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    A Educao Especial naPerspectiva da Incluso Escolar

    Transtornos Globais do Desenvolvimento

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    MINISTRIO DA EDUCAOSECRETARIA DE EDUCAO ESPECIAL

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR

    A Educao Especial naPerspectiva da Incluso Escolar

    Transtornos Globais do Desenvolvimento

    AutoresJos Ferreira Belisrio FilhoPatrcia Cunha

    Braslia

    2010

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    Projeto e Produo GrficaCarlos Sena

    Pr-Impressondice Gesto EditorialCarlos Sena e Daniel Siqueira

    Gerao de udioDigital Acessible Information System (Daisy)ndice Gesto Editorial

    Comisso OrganizadoraMaria Tereza Eglr MantoanRita Vieira de Figueiredo

    Esta uma publicao da Secretaria de EducaoEspecial do Ministrio da Educao.Esplanada dos Ministrios, Bloco L, 6 andar, Sala 600CEP: 70047-900 Braslia / DF.Telefone: (61) 2022-7635

    Distribuio gratuitaTiragem desta edio: 60 mil exemplares

    Belisrio Filho, Jos Ferreira.A Educao Especial na Perspectiva da

    Incluso Escolar : transtornos globais dodesenvolvimento / Jos Ferreira Belisrio Filho,Patrcia Cunha. - Braslia : Ministrio da Educao,Secretaria de Educao Especial ; [Fortaleza] :Universidade Federal do Cear, 2010.

    v. 9. (Coleo A Educao Especial naPerspectiva da Incluso Escolar)

    ISBN Coleo 978-85-60331-29-1 (obra compl.)ISBN Volume 978-85-60331-38-3 (v. 9)

    1. Incluso escolar. 2. Educao especial. I.Cunha, Patrcia. II. Brasil. Ministrio da Educao.Secretaria de Educao Especial. III. UniversidadeFederal do Cear. IV. A Educao Especial naPerspectiva da Incluso Escolar.

    CDU 376

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    Sumrio

    Aos Leitores 7

    1. As diferentes compreenses do autismo - da identificao aos dias de hoje 8

    1.1. Os Primeiros Estudos: Leo Kanner

    1.2. Os Primeiros Estudos: Hans Asperger

    1.3. Leo Kanner e Hans Asperger

    1.4. Influncias dos Estudos de Leo Kanner1.5. Os Diferentes Modelos Explicativos do Autismo

    2. Transtornos globais do desenvolvimento 12

    2.1. Autismo

    2.2. Sndrome de Rett

    2.3. Transtorno de Asperger

    2.4. Transtorno Desintegrativo da Infncia

    2.5. Transtorno Global do Desenvolvimento sem Outra Especificao

    2.6. O Espectro Autista

    3. Aspectos importantes dos transtornos globais do desenvolvimento 17

    para a educao escolar

    3.1. Funo Executiva

    3.2. Teoria da Mente

    4. A formao e a aprendizagem da criana com transtorno global 21

    do desenvolvimento

    4.1. A Criana ao Ingressar na Escola

    4.2. A Famlia

    4.3. O Desenvolvimento da Funo Executiva de Alunos com Transtornos

    Globais do Desenvolvimento na Escola

    4.4. O Desenvolvimento da Cognio Social de Alunos com Transtornos

    Globais do Desenvolvimento na Escola

    4.5. Estratgias que Propiciam a Formao e a Aprendizagem da Criana

    com Transtornos Globais do Desenvolvimento

    4.6. A Comunicao

    4.7. O Trabalho em Sala de Aula

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    4.8. O Registro Escolar

    4.9. O Atendimento Educacional Especializado e o Aluno com Transtornos

    Globais do Desenvolvimento

    Consideraes finais 39

    Referncias 40

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    Aos Leitores

    O presente fascculo tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento de prticas inclu-

    sivas na educao escolar de alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento - TGD.

    A elaborao deste texto disponibiliza subsdios tericos necessrios compreenso

    do transtorno numa perspectiva de interface com a educao escolar. Isso significa que,

    embora se tenha recorrido ao campo da psiquiatria para melhor compreender as manifes-

    taes do transtorno no cotidiano do aluno na escola, o empenho contextualiz-lo no

    mbito educacional.

    O fascculo aborda, tambm, as prticas escolares com o objetivo de propiciar a supera-o das dificuldades iniciais e o desenvolvimento de competncias sociocognitivas das cri-

    anas com este transtorno. Tais prticas decorrem da observao de situaes reais em es-

    colas pblicas de educao infantil e fundamental e da busca de subsdios tericos que

    permitissem compreender o desenvolvimento efetuado pelos alunos por meio da escola-

    rizao, de modo a sistematizar as estratgias pedaggicas a serem compartilhadas com

    outras escolas.

    Esperamos que o contedo deste fascculo contribua com os professores da educao

    bsica, que atuam na sala de aula comum e no Atendimento Educacional Especializado -

    AEE, quando estiverem diante da oportunidade de atuar junto ao aluno com TranstornoGlobal do Desenvolvimento.

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    1. AS DIFERENTES COMPREENSES DO AUTISMO - DA IDENTIFICAO DO QUADROAOS DIAS DE HOJE

    Os Transtornos Globais do Desenvolvimento - TGD - representam uma categoria na qual esto

    agrupados transtornos que tm em comum as funes do desenvolvimento afetadas. Entretanto, es-

    te conceito recente e s pode ser proposto devido aos avanos metodolgicos dos estudos e supe-

    rao dos primeiros modelos explicativos sobre o autismo.

    Para que se possa melhor compreender os TGD e a importncia desse conceito, iniciaremos

    abordando a compreenso do autismo ao longo da histria, embora ele seja, atualmente, um dos

    Transtornos Globais do Desenvolvimento.

    As primeiras descries do autismo foram feitas nos anos 40. Os aspectos ento priorizados para

    estudo e os pontos de vista a partir dos quais o quadro foi descrito e compreendido influenciaram as

    abordagens prticas de ajuda e tratamento.

    Esta influncia no se deu por se tratar do autismo, mas pelo fato de que todo estudo, abordageme conhecimento tm como conseqncia inerente a adoo ou excluso de intervenes prticas.

    No mbito educacional, a influncia dos modelos explicativos sobre o autismo, ao longo da hist-

    ria, determinou as primeiras iniciativas de interveno no ensino que, entretanto, foram muito espec-

    ficas e distanciadas daquelas desenvolvidas no meio social inerente escola como a conhecemos hoje.

    Esse fato histrico encontra-se implicado na surpresa e no desafio vivenciados hoje pelos professo-

    res nas diversas redes de ensino ao se verem, pela primeira vez, diante da oportunidade de receber

    uma criana com autismo em suas turmas. Apesar de toda a surpresa, as prticas desenvolvidas por

    estes professores se tornam uma novidade e uma importante contribuio na construo do conheci-

    mento a respeito do autismo e das potencialidades da educao escolar na vida dessas crianas.Para que possamos dimensionar tal novidade, importante seguirmos a trajetria histrica da

    abordagem do autismo, desde a primeira descrio at os dias de hoje.

    O Autismo nos fascina!

    "Desde 1938, chamaram-nos a ateno vrias crianas cujo quadro difere tanto e to peculiarmente de qual-

    quer outro tipo conhecido at o momento que cada caso merece - e espero que venha a receber com o tempo - uma

    considerao detalhada de suas peculiaridades fascinantes" Leo Kanner, 1943.

    Nas primeiras descries do autismo, o fascnio se fez evidente. Aatitude indiferente das crianasobservadas, em situaes prprias para a troca social, parece ter sido o motivo desse fascnio.

    De fato, se pensarmos na importncia que as trocas sociais tm na nossa vida, desde a infncia,

    possvel entender como as atitudes sistemticas de indiferena ou alheamento em relao ao compar-

    tilhamento social podem nos ser intrigantes.

    1.1. OS PRIMEIROS ESTUDOS: LEO KANNER

    O termo autismo foi utilizado pela primeira vez em 1911, por Bleuler, para designar a perda de

    contato com a realidade e conseqente dificuldade ou impossibilidade de comunicao.

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    Em 1943, o mdico austraco radicado nos Estados Unidos da Amrica - Leo Kanner - obser-

    vou onze crianas que passaram por sua consulta e escreveu o artigo: "Os transtornos autistas do

    contato afetivo" (1943).

    Com base nos aspectos que chamaram sua ateno, podemos dizer que ele identifica como trao

    fundamental do autismo a "incapacidade para relacionar-se normalmente com as pessoas e as situa-

    es" (1943, p. 20).

    Vamos conhecer um pouco da descrio de Leo Kanner sobre o autismo:

    As relaes sociais e afetivas:

    Desde o incio h uma extrema solido autista, algo que, na medida do possvel, desconsidera, igno-

    ra ou impede a entrada de tudo o que chega criana de fora. O contato fsico direto e os movimen-

    tos ou rudos que ameaam romper a solido so tratados como se no estivessem ali, ou, no bas-

    tasse isso, so sentidos dolorosamente como uma interferncia penosa" (KANNER, 1943).

    A comunicao e a linguagem:

    L. Kanner descreveu a ausncia de linguagem (mutismo) em algumas crianas, seu uso estranho nas

    que a possuem, a presena de ecolalia, a aparncia de surdez em algum momento do desenvolvimen-

    to e a falta de emisses relevantes.

    A relao com as mudanas no ambiente e a rotina:

    A conduta da criana " governada por um desejo ansiosamente obsessivo por manter a igualdade,

    que ningum, a no ser a prpria criana, pode romper em raras ocasies" (1943, p. 22).

    Memria:

    Capacidade surpreendente de alguns em memorizar grande quantidade de material sem sentido ou

    efeito prtico.

    Hipersensibilidade a estmulos:

    Muitas crianas reagiam intensamente a certos rudos e a alguns objetos. Tambm manifestavam pro-

    blemas com a alimentao.

    1.2. OS PRIMEIROS ESTUDOS: HANS ASPERGER

    Poucos meses depois de Kanner, o mdico vienense Hans Asperger descreveu os casos de vrias

    crianas vistas e atendidas na Clnica Peditrica Universitria de Viena.

    Asperger no conhecia o trabalho de Kanner e "descobriu" o autismo de modo independente. Pu-

    blicou suas observaes em 1944: "APsicopatia autista na infncia".

    As descries do autismo feitas por Asperger foram publicadas em alemo, no ps-guerra, e no

    foram traduzidas para outra lngua, o que provavelmente contribuiu para prolongar o perodo de

    desconhecimento a respeito de seus estudos, at a dcada de 80.

