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    Universidade da Beira Interior

    Faculdade de Cincias da Sade

    GENTICA DOSFEOCROMOCITOMAS E

    PARAGANGLIOMAS FAMILIARES

    Dissertao de Mestrado Integrado em Medicina

    Davide Jos da Silva Severino

    Maio de 2009

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    Universidade da Beira Interior

    Faculdade de Cincias da Sade

    GENTICA DOS FEOCROMOCITOMAS

    E PARAGANGLIOMAS FAMILIARES

    Dissertao de Mestrado Integrado em Medicina

    Por:

    Davide Jos da Silva Severino

    Orientado por:

    Professor Doutor Manuel Carlos Lemos

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    Gentica dos feocromocitomas e paragangliomas familiares Davide J S Severino

    I

    RESUMO

    Os feocromocitomas/paragangliomas so neoplasias raras com origem nas clulas

    cromafins presentes na medula adrenal e na paragnglia simptica e parassimptica. Apesar de a

    grande maioria ser espordica, uma percentagem significativa, aproximadamente 25%, pode

    ocorrer em indivduos portadores de mutaes germinais que favorecem o seu desenvolvimento.

    As formas sindrmicas mais comuns associadas a feocromocitomas/paragangliomas familiares

    englobam as sndromes de von Hippel-Lindau, a Neoplasia Endcrina Mltipla tipo 2, e as

    Sndromes de Paragangliomas Familiares. Este trabalho visa discutir as bases genticas destas

    sndromes e elaborar uma lista das principais mutaes associadas a

    feocromocitomas/paragangliomas, salientado a relao gentipo/fentipo presente em cada uma

    destas doenas.

    Palavras-chave: feocromocitomas, paragangliomas, VHL, MEN 2, SDH, mutaes

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    Gentica dos feocromocitomas e paragangliomas familiares Davide J S Severino

    II

    ABSTRACT

    The pheochromocytomas/paragangliomas are rare neoplasias that originate in the

    cromafin cells present in the adrenal medulla and the sympathetic and parasympathetic

    paraganglia. Although the vast majority are sporadic, a significant percentage, approximately

    25%, can occur in individuals with germline mutations that favor their development. The most

    common syndromic forms associated with familial pheochromocytoma/paraganglioma syndromes

    include the von Hippel-Lindau, Multiple Endocrine Neoplasia type 2, and Familial Paraganglioma

    Syndromes. This review aims to discuss the genetic basis of these syndromes and to establish a list

    of key mutations associated with pheochromocytomas/paragangliomas, emphasizing the

    genotype/phenotype relationship in each of these diseases.

    Key words: pheochromocytomas, paragangliomas, VHL, MEN 2, SDH, mutations

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    III

    AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. Doutor Manuel Carlos Lemos, professor na Faculdade de Cincias da

    Sade da Universidade da Beira Interior e especialista em Endocrinologia, pela grande honra ter

    aceite ser o orientador desta tese e por toda a disponibilidade, auxlio, tempo dispendido e

    simpatia.

    Ao amor da vida,Anne Carvalho, pelo permanente apoio e colaborao na execuo

    desta tese, ajudando a superar os obstculos e dificuldades com toda a pacincia e disponibilidade.

    Aos meus pais, pelo permanente apoio e estimulao ao longo do meu percurso

    acadmico e por sempre proporcionarem condies de vida compatveis com a realizao desta

    tese.

    A todos os tutores, professores, tcnicos, colegas e funcionrios que comigo se cruzaram

    e que, de uma forma mais ou menos activa, possibilitaram o desenvolvimento de atitudes e

    aptides, no s profissionais, mas tambm, e mais importantes, pessoais e sociais no crescimento

    da minha pessoa.

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    IV

    NDICE

    RESUMO ........................................................................................................... I

    ABSTRACT ........................................................................................................ II

    AGRADECIMENTOS .......................................................................................... III

    NDICE ............................................................................................................ IV

    LISTA DE FIGURAS ............................................................................................ VI

    LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................. VII

    1 - INTRODUO .............................................................................................. 1

    A) ENQUADRAMENTO DO TEMA.................................................................................... 1

    B) OBJECTIVOS........................................................................................................ 2

    2 - MTODOS .................................................................................................... 4

    3 - SNDROME DE VHL ....................................................................................... 6

    A) GENE VHL ........................................................................................................... 8

    B) PROTENA VHL..................................................................................................... 9

    (i) A pVHL como reguladora dos genes induzveis pela hipxia.................................................... 9(ii) O complexo pVHL-ubiquitina ligase........................................................................... 10

    (iii) Ubiquitinizao do HIF pela pVHL ........................................................................... 10

    (iv) Hidroxilao do HIF........................................................................................... 11

    (v) Funes alternativas da pVHL ................................................................................. 11

    C) MECANISMOS FISIOPATOLGICOS DA SNDROME DE VHL ................................................. 12

    D) MODELOS ANIMAIS PARA A SNDROME DE VHL.............................................................. 13

    E) CORRELAES GENTIPO-FENTIPO NA SNDROME DE VHL ............................................. 14

    4- SNDROME MEN 2 ......................................................................................... 18

    A) MEN 2A............................................................................................................ 18

    B) MEN 2B ............................................................................................................ 19

    C) GENE RET......................................................................................................... 20

    D) PROTENA DO GENE RET........................................................................................ 20

    (i) Activao do receptor RET pelo GFL .......................................................................... 21

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    V

    (ii) Activao do RET por outros factores de crescimento ......................................................... 21

    (iii) Vias de sinalizao intracelulares ............................................................................. 22

    E) MECANISMOS FISIOPATOLGICOS DA SNDROME MEN 2 ................................................... 23F) MODELOS ANIMAIS PARA A SNDROME MEN 2 ............................................................... 23

    G) CORRELAES GENTIPOFENTIPO NA SNDROME MEN 2 ............................................ 24

    5SNDROMES DE PARAGANGLIOMAS FAMILIARES ............................................27

    A) PGL1 .............................................................................................................. 28

    B) PGL3 .............................................................................................................. 28

    C) PGL4 .............................................................................................................. 29

    D) COMPLEXO SUCINATO-DESIDROGENASE .................................................................... 29

    (i) Genes SDH...................................................................................................... 29

    (ii) Complexo MitocondrialII...................................................................................... 30

    E) MECANISMOS FISIOPATOLGICOS DAS SNDROMES DE PARAGANGLIOMAS FAMILIARES ...............33

    F) MODELOS ANIMAIS PARA AS SNDROMES DE PARAGANGLIOMAS FAMILIARES ...........................33

    G) CORRELAES GENTIPO-FENTIPO NAS SNDROMES DE PARAGANGLIOMAS FAMILIARES .......... 34

    6 - VIA TUMORIGNICA COMUM ....................................................................... 38

    7 - TESTES GENTICOS ...................................................................................... 42

    8 - CONCLUSES E PERSPECTIVAS FUTURAS .......................................................45

    BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 47

    ANEXO 1MUTAES IDENTIFICADAS NO GENE VHL ......................................... 63

    ANEXO 2 - MUTAES IDENTIFICADAS NO GENE RET.......................................... 72

    ANEXO 3 - MUTAES IDENTIFICADAS NO GENE SDHB ........................................ 74

    ANEXO 4 - MUTAES IDENTIFICADAS NO GENE SDHC........................................ 77

    ANEXO 5 - MUTAES IDENTIFICADAS NO GENE SDHD ....................................... 78

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    VI

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Estrutura do geneVHL

    e localizao das principais mutaes exnicas identificadas.. . 15

    Figura 2 - Estrutura do gene RETe localizao das principais mutaes exnicas identificadas.... 25

    Figura 3 - Estrutura do gene SDHB e localizao das mutaes exnicas identificadas.. ............ 35

    Figura 4 - Estrutura do gene SDHCe localizao das mutaes exnicas identificadas. ............. 35

    Figura 5 - Estrutura do gene SDHD e localizao das mutaes exnicas identificadas. ............. 36

    Figura 6 - Modelo unificador dos genes envolvidos na gnese das sndromes de

    feocromocitomas/paragangliomas familiares. .............................................................. 39

    Figura 7 - Algoritmo para o diagnstico gentico dos feocromocitomas/paragangliomas.. ........ 43

    http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040275http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040275http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040275http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040278http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040278http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040278http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040280http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040280http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040280http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040280http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040278http://c/Users/Admin/Desktop/Mestrado_final_revisto/rascunho_final.docx%23_Toc227040275
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    VII

