EMENTA - mp.go.gov.br · Resolução Conama nº 303/02, e a Lei Estadual 12.596/95, exorbitando os...
Transcript of EMENTA - mp.go.gov.br · Resolução Conama nº 303/02, e a Lei Estadual 12.596/95, exorbitando os...
1
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 291-8/200
(200502090418)
COMARCA : ITUMBIARA
REQUERENTE : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
REQUERIDO : MUNICÍPIO DE ITUMBIARA
RELATOR :Desembargador NEY TELES DE PAULA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITU-
CIONALIDADE. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE
PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. 1 – Na
Constituição Federal, Estadual e no Código
Florestal, existem normas regulamentando a
preservação do meio ambiente, e, sobrevindo
legislação municipal em evidente violação aos
textos hierarquicamente superiores, colocando
em risco a fauna e flora, e, possibilitando,
assim, a degradação ainda maior do meio
ambiente, mostra-se cabível a arguição.
PEDIDO PROCEDENTE.
2
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os presentes
autos de ação direta de inconstitucionalidade, acordam os
componentes do Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça
do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, em julgar
procedente o pedido, de conformidade com o voto do relator.
Votaram, além do relator, os
Desembargadores Aluízio Ataídes de Sousa, Rogerio Arédio
Ferreira, Leobino Valente Chaves, Carlos Escher, João Ubaldo
Ferreira, Charife Oscar Abrão, Elcy Santos de Melo, Vitor
Barboza Lenza, Huygens Bandeira de Melo, Des. Gilberto
Marques Filho (convocado do Des. Felipe Batista Cordeiro),
Des. João Waldeck Felix de Sousa (convocado do Des. Alfredo
Abinagem, Walter Carlos Lemes (convocado do Des. Paulo
Teles), Jamil Pereira de Macedo, Beatriz Figueiredo Franco e
Floriano Gomes.
Presidiu a sessão o Des. José Lenar de Melo
Bandeira.
Fez-se presente, como representante da
3
Procuradoria Geral de Justiça, a Drª Ana Cristina Ribeiro
Peternella Franca.
Goiânia, 22 de agosto de 2007.
Desembargador José Lenar de Melo Bandeira Presidente
Desembargador Ney Teles de Paula Relator
4
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 291-8/200
(200502090418)
COMARCA : ITUMBIARA
REQUERENTE : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
REQUERIDO : MUNICÍPIO DE ITUMBIARA
RELATOR : Desembargador NEY TELES DE PAULA
RELATÓRIO E VOTO
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, com
o fito de questionar a Lei Municipal nº 3.047/05, de 14 de abril
de 2005, propôs a presente ação DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, alegando inicialmente que o
referido diploma, a pretexto de dar nova delimitação à zona de
expansão urbana do município de Itumbiara, permitiu a
ocupação irregular de área às margens do Rio Paranaíba, entre
as barragens das Usinas de Cachoeira Dourada e Furnas, sem
estabelecer a extensão mínima de faixa marginal de
preservação ambiental.
Afirma que o legislador municipal utiliza-se de
técnica legislativa imprópria, cujo intuito é camuflar a razão de
5
existir da lei, ou seja, permitir a supressão de vegetação em
áreas que são consideradas de preservação permanente,
consignando, no art. 2º e seguintes, restrições ao direito de
construir, descurando-se do seu dever de proteger o meio
ambiente.
A norma questionada veio autorizar a
edificação de obras e alteração e supressão de vegetação em
áreas consideradas de preservação permanente, conforme
preceitua o art. 2º do Código Florestal (Lei 4.771/65), art. 5º da
Lei Estadual 12.596/95 e art. 3º da Resolução do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 303/2002 e art. 130, §
2º da Constituição Estadual.
Aponta que há vícios formais e materiais que
evidenciam a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº
3.047/2005, por violação aos arts. 4º, inc. II, “f”, 64, inc. II, 77,
inc. VIII, “d”, 127, caput, 130, § 2º e § 3º e 132, § 3º, da
Constituição Estadual.
Ressalta que compete à União e aos Estados
legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do
meio ambiente e controle da poluição. Cabendo à União
estabelecer normas gerais, e, aos Estados, complementar a
legislação federal, e por sua vez, os Municípios, suplementarem
6
a legislação federal e estadual, no que couber, conforme art. 30,
inc. II da Constituição Federal.
