Drogas Pesadas Seminario Psicodelicos Publicado

18
DOI: http://dx.doi.org/10.18315/argumentum.v7i1.9053 108 Argumentum, Vitória (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015. Drogas pesadas em discussão no Primeiro Seminário sobre Psicodélicos do Rio de Janeiro Hard Drugs under discussion at the First Seminar about Psychedelic Drugs in Rio de Janeiro Sandro Eduardo RODRIGUES 1 Fernando Rocha BESERRA 2 Resumo: O artigo problematiza a produção de danos pelo modo como o proibicionismo vem abordando a relação humana com substâncias psicodélicas, que levou à necessidade de promoção de um debate clínico- político, realizado através do Primeiro Seminário sobre Psicodélicos do Rio de Janeiro. Com base em tal de- bate, o texto introduz uma terminologia sobre psicodelia e apresenta alguns aspectos da história de dois fármacos psicodélicos – o LSD e o MDMA – que colocam em xeque notícias de surgimento de novas drogas pesadas ou perigosas em si mesmas. Apostando na redução de danos como paradigma e diretriz das políti- cas de cuidado, o seminário ressaltou a necessidade urgente de se dar relevo aos aspectos pessoais ( set) e ambientais (setting) na determinação da qualidade das experiências de usuários de drogas. Palavras-chave: Drogas psicodélicas. Redução de danos. Políticas sobre drogas. Abstract: The article examines the harms caused by the way how the prohibitionism has been approaching the human relationship with psychedelic substances, which has led to the necessity of promoting a clinical and political debate, carried out through the First Seminar about Psychedelic Drugs in Rio de Janeiro. Based on such debate, the text introduces a terminology about psychedelia and presents some historical aspects of two psychedelic drugs – LSD and MDMA – that raise doubts about reports regarding the advent of new hard or inherently dangerous drugs. Relying on minimizing damages as a paradigm and guideline of care policies, the seminar highlights the urgency of acknowledging the individual (set) and environmental (set- ting) aspects when determining the quality of the drugs users' experiences. Keywords:Psychedelic drugs. Harm reduction. Drug policies. Submetido em: 30/01/2015. Aceito em: 28/04/2015. 1 Doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF, Brasil). Pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP, Brasil), integrante da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos do Rio de Janeiro (FEDDH-RJ, Brasil) e organizador da Ala Psicodélica da Marcha da Maconha (RJ). E-mail: <[email protected]>. 2 Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, Brasil). Professor do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ, Brasil), pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP, Brasil), integrante da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos do Rio de Janeiro (FEDDH-RJ, Brasil) e organizador da Ala Psicodélica da Marcha da Maconha (RJ). E- mail: <[email protected]>. ARTIGO

description

Drogas Pesadas e tratamento com psicodélicos

Transcript of Drogas Pesadas Seminario Psicodelicos Publicado

  • DOI: http://dx.doi.org/10.18315/argumentum.v7i1.9053

    108

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    Drogas pesadas em discusso no Primeiro Seminrio

    sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro

    Hard Drugs under discussion at the First Seminar about Psychedelic Drugs in Rio de Janeiro

    Sandro Eduardo RODRIGUES1

    Fernando Rocha BESERRA2

    Resumo: O artigo problematiza a produo de danos pelo modo como o proibicionismo vem abordando a

    relao humana com substncias psicodlicas, que levou necessidade de promoo de um debate clnico-

    poltico, realizado atravs do Primeiro Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro. Com base em tal de-

    bate, o texto introduz uma terminologia sobre psicodelia e apresenta alguns aspectos da histria de dois

    frmacos psicodlicos o LSD e o MDMA que colocam em xeque notcias de surgimento de novas drogas

    pesadas ou perigosas em si mesmas. Apostando na reduo de danos como paradigma e diretriz das polti-

    cas de cuidado, o seminrio ressaltou a necessidade urgente de se dar relevo aos aspectos pessoais (set) e

    ambientais (setting) na determinao da qualidade das experincias de usurios de drogas.

    Palavras-chave: Drogas psicodlicas. Reduo de danos. Polticas sobre drogas.

    Abstract: The article examines the harms caused by the way how the prohibitionism has been approaching

    the human relationship with psychedelic substances, which has led to the necessity of promoting a clinical

    and political debate, carried out through the First Seminar about Psychedelic Drugs in Rio de Janeiro. Based

    on such debate, the text introduces a terminology about psychedelia and presents some historical aspects of

    two psychedelic drugs LSD and MDMA that raise doubts about reports regarding the advent of new

    hard or inherently dangerous drugs. Relying on minimizing damages as a paradigm and guideline of care

    policies, the seminar highlights the urgency of acknowledging the individual (set) and environmental (set-

    ting) aspects when determining the quality of the drugs users' experiences.

    Keywords:Psychedelic drugs. Harm reduction. Drug policies.

    Submetido em: 30/01/2015. Aceito em: 28/04/2015.

    1 Doutor em Psicologia pelo Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal

    Fluminense (UFF, Brasil). Pesquisador do Ncleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP,

    Brasil), integrante da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos do Rio de Janeiro (FEDDH-RJ, Brasil) e

    organizador da Ala Psicodlica da Marcha da Maconha (RJ). E-mail: . 2 Mestre em Psicologia pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP, Brasil). Professor do

    Instituto Superior de Educao do Rio de Janeiro (ISERJ, Brasil), pesquisador do Ncleo de Estudos

    Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP, Brasil), integrante da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos

    do Rio de Janeiro (FEDDH-RJ, Brasil) e organizador da Ala Psicodlica da Marcha da Maconha (RJ). E-

    mail: .

    ARTIGO

  • Sandro Eduardo RODRIGUES; Fernando Rocha BESERRA

    109

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    Introduo

    m 26 de novembro de 2014 foi reali-

    zado, no Instituto Superior de Edu-

    cao do Rio de Janeiro (ISERJ), o I

    Seminrio sobre Psicodlicos-RJ, com a pre-

    sena de pesquisadores, profissionais e ati-

    vistas do campo das drogas tornadas ilcitas

    pelo proibicionismo. O evento contou com

    uma abertura e duas mesas: a primeira, Psi-

    codlicos e Reduo de Danos, teve a partici-

    pao do msico e psiclogo Sandro Rodri-

    gues e dos cientistas sociais e redutores de

    danos Dnis Petuco e Tiago Coutinho, alm

    dos fotgrafos do site Mundo Cogumelo,

    Rafael Beraldo e Danyel Sylvestre; a mesa

    Psicodlicos e polticas de drogas contou com a

    presena do psiclogo Fernando Beserra, de

    uma das organizadoras da Ala Feminista da

    Marcha da Maconha do Rio de Janeiro,

    Thamires Regina, do integrante da Frente

    Estadual Drogas e Direitos Humanos do

    Rio de Janeiro (FEDDH-RJ), Rodrigo Mat-

    tei, e do vereador Renato Cinco (PSOL-RJ).

    O evento, organizado pelos presentes auto-

    res, foi motivado por notcias alarmantes na

    mdia e polticas proibicionistas envolven-

    do novas drogas sintticas.

    Em 16 de fevereiro de 2014 foi transmitida

    pela televiso uma reportagem sobre novas

    drogas muito perigosas (BRECHA..., 2014),

    comeando a circular no mercado ilcito

    brasileiro como se fossem balas (compri-

    midos de ecstasy, cujo princpio ativo o

    MDMA) e doces (cartelas de cido, cu-

    jo princpio ativo o LSD-25). Dois dias

    depois o ttulo de uma matria da mdia

    impressa anunciava: Anvisa probe a comerci-

    alizao de 21 novas drogas(ANVISA, 2014),

    dentre as quais a metilona, usualmente

    vendida como MDMA, frmaco tornado

    ilcito h cerca de trinta anos, e onze feneti-

    laminas da famlia 25xNBOMe (25iNBOMe,

    25cNBOMe, 25eNBOMe etc), usualmente

    vendidas como se fossem o LSD, proscri-

    toh cerca de quarenta anos. Em setembro

    um estudante da Universidade de So Pau-

    lo morreu afogado durante uma festa, ten-

    do o laudo do Instituto Mdico Legal (IML)

    identificado a presena, em seu sangue, de

    um nanograma por mililitro de 25bNBOMe

    (MAIS..., 2014). O momento se mostrou ur-

    gente para a realizao de um seminrio,

    visando levantar questes como a da abor-

    dagem proibicionista que prevalece na

    grande mdia, com foco exclusivo em danos

    associados ao consumo e na represso ao

    comrcio, causando grande desinformao

    e a banalizao do tema (GORGULHO,

    2006).

