COIMBRA - Universidade NOVA de Lisboa · 2013. 5. 24. · 0 nund do intellectual gira n'um plano de...

15
POR COIMBRA IPPRENSA LITTERARIA 1866

Transcript of COIMBRA - Universidade NOVA de Lisboa · 2013. 5. 24. · 0 nund do intellectual gira n'um plano de...

  • POR

    COIMBRA IPPRENSA LITTERARIA

    1866

  • BREVES REFLEX~ES

    CASAMENTO CIVIL

    0 casamento civil portuguez, como de todos 6 sabido, tern levanlado grande ceieuma nas regides parlidarias. 0 s quo conliam ~ u d o no progrrsso I~beral, figura~n encontrar Bpochas clo~lratlas no futuro do rasamento civ~l; e os que estremecem quando v8em derrocar algu~na pedra do velho edificio social encaram com llorror esta novidade agora introduzida quasl subrepticismente na l e g i s l a ~ ~ o portu- gueza. Nern bat0 as palmas nn cornpanhia dos primeiros, nern tambem rne d ~ v ~ s o con) o crepe de tristeza entre os segundos. llnl politica sou eclecl~co; situado nas raias de differentes campos inimigos approvo, ou reprovo em si- lencio, segundo a niintrn intell~gancia, os movimentos, as acqdes, ernfin1 as doulrinas de cada um d'elles. N8o sou avesso a reformas; applaudo-as qrlando sao bem cabidas; isto 8, quando sensatas, e reclatnadas pelas circumstancias, ou necessidades soclaes. 0 nund do intellectual gira n'um plano de reforrna. E uma tendcncia innata A sua natureza, n lo se Ihe pbtle obstar; Inas 6 necessario que a prudencia encam~nhe co~ivcnienternente esss tendencin natural. Nem o Portugal d'hoje 6 o de D. Affonso Heoriques; nem a h m a d't~oje 1.5 a Rornn de Gregorio VII.

    Differentes camadas de ideias se teem succedido e em consequencia d'ellas a sociedade htlmana tern apresentado varias phislonomias. & Mas teem-se estas revolu~des de ideias oyerado na vida de urr~a sb, ou duas gera~$es? Nlo p r certo, asseveral-o seria ir de encontro 6 historia do progress0 intellectual e material. A vida da humanidade 15 muih mais longa, do que a do homem, gasta seculos no

  • seu desenvolvimento e reforma. quando o homctn apenas consome alguns annos.

    A marcha do progresso morn1 e politico devc ser lenta e meditada. A conveniencia publica reclama ntlenqso e res- peito 4s opini6es chamadas retr ogradas; aliBs p6de a auda- cia indiscrcta d'um progresso veloz provocnr r~ma confla- graclo, em que ha ~ r u i t o a perdcr, e nsda a ganhar.

    Mas parece que nos arraiaes do partido progrcssista existe uma bateria occulta d'onde, ern tempos calculados, se lanqam projectis, que veem rebentar no n~eio da socie- dade pacifica, para sondar as alturas da tolerancia publical!

    SBo d'esta natureza o projecto de lei para a liberdade de cultos, a decantada portaria do trabi~lho nos dias sanctifi- cados, e agora o casarnento civil.

    Tanto o prnjecto dn Iibcrdade dc cultos, corno o casa- mento civil, n io s l o mais, corno todos sabem, do que lima servil im i t a~ lo estrangeira, que a mania de especular corn innovaq6es pertende a todo o custo introduzir em Por tng~l .

    Ainda que reconhe50 que a irnitay8o em geral6 o recurso das mediocridsdes, porque o gertio cria, e nao irnita, n io sou inirnigo das itnitaqties, ao conlrario louvo-as quando as julgo necessarias; tambem sou ulediocridade.

    A liberdade de cultos, e o casamento civil forarn effeitos, cujirs causas eristiarn nas circurnstancias sociaes, politicas e religiosas d'algumas na~6es estrangeiras. Felizmcnte en- trc n6s ainda se n lo deram essas causas para se admittir o mesmo effeito.

    E; bcm sabido que as gucrras de rei~gilo, cntre catholi- cos e protestantes, que no seculo xvr, inundaran~ a P r a n ~ a de sangue; que as nac;6es, em qrie abuntlam subditos de varlas scitas religiosas, corno Inglaterra, Belgica ... silo c:specialidades que constituirnln a precisso da libcrdade de culjos.

