nuno Louro 14Dois homens, duas máquinas fotográficas, duas linhas, um território – e um livro e uma exposição

Anish Kapoor 16Dispara cera e deixa excrementos na Royal Academy de Londres

Health 20“Get Color” é testosterona trabalhada, músculo cerebral

Matt Damon 28Mente e está gordalhufo em “O Delator”

As coisas selvagens de Spike Jonze

Spike Jonze convidou Karen O, dos Yeah Yeah Yeahs, para compor a banda-sonora de “Where the Wild Things Are”, filme que acabou de estrear nos EUA

Gus van Sant confirmou à Varietyque tem o guião em cima da mesa, mas sublinhou que ainda não decidiu se vai ser ele a realizar o

filme.

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Gus van Sant e Brett Easton Ellis estão a escrever, a meias, o argumento para um filme baseado na vida e na morte do casal de artistas Theresa Duncan-Jeremy Blake

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Blur e David Bowie em Lego

O grupo inglês Blur, que voltou a reunir-se recentemente, e os cantores David Bowie e Iggy Pop irão engrossar a lista das figuras do universo rock a transformar em bonecos de plástico virtuais. Ou seja, os Blur, David Bowie e Iggy Pop estão prestes a ser bonecos de Lego no jogo “Lego rock band”. A Harmonix, responsável pela iniciativa, divulgou também a lista completa de faixas que farão parte do singular jogo. A selecção vai do rock mais clássico (Queen, Tom Petty) às linguagens mais alternativas do rock (The Coral, Vampire Weekend), passando por sucessos de sempre de grupos como os Foo Fighters ou The Police.

Novo Eels em Janeiro O grupo norte-americano Eels regressa no início do próximo ano, mais exactamente em Janeiro, com novo álbum, o oitavo da sua carreira. Chama-se “End Times” e sairá apenas sete meses depois de “Hombre

Lobo: 12 Songs Of Desire”, editado

em Junho passado. Há duas explicações

para o sucedido. Em primeiro lugar, o carácter prolífico de Mark Everett, a cabeça

pensante por trás dos Eels. Em segundo, o facto de vivermos na

era da Internet, em que nada se deixa na gaveta e

tudo conflui para o espaço digital. É assim que Everett explica um tão curto espaço de tempo entre os dois lançamentos. O álbum terá 14 faixas e foi registado no estúdio lá de casa de E, como também é conhecido

Everett. [ver

página 35- crítica à edição em DVD de “Live At Town Hall”]

A raposa de Lars von Trier dá que falar

A crítica, pelo menos em parte, desfez o filme de alto a baixo quando o viu em primeira mão em Cannes (uma raposa a falar dá que falar e a crítica falou mal, mas falou dela) mas na galáxia por vezes muito distante que se chama EUA o novo Lars von Trier, “Antichrist”, está destinadissimo a transformar-se em objecto de culto. Apesar dos incidentes - durante a exibição do filme no New York Film Festival, um homem desmaiou durante uma das muitas cenas mais difíceis de engolir e os paramédicos tiveram de entrar na sala, interrompendo a sessão -, “Antichrist” está a construir uma significativa legião de fanáticos, sobretudo junto do público mais jovem e/ou dos fãs do cinema de terror. Segundo a “Variety”, há uma grande probabilidade de a frase da raposa (façamos o filme, para quem ainda não viu: quando Willem Dafoe se enfia na floresta, vê uma raposa e

esta grita-lhe um aforismo profético, “chaos reigns”) acabar estampada em “t-shirts”. Reformulando: Lars von Trier reina.

“We Want Miles” (Davis, isto é) em Paris“We Want Miles” é o título de um disco do mais genial trompetista da história do jazz, gravado ao vivo entre Nova Iorque e Tóquio em 1981. Desde o passado fim-de-semana e até 17 de Janeiro, é também o título de uma exposição imperdível na Cité de la Musique, em Paris. Quem o atesta são os críticos do jornal “Le Monde”, Véronique Mortaigne e Sylvain Siclier, que consideram esta exposição a mais justa homenagem à figura e à obra do autor de “Kind of Blue” (1959). Consegue evitar a tentação fácil do fétichismo, mesmo se expõe alguns objectos associados à sua biografia, como um trompete

Martin modelo Magna dos

anos 50 brilhando de um azul esverdeado, o piano eléctrico Fender e a guitarra baixo Fodera Monarch Deluxe usados para a gravação de “Tutu” (1986), o disco da fase eléctrica de Miles, que, com “Kind of Blue”, o transformou numa estrela de repercussão e sucesso mundiais. A exposição também tem algumas peças de roupa, partituras e documentos, como o recibo do pagamento antecipado para a composição da música para o filme de Louis Malle, “Fim-de-Semana no Ascensor” (1957), e que o músico assinou assim: “Miles Davis, motherfucker”. Mas “We Want Miles” tem, acima de tudo, a música de Miles, conseguindo ser mais uma exposição para ouvir do que para ver. “Dentro de uma cenografia escura, ‘We Want Miles’ é uma exposição serpentina, em circunvoluções, montada de forma cronológica, desde o seu encontro com os ídolos e mestres do be-bop (Dizzy Gillespie e Charlie Parker, em 1944), até aos seus últimos concertos no Grand Halle de La Villette, em Julho de 1991”, escrevem Véronique Mortaigne e Sylvain Siclier. Ficámos a querer ir ver – para ouvirmos Miles em contexto.

Espaço Público

Este espaço vai ser seu. Que filme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever

sobre ele, concordando ou não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para [email protected]. E nós depois publicamos.

“Antichrist” está a construir uma significativa legião de fanáticos, junto do público maisjovem e/ou dos fãs do cinema de terror

Mark Everett, a prolífica cabeça pensante por trás dos Eels

Até 17 de Janeiro, uma exposição imperdível na Cité de la Musique, em Paris

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1. A casa Em que pensa um lisboeta quando lhe falam no Conde de Redondo? Em travestis. Na Judiciária. Numa daque-las ruas cheias de autocarros para cima e para baixo, com pensões de passagem e montras de bairro. Uma rua onde não se passeia, a não ser quem lá mora.

Agora mora lá António Lobo An-tunes. Mudou-se há dois anos para uma casa que por fora é Conde de Redondo e por dentro podia ser No-va Iorque ou Zurique. Prédio recu-perado por um arquitecto, átrio em pedra escura, ferro, madeira, luzes a acender conforme andamos. Um elevador silencioso e, quando a por-ta desliza, uma espécie de antecâ-mara do templo: António Lobo An-tunes em alemão (a propósito de “Manual dos Inquisidores”), António Lobo Antunes em francês (“António Lobo Antunes et le livre total”), An-tónio Lobo Antunes tão novo (ele diria: “quando eu era bonito”), cada poster na sua moldura e por cima a assinatura manuscrita a preto na pa-rede do patamar: António Lobo An-tunes.

A porta de casa abre-se e aqui está ele — quase novo, quase magro, me-tade do que estava antes do cancro, aquele olho azul vagueante.

Cumprimenta, faz entrar, começa a mostrar tudo.

— Gosto desta casa porque é aber-ta para dentro.

O Conde de Redondo é mesmo lá fora, até se vê uma nesga do prédio em frente, encardido, cheio de mar-quises, e ouve-se, porque a janela está aberta. Mas a casa parece estar fora da cidade, suspensa. Um casulo muito amplo e alto, forrado a livros, todo branco, cinza e ocre, luz coada, linhas rectas sem um grão de pó — e nem uma conta da água, um casaco numa cadeira, um maço de SG Gigan-te, uma beata, nada.

É como se António Lobo Antunes se tivesse mudado para aqui ontem com a roupa que traz no corpo: ele, algumas imagens emolduradas e mui-tos milhares de livros.

— Isto estava na rua — diz, pondo a

mão numa formidável mesa de car-pinteiro, ainda com os armários de ferramentas e o torno de ferro, que faz as vezes de aparador entre a sala e a cozinha.

E a cozinha, virgem, imaculada, espera um chefe que a inaugure, com a mesa de jantar ao fundo e uma es-tante à cabeceira.

De resto, há livros ao longo de to-das as paredes, livros de lombada partida, meticulosamente arrumados até à beirinha em estantes claras e sólidas, pouco profundas, sem espa-ço de sobra para aquelas coisas que as pessoas acumulam em frente aos livros.

— Quem lhe fez estas estantes?— Foi um amigo — atalha. Portanto,

era uma pergunta indiscreta, quase como perguntar-lhe por Deus.

Eis a biblioteca de um leitor com-pulsivo, maníaco. Enquanto os repór-teres a vêem de perto, ele recua de mãos nos bolsos, mas aqui e ali avan-ça para corrigir uma lombada.

— Não gosto de ver as coisas fora do sítio.

Que imaginavam? Caos e fumo? É que nem fumo, apesar de António Lobo Antunes ter sempre um cigarro aceso.

Mas quem já viu as folhas onde ele desenha as letras (ele gosta de dizer que desenha as letras), talvez reco-nheça esta disciplina de quem foi educado num mundo antigo (sem cotovelos em cima da mesa).

Está com 67 anos, o primogénito Lobo Antunes, e as vezes que fintou a morte, desde a tropa em Angola.

No livro que acaba de publicar, “Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar”, a morte é a matéria de toda uma família — uma filha que morre de cancro, um filho que tem “a doença, a doença, a doença”, uma mãe que sempre foi gorda e de repen-te a roupa está-lhe larga, vai morrer às seis em ponto da tarde, como num eco do poema de Lorca.

É um livro com toiros ao fundo (An-tónio Lobo Antunes escreve toiros, à antiga).

Toiros, azinheiras e uma quinta a alternarem com a casa de Lisboa, o

baldio de Lisboa onde uma filha com-pra droga de injectar, o parque de Lisboa onde um filho compra sexo com meninos, mas tudo isto mesmo lá ao fundo, porque na verdade (co-mo sabe quem o lê) o livro não se passa em lado algum a não ser na ca-beça de quem o escreve.

E António Lobo Antunes vai apa-recendo mais uma vez com o seu pró-prio nome, invocado, descomposto por pai, mãe e filhos enquanto “aque-le que escreve o livro”.

E mais uma vez este será “o último livro”, “o testamento”, neste caso di-vidido nas etapas da corrida de toi-ros, até que o autor declara “finis laus deo”, fim, graças a deus.

E quando o leitor vê isto fica a sa-ber que, claro, não é o fim, pois se aquele livro não acabou com António Lobo Antunes, António Lobo Antu-nes começará outro, mais uma vez.

E assim foi. No começo de 2009, mal acabou

de rever “Que Cavalos...” (título, diz ele, de uma canção rural do século XIX), pôs-se a escrever mais uma res-ma com letras desenhadas. Deu-lhe o camoniano (e ainda não definitivo) título de “Sôbolos Rios Que Vão”. Es-tá em fase de revisão.

Lá chegaremos, à resma e à poesia, ali uns degraus acima, numa espécie de pequena mezanine onde o autor agora trabalha.

Cá em baixo, junto à janela, a pri-meira estante tem toda uma pratelei-ra de Odisseias e Ilíadas em várias traduções, depois uma prateleira de Bíblias, Corões e livros sobre religião, e antes de passarmos à terceira pra-teleira já Lobo Antunes se adianta pela sala.

— Quem é este? — desafia, agarran-do uma edição francesa, com o pole-gar firmemente em cima do nome do autor. Só se vê o título: “Carnets”. E a fotografia da capa mostra um ho-mem jovem de chapéu e feições finas. A gente pensa em Ezra Pound mas já passou o tempo:

— Sua ignorante — diz o autor, mo-vendo o polegar.

É Tchekov, muito novo, sem a cara redonda dos retratos posteriores.

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pa

Mudou-se há dois anos para uma casa que por fora é Conde de Redondo e por dentro podia ser Nova Iorque ou Zurique

Uma volta pela cabeça de

António LA gente quer andar mais pela rua. Ouvi-lo com o merceeiro, a

cabeleireira, mas ele dá-nos a volta. Conde de Redondo, Gomes Freire, Gonçalves Crespo, Conde de Redondo. Quando damos

por isso estamos outra vez em casa. A casa é como a cabeça dele: livros, livros, livros. Alexandra Lucas Coelho

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O que se sente com o cancro é um

vazio imenso. Dizem que

estou curado. Olhe, aí aprendi

muita coisa sobre a vida.

E que a maior parte das

pessoas são melhores do

que eu

Lobo Antunes

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A gente diz que está parecido com Ezra Pound, mas o autor acha que está parecido com Johnny Depp — o que vai dar ao mesmo porque Ezra Pound também é parecido com Johnny Depp (ou vice-versa). E entre-tanto o autor já foi buscar um álbum de fotografias de Tchekov para mos-trar como era bonito em todas as fa-ses.

Não é comum nos heterossexuais da sua geração, mas quando António Lobo Antunes fala de um homem bo-nito diz que ele é bonito, de Luandi-no Vieira a Le Clézio, e muitas vezes começa mesmo por aí.

Talvez por também isso não lhe ter faltado — ser bonito.

Mas sigamo-lo, porque ainda fal-tam as fotografias antes de sairmos para o Conde de Redondo, tal como lhe foi proposto.

— A estante dos favoritos é aquela — resume.

A saber: uma prateleira de Tolstois; outra de Joyces e Pounds; outra de Shakespeares e Dantes; outra com Gogol, Tchekov, Lewis Carroll, William Gaddis; outra com Con-rad…

— Isto é uma primeira edição que fanei em Chicago.

... e Salinger; ou ainda: Rabelais, Cervantes, Eugene O’Neill, Stendhal, Doistoievski, Flaubert.

— Não são todos os que gosto, fal-tam alguns. As Bröntés, a George Eliot estão no corredor…

Contorna os sofás.— Isto é do Ikea — gesto largo. — Mas

também tenho Philippe Starck.Sobe os degraus para a mezanine

e aponta uma pequena mesa quadra-da com quatro cadeiras.

— Não parece mas é confortável, sente-se lá.

A gente senta-se. Muito confortá-vel, com a vantagem — qual Philippe Starck — de termos à mão mil páginas de letras redondas, infantis. Papel, caneta, um cinzeiro-espelho de tão limpo. E na parede mesmo à direita, só poesia.

António Lobo Antunes espeta o dedo num Auden.

— Este tipo é um grande poeta. Des-te também gosto muito [William Car-los Williams]. Esta é uma primeira edição [Lorca, obras completas]. Tem isto? Vale mesmo a pena [Blake, obras completas]. Até aqui tenho poetas de segunda como o Neruda.

Da mezanine vai-se para os quar-tos, passando pela estante dos ingle-ses: Jane Austen, Virginia Woolf, mui-tos Graham Greene muito lidos. Em frente, há ensaios; dobrando a esqui-na, policiais — edições de bolso amol-gadas.

— Isto é só uma escolha — acentua ele, explicando que muitos caixotes não chegaram a vir.

Depois, o primeiro quarto tem cen-tenas de livros e um único autor: An-tónio Lobo Antunes.

— São as traduções — Uma parede inteira de línguas e alfabetos, de to-dos os tamanhos e géneros. Há capas feitas sobretudo com letras, e capas como a da edição americana de “Que Farei Quando Tudo Arde”, com uma boca de “pin up” entreaberta (uma das favoritas do autor, até está em poster na sala).

E finalmente António Lobo Antu-nes entra no seu próprio quarto “en suite”, onde também há estantes altas e baixas. As baixas mantém-se vazias,

à espera. Nas altas acham-se os auto-res portugueses, desde as crónicas medievais.

A cama está desfeita.— Peço desculpa.Mas é a prova da existência do ho-

mem. E em frente à cama, a grande luz de Marilyn, a rir de perfil.

— Uma publicidade para a Chanel — fanada algures, conta ele.

Linda.

2. A rua E saímos, sim, saímos — como diria Cesariny.

No elevador, António Lobo Antu-nes fala no estado ideal para escrever (entre sono e acordar, ou quando se está cansado), e a gente lembra-se de ele já ter falado disto.

Mas o problema com quem deu milhares de entrevistas, e acaba ago-ra de ver sair um livro com mais al-gumas (“Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes”, de João Céu e Silva), é que já a gente já não sabe quando algo é novo. Provavelmente, nem ele.

Pára no átrio para abrir o correio. Há uma revista estrangeira.

— Quer? — oferece o autor. — Para saber se deito fora.

Quando a porta da rua se abre, é como levar um estalo. Cá está a cida-de, autocarros a deslocarem massas de ar. Mas dobrando a esquina, uma aldeia.

— Gosto deste bairro, porque são merceariazinhas, padariazinhas, lo-jinhas, parece que estou em Benfica outra vez. Costumo sair para comer aqui à volta, e depois voltar a casa é um sentimento de paz. Eu trabalhava na Gonçalves Crespo, havia um letrei-

Este tipo [Auden] é

um grande poeta. Deste

também gosto muito

[William Carlos

Williams]. Esta é uma primeira

edição [Lorca, obras completas].

Tem isto? Vale mesmo

a pena [Blake, obras completas].

Até aqui tenho poetas de segunda

como o Neruda

O Conde de Redondo é mesmo lá fora, até se vê uma nesga do prédio em frente, encardido, cheio de marquises, e ouve-se, porque a janela está aberta. Mas a casa parece estar fora da cidade, suspensa

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“[As entrevistas] são para mim a forma de interrogatório mais assustadora do mundo, por me enfiarem um gravador na boca e me ordenarem que possua ideias e opiniões gerais, que são coisas que nunca tive”, lemos de António Lobo Antunes no seu “Livro de Crónicas” (Dom Quixote). Se a isto juntarmos o velho título de entrevistado difícil, não deixa de ser curioso encontrarmos tantos registos de encontros com o escritor.

Primeiro foram as “Conversas com Lobo Antunes” (Dom Quixote), publicadas em 2002 pela jornalista do “El País” María Luisa Blanco. No livro fala o autor e, coisa inédita, falam os seus pais. “A vida é curta para ler o António. Eu já não tenho paciência. É complicado de ler. Gosto muito dos seus primeiros livros, têm coisas extraordinárias. Mas os mais recentes, não”, diria então João Lobo Antunes, o pai.

O jornalista João Céu e Silva, do “Diário de Notícias”, recupera o modelo em “Uma Longa Viagem Com Lobo Antunes” (Porto Editora), livro que nasceu depois de uma entrevista a propósito de “O Meu Nome é Legião”, em 2007. “Não conhecia António Lobo Antunes pessoalmente e fiquei impressionado naquela entrevista. É uma pessoa fechada, que não gosta de falar ao jornalistas. Foi rude, disse-me que não me conhecia e perguntou-me o que estava ali a fazer. Eu respondi torto, na mesma moeda. Ele não estava a contar e acho que isso foi importante, facilitou a nossa relação”, lembra.

Seguiram-se mais de duas horas de conversa e Céu e Silva teve vontade de continuar. Falou a Lobo Antunes do desejo de fazer um livro e a partir daí combinaram-se encontros com a regularidade possível. Céu e Silva encontrou Lobo Antunes “numa fase da vida em que lhe apetecia falar com alguém, especialmente com um homem”. Falaram da guerra colonial, de mulheres, de livros, cinema, do suicídio – essa angústia que o assola entre cada livro que escreve. O jornalista foi ganhando a confiança do escritor, ao lanche, quando o observava olhando a parede durante largos minutos, quando folheavam páginas amarelas.

Tudo isto passou para o livro, cuja maior particularidade é, afiança Céu e Silva, poder revelar aos leitores de Lobo Antunes como é que ele escreve. O jornalista acompanhou o processo de criação de “Que Cavalos São Aqueles que Fazem Sombra no Mar?”, da descoberta do título à última versão do texto. Discutiu, formulou questões e repetiu-as até à exaustão: “Queria

ter a certeza que o que me dizia era verdade, que não estava a fazer aquela pose de escritor e a mandar umas coisas para o ar.”

O pendor autobiográficoRodrigues da Silva, muitas vezes, Clara Ferreira Alves, Baptista-Bastos, Miguel Sousa Tavares, Ana Sousa Dias, José Jorge Letria, Sara Belo Luís e Alexandra Lucas Coelho são outros dos jornalistas que ao longo dos anos questionaram o escritor e a sua obra. Ana Paula Arnaut, professora de Literatura Portuguesa Contemporânea, reuniu e editou estes e outros registos em “António Lobo Antunes – Confissões do Trapeiro” (Almedina), publicado em 2008. E já está nas livrarias “António Lobo Antunes” (Edições 70), estudo sobre a obra e o autor.

O livro insere-se na colecção “Cânone”, inaugurada com um tomo sobre José Saramago, também da sua autoria. “É mais que evidente que Lobo Antunes pertence ao cânone”, diz-nos ao telefone, de Coimbra. “A evolução literária constrói-se a partir de autores que provocam reacções de choque, que inovam. Lobo Antunes subverte o romance dito tradicional e, nesse sentido, é inevitável”.

O texto de Ana Paula Arnaut aborda o pendor autobiográfico da obra antuniana, a importância de África ou as inovações formais introduzidas pelo escritor. Mas as múltiplas vozes e tempos narrativos que encontramos nos romances são, diz, das coisas mais interessantes e, ao mesmo tempo, das que oferecem maior resistência à leitura. “Os leitores estão acostumados a uma narração cronológica e aqui é como se vivesse no eterno presente.” Eterno presente e eterno livro, já que o próprio autor, numa entrevista a João Paulo Cotrim em 2004, fala da sua obra “como se formasse um único livro divido em capítulos, e cada capítulo fosse um livro”.

Ana Paula Arnaut já leu “Que Cavalos São Aqueles que Fazem

Sombra no Mar?”. Descreve-o como “uma espécie de livro dos livros, onde de uma maneira ou de outra todos os outros romances estão contidos”. E Maria Alzira Seixo, que na sua opinião assinou “o mais sistemático estudo da obra do autor” (“Os Romances de António Lobo Antunes”, Dom Quixote, 2002), parte dessa visão conjunta da obra antuniana para dirigir o “Dicionário da Obra de António Lobo Antunes (Imprensa Nacional-Casa da Moeda), publicado no final de 2008. Trata-se de um documento que lista e analisa os livros, lugares e personagens, o modo como se relacionam.

O objectivo, explica Maria Alzira Seixologo a abrir o livro, passa por facilitar a leitura do “elevado número de romances do escritor, nos quais histórias várias e enlevadas se cruzam, conduzidas por muitas dezenas de personagens espalhadas por vários lugares”.

As abordagens mais académicas partem de uma igual certeza que Ana Paula Arnaut nos transmite: “Lobo Antunes não pode deixar de ser lido. ‘O Arquipélago da Insónia’ ou ‘Os Cus de Judas’, o penúltimo ou o segundo, são bons livros para começar. Além de compor um documento fundamental de uma época, há em toda a sua obra uma tentativa de mudar a arte do romance”.

“Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?” é mais um capítulo na incessante busca da perfeição, do “livro em que o silêncio seja completo”, do “livro limpo de gordura”, de deixar “a obra redonda” para poder parar. Tê-lo-á alcançado? Lobo Antunes, a João Céu e Silva no dia 3 de Fevereiro de 2009: “Eu acho que nunca li um livro tão bom.”

Descodificado

Ana Paula Arnaut já leu “Que Cavalos SãoAqueles que Fazem Sombra no Mar?”. Descreve-o como “uma espécie de livro dos livros, onde de uma maneira ou de outra todos os outros romances estão contidos”

Há mais livros que revelam o homem, o escritor, a obra – Lobo Antunes visto por Lobo Antunes ou por quem decidiu meter-

se nesse labirinto. Hélder Beja

ro aqui a dizer-se “Vende-se” e vim ver com a Tereza.

Tereza Coelho, sua editora na Dom Quixote. Morreu em Janeiro.

— Faz-me muita falta, a Tereza. Era uma óptima leitora. A divisa dela era a dos marines americanos: “Se fosse fácil não era para nós.” E tinha a fe-licidade de ter um marido [Rui Car-doso Martins] que é um homem úni-co. Tenho a maior admiração pelo Rui. É um homem que eu beijo.

Viramos para a Gomes Freire.Raparigas indianas no quiosque

onde António Lobo Antunes compra sempre, e hoje também.

— Olá, bom dia, doutor — diz a ven-dedora.

Ele sorri-lhe, de mãos no ar, nem uma palavra, ela volta costas e sai um pacote de 10 maços de SG Gigante.

— A gente já se entende sem falar. Jornais e revistas, népias.Voltamos à direita e ele aponta uns

azulejos por cima de uma porta.— Olhe, este painel encantava-me.

Ainda pensei vir aqui fanar isto à noi-te, e depois descobri que havia mui-tos iguais.

É um Camões retratado em 1907, com a evocação: “E vós, tágides mi-nhas...” Agora, do outro lado da rua tem um Club Welness.

Entretanto Lobo Antunes está a falar mal de Musil.

— Não gosto. Tal como há livros maus de que gosto, há livros bons de que não gosto. Musil, Thomas Mann…

Thomas Mann também?— Tirando a “Montanha Mágica” e

passagens do “Doutor Fausto”, cha-teia-me de morte.

Para onde estamos a ir?

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— O carteiro deixa-me correio numa merceariazinha.

A casa nova tem só dois anos, mas a ligação a este bairro é antiga. Antó-nio Lobo Antunes costumava escre-ver na garagem-atelier de um paren-te, ali adiante, e é à mercearia ao lado que agora vai ver do correio, e tratan-do o merceeiro pelo nome:

— A sua senhora não está? Então dê-lhe os bons dias por mim. Quando é que vai à doutora? Olhe que eu na quarta-feira venho cá buscar os io-gurtes.

Para o pequeno-almoço, a única refeição que toma em casa.

E, chave na mão, abre a garagem-atelier, a esta hora deserta.

— Venho aqui uma vez por semana — explica, a apanhar envelopes do chão.

Cada bairro é um xadrez, com os seus reis, e é disso que António Lobo Antunes agora fala, da malandragem. A gente sabe como ele gostava de ter sido o Cisco Kid, e já viu o que ele leu de policiais.

Entretanto, o sol, aquece as nossas costas, quase meio-dia, e é sobre fo-lhas caídas que caminhamos, aquele leve crepitar na calçada. Claro que este sol, estas folhas, estas árvores já entraram em algum livro de António Lobo Antunes, porque os livros dele são debulhadoras.

Mas se lhe perguntamos: — Nunca toma notas?Ele responde:— Não. Porque não escrevo sobre

nada.E não podemos dizer que é mentira.

Não escreve sobre nada porque escre-ve sobre tudo. Não toma notas porque tem aquela memória monstruosa. Agora, por exemplo, está a citar Gui-lherme de Aquitânia quando aparece uma jovem loura a saudá-lo.

— Olá, está bom?Ele apresenta:— É a dona daquele cabeleireiro

ali.Cortou-lhe o cabelo no outro dia.

Agora só daqui a dois meses.— Nem quero outra pessoa já.O charme. Quanto a populares, as coisas estão

a correr-lhe bem. Dizemos-lhe mais ou menos isso e ele:

— Deste algeroz para cima sou fa-moso.

E assim medido o horizonte fica-mos com uma daquelas pensões de passagem à vista.

— Aquilo é a taxímetro. Há várias.Travestis?— Os travestis são mais para lá —

aponta para baixo. E volta aos populares:— É óptimo. Uma pessoa não tem

guarda-chuva e eles emprestam. Claro que depois, além do algeroz,

há milhares de pessoas hipnotizadas, por exemplo, a festa Literária de Pa-raty, Brasil.

— Diziam “Fica, fica, fica”. Tive de sair de lá com segurança e polícia.

A propósito, como é que depois foram parar aos jornais as rosas que levou à brasileira Raquel Cristina dos Santos, quando ela aterrou no aero-porto de Lisboa, alegadamente para se casarem, — as rosas e ele próprio, a recebê-la?

— Saiu uma notícia no “Globo”, na véspera.

E adiante, adiante. Não quer falar mais disso.

Nem de propósito, um cavalheiro faz agora o jeito de o cumprimentar a meio da calçada.

— Bom dia, sôtor — palmadinha no braço.

— Este senhor toca flauta, é artista — explica António Lobo Antunes.

— Já fui — retorque o cavalheiro, modesto.

— Estava esta senhora a perguntar

se as pessoas no bairro sabem quem eu sou. O que é que faço?

— Escreve.— Ah, achava que não sabia.Palmadinha no braço. O cavalheiro prossegue em sentido

contrário.— Era flautista da banda da Guarda

Republicana — remata o autor.E depois conta que torceu o nariz

a jantar com Kundera, ainda há dias, porque ia ser uma chatice.

Também torce o nariz a que lhe falem de personagens, a propósito deste último livro (de qualquer um).

— São símbolos de verdades mais profundas, não são pessoas. O que interessa são as palavras. Se eu qui-sesse contar histórias, contava.

É por isso, diz, que a crítica portu-guesa o aborrece.

— Ainda é muito cedo. Não é nada disto que eu queria, a maneira como as pessoas falam dos livros.

A gente, por exemplo, fala-lhe na família deste último livro e ele vai às urtigas.

— Famílias! Todos os livros são fa-mílias. Olhe o Tchekov. Não se passa nada mas ele consegue dar as emo-ções todas. É uma viagem ao interior de nós mesmos. O que são “As Me-ninas” do Velázquez? As pessoas pensam que são as infantas. Nada disso. Um bom leitor é aquele que pergunta: onde está o livro? O livro só começa quando a gente acaba o livro.

E de repente, parando a olhar o passeio, diante da Clínica de Todos os Santos, conta a história de um tio que esteve ali internado.

— Era um homem de uma elegân-cia. Eu vinha visitá-lo e o pijama dele estava mais engomado que a minha roupa. E nunca era grosseiro, reles.

Estamos a chegar à rua do Conde de Redondo, um sol quase de Verão, já Outubro passou de meio.

A propósito, era em França que António Lobo Antunes estava quando o Nobel foi anunciado. Conhecia Her-ta Müller?

— Não, e os franceses também não.