    Levantamentos realizados nos ltimos dez

    anos (BRASIL, 2005; RONZANI et al., 2009)

    indicam uma incompatibilidade entre o

    enfoque editorial predominante na impren-

    sa brasileira e a realidade do consumo de

    drogas ilcitas no pas, em que pese a in-

    fluncia da mdia na produo no apenas

    de crenas sobre as substncias, mas tam-

    bm da poltica de drogas cunhada no le-

    gislativo (VIANNA, 2014). Este problema

    no de modo algum exclusivo da impren-

    sa brasileira. Desde os anos 1960, a mdia

    dos Estados Unidos, pas que declarou mais

    de uma vez guerra mundial s drogas, se-

    guida pela mdia dos demais pases signa-

    trios dos acordos proibicionistas internaci-

    onais capitaneados pelos norte-americanos,

    tem, ainda que com altos e baixos, constan-

    temente promovido um verdadeiro pnico

    moral em relao a substncias especficas

    como, por exemplo, a maconha, a cocana e

    o crack, sendo que tal sensao, junto com

    E

  • Drogas pesadas em discusso no Primeiro Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro

    110

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    as solues simplistas propostas, incita a

    populao a pedir cada vez mais o endure-

    cimento das leis de drogas (COSTA, 2015).

    Embora raras excees demonstrem ser

    possvel cobrir o tema na grande mdia sem

    restringir-se a notcias alarmistas, a peda-

    gogia do amedrontamento tipicamente

    empregada, mostrando-se, no apenas uma

    ttica ineficaz de preveno (MOREIRA;

    ANDREOLI, 2006), como ainda instrumen-

    to de reforo de esteretipos e estigmas

    (GOFFMAN, 1988), alm de guiar polticas

    pblicas sobre drogas sem o devido cuida-

    do que a questo exige. Levando-se em con-

    ta o aumento detectado no consumo de

    substncias psicodlicas (UNODC, 2014),

    urge pensarmos a respeito dos riscos de

    serem veiculadas notcias que afirmem que

    elas so muito perigosas e a respeito dos

    danos produzidos pela proibio de frma-

    cos ainda pouco pesquisados.

    Colocando os termos

    O que so drogas psicodlicas? Um sistema

    simplista de classificao dos diversos tipos

    de ao farmacolgica das drogas no Siste-

    ma Nervoso Central (SNC) distingue trs

    tipos de substncias (MASUR; CARLINI,

    2004): h as chamadas psicoanalpticas, ou

    estimulantes do SNC, como cocana, cafena

    e anfetaminas, que aceleram as conexes;

    h as psicolpticas, ou depressoras do SNC,

    como a morfina e o diazepam, que retar-

    dam as ligaes. Ambas so como pedais de

    controle de velocidade das transmisses

    sinpticas: as primeiras aumentam e as l-

    timas reduzem a atividade cerebral; mas as

    que aqui nos interessam so as classificadas

    como psicodislpticas, que, por envolverem

    efeitos mais complexos, foram tambm

    chamadas de perturbadoras do SNC, como

    o LSD, os cogumelos Psylocibe e Amanita

    muscaria, a ayahuasca, a anahuasca, o

    MDMA, os cactos com mescalina, o LSA,

    encontrado em sementes de plantas como a

    Ipomoea violcea, a Argyreia nervosa e a Tur-

    bina corymbosa, alm dos 25x-NBOMe, o

    AL-LAD, os DOx, etc. Mesmo a maconha

    (plantas do gnero cannabis), o psicofrma-

    co tornado ilcito mais utilizado pelo mun-

    do afora (UNODC, 2014), possui algumas

    propriedades que nos permitem inclu-la

    neste grupo, no qual podemos tambm lo-

    calizar ervas de efeito mais brando como a

    Canavalia maritima e o Leonurus sibiricus (co-

    nhecido como Marihuanila). Alm desses

    frmacos sintticos e alcaloides semissint-

    ticos e de origem vegetal (alcaloides so

    compostos orgnicos cuja ingesto capaz

    de produzir efeitos psquicos como torpor,

    excitao, tremores, delrios, etc), podemos

    ressaltar os de origem animal, como o

    Kyphosus fuscus, o peixe dos sonhos

    (GROF, 1997, p. 255), do Pacfico Sul, cau-

    sador de poderosas vises de pesadelo e a

    Phyllomedusa bicolor, secreo da r conhe-

    cida como kampo ou kampu, embora seja

    considerada discutvel a classificao desta

    ltima como psicodislptico (LIMA; LA-

    BATE, 2008), assim como discutvel toda

    tentativa de classificar um psicodlico em

    uma categoria que tente excluir dela quais-

    quer caractersticas de outras (XIBERRAS,

    1989). O prprio uso da cannabis, por exem-

    plo, em funo no apenas da variedade e

    qualidade da planta, mas tambm da cir-

    cunstncia, de quem usa e como usa, pode

    apresentar caractersticas ora relaxantes, ora

    euforizantes, ora fantsticas e perturbado-

    ras, ora mistas.

    O termo mais comumente utilizado em re-

    ferncia a tais drogas alucingeno, ligado

  • Sandro Eduardo RODRIGUES; Fernando Rocha BESERRA

    111

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    noo de alucinao, que vem do campo da

    psicopatologia, referida a quando notamos

    algo, mas no existe um estmulo externo

    que cause essa percepo. Ou seja, ouo

    uma voz agora, mas ningum aqui compar-

    tilha dessa voz que estou escutando. Con-

    tudo, a ingesto de psicodlicos, produz

    algo que seria melhor classificar como ex-

    perincias visionrias, experincias de ima-

    ginao ampliada, no sentido de intensifi-

    cao de aspectos usualmente pouco nota-

    dos nas imagens (sejam visuais, sonoras, de

    si, etc). Afinal, a percepo se altera, mas o

    usurio em geral permanece consciente do

    uso de uma substncia que mudou seu es-

    tado de conscincia, alm de a ingesto de

    tais frmacos usualmente ser avaliada posi-

    tivamente pelos usurios, muitos dos quais

    consideram a experincia como promotora

    de uma transformao de conscincia posi-

    tiva em suas vidas (CASHMAN, 1970).

    Um primeiro termo para nomear estas

    substncias veio do farmaclogo do final do

    sculo XIX, Louis Lewin (1924), que pesqui-

    sou o cacto peiote, observando seu consu-

    mo tradicional, tipicamente religioso. O

    peiote tem como princpio ativo a mescali-

    na, identificada quimicamente em 1897 por

    Arthur Heffter (GROF, 1997). Lewin (1924)

    chamou este tipo de substncia de phantas-

    tica, por produzir efeitos estticos incrveis,

    fantsticos. medida que alteram as for-

    mas de nossa sensibilidade, de nossa per-

    cepo de espao e tempo condies de

    possibilidade de toda experincia sensvel

    (KANT, 2000) , a ingesto de tais substn-

    cias investe de desejo a percepo (DE-

    LEUZE, 1997), podendo nos permitir, por

    exemplo, ver as paredes se dissolvendo, o

    cho granulando, notar o cintilar de mati-

    zes e cores jamais vistos, ou j esquecidos,

    ou mesmo notarmos uma ligao de tipo

    muito profundo entre cada um de ns e

    todo o cosmo, uma ligao de grande inten-

    sidade entre corpos e almas, correntes de

    energia, fluxos, vibraes, pulsaes, ondas.