    E igualniente sabido, por todos, que o casamento civil foi um dos partos monstruosos dn revolu$Bo fraticeza de 1789. Emfin] o projecto para a liberdnde de cultos, e o ca- samento civll s l o prlra imitaciio, n8o 6 porisso que os julgo indignos de born acolhimento entre 116s; adiante serei rnais demorado a este respeito. Mas o que nao Q imitaqlo, mas antes uma verdadeira, e singular originalldade, e qne por t lo alto merccimento deve ser transmittida Bs gerasaes fu:

  • turas en1 lettril~ dc ouro, 6 a faruosa portaria a prohibir a repressao do trabnlho nos dins sanctificados, quando ss ndo mosttar que os actos prctclicados o foram corn o firn e propuiko 8e ofewlei. n t e i t y i A o do cslodo!! Eis aqui uma arrojada, e impc~dcnte e rpando de impiedade!! --Ah, Corydon, Cory- don, qune l e deinentia cepil ! 0 project0 da liherdade de cultos, e aquella portaria teem

    devidarucnte sido julqados no tribunal da opiniio publica; e o casanlento civil colnvertido em ridiculas caricaturas, recebidas com aviclez pel0 povo, teern servido de galbofa s irrisjo national. Quando uma lei soffre urna r ecep~ lo tiro ind~gtia, n6o ha h r ~ a que Ihe possa dar importancia politica.

    A qliestgo do casamenlo civil tern sido elemento de gra- ves discuss6es entre nos. Ben. haja o set1 auctor, porque, aindi~ que riao obtenha a gloria do ~ r ~ u n ~ p t i o , ao menos fez um serv i~o ao publico, tleu occasi:~o dc se poder ajuizar das ap in iks mornes c rr!lig~osas, e tla ~ristr~lc@o das pcssoas que tee111 ~4~1- ip10 pr6 e c o ~ ~ l r a , clot nt,6 nqu i se tido acha- varn publ~cnmcnte detinidas; e mnda mais; deu occasiao a conhccer-se que em malerias ecclesiasticas, lido 6 o clero, querrr pr~meiro se apresenta em canipo a defendel;as, mas sim l ~ o r ~ ~ e ~ ~ s iosuspeitos a queni se nso podern irrogar os dacstos picantes dc beaterto, espcculadorcs dn re l ig ido, e ou- tros quejandus. Eu jil envio a todos urn koto de agradeci- mento: ao auctor da lei, porque a nbo ser elle nao haveria ~plbortunida(1e para sc ~\al~arc:ut alguns talcntos at6 agora incognitos; e aos cscripLores rlao ccclcsiaslicos, impugns- dnres da lo^, pela a c ~ a o energica, e insuspeita, que toma- ram na lncta ern defensa do casanwnto religiose, uma das j o ~ a s do catholicismo. 0 itssunlpto d vasto, ~ I C O , e m~'lindrojo, prende-se a

    queslGes orthodoxns d'altn importancia. Muitas cousas boas, e muitas pessimas scl teln escr~pto a este respeito; cadn i l l r l tern julgado a st?u arb~tr io purlcr livremente dizer o que bern ltie parcce, nao a~ter~dendo ao respeito devido nem ii Pedro, ncln a Cesijr. n'jo o farei assim; o meu cara- cler e~clesiastico manda que, eu, despido de aversees par- tidarins, c o ~ n o prunlo da neutralidade na mao, passe cau- teloso por eritre nmbos sen1 offender a nenhurn d'elles.

    Pouco tcticiorlo dizer; porque escriptorus juslamente

  • abalisados quasi esgotaram o assumpto. It: se o sr. A. Her- culano n8o viera nb 1.' dc Dezcmbro ultimo (Jorr1~1 do Corn. de Lisbo8 n O 3639) corn urna cnrta, fazer a apologin do casomento civil, inculcando aos rilenos ~nstruidos, que a viboru d'esso casamcnto j4 existla na monarchia absolata de Portugal; e que a lei no systemn do Cotl~go s6 exige urna pnrtic~l~apio oficlal do 111111istro da religiao que assis- tiu ao matrimonio enviada ao funcionario publico encarre- gado do registo; eu nlo viria engrossar o volume jd bas- tante crescido de tantos opusculos e artigos joi.nallsticos sobre este objecto.

    Eis aqui pois os pontos de que vou occupar-mc.