Mas um dos prémios que ganhou e gostou de ganhar foi o Prémio Jeru-salém, que só é dado de dois em dois anos, e tem vencedores como Borges. Ganhar implica ir lá, Lobo Antunes foi. E então?

— Nunca andei sozinho. Não con-segui ir ao bairro árabe. De cada vez que eu ia a algum lado, era logo um problema de segurança.

Não quer falar mais disto. Em geral, não quer falar do mundo. Começa-mos a falar-lhe do mundo e quando damos por ele está a falar de livros.

Ok.Este livro termina com graças a

Deus, e numa das suas útimas cróni-cas diz que é Deus que lhe guia a mão.

— Acho que sim. É uma relação muito íntima.

Responde com uma história:— Já perto do fim do meu pai, que

era patologista e nunca falou de Deus, perguntei-lhe se acreditava em Deus, o que é uma pergunta muito íntima. E ele respondeu: “O nada não existe na biologia.”

Isto, ainda vamos nós na Gonçalves Crespo.

— Está a ver? Um poeta tão peque-no para uma rua tão grande.

E depois de uma pausa:— Tão pequeno, é injusto.Uma mulher põe moedas no par-

químetro, outras falam debaixo de uma árvore:

— … tu.— Tu…— … tu…Podia ser um livro de António Lobo

Antunes. Ele desenhava logo as letras que faltam.

A gente a pensar nisto e ele entre-tanto a pensar no que pensa — nos livros que escreve.

— Não sei de onde é que aquilo vem. Sei que está bem por uma espé-cie de exaltação interior que às vezes chega às lágrimas.

Invoca Beethoven:— A Terceira Sinfonia... pam pam

papapa. A melhor crítica que teve foi dizerem: isto não é música, é ru-ído.

— Ó pá, pára lá! — grita uma mulher de saia justa ao telemóvel.

Caricas Sagres espalmadas na cal-çada, desce um rapaz com um barril de Super Bock. Cheira a fritos. A cro-quetes fritos.

Lobo Antunes fala do pianista Al-fred Brendel e dos seus favoritos.

— Não são pianistas sinistros como o Glenn Gould.

O Glenn Gould é sinistro?E assim, sem darmos por isso, já

António Lobo Antunes está a subir a caminho de casa, e com uma boa ra-zão além dos livros. A filha Joana es-tá quase a ter um bebé. Vai ser outra vez avô.

— É esquisito, não é? Ainda agora nasci.

3. A cabeça A porta da rua fecha-se e silêncio. Parado no átrio, António Lobo Antu-

Já perto do fim do meu pai, que era

patologista e nunca

falou de Deus, perguntei-lhe se acreditava

em Deus, o que é uma

pergunta muito

íntima. E ele respondeu:

‘O nada não existe

na biologia’

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nes reflecte sobre aquele assunto, o Nobel.

— Toda a gente sabe quem deve ga-nhar o prémio da Literatura e o pré-mio da Paz…

Não lhe vamos perguntar pelo Oba-ma. Não lhe vamos perguntar.

— ... mas nunca deram o prémio ao Gandhi! Não deram ao Tolstoi!

Tenta repetir como um russo:— Tâââlstói.E depois:— Dasssetaiévski.Pausa.— Ando a aprender russo sozi-

nho.Subimos no elevador e cá está a

bela casa, a pairar.— Depois, à noite, os livros bons

não dormem. Ficam a olhar para nós. Olhe, “Os Irmãos Karamazov” ficam a olhar para si toda a noite. Os livros maus é que dormem. Por isso é que não tenho muita literatura portugue-sa contemporânea.

Cartão amarelo. Livre. Livre para os que não jogam em casa.

Mas ele segue para penalti, atira-se ao resto do mundo:

— Diga-me cinco grandes escrito-res. Não encontra.

É preciso chateá-lo:— Em Portugal?Pára fulminado.— Em Portugal?! Está a brincar co-

migo. Senta-se num dos sofás Ikea, mas

de caminho acerta um dos livrinhos que tem em cima da mesa de apoio, porque estava um milímetro mais para a esquerda.

É uma colecção de novelas eróticas espanholas “retro”.

O anfitrião puxa de um SG. De vol-ta a casa, deixou de ter pressa. Quer conversar. E é isto:

— Se o Steiner não tem razão ao atacar o Gaddis, e eu acho que não tem, se calhar também está enganado a meu respeito, quando diz que sou o melhor escritor do mundo.

Pausa. O olhar vagueia.— Olhe, o seu amigo Pound está

ali.Cinco anos. Cisco Kid.E de volta aos pensadores:— Sabe de onde vêm os intelectu-

ais? Do caso Dreyfus. O famoso judeu preso por espio-

nagem que dividiu a Europa em de-bates apaixonados no início do sécu-lo XX. Um dos seus mais célebres defensores foi Émile Zola, em “J’Accuse”. Dreyfus é um símbolo do ponto a que chegou o anti-semitismo nessa época.

— Um grupo de mil pessoas que as-sinaram por Dreyfus definiram-se cmo intelectuais por oposição a quem trabalhava com as mãos. Depois a palavra foi-se desvirtuando.

Por causa de Dreyfus, a gente puxa Proust (o caso atravessa “Em Busca do Tempo Perdido”), mas Lobo An-

tunes puxa para outro lado e vamos dar à poesia.

— Leio mais poesia agora. Aprende-se mais.

Portugueses?— Não necessariamente. Mas acho

que se alguma coisa temos de bom, pessoas vivas e a escrever, é a poe-sia.

Tem-lo dito, e repetido.Poetas?— Vasco Graça Moura. António

Franco Alexandre. Manuel António Pina. José Tolentino Mendonça.

E apaga o cigarro dentro do maço. Eis como os cinzeiros desta casa se mantêm.

E mulheres poetas?Pensa.— Rosalía de Castro. Emily Bron-

të.Portuguesas?Pensa.— Temos o António Nobre, apesar

de tudo — sorri à Cisco Kid. — O “Só” é um grande livro.

Desata a recitar:— Ó minha terra cheia de sol, ó

campanários.A propósito ou não, este “Sôbolos

Rios” tem o quê em fundo, que cená-rio?

— Uma vila que não é nomeada e um hospital de Lisboa. Mas isso não é cenário, é plateia. Lá está ela com o cenário. É como perguntarem: de que é que trata o teu livro? Resposta

de D. Francisco Manuel de Melo: trata do que vai escrito nele.

Mais um SG, e muda para Hermann Broch.

— “A Morte de Vergílio” é espanto-so. Aquela chegada dos barcos…

De caminho, diz que não gosta de Cervantes.

— Mas um dia abri ao acaso e en-contrei isto: não podemos fazer nada contra a vontade do céu, sobretudo se está a chover. Passei logo a gostar. O Quixote tem imensos truques, co-mo quando o próprio Cervantes apa-rece como personagem.

Neste ponto, o sol bate nas janelas em frente, reflectindo a rua, e a gen-te tenta mais uma vez puxá-lo para fora, falar do mundo. Mas ele não ou-ve, continua a falar.

— ... dizia-se que o Vergílio escrevia como as ursas a parir. O parto é difícil e elas levam que tempos a lamber o bebé. O escritor deve trabalhar 10 horas por dia, dizia Horácio, duas

para escrever, oi-to para corrigir.

Quando um autocarro trava lá fora, António Lobo Antunes está a falar de Ovídio.

— ...custa-me a leveza com que se aborda estas coisas. Um livro tem de ser lido de joelhos. O Proust, por exemplo. O homem leva uma vida inteira a fazer aquilo, depois um ca-ramelo lê e debita sobre aquilo.

Podia viver isolado no campo, ou precisa da cidade, deste bairro, de sair à rua, de ver o merceeiro e a ca-beleireira?

— Não preciso. Dei a voltinha por causa de si. Não é com essas pessoas que escrevo.

Ao mesmo tempo também não quer estar com “os que escrevem”.

— Apetece-me lá. Já não estão cá o Zé [Cardoso Pires], o Eugénio. Sobra o Eduardo [Lourenço]. O Eduardo escreveu sobre mim talvez das coisas mais inteligentes em português. Te-nho ali uma fotografia dos dois em que parecemos um casal de namorados.

E o que é que anda a ler?— Tenho na mesa de cabeceira a

biografia do García Marquéz. Aí está um escritor que gosto de ler mas de-testaria ter escrito aqueles livros — tal como o Simenon, o Greene.

E García Marquéz dá passagem a isto:

— Não há uma cena de sexo num livro meu.

O que é verdade, e volta a ser ver-dade neste último livro. António Lo-bo Antunes consegue pôr um pedó-filo a falar e em tudo aquilo há sem-pre um pudor profundo.

— Não é por uma questão de pudor. É que não é necessário.

Já a morte, é atrás dela que andam sempre as palavras.

— O que se sente com o cancro é um vazio imenso. Dizem que estou curado. Olhe, aí aprendi muita coisa sobre a vida. E que a maior parte das pessoas são melhores do que eu.

Fala na dignidade das pessoas com quem se cruzou na quimioterapia.

— Talvez a grande função da arte seja dignificar o homem, e talvez se-ja o triunfo sobre o sofrimento, a dor, a morte. Em face disto... Agora estou a ficar comovido e é uma gaita…

Pára. Olha em volta.— ... não me venha falar de perso-

nagens. E como todos nós sofremos tanto, e como nós estamos tão sozi-nhos. No fundo o que é a fama? Uma soma de equívocos à volta de um no-me. Quem é o António Lobo Antunes? Uma soma de equívocos. E depois deixa de ser um nome, uma pessoa, para ser uma marca registada.

Acerta os livros da colecção de no-velas eróticas, que na verdade não se tinham mexido. Acende mais um SG.

— Tive tudo. Deram-me tudo. Nas-ci numa família boa, com imensa be-leza física. Nasci inteligente. Quantos prémios ganhei importantes? Mais de 20, fora os que recusei. Ainda ago-ra, disseram-me que tinha ganho o grande Prémio do Canadá e por mo-mentos pensei que era um piloto de Fórmula 1.

Ver crítica de livros págs. 36 e segs

de D. FranciscoManuel de Melo: tratado que vai escrito nele.

Mais um SG, e muda para Hermann Broch.

— “A Morte de Vergílio” é espanto-so. Aquela chegada dos barcos…

para escrever, oi-to para corrigir.

Quando um autocarro trava

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Acabar com as

ilusões

Quando colocou ponto final em “Crematório” Rafael Chirbes sentiu que saía de um buraco negro. Ponto final também nos idealismos de uma geração. Rui Lagartinho

Há dois anos Chirbes venceu o Prémio Nacional da Crítica com este impiedoso retrato do pesadelo urbanístico em que se transformou a costa Sul de Espanha – Rubén, a personagem principal, hipotecou os sonhos de construir um mundo melhor para se dedicar “à realidade possível de construir cada vez mais casas”

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“O estado do mundo actual empobreceu a força das palavras. ‘Revolução’ não quer dizer nada, ‘política’ confunde-se com ‘corrupção’, o ‘marxismo’ com ‘impossibilidade’ e o ‘capitalismo’ com ‘selvajaria’”

Quando, em 1988, a Espanha se virava para a Europa, Rafael Chirbes (Taber-nes, Valência 1949) estreava-se como romancista com “Mimoun”, um ro-mance passado em Marrocos. O exo-tismo não estava na moda mas mesmo assim a estreia literária valeu-lhe ser finalista do prémio Herralde, distin-ção com pergaminhos. Começava de forma auspiciosa a carreira de um es-critor que se distinguiu contra a cor-rente – foi dos primeiros que ousou lamber as feridas da guerra civil espa-nhola, quando isso ainda era tabu em 1993, com “Os disparos do caçador” (edição Caminho).

Há dois anos venceu o Prémio Na-cional da Crítica espanhola com este “Crematório”, impiedoso retrato do pesadelo urbanístico em que se trans-formou a costa Sul de Espanha – Ru-bén, a personagem principal, é um homem que hipotecou os sonhos de construir um mundo melhor para se dedicar “à realidade possível de cons-truir cada vez mais casas”. Retrata os corruptos que enriqueceram mas também os corrompidos na alma, nos ideais. Chirbes faz, assim, a sua ca-tarse e a da sua geração. Que Valência e arredores não parem de encher no-ticiários com gente assim talvez não seja coincidência. Um retrato cínico e cruel de paisagens.

A obra de Rafael Chirbes, já muito seguida em França e na Alemanha, está quase toda inédita em Portugal. Revelá-la aos portugueses é uma das apostas fortes da Minotauro, a nova chancela das Edições 70 dedicada à literatura espanhola contemporâ-nea. Confissões em Lisboa, de al-guém que ainda sobrevive, porque ainda escreve. Fica algo de pé neste retrato impiedoso da paisagem do Sul de Espanha?Nada. Concebi o romance como uma trituradora. É um livro demolidor de um certo espaço físico exterior: quis que as minhas inquietações, finda a reflexão que fiz sobre o estado da so-ciedade actual, não deixassem pedra sobre pedra. Quis demonstrar que vivemos um tempo em que quase nin-guém consegue ficar à margem, numa espécie de reserva moral idealista. O tempo não o permite. Há, por isso, uma linha de contaminação entre a paisagem interior de cada um com a tradução visível daquilo que é a pai-sagem exterior.É o fim dos idealismos da sua geração? De alguma forma: durante os primei-ros anos do fim da transição para a democracia em Espanha [com a che-gada dos socialistas ao poder em 1982] criou-se a ideia de que ao lado do desenvolvimento rápido da socie-dade havia quem conseguisse conti-nuar à margem, incólume. “Crema-tório” reflecte essa impossibilidade. É por isso que a personagem cínica [Ruben, o construtor de sucesso] é aparentemente o grande triunfador do romance. Da grande ilusão que seria erguer um mundo melhor, pas-sou à realidade possível de construir cada vez mais casas.Triunfa porque não quer parar o tempo? Claro. Trocou os ideais pelo cimento. Transferiu a sua convulsão, a trans-formação da sua vida pessoal na des-truição da paisagem. É esta a marca pessoal de quem queria fazer a revo-lução a partir dos seus ideais. Triun-fou, ficando pior. Mas triunfou, está vivo. Há quem tenha morrido pelo caminho. É por isso que Ruben é cí-nico com os que à sua volta não se conseguem desenvencilhar da teia em que caíram: das armadilhas de uma

linguagem e de um modo de pensar que leva à passividade e ao fracasso, pelo menos aparente.“Crematório” é uma colagem de fragmentos de paisagens destruídas, das personagens e do espaço misturados, para que o leitor as decifre. É isso? É um romance que interpela de forma directa o leitor: tentei escrever um romance total, um mosaico largo so-bre o mundo actual. Acho que cada leitor pode ter aqui uma palavra a di-zer sobre as interpelações que lhe faço. Como não quero ser dono da verdade, o que digo pode ser contes-tado. Nesse sentido muitas vezes de-volvo a cada leitor a solução sobre os dilemas das minhas personagens. Quis que este livro fosse um espelho, para onde possamos olhar e a partir daí tomar decisões. Se a revolução em que triunfariam os ideais é um cadá-ver, então que cada um retire um bo-cado desse cadáver para analisar e perceber onde falhou. Personagens e leitores. O estado do mundo actual empobreceu a força das palavras. “Re-volução” não quer dizer nada, “polí-tica” confunde-se com “corrupção”, o “marxismo” com “impossibilidade” e o “capitalismo” com “selvajaria”. E é porque não há uma verdade, nem ninguém é inocente, que o livro se ergue mais sobre as perspectivas de cada personagem do que pela confrontação directa do diálogo?Quis imprimir o tal ritmo de picareta destruidora ao romance: por isso é sobre cada aparente verdade e a sua imediata contradição por um outro ponto de vista que ele se constrói.É bastante crítico com a sociedade espanhola actual baseada numa divisão do poder alternada entre dois partidos [Populares e Socialistas]. São eles quem em sua opinião destruíram utopia e paisagem?O que se passa é que a pressa de de-senvolver a sociedade, desde meados dos anos 70 do século passado a ca-minho de uma modernidade fez com que se transformassem nos heróis da História recente fazendo o que a má-quina lhes exigia. Ninguém parou para pensar e foi por isso que o tema da memória histórica foi arredado do debate político durante décadas. Transformaram o país desde cima: deixando nas margens, à margem, muita gente, muitos partidos, muitos movimentos cívicos que deixaram de ter espaço de manobra. É uma fata-lidade, a revolução, neste caso a tran-sição devorou os seus melhores fi-lhos. Mas como vivemos uma crise económica forte, em que as premissas sobre as quais erguemos a sociedade podem estar condenadas, há esperança? Acredita num fogo purificador? Que pelo menos salve a costa

mediterrânea do pesadelo urbanístico?Se tivesse 18 anos talvez, como tenho 60 já não. Acho que as coisas estão mais calmas por alguns meses vive-remos um momento de suspensão, mas depois tudo voltará ao mesmo.Já afirmou que este romance é o seu testamento. Sente que a sua geração, a que poderia ter mudado a História, chegou à idade da reforma? De certa forma sim. Quis que o ro-mance traduzisse o fim de todas as minhas ilusões. Nessa medida é um testamento. Sinceramente não sei se escreverei mais romances. É por isso que me interessou que fosse o poder da linguagem como força aglutinado-ra num instante e logo a seguir des-truidora num outro, fosse o mais im-portante de “Crematório”: há retrato da paisagem, há corrupção política, há dados objectivos que resultam das observações que faço, mas o que que-ro que perdure é esta destruição da fala de cada uma das personagens pelas que lhe sucedem na estrutura do livro. Tentei que o livro fosse a so-ma destas perspectivas. A minha ideia foi a de que o universo em pequena escala que constitui qualquer roman-ce pudesse ajudar a compreender o mundo grande, exterior.O que há de si em Brouard, o escritor fracassado do romance?Há um pouco de Chirbes em quase todas as personagens do romance. O escritor está mais à mão no que pode ser a corrente de transmissão de tra-ços de um certo alter-ego mais evi-dente: qualquer escritor vive neste dilema de morrer a cada palavra que escreve, a cada dedo na ferida que aponta, mas aos mesmo tempo não poder viver sem esta ideia de morte, sem esta adrenalina do perigo que é escrever. Matas-me, mas sem ti mor-ro. Além disso comparto com ele esta sensação incómoda de que, apesar de termos alcançado mais da vida, todos estamos muito sós. E poder tem?Um escritor, empenhado, é um dos seres mais livres do mundo: um papel e um lápis chegam-lhe para contar um tempo, o seu tempo. Mas deve sempre apontar ao conhecimento, à supera-ção, não deve satisfazer-se com o ter conseguido algum efeito belo através da escrita. Deve procurar que os lei-tores escavem para lá da superfície. É por isso que há quem lembre em “Crematório” que mesmo em Roma por baixo dos mármores há cimento a sustentá-los? Sim. Quis propor esta reflexão sobre o que não se vê. Sobre a ideia de que o belo traduz só uma parte da realida-de que pode até estar podre, imper-feita e decadente apesar de aparente-mente bela. É o que acontece com o barroco, por exemplo. Acredito que a função do escritor é salvar também realidades escondidas, gente que ficou para trás. Para contar a perspectiva dos vencedores já basta a história. E nesta catarse que é “Crematório” o primeiro a salvar-se não foi o próprio autor?Sim. Escrevi este livro para salvar-me, e de alguma forma consegui. Espero que outros consigam também vencer o desânimo. Foi um livro difícil de es-crever, de terminar, e que me deixou sem saber o que fazer a seguir. Não sei se voltarei aos romances. Fiquei exausto com este.Mas a boa resposta dos leitores e o Prémio Nacional da Crítica não o estimularam?Consola alguma coisa. Mas pouco.

Ver crítica de livros págs. 36 e segs.

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indicava que havia ali um cruzamen-to, mas esse cruzamento já tinha sido transformado numa rotunda, e entre-tanto a estrada tinha sido desviada. Na costa o território está constante-mente a mudar. Além disso, atraves-sar os centros urbanos é mais difícil, há mais movimento, é mais compli-cado estacionar”.

Enquanto isso, Pedro percorria cal-mamente o interior. A certa altura desistiram de fazer coincidir no tem-po os registos (as fotografias e os fil-mes a 360 graus que faziam em cada ponto e que podem ser vistos na ex-posição) e seguiram cada um ao seu ritmo. Contra as expectativas iniciais, o interior ganhou (reconhecem que se tivessem ido a pé e não de carro a experiência seria “mais sociológica”, assim foi “mais ligada à paisagem e à arquitectura”).

No interior...Depois havia as ideias feitas que cada um transportava consigo e que ti-nham debatido durante muito tempo nas reuniões do “grupo de amigos e de amigos de amigos” Fatamorgana, de que fazem parte. Pedro falava da “segunda linha”, a do interior, mar-cada por uma série de parques natu-rais – Montesinho, Douro, Malcata, Tejo internacional, Serra da Estrela, Alqueva, Guadiana –, um território “com uma forte identidade”, e para

o qual projectava um modelo de de-senvolvimento totalmente diferente do da costa.

Chamava-lhe “A Toscana Possível”, inspirado pela região italiana, e sonha-va que ela um dia poderia “passar a ser desígnio nacional e potencial eco-nómico”. E mais: “Poderia ser o gran-de catalisador da mudança necessária de paradigma turístico e da imagem turística para a marca ‘Portugal’”, es-ceve num dos textos do livro. A viagem abalou-lhe o optimismo. Viu-se a per-correr um território que “está vazio, não tem a massa crítica necessária para fazer a Toscana Possível”.

Na costa...Enquanto isso na costa... Mudemos de linha outra vez, para encontrar Nuno. Este confessa no texto que o seu sonho era o de “ver tecido um contínuo urbano de Valença (no so-nho da Corunha) a Sines”, um pedaço

Nuno pensou que teria a tarefa mais facilitada, sendo o litoral a zona melhor servida pelas acessibilidades. Pedro imaginava percorrer um território esquecido. Estavam enganados

Por duaslinhasDiscute-se muito o território, mas será que se olha para ele como um conjunto? Dois arquitectos, P

e Nuno Louro, percorreram o país, de Norte a Sul, seguindo duas linhas paralelas, uma pelo litoral O que viram? Alexandra Prado Coelho

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Pedro Campos Costa e Nuno Louro, arquitectos, percorreram o país de Norte a Sul seguindo duas linhas paralelas, uma pela costa (foto da esquerda), outra pelo interior (à direita), com a mesma latitude e parando de dez em dez quilómetros para fotografar

Dois homens, duas máquinas fotográ-ficas, duas linhas, um território.

Pedro Campos Costa e Nuno Louro, arquitectos, percorreram o país de Norte a Sul seguindo duas linhas pa-ralelas, uma pela costa, outra pelo interior, com a mesma latitude e pa-rando de dez em dez quilómetros – um modelo, como outro qualquer, para fazer um levantamento do terri-tório. Um projecto mais lúdico do que científico, mas mesmo assim um es-forço de olhar o país como conjunto. O resultado é um livro, “Duas Linhas”, e uma exposição com o mesmo nome (até 31 de Outubro às 5ªs, 6ªs e sába-dos das 16h às 21h na Rua Rosa Araú-jo nº 19).

Nuno ficou com a costa. Pensou que teria a tarefa muito mais facilita-da, sendo o litoral a zona melhor ser-vida pelas chamadas acessibilidades. Pedro, por seu lado, preparava a par-tida imaginando que iria mergulhar no Portugal profundo e que tinha de percorrer um território esquecido onde chegar de um ponto a outro de-moraria sempre muito mais tempo. Estavam enganados.

Partiram de Vila Nova de Cerveira e Montesinho. “A viagem pela costa foi mais complicada”, conta Nuno. “Há mais estradas, mas há também mais tráfego, mais semáforos, uma complexidade maior. O GPS [garantia da precisão geográfica no projecto]

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, Pedro Campos Costa l outra pelo interior.

O livro, “Duas Linhas”, é também uma exposição (até 31 de Outubro, na Rua Rosa Araújo nº 19, Lisboa)

Aqui, veja-se o que vai acontecer no Alqueva, por exemplo: são soluções que vêm de fora para dentro quando o que é necessário é trabalhar muito com as redes locais, com as pessoas, criar massa crítica, desenvolver pe-quenos projectos de turismo rural, com uma escala mais pequena”. A tendência na Europa, explicam, dado que não se pode continuar a urbani-zar indefinidamente, é a de “trabalhar ao nível do software”, ou seja, “pen-sar a Wikicity [à semelhança da Wiki-pédia], com as pessoas a participar na construção da cidade”.

Pedro e Nuno fizeram a viagem e registaram o território – as estradas, as rotundas, os rios, os campos, as casas e cafés à beira da estrada, as planícies, o mar. Depois abriram o debate a outros e convidaram dois artistas fotógrafos, Daniel Malhão e Nuno Cera, para fazerem cinco fotos em cinco zonas que fossem represen-tativas de cinco regiões portuguesas: Norte. Centro Norte, Centro, Centro Sul e Sul. Além disso convidaram vá-rias pessoas habituadas a pensar o território – Mário Alves, Álvaro Do-mingues, João Ferreira Nunes, Samuel Rego e João Seixas – para escreverem textos para o livro.

E o que esses textos vêm confirmar é que o território é sempre muito mais complexo do que parece à primeira vista. Existe litoral e interior, sim, mas como escreve João Seixas, há “um no-vo Portugal que baralha tudo de novo e torna a dar”, um país “que torna a dar ‘interiores’ ao litoral e ‘litorais’ ao interior”. O Portugal “das redes, das auto-estradas e dos IPs, dos Alfas e das velocidades; dos bairros críticos, dos idosos isolados nos centros históricos, dos parques tecnológicos com hiper e spa; das praias fluviais, das piscinas com ondas, dos mega-concertos e dos parques eólicos; das comunicações móveis e do hipertexto, em qualquer silêncio, em qualquer écran, em qual-quer lugar”.

Álvaro Domingues alerta para os riscos da “patrimonialização da pai-sagem como último recurso a guardar, encapsular, parar o tempo” – uma “estetização da paisagem tão forte que que tem até dificuldade em acei-tar que as novas vinhas não sejam plantadas em socalcos com muros de xisto, mesmo que se prove facilmen-te que o custo de produção das uvas não admitiria tais custos”.

Mas se uns sonham em guardar pai-sagens em cápsulas, outros continu-am a sonhar com estradas, e aí a con-tradição, descrita por Mário Alves, é ainda mais irónica: “ [...] a velocidade que o Plano Rodoviário Nacional im-primiu ao interior, e que supostamen-te levaria consigo o progresso e a lo-calização do emprego, é a mesma velocidade que justifica a saída das maternidades para os hospitais do litoral. O que é pensado para comba-ter a desertificação faz com que se saia de lá cada vez mais depressa”.

País de contradições e de linhas – não uma mas várias – de pensamento e acção que seguem muitas vezes uma lógica própria e avançam em direcção ao futuro sem nunca se chegarem a encontrar.

de território pensado como um con-junto – à semelhança do que acontece com a região do Randstad (a cidade circular) na Holanda, uma cintura de cidades composta por Amsterdão, Roterdão, Haia e Utrecht, que tem no centro o chamado Coração Verde. Um exemplo, segundo os dois arquitec-tos, de um território planeado e pen-sado como um todo, ao contrário do que acontece em Portugal.

“Não é que queiramos mais leis e regulamentos, pelo contrário”, expli-ca Pedro. “Pelo contrário”. Existem, diz, instrumentos jurídicos e de regu-lação do território em número sufi-ciente, o que não significa que funcio-nem. Um exemplo: “Todos os autarcas fazem o seu Plano Director Municipal baseados num crescimento da popu-lação” porque é o desejo de todos que a população cresça no respectivo ter-ritório. Mas a realidade contraria isso, e há zonas em que a população con-tinua a diminuir. Não faz sentido, de-fendem, que se projecte para mais gente quando se devia estar a fazer precisamente o contrário.

Outro problema nacional é a ten-dência para as grandes soluções – bar-ragens que modificam radicalmente a paisagem, centenas de camas turís-ticas numa região, etc. Uma visão oposta à que Pedro defende para o interior. “Na Toscana fizeram um de-senvolvimento micro, não macro.

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É Anish Kapoor contra o imÉ um pénis. É um c

Na primeira grande exposição de um artista vivo na Royal Academy de Londres, Anish Kapoor dispara 3las com um comboio vermelho, e deixa pilhas de excrementos. O Ípsilon esteve lá e falou com ele. A

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interessado na relação entre o objecto

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a dizer” Anish Kapoor

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orgânica cor de ferrugem que alguém já descreveu como um submarino vitoriano. Parece saída de Júlio Ver-ne, mas com uma boca, ou um estô-mago negro, oco. E é preciso contor-ná-la para continuar em qualquer direcção.

Na sala imediatamente à direita ergue-se o mais recente trabalho de Kapoor, montes em espiral, rectan-gulares, pontiagudos que parecem vermes, intestinos, excrementos ou pirâmides muito primitivas. É um mundo opaco, pesado, cinzento, por vezes ocre, de cimento.

E por cima o tecto imperial, com clarabóia e frisos dourados, arco em mármore na porta.

“Leva uma hora e meia a ir e vir”, confidencia o vigilante da sala, en-quanto a massa avança na nossa di-recção, lá de longe. “Todos os dias lhe vão pondo cera”.

Para ver a massa mais perto é pre-ciso dar a volta até uma das salas intermédias, onde Kapoor está a ser

entrevistado por uma repórter indiana. De

muito perto, a cera parece

sorvete de framboe-

sa.

“No mundo da arte, neste país, as decisões são tomadas por razões artísticas. Claro que isto pode ser visto como uma provocação ao ‘establishment’ simbolizado neste edifício. A política está lá mas não é o que escolho sublinhar” Anish Kapoor

mpério.canhão.

a 30 toneladas de cera, penetra cinco sa-e. Alexandra Lucas Coelho, em Londres

O sexo é uma arma política. Nascido em Bombaim há 55 anos, Anish Ka-poor está neste momento a bombar-dear as paredes da Royal Academy of Arts, em Londres, com um pénis gigante de onde saem oito quilos de cera vermelha a cada 20 minutos, “booooommmmm!”, contra a pare-de.

