Crimes Cometidos Na Direcao de Veiculo Automotor

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL HENRIQUE DORNELES CALLEGARO O RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL NOS CRIMES COMETIDOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR Ijuí (RS) 2012

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CRIMES COMETIDOS NA DIRECAO DE VEICULO AUTOMOTOR

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTAD O DO RIO GRANDE DO SUL

HENRIQUE DORNELES CALLEGARO

O RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL NOS CRIMES COMETI DOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR

Ijuí (RS) 2012

HENRIQUE DORNELES CALLEGARO

O RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL NOS CRIMES COMETI DOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR

Monografia final apresentada ao Curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Monografia. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2012

edico este estudo àquelas

pessoas que estiveram ao meu

lado durante toda a minha caminhada

acadêmica, me acompanhando, apoiando,

auxiliando e acreditando em mim.

D

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por todo amor, carinho,

paciência, palavras de conforto, compreensão e

ajuda ao longo dos anos. Pelas oportunidades que na

vida me foram dadas, sabendo que muitas vezes

renunciaram aos seus próprios sonhos em favor dos

meus, fornecendo-me condições para me tornar a

pessoa que sou.

A minha orientadora, pela cuidadosa

orientação, destacando que sem ela tudo se tornaria

muito mais difícil.

“Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”.

(Eduardo Couture)

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica tem o escopo de analisar o fenômeno da violência no trânsito na sociedade brasileira contemporânea, avaliando como categorias da teoria do delito como o dolo eventual e a culpa consciente são aplicadas aos crimes de homicídio e lesões corporais praticadas na direção de veículo automotor, juntamente com o clamor da sociedade que recai sobre o tema. O trabalho também busca esclarecer o conceito da conduta penalmente punível, analisando o dolo e culpa na estrutura do delito, bem como apresentar o entendimento doutrinário sobre a estrutura do crime doloso e do crime culposo e de seus elementos, para vir a facilitar o entendimento de sua aplicabilidade em relação aos crimes praticados na direção de veículo automotor. Também traz uma pesquisa de jurisprudência sobre a aplicação e aceitação do dolo eventual nos crimes de trânsito.

Palavras-chave: Direito Penal. Dolo eventual e culpa consciente na aplicação ao

Código de Transito Brasileiro.

ABSTRACT

The present research monograph has the scope to analyze the phenomenon of road

rage in Brazilian contemporary society, assessing how the theory of the crime categories as the eventual intention and conscious guilt are applied to crimes of murder and bodily injury committed in the direction of a motor vehicle, along with the clamor of society that reflects on the subject. The work also seeks to clarify the concept of criminal conduct punishable by analyzing the intentional fault and the structure of the offense, as well as presenting the doctrinal understanding of the structure of felony manslaughter and crime and its elements to come to facilitate the understanding of its applicability in relation to crimes committed in the direction of a motor vehicle. It also provides a survey of case law on the application and acceptance of the eventual intention in traffic crimes.

Keywords: Criminal Law. Eventual intention and conscious guilt in the application of the Brazilian traffic code.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 9 1 DOLO E A CULPA NA TEORIA DO DELITO................. ........................................ 11 1.1 O conceito de delito e a conduta penalmente punível................................................... 11 1.2 O dolo e culpa na estrutura do delito e seus elementos................................................ 16 1.3 Distinções entre dolo eventual e culpa consciente......................................................... 23 2. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE T RÂNSITO...... 26 2.1 A sociedade de risco e a violência no trânsito................................................................ 26 2.2 O Código de Trânsito Brasileiro e a persecução penal dos comportamentos praticados na direção de veículo automotor........................................................................ 29 2.3 Os delitos de homicídio e lesões corporais no CTB e o reconhecimento do dolo eventual nos crimes de trânsito: posição dos tribunais e considerações crítica............... 34 2.4 A proposta de reforma do CP e a penalização das condutas lesivas praticadas no trânsito.................................................................................................................................... 40 CONCLUSÃO........................................................................................................................ 44 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 46

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INTRODUÇÃO

A violência no trânsito tem sido nas últimas décadas, um dos grandes problemas

enfrentados pelo Estado e pela sociedade brasileira. A cada ano o número de vítimas fatais ou

politraumatizadas em acidentes envolvendo veículos automotores mostra-se assustadora, o

que gera grande insegurança na sociedade. Diante desta realidade de violência e morte, que é

amplamente divulgada pela mídia, há exigência de maior rigor punitivo para os infratores de

trânsito, na esperança de que, com maior penalização, se resolverão tais problemas.

No Brasil, nas últimas décadas, houve significativas alterações na legislação

relacionada ao trânsito, sendo que, a partir destas aumentou-se a punição para os infratores

envolvidos em acidentes com culpa. Apesar disso, muitos entendem que a punição ainda é

muito branda, pois grande parte dos acidentes derivam da irresponsabilidade dos motoristas, o

que gera insatisfação da sociedade e leva, em muitos casos ao reconhecimento do dolo

eventual.

Tendo como referência este problema o presente trabalho discute a aplicação da

categoria do dolo eventual nos delitos de trânsito. Busca analisar o fenômeno da violência no

trânsito na sociedade brasileira contemporânea, avaliando como categorias da teoria do delito

como o dolo eventual e a culpa consciente se aplicam aos crimes de homicídio e lesões

corporais praticadas na direção de veículo automotor.

Para tanto se propõe a analisar o conceito de delito e de conduta penalmente punível,

juntamente com o dolo e culpa na estrutura do delito, diferenciando, de forma detalhada, o

dolo eventual e a culpa consciente. Também busca verificar quais as normas constantes no

Código de Trânsito Brasileiro e como se dá a persecução penal dos comportamentos

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praticados na direção de veículo automotor; bem como estudar os delitos de homicídio e lesão

corporais no CTB.

O presente trabalho se fez através de uma pesquisa puramente doutrinaria, e tem

primeiramente como finalidade tratar sobre o delito, sobre a conduta penalmente punível.

Também trata, em um primeiro momento, das teorias do dolo, explicando seus elementos e

modalidades, juntamente com as modalidades da culpa, assim tratando ambas de um modo

mais profundo e explicando suas diferenças.

Em uma segunda etapa, o estudo tenta analisar a violência no trânsito, entendendo que

devido a ela, a sociedade se encontra em risco, pois com o grande número de acidentes acaba

gerando uma grande insegurança jurídica. O trabalho também trata da implementação do

Código de Trânsito de 1997, que foi criado com o intuito de diminuir o grande número de

vitimas, que naquele momento colocava o Brasil no topo do ranking de acidentes

automobilístico.

O estudo também faz uma análise dos crimes previstos no Código de Trânsito, com

especial atenção aos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa e busca, ao final,

demonstrar como os tribunais têm aplicado as categorias do dolo eventual e da culpa

consciente em crimes de trânsito.

Por fim, se faz uma análise do anteprojeto de reforma ao Código Penal, que já está em

votação no Congresso Nacional, apresentando as principais mudanças propostas em relação à

conduta de embriaguez ao volante, ao dolo eventual e ao homicídio culposo no trânsito.

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1 DOLO E A CULPA NA TEORIA DO DELITO 1.1 O conceito de delito e a conduta penalmente punível

Para o direito penal crime ou delito são todas as ações ou omissões, definidas como

tais na legislação, que lesam ou expõe a perigo bens jurídicos tutelados pela norma penal.

Para a doutrina o delito é uma construção fundamentalmente jurídico-penal, embora possa ser

objeto de exame das mais variadas ciências. A compreensão do fenômeno delitivo,

genericamente considerado, envolve o conjunto de ciências (naturais e humanas), numa

aproximação de cunho realmente multidisciplinar.

No entender de Cezar Roberto Bitencourt (2011, p. 247) existem diversos conceitos de

delito. O primeiro deles é o conceito material, segundo o qual “[...] o crime é um

comportamento humano que causa um resultado jurídico ou naturalístico (uma ofensa ou

perigo a um bem jurídico, penalmente protegido, e sujeito, portanto a uma infração penal)”. O

segundo conceito existente é o conceito formal, em que classifica o crime como um

comportamento descrito formalmente em uma norma penal incriminadora (tipo penal

incriminador), com previsão de sanção penal.

No entender de Luiz Regis Prado (2004, p. 236) o crime, sob o aspecto formal.

Versa, portanto, sobre a relação de contrariedade entre o fato e a lei penal. Tem-se, pois, que “delito é o fato a qual a ordem jurídica associa a pena como legitima consequência”, “ação ou omissão, imputável ao seu autor, prevista e punida pela lei como uma sanção penal”, ou, ainda, “todo fato humano proibido pela lei penal”.

Existe também um terceiro conceito, definido como conceito analítico, que leva em

conta os elementos estruturais do crime (seus requisitos), tendo esse conceito uma variação de

acordo com a teoria adotada.

Para a teoria causalista, desenvolvida especialmente por Von Liszt, o crime é

composto de três elementos, fato típico, ilicitude e culpabilidade, estando o dolo e a culpa

situados no âmbito da culpabilidade.

Para esta teoria, segundo Queiros (2001, p.89)

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A vontade humana compreendia duas partes distintas: uma parte externa (objetiva), que corresponde ao processo causal (movimento corporal, natural, mecânico) da ação, e outra interna (subjetiva), que corresponde ao conteúdo final da ação. A ação (parte externa) é, portanto, segundo esta teoria, o resultado de um processo puramente causal. [...] Consequentemente, tipicidade e antijuridicidade expressariam juízos de valor puramente objetivos (causais), ao passo que a culpabilidade, ao contrário, um juízo subjetivo, quando então se examinaria o conteúdo final da ação. Também, por isso, dolo e culpa – elementos subjetivos – integrariam a culpabilidade, que corresponde, assim, à relação psicológica (subjetiva) entre o autor e seu fato (concepção psicológica de culpabilidade).