    Outros termos so tambm utilizados: subs-

    tncias como a Salvia divinorum, planta pro-

    ibida pela Agncia Nacional de Vigilncia

    Sanitria (ANVISA), no Brasil, em 2013,

    promoveriam um efeito denominado onir-

    geno, termo que vem de genos, produo,

    gerao, somado ao oniros, sonho, ento

    tratar-se-ia de uma substncia geradora de

    sonhos, tal como a Calea Zacatechichi, ou

    erva dos sonhos mexicana. No final da d-

    cada de1970 um conjunto de pesquisadores,

    dentre os quais, um dos criadores da cha-

    mada etnobotnica, Gordon Wasson, e o

    qumico Jonathan Ott (2004), alm de al-

    guns etimlogos, sugeriram o termo ente-

    geno, que vem de en (interior), mais theos

    (deus), mais genos, significando algo como a

    produo do divino interior. Outro termo

    enteodlico (delos, que vem de delein, signifi-

    ca manifestao, revelao), referente a

    substncias que, embora no o produzam,

    tornam manifesto o divino interior (PIEI-

    RO, 2000). Outro nome empatgeno, que

    promove empatia (BRAVO, 2001), termo

    muitas vezes associado a frmacos como o

    Ecstasy, popularmente conhecido como a

    droga do amor. O historiador e filsofo An-

    tonio Escohotado (1994) chama tais subs-

    tncias de visionrias e caracteriza seus usu-

    rios como pessoas em geral insatisfeitas

    com a realidade ordinria e seus limites,

    tendo interesse de ir alm, buscando alter-

    nativas e solues para estagnaes cultu-

    rais, sociais e individuais. Podemos tam-

    bm considerar estas substncias como psi-

    coscpicas (CARNEIRO, 2005a), pois, tal

  • Drogas pesadas em discusso no Primeiro Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro

    112

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    como os telescpios e microscpios, que

    tornam visveis coisas em escala bem dis-

    tante de nossos limiares de percepo, elas

    nos permitem um olhar mais aguado sobre

    a mente humana.

    Optamos, em nosso seminrio, pelo termo

    psicodlico, de origem grega, que significa

    tornar manifesta a mente, ou a alma. Psico-

    dlicosso frmacos cuja ingesto altera

    nossa percepo espao-temporal, reduzin-

    do o papel do ego consciente na avaliao

    da experincia subjetiva, e fortalece as ma-

    nifestaes da imaginao, intensificando

    aspectos celestiais e infernais da experin-

    cia. O termo foi proposto em 1957 pelo psi-

    quiatra britnico Humphry Osmond (1957),

    a partir de uma rica troca de cartas com o

    escritor Aldous Huxley (1983), tendo sido

    posteriormente associado ao acid rock e

    contracultura hippie dos anos 1960 (RO-

    DRIGUES, 2014b), com cujas potncias ti-

    cas, estticas e polticas temos afinidade.

    Os psicodlicos produzem estados no ordi-

    nrios, ou alternativos de conscincia. No

    cotidiano, estamos acostumados a tomar a

    realidade apenas a partir de uma modali-

    dade de tempo, o tempo cronolgico, que

    passa em intervalos regulares, iscronos

    (RODRIGUES, 2011). Nos vemos diante

    desse regime de tempo, por exemplo, ao

    contarmos os minutos e segundos do rel-

    gio, os dias do calendrio, os compassos em

    uma partitura musical, assim como ao nos

    remetermos a uma experincia particular

    de mundo, uma experincia privada, pro-

    duzida em uma histria pessoal, qual te-

    mos acesso atravs de memrias com as

    quais construmos nossa identidade. Mas o

    uso de psicodlicos ajuda a experimentar-

    mos outras modalidades de tempo, poden-

    do nos levar a uma sensao de infinito,

    parecendo ora que o tempo no vai passar,

    ora vem voando voraz e veloz, ora passa

    lento demais, ou mesmo jamais existiu. As

    drogas psicodlicas promovem experin-

    cias nas quais a mente no se orienta por

    meio de conceitos ou significantes, nas

    quais no h distino entre o que pensa-

    mos, o que vivemos e como a realidade se

    manifesta: tudo um e toda unidade ml-

    tipla.

    A experincia humana com substncias psi-

    codlicas depende, de forma singular, de

    consideraes no somente sobre o frmaco

    utilizado (composio, armazenamento,

    etc), mas tambm da preparao pessoal

    para o uso, no que diz respeito alimenta-

    o, ao sono, s expectativas, ao ambiente

    (religioso, festivo, etc) no qual utilizado,

    se o usurio est ou no sendo acompanha-

    do por um cuidador, algum com experin-

    cia em psicodelia (are you experienced?). A

    possibilidade de o novato ser acompanhado

    por algum em quem confia e que conhea

    o uso de substncias psicodlicas pode re-

    duzir drasticamente qualquer risco no uso,

    a tal ponto que somos levados a crer que

    apenas uns 10% dos riscos, se tanto, sejam

    devidos ao consumo, em si, da substncia,

    os outros 90%, pelo menos, parecem de-

    pender do contexto e de quem est fazendo

    uso. Estudos pioneiros sobre o uso do LSD

    em psicoterapia observaram o surpreen-

    dente poder de transformao pessoal en-

    volvido, mesmo em experincias nas quais

    foi utilizado placebo em lugar do frmaco

    (STAFFORD; GOLIGHTLY, 1967).

    No livro Psychedelic Experience: a manual

    based on the Tibetan Book of the Dead, escrito

    pelos psiclogos Timothy Leary, Richard

  • Sandro Eduardo RODRIGUES; Fernando Rocha BESERRA

    113

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    Alpert e Ralph Metzner (1992) e publicado

    originalmente em 1964, os autores subli-

    nharam a importncia do que chamaram de

    set e setting, ou seja, a preparao pessoal

    (set) e a do ambiente (setting), para a redu-

    o de danos e ampliao dos benefcios da

    ingesto de psicodlicos, intensificando ao

    mximo a experincia dos usurios. Tais

    ideias foram estendidas a toda substncia

    psicotrpica pelo psiquiatra Norman Zin-

    berg (1984), no livro Drug, set and setting,

    focado, sobretudo, nos usurios de drogas

    injetveis.

    A palavra psicotrpico advm da juno

    dos termos psykh (alma, mente) e trpico

    (de tropismo, capacidade que algumas

    plantas e fungos apresentam de se move-

    rem em direo a um estmulo atraente).

    Psicotrpico o que se atrai pela mente.

    Chamamos de psicoativa qualquer substn-

    cia que tenha ao no sistema nervoso cen-

    tral. O termo psicotrpico ressalta que essa

    psicoatividade no se trata da ao exclusi-

    va de um agente sobre um sujeito/objeto

    passivo, mas de uma relao de afinidade

    (RODRIGUES, 2014b). Na definio do Dic-

    tionnaire de la Psychologie Larousse, psicotr-

    pico toda [...] substncia natural ou sint-

    tica, cuja ao sobre o sistema nervoso cen-

    tral capaz de modificar a atividade mental

    e a conduta do indivduo [...] (SILLAMY,

    1996, p. 211), sem qualquer atribuio de

    valor, positivo ou negativo, s alteraes

    que esta capaz de fazer em quem ingere.

    O uso de psicotrpicos pode produzir tanto

    efeitos teraputicos quanto colaterais e o

    termo utilizado tanto para os psicofrma-

    cos prescritos em sade mental quanto para

    substncias que, em razo da proibio, da

    proscrio, so qualificadas como drogas

    ilcitas, embora o uso corrente dos termos

    frmaco e droga parea se dirigir a realida-

    des totalmente distintas (RODRIGUES,

    2014a).

    A palavra droga porta uma ambiguidade,

    pois tecnicamente sinnimo de frmaco,

    tal como nos termos farmcia e drogaria.

    Enquanto para os gregos antigos o termo

    phrmakon significava ao mesmo tempo re-

    mdio e veneno (DERRIDA, 2005), com a

    diferena entre um e outro residindo, sobre-

    tudo, na dose utilizada, hoje em dia o termo

    frmaco costuma ser utilizado exclusiva-

    mente para remdios, tidos como bons e

    seguros. Apesar do sentido farmacolgico

    do termo droga, sem qualquer valor positi-

    vo ou negativo, a priori, em nossa cultura

    predomina o uso da palavra droga ligado a

    algo ruim (que droga!), o que no ocorre so-

    mente em portugus, mas tambm em in-

    gls, onde o termo junk se refere ora a lixo,

    algo imprestvel, como na expresso junk

    food, ora a psicotrpicos em geral, ora aos

    injetveis em especial (herona, morfina,

    cocana, etc), comumente chamados de dro-

    gas pesadas (HARRIS, 2005).

    Mas o que seriam drogas pesadas? A esse

    respeito, o crtico musical Mikal Gilmore

    tem uma frase particularmente interessante:

    [...] no auge do vero de 1967, no Haight-

    Ashbury, vendiam-se e se consumiam dro-

    gas pesadas drogas que no eram o que

    pareciam ser (GILMORE, 2010, p. 119).