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    A seguir, apresentamos um pouco da descrio de Hans Asperger sobre o autismo:

    As relaes sociais e afetivas:Asperger identificava como trao fundamental a limitao de suas relaes sociais, considerando que

    toda a personalidade da criana est determinada por esta limitao.

    A comunicao e a linguagem:Estranhas pautas expressivas e comunicativas, anomalias prosdicas e pragmticas.

    As anomalias prosdicas so alteraes das propriedades acsticas da fala - ritmo e entonao, cons-

    tituindo uma fala estranha nesses aspectos. As anomalias pragmticas dizem respeito a uma comu-

    nicao restrita a significados implcitos ou a serem inferidos. Do ponto de vista da comunicao re-

    ceptiva, esta anomalia representa a dificuldade de compreender um chiste ou o sentido ambguo de

    palavras ou expresses.

    Pensamento:Compulsividade e carter obsessivo de seus pensamentos.

    Comportamento e atitudes:Tendncia a guiar-se de forma alheia s condies do meio.

    1.3. LEO KANNER E HANS ASPERGER

    As observaes dos casos de Kanner e Asperger apresentam semelhanas e diferenasque nos interessam.

    No que tange s diferenas, cabe ressaltar que Asperger preocupava-se com o aspecto educacio-

    nal dessas crianas, preocupao que no era pauta nos estudos de Kanner.

    Tambm so evidentes as diferenas entre as crianas observadas por um e por outro mdico,

    principalmente no desenvolvimento da comunicao e da linguagem. Posteriormente, essas diferen-

    as caracterizaram quadros distintos: o autismo e o transtorno de Asperger.

    Como semelhanas, podemos identificar o aspecto considerado como fundamental no autismo e

    os demais aspectos descritos, exceo da comunicao e linguagem. No poderamos deixar de

    mencionar que, tambm para Asperger, o autismo parecia fascinante.

    1.4. INFLUNCIAS DOS ESTUDOS DE LEO KANNER:

    Nos estudos de Leo Kanner, esto descritas as principais caractersticas do autismo. Entretanto,

    seus estudos tambm geraram certa confuso, alm de conseqncias tericas e prticas determinan-

    tes, nas abordagens de atendimento e compreenso das necessidades das pessoas com autismo.

    At a dcada de 70, persiste certa confuso do ponto de vista do diagnstico, conforme segue:

    O termo "autismo" j havia sido usado para referir-se esquizofrenia, podendo postular uma

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    correlao indevida entre os dois diagnsticos;

    Por no ter sido levada em considerao a idade da manifestao do quadro, outros diagns-

    ticos poderiam ser confundidos com autismo;

    Estudos posteriores de Kanner reduzem as caractersticas principais do quadro ou conside-

    ram parte das caractersticas observadas como secundrias, acarretando diagnsticos com sin-

    tomas que, na verdade, no apareceriam no autismo.

    1.5. OS DIFERENTES MODELOS EXPLICATIVOS DO AUTISMO

    At a dcada de 60, o autismo foi considerado um transtorno emocional, causado pela incapaci-

    dade de mes e/ou pais de oferecer o afeto necessrio durante a criao dos filhos. Isso produziria al-

    teraes graves no desenvolvimento de crianas.

    A formulao dessa hiptese se baseava apenas na descrio de casos, e no havia comprovao

    emprica. Posteriormente, essa correlao se mostrou falsa, pois estudos mostraram que no havia di-ferena significativa entre os laos afetivos de pais de crianas autistas e de outras crianas. Alm dis-

    so, novos estudos evidenciavam a presena de distrbios neurobiolgicos.

    Durante as duas dcadas seguintes, pesquisas empricas, rigorosas e controladas levaram hip-

    tese da existncia de alterao cognitiva que explicaria as caractersticas de comunicao, linguagem,

    interao social e pensamento presentes no autismo. Nesse perodo de tempo, surgiram escolas es-

    pecficas para pessoas com autismo.

    Posteriormente, as pesquisas fundamentadas em dados estabeleceram importantes modelos ex-

    plicativos. O autismo passa a ser estudado e compreendido enquanto um transtorno do desenvolvi-

    mento. Deixa de ser apontado como uma psicose infantil para ser entendido como um TranstornoGlobal (ou Invasivo) do Desenvolvimento.

    Os diferentes modelos explicativos do autismo, de 1943 aos dias de hoje, implicaram, a cada mo-

    mento histrico, diferentes impactos para as famlias e para as crianas com autismo:

    As primeiras descries do autismo, ao considerar o isolamento como um desejo da criana e a in-

    terferncia de outra pessoa no ambiente, na rotina e na "solido" como algo penoso, trouxeram em

    conseqncia o reforo do isolamento dessas crianas. Havia a tendncia de se proteger a crian-

    a em relao a essas interferncias, tanto nos espaos formais de tratamento e educao, quantonos espaos informais;

    As intervenes educacionais, quando comearam a ser implementadas, ocorreram em circunstn-

    cias ambientais artificiais, j que previam controle e reduo de estmulos e atendimentos indivi-

    dualizados ou com outras pessoas que tambm apresentavam o mesmo transtorno. Se a compre-

    enso era de que os estmulos e a abordagem social poderiam causar sofrimento, por conseqn-

    cia, no se oportunizou maioria dessas crianas a exposio ao meio social;

    Do ponto de vista da famlia, por duas dcadas, os pais se viram diante de uma responsabilidade

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    que na verdade no existia. O modelo explicativo, que vinculava o transtorno autista incapaci-

    dade afetiva dos pais, posteriormente comprovado como falso, infligia-lhes culpa e estigma soci-

    al. Em decorrncia desse modelo, surgiram expresses estigmatizantes como "me geladeira". A

    experincia de ter um filho com autismo, por muito tempo, ento, consistia num impacto terrvel

    do ponto de vista emocional, acarretando, muitas vezes, sofrimento e atitudes de superproteo,

    decorrentes do sentimento de culpa, os quais no contriburam para uma abordagem familiar e

    profissional que proporcionasse a superao das dificuldades da famlia e da criana;

    A ausncia da oferta de educao escolar, durante os primeiros anos de estudo do autismo, leva-

    ram as famlias a viver seus desafios e necessidades parte das demais. Prova disso o fato de

    que as primeiras iniciativas de escolarizao foram patrocinadas por familiares e pais de autis-

    tas, e no pelo estado ou por profissionais e estudiosos da educao. Se, por um lado, resultou

    em militncia das famlias, por outro, pode ter contribudo para o mito, ainda compartilhado

    por muitos, de que apenas quem tem uma criana com autismo na famlia pode saber do queessas crianas necessitam. Esse mito isentou a ns educadores de nossas responsabilidades pa-

    ra com essa parcela da infncia.

    Apartir desse breve histrico e de sua anlise crtica, podemos dimensionar a importncia do mo-

    mento atual da educao brasileira para as crianas com autismo e suas famlias. Aempreitada naci-

    onal, empreendida por pais e gestores no sentido de constituir sistemas de ensino inclusivos, vem re-

    tirando as crianas com autismo e suas famlias do isolamento social histrico a que foram submeti-

    das, enquanto segregadas em escolas especiais, tornando pauta das discusses da gesto educacio-

    nal a responsabilidade e os desafios para a garantia do direito dessas pessoas educao.

    2. TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO

    O conceito de Transtornos Globais do Desenvolvimento surge no final dos anos 60, derivado es-

    pecialmente dos trabalhos de M. Rutter e D. Cohen. Ele traduz a compreenso do autismo como um

    transtorno do desenvolvimento.

    O autismo explicado e descrito como um conjunto de transtornos qualitativos de funes envol-

    vidas no desenvolvimento humano. Esse modelo explicativo permitiu que o autismo no fosse mais

    classificado como psicose infantil, termo que acarretava um estigma para as famlias e para as pr-prias crianas com autismo. Alm disso, o modelo permite uma compreenso adequada de outras

    manifestaes de transtornos dessas funes do desenvolvimento que, embora apresentem seme-

    lhanas, constituem quadros diagnsticos diferentes.

    A compreenso dos transtornos classificados como TGD, a partir das funes envolvidas no

    desenvolvimento, aponta perspectivas de abordagem, tanto clnicas quanto educacionais, bas-

    tante inovadoras, alm de contribuir para a compreenso dessas funes no desenvolvimento

    de todas as crianas.

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    O Transtorno Global do Desenvolvimento no diz respeito apenas ao autismo. Sob essa classifica-

    o se descrevem diferentes transtornos que tm em comum as funes do desenvolvimento afeta-

    das qualitativamente. So eles:

    Autismo;

    Sndrome de Rett;

    Transtorno ou Sndrome de Asperger;

    Transtorno Desintegrativo da Infncia;

    Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificao.

    Com base no Manual de diagnstico e estatstica de transtornos mentais (DSM.IV), elaboramos a

    seguinte sntese.

    Autismo:

    A Educao Especial na Perspectiva da Incluso EscolarTranstornos Globais do Desenvolvimento

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    Caractersticas principais Idade demanifestao

    Importante para odiagnstico diferencial

    Prejuzo no desenvolvimento da interao

    social e da comunicao. Pode haver atraso

    ou ausncia do desenvolvimento da lingua-

    gem. Naqueles que a possuem, pode haver

    uso estereotipado e repetitivo ou uma lin-

    guagem idiossincrtica.

    Repertrio restrito de interesses e atividades.

    Interesse por rotinas e rituais no funcionais.

    Antes dos 3 anos de idade. Prejuzo no funcionamento ou atra-sos em pelo menos 1 das 3 reas:Interao social;Linguagem para comunicao social;Jogos simblicos ou imaginativos.

    Caractersticas principais Idade demanifestao

    Importante para odiagnstico diferencial

    Desenvolvimento de mltiplos dficits especfi-cos aps um perodo de funcionamento normalnos primeiros meses de vida.

    Desacelerao do crescimento do permetroceflico.Perda das habilidades voluntrias das mos ad-quiridas anteriormente, e posterior desenvolvi-mento de movimentos estereotipados seme-lhantes a lavar ou torcer as mos.O interesse social diminui aps os primeirosanos de manifestao do quadro, embora possase desenvolver mais tarde.Prejuzo severo do desenvolvimento da lingua-gem expressiva ou receptiva.

    Primeiras manifesta-es aps os primeiros6 a 12 meses de vida.

    Prejuzos funcionais dodesenvolvimento dos 6meses aos primeirosanos de vida.

    Presena de crises convulsivas.Desacelerao do crescimento do per-metro ceflico.

