Como é que é ‘ver através’ uma fotografia?
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DossiêCrise,FeminismoeComunicação–https://revistaecopos.eco.ufrj.br/
ISSN2175-8689–v.23,n.3,2020DOI:10.29146/eco-pos.v23i3.27615
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Comoéqueé‘veratravés’umafotografia?
Howis'seeingthrough'aphotograph?
Qu'est-cequeçafaitde«voiràtravers»unephoto?
FernãoPessoaRamosProfessorTitulardoDepartamentodeCinemadoInstitutodeArtesdaUNICAMP(UniversidadeEstadualdeCampinas)epesquisadorCNPQ
Submetidoem30deAgostode2020Aceitoem29deOutubrode2020
RESUMOA exposição do argumento de que as fotografias são transparentes, por KendallWalton,estálongedesersimplóriaeenvolvecargaconceitualsofisticada,dentrodo campo analítico-cognitivo. Mas podemos ir além disto. O fato da imagem-câmerafotográficadesertransparente,conformeexpostoporKendall,nãoimplicaconsequência sobre matéria do mundo ser manipulada, alterada ou fatiada. Atransparência apenas indica que é ‘vendo através’ que percebemos o que nos éindicado.Édestepatamarqueemergeocampodasubjetividadequeabrigaoquechegadelá,pelatransparência.Écoisaprópriadomundo,ser-aíquehabitamosemnossa intuição ou percepção, ao interagirmos com outras coisas e seres. Aconformação imagética da imagem-câmera interage sobre a radicalindeterminaçãodapresençanatomada,conformeelatranscorregrudadanofluxodaduração.Aencenaçãonatomada,suamise-em-scène,éummodode‘morar’naindeterminação radical do acontecer que nos habita como existência. Ela,encenação,potencializaassimaexterioridadenum‘de-fora’,numaderiraomundoque, neste modo, a conformação maquínica fotográfica/audiovisual inaugura.Encontra-senestaimagem,umaespéciederecuodemimnoestar-aídoser.PALAVRAS-CHAVE: Teoria da Fotografia; Imagem-Câmera; Tomada;Transparência;Cognitivismo.
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ABSTRACTKendall Walton's presentation of the argument for the transparency ofphotographyisfarfromsimplisticandinvolvessophisticatedconceptualstandardsattheanalytical-cognitivistthought.Butwecangobeyondit.Thischaracteristicofcamera images to be transparent does not imply that the world cannot bemanipulated, altered, or sliced. Transparency only indicates that it is ‘seeingthrough’thatweperceivewhat is indicatedtous.And,whatappears, isa 'being-there' where we inhabit, interacting with things and beings. Camera-image'sconformationinteractswiththeradicalindeterminacyattheopennessofpresencein the take. Through staging, or mise-en-scène, we manage to ‘see through’exteriority in the automaticmachinic camera conformation, as it joins us in thewaywerecognizeasours.Wecanconsideritasakindofretreat,from'me',inthebeing-thereoftheworld.KEYWORDS: Photography Theory; Camera-Images; Take; Transparency;Cognitivism.RÉSUMÉLa présentation par Kendall Walton de l'argument de la transparence desphotographies est loin d'être simpliste et implique un chargement conceptuelsophistiquédans lapenséeanalytiqueetcognitive.Maisonpeutallerau-delà.Lacaractéristique de l'image-caméra d'être transparente n'implique pas, bienentendu, que la matière du monde ne puisse pas être manipulée, modifiée outranchée. La transparence indique seulement que c'est en ‘voyant à travers’ quenouspercevonscequinousestindiqué.C'estàceniveauqu'émergelechampdelasubjectivitéqui recouvreouabrite cequivientànous, commequelquechosedepropreaumonde,dansun'être-làquenoushabitecommeintuition,oudansnotreperception. La conformation imagetique de l'‘image-caméra’, dans sa façond’interagirsurl'indéterminationradicaleduprésent,sedéroulecolléeaufluxdeladurée.Parlamiseenscène,elleparvientàexposerl'extérioritédelaconformationmachiniqueentantquepeaudumonde.Onsetrouve,alors,commedansunesortederetraitedumoidansl'être-là.MOTS-CLÉS:ThéoriedelaPhotographie,PrisedeVue,Image-Caméra,Cognitivisme,Transparence.
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Ébemconhecidoque,pordécadas,nósvivemosemumaoposiçãoartificialentre a filosofia anglo-americana, que supostamente seria racionalista,baseada na análise formal da língua e da lógicamatemática, e a filosofiacontinental, supostamente à beira do irracionalismo, baseada numasensibilidadeliteráriaepoéticadaexpressão.(AlainBadiou,prefácioa“OSereoEvento”)Sere,porconseguinte, tambémosmodosdeser–ser-possível, ser-atual,ser-necessário–nãoexprimemoqueéoobjeto,masocomodarelaçãodoobjetocomosujeito.(MartinHeidegger,“ATesedeKantsobreoSer”)
I
Algumas das formulações, mais caras à teoria recente, afirmam que a
imagemdeorigemfotográfica,aimagem-câmera,nãoétransparenteaomostraro
mundo.Poressecaminho,emsendasdiversas,colocam-seautorescomoPhilippe
Dubois(1993),ArlindoMachado(1984),VilémFlusser(2013)deumlado–com
ênfasemaisdesconfiadanatecnologiadacâmeraquandoencontraomundo–ou
Susan Sontag (2004), Roland Barthes (1984), com uma abertura maior para a
metafísica, ou a “aura”, do encontro com o outro. No primeiro grupo, a posição
dominantevemdopensamentoqueanalisaomaquinismocomoumaespéciede
“caixa preta” (conceito caro a Flusser) sub-reptícia, “aparelho operador” que
codifica disfarçado enquanto opera. Trata-se de uma teoria desconfiada com a
tecnologiaeas“imagenstécnicas”,resultandoposteriormentenumaposiçãomais
oumenosnegativafaceàsociedadedemassas,amodernidadeeaconformaçãode
seus produtos pela indústria cultural. Em seu coração reside uma visão que
remonta ao início da primeira metade do século XX e demonstra choque ao
encontrarumanovadimensãotecnológicapresentenocotidianodeumasociedade
recém-urbanizada. Choque que se estende, em outros horizontes, do
existencialismo de Martin Heidegger à teoria crítica de Frankfurt em seus
primórdios, passando por Walter Benjamin. O segundo grupo parte, como o
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primeiro, da análise estrutural que tem raízes metodológicas nos avanços da
linguísticanoséculoXX,mas,apartirdadécadade1970,fazacurvaemdireçãoa
regiões menos áridas. Encontra a psicanálise e enverga num tête-à-tête com
questões que envolvem a representação e seu sujeito, agora flexionados pelo
tempoepeladuração.
