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    AS APARÊNCIAS ENGANAM: DIVERGÊNCIAS ENTRE OMATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO E AS ABORDAGENS

    QUALITATIVAS DE PESQUISA.

    Lígia Márcia Mart ins*

    * Doutora em Educação, professora do Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências –UNESP/Bauru, membro do grupo de pesquisa “Estudos Marxistas em Educação” e coordenadora do

    grupo de pesquisa “Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil (NEPEI)”.

    Fonte:

    Martins, L. M. (2006). As aparências enganam: divergências entre o materialismohistórico dialético e as abordagens qualitativas de pesquisa. Trabalho apresentado na29ª Reunião Anual da ANPED. Recuperado em 20 de setembro de 2011, dehttp://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT17-2042--Int.pdf

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    Tendo em vis ta a defesa da tese acima refer ida, a t ra jetór iapercorr ida na ref lexão, objeto deste ar t igo, contempla os seguintesmomentos.

    Primeiramente, anal isamos onze t rabalhos de disser tações eteses nas áreas da psicologia e da educação defendidas entre2002/2004 tendo em vis ta ident i f icar o que just i f ica o funcionamentoentre mater ial ismo his tór ico dialét ico e metodologia qual i ta t iva. As just if icações ma is freqüentemente encont radas foram: a pretensão decontraposição em relação aos modelos posi t ivis tas de invest igação;af i rmação da impossibi l idade de separação sujei to/objeto doconhecimento; negação da possibi l idade de juízos neutros naconstrução do conhecimento.

    A seguir, real izamos estudo concei tual sobre metodologiasqual i ta t ivas para ident i f icar suas caracter ís t icas pr incipais que, porsua vez, corroboram as just i f icações encontradas.

    Tais caracter ís t icas foram então, anal isadas à luz daepis temologia mater ial is ta his tór ico dialét ica . Após esta anál ise ,retomamos as just i f icações encontradas reaf i rmando alguns dosequívocos f i losóficos, teórico-metodológicos e pol í t icos nelaspresentes .

    Este ar t igo não tem a pretensão, por seus próprios l imites , deesgotar a anál ise em curso, mas outrossim, compart i lharpreocupações e quem sabe, provocar a inquietação geradora debuscas.

    Metodologia Quali tat iva: principais expressões

    Segundo estudiosos das abordagens qual i ta t ivas foi a par t i r dadécada de 70 que a concepção posi t ivis ta de ciência passou a receber,no Brasi l , severas cr í t icas f i losóficas , pol í t icas e técnicas . O alvo

    destas cr í t icas apontava na direção da apl icação dos modelos deciências naturais para as outras ciências (em especial , as humanas) e

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    para a separação entre fatos e contextos, uma caracter ís t ica básica doposi t ivismo ao t ratar o mundo como um conjunto de fatosnaturalmente inter l igados.

    Tais cr í t icas demandaram a busca por novas estratégiasinvest igat ivas , culminando na proposição de uma abordagemalternat iva para o t ra tamento dispensado aos problemas de pesquisa esuas correspondentes anál ises , denominada de modo bastante amplocomo pe squ i sa qual i ta t i va .

    Godoy (1995) considera que apesar de, apenas, nos úl t imostr inta anos ter ocorr ido maior s is tematização e expansão da adoçãodeste modelo de pesquisa, suas or igens são muito remotas . Comomarcos referenciais his tór icos, es ta autora indica, pr imeiramente asociologia inglesa de Sidney Webbs (1859-1947) e Beatr ice Webbs(1858-1943), que af i rmavam seus t rabalhos como fundamentados no“método de pesquisa social” . Os estudos sociais e pol í t icos por elesreal izados já pr ior izavam a descr ição e a ut i l ização de entrevis tas ,anál ise documental e observações pessoais . Indica também aimportância his tór ica dos t rabalhos desenvolvidos pelo Departamentode Sociologia da Universidade de Chicago (“A Escola de Chicago”) ,nos quais grande destaque foi confer ido aos aspectos da vida urbanae às dimensões interacionis tas da real idade social , numa perspect ivaque buscava superar a quant i f icação dos fenômenos anal isados.