    Uma questo primordial para o Primeiro

    Seminrio sobre Psicodlicos foi a possibi-

    lidade de pensarmos a respeito da noo de

    drogas pesadas como aquelas que no so o

    que parecem ser; uma ideia simples, embo-

    ra usualmente ignorada. Para tentar trans-

    mitir essa ideia e, com isso, abordar a ques-

    to urgente que mobilizou o debate, inte-

  • Drogas pesadas em discusso no Primeiro Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro

    114

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    ressa contar um pouco da histria de duas

    dentre as mais incrveis substncias produ-

    zidas pela humanidade.

    Doce, cido; bala, ecstasy

    O ano era 1929. Em Basel, na Sua, o re-

    cm-doutor em qumica Albert Hofmann

    (1980) comeava a trabalhar na companhia

    de produtos qumicos Sandoz. O qumico

    tinha especial interesse em plantas cuja po-

    tncia e efeitos de seus princpios ativos

    eram muito instveis, tornando difcil esta-

    belecer uma dosagem segura. A equipe do

    laboratrio, dirigido pelo professor Arthur

    Stoll, tentava descobrir como fabricar pre-

    parados farmacuticos estveis, no intuito

    de estabelecer dosagens teraputicas segu-

    ras de plantas como a Digitalis purpurea (co-

    nhecida como dedaleira) e a Scilla maritima

    (cebola martima). Nessa busca por domar

    compostos instveis, o jovem doutor Ho-

    fmann desenvolveu especial interesse no

    estudo no exatamente de uma planta, mas

    de pequenos cogumelos que crescem, so-

    bretudo, em gros de centeio. O fungo

    conhecido por nomes diversos, como cra-

    vagem do centeio, esporo do centeio, ergot,

    ou o nome que talvez nos soe mais elegan-

    te, Claviceps purpurea. Um cogumelo mins-

    culo que mostra em cores berrantes que a

    diferena entre o remdio e o veneno est

    bem mais na dose que no rtulo, pois no

    basta rotular algo como remdio para tirar-

    lhe os riscos, nem basta taxar algo de droga

    para tirar-lhe os benefcios.

    O ergot, por exemplo, em doses txicas, po-

    de produzir intensas perturbaes mentais,

    ou mesmo chegar a mutilar ou matar, atra-

    vs da [...] constrio dos capilares da ex-

    tremidade do corpo (CASHMAN, 1970, p.

    36), produzida pelo chamado ergotismo, ou

    Fogo de Santo Anto, conhecido h mais de

    600 anos. O ergotismo se apresenta de dois

    modos: o gangrenoso, que causa dor intensa

    e queimao de mos e ps, podendo levar

    necrose dos membros; o convulsivo, mar-

    cado por espasmos musculares e convul-

    ses, acompanhadas de alucinaes. Mas o

    esporo no era s veneno, pois, em doses

    precisas, podia ajudar a medicina como

    pulvis parturiens, o p parturiente. No scu-

    lo XIX, conta o historiador Henrique Car-

    neiro (2005b),

    [...] a Claviceps tornou-se uma matria-

    prima farmacutica com importantes usos

    como remdio auxiliar do parto ou para

    dores de cabea. O princpio ativo mais

    importante desse cogumelo, a ergotami-

    na, foi isolada em 1818 (CARNEIRO,

    2005b, p. 116-117).

    Embora a ergotamina seja utilizada at hoje

    para dores de cabea que acompanham a

    enxaqueca, outro derivado da cravagem

    que aqui nos interessa. Em 1938, com a in-

    teno de produzir um estimulante circula-

    trio e respiratrio, Albert Hofmann (1980)

    combinou o cido lisrgico, derivado da

    Claviceps purpurea, com uma srie de subs-

    tncias chamadas, em qumica, dietilami-

    das. Assim, a vigsima quinta dietilamida

    do cido lisrgico, sintetizada em 2 de maio

    de 1938, recebeu a sigla LSD-25. Testes logo

    foram feitos, administrando doses diminu-

    tas do frmaco em animais de laboratrio,

    resultando em contraes uterinas, alm de

    certa inquietao. A Sandoz no demons-

    trou interesse e os testes foram descontinu-

    ados. Uma boa sntese do LSD custosa,

    exigindo mincia e cuidado. Qualquer pes-

    quisa farmacutica sria custosa e de-

    manda muito tempo, alm do risco de no

  • Sandro Eduardo RODRIGUES; Fernando Rocha BESERRA

    115

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    se chegar a obter frmacos melhores que

    aqueles j existentes (PIGNARRE, 1999).

    Este um dos fatores pelos quais, quando

    um laboratrio farmacutico se desinteressa

    por uma substncia qualquer, abandona

    toda pesquisa a respeito. Em geral, h ou-

    tros fatores em conta, mercadolgicos, co-

    mo a questo das patentes, cujo debate,

    contudo, foge ao que queremos chamar

    ateno agora.

    Hofmann (1980) jamais abandonou o com-

    promisso tico com a pesquisa e, ao longo

    dos cinco anos seguintes, continuou a in-

    vestigar o esporo do centeio, tendo chega-

    do, com isso, a produzir frmacos impor-

    tantes como o Hydergine, remdio para a

    circulao perifrica e controle da funo

    cerebral em desordens geritricas, que che-

    gou a ser, por dcadas, oprincipal produto

    comercializado pela Sandoz. Em 1943, to-

    mado pelo peculiar pressentimento de que

    o LSD-25 possua importantes caractersti-

    cas, diferentes daquelas investigadas cinco

    anos antes, Albert Hofmann, ento diretor

    adjunto do laboratrio de pesquisas, voltou

    a sintetizar o frmaco, sendo que, desta vez,

    a droga entrou em contato acidental com

    sua pele e o qumico acabou sentindo efei-

    tos estranhos, embora em nada desagrad-

    veis.

    Na ltima sexta-feira, 16 de abril, tive que

    interromper meu trabalho de laboratrio

    no meio da tarde e ir para casa, pois fora

    tomado de uma grande inquietao e

    uma ligeira tontura. Em casa, deitei-me e

    mergulhei num estado no desagradvel

    de delrio, caracterizado por fantasias ex-

    tremamente excitadas. Num estado semi-

    consciente, de olhos cerrados (sentia a luz

    como desagradavelmente ofuscante), fui

    invadido por imagens fantsticas de ex-

    traordinria realidade e com um intenso

    jogo caleidoscpico de cores. Aps cerca

    de duas horas este estado desapareceu

    (HOFMANN, 1980, p. 12).

    Hofmann (1980), homem de cincia, sentiu

    sua imaginao superestimulada e, acredi-

    tando ter em mos uma substncia de po-

    der extraordinrio, decidiu ingerir uma do-

    se experimentalmente, trs dias depois.

    Conforme o relatrio de pesquisa, entregue

    ao professor Arthur Stoll, consta que, numa

    segunda-feira, 19 de abril de 1943, mais

    precisamente s quatro horas e vinte minu-

    tos da tarde, Albert ingeriu 250 microgra-

    mas de LSD-25 no laboratrio da Sandoz.

    Uma dose baixssima (um micrograma a

    milsima parte do miligrama), embora dez

    vezes maior do que aquela que viria a ser

    considerada a mnima eficaz para se come-

    ar a sentir os efeitos psicodlicos. Cerca de

    quarenta minutos aps a ingesto, o qumi-

    co precisou cessar as notas e ir para casa.

    Como havia restrio no uso de automveis

    por conta da guerra, foi para casa naquela

    que talvez tenha sido a mais psicodlica

    viagem de bicicleta de que se tem notcia,

    com direito a mveis se movendo, bruxas

    insidiosas, medo de enlouquecer, de mor-

    rer, dificuldade em falar, paranoia, litros de

    leite, seguidos, contudo, de uma sensao

    duradoura de profundo bem-estar (RO-

    DRIGUES, 2014c).

    A concluso do autoexperimento de Ho-

    fmann indicou o LSD como uma droga de

    potncias e propriedades extraordinrias.

    No se conhecia outro frmaco capaz de

    produzir efeitos to intensos em doses to bai-

    xas. Ele estava seguro de que a substncia

    teria utilidade na farmacologia, na neurolo-

    gia, na psicologia e na psiquiatria, embora

  • Drogas pesadas em discusso no Primeiro Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro

    116

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    no suspeitasse ainda, por um lado, de usos

    espirituais e recreativos e, por outro, das

    dores de cabea que as polticas insensatas

    do proibicionismo e da guerra s drogas

    tanto viriam a lhe causar poucas dcadas

    aps sua descoberta. Na poca apenas en-

    tregou o relatrio ao professor Stoll.