Pensar a opacidade da imagem fotográfica carrega consigo o conceito de
ideologiaparaadesconstrução,masofaz(quandoemseuformatomaissimplório)
de maneira que o projeto desconstrutivo entale na superfície exterior da
linguagem,oudarepresentação,semcumprirsuamissãomaior:adaradicalidade
dafundaçãodeumanovasubjetividade(oudoquerestoudela)nadifférance,no
sentido que Derrida (1994) a estabelece. A visão mais rala da opacidade a
denunciacomoumimpériomaligno,aqueledasubjetividadecooptadaporforças
que lhesãoestranhas.Narealidade,énesteocultamentoquedeveriamergulhar,
sembuscarsairimpunedooutrolado.Inerenteàsubjetividadereificada,estariaa
dimensão chamada de ‘ideológica’ da enunciação. ‘Ideológico’ muitas vezes é
tomadocomoconceitualdeorigemmarxista,referindo-seaumsistemadeideias
quesevinculaàreificaçãodaconsciênciadovalor,nummododeproduçãoemque
otrabalhoéincorporadocomomercadoria,masfiguradocomofetiche.Trata-sede
mostrar intervalo no entendimento do social e do humano que se articula em
sistemade ideiasvinculadas, emsua representação,pelomecanismo tecnológico
quedáopacidadeàsrelaçõessociaissustentandoomododeproduçãopromovido
pelo regime capitalista na troca de mercadorias. A opacidade traiçoeira, como
dimensãoideológicaquefuncionagraçasaodispositivotecnológico(sejaaqueleda
representaçãomaquínica,sejaoenvolvidonareproduçãofabrildamercadoria),é
necessária para a realização do valor do trabalho e a própria reprodução do
capital,nocentrodosistemaeconômico.
Aideiadaimpossibilidadedarepresentaçãoquetranspareceomundopela
imagem-câmera e o seu maquinismo, está, portanto, vinculada à visão de uma
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sociedade com forças sociais reificadas pelo fetichismo da mercadoria. Neste
sentido,paracabernavisãodominantenacontemporaneidade,ateoriadaimagem
afirmaqueaimagem-câmerafotográfica,ouemmovimento,apesardesuaforma
perspectivaespecular,nãorefletearealidade,mastrazaimagemdestarealidade
já construída, desde seu maquinismo conformador como dispositivo que,
historicamente,é“burguês”,contemporâneoàascensãodaburguesiacomoclasse
(Comolli, 1971-1972). É oquequernosdemonstrar certa teoriado cinemaeda
imagem dos anos 1960, na qual repousam autores mais contemporâneos como
DuboisouMachado,aomenosemsuasformulaçõesprimeiras.
O mecanismo representacional da câmera e seus dispositivos seriam
opacos, e também burgueses, pois a forma especular perspectiva é gerada,
historicamente,dentrodocontextodeascensãodomododeproduçãocapitalista
queserveàsuaclassesocialdominante,aburguesia.Corresponderiaademandas
ideológicas de um momento histórico específico que requer a naturalização
(enquanto ocultamento) das relações sociais. Na teoria do cinema, o conceito
centralparatrabalharmosestedeslocamentoéode“sutura”(Oudart,1969)que,
de origem psicanalítica, surge simultaneamente junto ao de “dispositivo”,
compondooquadrodominantenaanáliseda imagem-câmerano finaldadécada
de 1960. Dispositivo é um conceito chave para trabalharmos com a imagem
técnica. Possui uma densidade que foge aos horizontes deste artigo, tanto nas
primeiras formulações de Michel Foucault, como em Gilles Deleuze em seus
últimos escritos, assim como em Giorgio Agamben em sua síntese posterior
(Agamben,2005).
No caso da fotografia, a referência mais comum que encontramos nos
manuais é relativa ao paralelismo de sua afirmação histórica com a arte
renascentista.Seuestilo,baseadonaconstruçãoperspectiva,ocultariaopontode
vista de afirmação da subjetividade, a partir do qual emana o sujeito da
representação. A imagem perspectiva especular da câmera reproduziria, na
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naturalização da construção pelo dispositivomaquínico, o contexto em qual, na
ação apropriadora da classe burguesa, o sujeito oculto detentor do capital é
reificadoparavalorarotrabalhocomofetiche.AanálisepioneiradeFoucaultem
“As Palavras e as Coisas” (Foucault, 2000), abordando o trabalho pictórico de
Velasquezem“AsMeninas”,exerceaquigrandeinfluência.Elaservedeinspiração
paraavisãododispositivoocultocomomotordareificaçãoembora,nosmanuais,
nem sempre venha acompanhada das mediações que envolvem o pensamento
original foucaultiano e que certamente vão além da elegia mais simplista da
desconstruçãoreflexivaedadenúnciadofetichedaperspectiva.
HáumterceirogrupoquetrabalhaestetemaeépoucoconhecidonoBrasil:
osdospensadoresanglo-saxões,basicamenteamericanoseingleses,queutilizam
conceitual da filosofia analítica e do cognistivismo para pensar a fotografia e a
imagem-câmera. Em “Transparent Pictures: on the nature of photographic
realism”,KendallWaltondiscute demodo explicitamente polêmico a questãoda
transparência das imagens-câmera, afirmando que a imagem fotográfica é
transparente (Walton, 1984). Segundo o autor, podemos, literalmente, “ver
através” destas imagens e olhar o mundo em sua dimensão como objetividade
exterior,coisapuramenteobjetiva,comoovemosatravésdebinóculos,lunetasou
microscópios. Para ele, vemos omundo que nos é exterior comnossos próprios
olhos, como entidade fenomênica, assim como o vemos através de fotos, ou de
prótesesocularesdiversas.Ele,mundo,chegaanóscomoprodutodeumamente
queorealizaemnossanaturezainterior,perceptivaouimaginativa,pelamediação
sensorial–mas,comocoisaouserdeobjetividadeexterior.Omundoquechegaa
nósatravésdeumafoto(analógicaoudigital,tantofaz)possuiamesmadimensão
empírica que ele tem quando bate, flexiona, comuta em nossos sentidos através
próteses oculares. E assim possui a dimensão de singularidade desta comutação
queestáausenteemnossaimaginaçãonasrepresentaçõespictóricas.
