Conference Risks, Security and Citizenship Proceedings Atas · Estudos e Intervenção em...

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SETÚBAL 30/31.03.2017 International Conference Risks, Security and Citizenship Proceedings | Atas Conferência Internacional Riscos, Segurança e Cidadania

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SETÚBAL 30/31.03.2017

InternationalConference Risks,

Security and Citizenship

Proceedings | Atas

Conferência Internacional Riscos, Segurança e Cidadania

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Title | Título:

International Conference Risks, Security and Citizenship Proceedings Atas da Conferência Internacional Riscos, Segurança e Cidadania

Author | Autor:

Conference technical scientific committee Comissão técnico-científica da Conferência

Organizing committee | Comissão organizadora:

Vereador Carlos Rabaçal, José Luís Bucho e Nuno Miguel de Sousa (Câmara Municipal de Setúbal)

Duarte Nuno Caldeira, Mário Macedo e Américo Henriques (Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil)

José Luís Zêzere e Ângela Santos (Instituto de Geografia e Ordenamento do Território)

Boguslawa Sardinha (Instituto Politécnico de Setúbal)

Joana Júdice (Fórum Europeu de Segurança Urbana)

Technical scientific committee | Comissão técnico-científica:

Professor Doutor Nuno Severiano Teixeira (Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas)

Professor Doutor Engenheiro Carlos Sousa Oliveira (Instituto Superior Técnico)

Professor Engenheiro Mário Lopes (Instituto Superior Técnico)

Professora Doutora Boguslawa Sardinha (Instituto Politécnico de Setúbal)

Doutora Ângela Santos (Instituto de Geografia e Ordenamento do Território)

Engenheiro Mário Macedo (Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil)

Design: Paulo Oliveira

ISBN: 978-972-9016-53-0

Setúbal, Maio de 2017

Editor | Edição:

Município de Setúbal

Praça de Bocage

2901-866 Setúbal, PORTUGAL

http://www.mun-setubal.pt/

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Proceedings Atas

2017

International Conference Risks, Security and CitizenshipConferência Internacional Riscos, Segurança e Cidadania

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International Conference Risks, Security and Citizenship

SETÚBAL 30/31.03.2017

Conferência Internacional Riscos, Segurança e Cidadania

Introdução

A Estratégia de Sendai 2015-2030 engloba diretrizes objetivas para stakeholders (nível local, regional e nacional), comunidade científica e sociedade civil de modo a se implementar de uma forma eficaz e continuada a redução do risco de desastre e a criação de cidades resilientes para os desastres. Neste sentido, a Câmara Municipal de Setúbal, em conjunto com o Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil, o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território e o Instituto Politécnico de Setúbal organizaram a Conferência Internacional de Riscos, Segurança e Cidadania – ICRSC2017, que se pretendeu ser multi-disciplinar.

A ICRSC2017 decorreu em Setúbal, durante os dias 30 e 31 março de 2017, contou com um total de 589 inscrições. As sessões foram divididas pelas 3 linhas temáticas associadas à conferência: Riscos, Segurança e Cidadania. Estiveram presentes 31 oradores convidados (distribuídos por 4 sessões plenárias e 27 sessões paralelas) e 15 moderadores. A ICRSC2017 foi uma conferência bilingue, com tradução simultânea em português e em inglês durante os 2 dias em que as sessões se realizaram.

Contribuíram ainda para o sucesso das sessões paralelas 39 comunicações (25 orais e 14 posters), tendo sido 14 associadas ao tema dos Riscos, 15 para a Segurança e 10 pra a Cidadania. Todos os resumos e artigos publicados nas Atas da Conferência foram revistos pela Comissão Científica, mas o seu conteúdo é da responsabilidade exclusiva dos autores.

A Comissão Organizadora

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IV

Sérgio MENDES, Sónia MORGADO

Intelligence services intervention: constraints in Portuguese Democratic state | Inter-venção em serviços de inteligência: restrições no Estado Democrático Português

Sónia MORGADO, Rui ALFARO

Technology embracement in objective driven police: UAV’s in public security police in Portugal | Aproximação da tecnologia em polícia orientada por objectivos: UAV’s na Polícia de Segurança Pública em Portugal

Yazide SULEMANE, Santos TELES, Rui DEUS, Anacleto CORREIA

Risk analysis of collisions and groundings in the port of Lisbon | Análise de risco de colisões e encalhes no porto de Lisboa

Ana DELICADO, Jussara ROWLAND, Sofia RIBEIRO, Ana NUNES DE ALMEIDA, Luísa SCHMIDT

Participation of children and young people in disaster risk reduction: first results of a project | A participação das crianças e jovens na redução do risco de catástrofe: primeiros resultados de um projeto

Ângela LACERDA NOBRE, Rogério CORREIA DUARTE, Marc JACQUINET

Cyberpolitics, ethical finances and active citizenship in the context of the knowledge economy | Cyberpolítica, finanças éticas e cidadania ativa no contexto da economia do conhecimento

Edgar GOMES

Decisions, bad decisions and bias | Decisões, más decisões e preconceitos

Teresa RODRIGUES, André INÁCIO

The architecture of regional (in)security in the mediterranean. Terrorism, migration and crime | A arquitetura da (in)segurança regional no mediterrâneo. Terrorismo, migrações e criminalidade

62

64

70

72

74

76

68

Tânia P. SANTOS, Ana M. T. MATA

Accident survey in chemical laboratories | Levantamento de acidentes em laboratórios químicos 66

CITIZENSHIP | CIDADANIA

Glâucia PEREIRA. Maria ODETE PEREIRA

Psychosocial risk: sources of stress in nursing work in a continuous integrated care team | Riscos psicossociais: fontes de stress no trabalho sobre enfermeiros numa equipa de cuidados continuados integrados 78

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ICRSC2017 – Atas da Conferência Internacional Riscos, Segurança e Cidadania

Teresa Rodrigues

IPRI/NOVA, Av. de Berna, 26C, Lisboa 1061-069, Portugal.