    Se no systema do Codigo a celebra~ao do casamento cbu- tinua a ser como at6 aqui; se u lei so extye do nttntstro da religi80 do esttrtlo ulnn cvnlrnrltacucdo oficrrrl do f(lcto uo func- cionario do regzsto czoil, para rste lnorar o titulo, qrte lrtr dr seruir nos conjuyes de pl-owa do sen eetudo civrl jcornn s. ex.' declara ns sua rnencionada carta), devc acabar a gritaria que de todos os cantos do reino se levantou contra o omi- noso artigo do casanicnto civil, pol,que Ilma quest50 de ~bo alto vulto fica reduzida a elernentos niui sirnplcs; a urn8 questiro puramente parochial, qlie eln nada affecta ns inte- resses espirituaes (la naqao; e (': que os parochos, dcsde que o Concilio de Trento foi admittlclo cm Purtngal, pol. detdr- minaCBo do mesmo (ses. 24, cap. 1.O dc ref. metr.), e pe- las lcis civis tie accbrdo cam ellr, c sohre tudo pclo decreto de 2 de Abril dc 1862, quc! deu nova fdrrna aos asse~itos parochiaes, t! os mandou fazcr ern duplicndo, conlo actual- mente se practica, eram conjuntarnente os min~strov da re- l1g15o para os m~trimonios, e funcciorlarios do estado para o registo, e agora pelo systemd do Codigo passa este en- cargo do parocho para o empregado adm~nistrat~vo encar- regado d'esse mister. Aqui n&o vcjo nada que offenda a crensa rol~giosa, nem as respeitavc~s trad1~6es nacionaes; n'isto n8o vejo mais do que urna desloca~lo do attr~huiqdes, e ulna reforma ociosa e irreflectida : porque o mais racio- nal i! que o mesrno empregado quc ass~ste ao rnatrirnonio

  • abra logo em seguida, perante as partes como hoje se faz, e assignado por ellas, o assento.

    Se o casamento civil 6 s6 para todos os subditos nil0 eA- tholicos dos vastos dominios de Portugal, como se depre- hende da mencionada apologis, ent8o emende-se a redacqiio do Codigo; por que especies de tho elevada transcenden- cia n'ao deveru ficar a ~ n b ~ g u a s n'uma lei collaborada por tantossatbios, suje~tas 80s sopl~ismas, e interpreta~dos subtis e vagas dos interessados. Feito isto devc acabar a indigna- qiio dos adversar~os do casamento civil. Mas nAo 6 assim ; 6 pelo contrario; os adversaries (lo casamento civil encon- tram no Codigo artigo 1057 e no 1079 estas disposiq8es:- A lei civil reconhece igtcnlinenle tunto o cusantento eekbrado pela tgreja catltolzca, coino o contrak~do pslu frirma estabele- cida 1ha tlzes~,lit let 0 casantento ent ie subdztos portuguezes, seju qwul for (1 suu religido, que n8o sdo obrzgndos (1 declutur, protlaz tunrben todos os efferlos czvis, se tiueierr~ sido obserua- dos.. . . . . E finalmente no 1081 esta : - Para a celebru~do do casarnertlo d e w n os c o n l r a l ~ e ~ ~ t e s , ou seus procurcrdores, corn- pureceis na repartipio (lo reqrsto ctwil, cuju oficaul haja de exarar o assellto do cotrtt cicto.. . . . . iytr pi e s e n p dos contra- hsnles, ov de scus rsy:resent(tnles e dirs tcsleitlanlias, o o/jTcial d o reqzsto eivtl pergunlorci u cudn unz d'ntluelles se snbe que u contracto que vae ce'iebrnr e' o c o n t ~ ctclo de ~ s u a e n . t o , e que este ti perpetuo, e I ecebadu de ctrtln am d'clles respostu u@rrrtatzvu, e a declnr(ic& e x ~ r e s b a tle otte lein conlrrrclado entre s i casar pela formu delernlinadn nu lez cruil, lavrarci o ccssentn de cissu- mento ...... uaico - ;Va rep16rtlfdo do reylsto ctual sera o easaniento relebrlrdo pertrnte dilas testernunhas.. . .. .

    Ora nao havendo na Ici isso que o sr. A. Ilarculano clir na sua explica~ao, 'e sendo o edlto da lei enunciado abso- lutamente, ainda que facultatlvo, B claro que os i~npugna- dores do casamento civil teul fundamento just~ficado para gritar; porque v6ern no Codigo, conlo na Roma nascente, Ilm asylo aberto aos apostntas dc lodas as religiBes, elr1 que o rnatrimonio, por 1c1 ou costunle, B sanctificado por ellas.

    De tluas urlla, ou o illustre escr~ptor, no acto de redigir a sua carta. n8o leu o Codigo e entao andou leviannn~ente: ou se o leu procurou, pel0 seu estylo diffuse, mas sempre ~nerg ico e harmonioso, desvalrar a aitenqao dos lcitores, jij pr~~en ic lo s a pro de s. ex." para os illaquear.

  • Eu nfio sei resolver o dilemma; e convido a s. qne, para desengano nieu e do publico, se digur aponlar o lo- . gar do Codigo em que a lei s6 quer a communica~bo ofi- cia1 do ministro da religilo, como acima, e~lviada ao em- pregado civil do registo.