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A exposição do argumento da transparência das fotografias por Kendall
Waltonestálongedesersimplóriaeenvolvecargaconceitualsofisticada.Transita
com agilidade por áreas próximas ao campo analítico e à psicologia cognitivista,
mas comabertura para a tradição filosófica que os insulares ingleses gostamde
chamar de “continental”. Seu ponto de vista é que imagens fotográficas (e ele
ampliaemdiversosmomentosaanáliseparaaimagemquesemovemediadapor
câmera,sejanofilme,sejanatelevisãoaovivo)sustentameprovocamumaforma
devisãosimilaràformadevisãoqueempregamosaoolharmosomundoatravés
de telescópios, microscópios, periscópios, binóculos, espelhos. Não se trata de
reduzir a fotografia à imagem especular, ou reduzir a câmera à um aparelho
mecânico auxiliar da visão. Walton reconhece o estatuto representacional da
fotografiaeadensidadesubjetivanacriaçãoartísticaqueoaparelhocâmerapode
eventualmente proporcionar. No entanto, pensa esta dimensão representacional
com estatuto ‘objetivo’, como uma nova “forma de visão” que a imagem-câmera
produzpeloespectador.Estanovavisãoébaseadanacapacidadedafotografiaem
permitiraoespectador“veratravés”datessituradaimagem,emdireçãoposicional
direta ao mundo que a conformou, ainda que tenha de fissurá-lo, quebrando a
unidade que emerge fundada no existir. Neste caso, é inevitável respirarmos a
metafísicatemporaldo“punctum”barthesiano,masqueWaltonvaitergiversarna
aridez própria ao pensamento analítico. Trata-se de uma questão que surge
presentenasabordagensanalíticasmaisinstigantesecostumamdeixarasensação
de cobertor curto.Édifícil levarmosatéaúltimaconsequênciaa lógica fria, com
marchareduzida,daconsecuçãonasdeduções–e fazernelasentraraduraçãoe
seufluxo.
Para Kendall Walton, olhamos através das fotos do mesmo modo que
olhamosatravésdelentesmacroscópicasevemosascraterasdalua;ouolhamos
através de lentes microscópicas e vemos os pelos das pernas de um ácaro; ou
olhamos através do espelho angular e vemos o carro que se aproxima além da
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esquina e em função desta objetividade reagimos. É deste mesmo modo que
olhamosparao “mostrar-se”, para a “posição”, que vemdomundoparanósnas
fotos. Oquevemde fora,evematravésdacâmeraesua imagemfotográfica,de
algummodo bate em nós como omundo que transcorre, lá, no espaço distante
ondejamaiscorpohumanoocupou(oplanetaTerravistodeMarte,porexemplo).
Ouainda, chegadopassado,quandovemos “através”donossoavôSamuelantes
quetivéssemosnascido(exemplocaroàRolandBarthes,nafotografiadojardimde
invernodesuamãe),ouatravésdafotovemosagoraNapoleãoIII,queexistecomo
entequeentãoexistiupelapresençadeseucorpofaceacenaqueodaguerreótipo
abriunomundo.Sabemos,apenas,quejávimos(dealgumamaneira,nomodoque
omaquinismodacâmera ficanouniverso),comoéaTerravistadeMarte–mas
nãovimosainda(poisnãoháimagens-câmera)comoaTerra,ouoSol,sãovistos
deforadosistemasolar(daestrelamaispróxima,porexemplo).Nãovimos,pois
aindanãopudemosolhar “através”,paranossomundoeparanós,apartirdesta
presença maquínica que a câmera consegue “presentear” no modo de uma
presença,queesboçafundaremnossaausência–circunstânciadatomadadaqual
compartilhamos,comoumestaraínaexistência.
“Veratravés”deumaimagem-câmeraaTerravistadeMarte,equivaleaver
atravésnossosolhos(ouporpróteseocular)aTerradeMarte?Ontologicamente
não sabemos pois, por assim dizer, ninguém ainda esteve lá para conferir.
Saberemos como será vista a Terra vista de Marte quando um corpo humano
estiver lá, olhar aTerra e falarde sua sensação sobre amatériaTerra atingindo
diretamenteosentidodavisãoemseucorpo.Sabemoshojeapenasoqueonosso
corpo verá como imagem-câmera em Marte (pele do mundo apanhada
maquinicamente como imagem reflexa da circunstância da tomada), a partir da
conformaçãodesuafigurapelaanalogiaentreaformareflexadaimagem-câmerae
asformasreflexasnaturaisquenoscercamnomundo.Sabemosapenas,pelomeio
domaquinismocâmera,desuasemelhança(deondenossoespantoquandosefixa
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esedescolapeladecalagemtemporal)àsrepresentaçõesreflexasquepipocama
extensãodomundoemsuperfíciesplanas.Estassãobemconhecidasnossas,desde
aorigemdahumanidade,eéporelasqueocogitosepara-senaimaginaçãodesi:
“vejo,eimagino,queelesoueunapoçadeáguaemquemevejorefletido...então
existonestapoçaeemmimparapoderver-meassim”.Istoé,aofinal,“veratravés”
umafotografia,comovemosomundoatravésdafiguraqueficanapoçaenquanto
estou láecomosabemosoqueé“ver”aTerradeMarte.Visãodoespaçosideral
que traz um estatuto todo particular, pois a aproxima da experiência domundo
sensívelmaispróximo,quandotocadopornossaimaginação.
II
Para nossa visão, para a consciência desta visão, a imagem-câmera traz o
mundo como objetividade, numa totalidade que abarca nossa particularidade. A
universalidade plena em si-mesma é como um estar-aí (do qual a experiência é
maquínica) que se descola por dentro. Surge numa interação causal com o
maquinismodacâmera,queincorporamosàexperiênciasensívelqueéprópriado
queseconstituiemexterioridadeanós.Nestesentido, contantohajaa “tomada”
propriamentenaorigem,contantohajacontatocomacoisaexterior,aquestãodo
suportenomaquinismocâmeranãosecolocacomoessencial.Odebate,quemuito
temponospreocupou,sobreasdiferenças,supostamenteradicais,entreosuporte
analógico ou digital, encontra-se hoje defasado. Praticamente a totalidade das
imagens fotográficas (ou audiovisuais) das imagens-câmeras é hoje digital e o
modopelaqualadquiremsignificadosealteroupouco.