    Em seguida, estudos de laboratrio na San-

    doz indicaram a baixssima toxicidade da

    substncia, apesar da intensidade e impre-

    visibilidade de seus efeitos (embora fossem

    comuns acidentes em meio a viagens de

    LSD mal administradas, e ainda mais co-

    muns as bad trips, viagens ruins, no h re-

    latos de intoxicao por overdose da subs-

    tncia). Observando que os efeitos persis-

    tem mesmo quando a substncia no pode

    mais ser detectada no organismo, os cientis-

    tas lanaram a hiptese de que o

    [...] LSD no ativo enquanto tal, mas de-

    sencadeia certos mecanismos bioqumi-

    cos, neurofisiolgicos e psquicos que

    provocam a embriaguez e continuam

    mesmo na ausncia do princpio ativo

    (HOFMANN, 1980, p. 18).

    Devido a esse efeito poderoso em doses

    diminutas, o frmaco atraiu a ateno de

    muitos psiquiatras e logo foi feita a primei-

    ra investigao sistemtica em seres huma-

    nos, na clnica psiquitrica da Universidade

    de Zurique, com os resultados publicados

    em 1947. Embora na ocasio no se tenha

    proposto uma aplicao teraputica, pois os

    efeitos eram mutantes e no previsveis na

    remisso de sintomas especficos, a Sandoz

    se convenceu de que tinha em mos uma

    excelente ferramenta para a investigao da

    mente humana e comeou a produzir o

    LSD, enviando amostras para faculdades,

    centros de pesquisa e terapeutas privados,

    pedindo-lhes feedback sobre os resultados

    das investigaes. As amostras do tartarato

    dietilamido de cido D-lisrgico eram envi-

    adas em tabletes de acar contendo 25 g

    (microgramas) ou em ampolas com 100 g,

    distribudas sob o nome comercial sugerido

    por Hofmann, Delysid.

    Milhares de pesquisas foram realizadas

    com uso da substncia. Pesquisas cientfi-

    cas, clnicas, militares, artsticas, sexuais,

    msticas, etc., embora o que seja urgente

    sublinharmos aqui que o LSD apenas de-

    sencadeia certos mecanismos que j possu-

    mos, podendo servir inclusive como uma

    espcie de lente de aumento, um psicosc-

    pio, para analisarmos com mais preciso o

    funcionamento de tais mecanismos. Afinal,

    como psiclogos, clnicos, afirmamos que o

    principal no est mesmo nas substncias

    em si, mas em quem as utiliza, como e em

    que contexto, o que tambm no quer dizer

    que no haja diferenas entre as substn-

    cias, como se todas fossem placebos. a

    que reside parte considervel do perigo que

    a ignorncia produzida e propagada pelo

    proibicionismo faz recair especificamente

    sobre algumas drogas.

    A histria do proibicionismo e sua poltica

    de guerra s drogas, consagrada em trs

    grandes convenes internacionais a

    Conveno nica sobre Entorpecentes, de

    1961, a Conveno sobre Substncias

    Psicotrpicas, de 1971, e a Conveno

    Contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e

    Substncias Psicotrpicas, de 1988 ,

    embora pretendesse se tornar a histria da

    erradicao mundial de algumas drogas

    (RODRIGUES, 2012), da realizao do

    sonho de uma sociedade abstinente de

    certas substncias e da experincia que

  • Sandro Eduardo RODRIGUES; Fernando Rocha BESERRA

    117

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    envolve a ingesto dessas substncias,

    acabou se tornando a histria de uma

    constante criao de settings negativos,

    favorecedores de bad trips e pesadelos,

    conforme exemplificamos adiante. Pois, se

    afirmamos que drogas pesadas so aquelas

    que no so o que parecem ser, sabemos

    que este no o discurso hegemnico, por

    exemplo, na grande mdia, para a qual

    haver sempre disponvel uma droga mais

    sinistra, muito pesada, assustadora e

    perigosa em si mesma: demonizam-se

    certas drogas, sem levar em conta com

    seriedade como os danos so produzidos.

    Acontece que esta guerra s drogas,

    declarada pelo proibicionismo, se configura

    de fato como uma guerra a pessoas, a

    classes sociais, etnias, minorias em geral.

    Em sua dissertao de mestrado em

    criminologia, o delegado da polcia civil do

    Rio de Janeiro, Orlando Zaccone D'Elia

    Filho (2007), secretrio-geral da Law

    Enforcement Against Prohibition(LEAP) no

    Brasil formada por profissionais

    integrantes e ex-integrantes das foras

    armadas e do poder jurdico que, perante o

    fracasso da guerra s drogas, decidiram

    lutar pelo antiproibicionismo, pela

    legalizao e regulamentao de todas as

    drogas classificadas hoje como ilcitas ,

    mostrou bem como a grande mdia constri

    a identidade social do traficante, como

    sendo

    Um homem ou mulher sem nenhum limi-

    te moral, que ganha a vida a partir de lu-

    cros imensurveis s custas da desgraa

    alheia, que age de forma violenta e brba-

    ra, ou seja, uma espcie de incivilizado,

    aos quais a priso destinada como met-

    fora da jaula. O traficante sempre um ser

    perigoso e seu encarceramento se justifica

    para alm da realizao do direito, como

    uma verdadeira necessidade face sua

    natureza de fera (D'ELIA FILHO, 2007, p.

    118).

    Essa imagem do traficante como ser perigoso

    foi trazida por no ser to diferente da ima-

    gem que a grande mdia tenta fazer dos

    pesquisadores, criadores e estudiosos de

    tais frmacos. Enquanto se probe uma

    substncia, outras so criadas e o discurso

    predominante tem o tom de Eles so to per-

    versos que voc probe uma droga e eles tm a

    maldade e a ganncia de criar outra mais poten-

    te, como se no houvesse legitimidade em

    se utilizar bem a inteligncia e a intuio

    para criar novos meios de alterar a percep-

    o. Agrava o problema a chamada [...]

    antecipao do momento criminalizador da

    produo e da distribuio das drogas qua-

    lificadas de ilcitas (KARAM, 2008, p. 106),

    presente em nossa legislao de drogas atu-

    al, a Lei 11.343/06, que denomina trfico

    todo porte, transporte ou expedio de pre-

    cursores (matrias-primas, insumos) e torna

    passiveis de serem indiciadas como trafi-

    cantes pessoas que produzem ou pesqui-

    sam psicotrpicos proscritos (BRASIL,

    2006). Assim, quem cultiva maconha por

    iniciativa prpria ou seja, sem a Autoriza-

    o Especial, prevista apenas para institui-

    es, no artigo 5 da portaria 344/98 da An-

    visa, para [...] atividades de plantio, culti-

    vo, colheita, preparo e extrao dos princ-

    pios ativos (SANO, 2010, p. 6) , no intuito

    de pesquisar, por exemplo, leos para aux-

    lio a portadores de epilepsia refratria, cn-

    cer, enxaqueca e outras enfermidades, pode

    ser indiciado como traficante.

    Aproveitemos, contudo, essa antecipao

    para voltarmos no tempo novamente e co-

    nhecermos mais um personagem dessa his-

  • Drogas pesadas em discusso no Primeiro Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro

    118

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    tria: o qumico e farmacologista Alexander

    Sasha Shulgin, falecido h poucos meses,

    aos 88 anos de idade.