Até 11 de Dezembro, quando a ex-posição terminar, terão sido ejacula-das 30 toneladas de cera.

E entretanto, uma grande massa também em cera vai penetrando len-tamente cinco salas, para a frente e para trás, sem parar. A cada porta que atravessa, deixa bocados pasto-sos no mármore e no soalho.

Nunca, em 241 anos de vida, a Royal Academy tinha dado cinco salas a uma só obra, tal como nunca antes convidara um só artista.

Há algo de vingança pós-colonial nisto. O primeiro artista vivo com uma exposição na antiga sala de visi-tas do império é um filho das ex-co-lónias, e aproveita o convite para dar cabo do império.

De resto, entre críticos, curadores e inspiradores, todos aludem a falos, vulvas, vaginas, orifícios, penetra-ções, intestinos e matéria fecal.

E o resto será divertimento de fei-ra, a fazer gato-sapato com a percep-ção que temos de nós próprios e do espaço.

Chamem-lhe “Anish Kapoor”, é o nome próprio da exposição.

O chão no céu Tudo começa ainda cá fora, no pátio, com um totem de 75 esfe-ras prateadas que le-va tudo para as nu-vens, multiplicando o edifício da Royal Academy e o que se passa entre o chão e o céu.

Parecem balões de tão leves.

E mesmo nesta véspera de inauguração, com o pátio apenas cheio de jornalistas, são atraentes como um íman. Tal como boa parte da obra de Kapoor, dão vontade de experimentar. Está um céu de prata, a bandeira britânica esvoaça sobre o edifício, e as pessoas enfiam-se de-baixo das esferas, às duas e três, queixo virado para cima.

Depois, entram na primeira sala e têm à sua frente uma gigantesca peça

intermédias, onde Kapoor está a serentrevistado por uma

repórter indiana. De muito perto, a

cera parecesorvete de framboe-

sa.

“[O comboio] É um movimento

inexorável que não presta atenção aos

humanos. E, tal como no movimento cósmico, há

algo de trágico aqui, com um tempo inumano”

Jean de Loisy, curador

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f “Shooting into the Corner”: saem oito quilos de cera vermelha a cada 20 minutos contra a parede

h Anish Kapoor junto à peça que lembra um vagão de comboio, como os que seguiam para Auschwitz. Desliza num carril; cera carmim cobre o carril, transborda para o chão e enche o rebordo das portas, uma, a uma

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“[Kapoor] sempre esteve na

fronteira do entretenimento, ainda

que seja tentado por uma pretensão grandiosa”

Tom Lubbock, “Independent”

belos espaços de exposição no mun-do. O que se expõe é associado ao que se expôs aqui antes. Penso neste es-paço não apenas como venerável mas como uma continuidade. E é tudo me-nos uma retrospectiva. Sinto que ain-da tenho trabalho para fazer, e aqui quase tudo é novo, ou foi feito neste últimos sete ou oito anos”

Kapoor retira-se e os jornalistas seguem os curadores, que vão propôr alguns destaques.

Por exemplo, a barriga na parede branca.

“Mal se vê ao entrar”, diz Jean de Loisy. “É a ausência de uma presença que se está a desenvolver.”

Depois o canhão.“Um terrível psi-

co-drama.”Exibida antes em

Viena, esta peça (“Shooting into the Cor-ner”) absorveu toda uma dimensão psicana-lítica.

Adrian fala da incerte-za do espectador, de não sabermos quando o canhão vai disparar ou quando che-gará o comboio.

Jean de Loisy fala de tensão entre as peças, da ideia de penetração, e de “um jardim filosófico”.

“Anish chama-lhes não-objectos. Não existem sem a nossa presença. Ele acredita que os artistas devem in-ventar um novo espaço e isto é um espaço de identidade entre a pele do objecto e a nossa.”

E já estamos na sala onde o carril termina.

O comboio foi mostrado duas ve-zes, em Nantes (França) e Munique (Alemanha). “Em Nantes as memó-rias podem ter sido de carroças a car-regar prisioneiros ao longo das ruas para as guilhotinas da Revolução

Francesa”; sugere no catálogo Nor-man Rosenthal, da Royal Academy. Depois, em Munique, “na infame ‘Ca-sa da Arte’ que Hitler construiu para expor a pintura e escultura do Nacio-nal Socialismo”, esta peça evocava os comboios dos campos de concen-tração. E em Londres, “outrora o epi-centro do Império Britânico, não podem ser evitadas reflexões sobre o sangue e o suor com os quais esse império foi construído, originalmen-te nas costas da escravatura”.

“É um movimento inexorável que não presta atenção aos humanos”, diz Jean de Loisy sobre este comboio. “E, tal como no movimento cósmico,

há algo de trágico aqui, com um tempo inu-

mano.”Finalmente,

na sala dos montes de ci-mento, Adrian explica que to-

Entretanto, na sala central, a maior de todas, repórteres de todo o mundo brincam diante das superfí-cies espelhadas, côncavas e convexas, que os fazem parecer achatados, es-ticados, gigantes, minúsculos, ou de pernas para o ar, e tudo isto enquan-to continuam a tomar notas. É um jogo de feira popular mas polido, e com uma clarabóia de reis.

Segue-se uma das obras mais hip-nóticas de Kapoor: uma parede ama-relo-gema que ao centro afunda, co-mo uma barriga para dentro. Quente, solar, centrípeta, puxa-nos para aque-la espécie de vórtice.

E passando a porta, é a guerra – a sala do pénis-canhão.

As munições (cartuchos gigantes de cera) estão empilhadas do lado esquerdo. O canhão, com uma espé-cie de bolsas por baixo (os testículos, sugeriu um crítico), está ao centro. E ao fundo, a cera ejectada, a sujar chão e paredes, até ao tecto.

Então entra um homem todo ves-tido de preto, carrega uma munição, fecha o carregador, olha em frente e “booooommmmm!” Tudo treme, e os jornalistas dão um salto, acumu-lados por trás do canhão. Há risos nervosos. É brutal.

Na sala que se segue estão alguns dos trabalhos de Kapoor com pig-mentos ultra-coloridos (vermelhos, amarelos, azuis da Índia). Uns pare-cem montanhas em miniatura, outros são como plantas a sair das paredes. E só depois de o visitante circular en-tre eles nota uma mancha estranha na parede, semelhante a algo desfo-cado, dissolvido. Há que olhar de la-do para perceber: uma barriguinha redonda, como se a parede estivesse grávida.

Dano reversível Daqui a pouco os curadores vão fazer uma visita guiada, e um deles, Adrian Locke, da Royal Academy, já vagueia entre a parede amarela e o canhão.

“É a primeira vez que fazemos algo semelhante”, diz, a olhar para os montes de cera agarrados à parede. “Temos de ter a certeza de que nada é permanentemente danificado”.

Demoraram cinco semanas a mon-tar a exposição.

“Para nós é muito tempo. As pare-des tiveram de ser reforçadas.”

Mas o mais difícil nem foram as pe-ças com cera. Foi a parede amarela com a barriga para dentro.

“Vem desmontada e é preciso re-fazê-la aqui, polindo tudo. Foram três semanas de trabalho contínuo.”

“Booooommmmm!” Mais um tiro. Mais risos nervosos.

Chega o francês Jean de Loisy, o outro curador da exposição, com Anish Kapoor, e os três concentram-se junto à parede amarela. Filho de pai hindu e mãe judia do Iraque, edu-cado em Londres desde os 19 anos, Kapoor parece cem por cento india-no, com um sotaque cem por cento inglês, ironia incluída.

“O que tenho a dizer está aqui”, diz. “É uma grande honra, um dos mais

A crítica britânica não se tem ajoelhado. Bate numas coisas e tira o chapéu a outras

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h O mais recente trabalho de Kapoor, montes que parecem vermes, intestinos, excrementos ou pirâmides muito primitivas –formas programadas em computador

“Foi um gesto muito arriscado de Anish incluir isto,

criando um ambiente caótico, ambíguo,

intrigante” Adrian Locke,

Royal Academy

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das estas formas foram programadas em computador e feitas por uma má-quina.

“Foi um gesto muito arriscado de Anish incluir isto, criando um ambien-te caótico, ambíguo, intrigante.”

Não perguntem ao próprio, que ele diz que não sabe o que são.

Os disparos da crítica Kapoor será tudo menos um “out-

sider”. É o próprio champanhe da arte britânica contemporânea. Desde os anos 70 que expõe nas mais impor-tantes galerias, em 1990 representou o Reino Unido na Bienal de Veneza, em 1991 ganhou o Prémio Turner, e desde então tem marcado o espaço público com esculturas espectacula-res de Chicago a Nova Iorque, da No-ruega a Inglaterra, para além de todas as exposições individuais.

Os trabalhos que agora estão na Royal Academy não são exactamente uma retrospectiva porque se concen-tram nos últimos anos. Foram pouco vistos ou nunca, embora no conjun-to assinalem etapas diferentes do trablho de Kapoor.

A crítica britânica não se tem ajo-elhado. Bate numas coisas e tira o chapéu a outras.

Para Tom Lubbock, do “Indepen-dent”, Kapoor “sempre esteve na fronteira do entretenimento, ainda que seja tentado por uma pretensão grandiosa”. A sua obra tem “poderes como ilusionista”, “inventou alguns truques ópticos muito originais” e “estes efeitos alucinatórios levaram muita gente a procurar uma espiritu-alidade”, encorajada pelos títulos das peças.

Mas ultimamente, esta arte “tem sido atraída não apenas para a ilusão e simbolismo como para o grande es-pectáculo”, e “o resultado é geralmen-te vaidade”.

Lubbock achou que o “trabalho

mais pateta” na exposição era o ca-nhão e que o simbolismo sexual de Kapoor pode ser terrível (deu como exemplo a cobra-vulva, e nesse caso é impossível não estar de acordo: é terrível).

Quanto ao comboio: “Para algo tão estranho e grande, devia ser espan-toso. Não é. É só estranho e grande. Um elefante carmim.”

Mas, ressalvou, há algo nem gran-dioso nem malicioso, uma sala cheia de “castelos de areia cinzentos feitos de montes de matéria viscosa”, en-caracolados, como espremidos de uma bisnaga – “uma peça de escultu-ra perfeitamente séria”.

No “Sunday Times”, Waldemar Ja-nuszczak disse que “isto é uma bata-lha tanto quanto uma retrospectiva”: “Kapoor vs os espaços da Royal Aca-demy.”

Se o totem de esferas é só “espumo-so” e “divertido”, e, em peças como os espelhos deformantes, Kapoor sa-be “que há um macaco em todos nós”, a exposição torna-se progressivamen-te “mais escura, mais estranha, mais pesada, à medida que escava na nos-sa memória”. Os pigmentos coloridos “assaltam os olhos com uma força que está mais próxima da violação que da persuasão”. E, depois de explorar a nossa memória, o artista explora o nossos subconsciente.

O canhão a ejacular cera com um barulho “aterrador” é “uma peça fe-nomenal”. Mas o maior pénis é o que atravessa as galerias. “O maior pénis do mundo estava a fornicar a Royal Academy. É uma escultura tão estra-nha quanto isso. É um espectáculo tão estranho quanto isto.”

Já Jackie Wullschlager, do “Finan-cial Times”, viu a “ejaculação” do canhão como um sonho infantil. “À medida que o trabalho do artista se torna maior e mais grandioso, tam-

bém se torna vazio e mais estéril.” Para esta crítica, as pilhas de cimento são pretensiosas. O que se salva são as “curvilíneas e sensuais” esculturas-espelho, “instalação intensamente metafísica e desconcertante”.

Finalmente, Adrian Searle, no “Guardian”, considerou esta exposi-ção “auto-crítica, divertida e descon-fortável”. Elegeu os montes de cimen-to como um regresso às origens, “o perfeito mito do escultor”. Falou do comboio como um caminho intesti-nal, multiplicou as associações fecais e fálicas e defendeu que aqui “há mui-to para pensar, tal como há muito de diversão gratuita, infantil”.

“Matem-nos!” Concluída a visita feita pelos curado-res, Kapoor volta à sala da parede amarela para conversar com alguns jornalistas.

Primeiro, o comboio.“Estou interessado na relação en-

tre o objecto e o espaço, na forma como o significado se liberta. Por is-so digo que não tenho nada a dizer. O que fiz com o comboio é um pro-cesso e os significados mudam. Era uma coisa em Munique e é outra coi-sa aqui. Aqui é mais formal. Penso que aqui é melhor.

Depois, o canhão:“Viena é o lugar de Freud, mas

também de vários artistas.”O cimento é o regresso a algo ar-

caico?“Não sei. Não sei para onde vou.

Mas tem uma relação íntima com as peças coloridas.”

E isto de dar cabo das paredes e do chão da Academia, logo ele que nas-ceu em Bombaim?

“No mundo da arte, neste país, as decisões são tomadas por razões ar-tísticas. Claro que isto pode ser visto como uma provocação ao ‘establish-ment’ simbolizado neste edifício. A política está lá mas não é o que esco-lho sublinhar.”

De resto, diz, já não é um “cidadão indiano”.

“Vivo neste país há 35 anos. As mi-nhas influências estão no mundo da arte. A única questão é: a arte é sufi-cientemente boa?”

“Booooommmmm!” Outra vez sal-tos e risos nervosos.

“Céus!”, diz o autor do canhão, a fingir que se arrepia.

Alguém lhe pergunta pelo uso da cor, como esta parede amarela, ou o vermelho da cera.

“Ficamos em frente de um trabalho e ele ocupa-nos. Quando a cor ocupa o nosso campo de visão pode tornar-se uma emoção.”

Geralmente o que acontece depois é que os espectadores querem tocar-lhe.

“Matem-nos!”, lança Kapoor, a sor-rir. “Claro que o trabalho tem alguma atracção física e isso é importante. Quando estamos fisicamente envol-vidos talvez os significados possam surgir.”

E daqui para a frente?“A minha obsessão é fazer arte sem

as mãos, autónoma. O comboio é par-te disso.”

O Ípsilon viajou a convite do Turismo Britânico (www.visitbritain.pt) e da British Airlines (www.ba.com). T

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Aviso aos mais sensíveis: vem aí pa-lavrão. Palavrão mais do que ouvido e que aqui faz sentido, mas ainda as-sim um palavrão.

Ei-lo: “Temos uma tensão entre querer fazer a nossa música acessível e querer torná-la o mais fodida pos-sível”.

Palavra de baixista. Mais propria-mente de John Famiglietti, baixista numa banda dominada por guitarras, os Health.

Se bem que, no que toca ao segun-do disco dos Health, falar de guitarras ou de baixos é um eufemismo: “Get Color” é uma granada de ruído, fee-dback, bateria pesada e melodias pú-beres que por entre ecos e sons indis-tinguíveis consegue o milagre de ser música dançável e imediata.

Fazendo um rápido resumo do que poderão ler em maior extensão nas páginas de crítica desta edição, diga-mos que: “Get Color” pode muito bem ser uma obra-prima, nem que seja durante duas semanas.

É um disco que não pára quieto, que pára, arranca, guina à esquerda, guina à direita, tem camadas e cama-das de som, e nunca se percebe bem que instrumento faz o quê. É o sonho

de quem gosta de guitarras, desde que não se olhe para a guitarra como o instrumento que os AC/DC usam.

Lá fora, por mais encómios que an-de a receber (e são muitos), o álbum tem sido visto de duas maneiras: co-mo um refinamento acessível da lin-guagem de uma série de bandas vin-das de L.A. ou como um pastiche de “Loveless”, a obra-prima que os My Bloody Valentine assinaram em 1997, e que levou o seu líder, Kevin Shields, a ficar tontinho da cabeça.

Um som só delesAmbas as teorias são típicas de malu-quinhos da música, e estão – dizemos nós – ligeiramente erradas.

Dizer que “Get Color” lembra a ce-na de L.A. é coisa nenhuma porque “a cena de L.A.”, como o próprio Jo-hn nos confessa ao telefone, é “uma coisa muito pequena”, composta por bandas que a maior parte dos huma-nos nunca ouviu falar, como os No Age e os Abe Vigoda. Tudo boas ban-das, com bons discos, gente de quem os Health são “grandes amigos”. A amizade faz sentido se pensarmos nesta gente como os reis do ruído numa terra, L.A., em que toda a gen-

te aspira ao glamour e ao estrelato universal, o que por enquanto não é o caso dos Health: “O Slash não vem aos concertos da nossa cena”, diz a rir John.

Posto nestes termos, “Get Color” parece coisa pequena – quando é um monumento. Nada nele lembra bai-xas fidelidades ou cenas auto-com-placentes. Pelo que faz mais sentido compará-los com os My Bloody Va-lentine, como eles próprios admitem: “Há uma estrutura mental na nossa música parecida com a dos My Bloo-dy Valentine, sim”.

Tal como nos britânicos, tudo se decide num constante “jogo de con-traste e contradição”, ou pondo as coisas de forma simples, “é punk-rock com vozes doces”. E, tal como nos My Bloody Valentine, eles têm “como objectivo” criar “sons cuja ori-gem seja difícil de perceber”.

“Mas”, John faz questão de lembrar, “este é um som só nosso”.

Um som de totós, diga-se - mas to-tós perigosos. Perigosos no sentido em que uma canção como “Death+” pode de facto dar vontade de dar ca-bo da louça lá de casa. Totós no sen-tido em que os Health são capazes de

“Nós queremos ser relevantes, queremos fazer música para agora. Gostamos mesmo de pop. Adoramos melodias, canções bem construídas. Adoramos os clássicos, as Ronettes, os girl-groups. Adoramos Simon & Garfunkel”John Famiglietti

Os Health vêm de Los Angeles mas têm a cabeça na Inglaterra dos My Bloody Valentine: “Há uma estrutura mental na nossa música parecida com a deles, sim. Mas este é um som só nosso”, sublinha o baixista

A granada dos Healthrebenta-nos nas mãos

“Get Color”, segundo álbum dos Health, é o ponto exacto em que a ciência dos My Bloody Valentine colide com o músculo e a vontade de não deixar nada inteiro. Parece coisa pequena, m

monumento: uma obra-prima pelo menos para as próximas duas semanas. João Bonifácio

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ficar horas a explicar como fizeram este ou aquele som, numa curiosa demonstração da contradição que está no cerne da banda: em disco e ao vivo são explosivos e massacrantes, no estúdio e em conversa são peque-nos cientistas meticulosos.

“Não há nada neste disco que seja improvisação”, diz John. “Todas estas canções são muito pensadas, sem qualquer excepção. Pensadas até ao mais ínfimo detalhe. É tudo conciso. É um disco muito conceptualiza-do”.

Conceptualizado ao ponto de não haver interrupções e passarmos de canção para canção “para não parar a energia”: “É um disco imparável, que nos leva para cima e para baixo”. Já foi pior: “Antigamente, nos concer-tos, as pessoas chegavam a pensar que só tocávamos uma canção. Mas como este disco é mais baseado em canções já não acontece tanto”.

O maior número“Mais baseado em canções” significa que para eles “o disco tem elementos muito pop, muito acessíveis”. Mas – há sempre um mas – “há pessoas que não o entendem assim”. Em relação a isto,

que não haja dúvidas: eles querem “que o maior número de pessoas pos-sível goste” do que fazem.

Eles querem que a música deles “seja física”, por isso fazem-na “um pouco dançável, imediata”, razão pe-la qual têm “baterias tão pesadas”.

Eles querem “tornar as canções uma viagem”, “não perder dinâmica e excitação”, pelo que enchem as can-ções de “muitas partes diferentes”. Mas também querem “balançar isso com a repetição, que é uma grande parte da pop, porque é natural repe-tir as partes boas, o nosso cérebro funciona assim”.

E como é que o cérebro deles fun-ciona? “Muito provavelmente, e como toda a gente hoje em dia, temos uma capacidade de concentração muito reduzida”, diz John, meio em jeito de gozo. Por um lado, diz, “há intensida-de emocional no ruído” que fazem. Por outro, os Health não gostam “na-da de estar fora do tom”. Sejamos directos: “O nosso sonho é a absoluta perfeição”.

É aqui que entra o lado totó dos moços, o tal prazer em descrever co-mo funcionam.

John consegue passar uma hora a falar de microfones, feedback, afina-ções, o diabo. Um exemplo: começa a dada altura a descrever como fize-ram os sons que abrem “Eat flesh”, uma das canções do disco. A descri-ção começa assim: “É uma guitarra baixo a fazer ecos mais duas guitarras eléctricas a fazer (...)”. Acreditem que seria um pouco extenuante citar isto do princípio ao fim.

Muito possivelmente, esta conver-sa não interessa aos mortais que aba-nam cabeça e tronco ao som deles. Mas é curioso haver tamanha dicoto-mia entre a imediatez do som dos He-alth e o grau de cerebralidade que põem na sua construção. Eles pró-prios o admitem.

“O nosso som vem de sermos mui-to picuinhas”, diz John. “Todos temos equipamento próprio, e todo esse equipamento dá para fazermos e in-ventarmos imensos sons”. Essa pai-xão pela técnica leva-os muitas vezes a “fazer canções por causa de um som, construir tudo à volta de um som” que os encanta. Outras vezes procuram “um determinado som pa-ra uma base” que já têm, “para dar a

volta à canção”. Mas por norma o que acontece é estarem a ensaiar, ouvirem qualquer coisa que outro fez, pararem e dizerem: “Quero esse som”.

Usam “microfones antigos”, e pou-ca tecnologia: “A maior parte dos sons é conseguido através de feedback de guitarra manipulado organicamente” e “muita coisa é feita através de liga-ções novas que fazemos, pequenas experiências”.

O PC só é usado para misturar. Em todo o disco só há uma pós-produção: em “Die slow”, o portentoso single. Tiveram de usar o auto-tune para fa-zer a melodia com o feedback. “Foi a única vez que o fizemos”. Foi por uma boa razão: “Fazer música como faze-mos tem os seus problemas: por vezes o feedback está num tom e temos de adaptar a canção a esse tom. Foi isso aconteceu com o ‘Die slow’: o feed-back estava sempre fora do tom. Ao vivo não há problema, mas no estúdio todo aquele volume põe o feedback fora do tom – acontece quando o ma-terial não está à altura da tarefa”.

Em muitas das canções dos Health a guitarra só lá está por causa do fee-dback. E “por vezes é mais difícil lem-

brar os efeitos a usar do que as notas”. Não raras vezes acontece-lhes “apa-recer alguém no fim de um concerto a perguntar ‘Que caralho é isto?’”. Mas “mesmo as pessoas mais conser-vadoras”, diz John, “as que não têm referência para o som, adoram”. Coi-sa curiosa, diz o homem do baixo: com os Health “os concertos funcio-nam melhor para quem não é fã”, porque “é impossível alguém não se concentrar naquele som quando se está num concerto” deles.

Em fim de conversa perguntamos a John o queria exactamente dizer quando falava em serem ouvidos pe-lo maior número de pessoas. Sem pudor, atira: “Nós queremos ser re-levantes, queremos fazer música pa-ra agora”. Insistimos: “Mas querem ser pop?”. A resposta não podia ser mais clara: “Nós gostamos mesmo de pop. Adoramos melodias, canções bem construídas. Adoramos os clás-sicos, as Ronettes, os girl-groups. Adoramos Simon & Garfunkel”. Mas Simon & Garfunkel nunca fariam tan-to barulho.

Ver crítica de discos pág. 40 e segs.

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Onde é que isto começa? Começa na capa de “Minta & The Brook Trout”, que é o que vemos primeiro. Descobri-mos-lhe a origem. Francisca Cortesão a ouvir uma canção de Tom Waits no iPod, “The party you threw away”, e a ouvir nela algo que não ouvira antes: “In a portuguese saloon”, canta algures o bardo com voz de whiskey. Eis então Francisca, pouco depois, a deparar na net com uma conversa entre Waits e o Monty Python Terry Gilliam. Gilliam diz a Waits que ele escreve letras estra-nhas. Refere uma: “on the porch, gee-se salute”. Waits ri-se, explica que o que canta realmente é “in a portugue-se saloon” – mas acrescenta que “on the porch, geese salute” é melhor ain-da. Francisca também achou e é por isso que, na capa de “Minta & Brook Trout”, sucessor do EP “You” e álbum de estreia de Minta, vemos precisa-mente gansos num alpendre. Foram “encomendados” a João Maio Pinto e não parecem tão divertidos quanto intuímos pelo erro de tradução de Ter-ry Gilliam. O que, de resto, faz todo o sentido. O traço simples e a insularida-de da paisagem casam bem com a mú-sica de Minta (que é Francisca Cortesão e a banda que a acompanha: Manuel Dordio na guitarra, Mariana Ricardo no baixo, segundas vozes e ukelele, e José Vilão na bateria). João Maio Pinto percebeu tudo muito bem.

Portanto, é aqui que isto começa. A guitarra acústica e a voz que não es-pera para aparecer. “Singalong” a que se junta o ukulele, a guitarra eléctrica que balança entre as palavras, o ritmo gentil de baixo e bateria e os versos que há muito caminham canção den-tro: “Give it up for those who have the guts / to hurt who they love / And they really have to”.

O humor pode morar na vida de Francisca Cortesão, não tanto na sua música. Diz-nos gostar muito dos con-tos de Roald Dahl (autor de, por exem-plo, “Charlie e a Fábrica de Chocola-te”), que aprecia o humor negro que não pede um gargalhar imediato. De-pois, acrescenta: “Às vezes tenho pe-na de não fazer música com maior sentido de humor, que é uma coisa de que gosto muito na literatura ou no cinema”. “Enfim”, suspira, “talvez lá chegue”. Enquanto não chega, tem todo um mundo a explorar. Ou me-lhor, todo o mundo – o de ontem, ho-je e amanhã, citando desproposita-damente José Cid.

Segunda vidaO material de Francisca Cortesão usa nas canções está mesmo ali ao lado: “O que me intriga são as pessoas e as relações entre elas. Sempre tentei usar a música para tentar perceber as coisas que não estão bem na minha vida. Não sei escrever sobre mais na-da”. Não se leia ali um sufoco existen-cial traduzido em mulher amargura-da, eternamente introspectiva. Fran-cisca Cortesão não corresponde ao estereótipo de “singer songwriter” obcecada com o negrume insuportá-vel da vida. Nem, de resto, a sua mú-sica, onde não cabem loiça a voar pela casa e berraria insuportável. Ela, que nos fala de Laura Viers e Lamb-chop, de Lisa Germano ou Elliot Smi-th, da Gillian Welch de hoje e do Gram Parsons de ontem, inquire e observa, conta histórias que são sempre a mes-ma, vista de perspectivas diferentes. O talento reside, claro, na forma como isso se transforma em canções que nos iludem - é que parecem novas es-tas “velhas” histórias que nos conta.

Resumindo e repetindo, é portanto aqui que tudo começa. No “in a por-ch, geese salute” e na música que por trás disso se revela. Certo? Quase.

A Francisca Cortesão que vemos em pequenos concertos, ela que es-colheu estrear-se em álbum com uma edição de autor, fez o percurso ao contrário. No início desta década, encontrávamo-la no catálogo da EMI. Tinha 17 anos e formava com Filipe Pacheco os Casino. Gravou um álbum que agora não consegue ouvir, andou a tocar em grandes salas, a fazer pri-meiras partes dos Silence 4 e a achar que tudo aquilo era demasiado: “Não tínhamos nenhuma experiência de palco, eu desafinava imenso e irritava-me por estar nervosa e não conseguir cantar melhor”. Aconteceu tudo no tempo errado. O álbum chegou às lo-jas logo depois do 11 de Setembro, eles eram dois miúdos sem qualquer ex-periência e a indústria musical come-çava a evidenciar a agonia comercial

em que hoje vive. Fizeram um segun-do álbum que não chegou a ser edita-do (essa ela já consegue ouvir) e, frus-trados, acabaram.

Francisca desapareceu do olhar público e continuou a compor can-ções para a gaveta. Até que chegou este novo mundo de MySpace e afins e ela abriu-a. Começou esta segunda vida que, tudo bem medido, é verda-deiramente a primeira.

“Há alguns anos, não era capaz de identificar cinco bandas portuguesas de que gostasse muito”, confessa. “Neste momento não é nada difícil fazê-lo”. Não por acaso, encontramos no seu disco Manuel Dordio e Walter Benjamin, dos Jesus The Misunders-tood!, e Mariana Ricardo – a banda deles e as canções a solo dela são “du-as das coisas” que Francisca mais gos-ta de ouvir neste momento. Mais: “As pessoas libertaram-se da ideia de que para chegar a determinado ponto tem que se arranjar uma EMI ou uma Uni-versal. Há outras maneiras de abordar a questão e que não passam pela va-lidação de pessoas que não fazem música, que são muito mais velhas e que estão numa onda completamen-te diferente, a tentar forçar-nos a en-trar naquele buraquinho que é a ideia do que deve ser feito”. Conclui: “Ho-je os músicos estão a fazer exactamen-te aquilo que lhes apetece e, curiosa-mente, há público para isso”.

Então, e por fim, é aqui que tudo começa. “Minta & The Brook Trout”, “in a porch, geese salute”. Canções curtas e concisas que expõem mais do que lamentam. Nunca verdadeira-mente frágeis, de uma elegantíssima melancolia.

Ver crítica de discos pág. 40 e segs.

