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N o 90.852/2015-AsJConst/SAJ/PGR EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com fundamento nos arts. 102, I, a e p, 103, VI, e 129, IV, da Constituição da Re- pública, no art. 46, parágrafo único, I, da LC 75, de 20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), e na Lei 9.868, 10 de novembro de 1999, propõe ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, contra trechos dos arts. 80 e 82 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro), na redação do art. 1 o da Lei 12.878, de 4 de novembro de 2013, conforme se especificam adiante, no que estabelecem atribuições processuais para o Ministro de Estado da DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 22/05/2015 16:02.

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No 90.852/2015-AsJConst/SAJ/PGR

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com fundamento

nos arts. 102, I, a e p, 103, VI, e 129, IV, da Constituição da Re-

pública, no art. 46, parágrafo único, I, da LC 75, de 20 de maio

de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), e na Lei

9.868, 10 de novembro de 1999, propõe

ação direta de inconstitucionalidade,

com pedido de medida cautelar, contra trechos dos arts. 80

e 82 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do

Estrangeiro), na redação do art. 1o da Lei 12.878, de 4 de

novembro de 2013, conforme se especificam adiante, no que

estabelecem atribuições processuais para o Ministro de Estado da

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

Justiça, na nova disciplina da prisão cautelar para fins de extradi-

ção.

Esta petição inicial acompanha-se de cópia da norma, em

obediência ao art. 3o, parágrafo único, da Lei 9.868/99.

I OBJETO DA AÇÃO

Os trechos impugnados nesta ação são os indicados a seguir,

destacados em itálico e negrito:

Art. 1o. Os arts. 80, 81 e 82 da Lei no 6.815, de 19 de agostode 1980 (Estatuto do Estrangeiro), passam a vigorar com aseguinte redação:

Art. 80. A extradição será requerida por via diplomáti-ca ou, quando previsto em tratado, diretamente ao Mi-nistério da Justiça, devendo o pedido ser instruídocom a cópia autêntica ou a certidão da sentença con-denatória ou decisão penal proferida por juiz ou auto-ridade competente.

§ 1o. O pedido deverá ser instruído com indicaçõesprecisas sobre o local, a data, a natureza e as circuns-tâncias do fato criminoso, a identidade do extraditandoe, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a com-petência, a pena e sua prescrição.

§ 2o. O encaminhamento do pedido pelo Ministérioda Justiça ou por via diplomática confere autenticidadeaos documentos.

§ 3o. Os documentos indicados neste artigo serãoacompanhados de versão feita oficialmente para o idio-ma português. (NR)

Art. 81. O pedido, após exame da presença dos pressu-postos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ouem tratado, será encaminhado pelo Ministério da Justi-ça ao Supremo Tribunal Federal.

Parágrafo único. Não preenchidos os pressupostos deque trata o caput, o pedido será arquivado mediantedecisão fundamentada do Ministro de Estado da Justi-

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ça, sem prejuízo de renovação do pedido, devidamen-te instruído, uma vez superado o óbice apontado.(NR)

Art. 82. O Estado interessado na extradição poderá,em caso de urgência e antes da formalização do pedidode extradição, ou conjuntamente com este, requerer aprisão cautelar do extraditando por via diplomática ou,quando previsto em tratado, ao Ministério da Justiça,que, após exame da presença dos pressupostos formaisde admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, re-presentará ao Supremo Tribunal Federal.

§ 1o. O pedido de prisão cautelar noticiará o crime co-metido e deverá ser fundamentado, podendo ser apre-sentado por correio, fax, mensagem eletrônica ouqualquer outro meio que assegure a comunicação porescrito.

§ 2o. O pedido de prisão cautelar poderá ser apresenta-do ao Ministério da Justiça por meio da OrganizaçãoInternacional de Polícia Criminal (Interpol), devida-mente instruído com a documentação comprobatóriada existência de ordem de prisão proferida por Estadoestrangeiro.

§ 3o. O Estado estrangeiro deverá, no prazo de 90([...]) dias contado da data em que tiver sido cientifica-do da prisão do extraditando, formalizar o pedido deextradição.

§ 4o. Caso o pedido não seja formalizado no prazoprevisto no § 3o, o extraditando deverá ser posto emliberdade, não se admitindo novo pedido de prisãocautelar pelo mesmo fato sem que a extradição hajasido devidamente requerida.” (NR)

Art. 2o. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Os trechos indicados da Lei 6.815/1980, na redação que lhes

deu a Lei 12.878/2013, violam o art. 5o, incisos LIII, LIV e LV,1

1 “Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature-za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invi-olabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-priedade, nos termos seguintes: [...]LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridadecompetente;

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o art. 102, inc. I, alínea g,2 o art. 103, § 1o,3 e o art. 129, inc. I e

§ 2o, primeira parte,4 da Constituição da República.

II FUNDAMENTAÇÃO

II.1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

A Lei 12.878, de 4 de novembro de 2013, foi editada com a

finalidade de tornar mais eficiente o processo de extradição passiva

(aquela em que o Brasil é o Estado requerido), particularmente

para dar executoriedade à “Difusão Vermelha” (conhecida em in-

glês como “Red Notice”). Eles são avisos divulgados internacional-

mente de pessoas procuradas (“Wanted Persons”) pela

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE POLÍCIA CRIMINAL (OIPC, mais

conhecida como INTERPOL, com sede em Lyon, França), com base

em informações inseridas no sistema informatizado da entidade,5

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devidoprocesso legal;LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusadosem geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios erecursos a ela inerentes; [...]”.

2 “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, aguarda da Constituição, cabendo-lhe: [...]I – processar e julgar, originariamente: [...]g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro; [...]”.

3 “§ 1o. O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvidonas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competên-cia do Supremo Tribunal Federal.”

4 “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; [...].§ 2o. As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por inte-grantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação,salvo autorização do chefe da instituição. (Redação dada pela EmendaConstitucional 45, de 2004) [...]”.

5 Antes da Lei 12.878/2013, a jurisprudência do STF advertia que a publi-cação de “Red Notices” pela INTERPOL ou inclusão de nome na “Difusão

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seja por haverem sido condenadas definitivamente, seja porque so-

bre elas pende mandado de prisão válido emitido por autoridade

competente (judicial ou não) de outro país.