Dessa forma, o texto ora questionado não
poderia permitir a edificação de obras e alteração de supressão
de vegetação em áreas de preservação permanente, espaços
territoriais protegidos, nos termos do art. 2º da Lei 4.771/65
(Código Florestal), em cumprimento ao art. 225, § 1º, inc. III da
CF.
E no mesmo sentido são as disposições da
Resolução 303/02 do CONAMA, que estabelece parâmetros
referentes às áreas de preservação permanente e da Lei
Estadual 12.596/95, art. 5º, que institui a política florestal do
Estado de Goiás, e art. 252 da Lei Orgânica do Município de
Itumbiara.
Desta forma, o Município de Itumbiara, ao
legislar sobre espaços protegidos, em especial as áreas de
preservação permanente, não observou o Código Florestal,
Resolução Conama nº 303/02, e a Lei Estadual 12.596/95,
exorbitando os limites de sua competência legislativa
suplementar (art. 64, inc. II da Constituição Estadual),
configurando-se sua inconstitucionalidade.
Diante das infrações aos dispositivos citados,
7
pode-se afirmar que as áreas de preservação permanente,
somente poderão ser alteradas ou suprimidas parcial ou
totalmente por força de lei, formal e específica, emanada do
mesmo ente da federação, ou seja, a União, já que os Estados
e Municípios não falecem de competência legislativa para
alterar normas ditadas pela União.
Sob a ótica pragmática do ilustre representante
Ministerial, houve ofensa ao art. 77, inc. III, “d” da Constituição
Estadual, que trata do processo legislativo, pois promoveu
alteração em dispositivo do plano diretor da cidade, uma vez
que trata-se de matéria de iniciativa reservada ao Prefeito
Municipal, insuscetível de delegação. Houve, ainda, ofensa ao
direito à sadia qualidade de vida, prevista no art. 127, da Carta
Política Estadual, porquanto não observada a preservação da
vegetação ciliar, o que por certo causará danos irreparáveis ao
meio ambiente.
Afirma que o art. 130, § § 2º e 3º da
Constituição Estadual está sendo violado, haja visto que o art.
225, § 1º, inc. III da Constituição a República, estabelece que
incumbe ao Poder Público definir os espaços territoriais e seus
componentes protegidos. O Estado de Goiás, através de sua
Carta Política define que a vegetação de áreas marginais dos
cursos d'água, nascentes e margens de lago e topos de morros
são consideradas de preservação permanente, nos termos da
8
Lei 4.771/65 (Código Florestal) e Lei Estadual 12.596/95.
Observa que a Lei Municipal 3.047/05 ofende
o art. 132, § 3º da Constituição Estadual, não tendo havido
aprovação prévia de relatório de impacto ambiental e
participação popular, irregularidades que traduzem
inconstitucionalidade.
Expostas as alegações, requereu a concessão
de medida cautelar (art. 10, da Lei 9.868/99 e art. 46, inc. VIII,
“a” da Constituição Estadual), a fim de evitar grave lesão á
ordem jurídica e social, pois presentes o fumus boni iuris e
o periculum in mora, e assim suspender os efeitos da Lei
3.047/2005 do Município de Itumbiara, por flagrante violação
aos arts. 4º, inc. II, “f”, 64, inc. II, 77, inc. VIII, “d', 127, caput,
130, § 2º e § 3º e 132, § 3º da Constituição do Estado.
Recebidos os autos, foi determinada a
notificação do Ilustre Presidente da Câmara Municipal e o
Prefeito de Itumbiara, conforme autoriza o art. 10 da Lei
9.868/99.
A Câmara Municipal de Itumbiara, na pessoa
de seu representante legal, apresentou contestação aduzindo
que não estão presentes os requisitos ensejadores da
9
concessão de liminar postulada, visto que não se apresentam
relevantes os fundamentos da inicial, capazes de evidenciarem
a plausibilidade jurídica da tese exposta e a necessidade de
imediata suspensão da lei municipal.
Ressalta que em ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal sua eficácia somente será
suspensa quando evidenciada a fumaça do bom direito e o
risco de manter-se com plena eficácia o ato normativo, o que
não se verifica no caso, pois não demonstrado pelo autor. Que o
periculum in mora somente se apresenta no sentido de
ser algo atual, real e capaz de afetar o sucesso e a eficácia do
processo principal e o equilíbrio das partes litigantes.