O diferencial situa-se no campode sua distribuiçãomidiática, pelas redes
sociais, hoje qualitativamente distinta em sua velocidade e abrangência. A
particularidade, do universo digital das imagens, não é a pequena decalagemdo
grau demanipulação existente entre os suportes digitais ou analógicos, ou uma
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suposta relação ontológica do suporte analógico versus a composição mais
marcada, algorítmica e binária, da imagem digital. A visão desta distinção como
algoradicalcorrespondeuaomomentodechegadadanovaimagemdigital.Hoje,
percebemos que existe similitude e identidade no modo pelo qual “vemos” e
experimentamos, com afeto empático, imagens digitais ou analógicas desde que
mediadasporcâmera.Éassimquenosrecordamoscomoexperiênciaprópria,com
empatiaatravésdaimagem-câmeradigital,dapraiaemqueestivemosemnossas
últimas férias de verão; ou experimentamos surpresa, ou indignação com as
imagens analógicas (película) do assassinato de John Kennedy em novembro de
1963; ou as imagens em suporte vídeo do espancamento de Rodney King em
novembrode1991; ou ainda as imagensdigitais do cruel assassinatodeGeorge
Floyd em maio de 2020. O diferencial não está no suporte (fotográfico/
“analógico”, eletrônico/ “videográfico”, ou digital/ “algoritmo”), mas no fato de
sabermosqueaimagemquevemoséumaimagem-câmerae,comotal,éderivada
dofuncionamentodomaquinismocâmerasustentadoporum“sujeito-da-câmera”
na circunstância de presença a que chamamos “tomada”. A tomada possui seu
modo singular de interagir com a circunstância do mundo que transcorre
constituindo a cena que vemos “através” da imagem-câmera
fotográfica/audiovisual.
Éassimqueela,imagem-câmera,chegaanós,atravésdasparticularidades
denossapercepção,quandoaencontramoscomofenômenonomundo,ouquando
a entretemos na imaginação da representação imagética que vemos. Esta é a
modalidadediferencialdaimagemfotográficainauguradanoséculoXIXequenos
atravessaportodososporosagoranoséculoXXI.Trazomundofechadoemsipela
tomadaemsuaexterioridadee,nestesentido,diferedaimagempictórica.Quando
olhamosatravésdeumapinturanãovemosnada“através”,masadensidadeopaca
daexpressãoestéticadeoutrem,opintor.
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Encontro,então,asensibilidadeestéticadasingularidadedoartistaemsua
expressão. Olhar a fotografia nos traz o mundo “de-fora”, como uma torre que,
emergindo,pipocaouestouraporsimesmanaextensãodaplaníciedopresente,
amarrada previamente na totalidade de suas partes. O sujeito-da-câmera é uma
mônada e o “amarramento” em seu todo unitário compõe-se em extensão pela
subjetividade, emergindo em bloco instantâneo que traz a totalidade em cada
representaçãoparticular(nolimitedesuadiluiçãonatotalidade),emcadaponto-
câmera (comoomundo tambémpipoca, súbito,emreflexonaáguaquandopara
elaolhamos,ounão).Trazassimomodoemqueseabre,ouseabriu,nomundo–
como estar-aí no qual habito e que foi tomado através do sujeito-da-câmera –
corpomaquínicodecoisaexterior,queassimtrouxealgonaexperiênciademinha
carne. Ainda na fotografia mais abstrata, aquela em que as coisas do mundo
desaparecemeacircunstânciadatomadaseesvaece,acomunhãocomomundo,
pelo estar-aí, deixa seu traço (no cristal de prata preparado, ou no algoritmo
pensadoparaimpressionaromundonacâmera).
Certamente existem imagens digitais internas, imagens tecnológicas,
totalmenteelaboradasporcomputador,obtidassemomeioda tomada.Também
antesdodigital,otrabalhodeanimaçãopodiaserbaseadonasucessãodeimagens
pictóricasmaquínicas sem tomada. Mas não são estas as imagens que tratamos
nesteartigo.Aquibuscamospensarcomoéquevemosatravésdasfotografiaseo
que encontramos lá, comomundo que vem de fora – ao nos depararmos com o
maquinismoque“toma”estemundoeotrazpornósem“tomada”.
III
A característica da imagem-câmera de ser transparente não implica, por
certo,queamatériadeseumundonãopossasermanipulada,alteradaoufatiada.
Masa transparência apenas indicaqueé “vendoatravés”quepercebemosoque
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nosé indicado.Édestepatamarqueemergeocampodasubjetividadequecobre
ouabrigaoquechegadelá,coisaprópriadomundo,doser-aíquehabitamosem
nossa intuição ou na percepção interagindo com coisas e seres. Imagens
especulares podem ser alteradas, ou serem disformes, no sentido côncavo ou
convexo, por exemplo, conformando uma relação de objetividade com a
exterioridadenoreflexo,pelaproporcionalidadeentreaspartesdesuafiguraea
coisaexterior.Estadeformaçãonãoimpedequeacoisaexteriorsejavistaemsua
presença por nós, nomodo em que atinge nossa percepção, através do espelho.
Nada impedequeatravésdeumespelho, convexooucôncavo, emnossaparede,
possamos nos assustar ao vermos um intruso entrar em nosso quarto. E que a
fotografia emgrandeangular,mesmodeformandoomundoque representa, seja
provadocrimequesequermostrar.Equeapinturadomesmocrimenãomostre
nada que incrimine pelo que representa, a não ser o testemunho da livre
imaginaçãodoartistaplásticoqueviuocrimee,assimqueoassistiu,desenhou.
Comonãonosfazver“através”,aimagempictóricanãopossui,socialmente,
o peso judicial que as imagens-câmera, imagens resultantes do maquinismo
câmeranatomada,possuemequeaspermitemservirdeprova.Provacertamente
aberta à interpretação e eventualmente à manipulação, mas que traz seu
fundamentodiferencialna“mundanidade”compartilhadado“veratravés”,quenos
permite perceber, por nossos sentidos, o que esteve “fora” e lá (quando) se
constituiu.Objetivaçãodatotalidadedaextensãonomododeumautomatismoque
está ausente na representaçãopictórica de umdesenho sem “tomada”, pormais
próximoqueestedesenhoconsigaserdaformaespecular-perspectiva.
A visão direta do mundo, sem mediação da figura imagética, também é
traiçoeira, como constantemente constamos em nosso cotidiano ao abrir espaço
para o que denominamos “interpretação”. Por que seria então diferente com a
fotografia? Ser transparente não significa ser neutro ou verdadeiro. Significa
possuir o estatuto de compartilhamento da exterioridade, não em absoluta
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objetividade,mascomopresençadooutro(oudeoutrem)emminhaexistência.A
sobreposiçãoentreobjetividadeeverdaderestaabertaemseuviéshermenêutico,
inclusive para a teoria que se cerca de enunciados com preocupações lógico-
analíticas, conforme expusemos. Como afirma Walton, “ser transparente não
significanecessariamenteser‘invisível’”(Walton,1984,p.252).