    Sndrome de Rett:

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    Transtorno de Asperger:

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    Caractersticas principais Idade demanifestao

    Importante para odiagnstico diferencial

    Prejuzo persistente na interao social.Desenvolvimento de padres restritos e repetiti-vos de comportamento, interesses e atividades.

    Tem incio mais tardiodo que o Autismo ou percebido mais tarde(entre 3 e 5 anos). Atra-sos motores ou falta dedestreza motora po-dem ser percebidos an-tes dos 6 anos.

    Diferentemente do Autismo, podemno existir atrasos clinicamente signifi-cativos no desenvolvimento cognitivo,na linguagem, nas habilidades de auto-ajuda apropriadas idade, no compor-tamento adaptativo, exceo da inte-rao social, e na curiosidade pelo am-biente na infncia.

    Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificao:

    Caractersticas principais Idade demanifestao

    Importante para odiagnstico diferencial

    Existe prejuzo severo no desenvolvimento da

    interao social recproca ou de habilidades decomunicao verbal e no-verbal ou comporta-mentos, interesses e atividades estereotipados.

    Quando tais caractersticas esto pre-

    sentes, mas no so satisfeitos os crit-rios diagnsticos para um TranstornoGlobal do Desenvolvimento ou paraoutros quadros diagnsticos como Es-quizofrenia, Transtorno da Personali-dade Esquizotpica ou Transtorno daPersonalidade Esquiva.

    Caractersticas principais Idade demanifestao Importante para odiagnstico diferencial

    Regresso pronunciada em mltiplas reas dofuncionamento, aps um desenvolvimento nor-mal constitudo de comunicao verbal e no-verbal, relacionamentos sociais, jogos e compor-tamento adaptativo apropriado para a idade.As perdas clinicamente significativas das habi-lidades j adquiridas em pelo menos duas re-as: linguagem expressiva ou receptiva, habili-dades sociais ou comportamento adaptativo,controle intestinal ou vesical, jogos ou habilida-

    des motoras.Apresentam dficits sociais e comunicativos easpectos comportamentais geralmente observa-dos no Autismo.

    Aps 2 anos e antesdos 10 anos de idade.

    O transtorno no melhor explicadopelo Autismo ou Esquizofrenia.Excludos transtornos metablicos econdies neurolgicas.Muito raro e muito menos comum doque o Autismo.

    Transtorno Desintegrativo da Infncia:

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    2.1. AUTISMO

    De acordo com o DSM.IV, podemos descrever algumas caractersticas que podem ser manifesta-

    das pelas pessoas com autismo.

    O autismo se caracteriza pela presena de um desenvolvimento acentuadamente prejudica-

    do na interao social e comunicao, alm de um repertrio marcantemente restrito de ativida-

    des e interesses. As manifestaes desse transtorno variam imensamente a depender do nvel de

    desenvolvimento e idade.

    Os prejuzos na interao social so amplos, podendo haver tambm prejuzos nos compor-

    tamentos no verbais (contato visual direto, expresso facial, gestos corporais) que regulam a

    interao social. As crianas com autismo podem ignorar outras crianas e no compreender

    as necessidades delas.

    Os prejuzos na comunicao tambm so marcantes e podem afetar habilidades verbais e no

    verbais. Pode haver atraso ou falta total de desenvolvimento da linguagem falada. Naqueles quechegam a falar, pode existir prejuzo na capacidade de iniciar ou manter uma conversao, uso

    estereotipado e repetitivo da linguagem ou uma linguagem idiossincrtica (uso peculiar de pala-

    vras ou frases no possibilitando entender o significado do que est sendo dito).

    Quando a fala se desenvolve, o timbre, a entonao, a velocidade, o ritmo ou a nfase podem

    ser anormais (ex.: o tom de voz pode ser montono ou elevar-se de modo interrogativo ao final

    de frases afirmativas). As estruturas gramaticais so freqentemente imaturas e incluem o uso

    estereotipado e repetitivo (ex.: repetio de palavras ou frases, independentemente do significa-

    do, repetio de comerciais ou jingles).

    Pode-se observar uma perturbao na capacidade de compreenso da linguagem, como entenderperguntas, orientaes ou piadas simples. As brincadeiras imaginativas em geral so ausentes ou

    apresentam prejuzos acentuados.

    Existe, com freqncia, interesse por rotinas ou rituais no funcionais ou uma insistncia ir-

    racional em seguir rotinas. Os movimentos corporais estereotipados envolvem mos (bater pal-

    mas, estalar os dedos), ou todo o corpo (balanar-se, inclinar-se abruptamente ou oscilar o cor-

    po), alm de anormalidades de postura (ex.: caminhar na ponta dos ps, movimentos estranhos

    das mos e posturas corporais).

    Podem apresentar preocupao persistente com partes de objetos (botes, partes do corpo). Tam-

    bm pode haver fascinao por movimentos (rodinhas dos brinquedos, abrir e fechar portas, venti-ladores ou outros objetos com movimento giratrio).

    2.2. SNDROME DE RETT

    A Sndrome de Rett foi identificada em 1966 por Andras Rett, tendo ficado mais conhecida aps

    o trabalho de Hagberg.

    Do ponto de vista clnico, a Sndrome de Rett pode ser organizada em quatro etapas, de acordo

    com Mercadante (2007), conforme segue:

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    Estagnao precoce:Dos 6 aos 18 meses, caracterizando-se pela estagnao do desenvolvimento, desacelerao do cres-

    cimento do permetro ceflico e tendncia ao isolamento social.

    Rapidamente destrutiva: Entre o primeiro e o terceiro ano de vida, com regresso psicomotora, choro imotivado, ir-

    ritabilidade, perda da fala adquirida, comportamento autista e movimentos estereotipados

    das mos. Podem ocorrer irregularidades respiratrias e epilepsia.

    Pseudoestacionria: Entre os dois e dez anos de idade, podendo haver certa melhora de alguns dos sintomas co-

    mo, por exemplo, o contato social. Presena de ataxia, apraxia, espasticidade, escoliose e bru-

    xismo. Episdios de perda de flego, aerofagia, expulso forada de ar e saliva.

    Deteriorao motora tardia: Inicia-se em torno dos dez anos de idade, com desvio cognitivo grave e lenta progresso de

    prejuzos motores, podendo necessitar de cadeira de rodas.

    Mesmo com a identificao do gene, os mecanismos envolvidos na Sndrome de Rett ainda

    so desconhecidos. Redues significativas no lobo frontal, no ncleo caudato e no mesencfalo

    tm sido descritas, havendo tambm algumas evidncias de desenvolvimento sinptico.

    2.3. TRANSTORNO DE ASPERGER

    De acordo com o DSM.IV, as caractersticas essenciais do Transtorno de Asperger consistem

    em prejuzo persistente na interao social e no desenvolvimento de padres repetitivos de com-

    portamento, interesses e atividades. A perturbao pode causar prejuzo clinicamente significa-

    tivo nas reas social, ocupacional ou em outras reas importantes do funcionamento.

    Diferentemente do que ocorre no Autismo, no existem atrasos significativos na lingua-

    gem. Tambm no existem atrasos significativos no desenvolvimento cognitivo ou nas habili-

    dades de auto-ajuda, comportamento adaptativo (outro que no a interao social) e curiosi-

    dade acerca do ambiente na infncia.O Transtorno de Asperger parece ter um incio mais tardio do que o Autismo, ou parece ser

    identificado mais tarde. As dificuldades de interao social podem tornar-se mais manifestas no

    contexto escolar, e durante esse perodo que interesses idiossincrticos (peculiares em relao

    aos interesses comuns s pessoas) ou circunscritos podem aparecer e ser reconhecidos. Quando

    adultos, podem ter problemas com a empatia e modulao da interao social.

    2.4. TRANSTORNO DESINTEGRATIVO DA INFNCIA

    O Transtorno Desintegrativo da Infncia foi descrito pela primeira vez por Heller, em 1908.

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    Foi ento denominado "dementia infantilis". Essa definio, entretanto, no corresponde aoquadro, j que as caractersticas de perda de memria e de habilidades executivas no so pro-eminentes e no h causa orgnica do prejuzo.

    Posteriormente, introduzido na classificao psiquitrica, categorizado como TranstornoGlobal do Desenvolvimento em funo da perda das habilidades sociais e comunicativas proe-minentes. um transtorno extremamente raro.

    Nesse transtorno, no h deteriorao continuada; aps a regresso inicial, chega-se a um es-tado estvel, mas com grande impacto durante toda a vida.

    2.5. TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO SEM OUTRA ESPECIFICAO

    Essa uma categoria diagnstica de excluso. Algum pode ser assim diagnosticado se preenchercritrios no domnio social e apenas mais um dos dois outros domnios. Podem se considerar tam-

    bm pessoas que possuam menos do que seis sintomas no total requerido para o diagnstico do au-tismo ou idade de incio maior do que 36 meses.

    2.6. ESPECTRO AUTISTA

    Em 1979, estudos de Wing e Gould deram origem ao conceito de Espectro Autista. Ao estudarema incidncia de dificuldades na reciprocidade social, perceberam que as crianas afetadas por essasdificuldades tambm apresentavam os sintomas principais do autismo. Aincidncia foi praticamen-te cinco vezes maior do que a incidncia nuclear do autismo. Portanto, so crianas afetadas por di-

    ficuldades na reciprocidade social, na comunicao e por um padro restrito de conduta, sem que se-jam autistas, propriamente ditas, o que permitiu ateno e ajuda a um nmero maior de crianas.

    O Espectro Autista um contnuo, no uma categoria nica, e apresenta-se em diferentesgraus. H, nesse contnuo, os Transtornos Globais do Desenvolvimento e outros que no podemser considerados como Autismo, ou outro TGD, mas que apresentam caractersticas no desenvol-vimento correspondentes a traos presentes no autismo. So as crianas com Espectro Autista.

    3. ASPECTOS IMPORTANTES DOS TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO

    PARA A EDUCAO ESCOLAR

    3.1. FUNO EXECUTIVAPor Funo Executiva, podemos compreender o conjunto de condutas de pensamento que permi-

    te a utilizao de estratgias adequadas para se alcanar um objetivo. "um conjunto de funes res-ponsveis por iniciar e desenvolver uma atividade com objetivo final determinado" (FUSTER, 1997).

    Essa funo se relaciona com a capacidade de antecipar, planificar, controlar impulsos, ini-bir respostas inadequadas, flexibilizar pensamento e ao. Todas essas capacidades so fun-damentais e esto em uso sempre que se faz necessrio agir diante de situaes-problema, si-tuaes novas, na conduo das relaes sociais, no alcance de objetivos ou na satisfao de

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    necessidades e alcance de propsitos, em diferentes contextos, sempre que esteja presente uma

    inteno, um objetivo ou uma necessidade a ser atendida.