Alega que a intenção do autor é coibir a
exploração turística na cidade de Itumbiara, tanto no Rio
Paranaíba quanto na Usina de Furnas, sem considerar que a
ação e presença dos ribeirinhos vinham sendo úteis, pois ao
longo dos anos foram os responsáveis pela recuperação e
reflorestamento da mata, e expulsaram os vândalos, coibindo o
desmatamento clandestino, tudo isto aos olhos do Ministério
Público, que se manteve inerte.
Entende que a tutela pleiteada não deve ser
concedida, até que se promova uma discussão mais
abrangente, na frase de instrução do processo, onde se possa
10
aferir se o texto questionado poderá causar agressões ao meio
ambiente.
Por derradeiro, menciona o risco de suspender
os efeitos da lei, sem um estudo amplo, que alcance o outro
lado do rio, pertencente ao Estado de Minas Gerais, que já tem
inclusive projeto de exploração do turismo às margens do Rio
Paranaíba, considerando que o Ministério Público de Goiás ali
não tem competência para promover qualquer ação.
Roga pelo indeferimento da liminar requerida,
até que se possa promover estudo amplo da região, a fim de
viabilizar a proteção do meio ambiente (fls. 396/407).
O ilustre Procurador-Geral do Estado, em seu
valioso estudo, bate-se pela inconstitucionalidade da lei
questionada, em razão do município ter ultrapassado os limites
de sua competência suplementar, violando dispositivos da
Constituição Federal e Estadual. Tangente ao vício de iniciativa
no processo legislativo, (art. 77, inc. VIII “d” da Constituição
Estadual), deverá ser analisada com melhor zelo. Quanto à tese
de que o Município teria invadido a esfera de competência da
União e dos Estados, em matéria urbanística, discorda, pois a
exigência de participação popular foi estabelecida em lei federal,
portanto o parâmetro de análise é de legalidade e não
constitucionalidade.
11
Manifesta-se favorável à concessão da medida
cautelar postulada, ante a presença do periculum in mora,
que poderá causar danos ao meio ambiente (fls. 417/429).
O Município de Itumbiara, por seu
representante legal aduz que diante das alegações de
inexistência de extensão mínima de preservação ambiental e da
impropriedade da técnica legislativa, confessada pelo autor, o
caso não enseja a concessão de medida cautelar, transferindo o
debate para eventuais questões fáticas, afastando o juízo de lei
em abstrato, mormente em sede de controle concentrado de
constitucionalidade de atos normativos municipais (fls.449/454).
Após análise e oitiva das partes, foi concedida
a liminar pleiteada (fls. 458/70).
Citados os chefes do Executivo e Legislativo,
quedaram-se inertes (fls. 491 e 497).
O representante legal do Estado de Goiás
manifestou-se favoravelmente pela declaração de
inconstitucionalidade do texto impugnado (fls. 503/504).
Em sua derradeira manifestação o argüente
aponta os dispositivos legais afrontados pela lei impugnada,
requerendo a declaração de inconstitucionalidade da Lei
12
3.047/2005.
É o relatório.
Passo ao voto.
Cuida-se de ação direta de
inconstitucionalidade da Lei nº 3047/2005 oriunda do Município
de Itumbiara, que “institui normas para ocupação em área de
expansão urbana às margens do Rio Paranaíba” e segundo o
argüente “sem estabelecer qualquer extensão
mínima de faixa marginal de preservação
ambiental.”
A legislação ambiental - Lei nº 4771/65
(Código Florestal) art. 2º, e Lei Estadual nº 12.596/95 art. 5º,
art. 130, § 2º da Constituição Estadual, estabelece que a faixa
marginal de qualquer curso d'água é considerada de
preservação permanente, sendo que a largura mínima é
estabelecida de acordo com a largura do corpo d'água.