    Sasha conhecido como o pai do Ecstasy, a

    denominao comum para o MDMA (Meti-

    lenodioximetanfetamina), embora haja in-

    dcios de que, atualmente, menos de cin-

    quenta por cento das balas que circulam no

    mercado tornado ilcito pela proibio con-

    tenham de fato MDMA (um substituto que

    vinha sendo bastante utilizado a metilona,

    proibida pela Anvisa na mesma lista que

    proscreveu os NBOMe). No foi Shulgin

    quem produziu esta substncia pela pri-

    meira vez, embora tenha sintetizado mais

    de 200 substncias psicoativas (ALEXAN-

    DER SHULGIN RESEARCH INSTITUTE,

    [2014]). Sasha comeou a trabalhar com

    qumica nos anos 1950 e iniciou pesquisas

    de substncias psicodlicas nos anos 1960,

    testando-as primeiro em si prprio e, em

    seguida, em amigos. Em 1967, o cientista foi

    apresentado ao MDMA, sintetizado origi-

    nalmente em 1912 e patenteado em 1914

    pela empresa alem Merck, voltado para

    combater o sono e a fome de militares, em-

    bora nos anos 1960 este j estivesse fora do

    mercado dos psicofrmacos prescritos. Mas

    Shulgin sintetizou o frmaco e em 1976

    apresentou-a ao psiclogo Leo Zeff, tendo

    este passado a utilizar pequenas doses co-

    mo auxiliar em terapia, tendo divulgado

    para outros psiclogos, entre os quais, a

    terapeuta Ann, com quem Sasha se casaria

    em 1981 (NOGUEIRA, 2009).

    Nos anos 1990, o casal Shulgin publicou

    dois romances qumicos, nos quais con-

    tam sua histria de amor e listam um cat-

    logo de frmacos psicodlicos, detalhando

    sua sntese, dosagens e efeitos. O primeiro,

    PiHKAL (SHULGIN; SHULGIN, 1992),

    descreve a sntese de fenetilaminas psicod-

    licas, como a mescalina e o MDMA; o se-

    gundo, TiKHAL (SHULGIN; SHULGIN,

    1997), descreve a sntese de triptaminas psi-

    codlicas, como o LSD e a psilocibina. A

    lista de substncias, sua sntese e avaliaes

    so facilmente encontrveis na internet.

    Sasha costumava testar as substncias que

    sintetizava primeiro em si prprio, depois

    ingeria com Ann e, em seguida, com ami-

    gos, at partilhar com toda comunidade

    cientfica, sem jamais se importar em paten-

    te-las. Sasha viveu 88 anos, tendo se devo-

    tado at o final da vida no ao enriqueci-

    mento pessoal, mas criao, ao amor e

    coletividade. Hofmann, por sua vez, viveu

    102 anos, tendo conseguido criar, dentre

    inmeras outras coisas, o LSD, sua criana-

    maravilha; acompanhar as milhares de pes-

    quisas realizadas com a molcula; ver o

    desdobramento de usos diversos, conside-

    rando alguns mais responsveis e outros

    menos; testemunhar o desenvolvimento do

    proibicionismo, a histeria miditica, a proi-

    bio do LSD, inclusive das pesquisas, ten-

    do passado o cientista quatro dcadas la-

    mentando a proscrio de sua ento criana-

    problema, mas vivendo ainda para o retorno

    recente das pesquisas humanas com LSD na

    Sua (GASSER et al., 2014). A relao de

    Sasha e Hofmann com sua prole qumica

    bem distante do que os grandes veculos de

    comunicao buscam formar em nossas

    mentes quando se remetem a pesquisadores

    de novas substncias psicoativas como se-

    res perigosos, destruidores e gananciosos.

    Como dissemos, Sasha conheceu o MDMA

    em 1967, ano emblemtico para o movi-

    mento hippie de San Francisco, quando

    ocorreu o famoso Vero do Amor. J na

  • Sandro Eduardo RODRIGUES; Fernando Rocha BESERRA

    119

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    primeira metade dos anos 1960, o LSD ha-

    via ganhado as ruas como uma substncia

    capaz de alterar a experincia esttica, alte-

    rar a sensibilidade, modular os sentidos,

    ampliar o intelecto e a criatividade, estimu-

    lando tanto uma liberao de costumes se-

    xuais conservadores quanto o crescente

    apetite por uma espiritualidade, uma tica e

    um modo de vida comum (XIBERRAS,

    1989; MACIEL, 1987). O cruzamento das

    avenidas Haight e Ashbury, em San Fran-

    cisco, era o grande supermercado psicodli-

    co mundial original, o lugar onde o cido

    pela primeira vez era vendido e consumido

    livremente em larga escala, graas princi-

    palmente a Augustus Owsley Stanley, em-

    preendedor independente que aplicava

    grande parte do dinheiro obtidocom a ven-

    da de cido para produzir os shows psico-

    dlicosdo Grateful Dead (GILMORE, 2010).

    Acontece, porm, que o proibicionismo vi-

    nha avanando como poltica internacional

    e grandes veculos da mdia haviam intensi-

    ficado o sensacionalismo em torno do uso

    do cido, com a divulgao de matrias

    exagerando os efeitos e riscos das substn-

    cias. Tais exageros acabavam incitando

    modalidades mais perigosas de uso. Em

    maro de 1966, a revista Life publicou uma

    matria de capa que [...] descrevia a expe-

    rincia psicodlica como uma roleta-russa

    na qual se jogava com a prpria sanidade

    (LEE; SHLAIN, 1992, p. 150) e, em abril, a

    Sandoz recolheu todo LSD distribudo para

    pesquisa ignorando os resultados j pu-

    blicados e interrompendo inmeras pesqui-

    sas em andamento , com a bizarra exceo

    das remessas da droga destinadas aos estu-

    dos militares e da CIA (atravs, sobretudo,

    do projeto de lavagem cerebral MK-

    ULTRA). Apesar de terem sido alertados de

    que leis criadas em um ambiente ignorante

    produzem mais problemas do que supem

    resolverem e de que uma legislao repres-

    siva seria mais onerosa e violenta que a Lei

    Seca quando o lcool foi proibido nos Es-

    tados Unidos, causando grande corrupo,

    aumento na violncia, intoxicaes com

    lcool metlico e a fundao do crime orga-

    nizado, sem a esperada reduo do consu-

    mo (ESCOHOTADO, 1997) , polticos se

    pronunciaram contra o estatuto legal do

    LSD, que se tornou ilegal na Califrnia em

    1966, mesmo que alguns oficiais do gover-

    no acreditassem que [...] medidas puniti-

    vas iriam atualmente incentivar o cresci-

    mento do mercado de drogas ilegais e foi

    exatamente o que ocorreu (LEE; SHLAIN,

    1992, p. 153).

    Quando o ano de 1967 comeou, o uso do

    LSD, proibido na Califrnia, havia se tor-

    nado grande fetiche entre os hippies da

    Haight. Quando teve incio de fato o vero,

    havia muitas flores na cabea, como na ba-

    lada pop de Scott McKenzie, mas nem tanto

    amor no ar, pois um grande nmero de bad

    trips vinha ocorrendo, com diversos frma-

    cos sendo ingeridos em um meio hostil

    (GILMORE, 2010). Nesse ambiente, foram

    parar nas ruas, como que subitamente,

    inmeros novos agentes sintticos. Um de-

    les era o DOM (2,5-dimetoxi-4-metan-

    fetamina), sintetizado pela primeira vez em

    1963, por Sasha Shulgin, que testara em si

    prprio doses de 1 a 12 mg, tendo conside-

    rado esta ltima dose j muito alta (SHUL-

    GIN; SHULGIN, 1992). A frmula dessa

    fenetilamina psicodlica chegou ao amplo

    conhecimento dos qumicos no incio de

    1967 e como no perodo estava difcil de se

    conseguir ergotamina, precursor essencial

    para a produo laboratorial do LSD, Ows-

  • Drogas pesadas em discusso no Primeiro Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro

    120

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    ley Stanley decidiu sintetizar o DOM e doar

    cinco mil cpsulas para a celebrao do Ve-

    ro do Amor. Essas logo circulavam em San

    Francisco como STP, iniciais de Serenidade,

    Tranquilidade e Paz, trs coisas que, infeliz-

    mente, pouco conseguiram produzir.