    A Funo Executiva o que permite, por exemplo, flexibilizar os modelos de conduta adqui-

    ridos pela experincia, para nos adaptarmos s variaes existentes nas situaes do presente.

    Permite que possamos sincronizar nossas condutas em funo de nossas intenes, consideran-

    do aspectos novos de cada momento e situao.

    Utilizamos nossas capacidades relacionadas a essa funo nas situaes mais simples, como, por

    exemplo, para que possamos obter um copo de gua em diferentes contextos. Essa funo nos per-

    mite que no nos comportemos num ambiente formal, em um consultrio mdico, em um banco ou

    em uma reunio de trabalho, utilizando as mesmas estratgias que utilizamos em casa para matar a

    sede. Nossa conduta para esse fim ser diferente em cada situao, e o impulso de simplesmente to-

    mar para si o copo de gua dever ser inibido ou adiado, a depender da exigncia do ambiente.

    Tambm esto implicadas as mesmas capacidades quando adequamos nossos assuntos e ma-

    neiras em diferentes situaes sociais. Adequamos nossa escolha de assuntos, de palavras, de ati-tudes, bem como adiamos ou deixamos de atender a impulsos para obter um fim social, como,

    por exemplo, ser bem aceito ou conquistar a amizade de algum.

    Para brincar com ambos os exemplos dados, podemos afirmar que est presente a Funo

    Executiva se inibimos o impulso de nos servirmos de gua, sem que nos seja oferecida, para

    parecermos bastante educados diante de uma pessoa da qual temos a inteno de nos aproxi-

    mar. Tambm poderamos dizer que tal funo est presente se aproveitamos o momento em

    que a pessoa da qual queremos nos aproximar serve-se de gua, para iniciar uma conversao,

    pedindo para que nos sirva da mesma gua, mesmo que no estejamos com sede.

    No processo de aprendizagem, utilizamos sistematicamente a Funo Executiva, j que sefaz necessrio utilizar as informaes e procedimentos j aprendidos, adaptando-os s novas si-

    tuaes a serem resolvidas.

    Hoje j est elucidado que a Funo Executiva caracterstica do funcionamento dos lo-

    bos frontais.

    Algumas caractersticas dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, presentes de forma

    mais tpica no Autismo, so semelhantes aos dficits da funo executiva presentes nas pessoas

    que possuem leses dos lobos frontais.

    Os aspectos semelhantes so: ansiedade diante de pequenas alteraes no entorno, insistncia em

    detalhes da rotina, condutas estereotipadas e repetitivas, interesse centrado em detalhes ou parte deinformaes de forma perseverante, dificuldade de perceber o todo e de integrar aspectos isolados.

    H evidncias suficientemente consistentes para supor dficits da Funo Executiva nas pessoas

    com autismo.

    Segundo Goldman - Rakic (1987), as funes pr-frontais (lobos frontais e regies corticais

    pr-frontais) esto implicadas no funcionamento tanto cognitivo quanto scio-emocional.

    Os lobos frontais tm vrias funes: o planejamento da fala, dos atos motores, dos movi-

    mentos do corpo, o controle do humor, dos impulsos, das situaes que envolvam as relaes

    com o ambiente e das demais funes da vida de relao. Eles possibilitam a intencionalida-

    de, a planificao e a organizao da conduta.

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    O mais importante talvez, para ns educadores, a perspectiva de compreender as manifestaes

    das crianas com autismo por meio da Funo Executiva. Isso porque, no desenvolvimento de todas

    as crianas que recebemos na escola, tal funo encontra-se implicada, j que o aprendizado a ser de-

    senvolvido ali se sustenta, em grande parte, no uso dela. Por outro lado, j que nossa atuao, medi-

    ante todas as crianas, como professores, est implicada no aprimoramento e ampliao de possibi-

    lidades de uso dessa funo, essa compreenso a interface que permite identificar possibilidades de

    atuao com nossos alunos com TGD.

    O que Kanner e Eisenberg chamavam de insistncia na invarincia, ou seja, que as pessoas com

    autismo insistem na mesma rotina e reagem a variaes, corresponderia ao conceito neuropsicolgi-

    co de Funo Executiva. Acompreenso de que o autismo implica um transtorno da Funo Execu-

    tiva , atualmente, uma das idias centrais das investigaes. No significa uma simples troca de ter-

    mos, mas trata-se de conceitos muito mais precisos do que aqueles utilizados por Kanner e Eisenberg.

    A Funo Executiva consiste em uma disposio adequada com o fim de alcanar um objetivo. Essa

    disposio pode implicar um ou vrios aspectos:A inteno de evitar ou adiar uma resposta (inibio do impulso de agir imediatamente sobre

    uma situao);

    Um plano estratgico de aes seqenciadas;

    Uma representao mental da tarefa.

    Na Funo Executiva, portanto, est implicada a flexibilidade estratgica. Esta a marca funda-

    mental do funcionamento frontal to desenvolvido no ser humano, pela necessidade de estratgias

    de carter propositivo e dirigidas ao futuro.

    A flexibilidade estratgica permite adiar, inibir, avanar ou retroceder para alcanar um propsi-to. Em testes com tarefas de Funo Executiva, os autistas demonstraram muita inflexibilidade.

    Quando esses testes comparavam pessoas com autismo e com Transtorno de Asperger, evidenciou-

    se a presena de inflexibilidade em ambos, enquanto testes que envolviam tarefas de Teoria da Men-

    te resultaram em diferenas (o conceito de Teoria da Mente ser desenvolvido adiante).

    Esses testes levaram os autores a supor que o transtorno da Funo Executiva pode ser conside-

    rado como sendo o transtorno primrio. O problema fundamental do autismo seria a inflexibilidade,

    sendo o restante explicvel a partir desse problema. Assim, podemos entender, por exemplo, que as

    dificuldades no campo da relao social so decorrentes do fato de que, nesse campo, a flexibilidade

    se faz mais necessria do que em qualquer outro domnio mental.A antecipao uma importante funo dos lobos frontais e se encontra prejudicada nas pessoas

    com TGD. Essa funo pode estar alterada em diferentes nveis entre as pessoas com Espectro Au-

    tista e com TGD, mas todas apresentam algum prejuzo na antecipao. Esse prejuzo pode se mani-

    festar pela aderncia inflexvel a estmulos que se repetem, como na reproduo do mesmo filme in-

    meras vezes, no mesmo itinerrio para a escola, na permanncia dos objetos no ambiente, etc.

    As estereotipias so um exemplo da manifestao do prejuzo na flexibilidade. Trata-se de

    estereotipias sensrio-motoras: balanar o corpo, bater palmas, fazer e desfazer, ordenar e de-

    sordenar. So rituais simples. Tambm podemos encontrar rituais mais elaborados, como ape-

    go a objetos que so carregados a todos os lugares, controle rigoroso de situaes do ambien-

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    te ou da rotina e rgido perfeccionismo.

    Outra caracterstica do prejuzo na Funo Executiva apresentada pelas pessoas com Espectro

    Autista a dificuldade de dar sentido aos acontecimentos e s atividades. Para dar sentido pre-

    ciso antecipar, dar propsito, e isso tem a ver com a finalidade de algo. Na manifestao desse

    prejuzo, encontramos pessoas que apresentam predominantemente atividades sem sentido, sem

    propsito, sem funcionalidade. Tambm encontramos aquelas que conseguem fazer atividades

    funcionais simples e breves, e outras que desenvolvem atividades funcionais e com autonomia,

    mas motivadas externamente.

    A caracterstica de prejuzo na reciprocidade social, descrita inicialmente como "extrema solido",

    pode ser explicada pela inflexibilidade mental das pessoas com autismo, em decorrncia do prejuzo

    da Funo Executiva. Aindiferena nas relaes sociais tem a ver com o nvel de exigncia de flexibi-

    lidade nesse campo humano, tornando-o o campo de maior impossibilidade para algumas dessas

    pessoas. As relaes sociais exigem antecipar, dar sentido, significados e ter propsitos. Mais do que

    isso implica no uso de smbolos, de sentidos mltiplos e no lidar com situaes no antecipveis. Nes-sa caracterstica, tambm est implicada a Teoria da Mente, que ser explicada a seguir.

    3.2. TEORIA DA MENTE

    O termo Teoria da Mente surgiu no final da dcada de 70, em decorrncia de pesquisas na rea

    da cognio animal. A partir dessa poca, a psicologia cognitiva ocupou-se do desenvolvimento de

    modelos explicativos para esse termo e suas aplicaes.

    A Teoria da Mente significa a capacidade de atribuir estados mentais a outras pessoas e predizer

    o seu comportamento em funo destas atribuies (PREMACK & WOODRUFF, 1978). O termo "Te-oria" resulta do fato de que tais estados no so diretamente observveis, solicitando uma verdadei-

    ra "teorizao" de quem infere um estado mental em outro indivduo.

    A Teoria da Mente essencial para o ser humano, uma vez que permite a teorizao do estado

    mental das outras pessoas, o que sentem, o que pensam, quais as suas intenes e como podero agir.

    Isto nos permite modular nossas reaes e nosso comportamento social, alm de desenvolver nossa

    empatia frente a sentimentos inferidos nas outras pessoas.

    Baron - Cohen (1995) propuseram um modelo para explicar o sistema de leitura da mente. Tal sis-

    tema postula quatro mecanismos que interagem para produzir tal leitura: o detector de intencionali-

    dade, o detector de direcionamento do olhar, o mecanismo de ateno compartilhada e o mecanismode Teoria da Mente.

    O mecanismo detector de intencionalidade constitui um aparato perceptivo que interpreta es-

    tmulos mveis em termos de desejos e metas. Em paralelo, o detector da direo do olhar res-

    ponsvel pela deteco da presena e direo do olhar, bem como o encarregado da interpreta-

    o do olhar de algum que est deliberada e conscientemente vendo (este mecanismo permite a

    seguinte questo: ela v aquilo?). Estes dois mecanismos mandam informaes para o terceiro

    mecanismo (mecanismo de ateno compartilhada), o qual se encarrega de criar relaes entre o

    eu, outros agentes e objetos (este mecanismo formula a seguinte questo: eu e voc vemos a mes-

    ma coisa?). Finalmente, o quarto mecanismo (mecanismo da Teoria da Mente) o responsvel pe-

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    la unio das noes (at ento separadas) de ateno, desejo, inteno, crena dentro de um apa-

    rato terico coerente para o entendimento do comportamento em termos mentalistas, isto , den-

    tro de um contexto de representaes1.