Minta, que é Francisca Cortesão, não demora a explicar que o que a intriga são as pessoas e as rela-ções entre elas. Em “Minta & The Brook Trout”, ouvimos o início da segunda vida dela. Mário Lopes

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“As pessoas libertaram-se da ideia de que para chegar a um determinado ponto tem que se arranjar uma EMI ou uma Universal. Os músicos estão a fazer o que lhes apetece e há público para isso”

Depois dos Casino, Francisca Cortesão desapareceu de cena e continuou a compor canções para a gaveta - até que apareceu o MySpace e a indústria musical deixou de ser o que era

O primeiro álbum

de Mintado resto da vida

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Jon Hassell conversa com o Ípsilon por telefone, directamente a partir de Los Angeles, onde vive. Oito horas de diferença. Cidade gigantesca, mar-cada pela violência mas também pela fantasia, é o terreno ideal para a pes-quisa de ambientes urbanos de que Hassell é um mestre reprodutor.

Considerado um dos maiores este-tas de sempre no design de ambientes sonoros, o músico que está de visita ao Teatro Municipal Maria Matos, Lis-boa, na próxima quarta-feira, estudou com Karlheinz Stockhausen e Pandit Pran Nath, colaborou com os pionei-ros do minimalismo La Monte Young e Terry Riley, e participou em discos históricos de artistas tão importantes como Talking Heads (no seminal “Re-main in Light”), David Sylvian, Peter Gabriel, Kronos Quartet ou Ry Coo-der. Pelo caminho, construiu uma discografia fascinante que atravessa o espectro do minimalismo, da mú-sica experimental, do “ambient”, da fusão étnica e do jazz atmosférico, e desenvolveu uma colaboração de grande cumplicidade com Brian Eno, seu amigo e conspirador de longa da-ta, talvez o maior “ambient maker” de sempre.

Até custa imaginar que a pessoa que se encontra do outro lado da li-nha seja realmente amigo de Brian Eno. Como é possível alguém ser ami-go de uma figura intocável, quase um deus, que pertence ao imaginário

mais profundo da magia musical? Hassell conversa, passeia, e partilha projectos com ele. Numa carta aber-ta escrita recentemente, Eno refere: “Devo muito ao Jon. Na verdade, mui-ta gente deve muito ao Jon. Ele se-meou uma poderosa e fértil semente cujos frutos ainda hoje colhemos.”

Tentando ampliar a ressonância dessa semente, os dois mantêm o pro-jecto “Conversation Piece”, uma série de diálogos públicos em que debatem ideias e pontos de vista em torno de temas como arte, sexo, religião e mú-sica. Sem censura e sem qualquer tipo de barreiras. Um encontro de mentes que teve a sua origem em 1978, ano em que Brian Eno, acabado de chegar a Nova Iorque, se deslumbra com “Vernal Equinox”, obra notável de Hassell em que este dá forma, pela primeira vez, àquilo a que chama quarto mundo: “Fiz a divisão, na altu-ra com base num mapa mental e po-lítico do planeta, em que os outros mundos eram representados pelos Estados Unidos e o Ocidente, a União Soviética, e o resto do mundo. No fun-do, idealizei um mundo imaginário onde se cruzavam o tecnológico e o espiritual/tradicional.” Um mundo a que Miles Davis também parecia per-tencer, diz: “Sempre utilizei como re-ferência um tema de Miles Davis, “Bla-ck Satin” do álbum ‘On The Corner’. Se Miles tivesse continuado naquela direcção, estaria a fazer esta música.”

Dois anos mais tarde, em 1980, Eno e Hassell viriam a colaborar em “Four-th Worlds Vol.1 – Possible Musics”, um marco na “ambient music” que viria a influenciar gerações de artistas dos mais diversos quadrantes. Das refle-xões de “Conversation Piece” irá ain-da sair “The North and South of You”, livro que Hassell está prestes a termi-nar e que integra um conjunto de pen-samentos e ideias coleccionados ao longo de anos. Uma espécie de “blue-print” de toda a sua actividade.

Do futurismo à pré-históriaUma das características mais fortes da obra de Hassell é a ligação entre elementos futuristas, conceitos so-noros que ainda hoje soam estranha-mente vanguardistas, e uma vibra-ção primordial que ecoa as origens mais longínquas do som. Hassell é claro quando lhe perguntamos qual o aspecto-chave da sua música, aquele de que gostaria que falásse-mos quando falamos dele: “Os am-bientes. Vejo a minha música como uma combinação de diferentes in-gredientes sonoros, de diferentes aspectos que me interessam, como os arranjos de Gil Evans, a música indiana, a electrónica experimental, o ‘live sampling’, a música dos pig-meus... conjugadas de diferentes formas para criar um ambiente no-vo, um novo contexto sonoro onde nunca tenhamos estado.” Procuran-do aprofundar um pouco este aspec-to, Hassell continua: “Sempre me senti atraído por formas de música não ocidentais. Música de origem ancestral, pré-rádio, pré-indústria, em que não exista uma divisão clara entre o popular e o erudito. Uma música ouvida e tocada por novos e velhos, com uma componente gran-de de improvisação, de puro instin-to. Interessam-me cada vez mais os aspectos básicos. Nunca quis fazer música deliberadamente vanguar-dista. Quando estudei com Stockhau-sen, éramos um grupo de composi-tores a compor para outros compo-sitores, talvez daí a exigência e a complexidade de alguns dos meus trabalhos iniciais.”

Com “Last Night The Moon Came Dropping Its Clothes On The Street”, editado no início deste ano, Jon Has-sell regressa à ECM, 23 anos depois de “Power Spot”, e assina um disco de uma beleza intensa, uma gravação marcada pelo silêncio e pela conten-ção, feita de movimentos subtis que não escondem a força avassaladora do todo. É assim que se faz, explica: “No estúdio, faço inúmeras sessões de gravação, básicamente improvi-sações. Depois de ouvir, escolho ex-certos que me captam a atenção e torno a trabalhá-los. É um processo que não pode ser visto de forma iso-lada, pois trata-se de uma cadeia de acontecimentos. Gravo todas as mú-sicas tocadas nos concertos, que, por sua vez, são já versões transformadas de anteriores músicas de estúdio, sempre com grande espaço para a improvisação.”

Um “work-in-progress”, portanto: “Há uma continuidade de elemen-tos, uma transformação gradual. Neste último disco, não utilizei ape-nas o trabalho que foi feito em es-túdio no Sul de França. Integrei também excertos de um concerto que fizemos em Londres.” Uma con-tinuidade que vai ser encarnada em palco, no próximo dia 28, por Has-sell (trompete e teclados), Jan Bang (sampler), Eivind Aarset (guitarra e baixo) e Kheir-Eddine M’Kachiche (violino).

Ver agenda de concertos pág. 43 e segs.

Controla o ambienteO trompetista e compositor Jon Hassell, um dos mais influentes “sound designers” de sempre,

visita-nos dia 28 no Teatro Maria Matos. O quarto mundo em Lisboa. Rodrigo Amado

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“Sempre me senti atraído por formas de música não ocidentais. Música de origem ancestral, pré-rádio, pré-indústria, em que não exista uma divisão clara entre o popular e o erudito. Uma música ouvida e tocada por novos e velhos”

Jon Hassell vai estar no Maria Matos acompanhado por Jan Bang, Eivind Aarset e Kheir-Eddine M’Kachiche

Jon Hassell

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Até onde é que tu queres que eu vá? Até onde é que eu quero ir?

Tudo se joga entre estas duas per-guntas quando a ideia é pôr nove adolescentes a explicarem, a partir das suas próprias vidas, o que é ser adolescente. Foi isso que o criador de teatro Pedro Gil e a realizadora Cláudia Varejão pediram à Bia, ao Daniel, ao Duarte, à Filipa, à Maria-na, à Marta, ao Nuno, ao Simão e à Wilma. E é isso que vai acontecer em “Às vezes as luzes apagam-se”, no palco do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, em três espectáculos, dias 29 e 30 (às 21h, dia 30 também às 15h), um projecto que nasceu de um convite do festival Temps d’Images à Fábrica das Artes do CCB, que por sua vez convidou os dois criadores.

Isto não é uma peça de teatro. É um exercício de exposição pessoal, em que nove pessoas, entre os 14 e os 17 anos, dão tudo o que têm – co-mo só um adolescente consegue fa-zer. “Deram tudo desde o primeiro dia como se não houvesse amanhã”, conta Pedro Gil, sentado, ao lado de Cláudia Varejão, numa escada do es-túdio Rumo do Fumo, na Lx Factory, em Lisboa. Já passa das 23h e os no-

ve actores acabaram de sair, num turbilhão pelas escadas abaixo, de-pois de mais um ensaio.

“O que é que eu vou fazer quando isto acabar? Oh meu Deus, acho que vou morrer!”, exclama uma das ra-parigas à saída da sala. “A relação que criámos entre nós é uma coisa que não acontece muitas vezes”, explica Mariana. “Para mim a cena agora é mais pensar ‘isto está em contagem decrescente para deixarmos de estar todos juntos, daqui a pouco tempo isto vai acabar’”.

Já não são os mesmos que eram há dois meses. “Esta experiência foi olhar para mim e sentir-me a apren-der tanta coisa, mas tanta coisa. Cres-ci imenso com este projecto”, diz Marta. “Nunca me tinha aberto assim tanto. Estas pessoas agora conhecem-me melhor do que outras pessoas que já conheço há anos”. Duarte, que sempre quis ser actor e que quando soube que ia ser escolhido pensou em primeiro lugar na hipótese de ganhar dinheiro, confessa que ficou desiludido quando soube que não ia receber nada. Hoje já não pensa as-sim. “Neste momento acho que tudo o que me deram não dá para ser substituído por dinheiro. O que

aprendi não dá para explicar. Sinto-me um privilegiado”.

“Porque fui eu dizer aquilo?”Foram precisos mais de dois meses para chegar aqui. Primeiro a selec-ção, entre 60 jovens, destes nove – “era preciso que tivessem já um dis-curso mais filosófico, mais existen-cial, sobre si próprios que lhes permitisse jogar o jogo de forma consciente”, explica Pedro. E depois uma residência em que se fecharam todos numa casa durante dez dias e abriram a alma. Pedro e Cláudia pe-diram-lhes que contassem as suas vidas, que explicassem como são as famílias, que trouxessem fotografias, que se fotografassem, a eles (incluin-do um auto-retrato nu) e aos amigos, que se filmassem, que escrevessem diários, que mostrassem os quartos, que falassem de um objecto preferi-

do. “Tínhamos consciência desde o início que ia ser muito intenso”, re-conhece Cláudia. “É uma idade mui-to específica, em que se abrem muitas portas”.

Na residência havia uma “solitária” em que os adolescentes falavam ape-nas para a câmara. Dessas imagens, e de todas as outras que trouxeram, que recolheram, das filmagens/entre-vistas feitas nos seus quartos, das fo-tos da família e dos amigos, saiu uma base de trabalho onde Claúdia Varejão começou a procurar um sentido (al-gumas dessas imagens fazem parte do espectáculo). “Não me interessava tanto que fosse um olhar meu sobre eles. Era impossível que eu conseguis-se aquilo que eles me podem dar”.

Pedro e Cláudia ajudavam-nos de-pois a trabalhar o que queriam dizer. Também não era fácil. “Ver aquelas imagens [da “solitária”] fez-me uma confusão imensa”, confessa Bia. “Pensava ‘porque é que fui dizer aqui-lo?’. Porque na minha cabeça as ideias mudam assim [e faz com a mão um gesto a indicar rapidez] e às vezes pensava ‘aquilo que disse não tem nada a ver comigo’. Mas depois vol-tava a olhar e pensava ‘iá, é mesmo aquilo’. Sempre tive opinião sobre

“Para mim a cena agora é mais pensar ‘isto está em contagem decrescentepara deixarmos de estar todos juntos, daqui a pouco tempo isto vai acabar’” Mariana

Esta é a adolescênciPôr um grupo de adolescentes a falar deles próprios, dos seus medos, angústias, desejos, é um

como se não houvesse amanhã. Um encenador e uma realizadora tentam transformar esta aquela que, dizem, não se vê nos Morangos com Açúcar.

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“A Cláudia [Varejão] e o Pedro [Gil] disseram-nos que isto era um espectáculo feito connosco e sobre nós. Era uma oportunidade para as pessoas verem quem somos realmente para além daquelas coisas que a televisão mostra e nas quais não me revejo” Bia

cia que sentem projecto arriscado. Mas eles estão dispostos a dar tudo, a entrega num espectáculo. É a adolescência real – . Alexandra Prado Coelho

Foram precisos mais de dois meses para chegar aqui. Primeiro a selecção, entre 60 jovens, destes nove. Depois uma residência em que se fecharam numa casa durante dez dias e abriram a alma

tudo, mas agora sinto que consigo definir as minhas opiniões”.

“Não é uma peça voyeurista”Para Mariana, “a parte mais difícil era perceber até que ponto podíamos ir”. Olhava para o Pedro e a Claúdia a tirar notas do que eles diziam e pensava: “Estes gajos são malucos, vão-me pôr a dizer isto num palco à frente de ou-tras pessoas e eu não quero. Mas de-pois havia aquela cena de perceber: ‘ok, eles são malucos mas são sensí-veis e é óbvio que não nos vão pôr a dizer coisas que sejam desconfortá-veis para nós’”.

Do “outro lado”, o encenador e a realizadora também mediam cuida-dosamente tudo o que era dito e mos-trado. “O mais difícil é estabelecer o limite”, confirma Cláudia. “Esta é uma idade em que não existe muito a noção do que deve ser público e do que deve ser privado. Para nós era uma grande dúvida: será que isto se deve ou não mostrar? Nunca quise-mos fazer uma peça voyeurista”.

Ao mesmo tempo havia, da parte de todos, uma espécie de compro-misso com a realidade. Se os dois criadores queriam construir um es-pectáculo a partir de uma base docu-

mental e biográfica, os adolescentes queriam mostrar a sua verdade. “O que me levou a aceitar é haver super poucos espectáculos que falem do que realmente é para nós a adoles-cência”, diz Bia. “Logo na primeira entrevista a Cláudia e o Pedro disse-ram-nos que isto era um espectáculo feito connosco e sobre nós, com a nossa visão da adolescência. Era uma oportunidade para as pessoas verem quem nós somos realmente para além daquelas coisas todas que a te-levisão mostra e nas quais não me revejo”.

Cláudia explica que há uma reac-ção a séries como Morangos com Açú-car. “Eles querem mostrar que não são isso. E pensam ‘é muito impor-tante mostrar o que somos, mostrar que não somos o cliché que existe sobre a adolescência’”. Esta é a ado-lescência que se despe perante uma câmara e passo a passo assinala no corpo aquilo de que gosta e aquilo de que não gosta. É a adolescência que sente que “ter esta idade é estar nu-ma prisão”. Que está “em mudança”, que “nunca [se] tinha sentido assim”. Que tem uma cabeça “que nunca pá-ra”. Que descreve no diário aquele beijo “com a língua, oh my god”. Que confessa que “quer experimentar tu-do, mas tudo mesmo”. Que “tem me-do da solidão”. Que não acredita “no para sempre, porque as coisas mor-rem, perdem a força”. Que não sabe “porque é que a vida corre mais de-pressa” do que nós próprios. Que não percebe “como é possível querer tan-to e não saber o que se quer”.

Ao contrário da existência sob os holofotes que existe nas séries de TV, esta é a adolescência que sente – as palavras são da Bia – que a vida é um sítio onde “às vezes as luzes apagam-se”.

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Embora represente um perfeito men-tiroso em “O Delator”, Matt Damon, vencedor de um Óscar de melhor ar-gumento original (por “O Bom Rebel-de”) e um tipo simpático em todos os aspectos, não pode senão dizer a ver-dade. “Gostaria de poder dizer que tenho uma qualquer grande história sobre ter enganado toda a gente e me ter safado, mas não”, ri-se. “Quando o meu irmão e eu éramos mais novos, a minha mãe fazia-nos sentir sempre culpados. Por isso, nunca sentimos necessidade de lhe mentir.”

Sem dúvida que “O Delator”, filme que se baseia num livro de Kurt Ei-chenwald, é uma história invulgar. A personagem que Damon interpreta, Mark Whitacre, vice-presidente de uma grande empresa agrícola que se torna informador do FBI quando a empresa fica sob suspeita de prática ilegal de fixação de preços, é uma pes-soa real, existe mesmo, e isso parece inacreditável – pela forma como, nos anos 90, Whitacre criou uma cortina

de mentiras para cobrir outras men-tiras da sua existência, e assim um informador do governo se revelou, afinal, um mentiroso compulsivo.

“Tínhamos o argumento há sete anos”, conta o actor. “O Steven [So-derbergh], na verdade, propôs-me o filme em 2001, quando eu estava a fazer a minha quarta ronda de repe-tição de cenas do primeiro filme de Bourne, ‘Identidade Desconhecida’. Estava alojado num quarto de hotel em Paris, ‘Façam as Vossas Apostas’ ainda não tinha saído e os meus dois filmes anteriores [“Espírito Selvagem” e “A Lenda de Bagger Vance”] tinham sido um fiasco. O filme de Bourne da-va todos os sinais se também vir a ser um desastre. Havíamos voltado a fil-mar tantas cenas que já levava um ano de atraso. Eu não tinha recebido ne-nhum telefonema a propor-me traba-lho desde há nove meses. A todos os níveis eu estava completamente em baixo em Hollywood. O Steven, por outro lado, acabava de receber o seu

Óscar por ‘Ninguém Sai Ileso’, tinha sido nomeado por ‘Erin Brockovich’ no mesmo ano, portanto, estava tão animado quanto se pode estar em Hollywood.”

Foi neste clima que Soderbergh te-lefonou ao deprimido Damon e lhe disse, excitado: “Encontrei uma coisa para fazermos juntos. Chama-se ‘O Delator’ e acabei de te enviar por fax as primeiras oitenta páginas. Já o li. É óptimo.”

Damon, que tinha partilhado um Óscar de argumento com o amigo Ben Affleck, ficou a interrogar-se se Soder-bergh queria que ele revisse a escrita do argumento. “Não, ele queria que eu fosse o actor principal! Fiquei es-tarrecido, literalmente. Fui para casa e li-o e era um daqueles grandes pa-péis, tão complexo, com tudo aquilo com que sonhamos.”

“O que adoro na personagem”, continua, “é que é parecida com mui-tos tipos que conheci na universida-de. Podiam ser espertos e tirar dou-

“O que adoro na personagem é que é parecida com muitos tipos que conheci na universidade. Podiam ser espertos e tirar doutoramentos, mas faziam coisas tão estúpidas – não tinham bom senso” Matt Damon

Matt Damon mente e Steven Soderbergh deu-lhe uma indicação sobre a aparência da sua personagem em “O Delator”:

compulsiva. Retrato de um actor com comida e filmes em fundo.

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Matt Whitacre e com o realizador Soderbergh

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meio, o que é que esperavam?”Damon nunca conheceu o verda-

deiro Whitacre, mas inspirou-se no que leu no argumento e no livro. “Há maneirismos de que eles falam, que ele está sempre a levar a mão aos ócu-los, por exemplo, que imitei. Mas, depois de o Steven me ter dito que queria fazer isto como uma comédia, não precisava de estudar com tanto rigor a personagem.”

Dois meses antes de o filme entrar em fase de produção, Damon enviou um “e-mail” a Soderbergh sobre a questão da sua aparência. O realiza-dor respondeu-lhe com uma única palavra: “Gordalhufo.” Seguindo as suas indicações, Damon iniciou uma dieta rica em hidratos e carbono e em gordura, alimentando-se de “fast food” – “pizzas, McDonalds sempre que podia” –, e aumentou de peso sem esforço.

“Quando cheguei às filmagens ele disse-me que não queria nada delgado em mim, nem mesmo o nariz. Por isso, apliquei um postiço no nariz.” E ri-se, recordando que tinha feito a mesma coisa para Linus, em “Ocean’s 13”.

Damon claramente gostou da ex-periência de ganhar peso e a mulher dele não se importou. “Costumava pavonear-me pela casa com a barriga a sair das calças, porque achava que era muito divertido. Sabe, é um géne-ro diferente de coisa quando se tem uma desculpa para o fazer. É tipo en-graçado. Porque não ter gozo se se é um homem grande pelo menos uma vez? Fica-se um género diferente de pessoa.”

Trabalhar com amigosDepois, não foi assim tão divertido quando teve de emagrecer em dois meses para estar pronto para “Green

Zone”, o seu terceiro filme com Paul Greengrass – sobre a Guerra do Ira-que. “Fiz ‘jogging’, pratiquei pugilis-mo, mas é verdade que perder peso leva mais tempo. E não tem a mesma graça.”

“Green Zone”, admite, tem alguma coisa de aposta, pois os filmes sobre a Guerra do Iraque não têm sido gran-des êxitos de bilheteira. O filme, que classifica como “um simples ‘thril-ler’”, segue uma equipa que tem por missão procurar armas de destruição maciça no Iraque e, claro, não encon-tram nenhumas. “A coisa toda baseia-se num logro. É mais um filme acerca de mentiras. Embora mentiras muito maiores.”

Quanto a outra aventura para Jason Bourne, revela que Greengrass está com vontade de regressar à série. “Ainda não temos uma história e, na verdade, encontrar uma história é que será bom. É difícil porque, até agora, tratou-se da evolução deste tipo que perde a memória e lentamen-te a recupera. Sabe, ele agora já recu-perou a memória, por isso é tipo ‘En-tão e agora?’”

No entanto, o “franchise” tem sido um manancial de dinheiro e o filme podia facilmente continuar. São os filmes mais pequenos de Damon que lutam para serem produzidos e ele está um pouco desanimado.

“É difícil conseguir dinheiro para filmes neste momento. A crise do cré-dito afecta toda a gente. O Steven e eu temos esperança de fazer um filme sobre [o pianista e showman] Libe-race em que eu desempenho o papel de um ex-amante que escreveu um livro cheio de revelações, ‘Behind The Candleabra’, depois da morte dele [1919-1987]. Mas obviamente que não é um assunto em que as pessoas queiram arriscar dinheiro. Richard LaGravanese escreveu o argumento e é mesmo, mesmo, mesmo óptimo, mas precisamos de trinta milhões para o fazer bem, para encenar a épo-ca e filmar em Las Vegas. Michael Douglas representa o papel do Libe-race”.

Damon, que faz 40 anos para o ano, está a apreender tudo o que pode dos mestres com quem tem trabalhado. Tem muito a ver com trabalhar com amigos, na verdade. Em Nova Iorque prepara-se para o “thriller” “The Ad-justment Bureau”, baseado numa história de Philip K. Dick e que deve ser realizado pelo estreante George Nolfi, o argumentista de “Ocean’s 12” e de “Ultimato”. Vai andar em prepa-rativos para o lançamento de “Invic-tus”, o filme de Clint Eastwood que

Seguindo as indicações de Sodernergh, Damon iniciou uma dieta rica em hidratos e carbono e em gordura, alimentando-se de “fast food” – “pizzas, McDonalds sempre que podia”

e é gordalhufo: “Gordalhufo” – para além disso ela mente de forma . Helen Barlow

toramentos, mas faziam coisas tão estúpidas – não tinham bom senso. Algumas das coisas que Whitaker faz são tão irreflectidas e, no entanto, ele é também um cientista. Era divertido representar isso. Toda a gente à volta

dele especulava sobre a razão por que fazia o que fazia e, em

ultima análise, ele era o único que o sabia. A pressão exercida sobre ele exacerbou o seu es-

tado de saúde – foi diag-nosticado como bipo-

lar. Era incrível: aqueles agentes

treinados do FBI avançavam e fa-lhavam, por isso quando envia-ram este tipo pa-ra aquela missão por sua conta e risco e ele se aguentou duran-te dois anos e

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se centra em Nelson Mandela (Mor-gan Freeman) depois do “apartheid”. Planeia já um segundo filme com Eas-twood, “Hereafter”, “thriller” sobre-natural, ao que se diz com algo de “O Sexto Sentido”, baseado num guião de Peter Morgan.

“Já fiz cinco filmes com o Steven, três filmes com o Paul Greengrass, dois filmes com o Gus van Sant e um filme com o Clint. Agora, vou voltar a trabalhar com o Clint e com o Steven [no filme sobre Liberace]. Gosto de voltar a trabalhar com as mesmas pes-soas, mas com ninguém tanto como com o Steven, porque é sempre tão diferente, em cada uma das vezes.”

Embora afirme que não é coinci-dência que tenha trabalhado mais com Soderbergh do que com qual-quer outro, descobriu que o realiza-dor tem muito em comum com Eas-twood.

“Esses dois tipos são incríveis. Mon-tam o filme nas próprias câmaras à medida que vão trabalhando. Não vêm com ideias preconcebidas. Sa-bem o estilo do filme, mas não são rígidos. São tão fluentes na linguagem de cinema que podem chegar e ver o que está a acontecer e ouvir sugestões e colaborar e, deste modo, obter o melhor das pessoas. Depois, tomam uma decisão e filmam.”

“No entanto, ninguém foi mais lon-ge do que o Steven. Ele é absoluta-mente fascinado pela forma. Está sempre estudar alguma coisa e nunca mais parou desde ‘Sexo, Mentiras e Vídeo’. Nunca ultrapassou os orça-mentos nem os calendários estabele-cidos. Embora o considere um amigo, estou constantemente a aprender com ele, e aprendi muito a falar com o Clint também. Tem agora 78 anos e diz que aprende alguma coisa em ca-da filme; nunca pára de aprender.”

Espera igualmente trabalhar com Affleck e sente orgulho pelo êxito do amigo atrás da câmara. “Gostei do primeiro filme dele, ‘Vista pela Última Vez’, e este que está a fazer, ‘The To-wn’, está a filmá-lo de novo na nossa cidade, Boston, com o Bob Elswit, o operador cinematográfico de ‘Haverá Sangue’ e de ‘Syriana’. Esse é o pró-ximo passo para mim, também, por-que eu gostava de ser realizador.”

E, então, podia engordar outra vez. “Pois, o que seria óptimo”, brinca.

Tradução de Rita Veiga – Dito e Certo

Ver crítica de filme págs. 32 e segs.

Há uma explicação oficiosa, de raiz clínica, para o comportamento de Mark Whitacre, a personagem interpretada por Matt Damon no filme de Soderbergh: sofria de bipolaridade. Sirva ou não a bipolaridade para justificar a história toda, a torrente de mentiras em que ele se envolveu implica uma espécie de tentação ilusionista, como se ele procurasse modelar a realidade, ou a percepção que dela ele e as outras personagens têm, de acordo com os seus desejos e conveniências. A mentira como uma espécie de magia, o “falso” como não mais do que uma versão idealizada do “verdadeiro”. Diz-se que Orson Welles, que preferia dizer que um “mentiroso” era um “prestidigitador” (ou um... “ilusionista”), cometia sistematicamente o lapso de dizer “isto é absolutamente verdade” quando se preparava

para contar uma mentira, como se essas palavras

fizessem parte da invocação mágica

pela qual a mentira se convertiria em verdade. No “Delator” de Soderbergh, o acesso que o

espectador tem ao “interior” de Whitacre,

aquelas observações avulsas e por vezes

inapropriadas que chegam pela voz “off” (quase um monólogo entrecortado), talvez

não signifique mais do que o equivalente do

lapso de Welles: um suplemento de convicção e “sinceridade” que, no fundo, não significa nada e, pelo

contrário, faz ainda parte do truque.Se isto – o “falso”

desejoso de se dar a ver como “verdadeiro” – é uma

questão que tem tudo a ver com o cinema, personagens como Whitacre dão sempre óptimas personagens de cinema. Porque se um filme nunca deve mentir ao espectador (é feio e é fácil – mas são 90 por cento dos thrillers contemporâneos) uma personagem de mentiroso é um

óptimo pretexto para filmar a mentira e para envolver o espectador nesse jogo entre o falso, o verdadeiro e a crença que faz o trânsito entre os dois termos.

Há toda uma tradição cómica – que vem do teatro e da literatura – que se serve da mentira como ferramenta essencial: aquelas histórias em que uma mentira inicial precisa de outra para se sustentar, e assim por diante numa sucessão interminável. Mas aí o efeito cómico nasce, justamente, da posição de vantagem do espectador, posto a par de todas as mentiras e de todos os quiproquós (Lubitsch foi um mestre disto). A opção contrária - usar o mesmo princípio para um efeito dramático - é mais rara mas teve os seus cultores: alguns Hitchcocks, ou aquele filme de Otto Preminger (“Where the Sidewalk Ends”) onde Dana Andrews é um polícia a investigar um crime que ele próprio cometeu (o espectador está a par de tudo mas não há riso nenhum, só angústia).

Não é bem disto que se trata aqui, ou nalguns outros filmes recentes que é curioso aproximar do “Delator”. Mas do que um mecanismo, a mentira e a personagem mentirosa são a coisa que interessa observar, no seu trajecto inexorável rumo à confirmação do falhanço do “pensamento mágico”. Não exclui, digamos, uma “angústia hitchcockiana”, como no caso do “Emprego do Tempo”, o filme de Laurent Cantet onde víamos um homem criar e viver uma ficção insustentável (um desempregado que, para a mulher e para os filhos, fingia ter um emprego). A psicologia fica oculta, a personagem está

sempre a escapar e a sacudir ao espectador – e o que conta é o enigma, a espécie de loucura indecifrável que leva a personagem sempre para a frente, mesmo quando se torna evidente que o embuste está preso por um fio. Encontramos este lado baço na personagem de Mark Whitacre, assim como em “Shattered Glass”,de Billy Ray, tal como o de Soderbergh baseado numa história verídica, neste caso um jornalista que durante anos falsificou artigos para a revista “New Republic”. A mesma vertigem, a mesma pergunta a que o senso comum não é capaz de responder: porque é que ele faz “isto”?.

Personagens verídicas são também o Frank Abagnale do “Catch Me If You Can” de Steven Spielberg, onde a mentira e a lógica permanentemente deceptiva têm até uma rima na contestação da própria veracidade da história de Abagnale. Ou Andy Kaufman, retratado por Milos Forman (e Jim Carrey) no “Man on the Moon” como uma espécie de “mago” a trabalhar sobre uma imensa ficção que começa, naturalmente, nele próprio e no modo como subverte a relação entre o espaço consagrado da mentira (o palco) e o da vida dita “verdadeira”, dita real. É talvez o supra-sumo, e podia ser o modelo de Mark Whitacre, homem que um dia decidiu que a sua vida seria um longo “act” sem fronteiras identificáveis.