    LISTA DE ABREVIATURAS

    ADN: cido desoxirribonucleicoAla: alanina

    AP 2: Activating Protein 2

    aPKC: protena cinase C

    Arg: arginina

    ARNm: cido ribonuclico mensageiro

    ARTN: artemin

    Asn: asparagina

    Asp: aspartato

    ATP: adenosina trifosfato

    Ca2+: io clcio

    c-Jun: factor de transcrio c-jun

    CoA : coenzima A

    CRG: Clinical Research Group

    Cul 2: cullina 2

    Cys: cistena

    DAG: diacilglicerol

    Egl-9: Egg Laying defective nine

    EgLN 1, 2 e 3: Egg Laying defective Nine

    type 1, 2 and 3

    FAD: Flavin Adenine Dinucleotide

    Feo: feocromocitoma

    GAB 2: Growth factor receptor-boundprotein 2-Associated Binding protein

    GDNF: Glial cell line-Derived Neurotrophic

    Factor

    GFL: Glial cell line-derived neurotrophic

    factor - Family of Ligands

    GFR : GDNF Family Receptors alpha

    Gln: glutamina

    Glu: glutamato

    Gly: glicina

    GRB7/10: Growth factor Receptor-Bound

    protein docking proteins 7/10

    GTP: guanosina trifosfato

    HIF : subunidade alfa do factor induzvel

    pela hipxia

    HIF: factor induzvel pela hipxia

    HIF-1

    : subdomnio 1 do HIF

    His: histidina

    Ile: isoleucina

    IP 3: inositol-1,4,5-trifosfato

    junB: factor de transcrio junB

    Kb: kilopares de bases nucleotdicas

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    VIII

    kDa: kilodalton

    Leu: leucina

    Lys: lisina

    MEN 2A: neoplasia endcrina mltipla tipo

    2 A

    MEN 2B: neoplasia endcrina mltipla tipo

    2 B

    MEN: neoplasia endcrina mltipla

    Met: metionina

    MLTP: Mutations Leading to Truncated

    Protein

    NADH: Nicotinamide Adenine Dinucleotide

    NRF 1 e 2: Nuclear Respiratory Factor 1 e 2

    NRTN: neurturin

    Para: paraganglioma

    Pb: pares de bases

    PDGF : Platelet-Derived Growth Factor

    beta

    PGL 1: paragangliomas familiares tipo 1

    PGL 2: paragangliomas familiares tipo 2

    PGL 3: paragangliomas familiares tipo 3

    PGL 4: paragangliomas familiares tipo 4

    Phe: fenilalanina

    PLC: fosfolpase C

    Pro: prolina

    PSPN: persephin

    pVHL 19: forma curta da protena de VHL

    pVHL 30: forma longa da protena de VHL

    pVHL: protena de von Hippel-Lindau

    Rbx 1: ring-boxtype 1

    RET 150: forma imatura do receptor RET

    com 150 kDa de peso molecular

    RET 170: forma matura do receptor RET

    com 170 kDa de peso molecular

    RET: rearranged during transfection

    SDH: complexo sucinato desidrogenase

    SDHA: subunidade A do complexo sucinato-

    desidrogenase

    SDHB: subunidade B do complexo sucinato-

    desidrogenase

    SDHC: subunidade C do complexo sucinato-

    desidrogenase

    SDHD:subunidade D do complexo sucinato-

    desidrogenase

    Ser: serina

    SHANK 3: multiple ankyrin repeat domains

    3

    Shc: Src-homology collagen

    SNC: sistema nervoso central

    Sp1: Specificity Protein 1

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    IX

    Tyr: tirosina

    TGF : Transforming Growth Factor alpha

    Thr: treonina

    TNF : factor de necrose tumoral alfa

    Trp: triptofano

    UTR: untranslated region

    Val: valina

    VEGF: Vascular Endothelial Growth Factor

    VHL: von Hippel-Lindau

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    1- INTRODUO

    A)ENQUADRAMENTO DO TEMAOs feocromocitomas e os paragangliomas so tumores derivados das clulas endcrinas

    provenientes da crista neural. Os primeiros surgem na medula supra-renal a partir das clulas

    cromafins a presentes, enquanto que os segundos so provenientes das clulas cromafins

    localizadas na paragnglia simptica e parassimptica distribuda ao longo do eixo para-artico e

    para-vertebral, desde a base do crnio at ao pavimento plvico, sendo, na sua grande maioria,

    intra-abdominais e adjacentes s glndulas supra-renais (85%). 1, 2

    A sua incidncia mundial ronda os 2 a 8 milhes de casos por ano, sendo a sua prevalncia

    de 0,2 a 4% entre a populao hipertensa e de aproximadamente 4% entre a populao com

    incidentalomas adrenais. 2

    Esta neoplasia muitas vezes conhecida como estando associada regra dos 10%, de

    acordo com a qual 10% so extra adrenais; 10% so encontradas em indivduos sem hipertenso;

    10% so malignas; 10% so bilaterais; 10% ocorrem em idade peditrica e 10% so hereditrias.

    No entanto, um estudo longitudinal realizado por Neumann et al3 colocou em dvida esta

    suposio. Este estudo envolveu 241 indivduos portadores de feocromocitoma e aps a realizao

    do estudo gentico, constatou-se a existncia de mutaes germinais num dos quatro genes

    associados a feocromocitomas e paragangliomas em quase 25% dos casos. Assim, 30 pessoas

    apresentavam mutaes no gene VHL (45%), 13 no gene RET(20%), 12 no SDHB (18%) e 11 no

    gene SDHD (17%). 2, 3

    A grande maioria dos feocromocitomas e paragangliomas so espordicos, mas existem

    sndromes caracterizadas pela existncia de uma predisposio familiar para o seu

    desenvolvimento. De acordo com a referida regra, estas representariam 10% de todos os casos,

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    mas o estudo, atrs referido, apontou para a possibilidade desta percentagem ser maior. De facto,

    alguns estudos mais recentes prevem uma prevalncia, para este tipo de neoplasias, que ronda os

    21 a 30%.4,5 Estas formas hereditrias podem diferir, entre si, quanto frequncia de

    desenvolvimento da neoplasia, no seu potencial maligno e no fentipo bioqumico associado.

    Desta forma, a identificao dos genes associados a estas sndromes pode no s permitir o

    diagnstico gentico, mas tambm contribuir para os conhecimentos dos mecanismos

    tumorignicos e identificao de novos alvos teraputicos. 4,5

    A necessidade de melhor compreender estas sndromes e as especificidades a elas

    associadas motivaram-me para a elaborao desta tese de mestrado.

    B) OBJECTIVOSO conhecimento das influncias genticas nos feocromocitomas e paragangliomas tem

    adquirido uma importncia cada vez maior. Neste sentido, proponho-me rever a literatura

    cientfica mais relevante e analis-la, de forma a avaliar o estado-da-arte sobre este tema.

    Como objectivos principais, destaco os seguintes:

    1. Realizar uma reviso sobre as principais sndromes associadas afeocromocitomas/paragangliomas familiares, nomeadamente: Sndrome de von Hippel-

    Lindau, Neoplasia Endcrina Mltipla tipo 2 e Sndromes de Paragangliomas Familiares;

    2.

    Rever os principais aspectos associados aos vrios genes envolvidos nestas sndromes,nomeadamente VHL, RET, SDHB, SDHCe SDHD;

    3. Descrever as principais correlaes gentipo-fentipo associadas s vrias sndromes e asua importncia clnica;

    4. Descrever o modo como os vrios genes se inter-relacionam numa via tumorignicacomum;

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    5. Elaborar uma lista das mutaes descritas na literatura para os vrios genes envolvidosnestas sndromes.

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    2 - MTODOS

    Para a realizao desta tese foram usadas as seguintes bases de dados: PubMed, Medscape,

    Google Scholar e OMIM.

    A estratgia de pesquisa, nestas bases, teve quatro grupos de itens:

    (i) Revises das principais sndromes abordadas - para este tpico optaram-se pelasseguintes palavras-chaves: familial pheochromocytoma; MEN 2; Paragangliomas; von

    Hippel-Lindau.

    (ii) Para abordar todos os aspectos clnicos e genticos da sndrome de VHL utilizei comopalavras-chaves: mutations VHL; genotype correlations VHL, animal models.

    (iii) Relativamente sndrome MEN 2, optei por usar como palavras-chaves as seguintes:MEN 2A; MEN2B; mutations RET; genotype correlations MEN2; animal models.

    (iv) Para as Sndromes de Paragangliomas Familiares recorri s palavras-chaves: succinatedehydrogenase complex II; SDHB; SDHB mutations; SDHC; SDHC mutations;

    SDHD; SDHD mutations; PGL 1; PGL 3; PGL 4.

    Utilizei a base de dados OMIM para efectuar uma pesquisa mais especfica e direccionada para

    alguns temas relacionados com a componente gentica do trabalho, nomeadamente modelos

    animais e correlaes gentipo-fentipo.

    Foram ainda objecto de pesquisa alguns livros da rea da Medicina Interna e Endocrinologia.

    Devido natureza do trabalho, no foram colocadas restries na data de pesquisa, excepto

    quando se procuraram artigos mais generalistas (campo i), onde se optou por obter os artigos mais

    recentes possveis.

    Houve restrio de idiomas tendo-se privilegiado artigos escritos em ingls, portugus,

    espanhol e francs.

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    Decidi exluir os casos de feocromocitomas que ocorrem no contexto da MEN tipo 1 e da

    Neurofibromatose tipo 1 devido sua baixa incidncia nestas sndromes (0,1% a 5,7% na

    Neurofibromatose e ainda mais baixa na MEN 1). 5

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    3 - SNDROME DE VHL

    A sndrome de VHL caracterizada por hemangioblastomas cerebrais, medulares e

    retinianos, por quistos e carcinomas das clulas renais, por feocromocitomas e tumores do saco

    endolinftico, sendo as suas manifestaes e severidade muito variveis.1, 4

    Os hemangioblastomas do SNC so a leso caracterstica desta sndrome.

    Aproximadamente 80% desenvolvem-se no crebro, enquanto que os restantes 20% se localizam

    na medula espinhal. Dentro do crebro, a grande maioria apresenta uma localizao infratentorial

    com preferncia pelos hemisfrios cerebelares. As neoplasias multifocais, quer sincrnicas quer

    metacrnicas, so frequentes no SNC. Os hemangioblastomas medulares so intradurais

    ocorrendo, principalmente, nas regies cervicais e torcicas, mas podem, em situaes raras,

    envolver toda a medula ou afectar os nervos perifricos. 6, 7

    Os sintomas clnicos dependem principalmente da localizao do tumor. Se

    infratentoriais, as cefaleias, emese e alteraes da marcha predominam no quadro clnico, ao passo

    que se a sua localizao for supratentorial, o modo de apresentao depende da sua localizao

    especfica. Como caractersticas globais, estes tumores apresentam um crescimento lento mas a

    presena de formaes qusticas, que podem apresentar um desenvolvimento mais rpido que a

    restante neoplasia, pode ocasionar uma hidrocefalia com papiledema. Os hemangioblastomas

    medulares manifestam-se por dor, mas medida que a doena evoluiu comum desenvolverem-

    se dfices sensitivos e motores por compresso da medula espinhal. 7, 8

    Os hemangioblastomas retinianos so, histologicamente, em tudo idnticos aos

    hemangioblastomas presentes no SNC. Cerca de 70% dos indivduos afectados por esta sndrome

    so portadores de hemangioblastomas retinianos pela idade dos 25 anos. Estes localizam-se com

    frequncia nas regies temporal e perifrica da retina, mas situam-se no plo posterior e no disco

    ptico em 1 e 8% dos casos, respectivamente. Podem ser assintomticos, sendo detectados