[email protected]

André Inácio

IPRI/NOVA, Av. de Berna, 26C, Lisboa 1061-069, Portugal.

[email protected]

The architecture of regional (in)security in the mediterranean. Terrorism, migration and crime

A arquitetura da (in)segurança regional no mediterrâneo. Terrorismo, migrações e criminalidade

RESUMONesta comunicação propomo-nos refletir sobre o atual quadro de riscos e oportunidades gerados pela conjuntura vivida na Bacia do Mediterrâneo, em cujo mar milhares de pessoas arriscam diariamente as suas vidas. Na atualidade a Europa confronta-se com a forte pressão junto à fronteira sul, que não é ape-nas de hoje, mas se intensificou nos últimos anos e que acentuou a visão já tendencialmente pessimista sobre o link demografia/segurança, num contexto de assimetrias entre uma margem norte que precisa de efetivos migrantes para mitigar o impacto do envelhecimento demográfico das suas estruturas etárias, mas que receia a mudança inerente à sua presença, sobretudo na atual conjuntura de instabilidade económica e alguma tensão social. A tendência para securitizar o vetor migratório vê-se facilitada pelos perfis dos responsáveis pelos episódios de atos terroristas e criminalidade veiculados pelos media. Como iremos demonstrar, a resposta à crise do Mediterrâneo passa por encontrar um equilíbrio entre direitos humanos e segurança. Em termos metodológicos procuramos confirmar e desmistificar algumas perceções de insegu-rança trazidas ao espaço europeu, recorrendo a uma abordagem centrada na análise de documentação primária (legislação, estatísticas oficiais) e revisão de literatura.

Palavras-chave: mediterrâneo, terrorismo, migrações, criminalidade.

ABSTRACTIn this communication we propose to reflect on the current frame of risks and opportunities generated by the situation in the Mediterranean Basin, where thousands of people are risking their lives on a daily basis. Europe is currently facing strong pressure along the southern border, which is not recent, but has intensified in recent years and has accentuated the already pessimistic view on the link demogra-phy/security, in a

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context of asymmetries between the northern margin, that needs migrant workers to mitigate the impact of the demographic aging of their structures, but fears the change inherent in their presence, especially in the current economic instability and social tension. The tendency to securitize the migratory vector is facilitated by the profiles of those responsible for the episodes of terrorism and crimi-nal acts broadcasted by the media. As we shall demonstrate, the response to the Mediterranean crisis is to find a balance between human rights and security. In methodological terms, we try to confirm and demystify some perceptions of insecurity brought to the European area, using an approach centered on the analysis of primary documentation (legislation, official statistics) and literature review.

Keywords: mediterranean, terrorism, migrations, criminality.

1. IntroduçãoO Mediterrâneo é caracterizado por profundas assimetrias demográficas e de Desenvolvi-mento Humano das duas margens (Rodrigues, 2009), acentuadas no atual contexto de instabilidade política complexa a sul. A Primavera Árabe, a tentativa de manutenção do poder de alguns líderes e a emergência de novos atores lançaram o caos e permitiram que fações radicais islâmicas adquirissem um poder nunca imaginado. A fuga para norte foi a resposta encontrada por muitos e na perspetiva europeia a pressão junto à fronteira sul acentuou a visão pessimista sobre o link demografia/segurança e a tendência para securitizar o vetor migratório. As medidas adotadas confirmam essa crescente securitização (Bigo, 2002; Koser, 2005). Entre 2015 e 2016 o número de entradas por mar reduziu-se 62%, mas o número de mortes aumentou 76% (IOM Press, 2016).

A Europa envelhecida precisa dos migrantes, mas, apesar do discurso político de aceitação de todos os carenciados, continua a querer gerir o perfil de quem deixa entrar, numa postura onde os interesses nacionais tendem a sobrepor-se aos coletivos e/ou humanitários. Os requisi-tos para a imigração legal e a utilização político-ideológica do fenómeno explicam como o imi-grante tende a ser considerado uma ameaça. E no entanto há que manter uma leitura cautelosa, porque também eles são vítimas. Simultaneamente a Europa é considerada como dar al kufr (terra de ímpios) pelos salafistas, que não escondem a sua intenção de repor as antigas fronteiras do califado, contribuindo para acentuar as exceções de insegurança dos cidadãos europeus. Este facto deve ser considerado aquando da inserção dos migrantes vindos da margem sul, sob pena de se estarem a criar incubadoras, doutrinadas pelos fundamentalistas xiitas, para quem a Europa é atualmente dar hal harb (terra de guerra). A resposta à crise do Mediterrâneo passa por encontrar um equilíbrio entre direitos humanos e segurança.

Nesta comunicação, realizada no âmbito do Projeto PTDC/CS-DEM/1538/2014 SIM4SECURITY, propomo-nos refletir sobre o atual quadro de riscos e oportunidades gerados pela conjuntura vivida na Bacia do Mediterrâneo, em cujo mar milhares de pessoas arriscam diariamente as suas vidas. Na atualidade a Europa confronta-se com a forte pressão junto à fronteira sul, que não é apenas de hoje, mas se intensificou nos últimos anos e que acentuou a visão já tendencialmente pessimista sobre o link demografia/segurança, num contexto de assimetrias entre uma margem norte que precisa de efetivos migrantes para mitigar o impacto do envelhecimento demográfico das suas estruturas etárias, mas que receia a mudança inerente à sua presença, sobretudo na atual conjuntura de instabilidade económica e alguma tensão social.