Eis a definição dos avisos divulgada pela INTERPOL (em tradu-

ção livre):

Os Avisos da INTERPOL são solicitações internacionais de co-operação ou avisos que permitam à polícia dos países-mem-bros compartilhar informações criminais relevantes.

Os avisos são divulgados pela Secretaria Geral da INTERPOL, apedido de um dos Escritórios Centrais Nacionais e de enti-dades autorizadas, e podem ser divulgados em qualquer daslínguas oficiais da organização: árabe, inglês, francês e espa-nhol.

No caso da Difusão Vermelha, as pessoas envolvidas sãoprocuradas por jurisdições nacionais para fins de persecuçãopenal ou para cumprir sentença, baseados em mandado deprisão ou em decisão judicial. O papel da INTERPOL é o deassistir as forças policiais nacionais em identificar e localizaressas pessoas, com vistas à sua prisão e extradição ou a me-dida jurídica similar.

Além disso, os Avisos são usados pelas Nações Unidas, porTribunais Criminais Internacionais e pelo Tribunal PenalInternacional para buscar pessoas procuradas por cometercrimes de sua jurisdição, notadamente genocídio, crimes deguerra e crimes contra a humanidade.

[...]

Um aviso é divulgado apenas se preencher todas as condi-ções para processamento da informação. Por exemplo, umaviso não será divulgado se violar o artigo 3o do Estatuto daINTERPOL, que proíbe a organização de realizar qualquer in-tervenção ou atividade de caráter político, militar, religiosoou racial.

Vermelha” não bastava para instaurar a competência originária da Corte,pois as autoridades policiais do Departamento de Polícia Federal brasileiro,que atuam no Escritório Central Nacional da INTERPOL no Brasil, não seenquadram no rol taxativo do art. 102, I, g, da Constituição da República,o qual arrola somente Estado estrangeiro como parte legítima para atuarno polo passivo de extradição.

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Os avisos são processados em consonância com as Regras daINTERPOL para Processamento de Dados, que asseguram a le-galidade e a qualidade da informação e a proteção de dadospessoais.

A base jurídica para a Difusão Vermelha é um mandado deprisão ou decisão judicial emitida pelas autoridades judiciaisdo país interessado. Muitos dos países-membros da INTERPOL

consideram a Difusão Vermelha como solicitação válida parafins de prisão provisória.

[...]6

6 No original (disponível em < http://zip.net/bvqMLj > ou< http://www.interpol.int/interpol-expertise/notices >; acesso em 11fev. 2015):“INTERPOL Notices are international requests for cooperation or alerts allowingpolice in member countries to share critical crime-related information.Notices are published by INTERPOL’s General Secretariat at the request of Na-tional Central Bureaus (NCBs) and authorized entities, and can be published inany of the Organization’s official languages: Arabic, English, French and Span-ish.In the case of Red Notices, the persons concerned are wanted by national jurisdic-tions for prosecution or to serve a sentence based on an arrest warrant or court deci -sion. INTERPOL's role is to assist the national police forces in identifying andlocating these persons with a view to their arrest and extradition or similar lawfulaction. In addition, Notices are used by the United Nations, International Criminal Tri-bunals and the International Criminal Court to seek persons wanted for commit-ting crimes within their jurisdiction, notably genocide, war crimes, and crimesagainst humanity.[...]A Notice is published only if it fulfils all conditions for processing the information.For example, a Notice will not be published if it violates Article 3 of the INTER-POL Constitution, which forbids the Organization from undertaking any inter-vention or activities of a political, military, religious or racial character.Notices are processed in line with INTERPOL’s Rules on the Processing ofData, which ensure the legality and quality of information, and the protection ofpersonal data.The legal basis for a Red Notice is an arrest warrant or court order issued by thejudicial authorities in the country concerned. Many of INTERPOL’s membercountries consider a Red Notice to be a valid request for provisional arrest. [...]”.As Regras da INTERPOL para Processamento de Dados (INTERPOL’s Ru-les on the Processing of Data) encontram-se disponíveis na mesma página aci-ma indicada, em atalho na seção “Legal Basis”. Acerca das difusões e avisosda INTERPOL, cf. arts. 73 e seguintes de seu estatuto.

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O diploma legal indicado alterou a redação dos arts. 80 a 82

da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro –

EE), uma vez que o Brasil não possui lei específica para disciplinar

o instituto da extradição, e estabeleceu no art. 82 caber ao Minis-

tro da Justiça representar ao Supremo Tribunal Federal pela prisão

cautelar de extraditando.

As normas que preveem essa legitimidade ofendem os princí-

pios acusatório, do juiz natural, da ampla defesa (que compreende

o princípio do contraditório) e do devido processo legal, insculpi-

dos no art. 129, I, no art. 5o, LIII, LIV e LV, e nos arts. 102, I, g,

103, § 1o, e art. 129, I e § 2o, primeira parte, da Constituição da

República.

Antes de incursionar na alegação central de inconstitucionali-

dade, importa fazer rápidos apontamentos sobre a extradição no

Brasil. Extradição é tema de Direito Processual Penal Internacio-

nal, a envolver sempre dois Estados soberanos – o requerente e o

requerido –, fundamental na cooperação penal para repressão in-

ternacional de delitos. Como assinala DENISE NEVES ABADE, “extra-

dição consiste em espécie da cooperação jurídica internacional em

matéria penal, que visa à entrega de indivíduo para determinado

Estado solicitante, para fins de submissão a processo penal ou exe-

cução de pena criminal.”7 Existem duas espécies de extradição: a

instrutória e a executória. A primeira ocorre quando processo cri-

minal ainda esteja em curso no país requerente, ou seja, quando

não haja condenação definitiva do extraditando. Tem lugar a se-7 ABADE, Denise Neves. Direitos fundamentais na cooperação jurídica internaci-

onal: extradição, assistência jurídica, execução de sentença estrangeira etransferência de presos. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 50.

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gunda quando visa a dar cumprimento à pena, ou seja, quando já

houve condenação por parte do Estado requerente.