Mentiras e ilusões

A mentira como uma espécie de magia, o “falso” como não mais do que uma versão idealizada do “verdadeiro”

Se um filme nunca deve mentir ao espectador, uma personagem de mentiroso é um óptimo pretexto para envolver o espectador. Luís Miguel Oliveira

Em “Emprego do Tempo” um homem fingia, para a mulher e filhos, estar empregado

“Homem na Lua”: o supra-sumo da personagem que decide que a sua vida é um longo “act” sem fronteiras

“Shatered Glass”: a história de um jornalista que durante anos falsificou artigos para a “New Republic”

Orson Welles cometia sistematica-mente o lapso de dizer “isto é absoluta-mente verdade” quando se preparava para contar

uma mentira

“Catch Me If You Can” de Spielberg

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mentira (o palco) e o da vida dita “verdadeira”, dita real. É talvez o supra-sumo, e podiaser o modelode Mark Whitacre, homem que um dia decidiu que asua vida seriaum longo “act”sem fronteirasidentificáveis.

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32 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Outubro 2009

Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 13h40, 16h20, 18h50, 21h50, 00h30 4ª 13h40, 16h20, 18h40, 21h20, 24h; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h20, 00h10;

Graças a Deus que existe Steven Soderbergh para provar que é possível continuar a fazer cinema “desformatado”, pessoal, subversivo, invulgar, diferente dentro de uma Hollywood cada vez mais formatada e formulaica. Depois do díptico dedicado a Che Guevara e de “The Girlfriend Experience” (fita independente com a actriz porno Sasha Gray que ainda não viu estreia entre nós), o autor de “Erin Brockovich”, dos três “Ocean’s Eleven” e de “O Bom Alemão”, assina mais um objecto não identificável, subvencionado pela “major” Warner e com um actor de primeiro plano (Matt Damon, com dez quilos a mais e a confirmar como pode ser grande quando lhe pedem para representar).

Da história verídica de um executivo agroquímico que se ofereceu ao FBI em 1992 como informador infiltrado numa multinacional dos aditivos, que podia ser mais um desses thrillers legais que Hollywood adora fazer à medida das suas estrelas, Soderbergh tira uma surpreendente comédia trágica sobre um mitómano compulsivo, onde nada é o que parece e tudo é filmado com os tiques formais dos dramas políticos e das séries policiais televisivas dos anos 1970. O realizador encena os trabalhos de Mark Whitacre como uma meditação escarninha sobre a verdade e a mentira e sobre o modo como a nossa percepção dos conceitos pode ser manipulada quase sem darmos por isso – meditação que Soderbergh se delicia a filmar como uma demonstração prática dessa teoria.

Inversão sardónica de e homenagem respeitosa a filmes como “Os Homens do Presidente”, revista e

corrigida pelos truques conceptuais que Soderbergh vai buscar ao Godard clássico e ao non-sense britânico dos “swinging Sixties” (nunca esquecer que o cineasta é um ferrenho de Richard Lester, o homem que primeiro e melhor filmou os Beatles), “O Delator” é mais um dos objectos inclassificáveis disfarçados de filme “mainstream” que o realizador adora atirar para a modorra criativa dos estúdios. Não é uma obra-prima — há momentos em que tudo se resume em demasiado a uma experiência formal (e todos sabemos como o autor de “Sexo, Mentiras e Video” se deixa levar facilmente pelo formalismo), e fica sempre a sensação que Soderbergh está mais interessado no modo como conta a história do que na história que está a contar. Mas nem todos os filmes têm que ser obras-primas – basta apenas que sejam estimulantes. E, nisso, “O Delator” confirma a cem por cento que está aqui o realizador mais vital a trabalhar hoje em Hollywood...

Continuam

O Dia da Saia + Deus Não QuisLa Journée de la JupeDe Jean-Paul Lilienfeld, com Isabelle Adjani, Denis Podalydès, Yann Collette. M/16

MMMnn

Lisboa: CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 13h50, 16h, 18h55, 21h35 6ª 13h50, 16h, 18h55, 21h35, 00h05 Sábado 11h40, 13h50, 16h, 18h55, 21h35, 00h05 Domingo 11h40, 13h50, 16h, 18h55, 21h35; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h35, 00h05 Domingo 11h30, 14h, 16h30, 19h, 21h35, 00h05; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h10, 21h50, 00h15; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 13h, 18h10, 00h05;

Porto: Arrábida 20: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h, 16h30, 19h05, 21h40, 00h20 3ª 4ª 16h30, 19h05, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 14h, 17h, 21h, 23h40 4ª 17h, 23h40;

A primeira sugestão é esquecer as comparações à “Turma” de Laurent Cantet: o filme de Jean-Paul Lilienfeld não é tanto um olhar sobre a escola, mas sim uma sátira negríssima gerida em ritmo de série B, cheia de bílis mais ou menos gaullista sobre o estado das coisas em França. A partir de um “fait-divers” que podia ter sido tirado das manchetes dos jornais levado ao extremo, Lilienfeld arrasa todo o edifício social como uma mera fachada benevolente que vem abaixo ao mínimo sinal de problema (símbolo e sintoma de uma sociedade que quer ser tudo para toda a gente?), mas sem nunca perder de vista o absurdo da situação

central. E é esse absurdo, a sensação de “contado ninguém acredita” desta história rocambolesca (que o episódio da aluna portuguesa que agrediu a professora por causa do telemóvel torna assustadoramente plausível...), a par da genica despachada com que o filme segue em frente sem demasiado tempo em explicações profundas, que salva “O Dia da Saia” do mero polemismo reaccionário. Isso, e a interpretação de uma irreconhecível Isabelle Adjani, centro de gravidade de um filme que não tem ambições extraordinárias mas que levanta questões nas quais vale a pena pensar. J. M.

AndandoAruitemo aruitemoDe Hirokazu Koreeda, com Abe Hiroshi, Takahashi Kazuya, Shohei Tanaka. M/12

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Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado

2ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30;

Se em “Ninguém

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Contado ninguém acreditaSteven Soderbergh transforma a história verídica de um informador infiltrado numa comédia escarninha sobre a verdade e a mentira. Jorge Mourinha

O Delator!The Informant!De Steven Soderbergh, com Matt Damon, Lucas McHugh Carroll, Eddie Jemison, Melanie Lynskey. M/12

MMMnn

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª 3ª 16h, 18h50, 21h50 6ª 16h, 18h50, 21h50, 00h15 Sábado 13h10, 16h, 18h50, 21h50, 00h15 Domingo 13h10, 16h, 18h50, 21h50; Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h, 18h30, 21h50, 00h15; CinemaCity Beloura Shopping: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 14h40, 16h50, 18h55, 21h45, 23h50 Sábado Domingo 12h20, 14h40, 16h50, 18h55, 21h45, 23h50; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h15, 18h30, 21h30, 23h40 Sábado Domingo 11h35, 14h, 16h15, 18h30, 21h30, 23h40; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h30, 18h55, 21h40, 00h05 Domingo 11h30, 14h05, 16h30, 18h55, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h50, 18h30, 21h35, 00h10; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 13h15, 15h50, 18h30, 21h20, 24h 4ª 13h15, 15h50, 18h40, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h35, 21h10, 23h45;

Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h, 16h25, 18h55, 21h30, 00h05 3ª 4ª 16h25, 18h55, 21h30, 00h05; ZON

e B, cheia de bílisaullista sobre oem França. A partir

s” que podia ter sidohetes dos jornaiso, odo o

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Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado

2ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30;

Se em “Ninguém

“Andando”: demasidas vénias a Ozu

“O Dia da Sala”: Isabelle Adjani está no centro de um fi lme que não tem ambições exageradas

Uma surpreendente comédia trágica sobreum mitómano compulsivo

Jorge Mourinha

Luís M. Oliveira

Mário J. Torres

Vasco Câmara

Andando mmmmn mmmnn nnnnn mmmmn

Chéri mmmmn nnnnn mmmnn mmnnn

O Dia da Saia mmmnn nnnnn mmnnn mnnnn

Distrito 9 mmmmn mmnnn mmmnn mmnnn

O Delator mmmnn mmnnn nnnnn mmmnn

Il Divo mmnnn nnnnn nnnnn mnnnn

Longe da Terra Queimada mmnnn nnnnn nnnnn mnnnn

Maldito United mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn

Morrer como um Homem mnnnn nnnnn mmmmn mmmnn

Welcome nnnnn nnnnn mmnnn mmnnn

As estrelas do público

Ípsilon • Sexta-feira 23 Outubro 2009 • 33

Sabe” Kore-eda Hirokazu filmava sem vénias, em “Andando” há uma referência (ou uma reverência) óbvia: Yasujiro Ozu. “Andando” praticamente repete a estrutura e as situações narrativas de não-sei-quantos filmes de Ozu (“Viagem a Tóquio”, por exemplo), mima-lhe alguns procedimentos (uns pequenos ensaios de “câmara-tatami”) e deixa os comboios (no princípio e no fim) assinalarem a citação e reforçarem a auto-consciência. Há uma tipologia e uma psicologia das personagens que são decididamente “actuais” (e é por onde o humor entra), mas não invalidam os sinais de que desta vez Kore-eda apontou apenas à miniatura. Impecavelmente construida, encenada e interpretada (Kirin Kiki, que faz o papel da mãe, é fabulosa), e com pelo menos um par de momentos extraordinários (a cena da borboleta, a cena do disco), mas uma miniatura. Vê-se com imenso prazer, mas era muito mais poderosa, e mesmo muito mais encantatória (e talvez até mais genuína), a aspereza de “Ninguém Sabe”. Luís Miguel Oliveira

Morrer Como Um HomemDe João Pedro Rodrigues. Com Alexander David, Gonçalo Ferreira De Almeida, Jenni La Rue. POR, FRA. 2009. 133 min. M18.

Mnnnn

ZON Lusomundo Glicínias, ZON Lusomundo Braga Parque, ZON Lusomundo CascaiShopping, Castello Lopes - Cascais Villa, Medeia Monumental, ZON Lusomundo Alvaláxia, ZON Lusomundo NorteShopping, Medeia Cidade do Porto, Arrábida 20, ZON Lusomundo Almada Fórum

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28 Outubro 22h00 12€ M/6

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Devo muito ao Jon. Na verdade, muita gente deve muito ao Jon. Ele semeou uma poderosa e fértil semente cujos frutos ainda hoje colhemos. Brian Eno

(EUA/Noruega/Argélia)Maarifa Street

Reservas/ Informações: 707 234 234 Locais de venda: Bilheteira das salas; Bliss; Fnac; El Corte Inglés em Lisboa e Gaia; Liv. Bulhosa (OeirasPark e C.C.Cidade do Porto); Ag. ABREU; Worten; C.C.Dolce Vita; Megarede; www.ticketline.sapo.pt

José Mário BrancoSérgio Godinho &Fausto Bordalo Dias ENFIM JUNTOS

Produção Televisão oficial Rádio oficial Jornal oficial Apoios

22 Out. CAMPO PEQUENO 31 Out. COLISEU PORTO 21h30

23 Out. LISBOA

1 Nov. PORTO DATAS EXTRA

Sexta, 23O Último Golpe Touchez Pas au GrisbiDe Jacques Becker. Com Jean Gabin, Jeanne Moreau, Lino Ventura, René Darry. 95 min. M16.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Annie De John Huston. Com Aileen Queen, Carol Burnett, Albert Finney. 126 min.19h - Sala Félix Ribeiro

Jacquot de NantesDe Agnès Varda. Com Jacques Demy, Philippe Maron, Édouard Joubeaud. 118 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

Fuga para a Vitória Escape to VictoryDe John Huston. Com Michael Caine, Sylvester Stallone, Max von Sydow, Pelé. 110 min. . M0.22h - Sala Luís de Pina

Les Voitures d’EauDe Pierre Perrault.. 110 min.19h30 - Sala Luís de Pina (em complemento, a

curta: Farewell Topsails, de Humphrey Jennings)

Sábado, 24Passeio ao Campo Une Partie de CampagneDe Jean Renoir. Com Georges St. Saens, Jane Marken, Sylvia Bataille. 40 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro (em complemento, a

curta: Nogent, Eldorado du Dimanche, de Marcel

Carné)

A Dália Azul The Blue DahliaDe George Marshall. Com Alan Ladd, Veronica Lake, William Bendix. 96 min.19h - Sala Félix Ribeiro

Terra Prometida Ziemia ObiecanaDe Andrzej Wajda. Com Daniel Olbrychsky, Wojcieh Pszoniak, Andrzej Sewerin. 180 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Ben HurDe Fred Niblo, J.J. Cohn. Com Betty Bronson, Francis X. Bushman, May McAvoy, Ramon Novarro. 100 min.22h - Sala Luís de Pina

Romance de um Batoteiro Le Roman d’un TricheurDe Sacha Guitry. Com Marguerite Moreno, Roger Duchesne, Sacha Guitry. 85 min.19h30 - Sala Luís de Pina

Segunda, 26Um Rosto na Multidão A Face in the CrowdDe Elia Kazan. Com Andy Griffith, Patricia Neal, Anthony Franciosa. 125 min.19h - Sala Félix Ribeiro

O Ladrão de Paris Le VoleurDe Louis Malle. Com Jean-Paul Belmondo, Geneviève Bujold, Marie Dubois. 120 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Debaixo do Vulcão Under the VolcanoDe John Huston. Com Albert Finney, Jacqueline Bisset, Anthony Andrews. 120 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

AnnieDe John Huston. Com Aileen Queen, Carol Burnett, Albert Finney. 126 min.22h - Sala Luís de Pina

L’Univers de Jacques DemyDe Agnès Varda. Com Anouk Aimée, Richard Berry, Mag Bodard. 90 min.19h30 - Sala Luís de Pina

Terça, 27A Piscina La PiscineDe Jacques Deray. Com Alain Delon, Maurice Ronet, Romy Schneider. 100 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Ne Touchez pas la HacheDe Jacques Rivette. Com Jeanne Balibar, Guillaume Depardieu, Michel Piccoli. 137 min. . M0.21h30 - Sala Félix Ribeiro

The VisitorsDe Elia Kazan. Com Patrick McVey, Patrícia Joyce, James Woods. 88 min.19h - Sala Félix Ribeiro

Helsinki, Forever Helsinki, IkuisestiDe Peter von Bagh. 75 min.22h - Sala Luís de Pina (em complemento, a curta:

Eureka, de Ernie Gehr)

Fritz, O Gato Fritz. The CatDe Ralph Bakshi.. 85 min.19h30 - Sala Luís de Pina

Quarta, 28A Mulher do Lado La Femme d’à CôtéDe François Truffaut. Com Fanny Ardant, Gérard Depardieu, Henri Garcin, Michèle Baumgartner. 105 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

SaltimbankDe Jean-Claude Biette. Com Jean-Christophe Bouvet, Jean-Marc Barr, Jeanne Balibar. 92 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

A Honra dos Padrinhos Prizzi’s HonorDe John Huston. Com Jack Nicholson,

Kathleen Turner, Robert Loggia, John Randolph. 130 min. . M0.

19h - Sala Félix Ribeiro

A Vingança é Minha Fukusho Suruwa Ware Ni AriDe Shohei Imamura. Com Ken Ogata, Rentaro Mikuni, Chcocho Miyako. 129 min.

19h30 - Sala Luís de Pina

Time and TideDe Peter Hutton.22h - Sala Luís de Pina (em

complemento, várias curtas de

Peter Hutton)

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200

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De John Huston. Kathleen Tur

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Fanny Ardant, musa de Truff aut em “Finalmente Domingo!”

Jeanne Balibar: homenagem na Cinemateca

DebateA Atalanta Filmes em colaboração com o “Le Monde Diplomatique” – edição portuguesa promovem o último debate sob o tema “As políticas da (In)documentação”, partindo do fi lme

“Welcome”, de Philippe Lioret,

que documenta a vida dos imigrantes ilegais na região francesa de Calais. No fi nal da sessão, dia 23, 6ª, às 21h30, King, Lisboa. A entrada no debate é gratuita.

34 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Outubro 2009

Cinema

Da Alemanha com amor“Espiões” está para a linhagem dos fi lmes de espionagem, com a saga de James Bond na linha da frente, tal como Metropolis” está para a mais moderna Ficção Científi ca. Mário Jorge Torres

Espiõesde Fritz LangDivisa Home Vídeo

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sem extras

Durante muitos anos, opôs-se a obra americana de Fritz Lang à sua produção alemã em virtude de uma falsa dicotomia: o mestre vanguardista

europeu ter-se-ia vendido à indústria hollywoodiana e perdido toda a sua credibilidade, porque renunciara aos princípios artísticos dos primórdios e se convertera a um cinema de entretenimento, concebido para agradar ao público. Tal postulado padece de inúmeras contradições de base e apenas se torna possível pela ignorância de um dado fundamental: Lang sempre apostara num cinema de cariz popular, pelo menos desde “As Aranhas” (1919), filme de aventuras exóticas empenhado em jogar com as emoções e o sentido de

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terceiro filme de João Pedro Rodrigues do que em noventa por cento do cinema – português e não só – que vemos durante doze meses. Mas isso não chega quando elas não conseguem ser articuladas correctamente: “Morrer como um Homem” é um objecto desconcertante, inclassificável, francamente desequilibrado, que vai do sublime ao confrangedor no espaço de um mesmo plano e que desbarata a sua essência na sua sofreguidão desmesurada de querer ser ao mesmo tempo falso musical-karaoke queer à sombra de Demy e Resnais, melodrama lacrimejante da/o desgraçadinha/o, e tragédia

existencialista do amor abnegado e transcendente. É um “caderno de esboços” à procura de uma identidade, interminável e indulgente mesmo que sincero, sumptuoso, formalmente notável. Só que é preciso algo mais do que formalismo e experimentação e q u a n d o a última meia hora

revela finalmente o filme que “Morrer como um Homem” nunca chegou a

ser, já desligámos

há muito. J. M.

adesão das audiências a peripécias bem encadeadas e apelativas.

A recente edição, entre nós, de “Espiões” (1928), o penúltimo filme mudo de Lang (imediatamente antes de “A Mulher na Lua”), numa fabulosa cópia impecavelmente restaurada pela Fundação Friedrich-Wilhelm-Murnau, sob a chancela da espanhola Divisa, cujo excelente catálogo temos vindo a explorar, restituindo inclusive mais de 50 minutos de metragem que faltavam à maioria das versões conhecidas, veio recolocar a questão com extrema acuidade: o filme, demasiadas vezes ausente da exegese traçada a partir de “A Morte Cansada” (1921) ou do díptico “Doutor Mabuse” (1922), sem óbvias preocupações metafísicas, nem implicações políticas directas, passa por um extraordinário exercício de estilo, em torno de uma história rocambolesca de roubo de segredos de estado e de uma complexa rede de sofisticados espiões internacionais.

Com efeito, “Espiões” está para a linhagem dos filmes de espionagem, com a saga de James Bond na linha da frente, tal como Metropolis” (1927) está para a mais moderna Ficção Científica, com visíveis influências em películas de cenários futuristas, como “Blade Runner”. Ignorando que o chefe da quadrilha, o super-vilão da história, é o banqueiro Haghi (interpretado por Rudolf Klein-Rogge, o Mabuse original), o agente 326 (Willy Fritsch, galã de serviço da UFA, em inúmeras comédias e filmes musicais) recorre a todo o tipo de disfarces para o desmascarar, quase sucumbindo aos encantos da mortífera espia russa Sonja, algures entre a encarnação da histórica Mata-Hari e uma curiosa antepassada das “Bond-girls”, que

Espaço Público

Este espaço vai ser seu. Que fi lme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever

sobre ele, concordando ou não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para [email protected]. E nós depois publicamos.

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“Espiões”: extraordinário exercício de estilo

“Morrer como um Homem”: desconcertante, desequilibrado

Ípsilon • Sexta-feira 23 Outubro 2009 • 35

entretanto se apaixona por ele, traindo a sua causa, como convém.

Muitas das componentes, mais tarde associadas com o género, estão já abundantemente presentes, embora sem o grau de sofisticação que viriam a atingir: minúsculas câmaras, cenários de hotéis de luxo, microfones ocultos, comboios internacionais que percorrem cenários vagamente exóticos, entre Berlim e ficcionais estados balcânicos, espectaculares explosões, quartos secretos, gases letais, mortes a granel e até uma cena de harakiri, por parte do oficial japonês atingido na sua honra. Onde o filme de Lang requinta, no entanto, é numa eficaz estética reminiscente da Art Déco, com arrojados ângulos de filmagem, grandes planos, câmaras subjectivas, escadas cruzadas, fumos, toda uma panóplia de recursos, que inscreve no texto cinematográfico o excesso vanguardista ao serviço da aventura, ou o desejo do som, a antecipar o seu uso pleno, três anos depois em “M/ Matou” (1931) e o seu cabal desenvolvimento em “O Testamento do Doutor Mabuse” (1933), para a compreensão do qual “Espiões” se revela essencial.

Por tudo isto, parece claro que o conhecimento do filme, também ele preocupado com as questões morais, associadas com a estética “languiana”, vem preencher uma grave lacuna no conjunto de uma obra exemplarmente coerente, embora faltem extras (apenas cuidados textos escritos, em castelhano, como sempre, a tentar contextualizar) que poderiam traçar as linhas mestras, conducentes a perceber por que razão o mestre alemão regressa, no final da sua longa carreira, à dimensão aventurosa do início, com “O Túmulo Índio” (1959) e “O Diabólico Doutor Mabuse” (1960).

Chanel para o povo

Lagerfeld ConfidencialMidas Filmes

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Sem extras

Vamos aos factos: “Lagerfeld Confidencial” tem o mérito de ser um olhar autorizado para o interior da vida de Karl Lagerfeld, criador de moda e

director criativo da casa Chanel. Vemos uma parte ínfima dos bastidores da campanha com Nicole Kidman e Baz Luhrman para a Chanel (ênfase no “ínfima”); vemos Lagerfeld em convívio com Carolina do Mónaco; vê-mo-lo em acção, brevemente, a criar moda – os esquissos, as explicações vagas sobre o método de trabalho; vemos as

viagens, os aviões privados, o horror perante os passageiros da primeira classe da Air France que dormem enquanto o avião viaja sobre o Atlântico, os carros, motoristas, cozinheiros, governantas e assistentes; vemos a inconsequência disfarçada de pertinência artística sem regras mundanas (“Adoro o cheiro de edifícios em construção”). Mas o filme de Rudolphe Marconi não é muito mais do que isso. Essencial para quem trabalha, estuda, segue ou ama a moda, não acrescenta muito ao mito Lagerfeld. O kaiser é uma personagem em construção na vida “real”, mas Marconi não consegue nem captar a caricatura de si mesmo em que se tornou, nem a pessoa por trás do mito. Fica na corda bamba entre dois seres que podem mesmo não existir na totalidade.

“Não quero ser real na vida dos outros”, comenta Lagerfeld em jeito de “punchline”. Provavelmente nós também não queremos que o homem que tomou conta da casa Chanel na década de 1980 seja mais do que o kaiser sem freio politicamente correcto, que ataca as “mães gordas” que questionam a extrema magreza dos modelos ou que uma mãe abusiva é uma que beija e abraça os filhos regularmente. Não tinha metade da piada que ele não possuísse centenas de anéis prateados e inúmeros iPods conforme o dia, que não achasse que as pessoas que falam muito ao telemóvel são como “freelancers sexuais”. Diz de si ser “um completo improviso”, por não ter estudado, mas nada nele é improvisado. Este falso olhar sobre os bastidores da personagem é um produto televisivo – em todos os sentidos –, com a recuperação de vídeos de infância, fotos do passado, recordações da casa amarela. Feito por quem pouco conseguiu fazer mais do que prestar-se ao olhar que o seu protagonista já tem sobre si mesmo.

Há, claro, curiosidades. Pensar-se-ia que a casa de Lagerfeld seria qualquer coisa saída de um sonho húmido de Phillip Starck. Pois não, é um acumulado de livros, roupas, jóias, sacos, sacos por todo o lado – “clutter couture”. A sua forma de vida, por mais que se anuncie como um desapegado do material, é um

símbolo do consumismo. Nesta entrada episódica na vida da personagem Lagerfeld, uma coisa é útil: a recuperação de Lagerfeld dos anos 1960, 70 e 80, homem muito mais livre e até “fashion” – porque a moda é uma afirmação de liberdade. E, a partir desse vislumbre, percebemos que se cristalizou personagem, que vive a vida como um “reality show”. “Lagerfeld Confidencial” é também isso: um produto de um certo momento em que os artífices de uma das maiores construções do mundo (a moda) nos fascinam e em que pensamos que uma câmara, luzes e equipamento de som desconstroem tudo isso. O que não é verdade. Joana Amaral Cardoso

Música

O sonho saído de um charuto dos Eels“Live At The Town Hall” é o documento de um momento específi co de Mark Everett, um grande escritor de canções que lhes inventou novos arranjos e um cenário a condizer. Mário Lopes

EelsLive At Town HallUniversal Music

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Extras

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Mark Everett explica que o rock’n’roll foi apenas uma crise de meia-idade. Depois acordou e fez um álbum duplo. E depois de

o gravar, sentou-se no jardim da sua

casa em Los Angeles, acendeu um charuto e, com o seu cão, Bobby Jr, sentado perto de si, teve uma ideia: “Um quarteto de cordas, 32 pessoas em palco”. Quando o ouvimos dizer isto, já pode acrescentar: “Outro sonho saído de um charuto no jardim tornado realidade” (mas com sete músicos em vez de 32). Porque quando o ouvimos, estamos a ver a concretização desse desejo, acompanhando os Eels em viagem até Nova Iorque, onde darão um concerto no Town Hall. Pormenor: o DVD reporta-se a 2006, depois da edição do celebrado álbum duplo “Blinking Lights & Other Revelations”, e o rock’n’roll a que E se referia era o da digressão anterior à sua edição – vendo “Live At Town Hall” em 2009, sabemos então que os Eels atravessam nova crise de meia idade, como comprovado pelo muito rock’n’roll “Hombre Lobo”, editado este ano. Feita a adenda, mergulhemos então no “sonho tornado realidade” de Mark Everett que o DVD, originalmente editado em 2006 e agora redistribuído, nos apresenta.

O foco é o concerto ele mesmo, os músicos e os seus instrumentos, os músicos e as suas expressões – as câmaras só se voltam para o público quando chegamos à última canção.

Mark E, de fato vestido, charuto na mão e bengala decorativa, parece um antigo chefe de orquestra, virando-se para a sua banda e dirigindo-a com dois passos de dança, pegando na guitarra acústica ou sentando-se ao teclado enquanto o quarteto de cordas transforma canções como “Novocaine for the soul” em perturbadora balada povoada de sons sinistros, enquanto The Chet, o homem dos sete instrumentos, se torna percussionista de um caixote do lixo e de mala de madeira ou transforma um serrote em theremin.

Entre as canções, que viajam por toda a carreira dos Eels e por um par de versões (“Pretty ballerina”, dos Left Banke, e “Girl from north country”, de Bob Dylan), o realizador Neils Alpert mostra-nos as viagens e ensaios da digressão. Esses curtos excertos são basicamente, uma oportunidade para ouvir E exercitar o humor (os parcos extras são quatro

excertos semelhantes e de curta duração). Exemplo 1: “Antes disto, éramos a banda rock mais pontual da América. Agora [com todos os músicos] estamos sempre atrasados. Podem chamar-nos os ‘falecidos’ Eels [‘late Eels’, no original]”. Exemplo 2, Mark Everett no metro de Nova Iorque a explicar que gosta de “conhecer as pessoas”: “Em Los Angeles nunca vejo pessoas. Aqui – ‘vertigem!’ - tento não estabelecer contacto visual. ‘Vertigem!’ - imagino que parto a janela, salto para a linha e morro”.

Musicalmente, “Live At The Town Hall” é o documento de um momento específico. Uma digressão que Mark Everett inventou e que concretizou para não mais repetir. Com o quarteto de cordas, com a auto-harp e a guitarra lap-steel, as canções ganham um intimismo que, reparando no fumo do charuto de E, ouvindo-o serenar a voz para que viaje melhor na música, diríamos ter algo de clássico, vintage. Não há revelações, não há nada de incrivelmente arrebatador, apenas um grande escritor de canções que lhes inventou novos arranjos e um cenário a condizer.

Vinte e muitas canções que os fãs guardarão com carinho, que os demais verão até ao fim uma vez – o que é uma vez mais do que acontece com 90 por cento dos DVDs musicais. Ainda bem, dado que assim verão um momento magistral da curta história do DVD musical.

Chegamos à última canção do filme. É já o segundo ou terceiro encore do concerto, as luzes da sala estão ligadas, o público aglomerado junto ao palco e a banda veste pijamas e camisas de noite. Prepara-se para tocar. Começa a tocar. Desaparece o som ambiente, continuamos a ver as imagnes. Ouve-se Mark Everett conversando com Chet. Explica que, naquele momento, os Eels tocam uma versão mas que tiveram uns problemas com licenciamentos e, infelizmente, não a podemos ouvir. Agradece a Bob Dylan, que cedeu os direitos de “Girl from north country”, e lá continua em conversa de café enquanto a banda toca a misteriosa versão que nunca conheceremos.