    Quando o STP chegou nas ruas de San

    Francisco, foi em doses de 20 mg, bem aci-

    ma daquelas testadas por Shulgin. Poucos

    sabiam do que se tratava e durante trs dias

    os prontos-socorros ficaram lotados de gen-

    te se sentindo mal (GILMORE, 2010). A

    droga comeava a mostrar os primeiros

    efeitos aproximadamente ao mesmo tempo

    em que surgiam os do LSD, embora os do

    STP iniciassem mais leves que os da tripta-

    mina e levassem mais tempo para atingir

    seu auge, o que levou usurios desavisados

    a tomar novas doses que provocaram um

    nmero considervel de overdoses, embora

    nenhuma fatal. Muitos mdicos, acreditan-

    do se tratar de bad trips de LSD, prescrevi-

    am o antipsictico Thorazine para acalmar

    os usurios, pois funcionava como antdoto;

    contudo, este potencializava os efeitos do

    STP, o que veio a intensificar as bad trips,

    que foram intensamente exploradas pela

    mdia como se fossem efeito do LSD. O

    frmaco, em 1971, foi includo na lista ofici-

    al da ONU de substncias proscritas, tendo

    sido considerado desde ento sem possibi-

    lidade de uso mdico (CARNEIRO, 2005b),

    interrompendo por dcadas um ciclo pro-

    missor de pesquisas que, somente agora,

    quando o mesmo pas que liderou a guerra

    s drogas decide assumir que a guerra foi

    um fracasso, tem conseguido retornar aos

    planejamentos oficiais (MAPS, [2014]).

    O que o episdio vem evidenciar que o

    grande perigo das drogas est em ignor-

    las. Drogas perigosas, drogas pesadas so

    aquelas que no so o que parecem ser. A

    proscrio de substncias psicodlicas pro-

    duz uma restrio nas pesquisas que impe-

    de que se estudem drogas que circulam li-

    vremente no mercado e so amplamente

    consumidas, quer a sociedade busque al-

    guma regulamentao sobre sua produo,

    circulao e consumo, quer se utilize de

    uma estratgia equivocada de guerra pe-

    rante algo que tem muita dificuldade em

    compreender, que a experincia humana

    com estados alternativos da mente. Essa

    guerra faz muitas vtimas, diretas e indire-

    tas. O que buscamos ressaltar, com o exem-

    plo trazido dos anos 1960, que no faz

    sentido, em pleno ano de 2014 quando,

    felizmente, so divulgados resultados pro-

    missores de uma pesquisa cientfica sua,

    que o primeiro estudo controlado de tera-

    pia com LSD em mais de 40 anos (GASSER

    et al., 2014) , anunciar o NBOMe, por

    exemplo, como uma droga em si mesma

    perigosa, como a grande mdia alardeou no

    movimento que antecedeu a proibio des-

    sas substncias ainda pouco conhecidas que

    haviam entrado recentemente no mercado

    de drogas ilcitas. Acontece que todo psico-

    trpico, mesmo o LSD, a maconha, a clor-

    promazina, o caf, pode apresentar tanto

    efeitos teraputicos como indesejveis, as-

    sim como pode apresentar efeitos que, em-

    bora desagradveis, so bem-vindos ex-

    perincia (como o caso da nusea comu-

    mente sentida na ingesto do ch da aya-

    huasca, produzindo por vezes vmitos ex-

    perimentados como processos de limpeza,

    de purificao). Pesada e perigosa em si

    mesma, sem qualquer eficcia teraputica,

    , de fato, a abordagem proibicionista da

    questo. Um dos maiores riscos na ingesto

    do NBOMe, por exemplo, advm de esta

  • Sandro Eduardo RODRIGUES; Fernando Rocha BESERRA

    121

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    droga muitas vezes circular no mercado

    negro como sendo LSD, o que por sua vez

    ocorre apenas por conta de o LSD ter sido

    proibido, num ciclo vicioso cronificante

    (pois no podemos desconsiderar relatos de

    usurios que preferem ingerir NBOMe a

    LSD sem deixar de ser prudentes quanto a

    riscos de superdosagem e interao com

    outras substncias, acontecimentos e expe-

    rincias). Todo frmaco guarda potncias e

    perigos e preciso conhec-los para utiliz-

    los com sabedoria, tanto para reduzir danos

    quanto para ampliar benefcios. Demonizar

    e proibir no diminui o consumo; ao con-

    trrio, apenas estigmatiza comerciantes,

    pesquisadores e usurios, alm de estimu-

    lar modalidades mais danosas de uso.

    Consideraes finais

    O I Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de

    Janeiro fomentou dois grandes debates: o

    da necessidade de legalizao e regulamen-

    tao do uso de todas as substncias psico-

    trpicas e da relao singular da reduo de

    danos com as psicodlicas, devido a diver-

    sos usos de tais drogas para ampliao de

    benefcios. No contexto de um aumento

    expressivo de novas drogas psicodlicas no

    mercado, o seminrio pde constatar a ur-

    gncia do incentivo a experincias de redu-

    o de danos especificamente relacionadas

    ao uso dessas substncias psicoscpicas,

    que tanto chamam a ateno para a impor-

    tncia do cuidado com o set e o setting, de

    forma tanto a minimizar riscos quanto a

    potencializar benefcios decorrentes de tal

    uso. Com efeito, os maiores riscos e danos

    no consumo de psicodlicos vinculam-se

    diretamente a um efeito daninho da poltica

    proibicionista de Guerra s Drogas: drogas

    que no so o que parecem ser. Legalizao

    e regulamentao so condies essenciais

    para obtermos mais informao e controle.

    O seminrio contribuiu tambm para a reu-

    nio de pesquisadores e ativistas que se

    puseram em contato para construir novos

    espaos de mobilizao popular na temtica

    e fortalecimento de alguns j existentes,

    como a Ala Psicodlica da Marcha da Ma-

    conha do Rio de Janeiro, que teve sua pri-

    meira edio em 2014 e obteve um impacto

    bem positivo junto aos coletivos antiproibi-

    cionistas que se renem para organizar as

    Marchas da Maconha.

    Referncias

    ALEXANDER SHULGIN RESEARCH INS-

    TITUTE. Alexander Sasha Shulgin.

    [2014]. Disponvel em:

    . Acesso em:

    17 abr. 2015.

    ANVISA proibe a comercializao de 21

    novas drogas. So Paulo: G1, 18 fev. 2014.

    Disponvel em:

    . Acesso em: 30 jan. 2015.

    BRASIL. Mdia e drogas: o perfil do uso e

    do usurio na imprensa brasileira. Braslia:

    Agncia de Notcias dos Direitos da Infn-

    cia & Ministrio da Sade, 2005.

    BRASIL. Lei no. 11.343, de 23 de agosto de

    2006. Institui o Sistema Nacional de Polti-

    cas Pblicas sobre Drogas Sisnad; pres-

    creve medidas para preveno do uso in-

    devido, ateno e reinsero social de usu-

    rios e dependentes de drogas; [...] d outras

  • Drogas pesadas em discusso no Primeiro Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro

    122

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    providncias. Dirio Oficial [da] Repbli-

    ca Federativa do Brasil. Braslia, 25 ago.

    2006. Disponvel em:

    . Acesso em:

    17 abr. 2015.

    BRAVO, Gary. What does MDMA feel like?

    In: HOLLAND, Julie. Ecstasy: the complete

    guide a comprehensive look at the risks

    and benefits of MDMA. Vermont: Park

    Street Press, 2001.

    BRECHA na lei impede que Polcia Federal

    apreenda novas drogas. Fantstico, 16 fev.

    2014. Disponvel em:

    . Acesso em:

    30 jan. 2015.

    CARNEIRO, Henrique. A odisseia psico-

    nutica: a histria de um sculo e meio de

    pesquisas sobre plantas e substncias psi-

    coativas. In: LABATE, Beatriz Caiuby;

    GOULART, Sandra Lucia(orgs.). O uso ri-

    tual das plantas de poder. So Paulo: Mer-

    cado de Letras, 2005a. Disponvel

    em:.Acesso em: 30

    jan. 2015.

    CARNEIRO, Henrique. Pequena enciclo-

    pdia das drogas e bebidas. Rio de Janeiro:

    Elsevire, 2005b.

    CASHMAN, John. LSD. So Paulo: Pers-

    pectiva, 1970.

    COSTA, Andrew. O discurso de guerra s

    drogas e a violncia de Estado. Em: Revista

    Maconha Brasil, n. RMB3, p. XX, fev. 2015.

    D'ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionis-

    tas do nada: quem so os traficantes de

    drogas. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

    DELEUZE, Gilles. Duas questes (1979).

    Em SadeLoucura3. So Paulo: Hucitec,

    1997.

    DERRIDA, Jacques. A farmcia de Plato.

    (1972). So Paulo: Iluminuras, 2005.

    ESCOHOTADO, Antonio. Las drogas:de

    los orgenes a la prohibicin. Madri: Alian-

    za Cien., 1994.