A tendência para securitizar o vetor migratório vê-se facilitada pelos perfis dos responsáveis pelos episódios

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de atos terroristas e criminalidade veiculados pelos media. Como iremos de-monstrar, a resposta à crise do Mediterrâneo passa por encontrar um equilíbrio entre direitos humanos e segurança.

Em termos metodológicos procuramos confirmar e/ou desmistificar algumas perceções de insegurança trazidas ao espaço europeu, recorrendo a uma abordagem centrada na análise de documentação primária (legislação, estatísticas oficiais) e revisão de literatura. Para tanto o presente artigo será dividido em 5 partes. Na primeira proceder-se-á a uma análise prospetiva do crescimento populacional na bacia do Mediterrâneo; na segunda parte tentaremos perceber se existe uma estratégia Pan-islâmica para a Europa, a qual potencia o êxodo migratório; na terceira será abordada a ameaça terrorista inerente, fruto da penetração e mobilização no seio da UE; na quarta equacionaremos se a Europa, pelas suas relações com os EUA e com governos islâmicos considerados impios, bem como pelas políticas consideradas anti-islâmicas estará em risco; por fim, na quinta parte, subordinada à questão da securitização do vetor migratório e o dilema das perceções, serão abordadas as questões atinentes à gestão dos fluxos migratórios irregulares no Mediterrâneo por parte da UE, evidenciando a visão pessimista sobre a ligação entre população e segurança e a tendência para securitizar alguns dos seus vetores, designadamente o das migrações, bem como a forma como a relação entre população e segurança se alterou no nosso mundo global.

2. Do passado aos cenários prospetivos: um Mediterrâneo a duas velocidadesFalamos de velocidades demográficas e de indicadores de desenvolvimento assimétrico. Os indicadores socioeconómicos confirmam a existência de um Mediterrâneo estruturado em duas margens, com vantagem para o grupo da margem norte e alguns países da Ásia Ocidental (Israel e Chipre) (Rodrigues, 2011). Em termos gerais, 16 países (63% da população) está no escalão mais elevado do Índice de Desenvolvimento Humano (as posições menos vantajosas, embora correspondam a níveis de desenvolvimento médio, pertencem à Argélia, Egipto, Síria e Marrocos), ranking confirmado pelo nível médio do Produto Interno Bruto (pese embora a existência de alguns desfasamentos entre as posições ocupadas pela Albânia, o Montenegro e a Bósnia e Herzegovina). Do mesmo modo, o Índice de Gini não reflete situações preocupantes.

A vantagem apresentada pelos países da margem norte com base nesta descrição não se verifica quando nos detemos nos indicadores de crescimento demográfico atual e ainda menos futuro, o que poderá obrigar a novas lógicas de aliança, dos países da região com outras áreas geo-políticas e geoeconómicas e entre as duas margens.

Até meados do século XXI prevê-se um aumento de 28% da população na bacia Mediterrânica, marcado por assimetrias só parcialmente explicadas pelo “mosaico étnico” (Rodrigues, 2011). A norte estima-se com 7 exceções uma ligeira subida do número total de efetivos, mas que não evita a perda de importância relativa da região nas próximas décadas (ESPON, 2009:15). Se na Europa do Sul a imigração, constituída em muitos casos por cidadãos oriundos ou des-cendentes da margem sul, compensa a redução progressiva dos saldos naturais, a situação é menos favorável na Europa dos Balcãs. Até 2050 a Croácia e a Bósnia e Herzegovina poderão perder 13 a 20% dos atuais residentes, como resultado da convergência dos padrões de compor-tamento demográfico dos grupos étnicos que as compõem (o peso da comunidade muçulmana explica as diferenças que encontramos entre as dinâmicas de aumento populacional da Eslová-quia e da Bósnia ou da Croácia e do Montenegro) (FARON, GEORGE, 1999: 592-631). Na margem Sul todos os espaços registam subidas muito positivas, podendo ultrapassar 50% na Síria, na Líbia e no Egipto (Rodrigues, 2009).

A importância relativa do conjunto africano e do asiático no contexto mediterrânico irá aumentar quase 45% até 2050, com vantagem para o primeiro (Tabela 1). A Europa, que hoje re-presenta 41% do total de residentes, perde a liderança e desce para 34 pontos percentuais. Os estados do Norte de África representarão

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41% do total de “mediterrânicos” (UNDP, 2011). A análise comparada dos ritmos de crescimento anual médio registado em cada um dos 21 países entre 1950 e 2050 sugere dois reparos: (a) falamos de entidades políticas com passado e presente distintos, que refletem as diferentes cronologias a que obedece a transição para a modernidade demográfica das entidades políticas consideradas; (b) projeta-se um futuro marcado por movimentos de aproximação dos comportamentos coletivos de fecundidade e mortalidade.

Na realidade, um século atrás, os níveis de fecundidade e mortalidade eram elevados, mesmo na margem norte. A Europa do Sul continuou até muito tarde a ser considerada o “berçário da Europa”, embora a vitalidade do seu crescimento fosse esbatida pelos efeitos negativos da emigração extracontinental e mais tarde para os países do norte. O “atraso” no processo de transformação de comportamentos em relação à maioria dos restantes países europeus é recuperado nas décadas de 70 e 80 e o ciclo de vida curto e instável (esperança media de vida baixa, níveis de mortalidade e fecundidade elevados, muitos jovens) deu lugar no último quartel do século XX a um ciclo de vida longo e estável (esperança media de vida elevada, níveis de mortalidade e fecundidade baixos, muitos idosos).