    Nas crianas com autismo, os mecanismos de ateno compartilhada e de Teoria da Mente esta-

    riam prejudicados, o que acarretaria prejuzos nas relaes sociais e na comunicao. Tais prejuzos

    ocorrem pelo fato de que o dficit na Teoria da Mente dificulta a compreenso do que as pessoas pen-

    sam, sentem e do modo como se comportam. No conseguindo atribuir estes significados, a criana

    com autismo no interage com o meio social da mesma forma que as demais crianas.

    As observaes que fizemos nas escolas que receberam crianas e adolescentes com autismo evi-

    denciaram que, apesar de haver tal prejuzo, estes alunos deram sinais de que a oportunidade de ex-

    posio sistemtica ao meio social, mediada pela escola, permite o desenvolvimento de algumas

    competncias relativas Teoria da Mente.

    Relato 1Beatriz uma adolescente, transferida de uma escola privada, includa recentemente em uma escola

    pblica.

    Durante o recreio, Beatriz direcionou seu olhar para uma aluna de sua faixa de idade, que se dirigia

    ao banco prximo a uma das mesas dispostas no ptio, carregando seu lanche. Beatriz aproximou-se

    para se sentar prximo a ela, quando percebeu que um grupo de outras meninas se aproximava pa-

    ra sentar-se com a tal aluna. Beatriz as observou e decidiu pelo no cumprimento de seu propsito,

    direcionando-se para outros grupos de colegas.

    O que teria feito Beatriz seno inferir do comportamento do grupo de meninas que se aproxima-

    va com a inteno de juntar-se colega que havia se sentado junto mesa? Para fazer tal inferncia,

    Beatriz detectou que o grupo de meninas compartilhava da mesma inteno que ela e deduziu que

    no era o momento de sentar-se ali, adiando seu objetivo.

    O relato acima tem por objetivo demonstrar que, apesar dos prejuzos apontados nos modelos ex-

    plicativos dos TGD, preciso e fundamental oportunizar a estes alunos as experincias promotoras

    de desenvolvimento das funes mentais e investir, como prprio da educao, no potencial de ca-

    da um destes alunos em nos surpreender.

    4. A FORMAO E APRENDIZAGEM DA CRIANA COM TRANSTORNO GLOBAL DODESENVOLVIMENTO

    Para iniciar este captulo, descreveremos situaes comumente vividas pelas crianas, pelas fa-

    mlias e pelas escolas ao receberem alunos com TGD. O objetivo de proporcionar a identidade

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    1Caixeta e Nitrini (2002, p 106).

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    entre o presente texto e a realidade vivida pelos professores, buscando subsidiar teoricamente acompreenso dessa realidade e propor alternativas de atuao e de valorizao desse desafio.

    4.1. A CRIANA AO INGRESSAR NA ESCOLA

    Conforme j foi mencionado, a oportunidade de trabalhar com alunos com TGD na turma tem si-do nova para a grande maioria das escolas. De acordo com a nossa observao, grande o impactonos profissionais da educao que atuam na escola quando se deparam com as reaes dessas crian-as que, tanto quanto os professores, esto diante de uma experincia nova.

    comum que essas crianas apresentem manifestaes de sua inflexibilidade de maneira exacer-bada. Se utilizarmos os subsdios tericos trabalhados anteriormente nesse texto, fcil compreenderque, no ambiente escolar, com todos os seus estmulos e vendo-se em meio a muitas outras crianas,a tantas falas e atitudes das outras pessoas que, alis, no lhe so familiares, a criana reaja assim.

    Essas reaes, de forma recorrente, podem ser de choro intenso, de movimentos corporais repeti-tivos, de indiferena em relao aos apelos e tentativas de ajuda, de apego a determinados locais fi-xos na escola e de recusa em deslocar-se conforme orientado. Tambm j observamos, em casos maiscomplexos, auto-agresses ou reaes abruptas envolvendo objetos ou mesmo alguma outra pessoa.

    Aocorrncia de tais manifestaes no deve ser interpretada como o estado permanente da crian-a ou no que consiste o seu porvir. Na verdade, trata-se de reaes esperadas mediante uma altera-o importante na sua rotina. A escola, naquele momento, uma experincia desconhecida e de dif-cil apropriao de sentido e propsito pela criana.

    Por parte dos professores, a vivncia desses primeiros momentos pode ser paralisante, carre-

    gada de sentimento de impotncia, angstia e geradora de falsas convices a respeito da impos-sibilidade de que a escola e o saber/fazer dos professores possam contribuir para o desenvolvi-mento daquela criana.

    Mediante as dificuldades iniciais, as escolas recorrem a todo tipo de tentativa de acolhimento aoaluno. Essa uma atitude absolutamente compreensvel, embora sejam importantes alguns cuida-dos. Se conseguirmos deslocar nossa ateno das estereotipias e reaes da criana e nos projetarmosa um cotidiano futuro, possvel "cuidar" de algumas questes.

    Considerando os subsdios tericos j disponibilizados nesse texto, entendemos que tais dificul-dades iniciais ocorrem em decorrncia da inflexibilidade mental dessa criana. pela falta de flexibi-

    lidade que a experincia de estar na escola no significada facilmente, representando inicialmenteapenas a perda da rotina cotidiana, que permitia a essa criana no se desorganizar. Devemos lem-brar de que o apego a rotinas e rituais uma caracterstica comum s crianas com TGD.

    Os professores que trabalham com as idades iniciais da escolarizao acumulam farta expe-rincia como testemunhas de diferentes graus de reao das crianas aos primeiros dias na esco-la e primeira separao da famlia para um meio social mais amplo. Algumas conseguem ra-pidamente se adaptar s novas vivncias, enquanto outras levam muitos dias nessa empreitada,absorvendo toda a ateno dos professores em atitudes de choro contnuo, apego me na en-trada da escola, sem deixarmos de poder mencionar o apego de mes aos seus filhos e a grandeinsegurana de algumas ao deix-los na escola.

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    O que importante ento nesses primeiros dias? importante entender que as primeiras ma-nifestaes correspondem quelas acima descritas, comuns s demais crianas, potencializadaspela inflexibilidade decorrente do TGD. Assim, no decorrer dos primeiros dias, fundamentalter em mente que a experincia da escola necessita entrar, o quanto antes, num terreno mais pre-visvel para aquela criana. Isso deve ser feito, obviamente, sem retirar a naturalidade do ambi-ente escolar, mas tendo em mente que a mesma inflexibilidade que torna to difceis as primei-ras experincias nesse ambiente poder tambm promover o apego a situaes que posterior-mente podero se tornar indesejveis.

    Em outras palavras, importante, na tentativa de acolhimento quela criana, no proporcionara ela vivncias que no faro parte da sua rotina no futuro. A inflexibilidade e o apego a rotinas po-dero levar a criana a estabelecer rotinas inadequadas no interior da escola, que causaro dificulda-des posteriores para os profissionais e para a prpria criana quando forem reformuladas. Exemplosdisso so o acolhimento individual com acesso a brinquedos que no dado s demais crianas, ho-

    rrios reduzidos para adaptao progressiva, permanncia separada da turma em espaos como sa-la da coordenao ou direo da escola, alimentao em horrio diferente do restante da turma, etc.

    O cotidiano escolar possui rituais que se repetem diariamente. Aorganizao da entrada dos alu-nos, do deslocamento nos diversos espaos, das rotinas em sala de aula, do recreio, da organizaoda turma para a oferta da merenda, das aulas em espaos diferenciados na escola, da sada ao finaldas aulas e outros so exemplos de rituais que se repetem e que favorecem a apropriao da experi-ncia escolar para a criana com TGD.

    Esses rituais escolares proporcionam a todas as crianas o desenvolvimento de aspectos cogniti-vos teis vivncia social, envolvendo antecipao, adiamento da atuao imediata, entre outros. A

    diferena que a necessidade de exerccio explcito de ensino e aprendizagem empreendidos junto criana com TGD, em tais situaes, torna visvel tal processo.

    O grande valor desses rituais j inerentes escola para a criana com TGD o fato de que aconte-cem para todos os alunos e no so artificiais ou preparados exclusivamente para a criana com TGD,j que constituem regras de organizao de um meio social real e, portanto, diverso. O aprendizadoadvindo das situaes reais de utilidade real para a criana, ou seja, passvel de ser utilizado em ou-tros contextos, diferentemente daquele advindo de situaes artificiais.

    Quanto mais cedo a criana com TGD puder antecipar o que acontece diariamente na escola, maisfamiliar e possvel de ser reconhecida se tornar para ela a vivncia escolar, tornando as primeiras

    manifestaes da criana progressivamente menos freqentes. Tendo em vista que a capacidade deantecipar uma funo que se apresenta prejudicada para aqueles que apresentam TGD, consiste emfacilitador da familiarizao com o ambiente escolar essa antecipao, com a ajuda de outra pessoa.

    Por antecipao realizada por outra pessoa, estamos nos referindo necessidade de quea criana seja comunicada antes, de forma simples e objetiva, a respeito do que vai ocorrerno momento seguinte. Isso pode parecer no funcionar por um tempo, pois a criana pode-r aparentar no ter prestado ateno ou no entender, quando no altera suas atitudes di-ante dessa antecipao. O importante tornar a antecipao uma rotina e no desistir da ex-pectativa de adeso da criana. Como efeito da antecipao, a cada dia mais o contato di-rio da criana com o ambiente escolar e com seus rituais, que se repetem, vo tornando o co-

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    tidiano mais previsvel e seu comportamento poder ir se transformando.

    Com o passar do tempo, a escola poder ir dispensando tal antecipao nas situaes que se re-

    petem diariamente, podendo verificar que um precioso progresso foi conquistado no cotidiano da-

    quela criana.

    As intervenes dos colegas consistem em importante estratgia transformadora de padres de

    comportamento da criana com TGD. O envolvimento da criana com TGD pelos colegas proporci-

    ona, no raras vezes, intervenes que partem deles espontaneamente, na tentativa de que aquela cri-

    ana participe como eles da rotina. Ainterveno dos colegas acontece quando eles reconhecem a ex-

    pectativa da escola de que a criana com TGD conseguir comportar-se melhor. O efeito dessa inter-

    veno dos pares na adeso da criana com TGD a esses rituais mais freqentemente eficaz do que

    aquela que provm dos adultos.