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    durante o decorrer de um exame oftalmolgico de rotina ou podem cursar com defeitos do

    campo visual ou diminuio da acuidade visual devido ao descolamento da retina, exsudao ou

    hemorragia. O nmero de angiomas no parece aumentar com a idade mas a probabilidade de

    perda de viso aumenta com esta. 9, 10

    Os quistos renais na sndrome de VHL so frequentemente mltiplos. O carcinoma renal,

    principalmente o tipo de clulas claras, pode desenvolver-se quer dentro do quisto, quer a partir

    do parnquima envolvente e ocorre em 40% dos indivduos afectados, sendo a principal causa de

    mortalidade associada a esta patologia. 7

    Os feocromocitomas ocorrem em 10 a 20% dos indivduos. A idade de apresentao varia

    entre os 10 e os 40 anos, com uma idade mdia de cerca de 20 anos. Podem manifestar-se como

    uma hipertenso arterial mantida ou episdica ou podem ser totalmente assintomticos. Esto,

    por norma, localizados a uma ou a ambas as glndulas adrenais, podendo, tambm, situar-se ao

    longo de todo o trajecto simptico localizado no trax e abdmen (paragangliomas) ou na cabea e

    pescoo (quemodectomas - 10% do total de casos). Possuem um dimetro superior a 2 cm e, por

    norma, so de natureza benigna apesar de poderem sofrer, em casos raros, uma degenerao

    maligna (< 5%). 4, 11

    As leses pancreticas so, na sua grande maioria, quistos simples. Apesar de serem com

    frequncia mltiplas, raramente causam insuficincia endcrina ou excrina a no ser que sejam

    extensas. Ocasionalmente, se localizadas na cabea do pncreas, podem causar obstruo biliar e

    um quadro clnico de ictercia colesttica. Os tumores neuroendcrinos podem desenvolver-se

    mas no so hormonalmente activos. Estes tm um crescimento lento, mas um comportamento

    maligno, mais notrio naqueles com um dimetro superior a 3 cm. 7

    Os tumores do saco endolinftico podem manifestar-se como uma hipoacsia de

    gravidade varivel, muitas vezes severa, profunda e de incio sbito. Outras formas de

    apresentao incluem vertigens e acufenos. As neoplasias de grandes dimenses podem envolver

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    outros nervos cranianos e ocasionar dfices isolados dos mesmos. Este tipo de neoplasias

    observado em 10% dos indivduos portadores desta patologia. Em raros casos podem ser

    malignos. 12

    Os cistadenomas epididimrios e papilares so relativamente comuns nos homens

    portadores desta sndrome. Raramente causam problemas, mas alguns casos bilaterais encontram-

    se descritos como causa de esterilidade. A leso equivalente nas mulheres o cistadenoma papilar

    do ligamento largo, que no entanto menos comum. 7

    Como foi possvel constatar, a variabilidade fenotpica associada doena de von Hippel-

    Lindau grande, mas as caractersticas dos quadros clnicos possibilitam a sua diviso em vrios

    tipos e subtipos. Desta forma, possvel classificar esta doena em tipo I, quando o

    feocromocitoma no faz parte do quadro clnico, e em tipo II quando o mesmo compe o referido

    quadro. Alm desta diviso, a variante II pode, ainda, ser subclassificada nos tipos IIA, IIB e IIC. O

    subtipo IIA caracteriza-se pela presena de feocromocitomas e hemangioblastomas do SNC e pela

    ausncia de carcinoma das clulas renais. O subtipo IIB engloba feocromocitomas, carcinoma das

    clulas renais e outros tumores do sistema nervosos central, enquanto que o subtipo IIC apresenta

    unicamente feocromocitomas. 1, 3

    Esta sndrome autossmica dominante resulta de mutaes no gene de supresso tumoral

    VHL, localizado no cromossoma 3p25-26. Tem uma incidncia aproximada de 1 caso por cada

    36.000 nascimentos/ano, dos quais 20% resultam de mutaes de novo, no existindo, portanto,

    histria familiar da doena. 2

    A)GENE VHLO gene VHL apresenta 10.444 pb de ADN genmico, tendo a molcula de ARNm, por

    ele codificada, um total de 4.700 pb. Apresenta dois codes iniciadores (metionina 1 e metionina

    54) e a regio codificadora da protena proveniente do primeiro codo iniciador possui 639 pb que

    se encontram distribudos por 3 exes de 340, 123 e 179 pb. 13

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    9

    A regio promotora apresenta vrios locais de ligao para numerosos factores de

    transcrio, entre os quais se encontra o Sp 1, importante para o controlo da transcrio deste

    gene. 14

    B)PROTENA VHLO gene VHL apresenta dois produtos conhecidos que parecem reflectir o uso de codes

    iniciadores alternativos. O produto mais longo, denominado de pVHL 30, constitudo por 213

    aminocidos e tem um peso aproximado de 24 a 30 kDa, ao passo que o segundo, denominado de

    pVHL 19, composto pelos aminocidos 54 a 213 da pVHL 30 e tem um peso, aproximado, de

    19 kDa. 15

    A pVHL apresenta um movimento contnuo entre o ncleo e o citoplasma que se revela

    fundamental para a sua funo. Alguns dados apontam para a possibilidade da pVHL 30 se localizar

    preferencialmente no citoplasma, enquanto a pVHL 19 parece situar-se predominantemente no

    ncleo, o que sugere que as suas funes, apesar de sobrepostas, no so idnticas. 15

    (i) A pVHL como reguladora dos genes induzveis pela hipxiaOs tumores ligados inactivao do gene VHL so muito vasculares e produzem factores

    angiognicos como o VEGF. Para alm disso, os carcinomas renais, hemangioblastomas e

    feocromocitomas tm sido associados presena de eritrocitose paraneoplsica devida hiper-

    produo de eritropoietina. Estes ARNm so prototpicos de molculas de ARNm induzveis pelahipoxia e pode-se dizer que a hiper-expresso destes ARNm caracterstica das clulas VHL-/-.

    Este facto foi confirmado pela descoberta de que este tipo de clulas v a hiper-expresso desses

    ARNm suprimida aps a reposio da funo da pVHL e na presena de oxignio. 16, 17

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    10

    (ii) O complexo pVHL-ubiquitina ligaseEstudos bioqumicos revelaram que as pVHL formam um complexo multi-proteico que

    engloba quatro componentes denominados de elongina B e C, Cul 2 e Rbx 1. A elongina C e a

    Cul 2 so similares a outros componentes individuais de complexos multi-proteicos presentes em

    leveduras, os quais marcam protenas especficas para a degradao, atravs de fenmenos de

    ubiquitinizao. 18

    A estrutura tridimensional do complexo multi-proteico pVHL sustenta a hiptese de que

    este complexo, tal como o presente nas leveduras, possa ter actividade de ubiquitina ligase. Com

    esta ideia em mente, alguns investigadores cedo mostraram que, de facto, os complexos pVHL

    so dotados da capacidade de ubiquitinizao, regulando substratos especficos para a degradao.

    18

    (iii)Ubiquitinizao do HIF pela pVHLMuitos dos genes regulados pela hipxia encontram-se sob o controlo de factores de

    transcrio referidos como HIF. Este constitudo por duas subunidades no idnticas (alfa e beta)

    e liga-se a sequncias especficas de ADN, favorecendo o processo de transcrio gnica. A

    subunidade beta do HIF uma protena estvel, enquanto que a alfa se apresenta instvel na

    presena de oxignio, restringindo a formao do HIF activo a condies de hipxia. 19

    Em 1999, Maxwell et al19, mostraram que as clulas VHL-/- no evidenciavam degradao

    da subunidade , na presena de oxignio e que a pVHL e a subunidade HIF podiam ligar-seuma outra. No seguimento destas observaes, foi estabelecido que o complexo VHL tem, de

    facto, capacidade ubiquitina ligase e que esta se encontra direccionada para a ubiquitinizao e

    consequente destruio da subunidade alfa do HIF, constituindo o elo de ligao entre a

    inactivao da pVHL e a hiper-expresso de ARNm induzveis pela hipxia.

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    11

    (iv)Hidroxilao do HIFA estabilizao do HIF , que ocorre em condies de hipxia, implica a sua ligao

    pVHL. Os primeiros estudos identificaram um subdomnio presente nesta subunidade,

    denominado de HIF-1, que era determinante para a instabilidade da molcula na presena de

    oxignio. Outros grupos mostraram que o HIF-1 sofre uma modificao ps-translacional

    dependente de oxignio para ser reconhecida pela pVHL. Este fenmeno parece relacionar-se

    com a hidroxilao de resduos de prolina, bastante conservados, presentes no referido

    subdomnio. A anlise da estrutura tridimensional do HIF ligado pVHL revelou que os grupos

    hidroxilo so crticos para esta associao ao interagir com domnios especficos presentes na

    pVHL. 20

    Estudos em modelos animais conduziram identificao do gene codificador das prolil-

    hidroxilases, acima referidas, denominado de Egl-9. As clulas dos mamferos contm trs genes -

    EgLN 1, 2 e 3 - ancestralmente relacionados com o Egl-9, e os seus produtos proteicos so capazes

    de hidroxilar o HIF in vitro. A EgLN 1 parece ser a prolil-hidroxilase principal, no entanto as

    isoformas 2 e 3 podem desempenhar um importante papel em condies de hipxia prolongada. 21

    As prolil-hidroxilases apresentam, na sua constituio, um tomo de oxignio e, como

    consequncia, alteraes na concentrao de oxignio afectam a actividade cataltica das vrias

    isoenzimas e o processo de hidroxilao do HIF . 21

    (v) Funes alternativas da pVHLPara alm de todas as funes atrs referidas, o gene VHL parece desempenhar um papel

    preponderante no processo de montagem de protenas, pois verifica-se uma deposio anmala da

    fibronectina na matriz extracelular em carcinomas renais e em embries de ratinhos Vhl-/-. A

    pVHL participa na proteco, in vivo, dos microtbulos contra a despolimerizao, estando esta

    funo relacionada com a pVHL 30. Alm destas, este gene encontra-se envolvido na manuteno

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    12

    ciliar e no processo embriognico, onde parece exercer uma aco fulcral na diferenciao e

    proliferao neuronal. 22,23

    C)MECANISMOS FISIOPATOLGICOS DA SNDROME DE VHLA maioria das pessoas portadoras da sndrome de VHL herdou um alelo do gene VHL

    mutado de um familiar afectado pela doena e um alelo normal de um familiar no afectado. De

    acordo com a hiptese two-hit proposta por Knudson, o processo carcinognico inicia-se

    quando ambos os alelos so inactivados. As mutaes germinais esto presentes em todas as clulas

    individuais afectadas, no entanto, apenas aquelas clulas submetidas a eventos mutacionais no alelo

    normal desenvolvem o processo tumoral. 4,14

    Perante situaes de pVHL ausentes ou disfuncionais, a sua capacidade de supresso

    tumoral encontra-se alterada. A referida funo supressora depende, em larga medida, da

    capacidade de degradao do HIF , pelo que a alterao da funo da pVHL contribui para o

    processo carcinognico. Quando a pVHL est ausente ou v a sua funo alterada, o HIF pode

    estimular os processos angiognicos por meio da expresso de VEGF e/ou PDGF , os quais

    desempenham um importante papel na proliferao das clulas endoteliais e pericitos. Este facto

    pode explicar a natureza vascular dos tumores associados a esta sndrome, em particular os

    hemangioblastomas e carcinomas das clulas renais. Alm do mais, a elevada permeabilidade

    vascular, resultante da hiper-expresso de VEGF, parece ser a base do edema peritumoral e

    quistos observados com frequncia nesta patologia. Um outro processo que pode contribuir para o

    mecanismo carcinognico prende-se com a hiper-produo de TGF , que alm de ser um

    potente factor neurotrfico, pode favorecer a expresso do receptor do factor de crescimento

    epidrmico. Outros efeitos independentes de HIF podem, tambm, estar envolvidos na gnese

    tumoral. Estes englobam processos to variados como: (1) alterao do ciclo celular, uma vez que

    se verifica que os indivduos afectados apresentam uma diminuio do nmero de clulas que