    Passo a outro obiecto. 0 casamento civil francez 6 sempre o argumento predi-

    lecto dos nossos innovadores. E francez, ergo deve ser tam- bem portugoez. 9 argumento n lo colhe. A indole das na- ~ 6 e s 6 diverso; e dc mais a mais 0 casamento civ~l francez, sendo perpetuo, como 6 , acha-se em confliclo com o dlre~to natural, 6 uma abe r r a~ lo d'elle. Este direito n8o reco- nhece contracto algum que nlao possa dissolver-se por ou- tro contracto, polque assim como houve condi~6es em que os pactuantes concordararn para se obrigarem pelo primeiro contracto, seria injusto prival-os de celebrar um segundo em que se desobrigassea~ do primeiro. Todos os sjstemas de 1egislac;lo bern ordenada s lo conformes corn este prin- cipio. 0 casamento civil francez, que nos querern impingir como grande fa~anha de hsroicidade progressisla, e urn ataque violento ao direito ~ ~ a t u r a l ; obriga os eontrahentes 6 indissolubilidade, quando por direito natural nbo ha.con- tracto indissoluvel. Isto 6 um insulto B razio, e acima da razbo n l o ha nada except0 os ~nyfterios religiosos.

    Se us nossos innovadores comprehendem bem o alcance dos principios que em todos os dias npregoam, e se esses principios s8o rasgadamente liberaes, e independontes de compromissos tencbrosos, B necessario que a sua grandt: o t ra do casamento civil gire em carr~inho plano, livre de torluosidades, e dos obstaculos quc a razTto Ihe o p p k ; ou lhe hbo de tirar a perpetuidade, ou h2o de reconhecer le- giti~nos, para os effeitos ctvis, todos os casanrentos cclebra- dos confornie as religi6es profcssadas pelos nubentes de todos os dominios Fortuguezes, cam ercep~8o d'aquelles, cuja religiio n710 influe no casamento conlo os protestan- tes. No primeiro caso ad~nitte-se a dissolu~lo do vinculo, que, supposto n8o seja conveniente d societlade, n lo faz uma opposi~lao tlo formal ao direito clerncntar e B raz8o; e no segundo, que offerece um principio liberal mais desen- volvido, n8o se precisa mais do que a c;ommunicaq50 da pessoa essential 4 legalidade do auto, feita ao empregado

  • no registo civil, inclusive a do ministro dn religiBo cattln- lica, sc por ventura se entendcr, que o actual regislo pnro- chial entre n6s nho seacha bem constituido, ou se quizerem que o ernpregado civil tcnha mais credit0 qoc! o parocho.

    Esta ideia dc ad~n i t~ i r os casarncntos cclebrados conforme as religi6es dos povos sujeitos a 1'01 tugnl vislr~mbrou na h a da commissao revisora do projecto do Codigo civil, mas porquc era muiio liberal, e intlcpentlente de corrilhos partidarios nBo conscglliu as honras da (lisc~~ssbo, foi logo atafabadall Ella 6 tBo obvia t! fr~sante, a qucrn entende o que B liberdade e progress0 racionnl, que o sr. visconde de Seabra nao se esqueceu de s exarar no arligo 1125 do seu projecto do Codigo civ~l.

    0 casamento civil, p:lo modo que se acha cxarndo no Codigo, 6 urn elenic:nto dz~organlsador, antinomico e in- compativel com IIUI systema da 11:gislaclo benl ordenada e digna d'urna na~Ro culta. Sqam os noqsos licurgos tudo quanto quizercm, mas ahsordos nao se poilcm soffrer. 0 senso-comlriurn consplra-sc contra rlles.

    0 s protestantes riscar.am o matrirnonio do catalog0 nos sacramentos; n5o acreditern n'rllc. 0s francezcs por offeito das reformas revoll~cionarias nos fins (10 sccrrlo X V I I I abo- liram os ritos catholicos da Frangn rcpublicnna. Era ncccs- sario inventar, ou irnitar urna co~lsa que sl~bstituisse a falta do mntrirnonio catholico, po~qlle o cslado civil do fa- milia devra continuar a conslituir-se; e alguma cousn o havia de Icgal~sar. E n'estas circumstancias, os protestan- les clearam o casarnento civil, t: os rc[)oblicaoos francezes imitararn os prolestantes. 0 s protcstdntcs no sell erro. c os francezes no dclirio febril da sua rcpullica, todos forarn lo- gicos, forarn conseq~ientes. 0 s nossos legisladores do casa- mento civil, gozam de lilals algurna corisa do que o crro dos prolestantcs, gozarn mais algumn cousa do que o delirio febril dos republicanos francezcs, gozam a gloria d'um tre- mendo absurdo; s8o inconst:quenles, querem o effeito sern a existencia da causa; Portugal nao pass011 pclas lrans- forrnaq6es d'aquelles povos.