“Lagerfeld Confi dencial”: feito por quem pouco conseguiu fazer maisdo que prestar-se ao olhar que o protagonista já tem sobre si mesmo

Musicalmente, “Live At TheTown Hall” é o documento de um momento específi co: uma digressão que Mark Everett inventou e que concretizou para não mais repetir

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Liv

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redesenha indefinidamente numa espiral vertiginosa cada vez mais intricada. Mas desengane-se o leitor que procura apenas “mais um Lobo Antunes”, uma vez que este romance, passado entre Lisboa e o Ribatejo, embora retome as histórias familiares e os lugares habituais do escritor, tem, contudo, a particularidade de se centrar num único tema, que é a Morte, criteriosa, insistente e cruel que se atarda na sua aproximação, nos seus sinais, na sua chegada e nas suas devastadoras consequências, e domina imperiosamente as personagens que se debatem em vão contra as longas doenças, a penosa velhice, a catastrófica perda de faculdades e o esvair das forças. Não é por acaso que a narrativa é marcada por capítulos que remetem para os momentos da tourada – “antes da corrida”, “os tércios de capote, de varas e de bandarilhas”, “a faena”, “a sorte suprema” e “depois da corrida” – com a sua estocada final, violenta e misericordiosa. O terror do toiro antes da lide, esse medo animal e antiquíssimo, surge como leitmotiv. Tal como os estados crepusculares que antecedem o fim – da vida, do dia, do amor -, enfatizados por imagens recorrentes como “a tristeza da casa às três da tarde”, “a sombra que os cavalos fazem no mar”, a escuridão dos arbustos no Parque Eduardo VII, o porco pestes a ser rasgado de cima abaixo, o cão a ser atropelado e um rol de cenas em que a violência, a humilhação e o exercício do poder sobre os mais fracos (dos homens sobre as mulheres, das mulheres sobre os homens, das mulheres sobre as mulheres, dos homens sobre os homens, das mães e pais sobre os filhos, dos filhos sobre os pais e irmãos, dos seres humanos sobre os animais) completam ciclos de força, fecundidade e morte, simbolizados pelo sentido ritual da tourada.

É este o universo de uma família, feita de pedaços desconexos, que se entrega ao amor e ao ódio em igual proporção: o pai, um marialva amante de mulheres, jogo e corridas que “desarruma o passado”; a mãe, terrível Héstia, fria, sem amor, sem medo e sem remorso; os filhos, Beatriz, abandonada por dois maridos, que toma conta da mãe, Francisco, o mal amado e desprezado, de índole gananciosa e violenta que se sente imbuído de um espírito justiceiro em relação aos irmãos, os quais, segundo ele, delapidaram os bens paternos, Ana que gasta o dinheiro em drogas e João que prefere despendê-lo em rapazinhos. E há Marcília, a figura da eterna criada, sem irmãos nem (aparentemente) família que priva estreitamente com todos e é dona de todos os segredos, como uma pitonisa tão cruel quanto piedosa, tão humilde quanto altiva, tão serva

quanto senhora. Aqui, como na vida, o mundo é feito de desordem e de abalos, e todas estas vozes, que falam incessantemente com uma intensidade maníaca, parecem acossadas por uma tal urgência de contar que é difícil não as “colar” ao próprio autor. Tal como no conto tradicional em que uma menina calça os proibidos sapatos vermelhos e é impelida a dançar até à morte, também Lobo Antunes parece sofrer dessa compulsão, desse desejo extenuante – no seu caso, o objecto mágico é a caneta – que o obriga a escrever palavras atrás de palavras, qual oráculo em tempo de catástrofe.

Funcionando como um todo auto-significante, este romance pode ser abordado da mesma forma como se “lê” um tríptico de Bosh ou uma cena de Brueghel, uma vez que Lobo Antunes constrói uma teia intrincada e cerrada feita de pensamentos, palavras e olhares (perspectivas) de um grupo de pessoas situadas num espaço que se alarga e contrai, num movimento entre o passado e o presente, entre o imaginado e o real. A construção da narrativa deve muito a Virgínia Woolf em “As Ondas”, com as diversas vozes solitárias e desesperadas a funcionarem em polifonia, à medida que revelam factos e exploram os conceitos da individualidade, do “eu” e da comunidade, formando, no entanto, a “gestalt” de uma consciência colectiva escondida e silenciosa.

É ainda em Woolf, e em especial no conto “Uma Casa Assombrada”, que é possível detectar os antepassados destas personagens fantasmagóricas, que passam de quarto em quarto empurradas pelo vento, as mãos vazias, perante espelhos que não lhes devolvem qualquer imagem. Lobo Antunes vai ainda buscar a Tchekov a obsessão pelos detalhes e pela descrição de objectos – os lustres, os boiões de compota, os números da roleta, o verniz das unhas, etc., etc., – bem como a tendência para alternar acontecimentos triviais com grandes temas - em mudanças bruscas de ritmo e de humor - no intuito de criar a sua própria e muito particular “comédia humana”.

A convivência de Lobo Antunes com a morte confere-lhe uma autoridade hierática que ele exerce construindo um “panteão” feito de palavras impregnadas por um sopro divino e com um tom profético a que não deve ser alheia uma leitura atenta dos livros do Antigo Testamento, em especial o Eclesiastes.

O facto da edição ser ne varietur, por ordem expressa do escritor, confere-lhe esse carácter de “texto sagrado”, não passível de ser tocado ou alterado.

Seria uma irónica (in)justiça poética que o ruído criado em torno

da personalidade de Lobo Antunes – para o qual o autor contribui com bastante afã – abafe o verdadeiro sentido deste livro e distraia o leitor do magnífico ritmo ardente das palavras e da tragédia que estas convocam. É verdade que Lobo Antunes parece estar preso no seu labirinto sem ver a utilidade do fio de Ariane, embrenhando-se cada vez mais numa busca que desdenha a hipótese de uma saída. Aqui, o desabafo final “Finis Laus Deo” parece querer traduzir um grande alívio, o descarregar de um pesado fardo. Resta saber para onde se dirigirá Lobo Antunes “quando tudo arde” depois de destruir todas as pontes atrás de si.

Paisagens Um panfleto da inquietude de uma geração: a que queria mudar o mundo e acaba a mudar de casa e de carro. Rui Lagartinho

CrematórioRafael Chirbes(Tradução Miguel Serras Pereira)Minotauro (edições 70)

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No princípio há um jardim com o mar em fundo. O jardim tem flores, folhas de árvores com as quais o sol se diverte às escondidas e dois irmãos

supervisionados por uma criada que quer que as mãos dos meninos cheirem a sabonete de feno. Um deles, o mais novo, lê um livro ao mais velho: “Quero ser a Providência, porque aquilo de mais belo e maior pode fazer um homem é recompensar e castigar”. A frase pertence ao “Conde de Monte Cristo” de Alexandre Dumas. É recordada por Ruben, o irmão mais velho, momentos depois de se ter confrontado com o corpo de Matias, o irmão mais novo, no Instituto de Medicina Legal perto de Misent, costa do Sul de Espanha. A memória de tardes antigas insinua-se a Ruben já no conforto de um automóvel topo de gama, já depois de uma paragem para se abastecer de

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Ficção

Estocada finalSeria irónica (in)justiça poética que o ruído criado em torno da personalidade do autor distraia o leitor do ritmo ardente das palavras e da tragédia que estas convocam. Helena Vasconcelos

Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar? António Lobo AntunesEd. Dom Quixote

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Uma terra quente de toiros e mantilhas, pó e moscas, perdizes e abelhas, com cavalos entre roseiras e azinheiras, um espaço aberto e

solar, propício a desmandos e paixões, mas no qual se encravam casas sombrias de longos corredores, portas fechadas e salas a abarrotar

de móveis e objectos que se impõem na escuridão, lugares onde se encerram pessoas, as

quais, por sua vez, vivem enclausuradas em si

próprias, vítimas voluntárias ou involuntárias da velhice,

das febres, da demência, da doença, da mentira, de vícios, de traições e de segredos. Nesta cosmogonia caótica, as

mulheres, os filhos(as), a criadagem, os animais,

todos os mundos – o animal, o vegetal e o

mineral – pertencem ao

pai e senhor, um facto perfeitamente entendido pelos

empregados que “não se

enganavam nos garraios, recitavam de cor

as famílias, as descendências, os laços… (pág.16). Aqui, neste “Que Cavalos são Aqueles que Fazem Sombra no Mar ?”,

como no resto da obra de Lobo Antunes, cada um ocupa o seu

lugar e tem direito a um quinhão do território geográfico, moral e afectivo onde se desenrolam as comédias e os dramas que o autor

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quer que as mãos dos meninoscheirem a sabonete de feno. Um deles, o mais novo, lê um livro ao mais velho: “Quero ser a Providência, porque aquilo de maisbelo e maior pode fazer um homem é recompensar e castigar”. A frase pertence ao “Conde de Monte Cristo” de Alexandre Dumas. Érecordada por Ruben, o irmão maisvelho, momentos depois de se ter confrontado com o corpo de Matias,o irmão mais novo, no Instituto deMedicina Legal perto de Misent, costa do Sul de Espanha. A memória de tardes antigas insinua-se a Ruben á no conforto de um automóvel

topo de gama, já depois de umaparagem para seabastecer de

Rafael Chirbes levou quatro anos a escrever “Crematório”. Percebe-se e agradece-se a demora: não foi fácil organizar esta lava torrencial de pensamentos traduzidos em letra à velocidade da escrita imediata

Debate

Quatro Debates sobre a obra de Agustina Bessa-Luís irão realizar-se na FNAC do Chiado, em Lisboa, de 26 a 31, às 18h30. No primeiro

os convidados são Graça Morais, João Botelho e Mónica Baldaque e o tema: “As artes de Agustina”. No segundo, “Os homens e as mulheres de Agustina”, com Inês Pedrosa, Francisco José Viegas e Patrícia Reis. No terceiro, Lídia Jorge, Filipa Melo e Miguel Real falarão sobre “Agustina e as

relações de poder” e, por fim, no quarto debate “os aforismos de Agustina” serão discutidos por Pedro Mexia, José Manuel dos Santos e Maria Helena Padrão. A crítica Helena Vasconcelos será a moderadora de todas as conferências.

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QuDesodeBeirsdedàN

A convivência de Lobo Antunes com a morte confere-lhe uma autoridade hierática que exerce construindo um “panteão” feito de palavras impregnadas por um tom profético

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álcool, despachado na companhia de Trian, um russo seu ajudante, homem de mão do construtor civil, que por ser competente estava por perto.

Arranca assim “Crematório” de Rafael Chirbes.

Ruben é a voz que abre e fecha o romance. No meio, outras vozes vão surgir para contar a sua versão do que aconteceu, envoltas em memórias mas sobretudo em solilóquios que as projectam para a frente, para o abismo de um caos: Mónica, a jovem mulher de Ruben, a que gasta o muito que há para gastar; Silvia, a filha de Ruben, restauradora de arte e cúmplice do tio falecido, o ermitã ecológico; Juan Mullor, marido de Silvia, que prepara uma tese sobre Frederico Brouard, escritor fracassado a viver os seus últimos dias e amigo de infância de Ruben e Matias Bartolomeu.

Já fora do núcleo familiar há Collado, que serviu Ruben nos tempos do rápido enriquecimento e que hoje, já com outras máfias mais competentes instaladas, bebe para esquecer o amor não correspondido por uma prostituta romena. Juntos viveram tempos acelerados em que cocaína e capitalismo se uniram cúmplices no ritmo estonteante que imprimiam à destruição da paisagem exterior, casas e mais casas, e ao instalar da turbulência interior que precede o vómito.

E vomitam muito estas personagens: ódios, ressentimentos, ilusões perdidas, sonhos desfeitos. Chirbes entregou a cada um uma picareta para que a versão da verdade de um seja destruída por quem fala a seguir. Pela linguagem, pela palavra. Com ela se mata, com ela se morre, com ela se renasce.

Com ela instala-se uma ladainha

trágica, a várias vozes, que se insinua

como banda sonora do romance. A paisagem exterior está construída, a interior reconstrói-se sempre com base nas ruínas alheias, mas dura pouco tempo de pé. Porque em “Crematório” ninguém é dono da verdade. Ninguém sabe o que fez com o tempo que lhe coube viver, mas todos sabem da impossibilidade moral de viver à margem, incólumes. Rafael Chirbes quis escrever um panfleto da inquietude da sua geração: a que queria mudar o mundo e acaba na melhor das hipóteses a mudar de casa e de carro.

Ruben confessa-se pragmático e realista, a arte, segundo ele, de encontrar o balanço entre a alegria breve mas inesperada e a dor que acaba sempre por surgir à hora marcada. Confessa-nos, assim, os escolhos em que a filha se perde: “Silvia está convencida de que esse realismo rasteiro se enraíza na velha miséria da região, nos restos nunca suficientemente varridos do franquismo. Aceitação, aceitar o destino, fatalismo, o mundo é como é e – quem sou eu para o mudar? Dos cataclismos do mundo, da sociedade somos apenas espectadores. Contemplamo-los com a mesma impotência com que os cientistas de um observatório meteorológico seguem o avanço de um furacão destruidor.” (página 274). E conclui “Felizes os filhos dos tempos sem história.”

Rafael Chirbes levou quatro anos a escrever “Crematório”. Percebe-se e agradece-se a demora: não foi fácil organizar esta lava torrencial de pensamentos traduzidos em letra à velocidade da escrita imediata. São pensamentos que se têm de encaixar na dinâmica do romance, embora alguns tenham nascido ensaio. Sobre o tempo, sobre as artes e a beleza. (Fala-se muito de arquitectura, de pintura.) Sobre a literatura e a sua utilidade de nela buscarmos, se nos apetecer, as premissas da vida. Mas só se quisermos, porque podemos sair de “Crematório” conformados com a montanha de escombros e ruínas à nossa volta, muitas ainda aparentemente de pé e sermos, mesmo assim, felizes. Por ser tão amplo é um livro totalmente aberto e franco: sem lições de moral expressa, apenas a perplexidade de um homem perante o seu tempo que se quis salvar escrevendo.

Os livros torrenciais são difíceis de traduzir, mas Miguel Serras Pereira percebeu o ritmo a que o livro respira.

O segundo êxodo dos

judeusUm romance negro que tem como cenário uma História alternativa e em que o detective é um Bogart judeu que fala com sotaque iídiche. José Riço Direitinho

O Sindicato dos Polícias IídichesMichael Chabon(trad. de Fernando Villas-Boas)Casa das Letras, € 19,00

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E se a II Guerra Mundial só tivesse terminado em 1946, com um ataque atómico a Berlim? E se o Holocausto tivesse ficado a meio graças à negociação dos

Aliados? E se a nova república de Israel tivesse apenas durado três meses, e os judeus, “vencidos em número”, tivessem sido “arrancados das suas casas, massacrados ou empurrados para o mar”? Se em vez do deserto, que é “a terra dos camelos”, tivesse sido dada uma concessão de gelo aos judeus, como teriam sido as coisas? Pô-los a viver temporariamente, por exemplo, no Alasca e tendo o iídiche como língua franca? Um pouco à semelhança do que fez Philip Roth em “Conspiração Contra a América”, este é o cenário de História alternativa – no entanto, mais credível do que o de Roth – escolhido pelo americano de origem judaica Michael Chabon (n. 1963) para “O Sindicato dos Polícias Iídiches”, um livro excepcional e de difícil classificação: é ao mesmo tempo um policial na linha ortodoxa do “noir” americano de entre os anos 30 e 50, um romance “literário” de História alternativa, e recebeu, pelo menos, quatro prémios de ficção científica (presumo que ultimamente os limites deste género tenham sido bastante alargados), entre os quais os famosíssimos “Hugo” e “Nebula”. Os direitos cinematográficos do livro foram comprados pelos irmãos Coen.

Este é o quinto romance de Chabon – em 2001 recebeu um Pulitzer por “The Amazing Adventures of Kavalier & Clay” –, autor eclético cujo trabalho se tem dividido entre guiões para cinema, livros infantis, BD, contos, histórias em fascículos, e como editor de números avulso da “McSweeney’s” e da “Best American Short Stories”.

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Michael Chabon quer claramente homenagear Raymond Chandler e Dashiell Hammett

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Bem à maneira dos romances negros americanos, a vítima surge logo na primeira página. Um homem que se dizia chamar Emanuel Lasker aparece morto com uma bala na base da nuca – o tiro fora silenciado com uma almofada, tudo “muito limpinho” – no quarto 208 do Zamenhof, um hotel reles que dá abrigo a tipos “desasados, avessos e desorientados” na cidade de Sitka, no Alasca. O encarregado da noite, que encontra o corpo, vai acordar o detective Meyer Landsman, que desde que se separou da mulher vive no quarto 505. Há muito que tem uma relação estreita com o álcool – bebe “slivovitz”, aguardente de ameixa, como se fosse um medicamento capaz de lhe sintonizar o coração com o estado de espírito. Landsman é o detective mais condecorado do distrito, e é descrito por todos como tendo “a memória de um condenado, os tomates de um bombeiro e a visão de um ladrão arrombador.”

Mais tarde, com o seu ajudante Shemets (metade judeu metade tlingit – os tlingit são os índios do Alasca), descobrem que afinal o homem se chamava Mendel Shpilman, que era um génio do xadrez, que jogava a dinheiro, por vezes cinco partidas em simultâneo no bar do Hotel Einstein, que era

filho (há muito deserdado) do rabino da ilha de Verbov, o patrão da máfia dos judeus chassídicos. Corriam rumores de que Mendel tinha poderes mágicos, de que seria o Messias que nasce em cada geração, e de que cumpriria a profecia de reerguer o Templo. Mas era um heroinómano que para dilatar a veia do braço a apertava com o filactério, uma fita com inscrições da Torá. Seguem-se os palpites, os suspeitos, as pistas falsas e os álibis. Para complicar as coisas, a ex-mulher de Landsman é nomeada sua chefe na Polícia, e decide que todos os casos de homicídio têm de ser concluídos em breve, ou então arquivados. Aproximava-se a data da “Reversão”, estavam cumpridos os sessenta anos estipulados durante os quais os refugiados judeus podiam viver temporariamente seguros naquele lugar. Alguns já tinham escolhido um novo destino: a Austrália ou a ilha de Madagáscar; outros esperavam fazer parte das percentagens (ainda por definir) futuramente aceites: falava-se em 5 ou 10 porcento. Era o regresso ás quotas depois dos “pogroms”, “tempos difíceis para se ser judeu”. A História repete-se.

O autor quer claramente homenagear Raymond Chandler e Dashiell Hammett. O detective Landsman é um avatar dos “hard-boiled” Philip Marlowe e Sam Spade: um céptico quanto a Deus e à

natureza humana, um eterno pessimista que usa o cinismo e o

humor negro para esconder a solidão, o desespero e o

medo existencial. E ao mesmo tempo é também tratado no

romance quase como um

super-herói da banda

desenhada, “enfrentou brutamontes e psicopatas, foi alvejado, sovado, gelado, queimado. (…) Alturas, multidões, cobras, casas em chamas, cães treinados para odiarem o cheiro de um polícia, tudo ele conseguiu aturar, ou, ao menos, arranjou maneira de continuar a funcionar.”

Michael Chabon volta nesta sátira surreal aos seus temas preferidos: nostalgia, divórcio, abandono, um pai ausente, a identidade judaica. Tomando a cultura dos “shtetl” (aldeias de judeus na Europa Central), Chabon justapõe-a, com ironia e muito humor, com a americana, fazendo do uso criativo de termos iídiches – à mistura com as frequentes metáforas e um vocabulário rico – uma das principais virtudes deste romance. Como se nos filmes de Bogart ele sempre tivesse dito “sholem” (coisa, em iídiche) em vez de “gun” (arma).

Sermão aos incrédulosNunca tinha imaginado Caim na máquina do tempo? Agora pode. Eduardo Pitta

CaimJosé SaramagoCaminho

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Existe um “caso” Saramago? Existe. Oriundo do proletariado, José Saramago (n. 1922) conseguiu impor a obra à revelia da tutela universitária. Antes de chegar à

literatura exerceu diversas profissões, entre elas as de serralheiro mecânico e jornalista. O primeiro livro foi um romance, “Terra do Pecado” (1947), a que se seguiram “Os Poemas Possíveis” (1966), uma nova colectânea de poemas, volumes de crónicas e contos, “Manual de Pintura e Caligrafia” — o segundo romance, que em 1977 pôs a crítica de sobreaviso —, uma peça de teatro e, em 1980, a obra que o consagrou: “Levantado do Chão”. Não era ainda o unanimismo crítico e de público, que veio só com “Memorial de Convento” (1982), mas foi a partir dali que Saramago passou a contar. O resto é história: conhece Pilar Del Rio, separa-se de Isabel da

Nóbrega, sucedem-se livros, traduções, prémios, teses e doutoramentos “honoris causa”; torna-se “best-seller” em vários países; Harold Bloom considera “O Evangelho segundo Jesus Cristo” (1992) equivalente ao melhor de

no bar do Hotel Einstein, que era Landsman é um avatar dos hard-boiled” Philip Marlowe e Sam Spade:um céptico quanto a Deus e à

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Num país sem tradição teológica, com a literatura alheada da questão religiosa, não admira que “Caim” claudique

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e secreto. “É bom estarmos aqui” é a profissão de fé de um hedonista ou de um crente, ou de um crente que encontrou a alegria da vida. Não vale a pena

pensar que o mundo (tal como a carne e o diabo) é um inimigo; o mundo é sobretudo um problema. Quando José Tolentino Mendonça escreve que “o mundo é aquilo que nos separa do mundo”, sabemos que o primeiro “mundo” é o mundo mundano, e o segundo é um mundo mudado. O que Tolentino sugere é que a atenção e a aceitação fazem com que o mundo não se oponha ao mundo. Daí estes cuidadosos versos sobre Jacob e o anjo, sobre Rothko e a identidade instável, sobre os castanheiros ou essa “bicicleta caída junto às primeiras paixões sombrias” (sombrias, notem). Daí o poema de incompreensão, seguida de atenção e aceitação, que abre o livro: “Deus não parece no poema / apenas escutamos a sua voz de cinza / e assistimos sem compreender / a escuras perícias // A vida reclama inventários e detalhes / não a oiças / quando inutilmente perscruta as sequências / do seu trânsito // Só há um modo verdadeiro de rezar: / estende o teu corpo ao longo do barco / que desce silencioso o canal / e deixa que as folhas mortas dos bosques / te cubram” (págs. 11-12). O poema chama-se “Para ler aos

Noviços”, mas quem não for

um noviço que se acuse. Pedro Mexia

Joyce, Proust e Kafka; estabelece residência na ilha espanhola de Lanzarote; recebe o Prémio Nobel da Literatura em 1998; uma Fundação com o seu nome ocupa a Casa dos Bicos em Lisboa, etc. “Caim” é o 19.º romance.

A problematização histórica tem sido o Leitmotiv da obra: conquista de Lisboa, tribunais da Inquisição, reinado de D. João V, construção do Convento de Mafra, Fernando Pessoa e a geração do Orpheu, repressão do Estado Novo, guerra civil espanhola, etc., temas aos quais dedicou algumas das suas melhores páginas.

Agora o patamar mudou. Considerando Deus como “autor moral” do assassinato de Abel, Saramago responsabiliza-O pelo crime de Caim. (Utilizo maiúsculas por convenção literária; no livro está tudo em minúsculas.) À laia de síntese, a frase promete. Infelizmente, Saramago dá um passo maior que a perna. Num país sem tradição teológica, com a literatura alheada da questão religiosa — Camilo e Eça ficaram pela anedota, Guerra Junqueiro foi um panfletário —, não admira que “Caim” claudique: “Dos escritos em que, ao longo dos tempos, vieram sendo consignados um pouco ao acaso os acontecimentos destas remotas épocas, quer de possível certificação canónica futura ou fruto de imaginações apócrifas e irremediavelmente heréticas, não se aclara a dúvida sobre que língua terá sido aquela, se o músculo flexível e húmido que se mexe e remexe na cavidade bucal e às vezes fora dela... etc.” Como desatar o nó da narrativa? Foi a declinação barroca que fez a fama de Saramago. A declinação barroca e o recurso a parábolas e alegorias. Nesse particular, não o podemos acusar de defraudar expectativas.

Saramago opõe a laicidade à cesura entre sagrado e profano. Nada contra. O óbice releva de inadequação discursiva: “As duas irmãs ficaram grávidas, mas caim, grande especialista em erecções e ejaculações como gostosamente o confirmaria lilith, sua primeira e até agora única amante [...] a coisa simplesmente não se lhe levanta, e

se não se lhe levanta a coisa, então não poderá dar-se a penetração...” Não estamos em 1885, quando “A Velhice do Padre Eterno”, de Guerra Junqueiro, provocou tumultos de rua. Hoje, as peculiares idiossincrasias de Saramago não incomodam ninguém. Sobretudo porque o efeito “máquina do tempo” (Caim protagoniza episódios em épocas diferentes) anula o efeito de provocação.

Formatada para um público transnacional, a sua visão do mundo reflecte-se em obsessivas circunvoluções semânticas, pontuadas, aqui e ali, por termos e expressões estranhas ao contexto: “gatinhando entre a cozinha e o salão”, “arame farpado”, “porta-aviões”, “colegas”, “pessoal de limpeza” e outros. Das muitas vezes em que Deus — um indivíduo “rancoroso” que não hesita em deixar matar inocentes — é suposto dizer “faça-se” ou, se preferirem, “assim seja”, Saramago escreve “fiat”.

Lido “Caim”, ficamos com a sensação de que Saramago pretende confundir futuros exegetas da obra, a exemplo do Apóstolo Paulo (citado na contracapa) na carta dirigida aos Hebreus. Agora como então, o discurso baralha a genologia. Romance ou sermão?

Poesia

É bom estarmos aqui O Viajante sem SonoJosé Tolentino MendonçaAssírio & Alvim

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“É bom estarmos aqui”, disse Pedro a Jesus, citado na epígrafe de “O Viajante sem Sono”. É um livro muito breve, alusivo

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O editor da Caminho disse ao Ípsilon que os contratos para a venda de direitos de alguns dos seus autores já prevêem a publicação em formato digital

Isabel Coutinho

Ciberescritas

Ede repente, não mais que de repente (como dizia o poeta brasileiro), não sabemos para onde nos virar. Leitores de livros electrónicos parecem nascer como cogumelos, todos os dias aparece a notícia de mais um.

Primeiro foi a Amazon.com a anunciar que conseguiu transformar o seu Kindle num aparelho que funciona em mais de 100 países no mundo. Este leitor de livros electrónicos (para onde se podem descarregar os livros comprados em 60 segundos sem se necessitar de mais nada além de um cartão de crédito) até aqui só funcionava plenamente em território norte-americano e só era enviado para moradas nos EUA. Mas desde 19 de Outubro que está a ser comercializado para todo o mundo. A empresa de Jeff Bezos aproveitou para fazer este anúncio da sua expansão à escala global mesmo antes da Feira de Frankfurt e isso não foi inocente. A discussão à volta dos e-books foi o assunto desta feira, onde se reuniram editores de todo o mundo.

Depois foi a vez da Google anunciar, na conferência do Tools of Change for Publishing da O’Reilly (que pela primeira vez se realizou em Frankfurt), os seus planos para o próximo ano com o lançamento da Google Editions. A partir de Junho na Europa a Google venderá o acesso online a livros. Não só às obras que ao longo dos anos tem vindo a digitalizar, mas também aos livros que acabam de sair para o mercado, as novidades.

Na era do “cloud computing” esses livros ficarão guardados algures online, na tal chamada “nuvem”, e

cada leitor poderá, depois, ler onde quiser (não necessita de ter um aparelho que só sirva ler livros em formato digital). Poderemos ler um livro que comprámos à Google num televisor, num computador, num iPhone, num leitor de livros electrónicos que tenham uma ligação à Net activa.

A Amazon também esteve presente na Feira de Frankfurt e aproveitou para conversar com editores para conseguir

ter disponíveis na sua loja online obras escritas nas línguas dos países onde agora vai funcionar o Kindle. Segundo o jornal “Folha de São Paulo”, negociou já com a editora brasileira Ediouro o lançamento do novo romance de Rubem Fonseca, “O seminarista”, numa versão para ser lida no Kindle. Deverá estar disponível a partir de 5 de Novembro, uma semana depois do livro impresso estar nas livrarias brasileiras.

Em Frankfurt, o editor português da Caminho, Zeferino Coelho, também divulgou ao Ípsilon que os contratos que tem assinado para a venda de direitos de alguns dos seus autores já prevêem a publicação em formato digital. José Saramago é um deles.

Até ao final do ano e no próximo ano o mercado vai ser inundado por mais leitores de livros electrónicos. Esta semana foi a vez da cadeia de livrarias norte-americana Barnes and Noble anunciar o lançamento do e-reader Nook. Tem o tamanho de um livro de bolso – parece que alguém se lembrou de juntar um iPod e um Kindle. Custará 259 dólares, terá um ecrã sensível ao toque e pelo menos uma parte do ecrã é a cores (aquela onde se podem ver as capas dos livros, não aquela onde se lê a obra). A novidade é que este leitor de livros electrónicos permite que se emprestem livros aos amigos. Quem tem um Nook pode emprestar durante 14 dias um livro electrónico que comprou e já leu. O amigo pode ler o livro num Nook, se também tiver um, ou num computador. É giro, não é?

O ‘Reilly Tools of Change (TOC) http://www.toccon.com/toc2010

Nook da Barnes & Noble http://www.barnesandnoble.com/nook/

[email protected]

A dar com um pau

quem não foum noviço

que se acuse. PedroMexia

O Viajante sem SonoJosé Tolentino MendonçaAssírio & Alvim

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“É bom estarmos aqui”, disse Pedroa Jesus, citado na epígrafe de “O Viajante sem Sono”. É um livro muito breve,alusivo

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José Tolentino Mendonça

Edição

A Leya do Brasil anunciou que vai publicar a obra do poeta Manoel de Barros. São 17 títulos (editados no Brasil pela editora Record) e um livro inédito, que Manoel de Barros tem estado a acabar.“Como sempre, ele não adianta nada do que já escreveu mas, segundo

sua primeira e mais fiel leitora, a mulher Stella, trata-se de sua obra-prima”, disse Pascoal Soto, director editorial da Leya Brasil. Aos 92 anos o poeta já tem dificuldades em ler e ouvir e por isso o próprio acredita que este inédito poderá ser o seu último livro.