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    entram na fase G0 do ciclo celular; (2) potenciao dos fenmenos angiognicos atravs da hiper

    secreo de VEGF, como consequncia de uma alterao do processo de transcrio; (3)

    alteraes na matriz extracelular. 4, 14,23

    D)MODELOS ANIMAIS PARA A SNDROME DE VHLPara analisar a importncia do gene VHL durante o desenvolvimento embrionrio, Gnarra

    et al24 desenvolveram linhagens de ratinhos knockout para este gene. Desta forma, verificaram que

    os ratinhos heterozigticos Vhl+/- sobreviviam at aos 15 meses sem evidncia de qualquer doena

    espontnea, mas que os ratinhos homozigticos Vhl-/-

    desenvolviam leses placentares entre os 9,5

    e os 10,5 dias de gestao e morriam in utero entre os 10,5 e os 12,5 dias. O trofoblasto parece ser

    normal e vivel at aos 9,5 dias de gestao mas no progride para o sinciciotrofoblasto. Alm do

    mais, entre os 11,5 e os 12,5 dias o labirinto vascular placentar mostra uma grande disrupo e

    perda de estrutura culminando no desenvolvimento de hemorragias e de enfartes placentares,

    sendo esta alterao a causa da elevada mortalidade in utero destes ratinhos. Associada a estes

    fenmenos, verifica-se uma diminuio da expresso do VEGF devido a uma menor estabilizao

    do seu ARNm, cuja funo realizada pelo produto do gene Vhl.

    A perda de um dos alelos do gene Vhl no parece estar associada a uma predisposio

    significativa para o desenvolvimento de neoplasias renais, pois os ratinhos Vhl+/- no revelaram

    qualquer diferena, estatisticamente significativa, na frequncia de neoplasias renais

    comparativamente aos ratinhos normais Vhl+/+ aps a administrao de 50 a 200 mg/kg de

    estreptozotocina, um conhecido agente carcinognico renal. Apesar dos ratinhos Vhl+/- no

    exibirem uma maior frequncia de leses renais, eles tendem a desenvolver leses proliferativas

    vasculares no fgado, tero, ovrio, bao e corao que variam entre angiectasias e

    hemangiosarcomas. Estas leses ocorrem em mltiplos rgos, mas as de origem heptica so

    claramente as de maior incidncia. Este padro de mltiplas neoplasias vasculares que ocorrem em

    ratinhos Vhl+/- assemelha-se ao da sndrome de VHL no humano. 25

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    14

    E) CORRELAES GENTIPO-FENTIPO NA SNDROME DE VHLA sndrome de VHL apresenta uma grande variabilidade inter-individual, pelo que as

    correlaes entre o gentipo e fentipo tm, cada vez mais, maior importncia. Durante a

    realizao desta tese identifiquei 357 mutaes diferentes para o gene VHL (ver anexo 1), as quais

    consistem em mutaes do tipo missense (46,8%), frameshift (36,7%), nonsense (8,7%), in-

    frame (4,2%) e splice site (3,6%). Estas encontram-se distribudas por toda a sequncia

    codificadora deste gene existindo, no entanto, alguns locais onde, pelas mais variadades razes,

    estas assumem uma especial importncia (ver figura 1).

    As mutaes que afectam o gene VHL podem impedir a sua expressomutaes do tipo

    frameshift, nonsense ou splice site - ou podem conduzir expresso de uma protena funcional,

    embora com algumas alteraes estruturaismutaes do tipo missense. Sabe-se que as mutaes

    do tipo missense, que resultam no subtipo I desta sndrome, diminuem a estabilidade e alteram a

    capacidade de ligao e interaco com a elongina C e HIF , e que asassociadas ao subtipo II

    tendem a afectar os aminocidos responsveis pela ligao da elongina C pVHL. Esta alterao

    foi exemplificada por Olschwang et al26 que, aps a anlise de 92 doentes, detectaram 61 mutaes

    diferentes, das quais 18 ocorriam a montante ao codo 156, uma regio que, quando afectada,

    altera a capacidade de interaco entre a pVHL e as elonginas B e C. As mutaes missense

    associadas aos subtipos IIA e C resultam numa protena que retm a capacidade de ubiquitinizar o

    HIF , na presena de oxignio, em contraste com as mutaes que esto na base da variante

    sindrmica IIB. 23

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    Em 1995, Chen et al27 demonstraram que microdeleces/inseres, mutaes nonsense

    ou delees extensas ocorriam em 56% das famlias com doena tipo I, enquanto que na doena

    tipo II as mutaes missense ocorrem em 96% das pessoas afectadas. De salientar que mutaes

    especficas no codo 167 representam 43% do total de mutaes encontradas na doena tipo II.

    Zbar et al28 realizaram uma anlise com vista a detectar mutaes germinais em 469

    famlias portadoras da sndrome de VHL provenientes da Amrica do Norte, Europa e Japo,

    tendo identificado um total de 137 mutaes distintas. Os resultados obtidos permitiram verificar:

    (1) que mutaes similares produziam fentipos semelhantes nos Caucasianos e Japoneses, tendo

    sido identificados trs fentipos distintos: a) carcinoma renal sem feocromocitoma, b) carcinoma

    renal com feocromocitoma e c) feocromocitoma isolado; (2) que existiam seis eventos

    mutacionais mais comuns (c.226_228delTTC; c.233A>G; c.481C>T; c.499C>T; c.500G>A;

    Figura 1 - Estrutura do gene VHL e localizao das principais mutaes exnicas identificadas. Estas mutaesafectam sobretudo duas regies, situadas entre os codes 75 e 82 no exo 1, e entre os codes 157 e 189 no exo 3.Por razes de clareza, os intres e as regies UTR no foram representados.

    c.562C>G

    c.562delC

    c.563delT

    c.563T>A

    c.563T>C

    c.523delTc.523T>G

    c.524delA

    c.525C>G

    c.525delC

    c.526delA

    c.532ins8

    c.533T>A

    c.533T>C

    c.533T>G

    c.538A>G

    c.539T>A

    c.540delC

    c.540_543delCGTC

    3

    c.469delA

    c.470C>T

    c.472C>G

    c.472insTTT

    c.472_473delCT

    c.473T>A

    c.473T>C

    c.474_476delGA

    AinsC

    c.481C>G

    c.481C>T

    c.482G>A

    c.482G>C

    c.484T>C

    c.485G>A

    c.485G>T

    c.486C>G

    c.496G>T

    c.497T>A

    c.497_501delTCCGG

    c.498delC

    c.498A>G

    c.499C>G

    c.499C>T

    c.500G>A

    c.502insTTGTTCGT

    c.506T>C

    c.508G>T

    c.509T>A

    c.509T>G

    c.509T>C

    c.232A>C

    c.233A>C

    c.233A>G

    c.233A>T

    c.233insTCT

    c.229_231delTGC

    c.230delG

    c.230_232delGCA

    c.238A>C

    c.238A>G

    c.239delG

    c.239G>Ac.239G>T

    c.240T>A

    c.240T>G

    c.241C>T

    c.242delC

    c.244C>T

    c.244delC

    c.245G>C

    1 2

    c.224T>G

    c.224_226delTCT

    c.226T>A

    c.226_228delTTC

    c.227T>C

    c.227insC

    c.227_229delTCT

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    c.533T>C); (3) que as mutaes que afectavam o codo 167 (c.499C>T; c.500G>A) estavam

    associadas a um maior probabilidade de desenvolvimento de feocromocitoma e carcinoma das

    clulas renais (risco de 62%); (4) que o gene VHL apresenta trs regies, onde a frequncia de

    eventos mutacionais maior, localizando-se uma dessas regies entre os codes 75 e 82, outra

    entre o 157 e 189 (local de ligao s elonginas) e a ltima regio entre os exes 2 e 3.

    Hes et al29 conduziram uma investigao que lhes permitiu verificar que famlias com

    delees germinais do gene VHL (parciais ou totais) apresentavam um baixo risco de

    desenvolverem feocromocitoma, mas possuam uma forte associao com a ocorrncia de

    hemangiomas do sistema nervoso central.

    Ong et al30 verificaram que a idade de incio desta patologia era significativamente mais

    precoce e que os riscos, relacionados com a idade, de angiomas da retina e de carcinoma renal

    eram mais elevados em indivduos com mutaes nonsense ou frameshift, relativamente aos que

    apresentavam mutaes missense. Os resultados obtidos confirmaram, ainda, a associao entre o

    feocromocitoma e mutaes missense, particularmente quando estas resultavam em substituies

    dos aminocidos mais superficiais.

    Gallou et al31investigaram o fentipo renal em 247 indivduos portadores da sndrome de

    VHL, tendo identificado 92 mutaes diferentes. Analisando o exo onde estas ocorriam,

    verificou-se que o mais afectado era o 3, com um total de 43 mutaes, e que o menos afectado

    era o exo 1, com um total de 26 mutaes. A anlise gentipo-fentipo mostrou a existncia de

    um elevado nmero de mutaes que afectavam o terminal amina da pVHL entre os indivduos

    com leses renais, estando estas mutaes localizadas, mais frequentemente, no codo codificador

    do aminocido 131. Verificou-se, tambm, que 105 das 129 mutaes (81%) do tipo MLTP ou

    grandes rearranjos estavam associadas a uma frequncia mais elevada de leses renais, enquanto

    que apenas 63% dos indivduos com mutaes missense desenvolviam este tipo de leses. As

    mutaes do tipo MLTP esto presentes ao longo de todo o gene VHL, no se verificando a

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    existncia de uma correlao entre o tamanho da pVHL e a severidade do fentipo renal. Por sua

    vez, as mutaes do tipo missense encontravam-se distribudas entre os codes 52 e 188, com

    45% a localizarem-se entre os codes 157 e 172. Analisando a distribuio das mutaes pela

    pVHL, identificaram-se duas zonas de maior densidade mutacional, que se correlacionavam com

    uma maior probabilidade de desenvolvimento de leses renais. As mutaes que afectam a

    primeira zona (entre os codes 74 e 90) parecem estar associadas a um maior risco de

    desenvolvimento de carcinoma renal do que as que afectam a segunda (entre os codes 130 e

    136), que se associam a uma maior probabilidade de patologia renal benigna (p. ex. quistos renais)

    sem contudo conferirem um maior risco de tumores renais malignos.