    Na atual idade, sob a denominação “pesquisa qual i ta t iva”,encontramos vários t ipos de invest igações apoiadas em diferentes

    marcos teóricos, dentre os quais se destacam: teoria s is têmica,etnometodologia , fenomenologia e mater ial ismo his tór ico. SegundoGodoy (1995) esta ampli tude não resul ta numa descaracter ização demodelo, que apesar de abarcar diferentes matizes preservacaracter ís t icas essenciais co muns.

    Fundamentando-se na obra A Pesqui sa Quali ta t iva e m Educação , de Bogdan e Biklen (1982), tanto Godoy (1995) quanto

    Lüdle e André (1986) s is tematizam cinco caracter ís t icas básicasconst i tut ivas dos estudos de t ipo qual i ta t ivo, apresentadas a seguir.

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    A primeira delas destaca o ambiente natural como base dosdados invest igados, do que resul ta o grande valor confer ido aocontato direto e preferencialmente prolongado do pesquisador com ocampo de estudo. Estas invest igações, também denominadas pelosautores acima refer idos como “natural ís t icas”, têm co mo preocupaçãofundamental o estudo e a anál ise do mundo empír ico, pr ivi legiandoos processos interat ivos presentes no contexto da invest igação. Nestesent ido, a pessoa do pesquisador é considerada importanteinstrumento para a observação, seleção, anál ise e interpretação dosdados coletados e em face desta tarefa , poderá ut i l izar recursos ta iscomo f i lmagens, fotograf ias , gravações, documentos his tór icos,regis t ros escr i tos etc com o objet ivo de ampliar a confiabi l idade desuas percepções.

    A segunda caracter ís t ica refere-se ao caráter fundamentalmentedescri t ivo destas invest igações. Afirmando a necessidade deapreensão dos dados nas relações que eles mantêm com o contexto aoqual per tencem, procura-se ver if icarcomo os fenômenos semanifestam, tendo em vis ta uma compreensão hol ís t ica , his tór ica eprocessual . O pesquisador estará atento ao maior número possível deelementos const i tut ivos do campo estudado, confer indo-lhes sempre,grande importância .

    Segundo Richardson (1985), os estudos de natureza descr i t ivapropõem-se a invest igar as caracter ís t icas de um fenômeno como tal ,explorando part icularmente, as técnicas de observação, entrevis tas ,

    anál ises de conteúdo e anál ises his tór icas . Para este autor, exis te umadiferença em relação à natureza dos fenômenos a serem invest igados,is to é , exis tem neles domínios qual i f icáveis ou quant if icáveis e aprior idade norteadora do t rabalho de pesquisa estará na dependênciada natureza do fenômeno anal isado. Neste sent ido, indica que asinvest igações que se apóiam na anál ise descr i t iva qual i ta t iva,freqüentemente, têm como objeto s i tuações complexas ou

    estr i tamente par t iculares , nas quais a exat idão das quant if icaçõespode ser impossível ou relat iva.

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    A terceira caracter ís t ica af i rma a pesquisa de t ipo qual i ta t ivocomo essencialmente vol tada para o processo, ou seja , o objet ivo dainvest igação assenta-se nas descr ições dos problemas estudados ta lcomo manifestos nas at ividades, nos procedimentos e nas interaçõescot idianas. Neste sent ido, ver if icamos uma for te unidade entre asegunda e a terceira caracter ís t icas , posto que a ident i f icação dasmanifestações fenomênicas do objeto do estudo é indicada comocondição para uma compreensão dinâmica e processual do mesmo.Portanto, passa a ser requerida uma at i tude específ ica nesta buscacompreensiva, qual seja , a submersão do pesquisador no campo realda exis tência , campo este que comporta um dinamismo pré-dado eal tamente complexo. Esta at i tude é proposta como fundamental paraque a real idade possa ser compreendida e interpretada, ou seja , paraque se apreendacomo es te campo dinâmico e complexo adquire suasdiversas expressões, seus vár ios sent idos e valores para todos que ocompõem.