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ciberescritas)

Dis

cos

fascínio pelos “castrati”, ou pelo terceiro sexo como também foram designados, decorria das suas habilidades vocais, mas também de uma condição andrógina, que despertava acesas paixões.

Herdado pelos contratenores e pelas vozes femininas, o repertório dos “castrati” coloca desafios imensos. Bartoli possui condições que lhe permitem abordá-lo com uma desenvoltura fora do comum: uma tessitura vocal extensa, capacidade respiratória para sustentar intermináveis coloraturas, agilidade estonteante e uma técnica assombrosa que lhe permite fazer com precisão saltos vertiginosos do registo grave para o agudo (ou vice-versa), realizar amplas gradações dinâmicas e sinuosas ornamentações. Nada disto é novidade, pelo menos desde o “Vivaldi Album”, mas neste caso todos os recursos são levados ao limite, por vezes numa vertigem quase circence que, afinal de contas, era também o apanágio das actuações dos “castrati”.

Um disco de Cecilia Bartoli nunca é apenas um disco, mas o resultado de um projecto de pesquisa de grande envergadura. No caso de “Sacrificium” temos um álbum, que é também um livro que inclui um Dicionário de mais de 100 páginas dedicado ao mundo do “castrati”. A selecção musical contempla 11 primeiras gravações mundiais e três árias lendárias (a célebre “Ombra mai fu”, de Handel, e trechos de Riccardo Broschi e Giacomelli) num segundo CD de bónus. A música de Nicola Porpora, Francesco Araia, Antonio Caldara, Leonardo Leo, Leonardo Vinci e Carl Henrich Graun serve também de base a um compêndio dos principais recursos vocais e formas de virtuosismo dos “castrati”. Bartoli faz alternar árias “di bravura”, com árias “cantabile” (sendo os exemplos de Graun e Caldara especialmente inspirados), compensando nestas últimas através da maturidade e da profundidade expressiva a insistência nas restantes páginas numa pirotecnia vocal que soa frequentemente demasiado enfática e excessiva (ouça-se por exemplo a ária “Cadrò, ma qual si mira”, de Araia, ou “Nobile onda”, de Porpora). Não faltam também tópicos caros na época como o canto do rouxinol (“Usignolo sventurato”, de Porpora), o voo da borboleta (“Qual farfalla”, de Leo) ou a impetuosa tempestade (“Chi temea Giove regnante”, de Vinci). A voz de Bartoli está mais escura no registo grave e a cantora parece enfatizar essa vertente no intuito de conferir um carácter mais masculino à interpretação. A sua prestação efervescente faz uma parceria explosiva com a carismática teatralidade de Il Giradino Armonico, dirigido por Giovanni Antonini.

Pop

As canções que a Bíblia lhe ensinouDoze canções inspiradas por versículos da Bíblia – a mais recente viagem no comboio-fantasma de John Darnielle. Jorge Mourinha

The Mountain GoatsThe Life of the World to Come4AD, distribuição Popstock

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Sabemos todos como a conversão ao cristianismo não fez grande coisa a Bob Dylan, e a primeira reacção

aos títulos das doze canções de “The Life of the World to Come” (para não falar do título) é a de estranheza. Que John Darnielle costume dar os títulos mais estranhos às suas canções já é um hábito (“Hast Thou Considered the Tetrapod?” ou “Sax Rohmer #1” vêm à cabeça). Mas chamar a um álbum inteiro “A Vida do Mundo que Há-de Vir” e intitular cada tema com uma referência a um versículo da Bíblia (sobretudo depois de problemas de saúde que o impossibilitaram de promover condignamente o anterior “Heretic Pride”) levanta certamente questões. Vai-se a ver, não há razão para medos: no site oficial o cantor/compositor/guitarrista/embalo criativo dos Mountain Goats diz que não, não deu em cristão-novo. São “só doze canções que a Bíblia me

ensinou”. Faz sentido:

sempre houve qualquer coisa de pregador sulista, de

ruralismo

American Gothic nas canções de John Darnielle. Isto, claro, se conseguirmos imaginar Mike Scott, ele dos Waterboys, a cantar sobre morte, droga, vício, paranóia, sofrimento sobre a sua “big music” expansiva e cinemascópica. Ou a entoar canções que podiam ter sido escritas por um Bruce Springsteen virado do avesso em modo lo-fi bucólico armadilhado. Mas a verdade é que Darnielle, chefe de um grupo que é basicamente ele mais os amigos que aparecerem no momento, ao fim de quase vinte anos de discos e uma dúzia de álbuns, já não é comparável com mais ninguém a não ser consigo próprio. E as suas vinhetas lúcidas e devastadoras sobre as fraquezas do ser humano não poderiam ser escritas por mais ninguém. Percebemo-lo quando deu uma de Almodóvar e assinou três obras-primas de seguida - “Tallahassee” em 2003, “We Shall All Be Healed” em 2004, “The Sunset Tree” em 2005. “Get Lonely”, em 2006, trouxe uma breve quebra de rendimento, “Heretic Pride”, em 2008, restabeleceu o equilíbrio. E agora “The Life of the World to Come” é outro clássico quase instantâneo.

Cada vez mais longe do “lo-fi” dos primórdios e cada vez mais mestre no artesanato de construção de uma melodia orelhuda até à quinta casa apresentada de modo simples e imediato, Darnielle retorna aqui às assombrações surreais que fazem das suas letras retratos brutais de gente perdida numa América demasiado grande para a sua visão periférica reduzida. Não é um ciclo conceptual como o eram as três obras-primas, mas podia ser: a morte e

O delírio que Cecilia Bartoli provoca junto das audiências é comparável ao que sucedia no século XVIII em torno de figuras como os “castrati” Farinelli ou Cafarelli

Clássica

A vertigem do terceiro sexoO novo álbum de Cecilia Bartoli é um completo compêndio das proezas vocais dos “castrati”. Cristina Fernandes

SacrificiumCecilia BartoliIl Giardino ArmonicoGiovanni Antonini (direcção)Decca 478 1512

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O delírio que Cecilia Bartoli provoca junto das audiências é comparável ao que sucedia no século

XVIII em torno de figuras como os “castrati” Farinelli ou Cafarelli. As entradas para o seu concerto em Madrid no dia 12 de Dezembro esgotaram em uma hora e o novo álbum (“Sacrificium”), acompanhado por uma incisiva campanha de marketing, tem

causado furor. Trata-se de uma homenagem aos “castrati” e à

sua época de ouro, recordando ao mesmo tempo que a lendária arte destas super-estrelas do barroco teve

como preço a cruel mutilação de milhares de

crianças.Como consequência

da castração, praticada antes da puberdade, os cantores mantinham cordas vocais infantis e a capacidade de produzir sons agudos associados à caixa toráxica de um homem adulto. Conseguiam assim sustentar uma nota por longo

tempo e fazer extensos

vocalizos num só fôlego. A grande

extensão vocal era outra característica que se reflecte num repertório exuberante, que pretendia superar o virtuosismo instrumental. O

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ensinou”.Faz sentido:

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ruralismo

“The Life of the World toCome”, dos Mountain Goats, é um dos melhores discos do ano que pouca gente vai ouvir

Espaço Público

Talvez por 2009 estar a ser um ano repleto de experimentações e desvios, há discos que têm passado injustamente ao lado de muitos melómanos. É o caso de “Catacombs”, a quinta aventura discográfica de Cass McCombs no reino do longa-duração, que merece mais do que uma audição apressada. Por trás de melodias a convidar a uma dança romântica escondem-se

letras bizarras, como se McCombs fosse na realidade um lobo esfomeado vestido com a pele de um cordeiro angelical. É um daqueles discos para ouvir durante dias a fio, um amor misterioso no qual nos perdemos de corpo inteiro sem saber se, por detrás daquele corpo e rosto angelical, se esconde uma - ou um - mais do que provável psicopata. Puzzles pop para decifrar

sem pressa, mesmo com o perigo de o carrasco andar por perto e, ainda por cima, bem com a vida. 8 execuções (em 10).Pedro Miguel Silva, Técnico de Comunicação, 35 anosBlog: http://fusco-lusco.blogspot.com

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a religião são recorrentes (do místico de “1 Samuel 15:23” ao gótico de “Hebrews 11:40”, passando pela dúvida de “Romans 10:9” e pelo apocalipse de “Ezekiel 7 and the Permanent Efficacy of Grace”). E não é difícil pensar que a suave nostalgia de “Genesis 3:23” ou, sobretudo, o adeus dolente a alguém que muito se ama do sublime “Matthew 25:21” (tema maior do novo disco e da carreira dos Goats) partilham algo de autobiográfico com o exorcismo de “The Sunset Tree”.

Que não se pense que isso faz de “The Life of the World to Come” “The Sunset Tree nº 2” - o tom do disco está mais próximo do comboio-fantasma psicológico de “We Shall All Be Healed”. Embora, ao ouvido não-iniciado, não se encontre aqui nada de significativamente diferente dos discos anteriores, o novo disco prossegue o caminho de “pacificação sonora” de um projecto que soube abrir o seu espectro sonoro sem perder um único dos seus sinais particulares. Antes pelo contrário: cada novo disco dos Goats é mais acessível que os anteriores sem trair a matriz sonora, ao mesmo tempo que as letras de Darnielle se tornam progressivamente mais complexas e perturbantes (e as referências bíblicas não são nada casuais – se formos a ver, todos os discos de Darnielle podiam

ser intitulados com versículos da Bíblia). E é nesse limbo entre a luz e a escuridão, tornado nicho unipessoal e intransmissível, que os Mountain Goats continuam a ser um dos segredos mais bem guardados do rock contemporâneo. “The Life of the World to Come” é, outra vez, um dos melhores discos do ano que pouca gente vai ouvir. O que não anda assim tão longe da Bíblia como isso, como o provava a recente sondagem que dizia que eram os cristãos quem menos a lia...

É bom levar porrada assim

HealthGet ColorCity Slang; distri. Popstock

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Tudo o que é preciso saber sobre “Get Color” está na extraordinária “Die slow”: um riff repetitivo antes de

um tremendo balanço, depois uma voz feminina, pueril, é abafada por feedback e delays, antes de uma malha de sintetizadores muito anos 80 pavlovear as nossas ancas em direcção a um pára-arranca irresistível. A tónica do disco está no contraste entre as melodias infantis e as guitarras saturadas, feedback, riffs monumentais, delays que o enchem. A fórmula aparenta-se ao que os My Bloody Valentine fizeram em “Loveless”? Sim. Mas os Health trazem a lição para o

século XXI por

intermédio de percussões brutais, sons digitais, uma produção mais clara e viragens e contra-viragens constantes. “Loveless” era o som do mercúrio a derreter por cima do corpo de uma virgem tardia, a banda-sonora do sexo dos anjos; “Get Color” é testosterona trabalhada, músculo cerebral: dos sintetizadores marados ao quase metal de “We are water” é um disco bem mais bruto e variado que o ícone que o assombra. É tão bom levar porrada assim. João Bonifácio

Exploradores sem medo do ridículo

Flaming LipsEmbryonicWarner

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“The sparrow looks at the machine”, segunda canção. Ouve-se um irritante som de interferência de

telemóvel, ali entre a guitarra wah-wah, a bateria tonitruante e o baixo fuzz que nos atacam os sentidos, ali entre isso e o órgão Rhodes e a voz de guru surrealista que, por outro lado, nos serenam, um tipo vê a realidade de um som inesperado entrar por aquela densa fantasia

dentro e levanta-se num repente. Não passa de pormenor, mas é um sinal do

que

mudou nestes Flaming Lips que, desde o magistral “The Soft Bulletin”, vinham transformando a sua loucura criativa num arquétipo cada vez menos interessante: a forma sobre o conteúdo, o aparato das encenações de palco sobrepondo-se à inspiração em estúdio. Com “Embryonic”, álbum duplo e excessivo, sente-se de novo uma vitalidade e uma vontade de arriscar que já não lhes reconhecíamos.

Neste álbum em que coros angelicais navegam em sonhos sci-fi (“Evil”), em que a perfeição sonora é suplantada pelo poder da massa sonora criada (não podia haver melhor introdução que “Convinced of the hex”), os Flaming Lips deixam de ser as personagens de animação, desenhadas em traço cuidado, que foram nos últimos anos. Tornam-se garridos e pintados a cores saturadas, tornam a ser exploradores psicadélicos sem medo do ridículo. E sim, é ridículo o que oferecem a Karen O, vocalista dos Yeah Yeah Yeahs: em “I can be a frog”, ouvimo-la a imitar rugidos de leão ou coaxar de sapo e a expressão vergonha alheia prolonga-se pelos minutos que dura a canção.

Contudo, é esse entusiasmo em seguir as ideias que se lhes deparem, por mais improváveis que sejam, que torna “Embryonic”, longo de 78 minutos e 18 canções, tão recompensador.

Ouvem-se jams onde se imaginam uns Black Sabbath armados de sintetizador (chama-se “Worm moutain” e os sintetizadores são dos convidados MGMT), ouve-se Wayne Coyne, na última canção, com voz distorcida e perigosamente próxima do desafino, cantar “oh, oh, oh, watching the planets align”, e ficamos com a sensação de que a viagem se cumpriu por fim. Não foi perfeita e teve a sua quota-parte de desvios desnecessários, mas isso, neste contexto, faz parte do jogo. Nunca nos arrependeremos de ter seguido com eles. M.L.

Raz Ohara and The Odd Orchestra IIGet Physical, distri. Symbiose

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O segundo de Raz Ohara pode ser descrito como uma fantasia pastoral, projectada num cenário de

saturação urbana, tipicamente europeu. Assina-o Raz Ohara, aliás Patrick Rasemussen, dinamarquês que se radicou em Berlim, engrossando a comunidade de artistas laptop que têm feito carreira a partir da capital alemã. No primeiro álbum como Raz Ohara lançou as premissas duma pop

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casuais – se formos a ver, todos os discos de Darnielle podiam

irresistível. A tónica do disco está no contraste entre as melodias infantise as guitarras saturadas, feedback,riffs monumentais, delays que oenchem. A fórmula aparenta-se ao queos My Bloody Valentine fizeram em “Loveless”?Sim. Mas osHealth trazema lição para o

século XXI por

realidade de um som inesperado entrar por aquela densa fantasia

dentro e levanta-se numrepente. Não passa de pormenor, mas é umsinal do

que

A fórmula aparenta-se ao que os My Bloody Valentine fizeram em “Loveless”? Sim. Mas os Health trazem a lição para o século XXI

Com “Embryonic”, sente-se de novo uma vitalidade e uma vontade de arriscar que já não reconhecíamos nos Flaming Lips

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Dis

cos

electrónica, etérea e sonhadora, vindo depois a encontrar a sua tribo – a malta que toca em jardins e à porta de festivais à volta de Berlim, promovendo uma certa sintonia com o mundo natural. Esses devaneios bucólicos são a inspiração declarada do novo álbum, onde Patrick programa as bases rítmicas sobre as quais improvisa o guitarrista Tom Krimi, material depois rearranjado em estúdio pelo primeiro com o seu colaborador usual Olivier Doerell (Dictaphone, Swod). Daí uma sequência de paisagens despojadas, centradas em acordes esparsos de guitarra acústica, sistematicamente encadeados em loops, sobre ritmos discretos, quase minimais, sobre as quais evolui a voz sonâmbula de Patrick. Aqui e ali registam-se divagações electrónicas, a voz é por vezes manipulada por computador, os temas a abrir e a fechar o alinhamento são adensados por violinos e sopros (samplados), que lhes conferem maior carga dramática para o final. As notas dominantes são, no entanto, a austeridade e o laconismo das ferramentas musicais, propícios à invocação de uma certa poética que se pode associar a longos passeios na floresta, ou a dias passados a contemplar um mar outonal. Resulta, é o tipo de disco que favorece o relaxamento e o esquecimento de si, graças a uma disciplina que, por outro lado, é a sua inevitável limitação. Ou seja, esta música proporciona toda uma experiência de evasão e peca por não contemplar desvios ao programa. Luís Maio

Minta Minta & The Brook TroutEdição de autor

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Do EP para o álbum, tudo ficou mais nítido. Minta recorre apenas a uma guitarra acústica e a uma

eléctrica que funciona como

como legítimo transportador da chama ateada por John Coltrane, Pharoah Sanders, Albert Ayler ou Archie Shepp. A visceralidade e o profundo sentido espiritual das suas linhas fizeram dele um profeta da liberdade no jazz e um dos mais importantes mensageiros do sentido universal desta música. Quando gravou “Flight of I” e “Third Year Recitation”, no início dos anos 90, foi reconhecido como uma voz diferente e poderosa com potencial para se tornar uma figura de primeiro plano no jazz livre mundial. Embora se possam reconhecer em “Shakti” algumas fragilidades decorrentes dos seus problemas de saúde – o fôlego é mais contido, o som ligeiramente mais fechado - a música não perde qualquer urgência.

Rodeando-se de um trio excepcional de músicos, onde o piano (durante anos nas mãos de Matthew Shipp) dá lugar à guitarra orgânica de Joe Morris e a secção rítmica é ocupada pela dupla de peso de William Parker no contrabaixo e Warren Smith na bateria, Ware toca com uma fluidez e sensibilidade notáveis, libertando ondas de energia que não podem, nem devem, ser racionalizadas. Apesar do seu crescente domínio do contrabaixo, é um enorme prazer escutar de novo Morris na guitarra, soando aqui em grande forma. Ouçam-se os seus acordes no final de “Crossing Samsara”, envolvidos na teia mágica da percussão de Smith, ou em “Namah”, um dos pontos altos do disco. Quando

chegamos ao último tema do álbum, tema

título dividido em três andamentos, mergulhamos fundo

na espiritualidade própria de Ware, feita

de motivos simples e repetições

encantatórias, sempre com a intensidade certeira de quem não tem nada a provar a ninguém.

segundo discurso sobre as vozes (cortesia do magnífico Manuel Dordio, de Jesus The Misunderstood!). Juntam-se-lhe por vezes o baixo e a guitarra, outras vezes nem isso é necessário – e aqui e ali, quando a canção o pede, Mariana Ricardo deita mão ao ukelele e João Cabrita a um saxofone discreto.

Com tudo mais nítido, revela-se melhor esta dança de melancolias que insiste em perceber porque corre mal tudo o que deveria correr bem – e depois “it’s a waste of time to talk” e “this is leading us nowhere” (em “To disappear”).

Em “Minta & The Brook Trout”, ouve-se um country rock matizado por anseios pop (“If you choose to run”), ouve-se uma graciosidade nórdica nos coros e ritmos gentis de “Withtout it”, ouve-se, resumo de tudo o que por aqui se passa, um “I dream of you” repetido em tom de mantra pouco budista.

A elegância e simplicidade dos arranjos são metade do que nos cativa. A outra metade é esta curiosidade obsessiva pelas pessoas que interagem com pessoas (e que somos todos nós), pelos mistérios dos amores e desamores que nos ocupam desde que pusemos pés na terra. M.L.

Cesária ÉvoraNha SentimentoLusáfrica

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Para Cesária, o tempo parece sorrir:

depois da ameaça de quase-tragédia (um AVC em 2008, na Austrália), a alegria do regresso com um disco onde as coladeras ganham por 10 a 4 às mornas e

onde sobressaem, com 6 composições cada, dois compositores de mérito: Teófilo Chante e Manuel d’Novas, que morreu em Setembro, aos 71 anos. As composições restantes, ambas mornas, são da lendária pianista Tututa, já com 90 anos (“Sentimento”) e do bem mais jovem (58 anos) compositor Betu (“Noiva de ceu”). Nos arranjos, houve a intenção de privilegiar uma base mais próxima de tradição, com um maior peso dado ao percussionista Tey Santos, mas também de romper com o já feito, integrando (e essa aposta foi do editor e produtor José da Silva) cordas e percussões árabes adicionais gravadas no Egipto, com a Grande Orquestra do Cairo, além do acordeão de Henry Ortiz, gravado em Bogotá, Colômbia. Mesmo com estas “adições”, “Nha sentimento” é um disco profundamente cabo-verdiano, na ambiência e nas temáticas, com algumas grandes canções como o contagiante “Tchôm frio” (que Tututa já gravara, no único disco da sua carreira), “Verde Cabo di nhas odjos” (com letra de Luis Pastor, esse mesmo, o espanhol, que é fã de Cesária), “Vento de sueste”, “Noiva de ceu” ou “Esperança di mar azul”, que Cesária trouxe para o seu universo depois de Nancy Vieira o ter gravado (e bem) em “Lus”. A voz não terá o brilho dos tempos áureos, mas o sentimento é ainda enorme. O dela e o de Cabo Verde. Nuno Pacheco

Bebel GilbertoAll In OneVerve, Universal

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Depois do marcar passo de “Momento” (2007), “All In One” vem refrescar o universo (em Portugal

repleto de fãs) de Bebel Gilberto. Nascido na espuma das celebrações da velha bossa nova (e daí o retomar, em versão reverente, do “Bim bom” do pai João), tem belas baladas, duas delas servidas por uma voz segura e grave e com a preciosa ajuda de

Carlinhos Brown

(“Canção de amor” e “Nossa senhora”) e outra, em inglês, em jeito de nova bossa, com cordas e piano de densidade quase solene. E se o tema-título, “All in one”, se perde na grandiloquência de um “hit” à deriva, já as versões de “The real thing”, de Stevie Wonder, mas sobretudo a de “Sun is shining”, de Bob Marley (esta em português), brilham ora pela elegância ora pela adequada energia rítmica. “No time for tears”, a voz grave de novo no comando, pesa no lado bom da balança, enquanto “Forever” e “Secret/segredo” (bilingue no título e na letra) mostram do que Bebel é capaz quando se aplica na composição (porque será que o “palavras mudas” da letra soam no disco claramente como “palavras putas”?). No final, antes da espreguiçante e doce “Port Antonio”, uma bem urdida homenagem a Carmen Miranda, com Brown como cúmplice: “Chica chica boom chic”. Isto é Bebel em boa forma.N.P.

Jazz

Consciência Universal O saxofonista David S Ware acrescenta um novo registo a uma extraordinária discografia. Rodrigo Amado

David S WareShaktiAum Fidelity, dist. Trem Azul

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Lançado no início deste ano, “Shakti” é o mais recente

registo do saxofonista norte-americano David S Ware, gravado pouco antes de um problema de saúde o ter obrigado a um transplante de rim. Afirmou-se desde cedo

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Isto é Bebel em boa forma

Minta: uma dança de melancolias

pontos altos do disco. Quando chegamos ao último

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Lançado no início desteano, “Shakti” é o maisrecente

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A voz não terá o brilho dos tempos áureos, mas o sentimento é ainda enorme

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Con

cert

osamericanos que me marcaram e cuja música permite fazer um contraste com o ‘mainstream’ da programação do repertório contemporâneo em Portugal”, explicou o compositor ao Ípsilon. “Augusta R. Thomas e Lee Hyla, que conheci em Chicago, têm carreiras reconhecidas nos EUA mas, para o público português, são dois estranhos quando comparados com Reich, Feldman, Cage ou Adams. É uma óptima oportunidade para os dar a conhecer.” Tinoco refere ainda que “os compositores escolhidos têm em comum a capacidade de integrar materiais de músicas diferentes da tradição escrita ocidental, bem como um sentido da energia e do gesto musical que, por vezes, poderia ser sintetizado com a onomatopeia ‘crash!’, o título do concerto.”

Quanto a “Spam”, surge na sequência do interesse que o compositor tem manifestado “por um certo humor non-sense e pelo absurdo que nos rodeia”. Esse interesse já estava patente em “Sundance Sequence” (1999), peça inspirada na saga (real) de dois porcos que fugiram de um matadouro nos arredores de Londres, e em obras como “Zapping” (2004), “Contos Fantásticos” (2006) e “Evil Machines” (2008). “De vez em quando recorto notícias de jornais ou guardo anúncios de ‘spam’ que me caem na caixa de correio electrónico, na expectativa de que possam vir a ser-me úteis para a composição de uma peça”, conta. “Spam!” agrupa textos dessa recolha numa peça em cinco andamentos, mas no futuro a obra poderá crescer, já que “o material é inesgotável”. Os temas abordados incluem a história de David Smith, o homem-bala que aceita ser disparado do México para

os EUA, as notícias sobre os funcionários camarários de Frankfurt que destruíram a instalação de um artista plástico por pensarem que era lixo, o documentário produzido pela BBC no qual seriam reveladas conversas privadas de George Bush com governantes palestinianos e israelitas e o e-mail que anuncia “as pílulas milagrosas que permitem estar à altura das expectativas da mais exigente população feminina.”

Maria João Pires a solo e em duo na Casa da Música

Maria João Pires e Pavel GomziakovPorto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque. 4ª, dia 28, às 19h30. Tel.: 220120220. 25€.

Ciclo de Piano EDP. Obras de Beethoven.

A música de câmara foi sempre um elemento importante da carreira de Maria João Pires, tendo dado origem a frutuosas colaborações. A última contempla o jovem violoncelista russo Pavel Gomziakov, com quem a pianista gravou um disco dedicado às derradeiras obras de Chopin, programa que foi apresentado no ano passado no Centro Cultural de Belém e na Casa da Música. O duo regressa agora ao Porto para interpretar Beethoven, repetindo o modelo de recital que faz alternar obras para piano solo e em duo. Serão interpretadas as Sonatas para violoncelo e piano nºs 2 e 3 (op. 5 e op. 69), a Sonata para piano, Op.31, No.2 (“A Tempestade”) e as 32 Variações em Dó menor para piano, WoO80.

Depois de ter descoberto Maria João Pires através de um antigo disco

da Erato com as Sonatas de Schubert, Pavel Gomziakov

começou a coleccionar gravações da pianista, mas só a conheceu pessoalmente há cerca de três anos e meio em Belgais. A primeira vez que

tocaram juntos foi em Julho de 2007, numa

“Schubertíade” no Teatro San

Lorenzo, no Escorial (Espanha). Por ocasião do início da residência artística da pianista no CCB, em Setembro de 2008, o

violoncelista descreveu ao

Ípsilon essa primeira

experiência musical: “Foi uma revelação, o

entendimento musical foi muito simples. Era a primeira vez mas sentíamo-nos como se tocássemos juntos há muito tempo, como se já tivéssemos feito música de câmara noutra encarnação.” Numerosos recitais em vários países têm certamente vindo a aprofundar essa cumplicidade e a fomentar o crescimento artístico de uma parceria com provas dadas. C.F.

Jazz

Mehldau já não é putoO menino prodígio do jazz norte-americano cresceu e é agora um respeitável pai de família com um invulgar talento para o piano. Rodrigo Amado

Brad Mehldau TrioCom Brad Mehldau (piano), Larry Grenadier (baixo), Jeff Ballard (bateria). Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande Auditório. Praça do Império. 5ª, dia 29, às 21h. Tel.: 213612400. 15€ a 32,5€.

Ponta Delgada. Teatro Micaelense. Lg. S. João. 6ª, dia 30, às 21h30. Tel.: 296308340. 15€.

Estarreja. Cineteatro de Estarreja. Rua Visconde de Valedemouro. Sáb., dia 31, às 22h. Tel.: 234840600. 10€ a 16€.

Alcobaça. Cineteatro de Alcobaça. R. Afonso de Albuquerque. Dom., dia 1, às 21h30. Tel.: 262580890. 16€ a 18€.

Brad Mehldau assume uma rotina de vida surpreendentemente simples: “Praticar, filhos, praticar, filhos... muito trabalho, muita diversão!”, explica ao Ípsilon por e-mail. Claro que nem sempre as coisas foram assim tão simples na vida do pianista que é actualmente considerado um dos músicos de topo na alta competição do jazz mundial. Hoje com 39 anos de idade, Mehldau começou a tocar aos seis e aos 24, quando formou o seu famoso trio com o contrabaixista Larry Grenadier e o baterista Jorge Rossy, já era considerado um verdadeiro prodígio no meio do jazz. Foi também com esta idade que Mehldau considera ter alcançado o seu próprio som, a sua voz, factor que o pianista identifica como o principal desafio para qualquer músico de jazz, particularmente numa altura em que a técnica e a aprendizagem de novos estilos são ensinadas em escolas, por todo o mundo.

Interrogado sobre a importância de uma estrutura na sua música, Mehldau diz: “A estrutura musical

Clássica

O “spam” também é músicaA OrchestrUtopica apresenta uma nova obra de Luís Tinoco inspirada no lixo do correio electrónico. Cristina Fernandes

Crash!Direcção musical de René Bosc. Com OrchestrUtopica. Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. 5ª, dia 29, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 10€.

“Crash”, o próximo concerto da OrchestrUtopica na Culturgest, resulta de um duplo desafio lançado ao compositor Luís Tinoco: programar um concerto orientado para a música americana e compor uma nova peça que se enquadrasse nessa proposta. Luís Tinoco, que nos últimos quatro anos tem tido várias encomendas de orquestras norte-americanas (nomeadamente da Albany Symphony Orchestra e da El Paso Symphony Orchestra), criou “Spam!” e concebeu um alinhamento que inclui “Dancing Helix Rituals” (2007), de Augusta Read Thomas; “Amnesia Redux” (1984), de Lee Hyla; a Sinfonia de Câmara (1992), de John Adams; e “Black Page” (1976), de Frank Zappa, num arranjo de René Bosc, que também dirige a OrchestrUtopica.

“Adams e Zappa são dois compositores tipicamente

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“Spam” resulta do interesse de Luís Tinoco pelo “non-sense” do quotidiano - e do choque tecnológico

Maria João Pires regressa à Casa da Música

Brad Mehldau faz quatro concertos em Portugal a partir do dia 29

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Pop

Da tropicália ao afro

Jameson Urban RoutesHoje, dia 23

Andreya Triana + Cibelle + TM Juke + Mr. BirdAmanhã, dia 24

Bilan + Cacique 97 + Jazzanova + Mike StellarLisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré, às 23h30. Tel.: 213430107.