    NZo colhc o argomcnto dedrizido (la existencia do casa- mento civil franzcz, ondc sempre recorrem os panygiristas do casamento civil porl uguez.

    Houvc em P r a n ~ a uma ten~pestadc rcvoluc~onana, urna,

  • torrente se despenhou por alcantiladas montanhas, e, arras- tando comsigo todas as escorias que encontrou, veio toldar o rio d'agua crystnllina que serpeava na vasta campina. Voltou urn tempo bonan~oso; a agua romeqou a purifi. car-se, mas ainda o nlo estS de todo; a anomalia do casa- mento civil t;l a escorla, que ainda a perturba.

    Nlo adrnira. Este vituperio da 1egislaMo franceza casa-se muit9 bern corn o genio voluvel da nap&o. ~ P o i s que se ha de esperar de urn povo que assassinorl a sua liberdade PO- lilica? S6 quem nbo Liver lido a historia da revoluq7io fran- ceza desde a sua instauraclo at6 d chegada de Napole'eo do Egyplo, que snlvou a Franca da anarchia que a devorava, B que p6de ignorar as atrocidades commettidas por uln povo feroz exci t~do por figitadores ambiciosos ... Proclama- ram a igualdade, Iiberdade, seguranGa individual e de pro- pr~edatle. E depois que acontecei~? a igualdade e a liber- dade converteram-se n'uln punbal que assassinou a segu- ransa individual e a propriedade! I 0 s francezes n l o soube- ram comprehender o merecimento da Sun cllamada liber- dnde, joia da sua conquisla; biciaram-n'a, converteram-n'a e ~ n corrosivo social, para depois em paga da sua loucura soffrerem a sorte das r l s da fabula. Urn povo assinr B indi- gno de liberdade; a sua lcgisla~80 nao merece a honra de ser im~tada. salvo por servil~smo. ou malvadez. Napole30 querendo restituir a Pranca a ulna f6rma golitica regular para a salvar da confusBo tenebrosa, em qlie ella se d e b - tla, viu-se prerisndo n cou(lescender em njii~tos casos ram

    a ios, nlas as opiniiies dir 6pocha; achava-sc rociciado de s b' sabios repultl~canos que formulevam as leis dn reiorma na transi@o d3 r~publicn para :I rnonarchia. Jd se v6 quc to- das as leis francezas, a~nrla as da actnalidade, que se m- troncarem na republ~ca, h5o de necessariamenle accusar o vicio da sua orige~n. Assim B o castimento civll.

    Casanlento civil B o casnmento contract0 legalisado pela auctoricladc temporal constituida pilra esse fim, senb inter- venqiio algr~rila religiosa, nem quanto 8 fbrma, nem p a n l o 5. jurisdic:Bo.

    G sr. A . Hercultlno diz na mencionada carta que a bgis- laqlo do absolut~snio iOrd. do Reino, L. 4, tit. h.6, 5 2.') tinha auctorisado csles cltsarrlentos para os catholic~s, ist to qae nao consenlia cidnddos que o itdo fossem (I!); e do-

  • pois d'esta interroga~ao a que logo deu a resposta. Ndo stc- biam que tinhain en& casa a vrboru do casunlenlo crvl l? Pois tdnham ..... . accrescenta. N a ordenafdo o que o crbsolutismo fi- zrra, fdra elevar a mancebia a dignidade de n~cxtrimoniolll!!

    Releve o sr. A. Herculano que se Ihe diga que s. padeccu aqui um equivoco, que se nBo con~padece corn a reputa~$to litteraria, sobre tudo a respeito clas nnssas anti- guidades juridicas, de que s. tao dlgnemente goza. 0 decreto do referido 5 2 . O 6 uma providencia aos defeitos do matrirnonio clandestino, e n lo uma IepalisaqZio da man- cebia, ou matrimonio civil, sonhada pelo illustre escriptor. Mas o rnatrirnonio clandestino, supposto que irregular prlo que respeitava a algun~as das solemnidades legaes, havia uma de que nurica se prescindia: era a intervcnqBo da rc- ligiiio, pela assistenclii d'algurn dos seus rr~inlstros legitirna- mente habilitado para isso. Nern o calholicismo approvava casamerito pol' outro modo.