A segunda teoria é a finalista criada por Hans Welzel, para a qual o crime é composto

de três elementos: o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade, sendo que nela o dolo e a culpa

estão no fato típico (como elementos integrantes da conduta). Para alguns doutrinadores a

teoria finalista estabelece como requisitos do crime apenas dois elementos, fato típico mais

ilicitude, sendo a culpabilidade apenas pressuposto para a imposição da pena.

Referindo-se a esta teoria Queiroz (2001, p. 90) observa que.

Para a teoria final da ação [...], a conduta humana é o exercício de uma ação final; a ação é, por isso, um acontecer final, e não apenas causal. A finalidade [...] ou o caráter final da ação se deve ao fato de que o homem, graças a seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as consequências possíveis de sua atividade, eleger, em consequência, fins diversos e dirigir sua ação, conforme seu plano, conscientemente levado ao fim.[...] Por consequência, com o finalismo, dolo e culpa são deslocados da culpabilidade para a tipicidade, já que é a finalidade da ação (a intenção) que dirá, por exemplo, se estamos diante de um crime de lesão corporal ou uma tentativa de homicídio.

Contudo deve-se ser mencionada a teoria funcionalista do delito, mesmo que o sistema

adotado pelo Código Penal Brasileiro seja o finalista. Tal teoria ganhou mais força a partir da

segunda guerra mundial, principalmente na Europa.

Segundo Estefam (2011, p. 288) o sistema funcionalista propõe

[...] que deve o jurista cuidar de construir um conceito de delito que atenda à função do Direito Penal, vez que este não é um fim em si mesmo. Com essa nova diretriz em mente, o sistema, além de harmônico e previsível, será justo. Para isso, faz-se necessário romper com um paradigma adotado desde

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o sistema clássico até o finalista: o de que ao jurista incumbe exclusivamente cuidar da dogmática, e, ao legislador, compete à tarefa de definir a política criminal.

Deste modo seria necessário estabelecer uma unidade sistemática “entre a política

criminal e dogmática penal” reestruturando todas “as categorias concretas do delito

(tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) que devem sistematizar-se, desenvolver-se e

contemplar-se desde o início sob o prisma de sua função político-criminal”. (ROXIN apud

ESTEFAM, 2011, p. 289).

E para o doutrinador Luís Greco, (2000, p. 39).

O funcionalista sabe que, quanto mais exigir para o dolo, mais acrescenta na liberdade dos cidadãos, às custas da proteção de bens jurídicos; e que quanto menos exigências formular para que haja dolo, mais protege bens jurídicos, e mais limita a liberdade dos cidadãos.

Também o mesmo Luís Greco (2000, p. 39), faz a seguinte afirmação.

A realidade é unívoca (primeiro engano), e que basta conhecê-la para resolver os problemas jurídicos (segundo engano – falácia naturalista); o funcionalista admite serem várias as interpretações possíveis da realidade, de modo que o problema jurídico só pode ser resolvido através de considerações axiológicas, isto é, que digam respeito à eficácia e a legitimidade da atuação do Direito Penal.

Assim para o funcionalismo penal, o sistema jurídico só encontra segurança em sua

densidade normativa, em si mesmo. Ele tenta entender o ser humano na sociedade, assim

tendo ponto de partida o estudo do caso concreto, levando muito em conta a conduta da

pessoa humana.

No Brasil, as infrações penais estão divididas em crimes e contravenções. A lei de

introdução ao Código Penal Brasileiro dispõe em seu art. 1º que

Considera-se crime a infração penal a que a lei comine pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativamente ou cumulativamente.

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No entender de Cezar Roberto Bitencourt (2011, p. 253):

A divisão mais utilizada, porem, pelas legislações penais, inclusive pela nossa, é a bipartite ou dicotômica, segundo a qual as condutas puníveis dividem-se em crimes ou delitos (como sinônimos) e contravenções, que seria espécie do gênero infração penal. Sendo as contravenções que por vez são chamados de crimes-anões, são condutas que apresentam menor gravidade em relações aos crimes, por isso sofrem sanções mais brandas.

No que se refere às categorias essenciais do delito, são estas estabelecidas pelos

artigos 13 a 28 do Código Penal, sendo que no âmbito doutrinário foram construídas, a partir

da análise de tais categorias, duas correntes. A primeira corrente apresenta o conceito

analítico de delito a partir de uma estrutura bipartite, que afirma que o delito tem apenas dois

elementos, fato típico e ilicitude/antijuricidade, sendo que para essa corrente a culpabilidade

não é elemento do delito, e sim apenas pressuposto da pena, portanto não havendo

culpabilidade há crime, mas não haverá pena aplicada.

A segunda corrente usada em outros países apresenta um conceito de crime a partir de

uma estrutura tripartite, que classifica o crime com três elementos: fato típico, ilicitude e

culpabilidade, sendo que para essa corrente não havendo culpabilidade não haverá crime.

A tipicidade é o mero enquadramento da conduta do agente ao tipo penal

incriminador, assim a conduta tem tipicidade quando ela se enquadra ao tipo penal

incriminador. Com isso existem tipos de tipicidade: a direta ou imediata e a indireta ou

chamada de mediata, a tipicidade material e a tipicidade conglobante.

A tipicidade direta ocorre quando a conduta do agente se encaixa diretamente a um

tipo penal incriminador, sem necessidade do apoio de uma norma de extensão. Já a tipicidade

indireta ocorre quando a conduta do agente não se enquadra diretamente ao tipo penal

incriminador, que descreve a conduta criminosa, assim para que ocorra a tipicidade é

necessário o apoio de uma norma de extensão. Pode ser usado como exemplo a tentativa, em

que o artigo 121 do CP não pune a tentativa de homicídio, assim para ter tipicidade no caso de

homicídio tentado é necessário à extensão do artigo 14 do CP que pune a tentativa.

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A tipicidade material é a relevância e significância da lesão ou perigo de lesão ao bem

jurídico causado, ou seja, se a conduta se enquadra formalmente ao tipo penal incriminador,

mas não causa uma lesão ou perigo significante ao bem jurídico existe tipicidade formal,

porém não existe a tipicidade material, quando não existe essa tipicidade material o crime é

chamado de crime de bagatela.

Por fim existe a tipicidade conglobante, que é uma criação da doutrina, e o nosso

código penal não a adota. Para essa teoria o fato só tem tipicidade quando contrariar todo o

ordenamento jurídico, considerado de forma conglobante. Referindo-se a esta concepção,

Estefan e Gonçalves (2011, p. 302) observam que “Por meio da tipicidade conglobante [...]

situações consideradas tradicionalmente como típicas, mas enquadráveis nas excludentes de

ilicitude [...] passariam a ser tratadas como atípicas pela falta de tipicidade conglobante”.

Já a ilicitude nada mais é que a contrariedade do fato típico ao ordenamento jurídico.

A ação típica será também ilícita quando não realizada sob a proteção de uma excludente de

ilicitude. Referindo-se a ilicitude ou antijuridicidade Queiroz (2001, p. 99) salienta que:

Cuidando-se de uma ação típica, passa-se, a seguir, à análise da antijuridicidade (=ilicitude), isto é, cumpre verificar agora, se, além de típica, tal conduta é também contrária ao ordenamento jurídico como um todo (e não apenas em relação ao direito penal). Se embora típica, não for ilícita [...] ficará, obviamente, prejudicada a indagação sobre a culpabilidade. Diz-se, assim, antijurídica a ação – ou mais precisamente, ilícita ação- quando praticada contrariamente ao direito, é dizer, sem o amparo de causa de exclusão de ilicitude [...] como a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal ou o exercício regular de direito.

A culpabilidade é o ultimo pressuposto da punibilidade, assim na culpabilidade se

estuda se o autor não tinha outra escolha pra ser tomada, e se a escolha que tomou deve ser

repudiada, reprovada socialmente. Contudo devem ser observados alguns elementos na

culpabilidade, sendo eles: a imputabilidade, que nada mais é que a capacidade de entender o

que se esta fazendo ou de determinar o comportamento, a consciência da ilicitude e a

exigibilidade de conduta diversa, pois só haverá culpabilidade quando for possível exigir do

agente conduta diferente da que foi tomada.

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A culpabilidade representa, pois a “[...] reprovabilidade social de uma conduta, por ser

razoavelmente exigível, de seu autor, nas circunstâncias dadas, uma atitude diferente da

adotada”. (QUEIROZ, 2001, p. 100).

Assim, para que alguém seja penalmente responsabilizado por uma conduta é

necessário que ela seja declarada típica, ilícita e seu autor culpável. Mas a tipicidade

pressupõe que o comportamento tenha sido praticado com dolo ou, em casos excepcionais,

com culpa. Mas este será o assunto discutido no próximo tópico.

1.2 2 O dolo e culpa na estrutura do delito e seus elementos

O crime doloso, tratado pelo artigo 18, I do código penal, ocorre quando o agente quer

o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Assim o dolo é a conduta voluntária e consciente

(uma consciência atual) de provocar um resultado, ou assumir o risco de provocar esse

resultado.

Ao referir–se à vontade, como elemento que integra o crime doloso, Queiroz (2001, p.