Até final da centúria, a maioria dos Estados africanos e asiáticos aumentou em média 2 a 3% ao ano, embora a partir do início do século as descidas fossem notórias, exceção feita à Síria. Espera-se uma gradual uniformização das dinâmicas demográficas de todas as populações medi-terrânicas, fruto da vulgarização progressiva de novos estilos de vida. As diferenças de crescimento irão reduzir-se e existirá um número cada vez maior de Estados com crescimento zero ou negativo (5 em 2020-25, 8 em 2045-50). Em meados do século XXI a Síria (0.70%) continuará a liderar, seguida pelo Egipto, Líbia, Israel e Chipre, que continuarão a aumentar anualmente 0,5%.

Países 1950-2000 2005-2010 2020-2025 2045-2050

África do Norte

Marrocos 2,37 1,20 0,90 0,25

Argélia 2,53 1,51 1,08 0,36

Tunísia 1,99 0,98 0,74 0,09

Líbia 3,35 2,00 1,12 0,55

Egipto 2,39 1,81 1,24 0,55

Ásia Ocidental

Israel 3,20 1,70 1,08 0,54

Líbano 1,94 0,83 0,64 0,03

Chipre 0,94 1,02 0,88 0,50

Síria 3,13 3,26 1,54 0,71

Turquia 2,28 1,24 0,82 0,20

Europa

Grécia 0,74 0,22 -0,02 -0,20

Albânia 1,87 0,37 0,34 -0,29

Montenegro 1,01 0,03 0,07 -0,19

Bósnia e Herzegovina 0,66 -0,12 -0,38 -0,92

Croácia 0,31 -0,15 -0,30 -0,46

Eslovénia 0,60 0,24 -0,03 -0,22

Itália 0,42 0,49 -0,13 -0,28

Malta 0,44 0,37 0,17 -0,19

Mónaco 0,64 0,28 0,64 0,33

França 0,69 0,53 0,26 0,00

Espanha 0,73 1,02 0,29 0,05

Tabela 1Dinâmicas longas de crescimento

anual médio (%): 1950-2050 (UNPD, 2009; 2010)

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A desaceleração generalizada das taxas de crescimento anual médio tem duas razões: a) di-minuição dos saldos naturais (os níveis de fecundidade descem mais rápido que os da mortali-dade, apesar do impacto positivo induzido pela expectável melhoria dos indicadores locais de desenvolvimento económico e bem-estar social); b) em alguns casos, sobretudo a sul e oeste, o aumento da pressão emigratória ajuda a reduzir a subida do volume de efetivos. Interessa saber que países e sub-regiões tirarão maiores vantagens da previsível melhoria dos níveis de mortali-dade, ligados a uma gradual subida das condições gerais de saúde, refletida também em novas estratégias familiares e padrões de fecundidade.

Os ritmos de crescimento das populações humanas resultam da junção entre saldos naturais e migratórios. No relativo ao saldo natural e ao modo como este explica parte das assimetrias observadas na região mediterrânica apresentam-se na Tabela 2 os valores estimados até 2050 de três indicadores de fecundidade e mortalidade, que refletem também os níveis de qualidade de vida das populações: o ISF ou número médio de filhos por mulher, a TMI, nível de mortalidade dos menores de 1 ano e a e0, número de anos que em média alguém nascido no ano de referên-cia indicado poderá esperar viver.

No caso da fecundidade a nossa análise permite destacar o contínuo esbater das diferenças e as variações negativas generalizadas. As maiores reduções ocorrem no norte de África. O núme-ro de nascimentos continuará a regredir em todos os países da margem sul, mas poderá registar ligeiras inversões, dependentes do sucesso dos incentivos à natalidade.

Esperança média de vida (e0)Mortalidade infantil (TMI)Fecundidade (ISF)

Países 1975-1980 2005-2010 2045-2050 2005-2010

África do Norte

Marrocos 5,9 2,38 1,85 37,5

Argélia 7,18 2,38 1,85 37,4

Tunísia 5,69 1,86 1,85 22,5

Líbia 7,38 2,72 1,85 20,9

Egipto 5,66 2,89 1,92 39,5

Ásia Ocidental

Israel 3,41 2,81 1,9 5,1

Líbano 4,31 1,86 1,85 25,2

Chipre 2,29 1,52 1,85 5,8

Síria 7,47 3,29 1,85 18,6

Turquia 4,72 2,13 1,85 31,4

Europa

Grécia 2,32 1,38 1,76 4

Albânia 4,2 1,87 1,85 18,3

Montenegro 2,37 1,64 1,85 11,6

Bósnia e Herzegovina 2,24 1,21 1,59 14

Croácia 2,02 1,42 1,84 6,9

Eslovénia 2,2 1,36 1,82 4,1

Itália 1,94 1,38 1,74 4,2

Malta 2,02 1,26 1,64 6,9

França 1,86 1,89 1,85 4,2

Espanha 2,57 1,43 1,85 4,1

África do Norte

Ásia Ocidental

Europa

2045-2050 2045-20502005-2010

10,3

11,1

8,3

8,7

10,7

3,4

8,8

3,4

7,6

9,7

2,7

8

4,9

6,3

3,8

3,1

3,1

4,1

3

3

71,2

72,3

73,9

74

70

80,7

72

79,7

74,1

71,8

79,2

76,5

74

75,1

76,2

78,4

81,2

79,7

81,2

80,9

78,6

79

79,8

80,1

77,7

85,4

78,7

83,8

80

78,5

84,2

81,6

79,8

80,2

81,6

83,3

85,4

84,2

86

85,5

Tabela 2 Principais Indicadores de Fecundidade e Mortalidade: 1975-2050 (UNPD, 2009; 2010)

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As mudanças na mortalidade são também significativas, causadas por melhorias no acesso a cuidados de saúde dos menos favorecidos, pelo que as grandes assimetrias atuais contrastam com as previsões de futuro, que apontam para uma redução da mortalidade infantil em todas as sub-regiões e a progressiva vantagem da vida sobre a morte, expressa nos ganhos expressivos da esperança média de vida à nascença, sobretudo nos países onde é atualmente mais modesta. Até 2050 preveem-se ganhos de 6-7 anos (UNDP, 2009).