Extradição, sem embargo de ser ferramenta do Direito Inter-

nacional, é instituto ancilar do Direito Processual Penal, necessari-

amente voltado à satisfação do jus puniendi de Estado estrangeiro,

desde que baseado em ordem de prisão válida, segundo as leis res-

pectivas (pode, por exemplo, a ordem ser emitida pelo Ministério

Público, em alguns países8), e em outros requisitos, como existên-

cia de tratado entre o Estado requerente e o requerido. A respeito

dessa natureza intrinsecamente processual penal, ARTUR DE BRITO

GUEIROS SOUZA assim conceitua o instituto:

O instituto da extradição pode ser, materialmente, definidocomo “o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo acusadode fato delituoso ou já condenado como criminoso, à justiça de outroEstado, competente para julgá-lo e puni-lo”.

Em termos formais, ela conceitua-se como sendo “o processopelo qual um Estado atende ao pedido de outro Estado, reme-tendo- lhe pessoa processada no país solicitante por crime punido nalegislação de ambos os países, não se extraditando, via de regra, na-cional do país solicitado”.

Assim – encarando-a como um atributo da soberania oucomo um procedimento deduzido em atenção ao interessede outro país –[,] a extradição é, seguramente, o principalmecanismo da chamada cooperação internacional na repressão pe-nal, fazendo com que as fronteiras políticas não funcionem

8 Na Ext 478/Suíça, por exemplo, registrou o Ministro MOREIRA ALVES:“[...] A instrução criminal a que se refere o artigo VII do Tratado de Ex-tradição firmado pelo Brasil e pela Suíça e promulgado pelo Decreto n.23.997, de 13.3.34, abarca, também, a fase das investigações extrajudiciais,razão por que o pedido de extradição pode vir fundado em decreto deprisão emanado do Ministério Público Suíço. Precedentes do S.T.F.: ex-tradições 333 e 491). [...]” (STF. Plenário. Ext 478 segunda/Suíça. Rela-tor: Ministro MOREIRA ALVES. 13/12/1989, unânime. Diário da Justiça, 4maio 1990, p. 3.694).

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como fator de impunidade e de não-reparação da lesão per-petrada no locus commissi delicti.

Desta forma, o seu objetivo “tanto é o de possibilitar oprocesso e julgamento do autor do crime, através das formasprescritas em lei, como o de executar a pena já imposta emsentença condenatória.”9

FRANCISCO REZEK igualmente acentua essa indiscutível natu-

reza processual penal:

117. Conceito e fundamento jurídico. Extradição é aentrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoaque em seu território deva responder a processo penal oucumprir pena. Cuida-se de uma relação executiva, com en-volvimento judiciário de ambos os lados: o governo reque-rente da extradição só toma essa iniciativa em razão daexistência do processo penal – findo ou em curso – ante suaJustiça; e o governo do Estado requerido (ou Estado “deasilo”, na linguagem imprópria de alguns autores de expres-são inglesa) não goza, em geral de uma prerrogativa de deci-dir sobre o atendimento do pedido senão depois de umpronunciamento da Justiça local. A extradição pressupõesempre um processo penal: ela não serve para a recuperaçãoforçada do devedor relapso ou do chefe de família que emi-gra para desertar dos seus deveres de sustento da prole.10

Com efeito, para apreciação de pedido de extradição instru-

tória, exige-se apresentação de documentos comprobatórios de

processo penal contra o extraditando em trâmite no Estado de ori-

gem.11 Não por acaso, o tempo de prisão processual para assegurar

9 SOUZA, Artur de Brito Gueiros. As novas tendências do Direito Internacio-nal. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 9-10, destaques no original.

10 REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 14. ed.São Paulo: Saraiva, 2013, p. 236-237, destaques no original.

11 STF. Plenário. Ext 925/PG. Rel.: Min. CARLOS BRITTO. 10/8/2005, mai-oria. DJ, 9 dez. 2005.

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eficácia de processo de extradição serve para detração de futura

condenação a pena privativa de liberdade.12

Há três fases distintas no processo de extradição. A princípio

existe fase administrativa, na qual Estado estrangeiro, ou a

INTERPOL, apresentam requerimento, por via diplomática ou dire-

tamente ao Ministério da Justiça, se previsto em tratado, ocasião

em que se faz primeiro exame da admissibilidade da medida. A se-

gunda fase é judicial e inicia-se com encaminhamento do pedido

de extradição solicitado por Estado estrangeiro, mediante aviso do

Ministério da Justiça, ao Supremo Tribunal Federal, órgão judici-

ário competente para processar e julgar essa espécie de pedido,

originariamente, consoante o art. 102, I, g, da Carta Política.13

Na terceira e última fase, novamente administrativa, o go-

verno brasileiro entrega a pessoa extraditada, se julgada pelo STF

procedente a extradição, ou comunica a negativa, no caso oposto.

O pronunciamento do STF somente vincula o Presidente da Re-

pública no caso de indeferimento, pois, caso deferida, o chefe do

Poder Executivo pode entregar ou não o extraditando, segundo

avaliação discricionária, desde que o faça nos limites dos tratados

internacionais.14

12 STF. Primeira Turma. Ext 1.255/República da Áustria. Rel.: Min.MARCO AURÉLIO. 5/6/2012, un. DJ eletrônico 126, 27 jun. 2012.

13 Transcrição do dispositivo na nota 2 supra.14 EDUARDO BIACCHI GOMES e RONALD SILKA ressaltam que o descumprimento

de tratado somente se justifica em situações excepcionais e de acordo comas condições previstas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Trata-dos de 1969 (promulgada no Brasil por meio do Decreto 7.030, de 14 dedezembro de 2009). GOMES, Eduardo Biacchi; ALMEIDA, RonaldSilka. Extradição e direitos fundamentais: o caso Cesare Battisti. In: Revis-ta de informação legislativa, v. 49, n. 195, p. 25-39, jul./set. 2012, p. 33.