139) assim se manifesta

Se a missão do direito penal é a prevenção geral e especial de comportamentos socialmente lesivos, sua atuação há de pressupor, lógica e necessariamente, ações ou omissões voluntárias e não involuntárias ou naturais, simplesmente, é dizer, a intervenção penal começa e termina como o início e fim da vontade humana, pois, fora daí, teria lugar a responsabilização penal objetiva, isto é, responsabilização por fatos estranhos à vontade humana, puramente causais (naturais), ainda quando emanados de um ser humano.

Segundo Fernando Capez (2003, p. 185).

Dolo é à vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal, mais amplamente, é a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta. Sendo a consciência o conhecimento do fato que constitui a ação típica, e a vontade é o elemento volitivo de realizar esse fato.

Sendo assim, dolo é o ato voluntário e consciente de realizar uma conduta descrita em

um tipo penal. No âmbito doutrinário são apresentadas algumas teorias sobre o dolo.

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A primeira teoria, denominada teoria da vontade, entende que há dolo quando o agente

quer causar o resultado criminoso, ou seja, ele direciona sua conduta especificamente para

determinado resultado típico. No entender de Bitencourt (2011, p. 315):

A essência do dolo deve estar na vontade, não de violar a lei, mas de realizar a ação e obter o resultado. Essa teoria não nega a existência da representação (consciência) do fato, que é indispensável, mas destaca, sobretudo, a importância da vontade de causar o resultado. Na verdade, vontade e consciência são, numa linguagem figurada, uma espécie de irmãs siamesas, uma não vive sem a outra, pois a previsão sem vontade é algo completamente inexpressivo, indiferente ao direito penal, e a vontade sem representação, isto é sem previsão, é absolutamente impossível, eis que vazia de conteúdo.

A segunda teoria é a teoria da representação, segundo a qual há dolo quando o agente

prevê que sua conduta pode causar o resultado e mesmo assim ele prossegue praticando a

conduta. Porem deve ficar claro desde já que essa teoria é uma teoria falha, pois não faz a

distinção de dolo e culpa, não distingue dolo eventual de culpa consciente, no entender de

Bitencourt (2011, p. 316):

Essa é uma teoria hoje completamente desacreditada, e ate mesmo seus grandes defensores, acabaram, em fim reconhecendo que somente a representação do resultado era insuficiente para exaurir a noção de dolo, sendo necessário um momento de mais intensa ou intima relação psíquica entre o agente e o resultado, que inegavelmente, identifica-se na vontade.

A terceira teoria é a teoria do assentimento ou consentimento, que compreende haver

dolo quando o agente prevê que sua conduta pode causar o resultado e mesmo assim esse

prossegue na conduta, assumindo o risco do resultado.

No entender de Bitencourt (2011, p. 316):

Para a teoria do consentimento, também é dolo a vontade que, embora não dirigida diretamente ao resultado previsto como provável ou possível, consente da sua ocorrência ou, o que da no mesmo, assume o risco de produzi-lo. A representação é necessária, mas não suficiente à existência do dolo, e consentir na ocorrência do resultado, repetindo, é uma forma de querê-lo, [...]

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O Código Penal brasileiro adota a teoria da vontade em relação ao dolo direito, que

ocorre quando o agente prevê e deseja a produção do resultado, e a teoria do

assentimento ou consentimento em relação ao dolo eventual, que ocorre quando o agente

assume o risco de produzir o resultado previsto.

São considerados elementos do dolo a vontade do agente e sua consciência. Sendo que

a consciência se dá no momento do fato, pois ela deve ser atual, já a vontade abrange o querer

do agente, podendo recair sobre ação, omissão, resultado e o nexo causal. A vontade

pressupõe a previsão do fato, assim somente quem tem consciência da conduta e do resultado

e consciência da relação de causa e efeito que há entre a conduta e o resultado pode prever o

resultado e, portanto, atuar com dolo.

A partir do estudo das teorias do dolo, serão apresentadas, a partir de agora as diversas

classificações do dolo, juntamente com o entendimento doutrinário de cada um deles. A

primeira modalidade de dolo apresentada pela doutrina é o dolo direto, chamado por alguns

como dolo determinado. Esta forma de dolo ocorre quando o agente infrator quer o resultado,

ou seja, quando o agente direciona sua conduta para um resultado certo e determinado.

Segundo Capez (2003, p. 186).

Dolo direto é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado, (teoria da vontade). Ocorre quando o agente quer diretamente o resultado. Na conceituação de José Frederico Marques, “Diz-se direto o dolo quando o resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e a vontade do agente. O objetivo por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato praticado”.

Existe também o dolo indireto ou indeterminado, que é aquele que o agente não quer

diretamente o resultado, mas assume o risco de produzi-lo, quando entende que há

possibilidades dele ocorrer.

Segundo Capez (2003, p. 188) “No dolo indireto o agente não quer diretamente o

resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa de

produzir este ou aquele resultado, (dolo alternativo)”.

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Uma terceira classificação do dolo é o dolo alternativo, que ocorre quando o agente

quer um ou outro resultado previsto. Um exemplo desta forma de dolo ocorre quando o agente

criminoso esfaqueia a vitima com a intenção de matar ou ferir, ele não direciona a conduta

para um resultado escolhido, concreto, ele apenas pratica a conduta sabendo que terá algum

resultado.

A próxima classificação de dolo é o dolo eventual, tema que voltará a ser abordado no

desenvolvimento do trabalho. Esta forma de dolo ocorre quando o agente não quer

diretamente nenhum resultado criminoso, mas consegue prever o resultado de sua conduta,

assumindo o risco de causá-lo. Nesta espécie de dolo o agente prevê o resultado e, mesmo não

o querendo diretamente, se mostra indiferente a ele.

Outra classificação é o dolo cumulativo, que ocorre quando o agente direciona sua

conduta para dois resultados diferentes, primeiro ele quer um resultado, depois resolve querer

outro, um exemplo que simplifica o entendimento é quando um agente quer apenas ferir a

vitima, mas na decorrência da conduta ele resolve matá-la.

Existe também a classificação do dolo de dano e o dolo de perigo, sendo que o dolo de

dano é a vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico, o agente quer causar um

dano, uma alteração lesiva no mundo. Já no dolo de perigo a intenção do agente é apenas

expor a perigo o bem jurídico protegido. Um exemplo de dolo de perigo é o tiro de arma de

fogo dado apenas para assustar, ele apenas causa um perigo ao bem protegido.

Outra classificação de dolo é dolo genérico e dolo específico, sendo que no dolo

genérico o agente tem a intenção de praticar a conduta na lei sem qualquer finalidade

específica; já no dolo especifico, o agente tem a intenção de praticar a conduta, com a

finalidade especifica. Porém deve ficar claro que não se fala mais em dolo genérico e

específico, pois o dolo genérico hoje é chamado de dolo sem fim especifico, e aquilo que

antes era chamado de dolo específico é chamado de dolo com fim específico.

Também existe a classificação de dolo em primeiro e segundo grau, sendo que dolo

em primeiro grau é a mesma coisa que dolo direto ou determinado, e dolo de segundo grau,

são as consequências inevitáveis decorrentes do meio de execução escolhido pelo infrator

para realizar o crime. Ao referir-se a esta forma de dolo Capez (2003, p. 190), observa que

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O de primeiro grau consiste na vontade de produzir as consequências primarias do delito, ou seja, o resultado típico inicialmente visado, ao passo que o de segundo grau abrange os efeitos colaterais da prática delituosa, ou seja, as suas consequências secundarias, que não são desejadas originalmente, mas acabam sendo provocadas porque indestacáveis do primeiro evento. No dolo de segundo grau, portanto, o autor não pretende produzir o resultado, mas se da conta que não pode chegar à meta traçada sem causar tais efeitos acessórios.

Por fim ainda existem duas classificações de dolo, o dolo natural e o dolo normativo.

Sendo o dolo natural composto de elementos naturais (elementos humanos) consciência e

vontade, é o simples querer do agente, que não tem necessidade de saber que a conduta é

ilícita, com isso qualquer vontade é considerada dolo.

Já o dolo normativo é composto de elementos naturais e de um elemento normativo,

que é a consciência da ilicitude, é considerado requisito da culpabilidade, sendo assim o dolo

normativo não é apenas um querer independentemente da ilicitude ou não, ele é um querer,

um querer ilícito, em que o agente sabe, tem consciência de sua ilicitude.

O artigo 18, II do Código Penal diz que o crime é culposo quando o agente deu causa

ao resultado por imprudência, imperícia ou negligência.

O crime culposo deriva, portanto, de uma conduta voluntária que causa um resultado

não querido pelo agente, mas que foi previsto por ele (culpa consciente) ou que não foi

previsto, mas era previsível (culpa inconsciente) e que podia ser evitado, se o infrator tivesse

agido com o devido cuidado.

Segundo Fernando Capez (2003, p. 191).

Culpa é o elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se esta ou não presente. Com efeito, os tipos que definem os crimes culposos são, em geral, abertos, portanto, neles não se descrevem em que consiste o comportamento culposo. O tipo limita-se a dizer: “se o crime é culposo, a pena será de...”, não descreve como seria a conduta culposa.

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Portanto, são elementos da culpa: a conduta voluntária, a violação do dever de cuidado

objetivo e a produção de um resultado involuntário. Nestes crimes a conduta é praticada

voluntariamente, sem a intenção de provocar o resultado, e nela o autor não observa um

cuidado objetivo, que é um dever imposto a todas as pessoas. A não observância deste

cuidado se dá mediante imprudência negligência ou imperícia.