“Nóspodemosnosenganarquandovemoscoisasdiretamente.Secâmeras
podemmentir,tambémpodemnossosolhos.Verumacoisaatravésdeumespelho
distorcidosignificaassimmesmovê-la,aindaquenosenganemosaseurespeito”
(Walton, 1984, p. 258). A questão do estatuto da tecnologia é central para
entendermos o maquinismo-câmera, mas sua sobre-determinação pode resultar
nasarmadilhasqueencontramosemtrabalhoscomoosdeFlusserouMachado.A
desconstrução domaquinismo não deve se reter num desvendamento evidente,
masiralém.Aítalvezsedeparerealmentecomoqueautomatismorevelaemseu
encontro. Nele, a representação maquínica não se constitui propriamente, mas
eclode nossos sentidos, na coincidência da maneira pela qual nosso ser está
lançadonomundo.Trata-sedaexperiênciadoqueéaexistêncianomododeuma
tomada.Antesdebuscar-searevelaçãopragmáticada“caixapreta”,nosentidodo
“desvendar” mais raso de uma tecnologia oculta, caberia arriscar uma
fenomenologia da própria experiência. É escuridão que não se desvela pelo que
sabemos ou negamos em nosso entendimento, mas pelo que nela vemos ao a
encararmos,existênciacomomundoquetrazaquiloquenoshabita.Éhorizontede
um abismo vazio no qualmergulhamos ao querer olhar o fundo,mas que neste
infinitopossuiaprofundidadedasuperfíciedafacticidade.
A imagem-câmera, fixa ou em movimento, com suas particularidades,
mostra,então,nestemododiferencial,suacomposiçãocomoimagememfigurado
quenãoadeterminapropriamenteemfechamento.Estamosanalisandocomoesta
constitui-se em modalidade plena, a partir do século XIX, através da fotografia.
Datam daí as primeiras imagens-câmeras retendo, indefinidamente, o ser-aí do
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mundoqueexistepelaminhacomunhãonomododa tomada,particularidadeda
configuração representacional, espécie de para-si enquanto totalidade universal
que se imiscui. O caráter independente, exterior, do que bate e se plasma com
forma reflexa no suporte, tem este caráter de ser do mundo existindo em sua
cotidianidade, em sua banalidade, retido na manifestação da circunstância em
tomadaefixadaporummaquinismo(acâmera).Éela,câmera,queseimpõecomo
um si-mesmo (o sujeito-da-câmera), como casca do exterior (pois não é
propriamente uma sensação), na subjetividade que o representa. É uma adição
(nasmanipulaçõesda fôrma imagem-câmera)quepode ser colada comopele ao
quelheorigina.Estesuplementotrazalgoquevemdefora,queestáforacomoser,
e é no modo que atinge nossos sentidos que aparece. Assim, promove pela
imaginaçãosuapercepçãoenossaconsciência/memóriadomundo.
A manifestação da exterioridade do mundo pela conformação maquínica
queoretém,nãosignificanegaçãodeuma“autoria”.Nãosignificaapossibilidade
do sujeito se debruçar sobre este mundo flexionando-o, nem a negação da
intencionalidadee suadimensão ideológica.Apeledomundopodenosenganar,
ludibriar,masnossousodelacomofotografianãoéintrínsecoaoengano.Também
o intervalo para suamanipulação pelo juízo estético é imenso. Significa que, na
conformaçãofotográfica(aqueladaimagem-câmeraemseusdiversossuportes),o
artista lida comummundoque se articulana comutação consigonum “de-fora”.
Mundo que, por estar-aí, se apresenta aomodomaquínico especular como uma
moradaquehabitaoser,ultrapassando,pelaformadura,amarradaemtotalidade
em-si, o obrar estético da subjetividade que repousa na própria imaginação. A
fotografiaéumaespéciede restodoquebateunela, sensação.Neste ricochetear
podeproduziraqueleefeitodeestranhezaqueosi-mesmopossuiaoencontrar-se
comumpara-siantesabsoluto,masqueagoraabre-senoabismodeumaclareira
queultrapassaelepróprio,osujeito.
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IV
É esta a matéria dura e fechada do mundo que o sujeito-da-câmera
fotógrafoencontraquandoseexpõeaomaquinismofundandoacena.Paratal,para
suaarte, elaprecisa servivida, ser cuidada, serpartilhadacomoexperiência, e é
issoqueelefazaoexistirnacircunstânciadatomada.Láestáacoisaeooutrosi-
mesmoqueeleatinge,nomododaintersubjetividadecompartilhadapelomeiodo
maquinismocâmera.A isto,aeste tipodeexistênciaqueéadehabitaromundo
pelatecnologiadomaquinismo,chamamosdecena,oudeencenaçãonatomada–
ouainda“mise-en-scène”,quandoserealizaembebidanatradiçãodaartefílmica.O
plasmardomundonaimagem-câmerapelosujeito-da-câmera,paraoespectador,
comuta-se na intenção e conforma-se na imaginação num modo originalmente
distinto das imagens pictóricas ou esculturais nãomaquínicas – embora formas
mistasentreelassejamcertamentepossíveisetenhamgrandepotencialestético.
No sentido da peculiaridade, muitas vezes a conformação imagética da
imagem-câmera-em-movimento interage sobre a radical indeterminação do
mundo presente, transcorrendo grudada no fluxo da duração. Pela encenação,
consegue dobrar-se na indeterminação da presença, afirmando sua liberdade
sobre a exterioridade do maquinismo em seu modo de aderir ao mundo. A
composiçãofílmicadomundoqueemergenestetipodeencenaçãoéchamadade
“cinema direto” ou “verdade”, em seu estatuto de mise-en-scène documentária.
Neste caso, o modo de interação intersubjetiva da cena fílmica, que varia em
funçãodesermaisrecuadaouinterativa(nomodoreflexivo/verdade),compõea
dimensãopropriamenteestéticadaarte fílmicadocumentária,aquicaracterizada
pelorecuoradicalqueavançaatéapráxisinterveniente.Nestaarticulação,oser-aí
quehabitaaindeterminaçãoéassimlevadopelamãocomosujeito-da-câmerana
encenação,libertonapotencialidadedeseuprópriotranscorrer,nomodoemque
seencontraconosconomundo.
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A encenação fílmica carrega consigo diferentes maneiras de asserir
(chamamos também “vozes”: em “over”, ou encorpadas em diálogos) que dão
formaànarrativaquandoelasefecha(ouabre-se)pelatransformaçãodatomada
emplanonaarticulaçãopropriamentefílmicadamontagemouedição.Anarrativa
fílmica,propriamente,temumainstância,adomegaenunciador,quelidacomisto.