    Vejamos o que nos diz Tertulliano, quf: viveu desde o meiado do seculo I I it16 ao principio do 111, cscriptor m ~ ~ i t o consoltado nos costumes dos primeiros tempos da igreja. --Penes nos occultae qzioque conjrrncltones, 2 . e , non prtus apud ecclesiant p~ofessae , justa aoechaoi/i et fovnzcuttoneat judicari pericli tat~tui (De pud~c. cap. I V ) . E n'outra partc (Lib 2 . O ud uxor. cap. I X ) chama feliz o casamcnto - qzrnd ecclesta conciliut, et confirmat oblatzo, et obsignal benediclzo, uftyelt retzunciont, pule? ratum 1u.bet.

    Na presenqa dos (:scriptores ccclesiasticos, e do direito aanonlco dos pr~meiros seculos da igreja ca~holica, que para aqui n'Ro reproduzo, para n&o ser pesado, mas que se podrm ver no Decr. de Graciano causa xxx, quaest. v , e nos corn- mentadores, seria tein~a ~nidicula duv~dar que urna das con- diqBes essenciaes do casame~ilo era-qaod a sunccerdols cum precibus t t obla&toatbt~s fienediccriur ....

    Mas o sol do evangelho nascido nas trevas do paganismo gastou longas eras a dissipar os carregados nevoeiros, que disputavam a passagem dos seus lurninosos raios. 0 sys- terna da disciplina catholica n8o p6de formuiar-se de urn s6 jacto ; foi-se reformando e aperfeiqoando segundo o re- clamavam as necessidades e crl~cumstancias sociaes. Era mister nbo poucas vezes condescendcr con1 a indok e eos- tumes do paganismo. ' .

  • 0 s casillncnlos clantl~:stinos, isto 6 , feitos seln algumas das prescripgijes legaes, 4s escondidas, sen] testelnunhas, stn testigos (Partida 4.a tit. 3, lei sem proclamdc,iies (vulgo banhos), 8s vezes seln a presenca do parocho. s 6 corn a de qualquer outro sacerdote ... supposto comesas- sem il ser prohibiclos j4 desde o Papa Evaristo, porque a igreja queria, e a s o c i c d ~ d e g ~ n h a v a com a publ ica~ao do acto, n i o deisaram de ser tolerados.

    Era tal a repugnancia que os noivos tinham tl publicidado malrirnonial, e ainda hoje teern, porque nas grandes po- voaqijes quasi nunca se cssam senio de noute, ou d e ma- drugada; ou taes as couveniencias pessoaes ou domcsti- casd'esses casamentos clnndestinos, que n8o sendo as penas ecclesiasticas bastantc fortes para acabar com elles, f n ~ necessario que os reis arltigos os l~ rn i~assem sob pena do perdirnento de betis, excepto dquelles que nao tivessem su- periores, e tendo-os sd cotn 1icenr;a d'elles (Ord. Aff., L. 5.'. t i t . 13).

    E ainda posteriorn~ente o Sr. Rei D. Manoel fez uma pro- hibi@o rnais lata adrnittindo-os sbmente aos contrahentes qrle tivessem licenca de sells superiores (corno se pode ver mais extensamente na Synops. c t~ ron . toin. 1 . O , pag. 1501, at6 que por firn o Concilio de Trento (scs. 24, de ref. matr.) os extinguiu totalmente.

    Quando a monarchla portugueza nasceu, euconlror~ jd entre os povos quc a constltu~ram o matrimonio clandestl- no, e o dire110 das Decretaes. que n l o admittia casaniento que n l o fossc abenqoado pclo saccrdote calholico, corno jR acirn,~ demonstrei. As pessoas menos versadas na lritura tle clocurncntos d'csscy tcmpns ref-ondiros, onde a cada passo se cncontram ci ta~i jcs d'aquelle direito, podem rer n Memoria tlo Conse1hcil.o J . 1'. R ~ b e i r o no tom. 6.' dns d e Litterat. (la Acatlemla.

    Da confrontac,30 das leis da igreja com as do estado re- sulta a in~poss~bil idade moral da existencia d o casamenlo civil em Porlognl.

    J8 aponlei lles cnnonicas relativas ao matrimonio, e agora pe$o ao l e ~ t o r que me aconipanhe n'uma breve recap~lula- e&o d'alguns textos da jurisprudcncia civil pal a mostrar a80 56 quc cm geral a legisla@o d'ambo:, os poderes, d o espiritonl, e (lo tcnil)oral se davan~ as miios, Inas principal-

  • mente na especialidade matrimonial viviam em perfeito accbrdo.

    1.' D. Affonso 11, que foi o primeiro dos reis pnrtogoe- zes, que fez leis geraes do ctlnho national, no presmbulo d'ellas, ft:itas nas cbrles de Coimbra (anno de l21 l ) , esta- beleceu que -as .WS (suas) leys sseja guardadas e os derey- tos da sdla Bqregn de Homa, contipm a ssaber qrte sse forem feitas, ou estabelecudlrs (estabelecidas) contra eles, uu contra a sdta Egreju que n6 ualhd (L . d ~ s leis antigas fl. 1 , col. 1.& in princ.).