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Extradição é, portanto, ato complexo, que envolve fases ad-

ministrativa e judicial e constitui matéria de interseção entre o Di-

reito Internacional e o Processual Penal, voltada à eficácia de

normas penais. É ato de soberania, que envolve interesses jurídicos

e políticos concernentes a cooperação internacional em matéria

criminal.

Quando o Estado firma tratado de extradição, criam-se obri-

gações recíprocas no sentido de facilitá-la. Desse modo, negativa

do Estado requerido pode gerar responsabilidade internacional,

salvo se houver no próprio tratado exceções que admitam margem

de discricionariedade ao Chefe de Estado.15 O Brasil, ao firmar es-

ses tratados, adota como uma de suas diretrizes o dever de ob-

servância aos direitos fundamentais do extraditando.16

Quando não há tratado, a extradição deixa de ser obrigatória

e acentua-se o caráter discricionário do ato do Presidente da Re-

pública. Pode o Estado requerido concedê-la, mediante promessa

de reciprocidade. Esta constitui submissão do pedido de extradi-

ção ao procedimento previsto na Lei 6.815/1980, mediante a qual

o Estado requerente promete “acolher, no futuro, pedidos que

transitem em sentido inverso, e processá-los na conformidade de

seu próprio direito interno”.17

Antes da Lei 12.878/2013, a redação original do art. 81 do

Estatuto do Estrangeiro18 previa que, após remessa do pedido do

15 Gomes & Almeida 2012, p. 28.16 Gomes & Almeida 2012, p. 34.17 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 13.

ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 231-232.18 “Art. 81. O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Mi-

nistério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando colocando-o à

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Ministério das Relações Exteriores ao Ministério da Justiça, este

seria o responsável por ordenar “a prisão do extraditando[,] colo-

cando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal”. Natural-

mente, após a Constituição da República de 1988, não é mais

possível decretação dessa modalidade de prisão, de natureza admi-

nistrativa, pois somente se admitem prisão em flagrante delito ou

por decisão escrita e fundamentada da autoridade judiciária com-

petente (art. 5o, LXI, da CR).19

É, atualmente, o ministro relator do processo extradicional

quem decreta a prisão cautelar no ato em que recebe pedido de

extradição. Segundo o STF, o processo não terá andamento en-

quanto não estiver preso o extraditando, o qual deve permanecer

à disposição do Tribunal até julgamento final (arts. 208 e 213 do

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).20

A jurisprudência da Suprema Corte considera dita prisão

como condição de procedibilidade do processo de extradição.

Destina-se, “‘em sua precípua função instrumental, a assegurar a

execução de eventual ordem de extradição’ (Ext no 579-QO, Tri-

bunal Pleno, Relator o Ministro CELSO DE MELLO, DJ de

10/9/93), nos termos dos arts. 81 e 84 da Lei no 6.815/90, não

disposição do Supremo Tribunal Federal.”19 STF. Plenário. HC 73.256/SP. Rel.: Min. SYDNEY SANCHES. 10/4/1996,

un. DJ, 13 dez. 1996, p. 480. 20 Antes da Lei 12.878/2013 não havia previsão do termo “prisão preventi-

va” para extradição, mas a jurisprudência e a doutrina utilizavam-se dasdenominações “prisão cautelar”, “prisão provisória” ou “prisão para finsde extradição”. Com o emprego da expressão “prisão preventiva” pela Lei12.878/2013, evidencia-se intenção do legislador de aplicar à extradição,de forma subsidiária, as regras do Código de Processo Penal.

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comportando a liberdade provisória ou a prisão domiciliar, salvo

em situações excepcionais”.21

Em recentes julgados, antes da Lei 12.878/2013, o STF fle-

xibilizou a prisão para extradição e concedeu liberdade provisória,

consideradas condições pessoais do extraditando e necessidade do

encarceramento. Veja-se exemplo:

QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA.EXTRADIÇÃO EXECUTÓRIA. EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDOS.TÍTULOS PRÉ-DATADOS. PRISÃO PARA FINS DE EXTRADIÇÃO.EXAME DA NECESSIDADE E DA PROPORCIONALIDADE DO

APRISIONAMENTO. ESTRANGEIRO REQUESTADO QUE RESIDE NO

BRASIL HÁ MAIS DE SETE ANOS. COMPROVAÇÃO DE QUE EXERCE

ATIVIDADE LABORAL LÍCITA. ESPECIALÍSSIMA PROTEÇÃO

CONSTITUCIONAL À FAMÍLIA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

PARA FINS EXTRADICIONAIS, MEDIANTE O CUMPRIMENTO DE

CONDIÇÕES.1. Prevalece na jurisprudência do Supremo Tribunal Federalo entendimento de que a prisão preventiva para fins de ex-tradição constitui requisito de procedibilidade da ação extra-dicional, não se confundindo com a segregação preventivade que trata o Código de Processo Penal.2. Esse entendimento jurisprudencial já foi, por vezes, miti-gado, diante de uma tão vistosa quanto injustificada demorana segregação do extraditando e em situações de evidentedesnecessidade do aprisionamento cautelar do estrangeirorequestado.3. O processo de extradição se estabelece num contexto decontrole internacional da criminalidade e do combate à pro-liferação de “paraísos” ou valhacoutos para trânsfugas penais.O que não autoriza fazer da prisão preventiva para extradi-ção uma dura e fria negativa de acesso aos direitos e garan-tias processuais de base constitucional, além deenfaticamente proclamados em Tratados Internacionais deque o Brasil faz parte; sobretudo em face da especialíssimaproteção à família, pois o certo é que se deve assegurar à cri-ança e ao adolescente o direito à convivência familiar (arts.