A imprudência é um agir descuidado, sendo que pode ser usado como exemplo o

excesso de velocidade. No entender de Bitencourt (2011, p. 337):

Imprudência é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. É a imprevisão ativa (culpa in faciendo ou in committendo). Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação do agente. Imprudente é, por exemplo, o motorista que embriagado, viaja dirigindo seu veiculo automotor, com visível diminuição de seus reflexos e acentuada liberação de seus freios inibitórios.

Já a negligência, trata-se de uma omissão, que ocorre, por exemplo, quando o pai

distraído não retira a criança de perto do fogo e essa venha se queimar. No entender de

Bitencourt (2011, p. 337):

Negligência é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. É a imprevisão passiva, o desleixo, a inação (culpa in ommittendo). É não fazer o que deveria ser feito antes da ação descuidada. Negligência será, por exemplo, o motorista de ônibus que trafegar com as portas do coletivo abertas, causando a queda e a morte de um passageiro. Nessa hipótese, o condutor omitiu a cautela de fechar as portas antes de movimentar o coletivo, causando o resultado morte não desejado.

A imperícia é a falta de perícia, falta de conhecimento para a realização do exercício

de uma atividade técnica, oficio ou profissão.

No entender de Bitencourt (2011, p. 338):

Imperícia é a falta de capacidade, de aptidão, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício da arte, profissão ou oficio. A inabilidade para o desempenho de determinada atividade fora do campo profissional ou técnico tem sido considerada, pela jurisprudência brasileira,

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na modalidade de culpa imprudente, conforme o caso, mas não como imperícia.

Deve-se esclarecer, contudo, que só há crime culposo se a conduta descuidada foi à

causa do resultado e se o agente atuou com previsibilidade. Existem dois tipos de

previsibilidade do resultado; a previsibilidade objetiva e a subjetiva, a objetiva é a

possibilidade de prever o resultado de acordo com o que normalmente acontece. Tal

previsibilidade objetiva é determinada de acordo com as condições de uma pessoa de mediana

prudência, sendo que a partir dela há a possibilidade de evitar o resultado considerando-se a

figura do homem médio, contudo a falta dessa previsibilidade objetiva não exclui a culpa, mas

sim só haverá a exclusão da culpabilidade.

Conforme diz Mirabete (2003 p. 192)

a rigor, porém, quase todos os fatos naturais podem ser previstos pelo homem (inclusive de uma pessoa poder atirar-se sob as rodas do automóvel que esta dirigindo). É evidente, porém, que não é essa previsibilidade em abstrato de que se fala. Se não se interpreta o critério de previsibilidade informadora da culpa com certa flexibilidade, o resultado sempre lesivo seria atribuído ao causador. Não se pode prever o dever de prever, fundado na diligência ordinária de um homem qualquer, com o poder de previsão. Diz-se então que estão fora do tipo penal dos delitos culposos os resultados que estão fora da previsibilidade objetiva de um homem razoável, não sendo culposo o ato quando só teria sido exatamente prudente. Assim só é típica a conduta culposa quando se puder estabelecer que o fato era possível de ser previsto pela perspicácia comum, normal dos homens.

Já a previsibilidade subjetiva é a possibilidade de evitar o resultado levando-se em

conta as condições do agente.

Portanto, a previsibilidade se dá devido às circunstancias em que o agente se encontra

no momento do fato, assim ela não se faz para um acontecimento futuro, mas sim para o

presente, atual, assim, se diferenciando da previsão, em que o agente tem o controle absoluto

da situação em que se encontra.

Apontam-se, na doutrina, as seguintes modalidades de culpa: a culpa própria, a culpa

consciente e a culpa imprópria.

23

A culpa própria é aquela inconsciente (sem previsão), aquela em que o agente não

prevê o resultado que era previsível. No entender de Bitencourt (2011, p. 340):

A ação sem previsão do resultado previsível constitui a chamada culpa inconsciente, culpa ex ignorantia. No dizer de Hungria, “previsível é o fato cuja possível superveniência não escapa à perspicácia comum”. Na hipótese de culpa inconsciente pode-se até, em alguns casos, preocupar-se com a segurança do próprio agente, que por sua desatenção, descuido ou mesmo “desligamento da realidade” representa um perigo ambulante, não apenas para a sociedade, mas também a si próprio.

Já a culpa consciente, que será melhor explorada no próximo tópico, é aquela que o

agente prevê o resultado, mas mesmo assim prossegue na conduta porque acredita,

sinceramente, poder evitar o resultado. Nesta espécie de culpa há, da parte do agente, um

excesso de confiança.

A última espécie de culpa, é a culpa imprópria, que ocorre quando o agente por um

erro culposo supõem, imagina equivocadamente estar agindo acobertado por uma excludente

de ilicitude, pode ser usado como o exemplo o agente que imagina estar em legítima defesa e

vem a matar outra pessoa. Nesse exemplo dado o agente agiu com dolo de matar, embora

levado a erro pela situação. Assim, resumindo, na culpa imprópria à conduta é dolosa, mas é

punida como um crime culposo em razão do erro que a originou.

1.3 Distinção entre dolo eventual e culpa consciente:

Neste tópico se dará atenção mais específica aos institutos do dolo eventual e da culpa

consciente, demonstrando-se as grandes semelhanças que existem entre ambos, seus critérios

de distinção e, por fim, a grande dificuldade de diferenciá-los, especialmente diante das

situações práticas.

Como dito anteriormente, o dolo eventual ocorre quando o agente tem o conhecimento

do resultado que sua conduta pode ocasionar (previsão), e quando esse se mostra indiferente a

este resultado. Assim para que o agente infrator seja enquadrado nesta modalidade de dolo é

necessário uma avaliação de seu estado de ânimo, de sua subjetividade, pois exige-se, nestes

casos, que o mesmo tenha assumido o risco de produzir os resultados lesivos. É necessário,

24

portanto, na maioria dos casos, tentar entender o interior do agente, ou seja, o que o sujeito

pensava na hora que cometia determinado crime.

No entender de José Henrique Pierangeli (2007, p. 57).

Podemos admitir a existência do dolo eventual, quando o resultado típico esta abrangido pela vontade realizadora. Essa vontade deverá se apresentar através de uma conduta em que se demonstre de maneira irretocável um total desprezo pelo bem jurídico alheio e que se possa aclarar, através das expressões que me importa, azar dele, e outras equivalente. Por conseguinte, se é bem verdade que, em alguns pontos, o dolo eventual transparece com ampla nitidez, nos casos de lesão de direitos pessoais (lesão e morte), muito especialmente, as que são produzidas em meio ao trânsito, a sua adoção quase sempre leva à estupefação.

No entender de Bitencourt (2011, p. 321):

Haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitá-la como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado, (art.18, I in fine, do CP). No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas apesar de prevê-lo age aceitando o risco de produzi-lo. Como afirma Hungria, assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso este venha efetivamente a ocorrer.

A culpa consciente tem elementos parecidos com o dolo eventual, pois também exige

que o agente preveja o resultado. Nos dois casos o agente tem o conhecimento que sua

conduta pode ocasionar determinado resultado. A diferença teórica entre tais institutos (dolo

eventual e culpa consciente) é que na culpa consciente o agente acha que com suas

habilidades evitará o resultado, ou seja, ele acredita que tem plenas condições de evitar o

resultado, por um ou outro motivo.

No entender de Bitencourt (2011, p. 341):

Os limites fronteiriços entre dolo eventual e culpa inconsciente constitui um dos problemas mais tormentosos da Teoria do Delito. Há entre ambos um traço comum: a previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no dolo eventual o agente anui ao advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vez renunciar a ação, na culpa consciente, ao contrario, repele a hipótese de superveniência do resultado, e, na esperança convicta de que este não ocorrerá.

25

Referindo-se a distinção entre dolo eventual e culpa consciente Queiroz (2001, p. 148)

observa que.

Diferentemente da culpa consciente (ou culpa com previsão), no dolo eventual, o agente, ainda que só eventualmente, quer o resultado, isto é, aceita a sua produção; na culpa consciente, porém, há mera previsão, sem que, com isso, se aceite o resultado. No dolo eventual, pois, o autor atua segundo a fórmula: “seja como for, dê no que der, em qualquer caso não deixo de agir” (Frank). Na culpa consciente, no entanto, há um erro de cálculo, enquanto no dolo eventual há uma dúvida. Existe, por conseguinte, entre dolo eventual e culpa consciente, como observa Hungria, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico, mas, enquanto no dolo eventual o agente presta anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, em vez de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideravelmente, a hipótese de superveniência do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá, pois assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso venha este, realmente ocorrer.

Por fim pode-se concluir que a distinção entre dolo eventual e culpa consciente se dá

ao analisar o querer do agente em provocar o resultado, ou seja, a aceitação desse perante o

resultado, pois se na culpa consciente o agente não quer e não aceita o resultado, confiando

em sua habilidade para evitá-lo, no dolo eventual, o agente é indiferente ao resultado,

assumindo o risco de produzi-lo. Por se tratar de uma resposta de difícil acesso sempre

quando houver alguma dúvida entre culpa consciente e dolo eventual, deverá ser tomada a

decisão menos gravosa, no caso a escolha do enquadramento na culpa consciente, porém isso

não vem acontecendo, mas tal discussão será abordada no decorrer do trabalho.

26

2 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TR ÂNSITO 2.1 A sociedade de risco e a violência no trânsito

Muitos autores afirmam que a sociedade contemporânea é uma sociedade de risco.

Isso porque, em razão do desenvolvimento tecnológico, das telecomunicações e da

globalização surgiram novos perigos, que são globais e que são mais visíveis para todos.