Omundonaimagem-câmeratrazaextensãocomoeclosãonaunidadeespeculare
o sujeitopode triturá-la, enfrentá-lana tomada, comoa “coisa”damundanidade.
Podetambémcompartilhá-lanacena,dispondo-as(tomadas)nomododosplanos.
Oplanoconfiguraatomadaquetranscorrenaunidademaiorqueosobrevoaeo
agarra em multiplicidade, articulando-o na junção fílmica para a voz do
megaenunciador.Ofilmepassa,mascertamentenãopassanamedidadosuporte
dacâmera,peledaduração(anãosernaquelaartequetendeaopasoliano“plano
sequênciainfinito”,ouno“cinemadireto”total).Osuportedofilmequepassa(hoje
digital, antes película), por sua vez, sempre “corre”, ou passa, ou dura, em
simultaneidadecomaduraçãoindeterminada,aberta,domundo.
O suporte corre de modo preciso na câmera em seu tempo cronológico,
comoatartarugaeAquilesnoparadoxodeZenão.Mascomasposiçõesinvertidas
da aporia, que se enrosca no tempo quando o coloca fora da duração, fora da
qualidade absoluta do “kairós”. Ele, Aquiles, nunca ultrapassa tartaruga, e ela
ganha a corrida – mas, no nosso caso, a tartaruga que passa na tomada perde,
porque,pela arte, a corridanão fica aínamedidado suporteque transcorre.No
entanto,ésempredaí,daaderênciacronológicaaopresente,deseuparadoxo,que
se parte para aventura. Isto parece esquecer certa reflexão contemporâneamais
afoitaemlevantarovoo.Épelafiguraçãodacoisafílmicaque,diferencialmente,o
intervalopodeevaporareacorridadacronologiainfinitaserganhanaexpressão
daquiloquenuncase fecha, fazendopresençadoqueultrapassaquandofuturoe
passadocolam.
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O fato é que as imagens-câmera, por serem transparentes, derivam sua
origemdummecanismoautomáticoetecnológico.Seaimagemespecularnumlago
éautomática,aimagem-câmeratambéméautomática,mas,diferençaessencial,é
tecnológica.Envolveumtipodecompartilhamentocomomundoquedecorreda
técnica, maneira particular que tem o trabalho de transcender a coisa. É
mecanismotecnológicoconstruídoparacaptar,emsuporte,otraçodacausalidade
queamatéria física imprime, sejanomododigital, ounoanalógico.Éassimque
este ‘de-fora’ se confronta como imagemno suporte:pelos “cristaisdeprata”da
emulsão,oupeloalgoritmodigitalquepelomecanismocorreoupassa.
Trata-sededimensãoque temsuaexpressãonuma fenomenologiade sua
referencialidade,nosentidoquepodepossuirobeloconceitoda“primeiridade”na
tríadeperceiana:qualidade,semelhança,ouaindaoquePeircechamade“ground”
– em seu poder designativo absoluto, ou primário, ancorado na sensação da
matéria. É como se expressa a categoriadoqualisigno, às vezes trabalhadamais
estreitamentepelasemióticafocadanorealçardacamadademediação,própriaà
toda representação. A comunhão no habitar do mundo pela expressão da
qualidade, traz, portanto, nesta forma imagética específica da circunstância
fechada (a tomada), em seumodo comunicacional, a especificidade que estamos
tentando definir. Neste momento, ela se determina pela transparência da
qualidade,íconequeaderecomopele,emsua“primeiridade”de“ground”(eclosão
absoluta da qualidade icônica), trazida em sua interatividade como matéria do
traço,fatordaforçabruta,posição,ação,doíconenosigno(secundidade)queaose
constelarofazsobreaquelequearecebenomodoespectatorial.
Encontramos assim a singularidade desta imagem radicalmente nova na
culturahumana,nesteâmagoqueésuaconstituiçãonomundo,nadiversidadeda
exploraçãoestéticaquesobreelaseabre.Funda,emseuaparecimentohistórico,
uma nova dimensão da imaginação no “ver imagens”, aquela que se caracteriza
pelo “ver através”, inaugurando a possibilidade de um “lançamento”
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fenomenológico do olhar num recuo que quer tender ao absoluto, mas sempre
habitaoquesesepara.Assim,aexperiênciasedesfaz,espectadoradomundona
circunstância de sua existência na tomada, para lá, e de lá mesmo, se lançar,
buscando constituir-se num encontro que é nele a extrema fronteira de sua
dimensãocomofigura.
V
OtrabalhodeKendallWalton,embebidonasintaxeenalógicadoconceitual
analítico,temoméritodedistanciar-sedeabordagensmaiscruas.Waltonafirma
que:
"partedoqueéveralgumacoisa,significaterexperiênciasvisuaiscausadasde ummodo puramente mecânico. Objetos causammecanicamente suasfotografias e as experiências visuaisdos espectadores, oquenospermitever os objetos através das fotografias. Em contraste, objetos causampinturas não de forma mecânica, mas de um modo mais 'humano', ummodo que envolve o artista. Então, não vemos através das pinturas"(Walton,1984,p.261).
Oautorrealçaaquiasingularidadedafotografiano“veratravés”,frisando
suadimensãonaperspectivaconceitualdopensamentoanalítico-cognitivo,campo
noqualtambémtrabalhampensadorescomoNoëlCarrolleGregoryCurrie.Estes
últimosdigeremmalasafirmaçõesdeWalton,esboçadasinicialmenteemseulivro
“MimesisasMakeBelieve-onthefondationsoftherepresentationalarts”(Walton,
1990).O“veratravés”dafruiçãoespectatorialdasimagenscomorigemfotográfica
é, neste livro, desenvolvido pela postura do que chama de “imagining seeing”
(‘imaginarver’).CurrieémaispróximodeWaltondoqueCarroll,masmarcaum
pontodiferencialenfatizandooaspecto(centralparacertapsicologiacognitivista)
queoespectadordeumafotonãomantémrelaçãocausal,dotipoempirista,como
contexto espacial do mundo que fundamenta a imagem. Como poderíamos “ver
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através” uma fotografia, do mesmo modo que “vemos através” um espelho ou
telescópio, se não compartilhamos, enquanto presença, o espaço como
objetividade extensa no universo representado? Trata-se, então, entre fotos e
próteses oculares, de contextos cognitivos diversos. Se as reservas de Currie
tornam-serelativasparaaimagem-câmeraaovivo(eodebateentreCarroll,Currie
e Walton, irá estabelecer este ponto), a ausência da contextualização espaço-
temporal do representado, na atualidade da fruição da fotografia como visão do
mundo“através”,écentralemsuaposição.