É dar um salto ao MySpace de Cibelle. Ali encontramos “Exoticalicious stuff”, amálgama de quinze minutos de música, aquela que, imaginamos, se ouvirá no seu terceiro álbum, a editar em 2010 e sucessor do muito celebrado “The Shine of Dried Electric Leaves” (2006). Cibelle então. Em modo Mutantes com Hammond, guitarra wah-wah, voz e cabeça nas estrelas. Em modo delírio tribalista electrónico, com ruídos de selva e batida ondulante. Em modo Cibelle cantautora, de guitarra em punho, aquela voz magnífica e ruídos espectrais a compor o cenário. Esta noite, no Musicbox, desce o pano sobre esse futuro caoticamente antecipado num quarto de hora de MySpace. Cibelle é a cabeça de cartaz da primeira noite “oficial” do Jameson Urban Routes, terceira edição do festival organizado no Musicbox – ontem foi o festim de apresentação, com DJ Ride e Bezegol.

Mais logo, antes de Cibelle, conheceremos Andreya Triana, inglesa de Brighton, cantora de aveludados soul e carícias em Rhodes, mulher que exibe uma discreta sensualidade entre metais afro-beat, cosmopolita que navega sobre terrenos digitais com elegância jazzy – bom groove e produções de Fink ou Bonobo num álbum de estreia a editar brevemente (ou seja, quem a vir mais logo poderá proclamar

Con

cert

os

vanderslicevanderslice

sexta 23Orquestra GulbenkianDirecção musical de Michael Boder. Com Pedro Gomes (piano), Anja Kampe (soprano). Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A, às 19h. Tel.: 217823700. 10€ a 20€.

Obras de Prokofiev, Strauss, Mussorgsky e Ravel.

John Vanderslice + Samuel ÚriaLisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R. Santiago, 19, às 21h30. Tel.: 218884503. 20€.

Mingus Big BandLeiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo Cortez Pinto, às 21h30. Tel.: 244834117. 10€.

Festival de Jazz da Alta Estremadura 2009.

Lise de la Salle e Orquestra Nacional do PortoDirecção Musical de Christoph König. Com Lise de la Salle (piano). Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 16€.

Obras de Chostakovitch, Mozart e Rossini.

Melech MechayaPortimão. Teatro Municipal. lG. 1.º de Dezembro, às

22h00. Tel.: 282402475. Entrada gratuita.

Pedro MoutinhoSintra. CC Olga Cadaval - Auditório Acácio Barreiros. Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro, às 22h.

Tel.: 219107110. 15€.

La La La RessonanceBarcelos. Biblioteca Municipal - Auditório. Lg. Doutor José Novais, 47, às 22h. Tel.: 253809641. 5€.

Subscuta.

Pedro BurmesterBraga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. Liberdade, 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 10€ a 12,5€.

Drumming - Grupo de PercussãoEspinho. Auditório de Espinho. Rua 34, 884, às 21h30. Tel.: 227340469. 5€.

João Paulo Esteves da SilvaCom João Paulo (piano), Mário Franco (contrabaixo), Alexandre Frazão (bateria). Lisboa. Ler Devagar (LX Factory). Rua Rodrigues Faria, 103 - LX Factory, às 23h. Tel.: 213259992.

George Colligan TrioCom George Colligan (piano), Johannes Weidennmuller (contrabaixo), Rudy Royston (bateria). Seixal. Fórum Cultural - Auditório. Qta. dos Franceses, às 21h30 e 23h30. Tel.: 210976100. 15€ (dia) a 90€ (passe).

Seixal Jazz 2009.

The Dixie Boys + Rui VargasPorto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30, às 23h. Tel.: 222012500.

AquaparquePortalegre. Centro de Artes do Espectáculo - Café-concerto. Pç. da República, 39, às 23h. Tel.: 245307498. 3€.

Mikado Lab + CocleaSetúbal. Clube Setubalense. Av. Luísa Todi 99, 1º, às 21h30. Tel.: 265522329. 13€ (dia) a 23€ (passe).

Rendez Vous Festival.

sábado 24Remix EnsembleDirecção Musical de Peter Rundel. Com Matthias Goerne (barítono), Jonathan Ayerst (piano). Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 18h. Tel.:

Agenda220120220. 10€.

Obras de Schubert, Schönberg, Webern, Cerha, Kurtág e Larcher.

SizoPorto. CDGO (Jo-Jo’s Music). Rua de Cedofeita, 509, às 17h30. Tel.: 222058410.

aCUR: Critical FoodCom Pedro Almeida. Porto. Balleteatro Auditório. Pç. 9 de Abril, 76, às 22h. Tel.: 225508918. 5€.

Ciclo de Música e Performance.

The Legendary Tiger ManEstarreja. Cine-Teatro Municipal de Estarreja. Rua do Visconde de Valdemouro, às 22h30. Tel.: 234811300. 7,5€

Ana MouraGuimarães. São Mamede - Centro de Artes e Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 22h. Tel.: 253547028. 20 a 25€.

Mingus Big BandSeixal. Fórum Cultural do Seixal - Auditório. Qta. dos Franceses, às 21h30 e 23h30. Tel.: 210976100. 15€ a 90€ (passe).

Seixal Jazz 2009.

Janita SaloméSeia. Casa Municipal da Cultura. Avenida Luís Vaz de Camões, às 21h45. Tel.: 238310251. Entrada gratuita.

B FachadaSines. Centro de Artes - Auditório. R. Cândido dos Reis, às 22h. Tel.: 269860080. 5€.

BassDrumBoneCom Ray Anderson (trombone), Mark Helias (contrabaixo), Gerry Hemingway (bateria). Leiria. Teatro Miguel Franco - Centro Cultural. Lg. Santana, às 22h. Tel.: 244860480. 10€.

Festival de Jazz da Alta Estremadura 2009.

Benoît Delbecq + Sei MiguelSetúbal. Clube Setubalense. Av. Luísa Todi 99, 1º, às 21h30. Tel.: 265522329. 13€ (dia) a 23€ (passe).

Rendez Vous Festival.

Monstro MauCovilhã. Teatro-Cine. Pç. do Município, às 22h. Tel.: 275334440. Entrada gratuita.

MarizaTorres Vedras. Expotorres. R. Gonçalo de Lagos, às 22h. Tel.: 261335950. 10€ a 15€.

domingo 25Albrecht Loops + José Miguel PinhoFundão. A Moagem, Cidade do Engenho e das Artes. Largo da Estação, às 21h30. Tel.: 275774052.

Planshister 09.

Osso Exótico + Beautiful Scizophonic e Leatitia Morais + Gala Drop + Oto + Scarp e Gabriel Ferrandini + Variable Geometry OrchestraLisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52, a partir das 16h30. Tel.: 218438801. 5€.

Sonic Scope #9

Orquestra Nacional do PortoDirecção Musical de Christoph König. Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 12h. Tel.: 220120220. 5€.

Obras de Chostakovitch e Rossini.

Ana MouraÍlhavo. Centro Cultural de Ílhavo

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Ana Moura na estrada: Guimarães e Ílhavo

Matthias Goerne com o Remix Ensemble

é absolutamente essencial para mim, mas muitas pessoas dizem-me que ouvem pouca estrutura na música que eu toco.” É exactamente esta capacidade de tornar natural e espontâneo algo que está fortemente estruturado que faz com que todos possamos relacionar-nos sua música. Nela ouvimos os geniais devaneios de Keith Jarrett, o caleidoscópio estrutural de Glenn Gould ao interpretar Bach, ou os ritmos hipnóticos de bandas como os Radiohead ou os Spiritualized. Referindo-se aos sons que o inspiram actualmente, Mehldau recusa fixar-se em nomes ou bandas específicas: “Para mim não há ‘melhores’. Os nossos gostos e interesses mudam com o tempo. Aquilo de que gostamos num determinado momento das nossas vidas torna-se depois menos interessante e é substituido por outra coisa. Vou a concertos e ouço muita música, basicamente

‘downloads’ que compro na net”.

Com Grenadier no contrabaixo e Jeff Ballard (que substituiu Rossy em 2005) na bateria, Mehldau gravou “Live”, registo editado no ano passado que destaca a incrível capacidade do trio para reinterpretar temas oriundos da música popular, transformando-os em poderosos veículos para a improvisação, disciplina que o pianista encara como “um fenómeno verdadeiramente fascinante – uma das grandes e misteriosas capacidades humanas que ainda hoje não compreendemos”.

Pop

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Com Grenadier no contrabaixo e

Cibelle, a mutante, abre hoje o Jameson Urban Routes

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interessante. Depois dos concertos, a noite continuará ao sabor dos DJ sets de Jazzanova e Mike Stellar.

O festival prossegue na próxima semana. Sexta-feira, dia 30, sobem a palco Mocky e os Tiguana Bibles e haverá DJ set de Markus Kienzl (Sofa Surfers) e Rui Murka. O Jameson Urban Routes encerra dia 31 com os Tora Tora Big Band e Olivetreedance. Ori Shotnez, dos Balkan Beat Box, e o Cool Hipnoise Tiago Santos serão os DJ da despedida. Mário Lopes

depois que a viu primeiro).Quanto a Cibelle, não vem

sozinha. Terá a banda, naturalmente, e em algumas canções terá Legendary Tigerman, que depois de a ter acolhido como uma das mulheres de “Femina” (o álbum que editou recentemente) lhe devolve a cortesia.

Amanhã, o Jameson Urban Routes prossegue com os Cacique 97, o combo português de “afro-beat” que presta homenagem a Fela Kuti e

Tony Allen, que não se esquece da graciosa agilidade de Bruce Lee (ouvir-se-á certamente “Dragão”, homenagem ao actor de, precisamente, “A Fúria do Dragão”), que olha para a Nigéria sem se esquecer do chão que pisa – ou seja, é afro-beat mas não propriamente. São, e sabe quem os viu ao vivo, um frenesim hipnótico irresistível a todos aqueles com coração que bombeie sangue a bom ritmo.

A noite será partilhada com Bilan,

e avisamos que convém estar de olho nele. Cabo-verdiano, é um tradicionalista renovador, no mesmo sentido em que o foram, no Brasil de 1960, os tropicalistas. Ou seja, há na sua música mornas e coladeras (devidamente “sambadas”), há essa tradição contadora de histórias e ritmos, mas também uma vontade de trazer essa memória até ao presente – o que Bilan, 28 anos, faz com uma sensibilidade que prenuncia um futuro muito

Pré-época

“Between Waves”, o novo disco de David Fonseca, está em pré-venda nas lojas Fnac desde 6 de Outubro (são duas edições especiais à escolha: uma mais modesta e outra mais avantajada), e começa esta semana a ser apresen-tado ao vivo para pequenas plateias seleccionadas. Amanhã, às 22h, David Fonseca

faz um “showcase” no Teatro de Vila Real, ao qual se seguem outros no Teatro Municipal de Faro (dia 27), no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz (dia 28), no Teatro Pax-Júlia de Beja (dia 29) e no Teatro

Aveirense (dia 30). A entrada

é gratuita mas para

ter direito ao convite é preciso

estar na posse de uma das edições especiais de “Between Waves” ou de um bilhete para a digressão que começa a 14 de Novembro.

- Auditório. Avenida 25 de Abril, às 21h30. Tel.: 234397260. 12€.

Spok Frevo OrquestraPorto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 22h. Tel.: 220120220. 15€.

Liebman/Eskelin QuartetCom Dave Liebman (saxofone), Ellery Eskelin (saxofone), Anthony Marino (contrabaixo), Jim Black (bateria). Leiria. Teatro Miguel Franco - Centro Cultural. Largo Santana, às 22h. Tel.: 244860480. 10€.

Festival de Jazz da Alta Estremadura 2009.

segunda 26Bebel GilbertoLisboa. Aula Magna. Alam. Universidade, às 22h. Tel.: 217967624. 28€ a 35€.

terça 27Mike SternCom Mike Stern (guitarra), Randy Brecker (trompete), Dave Weckl (bateria), Chris Doky (contrabaixo e baixo eléctrico). Lisboa. Cinema São Jorge - Sala 1. Av. Liberdade,

175, às 21h30. Tel.: 213103400. 25€ a 37€.

quarta 28Jon Hassell & Maarifa StreetCom Jon Hassell (trompete e teclados), Dino Deane (sampler e live sampling), Jan Bang (sampler e live sampling), Kheir-Eddine M’Kachiche (violino). Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52, às 22h. Tel.: 218438801. 12€.

Ver texto na pág. 24

Jorge DrexlerLisboa. Cinema São Jorge - Sala 1. Av. Liberdade, 175, às 21h30. Tel.: 213103400. 20€.

Itinerário do SalDe Miguel Azguime / Miso Ensemble. Guarda. Teatro Municipal - Pequeno Auditório. R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 5€.

Festival Y #07.

quinta 29MarizaPorto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 22h. Tel.: 223394947. 18€ a 40€.

Orquestra GulbenkianDirecção musical de Simone Young. Com Kyril Zlotnikov (violoncelo). Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A, às 21h. Tel.: 217823700.

Obras de Brahms, Britten e Schubert.

Cave + AspenPorto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30, às 23h. Tel.: 222012500. 7€.

Orquestra Metropolitana de LisboaCoimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. República, às 21h30. Tel.: 239855636. Entrada gratuita.

Obras de Arriaga, Webern, Sibelius, Baber e Bartók.

Fausto Neves e Síntese - Grupo de Música ContemporâneaGuarda. Teatro Municipal - Pequeno Auditório. R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 5€.

Síntese - Ciclo de Música Contemporânea da Guarda.

ce no Santiago Alquimista

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Teatro

EstreiamÀs Vezes as Luzes Apagam-seDe Cláudia Varejão e Pedro Gil. Com Beatriz Pessoa, Daniel Duarte, Duarte Águas, Filipa Silva, entre outtos.Lisboa. Centro Cultural de Belém - Pequeno Auditório. Praça do Império. De 29/10 a 30/10. 5ª às 21h. 6ª às 15h e às 21h. Tel.: 213612400. 3€

Festival Temps d’Images 2009Ver texto na pág. 26 e segs.

Emilia GalottiDe Gotthold Ephraim Lessing. Encenação de Nuno M Cardoso. Com Albano Jerónimo, Ana Bustorff, Carlos Pimenta, Dinarte Branco, Rita Calçada Bastos, Teresa Tavares.Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De 28/10 a 08/11. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 223401905. 5€ a 15€.

West CoastDe e com Daniel Worm dAssumpção, Márcia Lança, entre outros. Pela Truta. Encenação de Rúben Tiago.Lisboa. Centro Cultural de Belém - Sala de Ensaio. Praça do Império. De 24/10 a 28/10. 2ª a 4ª às 21h. Sáb. às 19h. Dom. às 15h. Tel.: 213612400. 10€.

Contos em Viagem - BrasilPelo Teatro Meridional. Encenação de Miguel Seabra. Com Gina Tocchetto e António Pedro.Faro. Centro de Artes Performativas do Algarve (CAPa). R. Frei Lourenço de Santa Maria, 4. De 23/10 a 24/10. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 289828784. 5€ a 6€.

El corazón, la boca, los hechos y la vidaDe e com David Fernández.Guarda. Teatro Municipal - Pequeno Auditório. R. Batalha Reis, 12. 24/10. Sáb. às 21h30. Tel.: 271205240. 5€.

Festival Y#07.

ContinuamChe CosaDe Elsa Aleluia. Com Ana Moreira,

Elsa Aleluia e Miguel Ramos.Aveiro. Estúdio Performas. LG. do Mercado, 1. Até 24/10. 6ª e Sáb. às 22h. Tel.: 234192331.

MansardaPela Circolando. Encenação de André Braga, Cláudia Figueiredo. Com Inês Mariana Moitas, Patrick Murys, entre outros.Lisboa. CCB - Pequeno Auditório. P;. do Império. De 23/10 a 25/10. 6ª e Sáb. às 21h. Dom. às 17h. Tel.: 213612400. 12,5€ a 15€.

A Orelha de DeusDe Jenny Schwartz. Encenação de Cristina Carvalhal. Com Cucha Carvalheiro, Luísa Cruz, Manuel Wiborg, Sandra Faleiro, entre outros.Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. De 23/10 a 24/10. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 232480110. 5€ a 10€.

Nada do que dissemos até agora teve a ver comigoDe Rita Natálio. Com António Júlio, Cláudio da Silva e Nuno Lucas.Fundão. A Moagem - Cidade do Engenho e das Artes. Largo da Estação. 24/10. Sáb. às 21h30. Te.: 275774052 / 275773032.

Festival Y#07.

A CaravanaDe Nuno Pino Custódio. Pelo Teatro Meridional. Encenação de Nuno Pino Custódio. Com Carlos Pereira, Catarina Guerreiro, entre outros.Vila Real. Teatro de Vila Real. Al. de Grasse. Dia 23/10. 6ª às 22h. Tel.: 259320000.

MunaDe e com Ana Vitorino, Carlos Costa e Catarina Martins. Pelo Visões Úteis.Porto. Teatro Helena Sá e Costa. R. da Escola Normal, 39. De 23/10 a 24/10. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 225189982.

ContratemposDe Francisco Campos. Pelo Projecto Ruínas. Encenação de Francisco Campos. Com Carlos Marques, Joana Bárcia, entre outros.Montemor-o-Novo. Cine-Teatro Curvo Semedo. Lg. Dr. António José de Almeida. Até 25/10. 5ª a Dom. às 21h30. Tel.: 266898104.

NormaDe Ricardo Alves e Salgueirinho Maia. Pela Palmilha Dentada. Encenação de Ricardo Alves. Com Ivo Bastos, Rodrigo Santos.Porto. Sala Estúdio Latino. R. Sá da Bandeira, 108. Até 15/11. 4ª a Dom. às 21h46. Tel.: 222003595. 4,49€ a 9,99€.

Ifigénia na TáuridaDe Goethe. Pelo Teatro da Cornucópia. Encenação de Luis Miguel Cintra. Com Beatriz Batarda, e Luis Miguel Cintra,entre outros.Lisboa. Teatro da Cornucópia - Bairro Alto. R. Tenente Raúl Cascais 1A. Até 01/11. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213961515. 15€.

Dança

ContinuamTalk Show - Até se Apagar o CorpoDe Rui Horta. Com Adriana Queiroz, Miguel Moreira, João Martins, Beatriz Pereira.Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande Auditório. Avenida D. Afonso Henriques, 701. Dia 24/10. Sáb. às 22h. Tel.: 253424700. 10€ a 12,50€.

NortadaDe Olga Roriz. Com Catarina Câmara, Rafaela Salvador, entre outros.Lisboa, Teatro Camões. Parque das Nações. De 29/10 a 31/10. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 218923470. 10€ a 15€.

Das Coisas Nascem CoisasDe Cláudia Dias. Com Cláudia Dias, Márcia Lança, Rui Silveira.Évora. Companhia de Dança Contemporânea de Évora - Sala Black Box. Rua Anibal Tavares, 2 - Zona Industrial Almeirim Norte. 29/10. 5ª às 21h30. Tel.: 266743492. 2,5€ a 5€.

10º Festival Internacional de Dança Contemporânea.

MaiorcaDe Paulo Ribeiro. Com Marta Cerqueira, Romulus Neagu e Pedro Burmester, entre outros.Braga. Theatro Circo. Av. Liberdade, 697. Dia 27/10. Sáb. às 21h30. Tel.: 253203800. 10€.

Lisboa. O Negócio. R. de O Século, 9 - Páteo de Santa Clara Pta. 5. Até 27/10. 2ª a Dom. às 21h30. Tel.: 213430205. 5€ a 7,5€.

Estamos no teatro, no Negócio (ZDB), na Rua de O Século. Há três cadeiras no palco, como aquelas em que nos sentamos quando estamos numa sala de espera. Na verdade estamos mesmo à espera que o ensaio comece. Além das cadeiras, só os tripés de luz povoam o espaço cenográfico. É tudo muito simples e também não adianta ficar com a expectativa de muita acção, porque neste “Huis-Clos” da Mala Voadora quem percorre a sala de teatro, age e sua é o texto do filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre (1905-1980).

O encenador Jorge Andrade explica-nos que neste trabalho aposta mais no texto do que na representação em si. Não há movimento. “Estamos livres da acção. O interlocutor de cada personagem é o público”. As três

personagens - Garcin ( Jorge Andrade), Inês (Sílvia Filipe) e Estela (Anabela Almeida)

- não se olham quando falam umas com as outras e só se movem para rodar de lugar nas três cadeiras. O texto de Sartre aqui é “tratado como objecto”. A proposta é que o “público construa as imagens”, continua jorge andrade: “A peça funciona como um jogo de espelhos, e por isso optámos por não ter acção cénica. Acho que iria diminuir o potencial implícito no texto”. De resto, as personagens “descrevem as acções que vêem na Terra e as suas próprias acções”, ali no inferno.

Esse “jogo de espelhos reflecte-se no discurso das personagens quando começam a falar dos seus antepassados e sobre os motivos que os levaram até o inferno”, onde passam o tempo, muito apropriadamente, a infernizar-se. Quando Garcin fala da sua esposa e da sua amante, implicitamente pensamos em Inês e Estela. Esta, Por sua vez, conta que casou com um homem rico e velho, sendo que

O inferno é onde nós quisermosA Mala Voadora põe um texto de Jean-Paul Sartre, “Huis-Clos”, a suar no palco da ZDB, em Lisboa. Cláudia Silva

Huis-ClosDe Jean-Paul Sartre. Pela Mala Voadora. Encenação de Jorge Andrade. Com Anabela Almeida, Bernardo de Almeida, Jorge Andrade e Sílvia Filipe.

Agenda

Lisboa. O Negócio. R. de O Século, 9 - Páteo de Santa Clara Pta. 5. Até 27/10. 2ª a Dom. às 21h30. Tel.:

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- não se ocom as ourodar de

Garcin já havia dito que tinha retirado a sua esposa (na Terra) da miséria. Inês diz que se intrometeu na vida conjugal de um “homem e uma mulher”, que podiam ser Garcin e Estela.

O texto de Sartre sublinha até que ponto a nossa identidade é construída a partir dos outros. “São os outros que nos constroem. Eu serei provavelmente uma coisa diferente para uma pessoa do que serei para outra”, diz o encenador. É provavelmente por isso que está presente nesta peça uma personagem estrangeira ao contexto francês, supõe o encenador. Garcin é um jornalista do Rio de Janeiro, um pacifista que foge para o México quando uma guerra explode no seu país.

Estão mortos e a sala onde os encontramos é o inferno. Podia não ser uma sala, e podia nem sequer ter um tecto. Afinal, é aqui que garcin pronuncia uma das mais famosas frases de sartre, e de todo o existencialismo: “o inferno são os outros”.

As personagens “Huis-Clos” movem-se num jogo de espelhos

A “Mansarda” da Circolando chega agora a Lisboa

“West Coast”, a nova criação da Truta

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Exp

osqualquer verdade sobre os acontecimentos retratados, estes testemunham uma realidade traumática, ainda silenciada, neste caso descoberta no meio de velharias.

Os vídeos são apresentados em paralelo com duas novas séries de trabalhos com o título genérico “Recolhendo os Ossos” e ainda com outras obras, criações através das quais se coloca em evidência não só a forma como o artista utiliza diferentes meios na tentativa de agarrar cada imagem encontrada, mas também o seu processo de feitura, que funciona cumulativamente: as fotografias levaram à realização dos vídeos e de várias fotomatons, modelos para um conjunto de desenhos posteriores, nos quais se pode ver alguma herança do surrealismo ou não estivéssemos no domínio do fantasmático. Podemos também ver na mostra uma reflexão sobre os modos de apreensão de uma realidade através da sua representação: os instantâneos encontrados por Daniel Barroca constituem o motivo para este questionamento, que é resolvido pelo progressivo distanciamento relativamente à fonte, transformando-a em traços, manchas e linhas, nessa dúvida permanente feita desenho, vídeo à beira da invisibilidade, som sem origem determinada.

Com uma montagem algo dispersa, a exposição constitui, porém, um momento assinalável de um percurso consistente: ainda este ano, Daniel Barroca apresentou no 7Days Project – uma ideia de Margarida Mendes então situada no espaço Round the Corner, no Teatro da Trindade, Lisboa –, “Sem Chão#9”, uma mostra habitada por um vídeo, desenhos e poemas, que também se lia em camadas, as quais ecoavam uma nas outras, sempre com uma atenção muito particular dada ao detalhe, ao fragmento: “o meu pai/o teu pai/do outro lado da /morte /ao som da glória/da história/do mundo inteiro.”

A obra deste artista é assim uma das que se destaca entre as da sua geração, facto evidente a partir do Prémio EDP Novos Artistas (Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, 2003) e sobretudo de “Estilhaço”, individual realizada na Fundação Carmona e Costa, em 2006, na qual Daniel Barroca escrevia: “Era uma questão política, o silêncio. No seio da multidão, o silêncio do exílio. A violenta sedimentação do velho silêncio, organizava o novo silêncio.” Um trabalho silencioso, sobre a mudez das imagens, do trauma que regressa sempre, por entre os escombros, quando parecia esquecido, mesmo por quem perpetuou esse confronto entre um soldado e um lagarto morto, algures na Guiné-Bissau, entre 1972 e 1974.

O ponto de partida de “Soldier Playing With Dead Lizard” é um conjunto de pequenas fotografias tiradas algures na Guiné-Bissau entre 1972 e 1974

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Uma questão políticaTendo como pano de fundo a Guerra Colonial, trabalhos de Daniel Barroca, na Galeria Fernando Santos, no Porto. Óscar Faria

Recolhendo os OssosDe Daniel Barroca.

Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel Bombarda, 526/536. Tel.: 226061090. Até 31/10. 3ª a 6ª das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h.

Vídeo, Fotografia, Desenho.

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Não são raras as vezes em que os trabalhos de Daniel Barroca (Lisboa, 1976) parecem surgir de uma espécie de limbo, de um acordar recente, momento em que as imagens, ainda difusas, recusam ser integradas num espaço e num tempo concretos. Com os contornos diluídos, desfocadas, estilhaçadas, as obras do artista confrontam o espectador com uma dimensão fantasmática: tudo parece querer esgotar-se nos detalhes e, contudo, é impossível deixar de regressar uma e outra vez a este passado sem identidade, a cada um destes fragmentos da morte.

Na Galeria Fernando Santos, numa exposição com curadoria de Nuno Faria, Daniel Barroca revela um assinalável corpo de trabalhos, entre os quais a série de oito vídeos

“Soldier Playing With Dead Lizard”, concebidos durante a residência que o artista efectuou no Künstlerhaus Bethanien, em 2008. O ponto de partida para estas obras foi um conjunto de pequenas fotografias encontradas numa feira de objectos usados, nas quais se observam episódios relacionados com a Guerra Colonial na Guiné-Bissau. O artista, através de enquadramentos em que amplia, por vezes até à desfocagem, as imagem originais – juntando-lhes uma banda sonora proveniente de gravações realizadas pelo seu pai no mesmo período histórico –, tenta obter uma resposta destes documentos; eles recusam-se, porém, a ser decifrados, mesmo após a análise detalhada de cada instantâneo. Apesar desta dificuldade em aceder a uma

InauguramBrrrrainDe António Olaio.Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. Tel.: 217905155. De 23/10 a 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h (última admissão às 19h30). Inaugura 23/10 às 22h.

Pintura, Vídeo.

Jos De Gruyter e Harald ThysLisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. Tel.: 217905155. De 23/10 a 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e Feriados das 14h00 às 20h (última admissão às 19h30). Inaugura 23/10 às 22h.

Vídeo, Escultura, Fotografia.

Sem Saída, Ensaio Sobre o OptimismoDe Augusto Alves da Silva.Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. De 23/10 a 31/01. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Inaugura 23/10 às 22h.

Fotografia.

Índia - Mito, Sensualidade e FicçãoSintra. Sintra Museu de Arte Moderna Colecção Berardo. Av. Heliodoro Salgado. Tel.: 219248170. De 23/10 a 11/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 23/10 às 21h30.

Documental, Fotografia, Vídeo, Objectos, Outros.

Works on PaperDe Michael Biberstein.Lisboa. Appleton Square. Rua Acácio Paiva, 27 - r/c. Tel.: 210993660. De 29/10 a 21/11. 3ª a Sáb. das 14h às 19h. Inaugura 29/10 às 22h.

Pintura.

ContinuamAnos 70 - Atravessar FronteirasLisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 03/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

Pintura, Escultura, Fotografia, Instalação, Outros.

Jesper JustLisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

Vídeo, Instalação.

A Interpretação dos SonhosDe Jorge Molder.Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 27/12. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

Fotografia.

Amália, Coração IndependenteLisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 31/01. 6ª das 10h às 22h (última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 19h (última admissão às 18h30).

Documental, Pintura, Vídeo, Objectos, Outros.

Amália, Coração IndependenteLisboa. Museu da Electricidade. Avenida Brasília - Edifício Central Tejo. Tel.: 210028120. Até 31/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

Documental, Pintura, Vídeo, Objectos, Outros.

Obras de Paula RegoDe Paula Rego.Cascais. Casa das Histórias - Paula Rego. Av. da República, 300. Tel.: 214826970. Até 18/03. 2ª a Dom. das 10h às 22h. Entrada livre.

Desenho, Pintura.

Quick, Quick, SlowLisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 29/11. 6ª das 10h00 às 22h (última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 19h (última admissão às 18h30).

Design. Experimenta Design 2009.

TimelessLisboa. Museu do Oriente. Av. Brasília - Edifício Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte. Tel.: 213585200. Até 08/11. 6ª das 10h às 22h. 2ª, 4ª, 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 18h.

Design. Experimenta Design 2009.

Agenda

António Olaio na Culturgest

Augusto Alves da Silva em Serralves

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