As relativas certezas quanto aos volumes e indicadores de movimento natural contrastam com as incertezas quanto ao presente e futuro das migrações (Tabela 3), dada a reconhecida “volatilidade” da variável, embora o Mediterrâneo seja uma área geoestratégica única, espaço de trocas e choques culturais, de cooperação económica e exploração (Joseph, 2006:1). Este facto explica a diversidade e também a complexidade dos movimentos migratórios: mobilidade no sentido Sul Norte (Magrebe Europa), Sul Sul (da Líbia para a Tunísia e Egipto e dos países do Magrebe e Egipto para o Golfo Pérsico) e Este-Oeste (dos Balcãs e Turquia para a Europa Oci-dental); movimentos intra e intercontinentais, migrações legais e irregulares. A importância que assumem as migrações na região mediterrânica e no jogo dos equilíbrios entre Estados remete-a para primeiro plano da cena política (Rodrigues, Ferreira, 2011)

Neste ponto se retoma a questão da dicotomia entre as margens norte e sul. Na primeira as migrações constituem a chave do crescimento demográfico, tendo aumentado a partir dos anos 90 a pressão migratória na faixa litoral. Nos próximos anos os países do sul europeu irão registar dois tipos de migração: a) a intra-europeia, composta sobretudo por idosos e explicada pelas boas condições climáticas; b) a extra europeia, de população adulta em idade activa. Na margem sul do Mediterrâneo, mau grado a desaceleração dos ritmos médios de crescimento, o volume de habitantes aumentará de modo assimétrico, privilegiando os centros urbanos, recetores de migrações internas rurais e de cidadãos provenientes de países mais a sul. Este facto terá possíveis impactos negativos na qualidade de vida desses núcleos e sabemos que a discrepância entre expectativas e realidades em contextos de forte concentração populacional pode potenciar focos de insegurança e instabilidade. No entanto, esse aspecto pode ser mitigado ou resolvido caso se encontrem respostas adequadas em termos socioeconómicos. Mas nem todo o norte é atrativo e nem todos os que saem do sul se dirigem à margem norte. A proximidade geográfica, a afinidade linguística e cultural e o grau de permeabilidade são fatores com um peso determinante no futuro regional (Faron, George, 1999: 352-353).

Trata-se de um sistema complexo e ainda que o saldo migratório continue a permitir definir países de emigração, imigração ou transito, têm aumentado os casos de países que asseguram em simultâneo vários papéis. Em 2015 (IOM, 2016) cerca de dois terços dos migrantes originários dos países do Mediterrâneo Sul e Oriental residiam na UE. Mas hoje a complexidade viu-se profundamente acrescida e palco de novos riscos e ameaças, mas também desafios e oportuni-dades (Figura 1).

2010-2015Países 2015-2020 2020-2025 2025-2030 2030-2035 2040-2045 2045-20502035-2040

-1008,1

1250,2

5474,4

Norte de África

Ásia Ocidental

Europa

-686,7

982,4

5346,0

-806,9

819,1

5092,6

-722,8

432,1

4770,7

-706,7

431,3

4348,1

-705,8

437,6

4019,1

-705,6

445,7

3743,5

-706,0

455,3

3512,4

Tabela 3 Fluxos migratórios internos e internacionais, em milhares (UNPD, 2011)

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3. Existe uma estratégia Pan-islâmica para a Europa? Do Dar al Kufr ao Dar al islamA bacia do Mediterrâneo é palco de um êxodo sem precedentes, cujas consequências ainda estão longe de poder ser avaliadas. O movimento que pretendia ser libertador face a regimes despóticos, iniciado no Egipto e que alastrou rapidamente a uma série de países árabes, mereceu a designação de Primavera Árabe e o apoio incondicional do Ocidente (inclusive do então Presidente dos EUA, num gesto extemporâneo que contribuiu para o precipitar da situação).

Sucede que o fim da opressão nesses Estados, cujas fronteiras haviam sido desenhadas pelo ocidente, permitiu o reacender de velhos ódios tribais e religiosos, lançando o caos e permitindo que fações radicais islâmicas adquirissem um poder nunca anteriormente sonhado.

O clima de terror, o discurso político “fácil”, irreflectido até, dos responsáveis políticos europeus e a estratégia de manutenção do poder pelo Presidente Sírio, conduziram a um movimento migratório sem precedentes rumo ao velho continente.

A Europa, é considerada como o el dorado pela população migrante, que aqui acredita vir encontrar resposta para todas as suas reivindicações. Ao mesmo tempo, é considerada como dar al kufr (terra de impios) pelos salafistas, os quais não escondem a sua intenção de repor as antigas fronteiras do califado.

O século XXI é o século das migrações (Castels, 2009). Sendo as causas das dinâmicas migratórias conhecidas e de largo espetro, não deveremos minimizar a sua potencial utilização com objetivos estratégicos. Veja-se que Mao Tsé Tung já preconizava que a China iria dominar o Mundo pela demografia e o facto é que a comunidade chinesa na Europa tem atualmente uma grande expressividade, ao mesmo tempo que os grandes grupos económicos chineses possuem um lugar destacado na economia europeia,

Fig. 1 Fluxos migratórios no Mediterrâneo e chock-points (MEDSEC, 2011)

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por via de aquisições e participações em atividades estratégicas. Do mesmo modo não deveremos ignorar factos, nomeadamente as projeções demográficas que apontam para um aumento muito significativo da população de religião muçulmana (500 milhões em 1985, 1000 milhões hoje, podendo duplicar até 2035). Qual o significado destes volumes, num contexto de controlo sobre as mulheres e crianças muçulmanas no Ocidente, o qual é geo-estrategicamente exercido por via da concentração em comunidades fechadas, sob o controlo dos imãs, impedindo ou minimizando perniciosas influências laicas, no âmbito de um projeto de unificação pan-islâmico cuidadosamente traçado.