    Wong et al32, em 2007, caracterizaram as mutaes germinais detectadas em 335

    indivduos portadores da sndrome de VHL associada a hemangioblastomas capilares. Como

    principais resultados obtidos deve-se referir que: (1) a prevalncia de hemangioblastomas capilares

    era menor (14,5%) entre os doentes com delees completas, os quais apresentavam uma

    acuidade visual mdia mais elevada e que (2) a prevalncia de hemangioblastomas com localizao

    justapapilar foi mais baixa entre os doentes com mutaes que conduziam formao de protena

    truncadas comparativamente aos doentes com substituies de aminocidos. No entanto, as

    alteraes genotpicas no apresentam qualquer correlao com a uni ou bilateralidade da doena

    ocular ou com o nmero e extenso de hemangioblastomas capilares.

    As mutaes ocorridas no gene VHL parecem influenciar a gravidade da doena como

    evidenciado por Maranchie et al33 em 2004, quando demonstraram que 11 de 13 famlias

    portadoras da sndrome de VHL, com delees germinais completas, apresentavam um fentipo

    atenuado da doena, enquanto que as outras duas famlias, portadoras de mutaes parciais,

    tinham uma forma particularmente agressiva, o que sugere a possibilidade da severidade da doena

    se poder correlacionar, pelo menos em parte, com o tamanho da deleo.

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    18

    4- SNDROME MEN 2

    A MEN 2 uma doena autossmica dominante, com uma prevalncia estimada de 1 a 10

    casos por 100.000 pessoas na populao geral. Esta pode ser dividida em duas formas sindrmicas

    - (1) MEN 2A e (2) MEN 2B - e o seu mecanismo fisiopatolgico reside num defeito associado ao

    proto-oncogene RET. 34

    A)MEN2AEsta forma sindrmica representa 60 a 90% do total de casos, tendo uma prevalncia

    aproximada de 1 caso por cada 35.000 pessoas. 34, 35 A sua penetrncia relaciona-se com a idade e

    as suas manifestaes fenotpicas englobam feocromocitomas, carcinoma medular da tiride e

    hiperparatiroidismo primrio. Com o advento dos testes genticos tornou-se aparente que 95%

    dos indivduos portadores desta sndrome desenvolvem carcinoma medular da tiride, 50%

    desenvolvem feocromocitomas e 20 a 30% desenvolvem hiperparatiroidismo. 34, 35

    O carcinoma medular da tiride , por norma, a primeira manifestao desta sndrome.

    As manifestaes bioqumicas (elevao dos nveis de calcitonima plasmtica) surgem entre os 5 e

    os 25 anos. Num indivduo portador, esta neoplasia apresenta-se como uma massa ou dor no

    pescoo entre os 15 e os 20 anos, no entanto mais de 50% destes indivduos iro apresentar

    doena metasttica, nos ndulos linfticos cervicais, na altura do diagnstico. A doena neoplsica

    precedida de uma fase de hiperplasia celular de distribuio multifocal, sendo a diarreia o

    sintoma que, com mais frequncia, est associado a esta manifestao fenotpica. 36

    Os feocromocitomas manifestam-se aps o carcinoma medular da tiride, na maioria dos

    casos, como uma hipertenso arterial resistente teraputica. A morte sbita, devido a uma crise

    hipertensiva induzida pela anestesia, tem sido descrita em alguns indivduos portadores desta

    sndrome e com feocromocitomas no detectados antes da cirurgia. Estes so frequentemente

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    bilaterais e a transformao maligna ocorre em 4% dos casos. Como podem ser a primeira

    manifestao, o seu diagnstico pode justificar a necessidade de se excluir esta sndrome. 37

    As alteraes da funo paratiroideia podem oscilar entre uma hiperplasia paratiroideia e

    mltiplos adenomas associados a hipercalcmia, urolitase ou ostete fibrosa qustica. O

    hiperparatiroidismo primrio ocorre em 20 a 30% dos indivduos e tende a ser assintomtico na

    sua grande maioria. Uma reviso cuidadosa da histologia dos adenomas paratiroideus revelou que

    estes podem ter origem em leses de hiperplasia paratiroideia, de forma semelhante do

    carcinoma medular da tiride. 38

    Outras associaes raras tm sido descritas, tal como o lquen amilide cutneo - uma

    leso pruriginosa localizada na regio escapular ecaracterizada por deposio de tecido amilide -

    ou a doena de Hirschsprung. 4

    B)MEN2BO subtipo 2B representa aproximadamente 5% de todos os casos da sndrome MEN 2.

    Esta variante caracterizada pelo desenvolvimento precoce de uma forma agressiva de carcinoma

    medular da tiride. Os indivduos portadores, que no so submetidos a tiroidectomia numa idade

    precoce, tendem a desenvolver, com grande probabilidade, uma doena metasttica. Os

    feocromocitomas ocorrem em 50% dos casos, sendo em cerca de metade mltiplos e com

    frequncia bilaterais. Caso no sejam diagnosticados atempadamente, muitos podem vir a falecer

    durante o perodo peri-operatrio, devido a um colapso cardiovascular. Ao contrrio da variante

    2 A, a patologia das paratirides extremamente rara. 35, 39

    Muitas vezes, os doentes so identificados durante a infncia devido presena de

    neuromas da mucosa, localizados na superfcie dorso-anterior da lngua, palato ou faringe e por

    uma aparncia facial distinta. Os lbios tendem a tornar-se proeminentes e podem coexistir

    ndulos submucosos. Caso os neuromas se desenvolvam nas plpebras, podem causar

    espessamento e everso das margens palpebrais superiores. Um espessamento proeminente dos

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    nervos corneanos pode ser visualizado atravs da realizao de um exame oftalmolgico com uma

    lmpada de fenda. Em 40% dos indivduos, pode haver uma ganglioneuromatose difusa do

    aparelho gastrointestinal, que se manifesta atravs de um quadro de distenso abdominal,

    megaclon, obstipao ou diarreia. Em 75% dos casos pode haver um aspecto marfanide, muitas

    vezes com cifoscoliose ou lordose, laxidez articular e diminuio do tecido adiposo subcutneo,

    sendo que a atrofia e fraqueza muscular proximal podem tambm estar presentes. 34

    C)GENERETO gene RET um proto-oncogene que codifica um receptor tirosina-cinase, presente na

    superfcie das clulas, que regula os fenmenos de crescimento e diferenciao celular. 40

    Este gene constitudo 21 exes e apresenta um tamanho de 55 Kb, sendo que os exes 2

    a 20 esto contidos numa regio com uma extenso de 31 Kb. A estrutura global deste gene

    muito semelhante de outros genes que codificam receptores tirosina cinase, sendo a sua

    orientao no cromossoma 10q11.2 tal que a sua regio 5 est orientada para o centrmero e a 3

    para a regio telomrica. 41

    D)PROTENA DO GENERETO receptor tirosina-cinase RET uma protena transmembranar composta por uma

    poro extracelular, onde esto presentes quatro regies de adeso celular dependentes de Ca2+ -

    domnio caderina - e uma regio rica em cistena, localizada na poro justa-membranar

    domnio cistena. Esta poro contm vrios locais passveis de glicosilao, que definem o estado

    de maturidade da protena. O RET 170 encontra-se totalmente glicosilado e est presente na

    membrana celular, enquanto o RET 150, parcialmente glicosilado, se encontra no citoplasma e

    retculo endoplasmtico. A poro intracelular engloba dois domnios tirosina-cinase, os quais

    esto envolvidos em numerosas vias de transduo de sinal. 42, 43

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    O gene RET est sujeito a processos de splicing alternativos, dos quais resultam trs

    isoformas diferentes que contm 9 (RET 9), 43 (RET 43) e 51 (RET 51) aminocidos no terminal

    carboxil, a contar aps a glicina presente na posio 1063. O RET 9 e o 51 consistem em 1072 e

    1114 aminocidos, respectivamente e so as principais isoformas in vivo. 43

    (i) Activao do receptor RET pelo GFLO RET um receptor para ligandos pertencentes famlia dos GFL: GDNF, NRTN,

    PSPN e ARTN. Os vrios ligandos associam-se a vrios receptores denominados globalmente de

    GFR correspondendo a cada um deles um ligando, com o qual interage com alta afinidade.

    Deste modo, o GDNF associa-se preferencialmente ao GFR 1, o NRTN ao GFR 2, o ARTN ao

    GFR 3 e a PSPN ao GFR 4. Desta associao resulta a formao de um complexo GFR /GFL,

    que interage com o RET conduzindo fosforilao dos seus resduos tirosina presentes no

    domnio tirosina-cinase. 43

    Apesar de, por regra, se apresentarem ligados membrana plasmtica, os GFR podem

    encontrar-se na forma solvel. Como consequncia, a activao do RET pode ocorrer por duas

    vias distintas denominadas de cis e trans. A primeira baseia-se na ligao entre o GDNF dimrico e

    o GFR 1. O complexo de sinalizao resultante interage com o receptor RET estando, esta

    etapa, dependente de trs aminocidos localizados no domnio caderina do referido receptor. O

    modelo trans sugere que o GDNF pode, como alternativa, interagir com a forma solvel do seu

    receptor culminando na formao de um complexo que, ao associar-se ao receptor tirosina-cinase,

    resulta na sua activao e dimerizao. 44

    (ii)Activao do RET por outros factores de crescimentoApesar do RET ser activado principalmente pelos GFL, outros factores de crescimento

    possuem a capacidade de interagir com este receptor, do qual exemplo o factor de crescimento

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    neurotrfico. Da interaco com este factor resulta uma estimulao do crescimento e

    metabolismo celular e expresso de vrios genes. 43

    (iii)Vias de sinalizao intracelularesOs processos de sinalizao intracelulares desencadeados pelo RET desempenham um

    papel fundamental no desenvolvimento do sistema nervoso entrico, na organognese renal e na

    espermatognese. A activao do seu domnio tirosina-cinase ocorre aps a induo da sua

    dimerizao pelo complexo GFL/GFR /RET e conduz fosforilao de vrias tirosinas, as quais

    servem de local de ancoragem para protena adaptadoras que medeiam a activao de vrias vias de

    transduo de sinal. 43

    A tirosina 1062 desempenha um papel importante no desenvolvimento do sistema

    nervoso entrico e renal visto controlar as principais vias de sinalizao intracelular. Esta serve de

    lugar de ancoragem para vrias protenas adaptadoras - Shc, GAB 2, SHANK 3, entre outras - as

    quais regulam processos como a motilidade, proliferao, diferenciao e sobrevivncia celular.