    Atendendo a esta or ientação metodológica, a preocupaçãocentral do estudo pela via da anál ise qual i ta t iva dos dadosobservados instala o confronto entre pr incípios teóricos e conteúdosapreendidos no t ranscurso da pesquisa. Deste confronto, resul tam asques tões ana l í t icas , i s to é , s is tema de s ignif icações pelos quaisprocede-se a decodif icação hermenêutica dos fenômenos, e que érei terado naqui lo que se propõe como quarta caracter ís t ica dasabordagens qual i ta t ivas , vejamos porque.

    Do ponto de vis ta metodológico, os modelos qual i ta t ivosdefendem que a melhor maneira para se captar a real idade é aquelaque possibi l i ta ao pesquisador colocar-se no lugar do outro,apreendendo os fenômenos pela visão dos pesquisadores . Apreocupação essencial da invest igação refere-se aos s ignif icados queas pessoas atr ibuem aos fenômenos. O desaf io imposto aopesquisador é então, captar os universos s imbólicos tendo em vis ta o

    entendimento dos mesmos.

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    Conforme Lüdle e André (1986) af i rmam, o pesquisador deveexercer o papel subjet ivo de part ic ipante e o papel objet ivo deexaminador vinculando, para a assimilação da real idade em estudo, apercepção imediata e espontânea própria da vida cot idiana e apercepção objet iva própria da invest igação ref lexiva. Com estaat i tude procura-se captar o dinamismo interno das s i tuações, que deoutra forma ser iam inacessíveis a um observador externo. Para estesautores , t ra ta-se de “capturar a perspect iva dos par t ic ipantes”, ouseja , ident i f icar os s ignif icados atr ibuídos pelas pessoas às questõesem foco na pesquisa.

    Sendo assim, a qual idade das percepções do pesquisador é a lvocontínuo de atenção, pois a f idedignidade pela qual vai expressar ospontos de vis ta dos par t ic ipantes dependerá substancialmente de suaacuidade percept iva. Para tanto, a adoção de estratégias de checagemdas mesmas é sempre necessár ia . Dentre estas estratégias , as maisusuais são os confrontos com as percepções de outro s pesquisadores ediscussões abertas com os próprios par t ic ipantes do estudo.

    Na busca pela val idez da pesquisa a pessoa do pesquisador énovamente, muito importante . Não obstante ocupar f ís ica eemocionalmente um lugar no contexto da invest igação, suasconclusões não podem ser subjet ivas . Para tanto, devem resul tar dedescrições precisas do objeto em sua complexidade; da classif icaçãoe compreensão dos processos dinâmicos presentes e em especial daapreensão das par t icular idades deste objeto.

    A quinta , e úl t ima, caracter ís t ica geral proposta por estudiososda metodologia qual i ta t iva diz respei to à natureza indut iva destasinvest igações. Nelas , par te-se de questões ou focos bastante amplosque vão se tornando mais diretos e específ icos no t ranscurso dotrabalho. Assim, o processo invest igat ivo não parte de hipótesesdefinidas a pr ior i (a serem comprovadas ou refutadas pelasevidências encontradas) nem de uma l inha teórica pré-determinada.

    Para Lüdle e André (1986), embora o pesquisador par ta de algunspressupostos teóricos iniciais , deverá manter-se atento aos novos

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    elementos que podem emergir durante o estudo, a or ientarem outrasbuscas teóricas . O quadro teórico, como referência da invest igaçãoserá, portanto, construído no processo de estudo, concomitantementeà coleta e exame dos dados verif icados.

    A dimensão indut iva desta metodologia é bastante enfat izadapor todos os autores refer idos neste ar t igo, que apresentam-na comoimportante t raço dis t int ivo em relação aos modelos posi t ivis tas depesquisa. Corrobora para esta defesa do pensamento indut ivo, o fatoque às pesquisas qual i ta t ivas os autores associam objetos amplos ecomplexos, ou seja , af i rmam-no como condição básica na busca doentendimento dos fenômenos como um todo.