Este modelo, identificado que está, tem de ser absolutamente evitado aquando da inserção dos refugiados no continente europeu, sob pena de se estarem a criar incubadoras, doutrinadas pelos fundamentalistas xiitas, para quem a Europa é atualmente dar hal harb (terra de guerra), cujas consequências para a paz europeia e sobretudo para o atual modelo de vida ocidental, são incalculáveis.

4. A Ameaça TerroristaO terrorismo religioso, de cunho transnacional, modelo implementado pela Al-Qaeda, mas cujo expoente máximo é presentemente o EIIL, tem-se revelado uma forma de luta extremamente eficaz, obtendo resultados notáveis com investimentos mínimos, ao mesmo tempo que obriga os Estados “impios” a gastar somas elevadíssimas para a proteção de pessoas e bens. A Globalização, esses fenómeno multifacetado, contribuiu grandemente para a escalada da violência, quer por ampliar o fosso entre ricos e pobres, quer sobretudo pela massificação das tecnologias de informação e comunicação, amplificando-o, expondo a dimensão das desigualdades e constituindo-se como ferramenta impar na mundialização das ameaças. Hoje podemos falar em “Terrorismo Global”, afetando todo o mundo ocidental, mas também o mundo islâmico.

Os grupos terroristas impõem o seu poder na cena internacional, onde até agora apenas os Estados o detinham, sendo que o EIIL se constitui como um “up grade” pela mobilização de combatentes estrangeiros, pela dimensão territorial ou pela violência gratuita exercida de forma salomónica sobre inimigos e aliados, sempre em nome do Islão. Esse hiperterrorismo cujos líderes confundem os seus objetivos de poder e riqueza com valores religiosos e étnicos, tem ainda um propósito que está a ser erradamente desconsiderado – a implementação do Califado, reconquistando os seus antigos territórios na Europa.

Está formada uma rede planetária que pode ser classificada pelas suas finalidades ou pelos seus alvos. Nas palavras de Richard. A. Clarke (2004:303), “A Al Qaeda é uma conspiração política mundial disfarçada de fação religiosa”. Entretanto a recente e vertiginosa ascensão do auto denominando Estado Islâmico do Iraque e do Líbano – jihadistas radicados na Síria e Iraque e que integram nas suas fileiras milhares de jovens europeus desencantados com a forma como a corrupção e o interesse particular minou o modelo democrático –, recorrendo aos mais sofisticados meios tecnológicos para difusão da sua anacrónica ideologia, nomeadamente pelas suas páginas na Internet, que utilizam para divulgação de propaganda, recrutamento e aconselhamento técnico para atentados, criando uma cultura global de guerra santa. Conforme Nuno Rogeiro (2009: 118) “(…) cresceram os endereços electrónicos de grupos com esta orientação, muitos deles estabelecidos em países europeus. Alguns possuem “chatroom’s” onde se discu-tem, de forma cifrada, uma série de operações violentas, outros desempenham as funções co-nhecidas desses meios: angariação de fundos, recrutamento, incitamento e propaganda, opera-ções psicológicas, exposição ou denúncia de “infiltrados”, “condenações à morte”, alertas sobre operações de forças de segurança, ações de comando, controlo e comunicações, oferta de serviços e proteção, apoio logístico, instruções técnicas nos campos de guerrilha, insurreição, terrorismo urbano, fabrico de armas e artefactos, etc.

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Entretanto a bacia do Mediterrâneo vive mais um momento especialmente conturbado. Na sequencia do movimento popular que ficará para a História como a Primavera Árabe, sisões entre tribos e etnias criaram as condições para a implementação do radicalismo islâmico, de cunho salafista, com o EIIL a dominar uma expressiva área de território, com os seus exércitos de voluntários das mais diversas nacionalidades, convertidos ao islão duro (que não puro), se-dentos de sangue. A falta de resposta atempada a esta vaga de violência e o discurso político irresponsável do lado ocidental, que prometeu antes de saber como e se poderia cumprir, condu-ziu a um movimento migratório sem precedentes, rumo ao velho continente, deixando atrás de si um mar de cadáveres e o exponenciar de multimilionários no seio do crime organizado, por via do auxílio à imigração ilegal.

5. A Europa em risco?A Europa, pelas suas relações com os EUA e com governos islâmicos considerados impios, bem como pelas políticas consideradas anti-islâmicas (como a proibição do nicabe ou da burca em França), é, como já referimos, classificada como dar al kufr (terra de guerra) pelos salafistas, os quais não escondem a sua ambição de repor as antigas fronteiras do califado.

Assim, a coberto da manifesta incapacidade e algum descontrolo evidenciado pelas autorida-des europeias em face da avalanche de refugiados, o EIIL vem introduzindo operacionais em território europeu, encobertos entre os migrantes, com base numa estratégia de empenho de forças bastante elaborada, a qual reúne os requisitos para ser vencedora qualquer que seja o resultado das acções levadas a cabo pelas autoridades europeias na sua deteção.

Inicialmente o EIIL divulgou a mensagem de que quem fugisse para o continente europeu seria inimigo do islão e como tal perseguido e morto. Esta mensagem naturalmente não colheu entre os desesperados que conviviam diariamente com a morte e devastação, mas surtiu efeito do outro lado do mar, apelando ao sentido moral da velha europa, que se viu na obrigação de desenvolver auxilio humanitário, nomeadamente pelo envio de navios até quase às praias da outra margem, assim contribuindo ao mesmo tempo para o sucesso da actividade do crime organizado, por incrementarem a taxe de êxito da travessia, logo fazendo aumentar o fluxo de candidatos e consequentemente os preços das viagens.