Riscos ecológicos, químicos, nucleares, econômicos, são anunciados todos os dias e, diante

deles, as pessoas sentem-se inseguras. Dentre todas as situações de risco, uma delas tem se

mostrado bastante presente em nossa vida cotidiana: são os riscos advindos do trânsito. São

milhares de acidentes ocorridos ano a ano, com número significativo de vítimas, o que gera

uma grande insegurança.

Rogério Maia Garcia (2006, p.79), citando Niklas Luhmann, observa que os riscos

[...] dizem respeito a danos possíveis, mas ainda não concretizados e mais ou menos improváveis, que resultem de uma decisão, e, por assim dizer, podem ser produzidos por elas e não se produzirem caso sejam tomadas decisões diversas.

Hauser (2012, p. 24) observa que o conceito de sociedade de risco foi apresentado pelo

sociólogo Ulrich Beck, para quem

[...] a sociedade contemporânea é uma sociedade de risco, e esta se caracteriza não só pela produção de novas ameaças (sociais, ambientais, tecnológicas, econômicas), mas também pela percepção partilhada das mesmas, percepção esta que conduz a um abalo na crença nas instituições. Segundo Beck a sociedade de risco se caracteriza pela globalidade das ameaças, pela difusão das mesmas e pela dificuldade de se tratar com o risco, pois estes não respeitam fronteiras políticas, sociais ou econômicas, atingem a todos [...]

Tais riscos não podem ser previstos, podendo vir de qualquer lugar e, muitas vezes não

se sabe quem são os causadores, e muito menos a intensidade dos danos que esses riscos vão

trazer a nossa sociedade.

Com o surgimento da sociedade de risco, que aumenta os medos e as inseguranças,

também surge um novo Direito Penal, que é reflexo do medo e da insegurança e que “[...]

longe de manter seu caráter subsidiário, tem se convertido em um direito penal expansivo,

27

marcado pelo acolhimento de novos bens jurídicos e pelo rompimento com as garantias penais

clássicas” (HAUSER, 2012, p. 25).

Este processo é agravado, pelos efeitos das telecomunicações, pois essa tem uma força

muito grande, e muitas vezes acabam manipulando a sociedade, trazendo coisas que nem

fazem parte do cotidiano das pessoas, assim criando uma falsa sensação da realidade e

aumentando ainda mais a insegurança.

Ao Estado cabe gerar condições adequadas para uma vida com segurança. Entretanto

ele não vem fazendo esse papel, pois não consegue dar respostas adequadas aos novos riscos,

pois muitas vezes vem buscando essa resposta exclusivamente por meio do sistema penal.

Acredita-se que quanto maior a repressão penal menor vai ser a frequência dos perigos e dos

riscos, especialmente aqueles que vêm do trânsito. Mas esta repressão não está dando o

resultado esperado.

Para demonstrar que os acidentes de trânsito representam um grande risco à sociedade,

a seguir serão apresentados alguns dados sobre números de acidentes fatais nas rodovias

brasileiras.

O Brasil está colocado entre os 10 países com maiores índices de mortalidade no

trânsito. O Ministério da Saúde, por meio do DATASUS, publicou dados relativos ao número

de mortos no trânsito entre os anos de 1996 e 2009. Os dados demonstram que, apesar da

criação do Código de Trânsito Brasileiro e do aumento do rigor repressivo relativo às

condutas lesivas praticadas no trânsito, o número de acidentes com mortes vem crescendo ano

a ano. Do mesmo modo, o número de hospitalizações em razão de acidentes de trânsito

aumenta significativamente, o que gera custos significativos ao sistema de saúde pública.

A seguir algumas tabelas que demonstram claramente esses dados.

Gráfico 1

28

Percebe-se, pela análise dos dados que no ano de 1996, um ano antes da criação do

Código de Trânsito, o número de mortes em acidentes de trânsito no Brasil era de 34 mil,

sendo esse um número muito alto, que colocava o país em primeiro lugar entre os países que

tinham mais acidentes de trânsito. Contudo depois da implementação desse código houve uma

redução significativa chegando até no ano de 2000, ao número de 28 mil mortes. Porém com

o passar dos anos esse número foi aumentando gradativamente, até que em 2008 tivemos o

maior registro de mortes em acidentes de trânsito, com cerca de 38 mil vidas perdidas.

Gráfico 2

Os dados da tabela indicam o número de pessoas feridas em acidentes de trânsito entre

os anos de 1998 e 2007. Pode-se identificar, neste caso, que depois da implementação do

Código de Trânsito, houve um aumento do número de vítimas feridas em acidentes, número

que veio a diminuir somente no ano de 2003, mas logo voltou a aumentar de forma

significativa.

29

Percebe-se, portanto, que a criação do Código de Trânsito, não vem a inibir os

infratores, e sim esses números tendem a variar independentemente de sua criação ou não,

sendo esse aumento e diminuição uma causa natural, ligada mais a consciência das pessoas do

que com o medo de uma possível punição.

Outra pesquisa feita pelo Ministério da Saúde no período de 2010, sobre as regiões

que mais sofrem com acidentes de trânsito demonstra que, em primeiro lugar está a região

sudeste com 54.820 acidentes registrados, logo em seguida vem à região nordeste com 42.976

acidentes, com um número um pouco menor vem à região sul com 20.907 acidentes, e região

norte e centro oeste com cerca de 12.000 acidentes cada uma, totalizando cerca de 143.256

acidentes registrados. (MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Mortalidade).

A realidade é que violência no trânsito determinou que, no ano de 1997, fosse criado

no Brasil, através da lei 9.503, o Código de Trânsito Brasileiro, que tem como finalidade a

diminuição de tais acidentes, matéria que será tratada logo a baixo, no próximo ponto da

pesquisa.

2.2 O Código de Trânsito Brasileiro e a persecução penal dos comportamentos praticados na direção de veículo automotor.

A criação do código de trânsito se deu com a Lei Nº 9.503 de setembro de 1997, numa

época em que o Brasil era tido como o país com o maior número de acidentes. A criação do

código teve como finalidade a diminuição de tais acidentes, por meio da punição mais

rigorosa aos infratores, por meio de multas, suspensão ou proibição de conduzir veículos, mas

também por meio da criação de algumas figuras penais, que vão ser analisadas ao decorrer do

estudo.

Assim o artigo 291 do código de trânsito narra que:

Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a lei 9.099 de 26 de setembro de 199, no que couber.

30

São considerados crimes de trânsito os crimes de perigo, podendo esses ser abstrato ou

concreto, bem como de dano, desde que o elemento subjetivo constitua em culpa. Sendo

assim o código de trânsito não admite crimes derivados do dolo, portanto quando se usa o

veiculo como instrumento para causar o dano, o autor responde de acordo com o Código

Penal, com isso não cometem crime de trânsito.

Com a promulgação do Código de Trânsito Brasileiro, criado pela lei 9.503 de

setembro de 1997, foram tipificadas algumas condutas como crimes cometidos na direção de

veiculo automotor, sendo elas: o homicídio culposo de trânsito1, a lesão corporal culposa de

trânsito2, a omissão de socorro no trânsito3, à fuga do local do acidente4, a embriaguez ao

volante5, a violação da suspensão de habilitação6, a participação em competição

automobilística não autorizada7, a direção sem habilitação8, a entrega de veículo à pessoa não

habilitada9, a direção com velocidade incompatível10 e a inovação artificiosa11.

1 Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 2 Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior. 3Art. 304. Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave. Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves. 4 Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa. 5 Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 6 Art. 307. Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código: Penas - detenção, de seis meses a um ano e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo de suspensão ou de proibição. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o condenado que deixa de entregar, no prazo estabelecido no § 1º do art. 293, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação. 7 Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano

31

Os delitos de homicídio culposo (art. 302) e de lesão corporal culposa (art. 303) são

delitos de dano e exigem que a conduta do autor seja de natureza culposa, ou seja, derivada de

imprudência, imperícia ou negligência, não admitindo dolo em sua realização. Os demais

delitos são considerados crimes de perigo, uma vez que não exigem para sua configuração a

produção de um dano concreto a vítimas certas ou à incolumidade pública. Tais delitos tem

como elemento subjetivo o dolo, que deve ser exclusivamente de perigo.

Sendo a maioria dos crimes previstos no Código de Trânsito crimes de perigo

(concreto e abstrato), é necessário um entendimento maior de tais crimes. Nos crimes de

perigo concreto existe necessidade da prova efetiva da probabilidade de dano que advém da

conduta e nos crimes de perigo abstrato existe apenas a probabilidade de ocorrência do dano,

sendo esta apenas presumida pelo legislador.

Assim no entender de Cezar Roberto Bitencourt (2011, p. 254) o crime de perigo é

classificado como perigo concreto ou abstrato.

O perigo nesses crimes pode ser concreto ou abstrato. Concreto é aquele que precisa ser comprovado, isto é, deve ser demonstrada a situação de risco corrida pelo bem jurídico protegido. O perigo só é reconhecível por uma valoração subjetiva da probabilidade de superveniência de um dano. O perigo abstrato é presumido juris et de jure. Não precisa ser provado, pois a lei contenta-se com a simples prática da ação que pressupões perigosa.

potencial à incolumidade pública ou privada: Penas - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 8 Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa. 9 Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

11 Art. 312. Inovar artificiosamente, em caso de acidente automobilístico com vítima, na pendência do respectivo procedimento policial preparatório, inquérito policial ou processo penal, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito, ou juiz: Penas - Detenção, de seis meses a um ano, ou multa. Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo, ainda que não iniciados, quando da inovação, o procedimento preparatório, o inquérito ou o processo aos quais se refere.