    As interaces entre o RET e Shc ocorrem via a tirosina 981 e promovem a sobrevivncia

    neuronal. A fosfotirosina 905 interage com as protenas de ancoragem GRB7/10 aps activao

    do RET, mas o seu significado biolgico no se encontra esclarecido. A tirosina localizada na

    posio 1015 liga-se e activa a PLC culminando na produo de IP3 e de DAG. O primeiro

    promove a libertao de Ca2+ intracelular conduzindo activao de vrias enzimas, como a

    aPKC, as quais podem, tambm, ser reguladas pelo DAG. Estas protenas cinase parecem exercer

    um mecanismo regulador, por feedback negativo, sobre este receptor. A tirosina 1096, presente

    unicamente na isoforma longa, serve, uma vez fosforilada, como local de ancoragem para o GAB

    2, o qual activa vias importantes no controlo da proliferao e diferenciao celular. 45- 47

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    E) MECANISMOS FISIOPATOLGICOS DA SNDROME MEN 2Apesar de correlaes gentipo-fentipo claras se encontrarem descritas para a sndrome

    MEN 2, os mecanismos moleculares no so totalmente compreendidos. A maior parte das

    mutaes identificadas para esta sndrome resultam num ganho de funo do receptor RET e

    afectam principalmente o domnio cistena - MEN 2A - ou o tirosina-cinase - MEN 2B. As

    mutaes que afectam o primeiro domnio condicionam a substituio de um resduo de cistena

    por um outro aminocido, o que altera as propriedades do receptor e conduz formao de

    ligaes entre dois monmeros RET e consequente dimerizao e activao do mesmo. As

    mutaes que afectam o domnio intracelular ocasionam a activao constitutiva do referido

    receptor de um modo algo diferente do acima descrito. Estas mutaes afectam directamente o

    centro cataltico do receptor tirosina-cinase, ocasionando a autofosforilao dos resduos de

    tirosina e induzindo a activao do RET na forma monomrica, no existindo, portanto,

    necessidade de fenmenos de dimerizao. Estudos recentes indicam a possibilidade da

    fosfotirosina 1062, em particular, ter uma importante funo na actividade transformadora do

    RET, uma vez que serve de local de acoplagem para vrias protenas que regulam as principais vias

    de sinalizao intracelular.40 As mutaes que afectam este domnio parecem condicionar, no s

    uma alterao da funo cataltica, mas tambm uma alterao da especificidade do substrato, uma

    vez que as protenas mutadas revelam uma preferncia por substratos como o Shc, o qual funciona

    como uma protena de ancoragem necessria para o correcto desenrolar de vrias vias de

    sinalizao intracelular. 40,43, 52

    F) MODELOS ANIMAIS PARA A SNDROME MEN 2Smith-Hicks et al48 desenvolveram um modelo animal da sndrome MEN2B atravs da

    introduo de uma mutao activadora no codo 919 do gene Ret do ratinho. Os ratinhos

    heterozigticos RetMEN2B

    desenvolveram uma hiperplasia das clulas C da tiride e das clulas

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    cromafins adrenais, a qual progredia, com frequncia, para feocromocitoma, enquanto que os

    homozigticos apresentaram ganglioneuromas da medula adrenal e uma hiperplasia da gnglia

    simptica, assim como defeitos no aparelho reprodutor masculino. Usando uma metodologia

    semelhante, Acton et al49, verificaram que trs de oitos ratinhos, portadores de uma mutao

    activadora do Ret, desenvolveram um carcinoma medular da tiride macroscpico e bilateral,

    patologia que no se verificou em qualquer um dos ratinhos no portadores da mutao.

    Michielis et al50 desenvolveram um modelo animal da sndrome MEN 2A atravs da

    introduo de uma mutao activadora no codo 634 do gene Ret do ratinho. Assim, constatou-se

    que os ratinhos heterozigticos RetMEN2A tendem a desenvolver uma hiperplasia das clulas C da

    tiride, que progride, com frequncia, para carcinoma medular da tiride multifocal e bilateral.

    Do mesmo modo, Kawai et al51 verificaram que o produto resultante da expresso do gene

    mutado, apesar de presente em vrios rgos (tiride, corao, fgado, clon, glndula paratiride

    e crebro), estava associado a manifestaes fenotpicas restritas ao desenvolvimento de

    hiperplasia das clulas C de tiride ou de carcinoma medular de tiride.

    G)CORRELAES GENTIPOFENTIPO NA SNDROME MEN 2Vrias so as mutaes descritas para o gene RET. Durante a realizao desta tese

    identifiquei 53 mutaes diferentes associadas a este gene (ver anexo 2), as quais se encontram

    distribudas pelos exes 5, 8 10, 11, 13, 14, 15 e 16 (ver figura 2). Relativamente aos eventos

    mutacionais, estes consistem, principalmente, em mutaes do tipo missense (84,9%) e,

    raramente, em mutaes do tipo frameshift (13,2%) e nonsense (1,9%).

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    Figura 2Estrutura do gene RETe localizao das principais mutaes exnicas. As mutaes associadas sndromeMEN 2A afectam principalmente os exes 10 e 11, ao passo que as identificadas na MEN 2B se situam nos exes 15 e16. Por razes de clareza, os intres e as UTR no foram representados.

    Nesta sndrome, as mutaes do tipo missense, que afectam os codes codificadores dos

    resduos de cistena, presentes no domnio extracelular do receptor RET, so o evento mutacional

    mais frequente. Os codes afectados, com mais frequncia, so: o 609, 611 e 620 localizados no

    exo 10 e o 630 e 634 presentes no exo 11. 52

    Aproximadamente 95% das famlias afectadas pela sndrome MEN 2A so portadoras de

    mutaes nos codes acima referidos, tendo sido identificadas outras mutaes nos codes 631,

    768, 790, 791, 804, 844 e 891. Nos indivduos afectados pela variante 2B, 95% apresentam uma

    mutao pontual que afecta o codo 918 (c.2753T>C), situado no exo 16, a qual se traduz numa

    substituio de um resduo de treonina por um de metionina. Uma segunda mutao foi, mais

    tarde, detectada no codo 883 em vrios indivduos com MEN2B (c.2647_2648delinsTT). Alm

    destas mutaes associadas variante sindrmica 2B, outras mutaes germinais missense, mais

    raras, foram localizadas nos codes 804 e 806, bem como no 904. 43, 53, 54

    Ao contrrio do que se passa com a MEN 2B, as mutaes relacionadas com o fentipo

    MEN 2A tendem a envolver o domnio cistena extracelular e, com menos frequncia, o domnio

    tirosina-cinase intracelular.43

    1 2 3 4 5 6 7 8 91

    0

    1

    1

    1

    2

    1

    3

    1

    4

    1

    5

    1

    6

    1

    7

    1

    8

    1

    9

    2

    0

    c.1825T>C

    c.1825T>G

    c.1826G>A

    c.1826G>C

    c.1831T>G

    c.1832G>A

    c.1832G>T

    c.1833C>G

    c.1858T>A

    c.1858T>C

    c.1858T>G

    c.1859G>A

    c.1859G>C

    c.1859G>T

    c.1860C>G

    c.1888T>C

    c.1889G>A

    c.1889G>T

    c.1900T>A

    c.1900T>C

    c.1900T>G

    c.1901G>A

    c.1901G>C

    c.1901G>T

    c.1901_1902

    delinsTG

    c.1902C>G c.2753T>C

    c.2647_2648delinsTT

    c.2671T>G

    c.2304G>C

    c.2410G>A

    c.2410G>T

    2

    1

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    As mutaes que afectam o codo 634, localizado no exo 11, esto associadas a uma

    maior incidncia de feocromocitomas e de hiperparatiroidismo. Entre estas, a mutao

    c.1900T>C parece relacionar-se com uma maior incidncia de hiperparatiroidismo, embora

    alguns estudos no suportem esta observao.56 A esta mutao tem sido atribuda uma maior

    incidncia de metstases distncia, quando comparada com outras mutaes que envolvem este

    codo, como so exemplo as mutaes c.1901G>A e c.1902C>G. A associao entre MEN 2A e

    o lquen cutneo tem sido atribuda a alteraes na cistena codificada pelo codo 634. Isto foi

    comprovado atravs de um trabalho de investigao, conduzido por Verga et al57 onde se verificou

    que 36% dos indivduos com a associao acima referida eram portadores de uma mutao

    envolvendo o codo 634. 35, 56

    As mutaes no codo 768, localizado no exo 13, parecem relacionar-se com o

    desenvolvimento de carcinoma medular familiar da tiride, enquanto as dos codes 804 e 891,

    que inicialmente foram relatadas como estando associados apenas a carcinoma medular familiar da

    tiride, foram encontradas em famlias com a sndrome MEN 2A. A estes respeito, mutaes no

    codo 804 localizado no exo 14, foram identificadas em feocromocitomas (c.2410G>T e

    c.2410G>A). O fentipo associado s mutaes neste codo extremamente varivel, mesmo

    dentro da mesma famlia. Uma mutao, em particular, do codo atrs referido, denominada de

    c.2410G>A, foi identificada num indivduo portador da sndrome MEN2B. 43

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    5SNDROMES DEPARAGANGLIOMAS FAMILIARES