Com a garantia de que a viagem era agora bem mais segura, o EIIL começa gradualmente a enviar operacionais para o velho continente, misturados com os refugiados, e é aqui que marcadamente o EIIL ganha qualquer que seja o resultado. Estes infiltrados, se não forem identificados e detidos, vão disseminar-se pela Europa, fortalecendo paulatinamente a sua presença ope-racional nos domínios do recrutamento e/ou da acção armada, seja pela criação de grupos armados ou atuando como “lobos solitários”. Porém, aqueles membros do EIIL que sejam identificados e consequentemente detidos, representam uma outra forma de triunfo para a causa fundamentalista, na medida em que a consequente divulgação pelos media irá reforçar o sentimento de desconfiança do europeu face às populações migrantes ao mesmo tempo que força os Estados a um fortalecimento das medidas de segurança, nomeadamente pela reedificação de controlos de acesso e, em alguns casos até o encerrar das fronteiras internas da UE, num retrocesso histórico.

Mau grado as questões de ordem humanitária e de salvaguarda dos direitos humanos, preconizadas na génese da EU, a resposta ao novo desafio migratório não deve ser minimizada, nomeadamente por razões estratégicas. Por que motivo os Estados Árabes ricos não tem contribuído em nada para a solução destas populações islâmicas profundamente carenciadas e perseguidas? Será apenas pelo egoísmo e desdém que os seus responsáveis políticos e religiosos vem demonstrando ao longo da História recente pelos seus irmãos

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de fé que vivem na margem da pobreza? Ou, será que existe uma elaborada estratégia como sucede com o caso do povo palestiniano, cuja situação tem sido politicamente aproveitada no quadro de negociações com o Ocidente mas pelo qual nunca desenvolveram nenhuma acção séria de auxilio humanitário desde que em 1979 o Egipto assinou um acordo de paz com Israel, abandonando-os à sua sorte. Corre a Europa o risco de pan-islamização?

6. Para lá dos factos. A securitização do vetor migratório e o dilema das perceções

6.1. Demografia e segurança: que ligações?A relação entre população e segurança, alterou-se no nosso mundo global. E as questões relativas à fecundidade, mortalidade e migrações são centrais para todas as facetas da segurança. Porém, o facto das alterações demográficas se inscreverem em tempos longos faz com que a sua importância e interesse para os actores responsáveis pela manutenção, prevenção e mitigação de riscos de segurança nem sempre seja evidenciada.

Porquê a articulação da imigração com a segurança, nomeadamente no caso do Mediterrâneo? A imigração é frequentemente concebida enquanto ameaça à soberania dos Estados e à liberdade da sociedade, o que leva à securitização destas matérias. Consideram alguns (Stivachtis, 2008) que os imigrantes podem afetar a segurança do Estado quando:

1. Iniciam atividades militares contra o seu país de origem, a partir deste; convencem o Estado de acolhimento a intervir no seu país de origem; servem de pretexto ao Estado de acolhimento para intervir;

2. Influenciam a capacidade financeira do Estado de acolhimento, pela sobrecarga gerada por níveis de dependência económica superior; despesas no sector público básico, concorrência no mercado de trabalho, tensões sociais derivadas da relutância dos contribuintes em parti-lhar direitos com uma população que não ou só recentemente contribui para o sistema;

4. Alteram a relação homem-ambiente no Estado de acolhimento e geram hostilidades diversas porque influenciam negativamente a qualidade de vida das populações, consumindo recursos naturais ou bens e PIB;

5. Ameaçam a liberdade e identidade cultural da sociedade de acolhimento;

6. Reduzem o nº de adultos qualificados nos seus países de origem;

7. Podem atentar contra os direitos humanos, sendo grupos de risco no desenvolvimento de ações de terrorismo, tráfico de drogas e seres humanos, criminalidade geral.

6.2. A UE e a gestão dos fluxos migratórios irregulares no MediterrâneoPredomina uma visão pessimista sobre a ligação entre população e segurança e alguma ten-dência para securitizar alguns dos seus vetores, designadamente o das migrações (Bigo, 2002; Koser, 2005). Os requisitos para a imigração legal e a utilização político-ideológica do fenómeno explicam como em situação de irregularidade o imigrante possa ser considerado uma ameaça E no entanto essa irregularidade põe sobretudo em risco a sua segurança individual (Piotrowicz, Redpath-Cross, 2012).

Na fronteira mediterrânica, hoje a mais letal do mundo, milhares de pessoas arriscam diari-amente as suas

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vidas e 80% das travessias são coadjuvadas por redes de contrabandistas e criminosos, que asseguram transporte, documentação falsa e outros expedientes, o que explica que sejam olhadas como uma ameaça à segurança interna da EU (Ferreira, 2014). Não se prevendo uma rápida alteração do panorama atual a pressão continuará a existir e exige respostas concertadas, num contexto de falta de coesão política e alguma deriva. Mas a crise do Mediterrâneo é sobretudo um drama humanitário, que questiona os valores básicos da UE no relativo ao respeito e salvaguarda pelos direitos humanos, princípios de proteção internacional e liberdade de circulação do espaço Schengen.