    Se, por um lado, esses rituais so inerentes rotina escolar, tambm o so as situaes inusitadas,

    as novidades e surpresas. Como veremos no decorrer do texto, a escola tem se mostrado essencial

    por ambos os aspectos, demonstrando que a exposio ao meio social condio de desenvolvimen-to para qualquer ser humano.

    4.2. A FAMLIA

    A descoberta de que o filho ou a filha uma criana com Transtorno Global do Desenvolvimento

    consiste numa das etapas do desconforto que, na verdade, se inicia bem antes, quando se percebe que

    algo no vai bem. Desde a primeira desconfiana at a identificao do quadro, e da em diante, um

    leque extremamente extenso de sensaes, angstias, incertezas, inseguranas, tentativas, erros, me-

    dos e esperanas envolve a famlia.Temos observado que os prejuzos na rea da comunicao comprometem, com freqncia, a pos-

    sibilidade imediata de confiana por parte da famlia na permanncia da criana na escola durante

    todo o turno ou, at mesmo, na permanncia dessa criana sem a presena da me. Tal insegurana

    se pauta, por exemplo, na crena de que a criana passar por fome e sede, por no saberem comu-

    nicar suas necessidades ou pedir ajuda a outras pessoas alm da famlia.

    Nesse momento, torna-se fundamental o reconhecimento, por parte dos educadores, de que a es-

    cola o espao de aprendizagens que propicia a aquisio da autonomia para todos os alunos. Para

    alguns, a autonomia em relao s prprias necessidades bsicas adquirida no meio familiar, tor-

    nando a escola uma oportunidade de exerccio dessa autonomia em ambiente social diferenciado emais amplo do que a famlia. Neste caso, a aprendizagem refere-se experincia que oportuniza a

    generalizao das competncias j adquiridas, mediante novas situaes-problema.

    Para crianas com TGD, poder ocorrer que a permanncia no ambiente escolar por si s repre-

    sente uma exposio a situaes-problema que podero fazer emergir competncias ainda no ad-

    quiridas. Nos casos em que h ausncia da comunicao, as necessidades e desejos da criana so,

    geralmente, subentendidos por outro familiar, sendo poucas as oportunidades de exposio a situa-

    es em que a busca de ajuda ou de satisfao das necessidades tenha que ser exercida com a contri-

    buio da prpria criana. Certamente, o enfrentamento de tais situaes deve ser mediado pela es-

    cola de modo a torn-las eficazes para o desenvolvimento de tais competncias.

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    Se, no trabalho com a maioria das crianas, no fica to evidente o desenvolvimento da autono-mia em decorrncia da escolarizao, no caso das crianas com TGD, esta decorrncia se evidencia,demandando inteno pedaggica para desenvolv-la.

    O reconhecimento da escola como espao de desenvolvimento de aprendizagens, em prol da au-tonomia, e a convico na possibilidade de se exercer este papel junto criana com TGD so funda-mentais na relao inicial com a famlia, no sentido de sustentar a permanncia da criana na escoladesde o incio e o estabelecimento de vnculo de confiana com os familiares.

    Desde o incio, importante que tanto a escola quanto a famlia tenham a compreenso de quenem todos os dias tudo vai dar certo. Alm disso, os profissionais da escola necessitam observar osprogressos que a criana vai conquistando do ponto de vista da prpria criana. Isto significa que nofaz sentido utilizar parmetros inflexveis e impessoais de avaliao pedaggica sob o risco de nosprivarmos dos subsdios para a ao pedaggica apropriada criana. preciso analisar o processodesde seu ingresso na escola, como a criana se portava e o que passou a ser capaz de realizar.

    Tanto a famlia quanto a escola precisam compreender que, mesmo quando a criana supera asdificuldades iniciais e abandona determinadas atitudes ou estereotipias, eventualmente elas podemse manifestar novamente, no significando por isso que o trabalho da escola est sendo mal sucedi-do. Aescola precisa estar em permanente interlocuo com a famlia. Alm de todos os benefcios ine-rentes a essa interlocuo, isso poder contribuir para que, juntos, a famlia e os profissionais da es-cola possam compreender mais rapidamente os motivos para eventuais retomadas pela criana dereaes que j haviam sido superadas.

    Como exemplo disso, podemos relatar um dos casos que observamos em que a troca da empre-gada domstica, que havia trabalhado por vrios anos com a famlia, e a mudana na rotina de ho-

    rrios da me, em funo do trabalho, eram os motivos das manifestaes apresentadas pela crianaem determinado momento da escolarizao. Isso acontece porque so crianas sensveis s alteraesde rotinas, conforme j dissemos.

    Alm disso, h momentos em que so feitas alteraes de medicamentos pelo profissional darea mdica. Nesses momentos, h um perodo de adaptao ao novo medicamento ou nova dosa-gem, o que muitas vezes explica estados de sonolncia ou agitao incomuns.

    Para que haja sucesso na interlocuo e parceria entre a escola e a famlia, os profissionais da es-cola devem sistematicamente dar retorno famlia sobre todo e qualquer progresso apresentado pe-la criana no ambiente escolar, evitando-se a tendncia que observamos de se relatarem apenas as di-

    ficuldades vividas com a criana. Os professores devem ter em mente que a famlia encontra-se mui-tas vezes fragilizada por toda a vivncia desde a descoberta do transtorno e que ser parceira quan-to mais conseguir entender o processo pedaggico do filho e perceber os pequenos avanos. O quechamamos de pequenos avanos so extremamente significativos para a famlia.

    4.3. O DESENVOLVIMENTO DA FUNO EXECUTIVA DE ALUNOS COM TRANSTOR-NOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO NA ESCOLA

    Quando falamos de alunos com TGD, estamos falando de crianas e adolescentes que, emboraapresentem prejuzos nas mesmas reas do desenvolvimento, podem ser muito diferentes entre si.

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    Entre as crianas com Autismo, por exemplo, podemos encontrar aquelas que apresentam au-

    sncia de qualquer comunicao e reciprocidade social, muitas estereotipias e rigidez mental.

    Tambm podemos encontrar crianas que utilizam a fala (embora com prejuzos no seu desen-

    volvimento), que apresentam alto funcionamento em reas de interesse restrito, poucas estereo-

    tipias e menos rigidez mental.

    Temos pautado neste texto, predominantemente, as crianas com maiores prejuzos do desenvol-

    vimento, por entender que so elas o desafio maior para os professores e as famlias dos alunos. Mas

    importante considerar que, tambm para as demais, h prejuzos nas mesmas reas (comunicao,

    reciprocidade social, flexibilidade mental). Embora tais prejuzos possam ocorrer em menor intensi-

    dade, estas crianas requerem o investimento e a organizao da escola, segundo os mesmos princ-

    pios aqui descritos, podendo variar o perodo de durao do uso das estratgias de organizao e a

    rea de prejuzo do desenvolvimento a que se aplicam.

    As observaes em escolas nos mostraram que as perspectivas de desenvolvimento de compo-

    nentes prprios da Funo Executiva so muito significativas. Na escola, h para os alunos um equi-lbrio dirio entre o que eles podem prever e o que acontece de novo.

    Este aspecto configura uma distino fundamental entre a incluso escolar e iniciativas de inter-

    veno educacional exclusivamente para crianas e adolescentes com autismo. Nessas intervenes,

    so oferecidos ambientes absolutamente controlados, com reduo de estmulos e intervenes nas

    regras de convivncia nas atividades de vida diria e comunicao, que reforam os prejuzos apre-

    sentados pelas pessoas com autismo. Alm disso, estar o convvio com pares restrito a outras crian-

    as e adolescentes que tambm apresentam os mesmos prejuzos no permite que o aprendizado se-

    ja generalizado para situaes sociais.

    Na incluso escolar, a criana com TGD tem a oportunidade de vivenciar a alternncia entre aqui-lo que acontece todos os dias da mesma forma e aquilo que acontece de forma diferente. Essa alter-

    nncia permite o acmulo de experincia que ir tornar o ambiente social menos imprevisvel. O que

    pudemos observar que a escola fonte de aprendizados provenientes da experincia sistemtica

    com as situaes sociais, sob a mediao da escola, de modo a ampliar para essa criana seus recur-

    sos para fazer antecipaes. Assim, ela vai se tornando mais hbil em antecipar situaes que so co-

    muns infncia de qualquer criana, superando a condio inicial em que o contexto social e o que

    lhe inerente consistem em algo que no pode ser antecipado e que no possui significado para ela.

    Para qualquer criana, constituem fonte do desenvolvimento, por exemplo, os estmulos sensoria-

    is e afetivos provenientes da relao com o meio ambiente e a sucesso de vivncias cognitivo-emo-cionais nas relaes afetivas e sociais, associadas aos ajustes com o ambiente. A vivncia e aprendi-

    zado cotidianos estruturam uma rede neurobiolgica, fazendo com que, ao longo do desenvolvimen-

    to, as aquisies cognitivo-emocionais tenham um correspondente neurobiolgico.

    (...) As vivncias significativas proporcionadas pelo ambiente, seja nas relaes in-

    terpessoais, nas atividades escolares ou nos aprendizados de diversas ordens,

    produzem repercusses na circuitao cerebral que poder, como conseqncia,

    modelar-se ou remodelar-se dentro de certos limites, respeitando a plasticidade

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    do sistema nervoso (CYPEL, 2006, p. 381).

    Atualmente se entende que o crebro no s capaz de produzir novos neurnios, mas

    tambm de responder estimulao do meio ambiente, como um aprendizado que tem

    a ver com modificaes ligadas experincia, ou seja, modificaes que so a expresso

    da plasticidade. Essa relao experincia/estimulao constitui o principal pilar sobre oqual a reabilitao se insere, e dessa forma procura proporcionar excelentes exemplos de

    plasticidade cerebral, desde que as janelas de oportunidades sejam bem aproveitadas

    (ROTTA, 2006, p. 466).

    As relaes afetivas e sociais, desde os primeiros vnculos de cuidado na famlia at as interaes emambientes socialmente mais amplos como a escola, esto implicadas no desenvolvimento das funesmentais. Nesse sentido, tambm est sendo considerada a implicao das restries, do adiamento de im-

    pulsos e at das frustraes inerentes a essas relaes e vivncias, necessrias para tal desenvolvimento.Para os alunos com TGD, a exposio mediada entre essas vivncias tem se mostrado eficaz no

    desenvolvimento de funes mentais, amenizando prejuzos e possibilitando a emergncia de maiorpossibilidade de vivncias prprias da infncia.