    Face o exposto, ver if icamos que a metodologia de pesquisaqual i ta t iva; dotando-se das caracter ís t icas gerais acima descr i tas ; temconquistado, segundo Richardson (1985), cada vez maior destaquenas seguintes s i tuações: necessidade de subst i tuir informaçõesestat ís t icas por dados qual i ta t ivos; quando os objet ivos do estudoapontam que os dados não podem ser coletados de modo completo poroutros métodos tendo em vis ta sua complexidade ou ainda, emsi tuações nas quais as observações qual i ta t ivas são ut i l izadas comoindicadores do funcionamento das estruturas sociais . Não obstante ,rei teramos que a mesma diverge substancialmente dos pressupostosmater ial is ta his tór ico dialét icos, questão sobre a qual versaremos aseguir.

    Análise das principais expressões da metodologia quali tat iva à lu zda epistemologia marxiana.

    Primeiramente, consideramos que por detrás das dicotomiasquant i ta t ivo x qual i ta t ivo, subjet ividade x objet ividade, indução xdedução e outras , esconde-se um sér io quest ionamento acerca da

    própria possibi l idade de construção do conhecimento racional eobjet ivo da real idade humana em sua complexidade. Reproduzindo

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    dicotomias, as metodologias qual i ta t ivas revelam uma superaçãoaparente da lógica posi t ivis ta , pois a tendem um de seus pr incípiosbasi lares , qual seja , o pr incípio da exclusão. Segundo Kopnim(1978), o atendimento a este pr incípio implica que dentro de ummesmo sis tema dedut ivo não coexistem opostos sendo ambosverdadeiros (ou falsos) e assim, um dos pólos da oposição acaba porser excluído.

    Diferentemente, a lógica dialét ica própria à epis temologiamarxiana não é excludente, uma vez que incorpora a lógica formalindo além, is to é , incorpora por superação. Disso resul ta anecessidade de uma profunda compreensão acerca do que sejaoposição e contradição1. Não se t ra ta de reconhecer opostosconfrontados exter iormente, mas tê- los como inter iores um ao outro,no que reside um dos mais importantes precei tos da lógica dialét icadenominado ident idade dos cont rár ios . Em conformidade com esteprincípio falamos então, na unidade indissolúvel dos opostos , o quedetermina saber oobje t ivo como subje t ivo , o externo como in terno , oind iv idual como socia l , o qual i ta t ivo como quant i ta t ivo e tc . Este é omais absoluto s ignif icado da contraposição marxiana aos dual ismosdicotômicos asseverados nos pr incípios de ident idade e exclusãopróprios à lógica formal .

    Outra questão digna de nota refere-se ao fato que ao confer irtamanha importância ao mundo empír ico, os modelos qual i ta t ivos depesquisa acabam por preter i r a anál ise da empir ia fet ichizada que

    caracter iza a sociedade capi tal is ta . Descentrando suas anál ises dasmetanarrat ivas , os percursos qual i ta t ivos apris ionam-se ao empír ico,ao imediato, fur tando-se ao entendimento essencial dos fundamentosda real idade humana. Duarte (2004) refer indo-se às caracter ís t icasdos processos sociais que levam ao fet ichismo chama-nos a atençãopara o fato de que neles “[ . . . ] as pessoas só vêem aqui lo que está

    1 Sugerimos para tanto a leitura das obras: Kopnim, P.V. A dialética como lógica e teoria doconhecimento . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, Seve, L.. Quais Contradições? In: Clot, Y.

    (org.) Avec Vigotski . Paris: La dispute, 2002.

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    imediatamente presente e não conseguem anal isar o fato imediato àluz da total idade social . O fet ichismo é um fenômeno próprio domundo da cot idianidade al ienada [ . . . ]” , (p .9) .

    Para o mater ial ismo his tór ico dialét ico, o mundo empír icorepresenta apenas a manifestação fenomênica da real idade em suasdefinibi l idades exter iores . Os fenômenos imediatamente percept íveis ,ou seja , as representações pr imárias decorrentes de suas projeções naconsciência dos homens, desenvolvem-se à superf íc ie da essência dopróprio fenômeno. Fundamentado neste pr incípio marxiano, Kosik(1976) af i rma que a essência do fenômeno não está postaexpl ici tamente em sua p seud oconcret ic idade (concret ic idadeaparente) , não se revelando de modo imediato mas s im, pelodesvelamento de suas mediações e de suas contradições internasfundamentais .