    As Sndromes de Paragangliomas Familiares so caracterizadas pelo desenvolvimento de

    neoplasias com origem na paragnglia derivada das clulas da crista neural, distribudas pelo eixo

    paravertebral, desde a base do crnio at plvis. A sua prevalncia no conhecida com preciso

    mas a sua incidncia estimada ronda 1/300.000 casos/ano. 58

    Os paragangliomas localizados na cabea e pescoo esto, com frequncia, associados ao

    sistema nervoso parassimptico e localizam-se nas reas que envolvem o corpo carotdeo, o nervo

    vago e a regio jugulo-timpnica. Estes paragangliomas no hiper-secretam catecolaminas (95%) e

    no tendem a metastizar; as suas principais consequncias advm do seu efeito de massa, que pode

    condicionar compresso dos pares cranianos e da cadeia simptica na regio carotdea, sensao de

    preenchimento farngeo, disfagia, disfonia, dor, tosse e aspirao na presena de paragangliomas

    vagais e acufenos, hipoacsia e alteraes dos nervos cranianos inferiores quando perante

    paragangliomas jugulo-timpnicos. Os de origem torcica, abdominal e plvica esto, por norma,

    associados ao sistema nervoso simptico e, como tal, hiper-secretam catecolaminas. Os

    feocromocitomas e os paragangliomas simpticos, hipersecretores de catecolaminas, apresentam

    um quadro clnico constitudo por sinais e sintomas atribuveis a este estado: elevaes da presso

    arterial e da frequncia cardaca, cefaleias, palpitaes, hiperidrose e ansiedade. As nuseas,

    vmitos e perda de peso podem tambm ocorrer. Estes sintomas tm como principal

    caracterstica o facto de serem, por regra, episdicos. 58, 59

    Os paragangliomas simpticos apresentam uma maior probabilidade de malignizao,

    quando comparados com os feocromocitomas e paragangliomas localizados na cabea e pescoo. 59

    Os Paragangliomas Familiares encontram-se divididos em quatro formas sindrmicas

    denominadas de PGL 1, 2, 3 e 4. O gene responsvel pela PGL 2 ainda no est identificado,

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    28

    apesar de ser conhecida a sua regio cromossmica (11q13.1), razo pela qual esta variante

    sindrmica no ser abordada nesta tese. 58, 59

    A)PGL1A PGL 1 uma doena autossmica dominante resultante de mutaes no gene SDHD,

    codificador da pequena subunidade do citocromo b. Esta variante sindrmica caracterizada pela

    presena de paragangliomas da cabea e pescoo e, com menor frequncia, por paragangliomas

    simpticos e feocromocitomas e apresenta uma penetrncia elevada mas relacionada com a idade

    (48% aos 30 anos e 86% aos 50 anos).58, 59

    Em 1998, Van Schothorst et al60

    , analisaram dez famlias

    portadoras de paragangliomas da cabea e pescoo, tendo-se constatado que a bifurcao da artria

    carotdea o local mais afectado (57% do total de casos). Outras regies afectadas, por ordem

    decrescente de frequncia, so: (1) glomo jugular, (2) glomo vagal e, por ltimo, o (3) glomo

    timpnico. Nos casos familiares, no se verifica qualquer diferena significativa na incidncia entre

    os dois sexos, observando-se, no entanto, que na forma familiar os paragangliomas tendem a ser

    bilaterais em 31,8% dos casos, contra os 4,4% dos casos espordicos. 61

    A natureza hereditria desta doena pode ser mascarada devido ao fenmeno de imprinting

    materno a ela associado, o que ocasiona que esta doena s se manifeste quando herdada do

    progenitor do sexo masculino. 62

    B)PGL3A PGL 3 uma doena autossmica dominante com origem em mutaes no gene SDHC,

    o qual codifica a grande subunidade do citocromo b. Esta variante manifesta-se atravs de

    paragangliomas parassimpticos localizados, predominantemente, na cabea e pescoo, de

    natureza benigna e raramente multifocais. 63

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    C) PGL4A PGL 4 uma doena autossmica dominante cuja base reside em mutaes no gene

    SDHB, o qual codifica a subunidade ferro-sulfureto do complexo sucinato-desidrogenase. Esta

    sndrome apresenta uma penetrncia elevada e relacionada com a idade (29% aos 30 anos e 77%

    aos 50 anos) e caracteriza-se pela presena de paragangliomas simpticos, que se manifestam por

    sintomas atribuveis ao efeito de massa por eles ocasionado, mais do que pela secreo excessiva

    de catecolaminas. 58, 59 O fentipo bioqumico predominante marcado por uma hipersecreo de

    noradrenalina e/ou dopamina, mas 10% podem ser bioquimicamente silenciosos. A dor

    relacionada com o tumor um dos principais sintomas (presente em 54%), sendo a nica queixa

    em 14% dos doentes. A hipertenso arterial ocorre em 76% e em 90% dos casos no possvel

    estabelecer uma histria familiar de paragangliomas. 64, 65

    D)COMPLEXO SUCINATO-DESIDROGENASEAs enzimas mitocondriais no estavam implicadas na gnese de neoplasias hereditrias at

    recentemente, quando se descobriu que mutaes germinais envolvendo as subunidades SDHB,

    SDHC e SDHD, do complexo sucinato-desidrogenase, esto na gnese de vrias sndromes

    hereditrias envolvendo feocromocitomas e paragangliomas.

    (i) Genes SDHO gene SDHB localiza-se na regio cromossmica 1p35-36 e apresenta um tamanho

    aproximado de 35 Kb. Apresenta sete intres e oito exes, com um tamanho compreendido entre

    os 86 bp (exo 3) e os 204 bp (exo 1). A regio promotora tem um tamanho aproximado de 2,4

    Kb e a sua poro proximal contem dois locais de ligao para o Sp1 e vrios para possvel ligao

    aos NRF1 e 2. O seu produto gentico codifica uma protena matura de 280 aminocidos e tem

    um peso aproximado de 31 kDa. 66

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    O gene SDHC localiza-se na regio cromossmica 1q21 e apresenta um tamanho

    aproximado de 50 Kb. constitudo por cinco intres e por seis exes, relativamente pequenos

    para o tamanho da protena que codificam (entre os 46 pb para o exo 1 e os 859 pb para o exo

    6). A sua regio promotora contm vrios locais para possveis interaces com os NRF 1 e 2, os

    quais parecem ser necessrios para a correcta expresso do gene SDHB. O seu produto gentico

    consiste numa protena com 169 aminocidos e com 15,5 kDa de peso molecular. 67

    O gene SDHD localiza-se na regio cromossmica 11q23 e possui um tamanho

    aproximado de 9 Kb. constitudo por quatro exes, cujos tamanhos oscilam entre os 62 pb

    (exo 1) e os 989 pb (exo 4) e trs intres. A anlise da regio do promotor 5 revelou vrios

    locais de ligao para factores de transcrio, entre os quais se encontram os NRF 1 e 2. O seu

    produto uma protena com 159 aminocidos e com um peso de 17 kDa. 68

    (ii) Complexo mitocondrial IIA enzima sucinato-desidrogenase - ou complexo mitocondrial II - um membro funcional

    do ciclo de Krebs e da cadeia respiratria aerbia. Este complexo associa o processo de oxidao

    do sucinato a fumarato, que ocorre na matriz mitocondrial, com a reduo da ubiquinona ocorrida

    na membrana deste organelo. 69

    A estrutura das SDHA e SDHB encontra-se bastante conservada entre as diferentes

    espcies, enquanto que as estruturas de ancoragem membrana (SDHC e D) apresentam uma

    grande variabilidade. A SDHA constituiu o domnio hidroflico do complexo e contm um co-

    factor FAD, que forma parte do centro cataltico da enzima. A SDHB, por sua vez, contm trs

    locais ricos em grupos ferro-sulfureto - [2Fe-2S], [4Fe-4S] e [3Fe-4S] - necessrios para o processo

    de transferncia de electres entre o FAD e a quinona presente na membrana mitocondrial. A

    integridade do grupo [3Fe-4S] essencial para a correcta ligao desta subunidade aos domnios de

    ancoragem membrana e para a troca de electres com a quinona. As SDHC e SDHD formam o

    domnio hidrofbico deste complexo constituindo, cada um deles, trs -hlices trans-

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    membranares (I, II, III e IV, V e VI); as hlices II e V possuem, cada uma, um resduo de histidina

    que serve de ligando ao grupo heme mais prximo do grupo [3Fe-4S], enquanto que as hlices I e

    IV contm uma segunda histidina para ligao a um segundo grupo heme. Estas subunidades so

    responsveis pela ancoragem deste complexo membrana mitocondrial e possuem os locais de

    ligao para a quinona e os seus inibidores. 70

    A SDHA liga-se, por meio do seu grupo FAD, aos seus substratos enzimticos (sucinato e

    fumarato) e reguladores fisiolgicos (oxaloacetato e ATP). O oxaloacetato, um inibidor

    competitivo da sucinato, forma-se a partir do malato e pode ser deslocado do seu local de ligao

    SDHA, aps a ligao do ATP a esta enzima. Os electres fornecidos, a esta subunidade, so

    depois transportados pelas vrias unidades ferro-sulfureto at ao citocromo tipo b, de onde so

    depois transportados at s molculas de quinona. 69, 71

    A enzima sucinato-desidrogenase tem a capacidade de oxidar rapidamente o sucinato a

    fumarato, sendo a reaco oposta raramente detectada nos tecidos humanos. Apesar disto, pensa-

    se que o processo de reduo do fumarato pode desempenhar um papel fisiolgico importante em

    condies hipxicas, onde parece participar na formao de espcies reactivas de oxignio. 72

    A reaco de oxidao do sucinato o elo de ligao entre o complexo mitocondrial II e o

    ciclo de Krebs, ao participar no processo de degradao da acetil-CoA. O sucinato pode ser

    rapidamente transportado para o interior da matriz mitocondrial por meio de transportadores

    especficos e por troca com o fosfato inorgnico ou outros cidos orgnicos (p. ex. malato). So

    estes transportadores que controlam a acumulao de produtos de reaco e de substratos dentro

    e fora deste organelo podendo, deste modo, ser uma possvel explicao para a susceptibilidade de

    determinados tecidos perante alteraes nos genes SDH. 69, 73

    O fumarato, produto final da reaco catalisada pela sucinato-desidrogenase, no capaz

    de atravessar a membrana mitocondrial interna acumulando-se no interior deste organelo. Esta

    acumulao, principalmente no tecido muscular, parece reduzir a velocidade da reaco catalisada

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    pelo referido complexo. O sucinato tambm pode ser produzido na matriz mitocondrial por uma

    sucinil-CoA ligase formadora de GTP ou por uma cetocido-CoA transferase na presena de

    acetoacetato. Esta ltima enzima encontra-se em tecidos extra-hepticos (corao, rins e

    crebro), sendo responsvel pela cetlise e uso dos corpos cetnicos sintetizados pelo fgado