Curriedesenvolveseuargumentodelinhacognitivista,acentuandoofatode
que ver uma fotografia não nos fornece “informação egocêntrica” (“egocentric
information”)daquiloqueestamosvendo.Paraoautor,ver–sejadiretamente,seja
através de espelhos ou aparelhos oculares – envolve uma série de informações
cognitivas espaço-temporais que situam o corpo de quem vê com relação aos
objetoseseresquevê.Ver“atravésdefotografias”,nestesentido,diferencia-sede
ver “através de lentes e espelhos”: “fotografias não transmitem informações
egocêntricas;verumafotografianãomediznadasobreondeoobjetofotografado
estáemrelaçãoamim”(Currie,1995,p.66).
Deslocandoassimaquestãodatransparência,quepermitiriaoespectador
“ver através” emWalton, Currie equivale a visãode uma foto a outras situações
queenvolvemrelaçãoentreíndicesepercepçõessensoriaisequenãopossuema
dimensão icônica ou simbólica, embora sempre frise a dimensão da
intencionalidade. O maquinismo da fotografia não demanda intenção em seu
automatismomecânico,aocontrárioda imagempictórica,quenãotrazacamada
da eclosão da totalidade reflexa. Ver uma fotografia teria equivalência, neste
aspecto, a olhar a marca um termômetro, por exemplo, enquanto índice de
indicação de calor. A dilatação domercúrio comomarca do calor, traz amesma
qualidadequeafotopossuiaofincarumadependênciacausalcomseureferente.
Mas a fotografia é uma representação e Currie não esquece esse aspecto. A
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equivalência faz diferença e Currie a afirma numa fraca sobreposição entre os
camposdo“veromundoordinariamente”eo“veromundoatravésdefotografias”.
"Asobreposiçãonãoémaiordaquelaexistenteentreoserroscaracterísticosque
descriminam o 'perceber o calor' e o 'ver termômetros'. Não existe espaço aqui
para afirmarque a percepçãodeuma fotografia seria a percepçãodeumobjeto
fotografado"(Currie,1995,p.67).
Estamosemplenoexercíciodosdilemasprópriosàconcepçãocognitivista
domundo,nomodomaiscaracterísticodesuaderivaçãosobrearepresentaçãoe
asartes.Aequivalênciaentreperceberocalor(comosensação)esuamedidano
termômetroservedebasereferencialparaestabelecerarelaçãodiferencialentrea
percepção do mundo e sua representação por meio do maquinismo câmera. A
análise de Currie explora igualmente a distinção entre as próteses oculares na
percepçãodiretaespaço-temporalearetençãodomundopelafotografia.Paraele,
é sobre esta retenção que a visão do espectador se detém, sem a informação
espaço-temporal egocêntrica na relação que estabelece com o sujeito-da-câmera
quevênatomada.Aimagemseriaapenasumaequivalênciainicialentreelaeseu
referente, equivalência comum ao conjunto de signos (termômetro/calor) que
possuem relações causais entre o que expressam e os elementos formadores de
suasignificação.Sobraaquestãodecomoabordarasconsequênciasdafotografia
seconstituindocomorepresentaçãopropriamente,elementoquefogeàsanálises
deCurrieenosquaisaabordagemdeWaltonestácentrada.
Umdosperigosdaanálisedebasecognitiva-analítica,nateoriadocinema
documentárioouda fotografia,norecortequeencontramosemCurrie,éodese
deixarprenderporespecificidadespsicológicas,ou lógico-dedutivas,queacabam
por abandonar a dimensão propriamente estética, o universo da expressão que
vemconstituiraimagememsuadisposiçãofotográficaoufílmica.Aexpressãode
uma “aisthésis”, composição carregada por sensações, na qual o conceito de
“representação”aindatemdeservirdeâncoraparaobterdensidadeelevantarvoo
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no campo dos afetos, torna sem sentido análises da causalidade cognitiva na
fotografia definidas, por exemplo, no argumento da comparação entre
termômetros e imagens. São perigos aos quais se expõe a lógica expositiva-
dedutiva que se baseia o raciocínio analítico, principalmente quando carrega
consigoascertezasdocognitivismo.
NoëlCarrollenfatizaasrestriçõesdeCurrieaoconceitode“veratravés”de
Waltson, mas explora outra perspectiva. Busca uma definição que chama de
“ontológica” das imagens em movimento. No ensaio “Ontology of the Moving
Images”(Carroll,1995),Carrollnecessita,paraembasarsuaontologia,ultrapassar
oestatutodatransparênciadefendidoporWalton.EmCarrollosargumentossão
maisdiretoseseuestiloirônico.MasofocodapolêmicaemCarrollestátambém
na falta da contextualização da experiência espaço-temporal do corpo que vê,
aparecendoenquanto fundamentodadiferençaentreo “verordinariamente”eo
“ver através uma fotografia”. A partir daí ele avança para estabelecer as
decorrênciasnaemergênciada intencionalidadeprópriaà representação.Carroll
retoma argumento de Currie e diferencia o “ver através” de próteses oculares e
espelhos,do“verfotografias”.Adiferençaestánarelaçãodapresençadequemvê
comomundovisto:
se eu olho através de binóculos (“opera glasses”) uma bailarina ou seuacompanhante, a disposição visual do que enxergo, mesmo ampliada,continua, sem dúvida, em conexão com meu corpo, no sentido que eusaberiacomochegaraolugaremquestão,sequisesse.Possoorientarmeucorpoespacialmenteparaabailarinaeseuacompanhante(Carroll,1995,p.71).
Uma coisa, portanto, seria ver o mundo através de telescópios,
microscópios,periscópios,espelhos;outra,diferente,seriaveromundoatravésde
fotografias, na medida em que, neste último caso, ao contrário do que acredita
Scruton (1981), buscando absolutizar a dimensãoda intencionalidade (pontono
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qualWalton também se afasta), está envolvido um ato que podemos chamar de
“representacional”.
Para entender a negação à fotografia de estatuto representacional é
necessárioentrardentrodalógicaanalíticadoconceitode“intenção”.Tantopara
Carroll,comoparaWalton,pinturasefotografiassãorepresentaçõesdomundo,na
medidadaintencionalidade,aindaquepressuposta(Carroll,2004).Waltonafirma
asingularidadeabsolutadarepresentaçãofotográfica,masnãoprecisanegarseu
estatuto representacional mais amplamente. Basta envolver no caminho
semelhança com materiais que, assim como espelhos e próteses oculares,
permitem que “vejamos através”. O ponto, para Walton, está em definir quais
singularidades da fotografia se adequam num campo tecnológico diferenciado,
inerente às imagens-câmeras, determinadas na medida da mediação necessária
que funda o maquinismo câmera. Carroll, no entanto, acredita que esta
singularidaderepresentacionalquenãosesustenta.