21 STF. Primeira Turma. Ext 1.274/DF. Rel.: Min. DIAS TOFFOLI.16/10/2012, un. DJe, 12 nov. 2012.

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226 e 227), já acentuadamente prejudicada com a prisão emsi do extraditando.4. Sendo o indivíduo uma realidade única ou insimilar, irre-petível mesmo na sua condição de microcosmo ou de umuniverso à parte, todo instituto de direito penal que se lheaplique há de exibir o timbre da personalização. Em matériapenal é a própria Constituição que se deseja assim personali-zada ou orteguianamente aplicada (na linha do “Eu sou eu eminhas circunstâncias”, como enunciou ORTEGA Y GASSET),a partir dos graves institutos da prisão e da pena, que têmseu regime jurídico central no lastro formal dela própria,Constituição Federal.5. A prisão preventiva para fins extradicionais é de ser bali-zada pela necessidade e pela razoabilidade do aprisiona-mento. Precedentes do Plenário do Supremo TribunalFederal.6. No caso, os fatos protagonizados pelo extraditando (emis-são de cheques sem fundos) se acham naquela tênue linhaque separa os chamados ilícitos penais dos ilícitos civis. Aevidenciar a ausência de periculosidade social na liberdadedo agente. Aliando-se a isso a falta de elementos concretosque permitam a elaboração de um juízo minimamente se-guro quanto a risco de fuga do extraditando ou de qualqueroutra forma de retardamento processual.7. Se a história de vida do extraditando no Brasil não im-pede o deferimento do pedido de entrega, obriga o julgadora um mais refletido exercício mental quanto às seqüelas fa-miliarmente graves da prisão cautelar. Prisão que, na con-creta situação deste processo, implicaria a total desassistênciamaterial do filho menor do estrangeiro requestado e de suaesposa doméstica.8. Questão de ordem resolvida para revogar a prisão preven-tiva do extraditando, mediante o cumprimento de explicita-das condições.22

A Suprema Corte, no julgamento da extradição, analisa lega-

lidade do pedido, satisfação dos requisitos de dupla tipicidade (ou

dupla incriminação, justamente em face da natureza penal do pro-

22 STF. Segunda Turma. Ext 1.254 QO/Romênia. Rel.: Min. AYRES

BRITTO. 6/9/2011, un. DJe, 20 set. 2011, p. 76; RT, v. 101, n. 917, 2012,p. 562-571.

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cedimento) e dupla punibilidade,23 ocorrência de fato impeditivo

e satisfação dos requisitos dos arts. 77 e 78 da Lei 6.815/1980,24

tais como extinção da punibilidade e não caracterização de crime

político, em exame de aspectos em grande medida formais.25

EDUARDO BIACCHI GOMES e RONALD SILKA DE ALMEIDA ressaltam

que, no processo de extradição, averigua o Poder Judiciário:

23 “[...] O postulado da dupla tipicidade – por constituir requisito essencialao atendimento do pedido de extradição – impõe que o ilícito penal atri-buído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto noBrasil quanto no Estado requerente. [...] Não se concederá a extradição,quando se achar extinta, em decorrência de qualquer causa legal, a punibi-lidade do extraditando, notadamente se se verificar a consumação da pres-crição penal, seja nos termos da lei brasileira, seja segundo o ordenamentopositivo do Estado requerente. A satisfação da exigência concernente àdupla punibilidade constitui requisito essencial ao deferimento do pedidoextradicional. [...]”. STF. Plenário. Ext 1.203/República da Hungria.Rel.: Min. CELSO DE MELLO. 2/12/2010, un. DJe 24 dez. 2011.

24 “Art. 77. Não se concederá a extradição quando: (Renumerado pela Lei6.964, de 9 dez. 1981)I – se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verifi-car-se após o fato que motivar o pedido;II – o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ouno Estado requerente;III – o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime impu-tado ao extraditando;IV – a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1(um) ano;V – o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido con-denado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedi-do;VI – estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileiraou a do Estado requerente;VII – o fato constituir crime político; eVIII – o extraditando houver de responder, no Estado requerente, peranteTribunal ou Juízo de execução.§ 1o. A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fatoconstituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o cri-me comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal.§ 2o. Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciaçãodo caráter da infração.Art. 78. São condições para concessão da extradição: (Renumerado pelaLei 6.964/1981)

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[...] principalmente, os aspectos formais que conduziram oprocesso criminal, objeto do pedido de extradição, le-vando-se em conta as garantias processuais do extraditandono curso de seu processo, as limitações prescricionais e ainexistência de motivações políticas ou ideológicas que pre-judiquem o pedido formulado.26

Diante desse panorama, a fase judicial da extradição é a única

que, como regra, não se deve orientar por critérios políticos, mas

eminentemente jurídicos, sobremodo no sentido de garantir ob-

servância dos direitos fundamentais do extraditando. Disse-o bem

voto do Ministro CELSO DE MELLO na Ext 897/República

Tcheca:27

[...] a essencialidade da cooperação internacional na repres-são penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasi-leiro – e, em particular, o Supremo Tribunal Federal, develar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito es-trangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extra-dicional instaurado por iniciativa de qualquer Estadoestrangeiro.

Na Ext 1.203/Hungria, o Ministro CELSO DE MELLO relem-

brou a noção de que o processo extradicional representa garantia

indisponível instituída em favor do extraditando.28

I – ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou seremaplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; eII – existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do ex-traditando autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Es-tado requerente, salvo o disposto no artigo 82.”

25 STF. Plenário. Rcl 11.243/República Italiana. Rel.: Min. LUIZ FUX.8/6/2011, maioria. DJe, 5 out. 2011.

26 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Algumas questões sobre a extradiçãono direito brasileiro. RT, vol. 906, p. 166, abr. 2011.

27 STF. Plenário. Ext 897/República Tcheca. Rel.: Min. CELSO DE MELLO.23/9/2004, un. DJ, 18 fev. 2005, p. 5; RTJ, vol. 193, p. 440.

28 STF. Plenário. Ext 1203/República da Hungria. Rel.: Min. CELSO DE

MELLO. 2/12/2010, un. DJe, 24 dez. 2011.

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Por tudo isso, a legitimação do Ministro da Justiça para pos-

tular prisão ao Supremo Tribunal Federal é inconstitucional e

afeta o devido processo legal. Analogamente ao que ocorre com

juiz que detenha iniciativas postulatórias no processo penal, fica a

isenção do Ministro da Justiça afetada para avaliar o preenchi-

mento dos requisitos da extradição, previstos no art. 81 e seu pa-

rágrafo único, do Estatuto do Estrangeiro, na redação da Lei

12.878/2013.