    (acetoacetato, hidroxibutirato) durante o stress lipoltico e em jejum. A acetoacetil-CoA derivada

    do sucinato favorece a secreo de insulina, ao actuar como um secretogogo, e participa na

    formao de mevalonato. 69, 74

    Nas mitocndrias renais e hepticas, a actividade deste complexo particularmente alta

    quando comparada com outras enzimas mitocondriais. Nestes tecidos, esta enzima pode entregar

    mais electres reserva de quinona do que aquela quantidade que pode ser acomodada pelos

    segmentos citocromos da cadeia, favorecendo a depleo dessas reservas. Este fenmeno pode

    potencializar a reverso do fluxo electrnico ao longo da cadeia e o seu desvio para outras funes

    como a produo de NADH. A velocidade com que o fumarato deve ser removido, de modo a

    manter este fluxo electrnico invertido, pode ser potencializada pela elevada actividade da enzima

    fumarase, presente nestes tecidos. Este controlo redox, imposto pela inverso da corrente

    electrnica, pode induzir vias catablicas, como so a formao de CoA e de esteres de carnitina

    pelas mitocndrias hepticas. 75

    Como so poucas as enzimas extra-mitocondriais que metabolizam o sucinato, os efeitos

    potencialmente deletrios por ele produzidos no podem ser compensados por uma actividade

    enzimtica alternativa. Deste modo, os defeitos, mesmo que parciais, nos genes SDHpodem ter

    efeitos rpidos e devastadores no metabolismo celular. 69

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    E) MECANISMOS FISIOPATOLGICOS DAS SNDROMES DE PARAGANGLIOMASFAMILIARES

    Consistente com o modelo proposto por Knudson, uma mutao germinal heterozigtica

    num gene SDH est geralmente associada inactivao somtica do alelo normal nas clulas

    neoplsicas. A natureza das mutaes germinais que afectam o complexo sucinato-desidrogenase

    condiciona uma perda de funo por parte desta enzima. O processo carcinognico desencadeado

    pelas alteraes no referido complexo no totalmente conhecido, mas dados recentes apontam

    para a possibilidade de estarem envolvidos mecanismos relacionados com a hipxia. 72

    Um dos mecanismos propostos para explicar o processo oncognico baseia-se no facto da

    disfuno do complexo sucinato-desidrogenase resultar numa acumulao de sucinato no interior

    da clula, de onde resulta uma inactivao da enzima prolil-hidroxilase, a qual importante para a

    correcta degradao do HIF em condies de normxia. Como consequncia, o HIF torna-se

    estvel, mesmo em condies de normxia, migrando para o ncleo onde interage com o ADN

    para favorecer a hiper-expresso de genes induzveis pela hipxia. Uma outra explicao envolve a

    produo de espcies reactivas de oxignio, as quais favorecem o processo de interaco do HIF

    com o ADN e consequente expresso de genes induzveis pela hipxia. A terceira explicao

    possvel para a associao entre mutaes nos genes SDH e feocromocitomas/paragangliomas

    relaciona-se com o papel apopttico desempenhado pelas mitocndrias. Assim, as referidas

    mutaes alterariam a capacidade de regular o processo apopttico, principalmente nas clulas

    precursoras neuroendcrinas, o que favoreceria o desenvolvimento de feocromocitomas e/ou

    paragangliomas. 69, 72, 75

    F) MODELOS ANIMAIS PARA AS SNDROMES DE PARAGANGLIOMAS FAMILIARESAt ao momento no foram desenvolvidos modelos animais, nomeadamente na forma de

    knoctout, para os genes associados aos paragangliomas. No entanto, destaco o trabalho elaborado

    por Ishii et al76, em 2007. Este grupo pretendia estudar o stress oxidativo intracelular mitocondrial

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    como elemento preponderante no processo tumorignico, tendo, para tal, introduzindo uma

    mutao no gene Sdhc de linhagens celulares de fibroblastos provenientes de ratinhos. Como

    consequncia, verificou-se que essas clulas hiper-produziam anies superxido, conseguindo

    algumas contornar o processo apopttico. Aps a re-introduo destas clulas em ratinhos

    verificou-se que estas originavam, com frequncia, neoplasias de caractersticas benignas,

    demonstrando assim o papel deste gene na supresso tumoral. 76

    G)CORRELAES GENTIPO-FENTIPO NAS SNDROMES DE PARAGANGLIOMASFAMILIARES

    As mutaes nos genes SDHB, SDHC e SDHD podem estar na gnese de

    feocromocitomas/paragangliomas, existindo algumas diferenas fenotpicas associadas s vrias

    mutaes, que podem ser teis para a prtica clnica.

    Vrias so as mutaes identificadas para os diferentes genes que compem o complexo

    sucinato-desidrogenase. No decurso da minha pesquisa identifiquei 85 mutaes diferentes para o

    gene SDHB, 16 para o SDHCe 62 para o SDHD (ver anexos 3, 4 e 5). As mutaes que afectam o

    primeiro gene encontram-se amplamente distribudas por todos os exes que o compem com

    excepo do oitavo (ver figura 3), sendo os eventos mutacionais, mais frequentes, as mutaes do

    tipo missense (47,1%) e do tipo frameshift (22,4%). Por sua vez, o gene SDHC aquele que

    apresenta o menor nmero de eventos mutacionais, os quais se encontram distribudos por todos

    os seus exes (ver figura 4). Os eventos mutacionais mais frequentes envolvem as mutaes dotipo nonsense (31,25%), missense (25%) e splice site (25%). As mutaes que ocorrem no gene

    SDHD afectam todos os exes que o constituem (ver figura 5), sendo os eventos mais comuns as

    mutaes do tipo frameshift (35,5%), missense (25,8%) e nonsense (17,4%).

    As mutaes nos genes SDHC e SDHD associam-se, principalmente, a paragangliomas

    parassimpticos localizados na cabea e pescoo, tendo os portadores de mutaes na subunidade

    SDHD um odds ratio de 24 e de 0,28 para o desenvolvimento de paragangliomas na cabea e

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    pescoo, e paragangliomas abdominais, respectivamente, quando comparados com indivduos

    portadores de mutaes na subunidade SDHB. Quando o gene SDHD est envolvido, os

    paragangliomas tendem a ser, com frequncia, multifocais mas este padro fenotpico parece

    correlacionar-se melhor com alteraes no gene SDHC. 77-79

    Figura 3 Estrutura do gene SDHB e localizao das mutaes exnicas identificadas. As mutaes encontram-sedistribudas por toda a sequncia codificadora deste gene, com excepo do exo 8. Por razes de clareza os intres es UTR no se encontram representados.

    c.118A>G

    c.683_684delAG

    c.713delT

    c.713_716delTCTC

    c.717delT

    c.718_721delCTAT

    c.644delC

    c.653G>C

    c.660_661insT

    c.688C>T

    c.689G>A

    c.724C>T

    c.725G>A

    c.557G>A

    c.574T>C

    c.575G>A

    c.587G>A

    c.590C>G

    c.591delC

    c.620_621delTG

    c.623G>A

    c.311delAinsGG

    c.312insCACTGCA

    c.136C>G

    c.136C>T

    c. 137G>A

    c.268C>T

    c.269G>A

    c.260T>C

    c.277T>C

    c.281G>A

    c.293G>A

    c.296G>A

    c.298T>Cc.287G>A

    c.292T>C

    c.302G>A

    c.343C>T

    c.380T>G

    c.380T>A

    1 2 3 4 5 6 7

    c.17_35del19

    c.21delC

    c.24C>T

    c.45_46insCC

    c.79delC

    c.87_89insCAG

    c.88delC

    c.127G>C

    c.141G>A

    c.194T>A

    c.194T>C

    c.157G>A

    c.166_170delCCTCA

    c.167C>T

    c.174_175delinsTT

    c.392C>G

    c.392delC

    c.395A>C

    c.418G>T

    c.520insC

    c.540G>A

    c.600G>T

    c.642G>C

    c.747C>A

    c.758G>A

    c.761C>T

    c.761insC

    8

    Figura 4 - Estrutura do gene SDHC e localizao das mutaes exnicas identificadas, as quais se encontramdistribudas por toda a sua sequncia codificadora. Por motivos de clareza, os intres e UTR no foramrepresentados.

    c.1A>G

    c.3G>A

    c.39C>A

    c.43C>T c.126G>A c.214C>T

    c.256_257insTTT

    c.397C>T

    1 2 3 4 5 6

    c.439C>T

    c.473T>C

    c.183G>A

    c.244G>T

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    At 50% dos portadores de paragangliomas extra-adrenais malignos possuem mutaes

    germinais no gene SDHB. De facto, estas mutaes esto associadas a uma probabilidade seis vezes

    maior de doena extra-adrenal e a maior risco de degenerao maligna, no sendo claro se este

    efeito resultado do local da mutao e/ou do evento mutacional per se. Apesar de raros, os

    feocromocitomas malignos parecem ser mais comuns em indivduos portadores de mutaes

    germinais do gene SDHB do que naqueles com mutaes do gene SDHC ou SDHD ou em

    feocromocitomas espordicos. 77, 80, 81

    Figura 5 - Estrutura do gene SDHD e localizao das mutaes exnicas identificadas, as quais se encontramdistribudas por toda a sua sequncia codificadora. Por motivos de clareza, os intres e UTR no foram representados.

    Cerca de 75% dos feocromocitomas e paragangliomas simpticos, em pessoas portadoras

    de mutaes do gene SDHD, ocorrem quando afectada a poro 5 deste gene, havendo,

    recentemente, relatos de uma possvel relao entre delees ocorridas no exo 1 do gene SDHB,

    e os paragangliomas abdominais. 69,82

    Os dados obtidos por estudos realizados por Baysal et al83 e Astrom e tal84 permitiram

    concluir que as baixas altitudes reduzem a penetrncia das mutaes associadas ao gene SDHD.

    c.54_55dupC

    c.57delG

    c.64C>T

    c.94_95delTC

    c.95C>A

    c.106C>T

    c.112C>T

    c.120_121insC

    c.120_127delCCCAGAAT

    c.125A>C

    c.129G>A

    c.147_148insAc.148_149insA

    c.149A>G

    c.168_169delTT

    c.191_192delTC

    c.202_203insAc.206_218del13

    c.208A>G

    c.210G>T

    c.242C>T

    c.252T>G

    c.254T>A

    c.268G>A

    c.271_282del12

    c.274G>T

    c.276_278delCTA

    c.277delT

    c.284T>C

    c.296delT

    c.317G>A

    c.325C>T

    c.337_338insT

    c.337_340delGACT

    c.305A>T

    c.341A>G

    c.341_342delAT

    c.361C>T

    c.366delA

    c.381delG

    c.416T>C

    c.433C>A

    c.1A>G

    c.3G>A

    c.3G>C

    c.14G>