O argumento deWalton é de que realmente estamos vendo os objetos e
seres que enxergamos através do dispositivo fotográfico. Não é apenas força de
expressão.Seupontoéqueosvemos,sim,domesmomodoquevemosobjetose
seresatravésdedispositivosocularesouespeculares.Se,atravésdeumdispositivo
especular,dizemosquevemosarosaqueestádooutroladodaquinadaparededo
quarto; se, através de um periscópio, dizemos, olhando debaixo da água, que
vemosohomemqueestánapraia;podemostambém,atravésdeumacâmerade
vigilância,dizerquevemosocofredobancosendoarrombadoe,atravésdeuma
fotografia,dizerquevemosnossoavôSamuel,hámuitofalecido,emseutempode
vida. Walton enfatiza que a mesma noção do “ver” designa os quatros atos
descritosacima(verarosapeloespelho,verohomemnapraiapeloperiscópio,ver
o arrombamento pela câmera de vídeo, ver o avô Samuel pela fotografia),
contrariandoCarroll, paraquemo “ver” atual que envolve a contextualizaçãoda
informação egocêntrica interagindo com as próteses visuais, distingue-se da
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natureza do ver fotografias (este “ver fotográfico” traria uma espécie de “visão
alienada”narepresentação).Waltonfogedadiscussãoafirmandoque:
não está em questão a quem pertencem os direitos de propriedade dapalavra “ver”. O objetivo de minha proposição é revelar (...) o tipo desemelhançaqueavisãodafotografiadeumobjetomuitasvezespossuicomoutrasformasdevê-lo,equenãoestápresentenavisãodeumapinturadoobjeto(Walton,2004,p.123).
Afirma,assim,quesua"tesedatransparênciadafotografiaéumatesesobre
avisãodiretadeobjetos,enãosobreverquealgoéaquilomesmo"(Walton,2004,
p.122).Esta“tesesobreavisãodiretadeobjetos”pela(através) fotografiaésua
resposta aos argumentos de ausência de “informação egocêntrica” que
restringiriam o “ver através” ao que é “aquilo mesmo” no mundo, situado no
contexto sensório-motor simultâneodapresençadoespectador.A “visãodireta”,
naqualsefundao“veratravés”dafotografia,segundoWalton,seriaapenasuma
forma mais modesta (mas sempre ontológica em seu abrigo no ser que a
atravessa), de ver, ou experimentar, o mundo, agora diretamente por um
maquinismo. “Ver através” significa aqui um modo de compartilhar um
desvelamento mais amplo, ainda que sua experiência continue limitada, “como”
querendoescapar,àtemporalidadedoverquecarregaconsigo,adiante,avisão.
Waltonestá,portanto,argumentandooqueentendeserafotografia,forma
de expressão representacional muitas vezes artística, e sempre marcada, nos
termosdenossoautor,pelocortedarepresentação.Masnãoestápreocupadocom
a unicidade da identidade cognitiva do objeto no existir dentro do campo atual,
portanto egocêntrico, daquele que vê: "ao ver a fotografia de um cravo, vejo o
cravo;nãoimportaseoquevejomantémcomigoestaouaquelarelaçãoespacial"
(Walton,2004,p. 122).Desfeita assima armadilhadaextensão comodiferencial
paraimpediraconstituiçãodoverdiretamenteemespelhosefotografias,Walton
podeafirmarqueafotografia:
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étambémumauxiliarparaavisãoeumauxiliarparticularmenteversátil.Coma assistênciada câmera, nóspodemosvernão só atrásde esquinas,mas também no passado. Nós vemos ancestrais há muito mortos seolhamosparafotospoeirentasdeles.(...)Fotografiassãotransparentes.Nósvemosomundoatravésdelas(Walton,1984,p.251,grifooriginal).
Aoabsorvero“veratravés”nadimensãotemporal,adentrandoasfronteiras
docampotranscendentaldasubjetividade,vamosaoencontrodametafísicaeda
filosofiadecorteexistencial,certamenteumaáreanaqualWaltonnãosesenteà
vontade,nemdesejafazerponteparadesembocarsuaanálise.Masaconsequência
seria correta, sequiséssemos levaro raciocínio, ea intuiçãodoautor, atéo final
radicaldalinhaparaqualaponta.Ocampoconceitualdafilosofiadalinguagemé,
emgrandeparte,construídoparapermitirqueareflexãotrabalheemproximidade
comosensocomumcognitivoeospoderessintáticosda lógicaqueemergemna
semânticadalinguagemordinária–epararporaí.Aqui,noentanto,ficaumponto
cego.Verfotografiasembutearelaçãocomumestar-foradomundo,pormim.Algo
quevemdeláparacá,masamim,enquanto“co-existir-aqui”,pertence–inclusive
vergando, por este mim, uma dimensão além da representação, pois incide no
tempoeno fluxodaduração,numaespéciede “analíticaexistencialdo ser-aí”.É
aquilo que vemos nomundo e domundo pelo “através”, que emana como aura
(fotográfica)enestaauréolavembaternoquejáestá,pornós,emnós.Édelápara
cá que este caminho é percorrido, mas só chegamos a “se” tocar neste ponto
negandooprópriocaminho–poiselesóexistesejáestálátraçado.Eopontoem
queeleencontra,opontoemqueelebrilha,éexatamenteemseurebater-se,como
intuiobeloconceitode“punctum”.Éopontoagudoquemeatinge,quandofundo
minhassensaçõesnadimensãoda intensidadepresente,queentãovemabsoluta
comoalteridadeexatamenteporconseguirestar-aqui(pelo“através”)juntoamim,
noestar:sejaolhandoatravésumcrime,ouatravésnumrostoconhecidonaareia
dapraiadasúltimasfériasestivais,ouvendomeufalecidoavôSamuel:
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Óculos, espelhos e telescópios não fornecem representações imagéticas.Pensaracâmeracomooutraferramentadavisãoseriaesvaziarseupapelde produzir representações imagéticas. Fotografias certamente sãoimagens, mas não imagens comuns. São imagens através das quais nósvemosomundo(Walton,1984,p.254).
Restaria para Walton responder, e esta é a questão verdadeiramente
essencial,comoéqueéqueelas,fotografias,sabempoderassimnosencontrar.
Referênciasbibliográficas
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