“Art. 2° Consideram-se de
preservação permanente, pelo só
efeito desta Lei, as florestas e demais
13
formas de vegetação natural
situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer
curso d'água desde o seu nível mais
alto em faixa marginal cuja
largura mínima será:”
“Art. 5º - Consideram-se de
preservação permanente, em todo o
território do Estado de Goiás, as
florestas e demais formas de
vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer
curso d'água, desde seu nível mais
alto, cuja largura mínima, em cada
margem seja de :”
“Art. 130 - O Estado e os Municípios
criarão unidades de conservação
14
destinadas a proteger as nascentes e
cursos de mananciais que:
§ 2º - A vegetação das áreas
marginais dos cursos d’água,
nascentes e margens de lago e topos
de morro, numa extensão que será
definida em lei, é considerada de
preservação permanente, sendo
obrigatória sua recomposição onde
for necessário. ”
Como acima transcrito, há legislação federal e
estadual regulamentando a preservação do meio ambiente e a
faixa marginal dos cursos d'água, todavia, a norma atacada não
guardou compatibilidade com as normas hierarquicamente
superiores, conforme preceitua o art. 30, inc. II da Carta Política
e art. 64, inc. II da Carta Estadual.
Nesses termos, “é vedado à
municipalidade legislar aleatoriamente, sem a
observância dos preceitos e princípios da
Constituição ou em detrimento à atividade
15
legiferante da União e dos Estados.” (Constituição
Federal Anotada, Uadi Lammêgo Bulos, 4ª ed., p. 545)
Em detida análise da lei questionada, evidente
que o poder legiferante daquela municipalidade não observou a
norma legal que regulamenta a espécie, extrapolando os limites
de sua competência legislativa, acarretando a
inconstitucionalidade da lei.
Diante do bem elaborado parecer do digno
presentante de cúpula do Ministério Público, peço venia para
transcrever excertos do mesmo, visto que com clareza e
precisão explanou as violações constitucionais do texto
guerreado (art. 210, § único, do RITJ/GO):
“E da análise desses preceitos
constitucionais, pode-se concluir que a
competência atribuída aos Estados para
complementar as normas gerais da União não
afasta a competência dos Municípios de assim
também proceder, quando houver interesse local.
Todavia, o Município não poderá, em nenhuma
hipótese, afrontar as normas gerais da União e
nem as normas estaduais de complementação;
16
sua atuação, nesse caso, há de se limitar ao
detalhamento destas legislações, para adequá-las
às particularidades locais, sob pena de invadir
seara normativa que não lhe é própria.
Dessa maneira, o texto legal ora
questionado não poderia permitir a edificação de
obras e, por conseguinte, alteração e supressão de
vegetação, em áreas de preservação permanente,
consideradas espaços territoriais especialmente
protegidos, assim devidamente definidos pelo
artigo 2º da Lei Federal nº 4.771/65 (Código
Florestal) em cumprimento ao que determina o
artigo 225, § 1º, inciso III, da Constituição da
República:
Assim sendo, o Município de
Itumbiara, ao legislar sobre espaços
territorialmente protegidos, em especial, áreas de
preservação permanente, como inobservância dos
ditames da Lei Federal nº 4.771/65 (Código
17
Florestal), Resolução Conama nº 303/2002 e Lei
Estadual nº 12.596/95, exorbitou os limites de sua
competência legislativa suplementar (art. 64,
inciso II, da Constituição Estadual) incorrendo,
dessa forma, em patente inconstitucionalidade.
Diante disso, é correto afirmar que
as áreas de preservação permanente assim
consideradas e definidas pelo artigo 2º da Lei
Federal nº 4.771/65 (Código Florestal) – em
consonância, diga-se de passagem, com a
Resolução Conama nº 303/2002 e Lei Estadual nº
12.596/95 0 somente poderão ser alteradas ou
suprimidas parcial ou totalmente por força de lei
-formal e específica – emanada do mesmo ente de
federação, ou seja, por meio de outra lei federal,
eis que falecem aos Estados e aos Municípios
competência legislativa para alterar normas
gerais ditadas pela União.
Vale ressaltar que o Município pode e
18
deve legislar em matéria de zoneamento urbano-
ambiental, mas jamais para reduzir a proteção já
alcançada pela lei federal ou estadual. Se, no
exercício de sua competência concorrente e
suplementar, resolver enfrentar o tema das áreas
de preservação permanente em meio urbano, não
poderá trabalhar com limites e definições menos
protetivos que os já eleitos pelas leis estadual e
federal.
É vedado, portanto, ao legislador
municipal, no exercício da sua competência
suplementar, reduzir o grau de proteção já eleito
pelo legislador federal ou estadual, conforme
explicitamos alhures.