    2 . O De D. Affonso I i r ha esta lei: - 0 s cassamentos todos se podent fazer pcr aguelas pnr ozions (palavras), p a n scr~lta eyyl-eiu ~rrtindcr atanrlo (corntanto) que .ieiam tones qee possum casar sell pcccado. ir' lodo cassnmantr, qtte posscr sesr prouado quer sein n fzirto quer conho~udnmanle ~ i u l l r n (valerd), se 0.9 que casoarem forent dldade con~pry~lct como he de costume.

    3 . O O nlesmo rei confirmando limn lei de Affonsn 11 (111e prohibia quc se obrigasso algucm a casar contra sua von- tnde diz (Affonsina, I,. h . O , lit. 10, 5 4 . O ) : - E vistas pet. nds as ditas leyx rnttnda~nos que se guarden&, segcrndo em ellav he eonthevtdo, pofque sertrpre noyau teencotn rot, e ke corn a grup de IIeoy seguir u l o d o o nOS.FO poilev o9 ntundanaentos du Sdncta ~Ilodre Iqrejn; e pols o ella ~ S S J eatcthelcreo e mandoll ...

    nos trechos supra segue-se que dcscjando os legislntlor es d3 monarchia absoluta conformar-se 8s }cis da igreja, e n8o reconhecendo esta casamentos, que n2o fossem rellgiosos, niio 6 racional concluir qut! os hnvia civis, isto 8, nao re- ligiosos, ou sem a assistencia do sacerdotc catholico, em quanto o facto nRo for comprovado por doc~~mentos irre- sistiveis, de cujo encontro muilo dovido. Ben1 rejo que os meus adversarios podem retorquir-me, dizendo, que assim corno a igreja prohibia os casamcnlos clandestinos e a le- gislac,Bo porr~lgueza os tolerava ao lnenos em parte, conlo w v 6 do texto supra o n.O 2 da lei do Sr. D. Manoel a Fag. 10 e de logares das Ord de que mais adiante fallarei, tambem havia pntre n6s o casamento civll reprovado pela igreja, e admittido pelos reis. A isto respond0 que a minha these fica provada, e a vossa ainda o nao estd.

    A Ord. Philip. do L. 4.O, tit. 46, 5 2 . O , encontra um,a explica~Bo clara, facil e racional pela theoria do casamento clandestine. Ao contrario a que algue~n lhe quizer- dar pela

  • do casalnento crvrl nil0 ])tide derxar de ser tortuosa, sophis- ninda e v~oIt!n~;l

    Prinleiro qrlc cnlrc? no desenvolvimento cl'esta proposi- $Bo conv6n1 r~trogrn(1ar a alg~lns secrllos mnis afastados, (10 que a 4pocha c l o I:oncrlio dc Trento e lerlibrar ao leilor que anles d'este Conr~lio nito t~nhurn os parochos nem al- guma outra possoa ohrigaqao oEcial ordennda por lei, ou costume tle lavrar aolo, assento, nu ternlo do facto ~natri- n ~ o n ~ a l . A lor~vavel provldencia (10; ternlos parochiaes de- ve-se ao Concil~o. At6 ah1 a prova do casan~ento t ~ n h a de procurar-se prirueir o na publrc~dnde do facto, e depois na fama pnblicn. que d'elle se derivasse: por esta carlsa justa- lnente mandavam as leis que os matr~monios deviam ce l e brar-se B poria da igreja 1n facie ecclestae. E eviden~e que esta publicidade, concedendo havel-a, quando o casamento nho fosse clendestino, era trnnsllona. 0 s casados nrudayam de terra, as pessoas que tinham presenceado o casamento, 8s testemunhas, ou jS. niio existiam, ou tinham-se ausen- tad0 para lognr incerto ou distnnte. Alas o casamento, por alguma das mullas circurnstancias do movimento civil pre- cisava de ser provado; j e aonde se havia de, recorrer para alcangar a prova, ao menos presumptiva? E claro que aos aclos subsequentes do matrimonio, B cohabitas'ao dos con- juges em casa theuda e mantheuda, ou na companhia de seus paes, corn voz e fama de casados.

    0 s imperantes ti'esses tempos seriam uns ineptos se 1180 tlvossem legal~sado a farna publica e a cohabitas&o dos con- juges como prova do casamento; rnas n'ao o foram, anda- ram corn m u ~ t o acerto, aqui transcrevo a lei do Sr. D. Di- niz, que constituiu o direito a que allrlde o g 2 . O do tit. 46, L, 4 . O da Ord. Philip.; e o 2.O do tit. 47, L. 2 . O da Man.