32

Já no entendimento de Fernando Capez (2003, p. 242).

Há crime de perigo concreto, quando a realização do tipo exige a existência de uma situação de efetivo perigo. E há crime de perigo abstrato, no qual a situação de perigo é presumida, como no caso da quadrilha ou bando, em que se punem os agentes mesmo que não tenha chegado a cometer nenhum crime.

Tendo esse entendimento, deve se levar em conta que alguns autores defendem a

teoria da inconstitucionalidade nos crimes de perigo abstrato. No entendimento de Luiz

Flavio Gomes, citado por Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 1136)

De qualquer maneira, qualquer que seja a interpretação adotada impossível falar-se em crimes de ‘perigo abstrato’, que estão definitivamente excluídos do Direito Penal, mesmo porque não se compatibilizam com o Estado Democrático de Direito. O perigo faz parte da realidade fática. Logo, como fato, não se presume.

O crime de perigo muitas vezes é absorvido pelo crime de dano, pois não há porque se

punir por perigo de dano se o dano já foi consumado. Pode-se usar como exemplo o agente

que dirige sem habilitação, artigo 309 do CTB, em que esse venha a cometer homicídio

culposo na condução de veiculo automotor, o crime de dirigir sem habilitação é absorvido

pela pratica do crime do artigo 303 do Código de Trânsito Brasileiro.

Sobre esta questão o Supremo Tribunal Federal traz o seguinte entendimento,

citado por Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 1136)

O crime de lesão corporal culposa, cometido na direção de veiculo automotor (CTB Art. 303), por motorista desprovido de permissão ou habilitação para dirigir, absorve o delito de falta de habilitação ou permissão tipificada no art. 309 do Código de Trânsito. (HC80. 303-MG 2° T., rel. Celso de Mello, 26/09/2000, v.u, DJ 10.11.2000, p. 81).

Assim sempre que o condutor de veículo automotor, agindo culposamente, produzir

resultados de dano (homicídio ou lesões corporais), responderá por crime de trânsito.

33

Contudo, mesmo com a criação do Código de Trânsito Brasileiro, não houve a

resposta esperada, que era a diminuição de acidentes, então com o clamor social por mais

segurança através de mais punições aos infratores foi criada a lei 11.705, de 19 de julho de

2008, chamada Lei Seca. Tal lei trouxe algumas mudanças no Código de Trânsito Brasileiro,

sendo uma delas no art. 306, que passou a fixar a concentração mínima de 6 decigramas de

álcool por litro de sangue. Antes da criação da lei seca não se fixava esse valor alcoólico para

que tipificação do crime ocorresse, bastava o condutor estar sobre a influência de álcool para

que esse fosse punido.

Com essa inovação da lei 11.705/08 muitos doutrinadores, entendem que o legislador

equivocou-se profundamente pois essa concentração não pode ser presumida, e sim deve ser

provada; mas como o infrator não é obrigado a criar prova contra si mesmo, de acordo com o

principio da ampla defesa, fica quase impossível à comprovação da quantidade mínima de

álcool no sangue, se o mesmo se negar a fazer o bafômetro ou exame de sangue.

O art. 5° LV, da Constituição Federal afirma que aos acusados são assegurados do

contraditório e ampla defesa, tanto em processos judiciais ou administrativos, e assim

entende-se que a recusa de oferecer provas contra si, é garantia constitucional inerente ao

princípio da ampla defesa, o que assegura ao infrator de trânsito o direito de não realizar o

teste de alcoolemia, mediante exame de sangue ou bafômetro.

Falando sobre esta questão Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel ano 2011,

(http://jus.com.br) observam que:

Se a quantidade mínima de álcool no sangue do condutor não ficar comprovada e, portanto, não for mencionada expressamente na denúncia ou queixa, o fato narrado na exordial será evidentemente atípico, sendo o caso de rejeição da peça acusatória, ex vi do disposto no art. 395, I c/c art. 41, ambos do Código Processual Penal de regência, ou mesmo rejeição por falta de uma das condições da ação (art. 395, II do CPP), qual seja, a possibilidade jurídica do pedido, em razão da atipicidade do fato (dirigir sob o efeito de álcool, por si só, não é crime; crime é conduzir veículo com o mínimo de seis decigramas de álcool por litro de sangue).

Assim quando há a denegatória do condutor de em realizar o bafômetro ou o exame de

sangue, apenas pode ocorrer a pena de multa e a cassação da permissão de dirigir veículo

automotor, conforme o art. 165 da lei nº 9.503/97.

34

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Pode-se observar assim, que o legislador não teve o devido cuidado no momento da

elaboração do artigo 306 do CTB, pois se esse apenas tivesse previsto que o infrator estivesse

sobre influência de álcool no sangue, não se referindo à quantidade, ficaria muito mais fácil

ser aplicada a punição prevista no referido artigo.

2.3 Os delitos de homicídio e lesões corporais no CTB e o reconhecimento do dolo eventual nos crimes de trânsito: posição dos tribunais e considerações crítica. A partir da criação do Código de Trânsito, as infrações, de homicídio e lesões

corporais, ambas culposas, quando praticadas na direção de veículo automotor, que antes

eram tratadas pelo Código Penal passaram a ser matéria regulada pelo Código de Trânsito.

Segundo o artigo 302 do CTB, constitui crime de trânsito:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor. Penas- detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor.

Como se vê a pena prevista para o homicídio culposo na direção de veículo automotor

passou a ser mais severa do que a prevista no Código Penal, que é de apenas um a três anos de

detenção. Tal aumento de pena teve apenas uma finalidade, que foi diminuir os problemas

relacionados ao trânsito brasileiro, assim tentando buscar a diminuição de infrações através de

um maior rigor repressivo.

Deve ficar claro que o agente infrator deve estar na direção de veículo automotor, pois

essa é uma elementar indispensável, para que o agente possa ser enquadrado no artigo 302 do

Código de Trânsito. Assim o crime de homicídio culposo segundo o CTB, é considerado um

crime comum, (pode ser praticado por qualquer pessoa) sendo que deve existir o resultado

naturalístico, sendo esse a morte da vitima. (NUCCI, 2009).

35

Mas para fins ainda mais repressivos, o legislador não parou por ai, pois no parágrafo

único, do artigo referido anteriormente, passou a prever aumentos de penas, dependendo da

atitude tomada do sujeito ativo.

Parágrafo único: no homicídio culposo cometido na direção de veiculo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à ½ (metade), se o agente: I – não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação; II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV – no exercício da sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veiculo de transporte de passageiros.

V – revogado pela lei 11.705/2008

O inciso V, que foi revogado pela lei 11.705/2008 previa o aumento de pena para

quem o comete-se sobre influência de álcool, substância tóxica, ou entorpecente de efeitos

análogos, porem foi eliminado com o intuito de cumular duas infrações, o homicídio culposo

e a embriaguez ao volante, pois com a existência desse inciso isso não poderia acontecer, em

consideração ao principio do nen bis in idem. (NUCCI, 2009, p. 1146).

Contudo, essa mudança não teve o efeito esperado, pois o legislador cometeu um erro

na formulação do artigo 306 do CTB, como já foi visto anteriormente. E se a intenção

primeiramente era indiciar o infrator por dois crimes, (artigo 302 e artigo 306), passou na

maioria das vezes somente indiciando pelo homicídio culposo, sem o aumento de pena, pois

para o enquadramento do artigo 306 CTB, necessita da colaboração do infrator. (NUCCI,

2009, p. 1157).

Com pode ser visto, ocorreu um aumento de pena o homicídio culposo em veículo

automotor, que pode chegar até a uma pena de 4 anos, diferentemente do homicídio culposo

previsto no Código Penal, em que a condenação máxima pode chegar até 3 anos. Assim pode

ser notada a intenção do legislador, em aumentar a pena nos crimes de trânsito para fins de

inibir cada vez mais futuros infratores.

Já a lesão corporal culposa cometida na direção de veículo automotor, está prevista no

artigo 303 do Código de Trânsito.

Art. 303 – Praticar lesão corporal culposa na direção de veiculo automotor.

36

Penas – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) à ½ (metade), se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior.

Neste caso o legislador também usou do meio mais rigoroso, aumentando a pena para

inibir os infratores, pois a pena prevista para lesão corporal culposa no Código Penal é apenas

de 2 (dois) meses 1 (um) ano.

Assim como no homicídio culposo cometido na direção de veículo, a lesão corporal

culposa é um crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, tendo como sujeito

ativo o motorista do veículo automotor, e como sujeito passivo o pedestre ou outro condutor.

E como refere o parágrafo único desse artigo, as causas de aumento de pena são as mesmas do

artigo 302 do CTB, assim devem ser respeitadas as mesmas regras, que foram vistas

anteriormente (NUCCI, 2009, p. 1151).

Como se viu o Código de Trânsito veio com o intuito de diminuir o grande número de

vítimas em um caótico sistema de tráfego de veículos. Buscou o legislador responder aos

clamores da sociedade, usando penas mais rigorosas como forma de inibir os delitos

praticados na direção de veículo automotor.

Assim como o legislador entendeu, que usando de uma pena mais rigorosa, acabaria

por inibir os potenciais infratores de trânsito, os tribunais brasileiros estão compartilhando do

mesmo entendimento, pois é cada vez maior o enquadramento de homicídios e lesões

corporais praticados no trânsito como crimes dolosos, em virtude do reconhecimento do dolo

eventual. Tal enquadramento é bastante frequente, especialmente quando o condutor

encontrava-se embriagado ou participando de competição automobilística não autorizada.