Por outra banda, não se pode deixar
de argumentar que a lei municipal ora
questionada, ainda que sob a ótica de matéria
relativa a direito urbanístico, em razão de
modificar dispositivos do Plano Diretor da
19
cidade, a sua ineficácia normativa manifesta-se
de forma incontestável. Em se tratando de direito
urbanístico,o regime jurídico de competência
legislativa prevista na Constituição da República
e na Constituição Estadual é o mesmo que
disciplina a proteção do meio ambiente, qual
seja, compete à União e aos Estados legislar
concorrentemente sobre direito urbanístico (art.
24, inciso I, da Constituição da República
reproduzida no art. 4º, II 'a', da Constituição
Estadual).
Desta feita, a Lei nº 10.257, de
10.07.2001 (Estatuto de Cidade) – que
regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição
da República - enquanto instrumento legal
instituidor das normas gerais sobre matéria
urbanística, cujas diretrizes são de observância
obrigatória para os Estados-membros e os
Municípios, impõe a oitiva prévia da população e
de suas associações, representativas na
20
formulação e aprovação de programas e projetos
de ordenamento urbano.
DA OFENSA AO ARTIGO 77, INCISO
VIII, ALÍNEA 'D' DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
Art. 77 - Compete privativamente ao
Prefeito:
VIII - enviar à Câmara Municipal,
observado o disposto nesta e na
Constituição da República, projetos
de lei dispondo sobre:
d) plano diretor;
O vício no processo legislativo que
resultou na sanção e promulgação da lei
municipal ora questionada é evidente. O
legislador municipal, ao dar nova delimitação à
zona de expansão urbana de Itumbiara,
promoveu, nesse particular, alteração em
21
dispositivo do Plano Diretor a cidade, com
indiscutível inobservância do devido processo
legislativo. Trata-se, portanto, de matéria de
iniciativa reservada ao Prefeito Municipal e
insuscetível de delegação.
DA OFENSA AO ARTIGO 127, CAPUT,
DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
Art. 127 - Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibra-
do, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo,
recuperá-lo e preservá-lo.
Referida norma positivou o direito à
sadia qualidade de vida, que significa viver em
um meio ambiente hígido e ecologicamente
equilibrado. Existe uma dupla perspectiva
22
relativamente à tutela ambiental. Por um lado,
em sentido objetivo, se protegem os recursos
naturais por seus valores intrínsecos. Por outro, e
indissociavelmente do anterior, a proteção
ambiental visa garantir o desfrute de tais bens
pelas pessoas. A qualidade de vida está
relacionada a essa segunda perspectiva.
Constata-se, portanto, que as áreas
de preservação permanente, em especial a
vegetação ciliar, é de fundamental importância
par ao equilíbrio ecológico, sendo responsável
pela sustentação dos seus nutrientes, pela
alimentação fluvial que nutre o lençol freático
(reserva de água subterrânea), além de propiciar
a formação de microclimas que possibilitam a
fixação de uma fauna variada.
Dessa maneira, afigura-se patente o
efeito degradante e pernicioso que a lei
municipal ataca poderá produzir ao meio
23
ambiente, aspecto que, por si só, já poderia ensejar
a declaração de sua invalidade, notadamente se
se observar que este diploma legal somente foi
editado para salvaguardar interesses de
proprietários (atuais e vindouros) de imóveis
edificados (ou a sem construídos) às margens do
Rio Paranaíba, ou seja, dentro de áreas
consideradas de preservação permanente.
O Poder Público local, a quem cabe
garantir a efetividade do direito ambiental,
prevenindo danos ambientais e preservando os
ecossistemas existentes no município, em verdade
editou ato normativo para consolidar e respaldar
práticas de degradação ambiental, o que está em
absoluta contradição com a obrigação
constitucional que lhe foi atribuída.
Exsurge, de maneira indubitável,
portanto, ofensa ao artigo 127, caput, da
Constituição Estadual.
24
OFENSA AO ARTIGO 130, §§ 2º e 3º
DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
Art. 130 - O Estado e os Municípios
criarão unidades de conservação
destinadas a proteger as nascentes e
cursos de mananciais que:
§ 2º - A vegetação das áreas
marginais dos cursos d’água,
nascentes e margens de lago e topos
de morro, numa extensão que será
definida em lei, é considerada de
preservação permanente, sendo
obrigatória sua recomposição onde
for necessário.