    Como se prooa o casnrnento por fama. - cc Costume he ... a que se hfiu home uiue corn hna molher e mantern cesa (( ambos por sete annos continuadamente, chamando-se (< ambos rnarido e molher. Se fezorem compras ou- uen- (( das, ou comprazamento, e se pozerem ern elles, nos estor- i( ~lner~los ou cartas que fezereu~ marido e molher, e na vi- (( sydade (visinhanqa) os ouuerem por marido e por molher cc nom pode nenhij delles negar o casarnento, e hauel-os- (( ha6 por marido e por molher atnda que a 0 sejarn casados (( em face de Eyreja B .

  • Esta cnncessiva -aind I que ndo sejnnt cnsurlos.. . cquivalrr a est'outra-aindn que sejnm casndos clnndestantrrnetlt~.

    Se ainda hoje, passados j5 tall~os sec.ulosdepors d'aquella lei, n'um paiz, quc tern soffrido tantos extravios de docu- meotos, por invasdes iturnigas, gucrras c~vis e incenrlios; onde os processos matrirnoniaes se nchavam redilzidos 8 f6rma regular, pela extinccso do cr+sarncntoclandestino, Bern alguns casos necessario recorrer i farna pablica, como ul- tima prova dc matrimonio; con1 rnuita mnis razio se devia recorrer a clla n'esses tempos obscures, em que, nem d o casamento B face da igreja, nern do clandcslino se faziam assentos legaes.

    E na verdadc o senso-commurn leva a crer, na falta ab- soluta d'ootro docurnento, q l ~ e sBo casados o hornem e R mulher, qua po: longo tempo vivern unidos practicando to- dos os actos juridicos e civis, conlo cornpras, vendas ... ern que se declnrarn rnarido e mulher. A proposl@o opposta seria uma aberraclo, urn contrasenso, quc n lo entra na mente do leglslador.

    Grande parte da confus50, em que se volviam estas ma- terias provinha da falla d'uln registo legal dos casarnentos: todos reconheciam a neccssidade d'elle, mas sb por decreto do Concilio de Trento 6 que se comeqou geralmente a usar entre n6s. Se a institui~go tem alguma cousa de gloria, devc ella w r attribuida aos Padres do Concilio.

    A ctarta do sr. Abel Maria JordBo de 8 de Dezetnbro de 1865 (Jorn. do Corn. de Lisboa, n . O 3644) corn a citagBo do do facto narrado por Bezerra na sua obra - 0 s Estrangei- ros no Lima - ; e na celebre circular de D. Affonso IV aos bispos do reino apenas serve de provar que a instituiq7lo do pegisto matrimonial era de necessidade publica; mas n80 presta auxilio algum A sonhada existencia do casa- mento civil entre nossos antepassados, antes os factos de que rezam os dous citados documentos provam o contra- rio. Neni da escriptara do casamento dos noivos de Refoios se p6dc legitimamente inferir que a presenqa do tabelliao fosse urn effeito da citada circular; a escriptura nlo o diz. Esta providencia achava-se n8o tanto na lei de D. Affonso como no juizo dos noivos e de suas familias, constituindo at6, em alguns casos, uma necessidade domestics, 'porque,

  • lla falta tl,: rcg~sto o~atrirnonial, urls nao querendo que o factc~ (1 3 casamcuto sc tornasse no fl~turo object0 de conje- cturil- tcmera~ ins; e outros, porque algumas condipBes de escripturas antinul)c:iacs dependtam da prova do casamento I-ecorriam ao tabel11 o para lavrar um instrumento do facto.

    Creio que s 1150 a ~ ~ d o u muito feliz na sue allus30 ao Codigo visigothico, e As leis das I'artidas. No Codigo nllo eucontro cousa que offenda nern de!enda as nossas propo- sicdes; e as leis das Partidas, essas decididamenle s'ao hos- I.is 4 d~monstragao de s. e ~ . ~ Estas leis elaboradas nos tempos, cnl que o chamado ~lltramontanismo ainda exemia todo o seu irnper~o, t~moldadas d feiqlo clerical, como as nossas d'esses mesmos tempos, s l o documento contra pro- dricenlertt. A lei 28 d~ Partida 4.', tit. 3 . O manda, que se rlBo fapam casarr~entos contra as leis da igreja; e entre as leis da igreja, al6m das que jB apontei havia esta- u.... le- ccgitimum non s ~ t conjugium, nisi ab his, qui super ipsam ccfeminar~r dominationem haberc vidcntur, .... uxor peta-