A resposta para lidar com a atual crise migratória tem-se centrado na dimensão da gestão de fronteiras. Atravessar o Mediterrâneo é uma viagem perigosa, por vezes fatal. A adoção de um pacote de medidas urgentes pela UE traduziu-se na alteração das rotas, mas não reduziu os volumes (Fargues, 2015; FRONTEX, 2016). A Agenda Europeia de Migração aprovada em 2015 combina políticas internas e externas e procura desenvolver a responsabilidade partilhada entre os Estados-membros, os países de origem e de trânsito. Foi implementada uma missão naval (EUNAVFOR MED) no âmbito da Política Comum de Segurança e Defesa destinada a conter os fluxos e evitar as mortes no mar; reforçaram-se os orçamentos das missões FRONTEX (Triton e Posídeon); foram criados centros de informação e refúgio para os solicitantes de asilo em países de origem e trânsito (Níger). A medida mais controversa consistiu na adoção do sistema de quotas, que apela à responsabilidade partilhada dos Estados-membros relativamente aos migrantes que solicitam proteção internacional.

As divergências internas têm sido um entrave para a adoção de muitas destas medidas, minando o seu sucesso. Em termos de ação a médio prazo procura-se desenvolver uma estratégia global para gerir as migrações, baseadas na cooperação com os países terceiros, na gestão fronteiriça e na prevenção do abuso dos canais de migração legais. Mas de que forma se poderá salvaguardar os direitos humanos dos migrantes e o seu direito a solicitar proteção internacional num contexto de reforço dos controlos fronteiriços e de externalização da fronteira europeia? Simultaneamente, muitas das medidas de controlo fronteiriço adotadas e acordos de gestão de fronteiras com países terceiros suscitam questões legais que requerem alguma reflexão, nomeadamente no que respeita à salvaguarda dos direitos humanos dos migrantes.

Não existe uma solução definitiva para acabar com os fluxos irregulares (Figura 2), mas de-verão encontrar-se soluções que permitam minimizar o impacto da sua gestão, o que passa por encontrar um equilíbrio do binómio direitos humanos/segurança. As medidas adotadas para gerir os fluxos irregulares confirmam a crescente securitização da fronteira sul da UE. Será este o caminho? Entre 2015 e 2016 o número de entradas por mar reduziu-se 62%, mas o número de mortes aumentou 76% (IOM Press, 2016).

Fig. 2 Principais rotas das migrações irregulares (Bowden, G. (2015)

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7. Considerações finais A demografia constitui-se atualmente como um dos grandes problemas da Europa, marcada por um acentuado envelhecimento da população ativa e pela diminuição da taxa de natalidade. Tal facto compromete o desenvolvimento da economia e o modelo de segurança social, concorrendo para o entusiasmo com que os líderes europeus, nomeadamente a Chanceler alemã, se precipitaram a garantir que acolheriam os refugiados.

Para além das fronteiras físicas, existem barreiras psicológicas, a desconfiança do europeu face ao refugiado, o receio dos autóctones, apanhados em plena crise económica, com elevadas taxas de desemprego e carências sociais, face a este fluxo de estranhos a quem tudo é prometi-do.

Importa pois acautelar a prevenção e repressão da instabilidade em geral e do terrorismo em particular. A segurança é uma prioridade, um dever, do Estado de Direito, no caso concreto da migração em curso, sob a permanente observação dos media e a pressão dos governos, mais preocupados com a manutenção do poder do que com a segurança do Estado e das populações, as forças e serviços de segurança tem desenvolvido um esforço hercúleo de despistagem de portadores de identidades falsas, com especial relevo para potenciais elementos subversivos.

Entretanto, os movimentos de extrema-direita europeus vão explorando o momento, capitalizando a mensagem da ameaça latente, promovendo a desconfiança relativamente à comunidade migrante, o que poderá conduzir a conflitos a médio prazo se não forem tomadas medidas ade-quadas de prevenção.

A luta contra as novas formas de criminalidade, designadamente a criminalidade de massa, a criminalidade grave e violenta, a criminalidade organizada e transnacional, a criminalidade eco-nómico-financeira, a sabotagem, a espionagem e o terrorismo de cunho “cataclista”, constitui-se como um combate desigual. A prevenção e reação, por parte das Forças e Serviços de Segu-rança, encontram-se forçosamente limitadas pelo estrito cumprimento das regras do Estado So-cial de Direito, o que condiciona a sua eficácia. Não pode, porém, ser de outra forma. Somente o estrito cumprimento do atual status-quo, que constitui a base de sustentação do paradigma de Nação livre e democrática, garante a diferença face à barbárie. A quebra de tais paradigmas, recorrendo a métodos análogos aos utilizados pela criminalidade que se pretende combater, consubstanciaria apenas uma forma diversa de triunfo do Terrorismo.

Mas a Segurança Pública, sendo um dever do Estado, impõe-se também como parte integrante da qualidade de vida do cidadão, devendo ser assegurada a todo o momento e a cada dia, exigindo para tal, da parte da sociedade, a adoção de uma postura preventiva. É um direito mas também uma responsabilidade de todos.

O presente contexto da insegurança que marca as metrópoles, conduz só por si, a que viver em sociedade envolva risco. Para além das formas de ameaça estruturadas, ligadas a grupos mais ou menos organizados, a própria convivência social origina conflitos que podem degenerar em violência. Assim, a Segurança Pública, tem de ser responsabilidade de todos os cidadãos, envolvendo-os, o que nos conduz ao conceito de Prevenção Primária.

O atual quadro de Riscos e Ameaças lança novos desafios ao Estado, mas também ao cida-dão, exigindo das autoridades procedimentos céleres e íntegros e da sociedade civil a adoção de uma atitude de alguma resiliência. Se é verdade que tem de existir regras na prevenção e combate às novas formas de criminalidade, não é menos verdade que é necessário redefinir o equilíbrio entre Direitos Individuais e Deveres de Cidadania. O cidadão é parte de um todo e tem para com a sociedade e o Estado responsabilidades, não apenas direitos.

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