§ 3º - É vedado o desmatamento até
a distância de vinte metros das
margens dos rios, córregos e cursos
d’água.
Constata-se que as áreas marginais
25
dos cursos d'água, nascentes e margens de lago e
topos de morro são consideradas, pela
Constituição Estadual , áreas de preservação
permanente, ou seja, espaços territorialmente
protegidos.
Dessa maneira, em se tratando de
espaço territorialmente protegido, o artigo 225, §
1º, inciso III, da Constituição da República
estabelece que incumbe ao Poder Público definir,
em todas as unidades da Federal, espaços
territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas através de lei.
No Estado de Goiás a própria
Constituição Estadual define que a vegetação das
áreas marginais dos cursos d'água, nascentes e
margens de lago e topos de morros é considerada
de preservação permanente. Quanto ao Poder
Público Federal e Estadual assim o fizeram ao
26
editarem, respectivamente, a Lei nº 4.771/65
(Código Florestal) e a Lei Estadual nº 12.596/95,
ambas com harmônica redação ao definirem
áreas de preservação permanente, conforme
adredemente transcritas.
Depreende-se, portanto, que alei
municipal ora questionada, ao permitir a
edificação de obras e a conseqüente alteração e
supressão parcial ou total de vegetação em áreas
consideradas de preservação permanente pela
própria Constituição Estadual, está em claro
descompasso com os preceitos contidos no artigo
130, § 2º e § 3º da referida Carta.
DA OFENSA AO ARTIGO 132, § 3º DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
Art.132...................................................
......
§ 3º - Todo projeto, programa ou
27
obra, público ou privado, bem como
a urbanização de qualquer área, de
cuja implantação decorrer
significativa alteração do ambiente,
está sujeito à aprovação prévia do
Relatório de Impacto Ambiental,
pelo órgão competente, que lhe dará
publicidade e o submeterá à
audiência pública, nos termos
definidos em lei.
Essas providências, ao que tudo
indica, foram sumariamente ignoradas, ou seja,
não precederam à elaboração da lei
questionada. Em virtude de sua própria razão de
ser, como vimos, a vegetação em áreas
consideradas de preservação permanente
possuem uma importante e relevante função
socioambiental e sua alteração ou supressão
parcial ou total causam, por certo,significativa
alteração do meio ambiente.” (fls. 510/531)
28
Não se pode deixar de mencionar que a lei
hostilizada viola também o art. 225 da Carta Magna, eis que
nela estão contidas as disposições a serem observadas pelos
demais entes públicos, no que diz sobre preservação do meio
ambiente.
Eis julgado do Excelso Supremo Tribunal
Federal:
“MEIO AMBIENTE - DIREITO À
PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE
(CF, ART. 225) - PRERROGATIVA
QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE
METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO
DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE
NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE
CONSAGRA O POSTULADO DA
SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE
IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A
ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO
SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS
INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS
TERRITORIAIS ESPECIALMENTE
29
PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º,
III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO
REGIME JURÍDICO A ELES
PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA
RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE
VEGETAÇÃO EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE -
POSSIBILIDADE DE A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA,
CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS,
AUTORIZAR, LICENCIAR OU
PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES
NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS
PROTEGIDOS, DESDE QUE
RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A
INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS
JUSTIFICADORES DO REGIME DE
PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES
ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II,
C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF,
30
ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE
SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE
TENSÃO ENTRE VALORES
CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS
DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA
HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES
(FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS
(RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO
DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À
PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE:
UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL
EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA
(CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO
REFERENDADA - CONSEQÜENTE
INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE
MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO
DA INTEGRIDADE DO MEIO
AMBIENTE: EXPRESSÃO
CONSTITUCIO-NAL DE UM DIREITO
FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À
31
GENERALIDADE DAS PESSOAS. - Todos
têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibra-do.
Trata-se de um típico direito de
terceira geração (ou de novíssima
dimensão), que assiste a todo o
gênero humano (RTJ 158/205-206).
Incumbe, ao Estado e à própria
coletividade, a especial obrigação
de defender e preservar, em
benefício das presentes e futuras
gerações, esse direito de
titularidade coletiva e de caráter
transindividual (RTJ 164/158-161).