Percebe-se que em grande parte dos casos, esta reação serve apenas para corresponder

uma expectativa da população, e que a doutrina majoritária não vê com bons olhos o

reconhecimento do dolo eventual nos crimes de trânsito. Mas, apesar disso, os tribunais vêm

aceitando esse enquadramento, e, com isso, buscam dar uma resposta mais rigorosa aos

crimes praticados na direção de veículos automotores, o que é aplaudido pela sociedade.

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Para compreender melhor esta questão é necessário avaliar, a partir do entendimento

doutrinário, o que é efetivamente o dolo eventual e se é possível, de fato, reconhecê-lo nos

crimes de trânsito. No entender de Bitencourt (2011, p. 321):

Haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitá-la como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado, (art.18, I in fine, do CP). No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas apesar de prevê-lo age aceitando o risco de produzi-lo. Como afirma Hungria, assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso este venha efetivamente a ocorrer.

Porém, isso não é o que se pode visualizar na atualidade, pois novamente destaco que

os tribunais estão dando como resposta à sociedade decisões mais severas, e assim muitas

vezes, não se agarrando puramente no direito, com isso deixando seu lado emocional

participar das decisões.

Assim no entender de Sérgio Salomão Shecaira (2006, p. 351):

A mídia nos dá, quase diariamente, informações sobre pessoas em estado de embriaguez, ou participando de rachas que causam morte em pessoas inocentes. Em razão do elevado número de casos semelhantes, os jornais passaram a exigir punições mais duras o que acabou fazendo com que os juristas fizessem uma reinterpretação dogmática dos dois institutos, “dolo eventual e culpa consciente”.

Embora seja possível diferenciar de forma clara as categorias do dolo eventual e da

culpa consciente no plano teórico, tal distinção nem sempre é tão simples em relação aos fatos

concretos. Assim cabe ao juiz decidir da melhor forma possível, sem deixar influenciar-se por

uma mídia um tanto que manipuladora. Sobre este tema Shecaira e Alceu Corrêa Junior

(2002, p. 397) fazem a seguinte análise:

A análise de seus elementos distintivos requer por parte do juiz um exame das representações e dos motivos que atuaram sobre a psique, obrigando ao intérprete e aplicador da lei a investigação dos mais recônditos elementos da alma humana.

Deste modo, fica evidente a dificuldade de determinação fática da presença do dolo

eventual. É muito difícil enquadrar o caso concreto no dolo eventual, pois para isso é

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necessário chegar ao íntimo do agente infrator e demonstrar que este foi, de fato, indiferente

para com o resultado. Sabe-se que, na maioria das vezes, o julgador não tem elementos para

isso, pois é impossível saber, com certeza absoluta, o que o infrator pensava no momento da

realização da conduta criminosa.

Assim Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 401) fazem a seguinte observação:

A inexistência de motivo e de vontade para o reconhecimento do dolo eventual nos crimes de trânsito justifica uma punição apenas a título de culpa. Jiménez de Asúa, em sua já citada obra, exemplifica como um delito automobilístico em que um homem dirige em grande velocidade seu carro e entra em ruas apinhadas de pessoas vindo a atropelar alguém por confiar sinceramente que sua pericia vá impedir a ocorrência de um resultado lesivo. Quando o pedestre é atropelado e morre, o agente deve ser condenado, por culpa com representação por que causou o fato sem retificá-lo; ao contrario, com esperança de que sua perícia ou felicidade lograria impedir o resultado lesivo.

Pode-se concluir deste modo, que a pessoa que dirige com excesso de velocidade ou

em condições de embriaguez, acreditando que não vai causar resultado danoso a terceiro e

que, contudo, vem a matar ou ferir outra, não deve responder por homicídio na modalidade

dolosa.

Pois para os autores já citados Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 397)

O dolo eventual, antes de ser eventual é dolo! E como tal deve ser entendido. “O dolo eventual se integra assim pela vontade de realização concernente à ação típica (elemento volitivo do injusto da ação), pela consideração seria do risco de produção do resultado (fator intelectual do injusto da ação), e, em terceiro lugar, pelo conformar-se com a produção do resultado típico como fator de culpabilidade.”

Assim, segundo a doutrina, não se pode falar em enquadramento como dolo eventual,

especialmente quando há dúvida em relação a intenção real do agente. Quando não se sabe do

íntimo do agente ou quando há dúvidas sobre a aceitação ou não do resultado lesivo, deve-se,

em função do princípio in dúbio pro reo, responsabilizar o autor pelo fato menos grave, ou

seja, pelo crime culposo.

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Ocorre que, na prática, nem sempre prevalece este entendimento. Na atualidade,

muitos juízes vêm deixando de lado a pura aplicação do direito, pois, em grande parte dos

casos, especialmente aqueles em que há mais repercussão social, é feito o enquadramento dos

crimes de trânsito pela via do dolo eventual. Isso se dá mais por uma questão do clamor da

sociedade e da mídia do que puramente pela adequada interpretação e aplicação das categorias

do dolo eventual e da culpa consciente.

Alexandre Wunderlich (apud SHECAIRA, 2002, p. 143) observa que é um absurdo

[...] confundirem duas figuras que, embora próximas, têm suas distinções pronunciadas. Para ele, ‘o dolo eventual nos crimes de trânsito é uma ficção jurídica utilizada para fantasiosamente compensar uma legislação inadequada e, assim atender os reclamos da mídia. Diga-se, ainda, que serve para acabar com aquilo que a mídia e os profetas dos movimentos, mais das vezes emulados pela mesquinhez de ideologias baratas, classificam como impunidade. Mas não se diga que, com base na teoria do delito, existe fundamento jurídico plausível e consolidado sobre a demarcação do conceito de dolo eventual, mormente, no sentido amplo, chegando a cogitar-se que o agente consinta com seu possível suicídio.

No Tribunal do Júri, em que o julgamento é proferido por juízes leigos, a possibilidade

de reconhecimento do dolo eventual é muito efetiva, especialmente em casos que tiveram

repercussão na mídia. Mas também no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,

encontram-se diversos julgados autorizando o julgamento de pessoas envolvidas em crimes de

trânsito pelo tribunal do júri.

HOMICÍDIO. TRÂNSITO. RACHA. ALTA VELOCIDADE. Não afasta a possibilidade de se entender ter agido com dolo, na modalidade eventual, motociclista que atropela e mata transeunte durante disputa (racha) de que participe, ainda que tudo ocorrido em via pouco movimentada e onde tolerada aquela prática. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DEFENSIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70047944954, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em 12/09/2012).

No mesmo sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA A PESSOA. HOMICÍDIO SIMPLES. LESÃO CORPORAL GRAVE. Evento de trânsito, com

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resultado morte de uma vítima e lesões em outra. Pronúncia que reconheceu o dolo eventual. Pretensão defensiva que busca a desclassificação. Características do fato que autorizam, à primeira vista, a manutenção da pronúncia. Condutor que admite ter ingerido bebida alcoólica, parte da prova aponta para cruzamento em sinal fechado, velocidade excessiva, perda de controle ao atingir o canteiro divisório, invasão da pista contrária e colisão com a motocicleta que trafegava em sentido contrário. Suspensão do direito de dirigir revogada. RECURSO DEFENSIVO IMPROVIDO. POR MAIORIA. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70046865077, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 10/05/2012).

Ao avaliar tais questões Shecaira (2002, p. 149) aduz que

Não se deve, sob a influência da pressão da mídia, reconhecer qualquer alteração na estrutura do delito, para mandar alguém a júri. Por mais grave que tenha sido a conduta culposa, não pode ela ser transformada em dolosa, sob pena de criarmos um direitos penal de terror que venha satisfazer interesses punitivos extra-autos.

Este também é o posicionamento de Toledo (apud Shecaira, 2002, p. 149) para quem

[...] transferir para o Júri a decisão sobre se a hipótese dos autos é de dolo eventual ou culpa consciente, em relação ao evento da morte, será (isto sim ‘no mínimo’) uma temeridade, ante as dificuldades óbvias de compreensão desses conceitos por parte de pessoas leigas.

Como se vê, em muitos casos, mesmo não havendo provas suficientes demonstrando

que o réu assumiu o risco e não se importou com o resultado, houve o enquadramento do dolo

eventual. Com isso pode ser feita a análise de que os tribunais brasileiros estão, em muitos

casos, mais interessados em dar uma resposta à sociedade através da pena mais rigorosa, do

que aplicar puramente o direito.

2.4 A proposta de reforma do CP e a penalização das condutas lesivas praticadas no trânsito.

Como é do conhecimento da grande maioria, o Código Penal Brasileiro está

desatualizado, pois esse teve sua criação em 1940, e com o passar do tempo foram criadas

diversas leis esparsas para poder dar uma amplitude ao direito penal, contudo tal criação de

leis trouxe um prejuízo à sistematização e organização dos tipos penais e da

proporcionalidade das penas, gerando assim uma grande insegurança jurídica.

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Foi por isso que em 2011, foi constituída uma comissão de juristas para formular um

anteprojeto de novo Código Penal, para fins de modernizá-lo e dar uma nova releitura do

mesmo à luz da Constituição, tendo em vista as novas perspectivas normativas pós - 88. No

que tange aos crimes de trânsito e as categorias do dolo e da culpa são propostas interessantes

alterações.

Primeiramente destaca-se a mudança no delito de embriaguez ao volante que, segundo

o art. 202 do anteprojeto passará a não mais exigir concentração alcoólica mínima para o

reconhecimento do crime e será transformado em um crime de perigo concreto.