Dessa maneira, a possibilidade de o Ministro da Justiça repre-

sentar por prisão do extraditando, dadas suas funções administrati-

vas e eminentemente políticas, ofende o princípio acusatório e os

princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo

legal, consoante mais bem se exporá a seguir.

II.2 INCONSTITUCIONALIDADE DO NOVO ART. 82

DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

O art. 82 da Lei 6.815/1980, com a redação conferida pela

Lei 12.878/2013, ao dispor que o Ministro da Justiça representará

ao Supremo Tribunal Federal pela prisão cautelar do extraditando,

contraria os arts. 5o, LIII, LIV e LV, 102, I, g, 103, § 1o, e 129, I e

§ 2o, primeira parte, da Constituição da República.29

29 Transcritos nas notas 1 a 4 supra.

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II.2.1 O Princípio Acusatório como Corolário

do Estado Democrático de Direito

As garantias e preceitos fundamentais construídos pela Cons-

tituição Federal de 1988, ancorados no regime democrático, indi-

cam que nosso sistema processual penal é inegavelmente

acusatório, ainda que não seja do tipo “puro”, na classificação que

adotam alguns processualistas.

Isso quer dizer que preceitos constitucionais, informados pela

axiologia democrática, se espraiam pela legislação infraconstitucio-

nal com a finalidade de limitar o poder, impedindo arbitrariedades

e atos de natureza inquisitorial. Nas palavras de LENIO LUIZ

STRECK, sistema acusatório “é o locus onde o poder persecutório

do Estado é exercido de modo, democraticamente, limitado e

equalizado”.30

POLASTRI LIMA exemplifica que o princípio acusatório decorre

de vários princípios processuais inseridos na Constituição da Re-

pública de 1988, como o do devido processo legal, do contraditó-

rio e da ampla defesa (art. 5o, LV) e do juiz natural e imparcial

(arts. 5o, LIII) e também do art. 129, I, que atribui titularidade da

ação penal pública ao Ministério Público.31

GERALDO PRADO defende que o princípio acusatório tem as

seguintes características, no que tange à figura do autor: a) direito

de ação e de defesa estão voltados para produzir decisão judicial30 STRECK, Lênio Luiz. Sístoles e diástoles em torno do sistema acusatório:

o “novo” Código de Processo Penal e as ameaças do velho inquisitorialis-mo. In: Revista de estudos criminais. Ano X, 2010, n. 37, p. 15.

31 LIMA, Marcellus Polastri. Ministério Público e persecução criminal. Rio de Ja-neiro: Lumen Juris, 1997, p. 28.

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em caso concreto; b) o direito de ação é exercitado por pessoa ou

órgão distinto do incumbido de julgar; c) o autor não se limita a

iniciar o processo, pois deseja ver reconhecida sua pretensão;

d) inclui o direito de provar os fatos e debater as questões de di-

reito relevantes; e) a acusação integra o direito de ação e delimita

o objeto da contenda; f) legitima o autor a preparar-se adequada-

mente para propor a ação, pois, como afeta o status dignitatis do

acusado, deve fundar-se em justa causa.32

EUGÊNIO PACELLI diferencia sistema acusatório de inquisitório

pela titularidade atribuída ao órgão de acusação:

[...] inquisitorial seria o sistema em que as funções de acusa-ção e de julgamento estariam reunidas em uma só pessoa(ou órgão), enquanto o acusatório seria aquele em que taispapéis estariam reservados a pessoas ou órgãos distintos.33

Decorre dessa separação entre as funções de acusar e julgar,

essencial ao sistema acusatório consolidado na Constituição da

República, que a titularidade da persecução penal, em sua fase ju-

dicial, pertence, de modo pleno, ao Ministério Público, salvo ex-

ceções previstas no Código de Processo Penal, a exemplo da

iniciativa para ação penal privada e da representação por prisão

preventiva por parte do querelante, assistente ou autoridade poli-

cial (art. 311 do CPP).

A sistemática estabelecida pela Lei 12.878/2013 produziu um

despropósito, com lesão a direitos fundamentais do cidadão, pois a

32 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional dasleis processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 119.

33 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 16. ed. Rio de Ja-neiro: Lumen Juris, 2012, p. 9-10.

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mesma autoridade que, na fase administrativa, se encontra incum-

bida de formar juízo prévio quanto à viabilidade da extradição, na

fase judicial se transforma em acusador e passa a ter poder de re-

presentar pela prisão do extraditando. Existe aí também incongru-

ência com o sistema constitucional, pois a lei permite a autoridade

sem legitimidade jurídica para conduzir o processo penal requerer

prisão a ele destinada.

A atividade do Ministro da Justiça é de natureza administra-

tiva, mas marcadamente política, em auxílio ao Chefe de Estado,

para consecução dos deveres assumidos internacionalmente pela

República, tanto que no exame de admissibilidade da extradição

há, por parte do ministro, formação de juízo de valor. A norma

do art. 82 da Lei 6.815/1980, na conformação dada pela Lei

12.878/2013, contraria frontalmente o princípio acusatório, por

mesclar atividade de julgamento (ainda que na via administrativa)

com a de acusação (na judicial).

Na fase administrativa da extradição, o Ministro da Justiça

pode relacionar-se com o Estado estrangeiro requerente, direta-

mente ou por meio do Ministério das Relações Exteriores. Na

fase judicial, contudo, em se tratando de procedimento de natu-

reza criminal, a legitimação para atuar perante o Supremo Tribu-

nal Federal é exclusiva do Ministério Público, mais

especificamente por meio do Procurador-Geral da República, em

face dos arts. 129, I, e 103, § 1o, da Constituição da República.

Por conseguinte, não deve o Ministro de Estado da Justiça

ter competência para representar por prisão preventiva destinada a

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extraditando. Do mesmo modo, se ainda não há processo judicial

extradicional, mas requerimento de prisão cautelar por parte do

Estado requerente, tampouco detém o Ministro da Justiça, de

acordo com o sistema acusatório, poderes para representar pela

prisão, pois a capacidade postulatória penal pertence ao órgão do

Ministério Público, salvo exceções como as citadas.