    A construção do conhecimento demanda então, a apreensão doconteúdo 2 do fenômeno, prenhe de mediações his tór icas concretas quesó podem ser reconhecidas à luz das abstrações do pensamento, is toé, do pensamento teórico. Não se t ra ta de descartar a f orma pela qualo dado se manifesta , pelo contrár io, t ra ta-se de sabê-la comodimensão parcial , superf ic ial e per ifér ica do mesmo. Portanto, oconhecimento calcado na superação da aparência em direção àessência requer a descoberta das tensões imanentes naintervinculação e interdependência entre f orma e conteúdo.

    Portanto, se queremos descobrir a essência ocul ta de um dado

    objeto, is to é , superar sua apreensão como real empír ico, não nosbastam descrições acuradas (escr i tas , f i lmadas, fotografadas etc!!!) ,não nos bastam relações ínt imas com o contexto da invest igação, is toé, não nos basta fazer a fenomenologia da real idade natural izada epart icular izada nas s ignif icações individuais que lhes são atr ibuídas.É preciso caminhar das representações pr imárias e das s ignif icações

    2 O significado aqui atribuído aconteúdo refere-se à expressão do processo ontológico da realidadehumana e das formas pelas quais este processo tem se desenvolvido historicamente. Portanto, a captação

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    consensuais em sua imediatez sensível em direção à descoberta dasmúlt iplas determinações ontológicas do real . Assim sendo, não podenos bastar apenas o que évis íve l aos o lhos , pois o conhecimento dareal idade, em sua objet ividade, requer avis ib i l idade da máximainte l igência dos homens.

    Nesta direção de pensamento, reconhecemos a exis tência deinúmeras visões acerca do que seja real idade e para evi tarmosequívocos teórico-concei tuais de interpretação é importante lembrarque para Marx, a real idade encerra a mater ial idade his tór ica dosprocessos de produção e reprodução da exis tência dos homens. Oconhecimento sobre ela é , por conseqüência , apenas um meio atravésdo qual a consciência , assimilando-a, a reproduz intelectualmente.Deste modo, a a t ividade teórica por s i mesma em nada al tera aexis tência concreta do fenômeno. Esta al teração apenas se revelapossível quando a at ividade teórica or ienta a intervenção prát icatransformadora da real idade.

    Para a epis temologia mater ial is ta his tór ico dialét ica , acompreensão dos fenômenos em sua processual idade e total idadeencontra respaldo apenas na dialét ica entre s ingular idade,part icular idade e universal idade. Segundo Luckács (1970), nos nexosexis tentes entre s ingular-part icular-universal reside o fundamentoque sustenta uma autênt ica e verdadeira aproximação e compreensãoda real idade. Em sua expressão s ingular, o fenômeno revela o que éem sua imediat ic idade (sendo o ponto de part ida do conhecimento) ,

    em sua expressão universal revela suas co mplexidades, suas conexõesinternas, as le is de seu movimento e evolução enfim, a sua total idadehistór ico-social .

    Ocorre porém, que nenhum fenômeno se e xpressa apenas em suasingular idade ou universal idade. Como opostos , se ident i f icam, e acont ínua tensão entre eles (s ingular-universal) se manifesta naconfiguração part icular do fenômeno. Em sua part icular idade ele

    do conteúdo do fenômeno demanda, do ponto de vista epistemológico, tomá-lo na relação dialética entresingular-particular-universal.

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    assume as especif ic idades pelas quais a s ingular idade se const i tui emdada real idade de modo determinado, porém não completo, nãouniversal . Ainda segundo Luckács, o par t icular representa para Marxa expressão lógica da categoria de mediação entre o específ ico(singular) e o geral (universal) , que não podem ser compreendidos demodo isolado e por si mesmos.