    ESCOHOTADO, Antonio. A proibio:

    princpios e consequncias. Em RIBEIRO,

    Maurides de Melo; SEIBEL, Srgio Dario

    (orgs.). Drogas: hegemonia do cinismo. So

    Paulo: Memorial, 1997.

    GASSER, Peter et al. Safety and efficacy of

    lysergic acid diethylamide-assisted psycho-

    therapy for anxiety associated with life-

    threatening diseases. Journal of Nervous

    and Mental Disease. v. 7, n. 202, p. 513

    520, Jul. 2014.Disponvel em:

    . Acesso em: 17 abr. 2015

    GILMORE, Mikal. Ponto final: crnicas

    sobre os anos 1960 e suas desiluses. So

    Paulo: Companhia das Letras, 2010.

    GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a

    manipulao da identidade deteriorada.

    Rio de Janeiro: LTC, 1988.

  • Sandro Eduardo RODRIGUES; Fernando Rocha BESERRA

    123

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    GORGULHO, M. A influncia da mdia na

    realidade brasileira do fenmeno das subs-

    tncias psicoativas. In: XAVIER DA SIL-

    VEIRA, D.; MOREIRA, F. G. (orgs.). Pano-

    rama atual de drogas e dependncias. So

    Paulo: Atheneu, 2006.

    GROF, Stanislav. Os psicodlicos na auto-

    explorao e na psicoterapia. Em GROF,

    Stanislav. A aventura da autodescoberta.

    So Paulo: Summus, 1997.

    HARRIS, Oliver. Introduo do editor. Em

    BURROUGHS,William.Junky.RiodeJaneiro:

    Ediouro,2005.

    HOFMANN, Albert. LSD: my problem

    child. McGraw-Hill, 1980. Disponvel

    em:.ltimo acesso em: 30

    jan. 2015)

    HUXLEY, Aldous. Cartas (1956). In: HUX-

    LEY, Aldous. Moksha: textos sobre psicod-

    licos e a experincia visionria, 1931-1963.

    Rio de Janeiro: Globo, 1983.

    KANT, Imannuel. Crtica da Razo Pu-

    ra[1781]. So Paulo: Nova Cultural,

    2000.(Coleo Os Pensadores).

    KARAM, Maria Lucia. A Lei 11.343/06 e os

    repetidos danos do proibicionismo. In:

    LABATE et al. (orgs). Drogas e cultura: no-

    vas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008.

    p. 105119.

    LEARY, Timothy; METZNER, Ralph; AL-

    PERT; Richard. The psychedelic experi-

    ence: a manual based on the Tibetan Book

    of the Dead (1964). New York: Citadell,

    1992.

    LEE, Martin A.; SHLAIN, Bruce. Acid

    dreams: the complete social history of LSD,

    the CIA, the sixties and beyond (1985).

    Great Britain: Pan Books, 1992.

    LEWIN, Louis. Phantastica. 1924. Dispon-

    vel em:

    .Acesso em 30 Jan. 2015.

    LIMA, Edilene Coffaci de; LABATE, Beatriz

    Caiuby. A expanso urbana do kampo

    (Phyllomedusa bicolor): notas etnogrficas. In:

    LABATE et al (orgs). Drogas e cultura: no-

    vas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008.

    p. 315-344.

    MAPS. LSD-Assisted psychoterapy. [2014].

    Disponvel

    em:.Acesso em: 17 abr. 2015.

    MACIEL, Luiz Carlos. Anos 60. Porto Ale-

    gre: L&PM, 1987.

    MAIS barata, droga usada por jovem morto

    na USP vendida como LSD. Folha de S.

    Paulo, So Paulo, 16 out. 2014. Disponvel

    em:

    . Acesso em: 17 abr. 2015.

    MASUR, Jandira; CARLINI, Eliseu. Drogas:

    subsdios para uma discusso. So Paulo:

    Brasiliense, 2004.

    MOREIRA, F. G.; ANDREOLI, S. B. Mode-

    los de preveno do uso indevido de dro-

    gas em ambiente escolar. In: XAVIER DA

    SILVEIRA, D.; MOREIRA, F. G. (Orgs.) Pa-

  • Drogas pesadas em discusso no Primeiro Seminrio sobre Psicodlicos do Rio de Janeiro

    124

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    norama atual de drogas e dependncias.

    So Paulo: Atheneu, 2006. p. 319-324.

    NOGUEIRA, Bruno Torturra. Quem procu-

    ra Sasha. Revista Trip, So Paulo, n. 179, 13

    jul. 2009. Disponvel em:

    . Acesso em:

    30 jan. 2015.

    OSMOND, Humphry. The exploration of

    experience. 1957. Trecho da comunicao

    cientfica A Review of the Clinical Effects of

    Psychotomimetic Agents. Annals... N.Y.

    Acad. Sci., 14 Mar. 1957. Disponvel

    em:. Acesso em: 30

    jan. 2015.

    OTT, Jonathan. Pharmacotheon: drogas en-

    teognicas, sus fuentes vegetales y su histo-

    ria. Madrid: La Liebre del Marzo, 2004.

    PIGNARRE, Philippe. O que o medica-

    mento?: um objeto estranho entre cincia,

    mercado e sociedade. So Paulo: 34, 1999.

    PIEIRO, Juanjo. Psiconautas: explorado-

    res de la conciencia. Madri: La Liebre del

    Marzo, 2000.

    RODRIGUES, Sandro Eduardo. Ritmo e

    subjetividade: o tempo no pulsado. Rio de

    Janeiro: Multifoco, 2011.

    RODRIGUES, Sandro Eduardo. Experincias

    psicotrpicas proscritas: o fora-eixo. In: LO-

    PES, Luclia Elias; BATISTA, Vera Malaguti.

    Atendendo na guerra: dilemas mdicos e

    jurdicos sobre o crack. Rio de Janeiro: Re-

    van, 2014a.

    RODRIGUES, Sandro Eduardo. Modulaes

    de sentidos na experincia psicotrpica.

    2014b. (Tese de doutorado)- Programa de

    Ps Graduao em Psicologia da Universi-

    dade Federal Fluminense, Rio de Janeiro,

    2014b.

    RODRIGUES, Sandro Eduardo. Albert

    Hofmann e o dia da bicicleta. 19 abr. 2014c.

    Disponvel em:

    .

    Acesso em: 30 jan. 2015.

    RODRIGUES, Thiago. Narcotrfico: uma

    guerra na guerra. So Paulo: Desatino, 2012.

    RONZANI, Telmo Mota et al. Mdia e

    drogas: anlise documental da mdia escrita

    brasileira sobre o tema entre 1999 e 2003.

    Cincia & Sade Coletiva, Rio de Janeiro, n.

    14, v. 5, p. 1751-1762, 2009.

    SANO. Autorizao especial para o cultivo

    de cannabis. In: VIDAL, Sergio. Cannabis

    medicinal: introduo ao cultivo indoor.

    Salvador: Edio do Autor, 2010.

    SHULGIN, Alexander; SHULGIN, Ann.

    Phenetilamines i Have Known And Loved:

    a chemical love story. Berkeley: Transform-

    Press, 1992.

    SHULGIN, Alexander; SHULGIN, Ann.

    Triptamines i Have Known And Loved: a

    chemical love story.Berkeley: Transform-

    Press, 1997.

    SILLAMY, Norbert. Dictionnaire de la

    Psychologie Larousse. Paris: Larousse,

    1996.

  • Sandro Eduardo RODRIGUES; Fernando Rocha BESERRA

    125

    Argumentum, Vitria (ES), v. 7, n.1, p. 108-125, jan./jun. 2015.

    STAFFORD, P. G.; GOLIGHTLY, B. H.

    LSD: the problem-solving psychedelic.

    New York: Award Books, 1967.

    UNODC.World Drug Report, 2014. Dis-

    ponvel

    em:.Acess

    o em: 30 jan. 2015.

    VIANNA, Felipe Augusto Fonseca. A in-

    fluncia da mdia na formao da Poltica

    de Drogas: o caso dos Estados Unidos da

    Amrica. Contedo Jurdico, Braslia, 12

    jun. 2014. Disponvel

    em:. Acesso em: 4

    abr. 2015.

    XIBERRAS, Martine. A sociedade intoxica-

    da. Lisboa: Instituto Piaget, 1989.

    ZINBERG, Norman. Drug, Set, and Set-

    ting: The Basis for Controlled Intoxicant

    Use. Yale University Press, 1984.