Na fase judicial da extradição, o Ministro da Justiça corres-

ponde a um dos auxiliares da justiça, mencionados no Código de

Processo Penal e em leis esparsas, ao exercer função de autoridade

central para execução de ajustes internacionais. Sem embargo da

alta relevância de suas funções, isso não lhe outorga capacidade

postulatória, a qual, por preceitos constitucionais, é apenas do Mi-

nistério Público. Em artigo sobre o tema, corretamente pondera

VLADIMIR ARAS:

d) representação para decretação de prisão extradicional: Apostulação em juízo pelo Ministério da Justiça em matériade prisão para fins de extradição soa inconstitucional, umavez que não se trata de mero encaminhamento do pedido aoSTF no seu legítimo papel da autoridade central, mas de re-querimento de prisão para extradição passiva (art. 82 doEE), tarefa que se confunde com a atribuição criminal daProcuradoria-Geral da República. Assim, parece-me queeste trecho do artigo em questão merece interpretação con-forme, para que o pedido de prisão passe pelo crivo do MPFque atua perante o STF, isto é, o PGR. Nada impede que oMJ encaminhe diretamente o pedido ao STF, medianteaviso ministerial, mas não lhe cabe requerer a prisão emnome do Estado estrangeiro. Essa possibilidade remonta aoregime constitucional vigente em 1980, quando os mem-bros do MPF eram também responsáveis pelo patrocínio daUnião em juízo. Com a separação das atribuições do MPF eda AGU em 1988, a entrega de atribuições criminais a estainstituição passou a carecer de legitimidade constitucional,por força do art. 129, I, CF. Assim, o § 1o do art. 82 da Lei

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6.815/80 merece especial atenção do STF, especialmenteporque se trata de procedimento que interfere sob o jus li-bertatis de pessoas presentes em território brasileiro (art. 5o,caput, CF). De qualquer modo, este tema de iniciativa foiobjeto da questão de ordem na Extradição 478 (Suíça), eestá regulamentado no âmbito do MJ por meio da PortariaMJ 737/1988. No entanto, no precedente de 1988 relatadopelo min. MOREIRA ALVES, o STF reconheceu que cabia aoMJ “encaminhar” o pedido estrangeiro à Corte, verbo com-patível com a posição de simples autoridade central, dife-rente de atos de postulação.34

No sistema acusatório, o Ministério Público não é tão so-

mente órgão de acusação, pois, como fiscal da lei (encarregado

pelo art. 127, caput, da Constituição de defesa da ordem jurídica),

deve agir de modo imparcial e poderá postular em favor do réu,

como faz diariamente, país afora. Relembrem-se precisas pondera-

ções de HÉLIO TORNAGHI:

O Ministério Público é parte como órgão (e não represen-tante) do Estado. O aspecto ritual do processo a tanto levaporque, além de o Ministério Público ser fiscal da aplicaçãoda lei, ele exerce a função de acusar. Essa última é sua atri-buição precípua, uma vez que o processo está organizado deforma contraditória. Pode acontecer que durante o processoo Ministério Público se convença da inocência do acusado epeça para ele a absolvição. Mas o contraste inicial, nascidocom a denúncia, permanece, uma vez que a lei não dispensao juiz de apurar a verdade acerca da acusação e de condenarse entender que o réu é culpado.Como fiscal da aplicação da lei, entretanto, o Ministério Pú-blico deve agir imparcialmente e reclamar inclusive o quepuder ser favorável ao réu...

34 ARAS, Vladimir. Lei 12.878/2013: novas regras da prisão cautelar paraextradição. Disponível em: < http://zip.net/bhqMyZ > ou< https://blogdovladimir.wordpress.com/2013/11/09/lei-12-8782013-novas-regras-da-prisao-cautelar-para-extradicao >, acesso em 11 fev.2015.

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Não há, pois, conflito entre a imparcialidade que o Ministé-rio Público deve observar e o seu caráter de parte. Imparcialele deve ser apenas na fiscalização, na vigilância, no zelo dalei.É fato que a dualidade de funções do Ministério Público fazdele uma parte sui generis, parte pública, parte a que se co-metem também funções que não são de parte, mas sem lhetirar esse caráter.35

Por outro lado, sendo o Ministério Público titular da ação

penal e dos demais desdobramentos processuais dela decorrentes,

ao requerer prisão preventiva, deverá levar em conta se os argu-

mentos do Estado requerente estão em harmonia com o Direito

Penal interno, e esse é ato privativo do MP, justamente por exigir

juízo de valor quanto ao jus accusationis.36

Em suma, caso seja necessária a prisão do extraditando, seja

na extradição instrutória, seja na executória, considerada a natu-

reza da extradição como ato de cooperação jurídica internacional

criminal, a titularidade da representação processual caberá ao Mi-

nistério Público, como forma de manter a coerência do sistema

processual penal brasileiro e o predomínio do sistema constitucio-

nal acusatório e de assegurar em máxima extensão direitos funda-

mentais dos cidadãos.

35 TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva,1987, p. 171-172.

36 Observando que a representação pela prisão preventiva do acusado deverálevar em conta a garantia de aplicação da lei penal do Estado requerente,não do Estado requerido: SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. Prisão doextraditando no ordenamento jurídico brasileiro: novas perspectivas. Re-vista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 83, abr. 2013. p. 340.

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II.2.2 Ofensa aos Arts. 102, I, g, 103, § 1o, e 129, § 2o,da Constituição

A competência originária do Supremo Tribunal Federal

constitui “complexo de atribuições jurisdicionais de extração es-

sencialmente constitucional – e ante o regime de direito estrito a

que se acha submetida – não comporta a possibilidade de ser es-

tendida a situações que extravasem os limites fixados, em numerus

clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Constituição

da República”.37

Na alínea g do art. 102, I, a Constituição dispõe que o STF é

o órgão judiciário competente para processar e julgar extradição

solicitada por Estado estrangeiro. Dada a envergadura constitucio-

nal das competências da Suprema Corte, não pode lei ordinária

estendê-las para incluir outros legitimados ativos.38

Por outro lado, sendo a prisão para extradição ato de perse-

cução penal em sentido amplo – à qual serve o processo de extra-

dição –, somente pode ser requerida pelo órgão que dela detém a

titularidade constitucional, isto é, o Ministério Público. Atribuir

função do Ministério Público a outro órgão público é inconstitu-

cional, porquanto o art. 129, § 2o, primeira parte, da Constituição

da República, expressamente estatui que “as funções do Ministé-

rio Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira”.