    Oliveira (2005) chama-nos atenção para a importância de secaracter izar a relação s ingular-part icular-universal no âmbito dainvest igação cient í f ica , af i rmando-a como requisi to para acompreensão do objeto em suas múlt iplas relações e acima de tudo,para a superação de falsas dicotomias (do t ipoind iv íduo-sociedade ) ,muito presentes nas ciências humanas. Se preter ida a funçãomediadora da part icular idade, as relações acabam sendo consideradasna central idade de pólos aparentemente dicotômicos, perdendo-se devis ta as formas pelas quais ocorre a “concret ização da universal idadeno vir-a-ser da s ingular idade, mediada pela par t icular idade” (p.46) .

    A part i r destas considerações nos parece impossível construirqualquer conhecimento objet ivo, quer sobre indivíduos quer sobre atotal idade social , tomando-se qualquer um deles separadamente. Estaaf irmação entretanto, não postula a impossibi l idade de se ter apart icular idade como referência pr imária na construção doconhecimento, mas reaf i rma que é apenas pela anál ise dialét ica darelação entre o s ingular e o universal que se torna possível aconstrução do conhecimento concreto, ou seja , é apenas por esta via

    que a ênfase confer ida ao part icular não se converte no abandono daconstrução de um saber na perspect iva da t otal idade.

    As razões acima expostas corroboram nossa af i rmação acercadas divergências entre a epis temologia marxiana e as abordagensqual i ta t ivas que se acirram, também, em relação à concepção dehis tór ia . A adesão teórico-metodológica ao mater ial ismo his tór icodialét ico exige a compreensão do his tor icismo concreto presente nas

    obras de Marx e Engels , para os quais a produção mater ial da vidaengendra todas as formas de relações humanas e assim sendo, a

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    categoria ontológica do t rabalho torna-se imprescindível e m qualquerestudo que se anuncie na perspect iva da total idade his tór ica.

    O processo de produção, por sua vez, exis te “fora dos homens”(Marx, 1989), a inda que enquanto manifestação de suas própriasforças . Esta exter ior ização deve ser, portanto, a expressão de suanatureza objet ivada, a manifestação de suas forças humanasessenciais . Ocorre porém, que a organização social capi tal is ta ;calcada na propriedade pr ivada dos meios de produção; te m obstruídoesse desenvolvimento, uma vez que a at ividade do indivíduo e seuresul tado, tornando-se independentes , acarretam a subordinação doprodutor ao produto de seu t rabalho. Sob tais co ndições de al ienaçãoas capacidades dos homens, bem como as possibi l idades para seupleno desenvolvimento, se reprimem e se deformam pois obl i teram aefet iva ut i l ização de todas as suas forças cr iadoras . Assim sendo, acondição para a efet ivação do verdadeiroser humano se coloca natransformação das condições e inst i tuições que al ienam o t rabalho e otrabalhador, e este é o mais profundo s ignif icado do mater ial ismohistór ico.

    Na medida em que as abordagens qual i ta t ivas pr ivi legiam asdimensões da real idade em suas def inibi l idades exter iores emdetr imento de seus fundamentos ontológico-his tór icos, incorrem numgrande r isco: caminhar da p seudocon cre t i cidade para um

    pseudoco nh ecim ento, a ser, muito faci lmente, capturado pelasideologias dominantes e colocado a serviço da manutenção da ordem

    social que universal iza as relações sociais de al ienação.Diferentemente, a produção intelectual marxis ta , ou seja ,

    sustentada pela ontologia marxiana, constrói um t ipo deconhecimento que para além de expl ici tar o real em suaessencial idade, coloca-se claramente a serviço da implementação deum projeto social promotor de uma nova sociabi l idade, is to é , aserviço do social ismo. Neste sent ido, buscar no mater ial ismo

    histór ico dialét ico os fundamentos para o t rabalho de pesquisa étambém uma questão ét ico-pol í t ica .

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    No bojo desta anál ise , que aponta as contraposições maisdecis ivas entre a epis temologia mater ial is ta his tór ico dialét ica e asmetodologias qual i ta t ivas , não poderíamos deixar de considerar asdiferenças referentes aos cr i tér ios de val idação da invest igação bemcomo o t ratamento dispensado à indução e dedução. Para tanto,resgatemos mais a lgumas premissas do pensamento marxiano, emespecial , a mater ial idade da exis tência .