(ANTEPROJETO DE REFORMA AO CÓDIGO PENAL)

Art. 202. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a segurança viária: Penas – prisão, de um a três anos, sem prejuízo da responsabilização por qualquer outro crime cometido.

Com essa nova previsão do legislador, torna-se muito mais fácil a comprovação do

infrator estar sobre o efeito do álcool, pois se hoje apenas pode ser provado à existência de

álcool no sangue através do bafômetro ou exame de sangue, com a alteração proposta passa a

ser possível fazer tal prova a partir de testemunhas, uma vez que, no novo texto, não mais se

exige a presença de 6 decigramas de álcool por litro de sangue.

Outra modificação prevista no anteprojeto do Código Penal é a redução da pena no

dolo eventual, pois essa prevê a possibilidade do juiz reduzi-la considerando as circunstâncias

do caso concreto em ate um sexto, se o crime for praticado com dolo eventual. Tal previsão

encontra-se no art. 20 do anteprojeto de reforma ao CP.

Mas a mudança que mais nos interessa é a mudança no artigo 121, pois é ela que mais

afeta diretamente o tema em estudo, como segue abaixo. Pela redação proposta no anteprojeto

de reforma ao CP, o art. 121 teria a seguinte redação:

Art. 121. Matar alguém: Pena – prisão, de seis a vinte anos. Forma qualificada §1° Se o crime é cometido: I – mediante paga, mando, promessa de recompensa; por preconceito de raça, cor, etnia, orientação sexual e

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identidade de gênero, deficiência, condição de vulnerabilidade social, religião, procedência regional ou nacional, ou por outro motivo torpe; ou em contexto de violência doméstica ou familiar, em situação de especial reprovabilidade ou perversidade do agente; II – por motivo fútil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou meio igualmente insidioso, cruel ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, mediante dissimulação ou outra conduta análoga para dificultar ou tornar impossível a defesa do ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; ou VI – por dois ou mais agentes em atividade típica de grupo de extermínio. Pena – prisão, de doze a trinta anos. Aumento de pena § 2° A pena é aumentada de um terço se o crime é praticado contra criança ou idoso. Homicídio privilegiado § 3° A pena é diminuída de um sexto a um terço se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida de injusta provocação da vítima. Modalidade culposa § 4° Se o homicídio é culposo: Pena – prisão, de um a quatro anos. Culpa gravíssima § 5° Se as circunstâncias do fato demonstrarem que o agente não quis o resultado morte, nem assumiu o risco de produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade, a pena será de quatro a oito anos de prisão. § 6° Inclui-se entre as hipóteses do parágrafo anterior a causação da morte na condução de embarcação, aeronave ou veículo automotor sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, ou mediante participação em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente.

Percebe-se que a comissão propõe a criação de uma nova modalidade de culpa, a culpa

gravíssima que não existe no Código Penal atual. Também propõe uma alteração de penas no

crime de homicídio culposo, pois se agora o código penal prevê uma pena de um a três anos,

passaria, com a modificação, a prever uma pena de um a quatro anos.

Outra importante alteração diz respeito ao fato de que não haverá, segundo a proposta,

duas figuras típicas para o homicídio culposo, pois sendo ele praticado no trânsito ou fora

dele, estará abrangido pela figura do art. 121, parágrafo 4º.

No que se refere à criação da culpa gravíssima, esta vem trazer grandes mudanças em

todo o ordenamento jurídico, mas principalmente nos crimes de trânsito, pois essa prevê um

aumento considerável na pena, nos crimes em que o agente é flagrado sob a influência de

álcool, ou substância de efeitos análogos, ou até mesmo em corridas, disputas ou competições

automobilísticas. (ANTEPROJETO DE REFORMA AO CÓDIGO PENAL).

Com a nova previsão da culpa gravíssima haverá a possibilidade dos magistrados

condenarem os infratores de trânsito com uma pena mais elevada, sem a desproporção hoje

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presente quando do reconhecimento do dolo eventual. Contudo se o enquadramento do dolo

eventual era o mais temido aos infratores, agora esse não será o principal medo, pois com a

entrada em vigor desse projeto, o infrator que se enquadrar no § 6 do artigo 121 pode ser

punido com uma pena de até 8 anos.

É importante destacar, contudo, que somente os crimes no trânsito em que ocorrer à

morte da vitima, e em que o autor do fato esteja sobre a influência de álcool, ou substância de

efeitos análogos, ou até mesmo em corridas, disputas ou competições automobilísticas, serão

enquadrados na culpa gravíssima; pois os demais crimes mesmo resultando em morte serão

enquadrados em outro tipo penal, como exemplo dolo eventual ou a culpa consciente.

Essa previsão de mudança não serve apenas para uma nova reorganização do direito

penal brasileiro, pois nela existe a participação muito grande da sociedade que, como foi

trabalhado anteriormente, clama por maior segurança no trânsito. Como se vive em uma

sociedade de risco, em que os perigos e as inseguranças são muito grandes, percebe-se que o

legislador e o Estado tentam, de algum modo, responder ao clamor social.

Os crimes de trânsito devem ter uma atenção maior, pois tem produzido verdadeiras

tragédias, o que gera revolta, insegurança e incerteza na sociedade. Muitas vezes, estes

sentimentos acabam interferindo irracionalmente no Direito Penal, pois apenas tem-se em

mente apenas a vingança, o que acaba interferindo nas decisões dos magistrados, que se

sentem pressionados ao decidir.

Por fim, deve-se superar o entendimento que somente com o Direito Penal vai-se

solucionar o problema relacionado ao trânsito, pois esse apenas o ameniza perante os olhos da

sociedade, mas não trás grandes resultados; contudo deve ser entendido que havendo uma

reeducação dos motoristas, uma fiscalização eficiente e uma melhoria das condições das

estradas, ocorreria uma grande e significante melhora nas condições de trafegabilidade. O

papel de conter a violência no trânsito não cabe exclusivamente ao Direito Penal, mas a um

conjunto de ações que tenham como base à educação dos motoristas para a civilidade no

trânsito e para a valorização da vida humana.

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CONCLUSÃO

A sociedade contemporânea se encontra em risco, não apenas riscos ecológicos,

químicos, nucleares, econômicos, que são anunciados todos os dias, mas também o risco

advindo do trânsito, que se encontra literalmente em um caos, aumentado o número de

acidentes a cada dia, trazendo assim muita insegurança à sociedade.

A partir disso, a sociedade acaba tendo grande participação nas decisões dos

magistrados, pois essa vive em uma insegurança tão grande que acaba buscando de uma

forma irracional respostas punitivas mais rigorosas aos infratores de trânsito. E mesmo não

sendo esta a forma mais adequada de resolver os problemas no trânsito, os magistrados vêm

aderindo ao pensamento punitivo, pois cada, dia vem aumentando o número de condenações

em que há o enquadramento do dolo eventual.

Tudo isso é ainda mais afetado pela grande dificuldade em identificar, em situações

práticas, a presença do dolo eventual ou da culpa consciente, pois entre ambos existem muitas

semelhanças, o que resulta em muitas divergências, tanto jurisprudenciais quanto doutrinárias.

Pode ser analisado que a pena do crime culposo é pequena quando comparada com a

pena prevista para o homicídio doloso, o que faz com que haja cada vez mais tendência ao

reconhecimento do dolo eventual, pois isso permite a imposição de uma resposta punitiva

mais rigorosa aos motoristas envolvidos acidentes com vítimas, o que responde aos anseios da

sociedade e cria uma sensação maior de segurança.

Um dos grandes culpados pela insegurança que a sociedade se encontra é a mídia, e o

resultado disso é um grande prejuízo ao direito, pois no momento que a sociedade se vê em

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tanta insegurança ela acaba influenciando nas decisões, exigindo punições mais rigorosas.

Tudo isso é ainda mais agravado com a semelhança entre o dolo eventual e a culpa

consciente, o que faz com que, em situações mais extremas, as categorias técnicas sejam

deixadas de lado, para que seja atendido o interesse social por maior penalização.

Diante desta realidade, a comissão responsável pela elaboração do anteprojeto de

reforma ao Código Penal propõe a criação de uma nova forma de culpa: a culpa gravíssima,

que permitirá uma punição mais rigorosa aos crimes lesão corporal e de homicídio de trânsito

praticados por pessoas embriagadas, ou que participarem de rachas. Tal alteração permitirá

que tais delitos sejam penalizados de forma mais proporcional sem a necessidade de se

recorrer ao reconhecimento e a aplicação do dolo eventual, o que se mostra totalmente

inadequado, do ponto de vista conceitual, para a grande maioria dos delitos de trânsito.

Não é somente através do Direito penal que os problemas que se encontram no trânsito

brasileiro irão ser superados, pois não cabe exclusivamente ao Direito Penal, através de uma

pena mais rigorosa conter a violência no trânsito. Deve haver uma reeducação de forma geral

no cidadão brasileiro, pois esse se mostra muitas vezes, inatingível, no sentido de não

respeitar leis penais.

Por fim, pode se afirmar que nos dias atuais o Direito Penal está sendo usado de

maneira errada, pois não é por meio do reconhecimento do dolo eventual em situações que

são claramente de culpa consciente, que se conseguirá resolver ou reduzir a violência no

trânsito. Isso porque a mera punição mais rigorosa, sem que se enfrentem as causas do

problema, em geral, não dá conta de reduzir a criminalidade, acabando assim apenas sendo

uma forma de resposta o clamor do povo.

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REFERÊNCIAS

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