    Relato 2

    Francisco foi matriculado na escola aos 9 anos de idade. Nos primeiros dias, ele permanecia afas-tado da turma, chorava de forma persistente e tampava os ouvidos com as mos quase todo o

    tempo. Durante o recreio, insistia em permanecer em um canto com o comportamento j descri-to acima. Um grupo de crianas toma a iniciativa de permanecer com ele, oferecem merenda e oconvidam para brincadeiras, etc. medida que o ambiente escolar tornou-se familiar devido freqncia diria de Francisco, seucomportamento foi sofrendo modificaes, superando o choro, o afastamento dos colegas e a ati-tude de tampar os ouvidos. Com o tempo, ele passou a utilizar as primeiras palavras para co-municar suas necessidades (gua, xixi...).No ano seguinte, a famlia mudou de local de moradia e Francisco foi transferido para uma no-va escola. Desde o primeiro dia, o aluno permaneceu em sala de aula, participou dos rituais es-

    colares e solicitou ir ao banheiro verbalmente.Menos de um ano depois, a famlia voltou a morar no endereo anterior, retornando esco-la de origem.

    O Relato 2 demonstra que houve desenvolvimento da funo de antecipao e aquisio de flexi-bilidade decorrentes de aprendizado. Francisco demonstrou ter utilizado sua experincia anterior, re-correndo memria desta experincia para lidar com um novo ambiente escolar. Ele reconheceu nes-se novo ambiente os traos de semelhana com sua experincia anterior, apesar do ambiente fsico serdiferente e das pessoas no serem familiares a ele. A partir desse reconhecimento, Francisco conse-

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    guiu antecipar as situaes novas a serem enfrentadas, atribuir significado a elas e buscar os recursosnecessrios, provenientes de seu aprendizado, adaptando-os para lidar com a nova situao.

    Cabe ressaltar que tal sucesso mediante um ambiente social novo proveniente da exposio deFrancisco ao ambiente da escola comum. A experincia numa instituio apenas para pessoas comautismo no permite tal aprendizado e a prova disso que, antes de Francisco ingressar na primeiraescola, ele freqentou uma escola especial que em nada o ajudou a ter recursos internos para enfren-tar aquela situao.

    Relato 3

    Paulo comeou a freqentar a escola com 8 anos de idade. Os primeiros dias foram um gran-de desafio para ele e para a escola. s vezes, ele permanecia longo tempo chorando "um cho-rinho de beb", segundo a escola. No conseguia permanecer em sala de aula por muito tem-

    po. Ao faz-lo, batia o punho na carteira em ritmo constante, por longo tempo, ou mexia deforma repetitiva com tiras de papel ou plstico, que muitas vezes j trazia de casa (estereoti-pia). Depois de certo tempo, comeava a se agitar, empurrava as carteiras com muita fora.No se comunicava e no permanecia em meio aos colegas espontaneamente.Com o passar do tempo, Paulo desenvolveu diversas competncias relativas participa-o no cotidiano escolar e aos vnculos sociais. Entretanto, vamos agora chamar a atenopara uma situao em especial.Certo dia, durante o recreio, Paulo distanciou-se do grupo em que estava e caminhou nosentido de uma mureta, onde as crianas costumam se sentar. Nesse percurso, havia um

    grupo de meninas jogando peteca. Paulo parou e permaneceu no mesmo lugar, at que apeteca caiu no cho. Enquanto as meninas a pegavam de volta, Paulo seguiu atravessandoesta pequena rea rapidamente e chegou ao destino intencionado.

    Este pequeno exemplo tem todos os atributos para confirmarmos o desenvolvimento de funespertinentes Funo Executiva. Nele h evidncias de objetivo a ser atingido (chegar mureta on-de as crianas se sentam); antecipao (em algum momento o jogo de peteca vai parar e ser quandoela cair no cho); adiamento (esperar a peteca cair no cho para atravessar a rea); cumprimento do

    propsito (chegar mureta sem interferir no jogo de peteca ou ser atingido por ela).A situao descrita pode parecer corriqueira por ser simples e acessvel s competncias cogniti-vas da maioria das crianas. Entretanto, este apenas um exemplo de uma infinidade de situaesobservadas no cotidiano escolar deste aluno, as quais evidenciam o desenvolvimento de funes cog-nitivas importantes, mediante os prejuzos causados pelo TGD. Paulo, atualmente, participa do con-vvio social, das brincadeiras e atividades da turma, das excurses, das festas e eventos da escola.Mais do que isso, ele aprendeu a conviver com as crianas das casas vizinhas, apropriando-se de fle-xibilidade mental suficiente para dar significado a tais vivncias. Ainda no desenvolveu a comuni-cao verbal, mas no se desorganiza ou recorre s estereotipias ao ver-se inserido no meio social.

    importante reforar que competncias relativas Funo Executiva so desenvolvidas na es-

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    cola por todas as crianas, sendo que, para a maioria delas, as atividades de alfabetizao so o

    grande desafio que proporcionar a ampliao e o desenvolvimento de esquemas de planejamen-

    to cada vez mais sofisticados, mediante solicitaes cada vez mais complexas. Em funo dos pre-

    juzos decorrentes do TGD, para as crianas que apresentam tal transtorno, os desafios que repre-

    sentam solicitaes complexas ao desenvolvimento se situam j, de imediato, no ambiente social

    mais amplo do que o familiar, menos controlado e mais imprevisvel. As manifestaes de aquisi-

    o das competncias cognitivo-sociais, como as descritas no caso de Paulo, representam um esfor-

    o e uma conquista fundamental para toda a sua vida, e devem ser valorizadas pelos professores.

    4.4. O DESENVOLVIMENTO DA COGNIO SOCIAL DE ALUNOS COM TRANSTORNOGLOBAL DO DESENVOLVIMENTO NA ESCOLA

    A conduta social sustentada e elaborada por processos cognitivos superiores. Compem a

    Cognio Social a compreenso dos prprios sentimentos e aes e sua correspondncia nos indi-vduos da mesma espcie, bem como o reconhecimento de como as outras pessoas se sentem.

    A Cognio Social comeou a ser pesquisada no incio dos anos 70. Lamb e Sherrod (1981) desta-

    caram que a Cognio Social situa-se na interseo de vrias reas: perceptiva, cognitiva, social, emo-

    cional e desenvolvimento da personalidade2.

    Durante o desenvolvimento humano, desde as primeiras relaes com o primeiro cuidador (na

    maioria das vezes, a me), at aquelas estabelecidas em ambientes socialmente mais amplos, dentro e

    fora da famlia, a criana vai acumulando experincias sociais, afetivas e cognitivas que possibilitaro

    estruturar sua conduta social de forma cada vez mais complexa. Por meio dessas experincias, a cri-

    ana vai adquirindo a capacidade de identificar e reconhecer objetos sociais, de fazer inferncias sobreos comportamentos e emoes das outras pessoas, e de atribuir significado s experincias sociais.

    O crtex pr-frontal encontra-se diretamente implicado no desenvolvimento da Cognio So-

    cial e, portanto, na conduta social. O estudo de pacientes lesionados revela que pacientes com le-

    so pr-frontal tm dificuldades na tomada de decises e no raciocnio social.

    Segundo Damasio (1994), [...] tomar decises escolher uma opo de resposta

    entre as muitas possveis num determinado momento e em uma determinada si-

    tuao. Supe conhecer: (1) a situao que exige tal deciso; (2) as distintas op-

    es de ao; (3) as conseqncias imediatas ou futuras de cada uma das aes(BUTMAN & ALLEGRI, 2001, p. 276).

    A Cognio Social, a Funo Executiva e a Teoria da Mente esto mutuamente relacionadas. A

    conduta social pressupe antecipao, flexibilidade, destinao de significado e objetivos - pr-

    prios da Funo Executiva. Da mesma forma, preciso inferir processos mentais, pensamentos,

    intenes e emoes nas outras pessoas, para sustentar uma conduta social eficaz, que tem rela-

    o direta com o que vimos em relao Teoria da Mente.

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    Lamb e Sherood (apud RAMIRES, 2003, p. 403).

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    Uma vez definido o conceito de Cognio Social, de fundamental importncia para o desenvol-

    vimento do trabalho escolar com as crianas e adolescentes com TGD a compreenso de que a esco-

    la est diretamente implicada no desenvolvimento dessa funo mental de todos os seus alunos.

    A educao, por dcadas, pautou suas prticas em uma concepo de inteligncia, resultante

    de uma compreenso incompleta do desenvolvimento humano. Por mais que, entre os subsdi-

    os tericos utilizados para se compreender e se empreender os processos de ensino e aprendiza-

    gem, houvesse aqueles que apontavam outros caminhos, tais processos revelaram uma segmen-

    tao entre os aspectos emocionais, sociais e intelectuais do desenvolvimento.

    Por conseqncia, os aspectos socializadores do ambiente escolar foram relegados ao campo

    recreativo e espontneo, nem sempre sendo mediados pela escola ou tratados como objetivos de

    aprendizagem. Alm disso, no foram reconhecidos neles o desenvolvimento de funes cogni-

    tivas, que lhes so inerentes e que so fundamentais para alicerar todos os processos de ensino

    e aprendizagem empreendidos pela escola. Prova disto que, atualmente, ouvimos de forma re-

    corrente dos profissionais da escola, em relao aos alunos com deficincia, questes como: "Es-te aluno est na escola s para se socializar?". Ou constataes como: "na socializao este aluno

    est bem, mas no cognitivo no desenvolveu nada!".

    No desenvolvimento da maioria das crianas e adolescentes, a aquisio das competncias re-

    lativas Cognio Social ocorre sem dificuldades aparentes e nem sempre se torna objeto da re-

    flexo, mediao e inteno pedaggicas. Para as crianas e adolescentes com TGD, os prejuzos

    na aquisio destas competncias solicitam da escola o reconhecimento da dimenso cognitiva da

    aquisio do conhecimento social e dos processos que sustentam a conduta social no mbito da

    ao escolar. No podemos deixar de mencionar que tal reconhecimento provocar intervenes

    pedaggicas que favorecero o desenvolvimento da Cognio Social de todos os alunos, conside-rando que, em muitos casos, a ausncia de dificuldades apenas aparente.

    Segundo Forgas (2001 apud RAMIRES, 2003, p.409), o afeto no uma parte incidental, mas sim

    parte inseparvel de como ns vemos e representamos o mundo em volta de ns.

    Concordamos com este autor [Forgas] e tambm com Cicchetti e Pogge-Hesse (1981),

    quando alertaram que para o estudo das emoes importante que os tericos do de-

    senvolvimento assumam algumas posies com relao determinao do papel da

    criana na construo da realidade, no sentido de consider-la como um construtor

    ativo ou receptor passivo do ambiente e considerar como a criana representa a infor-mao que capta no ambiente. Tambm necessrio especificar o papel que atribu-

    do ao ambiente no processo do desenvolvimento. E, sobretudo, importante levar

    em conta que o relacionamento entre cognio e emoo crucial para a compreen-

    so do desenvolvimento em geral (RAMIRES, 2003, p. 409).