O adimplemento desse encargo, que
é irrenunciável, representa a
garantia de que não se
instaurarão, no seio da
coletividade, os graves conflitos
intergeneracionais marcados pelo
desrespeito ao dever de
32
solidariedade, que a todos se impõe,
na proteção desse bem essencial de
uso comum das pessoas em geral.
Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA
NÃO PODE SER EXERCIDA EM
DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS
DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A
PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A
incolumidade do meio ambiente
não pode ser comprometida por
interesses empresariais nem ficar
dependente de motivações de índole
meramente econômica, ainda mais
se se tiver presente que a atividade
econômica, considerada a
disciplina constitucional que a
rege, está subordinada, dentre
outros princípios gerais, àquele que
privilegia a "defesa do meio
ambiente" (CF, art. 170, VI), que
traduz conceito amplo e
33
abrangente das noções de meio
ambiente natural, de meio
ambiente cultural, de meio
ambiente artificial (espaço urbano)
e de meio ambiente laboral.
Doutrina. Os instrumentos jurídicos
de caráter legal e de natureza
constitucional objetivam viabilizar
a tutela efetiva do meio ambiente,
para que não se alterem as
propriedades e os atributos que lhe
são inerentes, o que provocaria
inaceitável comprometimento da
saúde, segurança, cultura, trabalho
e bem-estar da população, além de
causar graves danos ecológicos ao
patrimônio ambiental, considerado
este em seu aspecto físico ou
natural. A QUESTÃO DO
DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF,
ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE
34
PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO
MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O
PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL CO-MO FATOR DE
OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO
ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA
E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do
desenvolvimento sustentável, além
de impregnado de caráter
eminentemente constitucio-nal,
encontra suporte legitimador em
compromissos internacionais
assumidos pelo Estado brasileiro e
representa fator de obtenção do
justo equilíbrio entre as exigências
da economia e as da ecologia,
subordinada, no entanto, a
invocação desse postulado, quando
ocorrente situação de conflito entre
valores constitucionais relevantes, a
uma condição inafastável, cuja
35
observância não comprometa nem
esvazie o conteúdo essencial de um
dos mais significativos direitos
fundamentais: o direito à
preservação do meio ambiente, que
traduz bem de uso comum da
generalidade das pessoas, a ser
resguardado em favor das presentes
e futuras gerações. O ART. 4ºDO
CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA
PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM
AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS
ÁREAS DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. - A Medida Provisória
nº 2.166-67, de 24/08/2001, na
parte em que introduziu
significativas alterações no art. 4o
do Código Florestal, longe de
comprometer os valores
constitucionais consagrados no art.
225 da Lei Fundamental,
36
estabeleceu, ao contrário,
mecanismos que permitem um real
controle, pelo Estado, das
atividades desenvolvidas no âmbito
das áreas de preservação
permanente, em ordem a impedir
ações predatórias e lesivas ao
patrimônio ambiental, cuja
situação de maior vulnerabilidade
reclama proteção mais intensa,
agora propiciada, de modo
adequado e compatível com o texto
constitucional, pelo diploma
normativo em questão. - Somente a
alteração e a supressão do regime
jurídico pertinente aos espaços
territoriais especialmente protegidos
qualificam-se, por efeito da
cláusula inscrita no art. 225, § 1º,
III, da Constituição, como matérias
sujeitas ao princípio da reserva
37
legal. - É lícito ao Poder Público -
qualquer que seja a dimensão
institucional em que se posicione na
estrutura federativa (União,
Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios) - autorizar, licenciar
ou permitir a execução de obras
e/ou a realização de serviços no
âmbito dos espaços territoriais
especialmente protegidos, desde que,
além de observadas as restrições,
limitações e exigências
abstratamente estabelecidas em lei,
não resulte comprometida a
integridade dos atributos que
justificaram, quanto a tais
territórios, a instituição de regime
jurídico de proteção especial (CF,
art. 225, § 1º, III).” (ADI-MC
3540/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
Julg. 01/09/2005, Tribunal Pleno)
38
Ao teor do exposto, acolho o parecer de
cúpula do Ministério Público e declaro a inconstitucionalidade da
Lei nº 3.047, de 14 de abril de 2005, do Município de Itumbiara,
por afronta a textos da Constituição Federal e Estadual.
É o voto.
Goiânia, 22 de agosto de 2007.
Desembargador Ney Teles de Paula Relator
8/klmm/07