    Marx, em sua época, levantou de forma contundente o problemada exis tência humana e sobretudo, o problema da relação entreindivíduo e gênero humano, superando tanto a f i losofia do ideal ismode Hegel como também, o mater ial ismo intui t ivo de Feuerbach.Centrou atenção no mater ial ismo que considera a a t ividade humanaobjet iva – o t rabalho – como categoria central , propondo omater ia l i smo da práxis , br i lhantemente s intet izado nas célebres“Teses sobre Feuerbach” (1993). O mater ial ismo apresentado porMarx aponta, necessar iamente, na direção do t rabalho social doshomens e nas propriedades que adquire his tor icamente. Omater ial ismo dialét ico se apresenta em seu pensamento, comopossibi l idade para a compreensão da real idade resul tante dometabol ismo homem-natureza produzido pela at ividade humana emsua complexidade e movimento.

    A implementação do método marxiano3; aqui apresentado deforma extremamente resumida; pressupõe como ponto de part ida, aapreensão dorea l imedia to , i s to é , a representação inicial do todo,

    que convert ido em objeto de anál ise por meio dos processos deabstração resul ta numa apreensão de t ipo superior, expressa noconcre to pensado. Porém, esta não é a e tapa f inal do processo, umavez que as categorias interpretat ivas , as estruturas anal í t icasconst i tut ivas do concreto pensado serão contrapostas em face do

    3 Sobre o método em Marx, sugerimos a leitura de: Marx, K.O Capital – Crítica da Economia Política,Volume I, Livro Primeiro: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1983; Duarte,N. A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. In: Educação & Sociedade . Campinas,CEDES, n. 71, p.p. 79-115, 2000; Abrantes, A. e outrosO método Histórico Social na Psicologia Social .Petrópolis: Vozes, 2005.

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    AS APARÊNCIAS ENGANAM: DIVERGÊNCIAS ENTRE O MATERIALISMOHISTÓRICO DIALÉTICO E AS ABORDAGENS QUALITATIVAS DE PESQUISAMARTINS,LÍGIA MÁRCIA – UNESP – [email protected]: Filosofia da Educação / 17

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    objeto inicial , agora apreendido não mais em sua imediatez, mas emsua total idade concreta . Este procedimento metodológico pode serassim sintet izado: par te-se do empír ico (real aparente) , procede-se àsua exegese anal í t ica (mediações abstratas) , re torna-se ao concreto,is to é , à complexidade do real que apenas pôde ser captada pelosprocessos de abstração do pensamento.

    Portanto, a epis temologia marxiana tem a prát ica social comoreferência fundante da construção do conhecimento, nela residindo osseus cr i tér ios de val idação. Não apela a negação da lógica formal ,mas torna-a par te integrante da lógica dialét ica . Não privi legiaprocessos de dedução em detr imento dos processos de indução ouvice-versa, caracter izada que é pelo pr incípio da unidade e luta doscontrár ios . Não proclama a lógica subjet ivis ta como cr i tér iognosiológico.

    Considerações Finais

    Pelo exposto, procuramos evidenciar o quanto divergem osprincípios basi lares do mater ial ismo his tór ico-dialét ico em relação àsabordagens qual i ta t ivas , tendo em vis ta apontar a lguns fundamentosda impropriedade de aproximações entre ambos. Neste sent ido,consideramos absolutamente ar t i f ic iais as just i f icações atr ibuídas àsrefer idas aproximações.

    Esperamos ter demonstrado ao longo deste ar t igo que, nãoobstante as tentat ivas , as abordagens qual i ta t ivas não superam de fatoos precei tos posi t ivis tas de invest igação. Ainda que os apl iquem “deponta cabeça”, não alçaram sua superação. Esperamos também, terdeixado claro que a unidade sujei to/objeto do conhecimento exige acompreensão concreta de ambos, dado não at ingível pelarepresentação imediata e ideal is ta do que sejasu je i to e do que seja

    obje to . Na raiz desta unidade reside a prát ica social dos homens,tecida his tor icamente pelos entrelaçamentos de subjet ividades

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