    Os prejuzos nas reas do compartilhamento social, da comunicao e dos interesses apre-

    sentados pelas pessoas com TGD podem ser compreendidos tambm na perspectiva de um

    prejuzo na Cognio Social.

    O fato de que a Cognio Social um processo desenvolvido por meio dos vnculos de ape-

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    go, das experincias sociais e da exposio ao meio social e a seus signos torna a incluso esco-lar, para o aluno com TGD, uma oportunidade de acesso sistemtico s fontes de aquisio detal processo. Mesmo permanecendo o transtorno, a criana ou adolescente com TGD poderampliar suas possibilidades de lidar com o meio social, com signos sociais e de apropriar-se dereferncias de conduta e de interao, uma vez inseridos na escola comum.

    Para uma parte significativa dos alunos com TGD, durante um perodo de tempo, por ocasio doingresso na escola, os esforos estaro concentrados na apropriao do conhecimento social. A esco-la dever mediar tal apropriao, entendendo que se trata de um processo necessrio para que estacriana possa lidar posteriormente com os demais aspectos pedaggicos.

    Por mediao da escola na apropriao do conhecimento social, estamos nos referindo, por umlado, ao entendimento de seus professores quanto ao papel pedaggico e ao carter escolar des-ta apropriao, assumindo tal processo como um objetivo da escola. Por outro lado, nos referimos criao de oportunidades em que o grupo de alunos, do qual a criana com TGD faz parte, in-

    teraja com ela e assuma responsabilidades, dentro e fora da sala de aula, na adeso desta criana rotina escolar, estando a escola atenta para dar as orientaes necessrias. Nas escolas observa-das, percebemos uma disponibilidade grande dos colegas em cumprir este papel. No caso da cri-ana com TGD, a mediao de pares nesse processo de fundamental importncia por ser maiseficaz do que a interveno dos adultos.

    Nas escolas observadas, o grupo de alunos se mostrou extremamente disponvel, sendo preciso,em uma delas, a organizao de escalas para revezamento. importante que a mediao organiza-da se d durante as aulas e que, durante o recreio, o grupo se organize sozinho nesta mediao, per-mitindo o estabelecimento de vnculos espontneos e caractersticos da idade.

    4.5. ESTRATGIAS QUE PROPICIAM A FORMAO E A APRENDIZAGEM DA CRIANACOM TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO

    A oportunidade de pertencer escola e, portanto, de usufruir do compartilhamento de vivnciasprprias da infncia e da adolescncia para aqueles que apresentam Transtornos Globais do Desen-volvimento muito recente. At h pouco tempo, essas crianas tinham destino bem diferente deseus pares e vivenciavam apenas os atendimentos clnicos e, quando muito, instituies de ensino ex-clusivamente para pessoas com tais transtornos.

    Por se tratar de algo to recente e por termos sido privados da oportunidade de atuar com es-tes alunos em nossas escolas, as estratgias at ento construdas para garantir o direito dessas cri-anas educao se encontram ainda em gestao. A maioria dos subsdios tericos possui pou-ca ou nenhuma interface com a lgica da escola inclusiva, e as metodologias sugeridas em mui-tos deles dizem respeito a uma interveno especializada e distante dos propsitos a que se pres-ta a escolarizao bsica.

    Entretanto, se associarmos os aspectos tericos abordados neste texto s observaes da atuaodas escolas com tais alunos, seus acertos e dificuldades, possvel estabelecermos algumas estrat-gias que podero orientar os professores, tanto aqueles que atuam no turno em que o aluno cursa suaetapa de educao bsica, quanto aqueles que, eventualmente, venham a receber alunos com tal tran-

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    storno para o Atendimento Educacional Especializado.

    Antes de iniciarmos tal exposio, fundamental ressaltar que, mesmo entre os alunos que apre-

    sentam TGD, as diferenas individuais esto presentes. As estratgias aqui sugeridas devem ser apli-

    cadas levando-se em considerao aquilo que peculiar em cada um destes alunos, suas prefern-

    cias, seus interesses, seu potencial, suas experincias e suas competncias.

    4.6. A COMUNICAO

    No Espectro Autista, sempre podem ser observados prejuzos na rea da comunicao e lin-

    guagem, embora estas manifestaes possam ser muito distintas, dependendo do quadro de

    que se trata, dentro do contnuo do espectro. Esses prejuzos tambm podem se manifestar de

    forma distinta entre os transtornos classificados nesta categoria e at mesmo entre indivduos

    com o mesmo transtorno.

    Muitas pessoas com Espectro Autista, mesmo aquelas com Transtorno Global do Desenvolvimen-to, podem desenvolver uma linguagem que apresenta semelhana de mais pessoas da mesma ln-

    gua. Entretanto, o desenvolvimento dessa linguagem comumente tardio e apresenta peculiarida-

    des em relao quela desenvolvida pelas pessoas que no apresentam o Espectro Autista.

    Os prejuzos na comunicao e na linguagem podem ser manifestados como mutismo, atraso na

    aquisio, ecolalia, inverso pronominal, simplificao sinttica, rigidez semntica, peculiaridades

    prosdicas, preferncia por funes imperativas, literalidade na interpretao, entre outras. Assim

    sendo, entre os alunos com TGD que recebemos em nossas escolas, podemos encontrar crianas com

    nenhuma comunicao verbal e no verbal, com verbalizao de palavras isoladas, com linguagem

    estereotipada, fazendo uso da repetio de frases e da entonao ouvida de outras pessoas ou de per-sonagens, com linguagem correta do ponto de vista sinttico, mas com pautas estereotipadas e pou-

    co contextualizadas, dificuldades de interpretao semntica, entre outras.

    Baseando-nos nas descries de Rivire (1997), temos como alteraes das funes comunicativas:

    Ausncia de comunicao;

    Realizao de atividades de pedir com uso instrumental de pessoas e no de signos. Ex.: Pede le-

    vando a mo de outra pessoa ao objeto desejado, mas no usa gestos ou palavras para expressar

    seus desejos;

    Realizao de atividades de pedir atravs de palavras, smbolos ou gestos aprendidos em progra-

    mas de comunicao, para obter mudanas no mundo fsico. Ausncia de comunicao com funo

    ostensiva ou declarativa;

    Emprego de condutas comunicativas de declarar que no s buscam alteraes no mundo fsico.

    H escassez de declaraes capazes de qualificar subjetivamente a experincia auto-referida, e a co-

    municao tende a ser pouco recproca e pouco emptica.

    No campo da linguagem receptiva: Ignora a linguagem, no responde a ordens, chamadas ou indicaes lingsticas dirigidas a ela.

    Em algum momento do desenvolvimento, provoca a falsa suspeita de surdez;

    Associa os enunciados verbais s condutas prprias, compreende ordens simples, associando sons

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    a contingncias ambientais ou comportamentais. No implica a assimilao dos enunciados a um c-

    digo ou a interpretao deles a um sistema semntico-conceitual;

    Compreende os enunciados, analisando-os ao menos parcialmente. Acompreenso literal e pou-

    co flexvel. Os processos de inferncia, coerncia e coeso da compreenso do discurso so muito li-

    mitados. Tendncia a atender s interaes verbais, quando dirigidas a ela prpria, de forma muito

    especfica e diretiva;

    Compreende planos discursivos da linguagem, embora haja alteraes sutis no processo

    de diferenciao entre o significado intencional e o literal e de apreenso de variveis inte-

    rativas e contextuais.

    Do ponto de vista da linguagem expressiva:

    O mutismo pode ser total ou funcional. Mutismo funcional a presena de verbalizaes que no

    tm a funo de comunicar;

    Linguagem predominantemente ecollica, sem criao formal de sintagmas ou oraes;Linguagem oracional, no predominantemente ecollica, que implica algum conhecimento de re-

    gras lingsticas. No chega a configurar um discurso ou atividade de conversao. Pode haver mui-

    tas emisses irrelevantes;

    Linguagem discursiva. As pessoas neste nvel podem ter conscincia de sua dificuldade para en-

    contrar temas de conversao e para transmitir informao significativa. Podem comear e terminar

    conversaes de forma abrupta e dizer coisas pouco apropriadas ou relevantes socialmente.

    O objetivo ao disponibilizar as descries acima proporcionar uma melhor identificao, pelos

    professores, dos aspectos da comunicao e linguagem desenvolvidos ou no por seu aluno comTGD ou Espectro Autista. Entretanto, tais aspectos no so absolutamente estticos. Tivemos a opor-

    tunidade de observar crianas que, ao ingressar na escola, apresentavam ausncia de linguagem e re-

    alizavam atividades de pedir atravs do uso instrumental das pessoas e que, por meio da experin-

    cia no ambiente social da escola e da mediao dos professores e colegas, passaram a utilizar verba-

    lizaes nas atividades de pedir, abandonando o uso instrumental de outra pessoa.

    Para atuar com estas crianas na escola, importante no perder de vista que a ausncia ou as pe-

    culiaridades da comunicao e linguagem no so aspectos isolados ou mesmo causais do Transtor-

    no. O desenvolvimento da competncia de fazer uso da comunicao e linguagem resultante de

    funes cognitivas desenvolvidas por meio das experincias afetivas, sociais e da relao com o am-biente e da repercusso destas na circuitao cerebral. Os prejuzos na Funo Executiva e Cognio

    Social, identificados nas pessoas que apresentam TGD, tornam o campo da comunicao, em funo

    da flexibilidade mental exigida no desenvolvimento desta e no seu uso funcional no meio social, mui-

    to mais desafiador e menos acessvel para elas do que para as demais pessoas.

    Assim sendo, estabelecer estratgias na escola ou no Atendimento Educacional Especializado nes-

    te campo das funes mentais requer que se leve em considerao os prejuzos no campo da flexibi-

    lidade mental, as dificuldades de realizar a antecipao e de imprimir sentido quilo que no se re-

    pete, portanto de atribuir sentido e produzir algo com sentido novo. Em outras palavras, preciso

    compreender que as dificuldades de comunicao e linguagem se devem, neste caso, ao fato de que

    A Educao Especial na Perspectiva da Incluso EscolarTranstornos Globais do Desenvolvimento

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  • 8/6/2019 Fasciculo 9 - Trans Tor Nos Globais Do to

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    o campo da comunicao humana e do discurso