Conquanto respeitável a função de Ministro de Estado da Justiça e

37 STF. Plenário. Pet 1.738 AgR/MG. Rel.: Min. CELSO DE MELLO.1o/9/1999, un. DJ, 1o out. 1999, p. 42.

38 Nesse sentido: STF. Plenário. AO 1.706 AgR/DF. Rel.: Min. CELSO DE

MELLO. 18/12/2013, un. DJe, 18 fev. 2014. ACO 1.068 AgR/RR. Rel.:Min. MARCO AURÉLIO. 1o/7/2011, un. DJe, 8 set. 2011, p. 1. MI 598/PR.Rel.: Min. CÁRMEN LÚCIA. 16/6/2010, un. DJe, 8 out. 2013.

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não obstante lhe caiba participar de fase administrativa do processo

de extradição, esse mister não lhe permite substituir-se ao Minis-

tério Público na fase judicial do rito extradicional e praticar ato de

persecução penal.

Ao incluir o Ministro da Justiça como legitimado para repre-

sentar por prisão preventiva perante o STF, a Lei 12.878/2013

padece de inconstitucionalidade, por afronta à regra de competên-

cia restritiva do art. 102, I, g, e à vedação do art. 129, § 2o, pri-

meira parte, da Constituição Federal.

O Procurador-Geral da República é a única autoridade com-

petente para exercer funções próprias do Ministério Público pe-

rante o Supremo Tribunal Federal, consoante o art. 103, § 1o, da

Constituição, reproduzido no art. 46 da Lei Complementar 75, de

20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da

União),39 bem como de acordo com o art. 129, § 2o, primeira

parte, também da CR. É, portanto, inválida previsão legal que

atribua ao Ministro da Justiça competência para representar por

prisão preventiva de extraditando, por não deter essa autoridade

capacidade postulatória perante o Supremo Tribunal Federal nem

poder exercer função própria do Ministério Público.

Ainda que fosse constitucional a previsão de postulação do

Ministério da Justiça ao Supremo Tribunal Federal, o Procura-

dor-Geral da República deveria, no mínimo, ser sempre ouvido

39 “Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funçõesdo Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifes-tando-se previamente em todos os processos de sua competência.”

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.

Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

antes da apreciação do requerimento, de modo que sejam devida-

mente observados os preceitos constitucionais acima.

III PEDIDO CAUTELAR

Estão presentes os pressupostos para concessão de medida

cautelar.

O sinal do bom direito (fumus boni iuris) caracteriza-se por

todos os argumentos expostos nesta petição.

Já o periculum in mora decorre de que, enquanto não for sus-

pensa a eficácia da Lei 12.878/2013, direitos fundamentais de ex-

traditandos estarão em risco, e poderia, a qualquer momento, ser

decretada prisão preventiva sem observância dos preceitos consti-

tucionais decorrentes do princípio acusatório, do juiz natural, da

ampla defesa (que compreende o princípio do contraditório) e do

devido processo legal e da regra de vedação de função do Ministé-

rio Público a órgão ou pessoa estranha à carreira.

Além disso, o art. 82 da Lei 6.815/1980, na redação confe-

rida pela Lei 12.878/2013, ao prever legitimidade do Ministro da

Justiça para representar pela prisão preventiva de extraditando,

ofende a regra de distribuição de competência do art. 102, I, g, da

Constituição, com o que pode induzir à prática de atos em pro-

cessos passíveis de virem a ser anulados pelo próprio Plenário da

Corte, no futuro.

Por essas razões, requer, como medida cautelar, que essa

Corte suspenda a eficácia das expressões impugnadas da Lei

12.878/2013 e, simultaneamente, a fim de evitar vácuo normativo

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.

Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

e transtornos à sistemática da extradição, defina de imediato a pos-

sibilidade de o Procurador-Geral da República efetuar requeri-

mentos processuais cautelares em processo de extradição, quando

tiver conhecimento dos fatos que os justifiquem, seja por intermé-

dio do próprio Ministério da Justiça, do Estado interessado ou por

outra fonte confiável, como a INTERPOL.

IV PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Requer, de início, que esse Tribunal conceda medida caute-

lar para suspensão da eficácia das norma adiante referidas.

Requer que Vossa Excelência requeira informações do Con-

gresso Nacional e que seja ouvido o Advogado-Geral da União,

nos termos do art. 103, § 3o, da Constituição da República. Supe-

radas essas fases, requer prazo para manifestação desta Procura-

doria-Geral da República.

Requer, por fim, que se julgue procedente o pedido, a fim

de se declarar a inconstitucionalidade (a) da expressão “ou, quando

previsto em tratado, diretamente ao Ministério da Justiça”, do art. 80,

caput; (b) da expressão “pelo Ministério da Justiça ou”, do art. 80,

§ 2o; e (c) da expressão “ou, quando previsto em tratado, ao Ministério

da Justiça, que, após exame da presença dos pressupostos formais de ad-

missibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, representará”, do art. 82,

caput, todos da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do

Estrangeiro), com a redação conferida pela Lei 12.878, de 4 de

novembro de 2013.

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Procuradoria-Geral da República Ação direta de inconstitucionalidade

Alternativamente, requer que esse Tribunal declare a consti-

tucionalidade das expressões indicadas, mas fixando interpretação

conforme a Constituição segundo a qual, havendo representação

do Ministro de Estado da Justiça ou da INTERPOL, ela deverá ser

submetida ao Procurador-Geral da República, como representante

do Ministério Público brasileiro, titular constitucional da ação pe-

nal, perante o Supremo Tribunal Federal, antes de apreciação pela

Corte.

Brasília (DF), 18 de maio de 2015.

Rodrigo Janot Monteiro de Barros

Procurador-Geral da República

RJMB/WS/VA/TVM-PI.PGR/WS/54/2014

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