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    Revista Filosofia CapitalISSN 1982 6613 Vol. 6, Edio 13, Ano 2011

    Revista Filosofia Capital RFC ISSN 1982-6613, Braslia, vol. 6, n. 13, p. 03-12, jul/2011.

    A CONCEPO DE CHARLES TAYLOR DE UMA

    TICA DA AUTENTICIDADE UNIDA A UMAPOLTICA DO RECONHECIMENTO

    CHARLES TAYLOR THE CONCEPTION OF AN

    ETHICS OF AUTHENTICITY UNITED FOR A

    POLI CY OF RECOGNITION

    MORAIS, Alexander Almeida1

    RESUMO

    Este artigo tem como objetivo explicitar a teoria de uma tica da autenticidade unida com umapoltica do reconhecimento como uma alternativa de resoluo dos problemas morais epolticos do mundo contemporneo.

    Palavras-chave: Charles Taylor, autenticidade, reconhecimento.

    ABSTRACT

    This paper aims to explain the theory of an ethics of authenticity together with a politics ofrecognition as an alternative to solve the moral and political problems in the contemporaryworld.

    Keywords:Charles Taylor, authenticity, recognition.

    1Graduado em Filosofia e Mestrando do Mestrado em tica e Epistemologia pela Universidade Federal do Piau. Bolsista daCAPES. Email:[email protected].

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    Revista Filosofia Capital RFC ISSN 1982-6613, Braslia, vol. 6, n. 13, p. 03-12, jul/2011.

    Introduo.

    O filsofo canadense Charles Taylor

    atualmente um dos grandes tericos docampo moral e poltico dacontemporaneidade, considerado como umdos representantes da chamada correntecomunitarista no atual e profcuo debateentre comunitaristas e liberais. Seusinteresses tericos abarcam uma vastaextenso de problemas, cujo exame revelano uma disperso de interesses, mas umatentativa de produzir uma verdadeiraantropologia filosfica2. A grande

    variedade de temas tratados por Taylor estentrelaada com um objetivo nico destefilsofo em fazer uma interpretao e umesclarecimento daquilo que constitui aidentidade moderna:

    O retorno antropologia como basepara as cincias humanas, a crtica aoliberalismo procedimental, bem comoas advertncias em relao a algunsequvocos do multiculturalismo, as

    expresses humanas e o problema dalinguagem designativa, ossignificados dos sentimentos morais,o homem como animal que se auto-interpreta, a reformulao dopensamento poltico-liberal so algunsexemplos das vrias proposies queTaylor desenvolve ao longo dos seustextos, os quais tm como eixometodolgico a leitura hermenutica-antropolgica do fenmeno humanoem sua expressividade histrico-

    cultural na esfera da ao. Dessemodo, o objeto de Taylor o homemcomo animal que se auto-interpretapara dar sentido a si mesmo em suavivncia mundana (ARAUJO, 2004,p. 14).

    Esta preocupao central de Taylor exposta mais claramente em sua obra

    principal,As fontes do self (1997), na qualele procura fazer um resgate dos elementos

    2 Para um estudo dos aspectos centrais envolvidos naantropologia filosfica de Taylor, Cf. LlAMAS, Encarna.Charles Taylor: Uma antropologia de la identidad.NavarraEspaa: EUNSA, 2001.

    constitutivos de nossa identidade modernaque permaneceram inarticulados ao longodo desenvolvimento da histria moral e

    poltica da modernidade. Uma ticacontempornea informada por umindividualismo que se tornou dominante,

    bem como baseada em formalismo ouprocedimentalismo no capaz de darconta da explicao das intuies moraisque permeiam o iderio moral moderno,embora, segundo Taylor, estas ticasinarticuladas usem em seu vocabulrio deforma velada tais hierarquias de bensconstitudas pelas intuies morais(falaremos dessas intuies morais adiante)que esto presente em nosso imaginriosocial moderno.

    Devido a esta inarticulao acimamencionada, a modernidade tem enfrentado

    problemas graves, que se materializam nasdisputas quase inconciliveis entre posturasmorais rivais, na nossa tendncia decairmos em algum tipo de relativismomoral e na ignorncia da filosofia

    contempornea sobre a crucialidade danossa conscincia e crenas morais, queformam o pano de fundo da constituio eda autocompreenso narrativa de nosso self(TAYLOR, 1997, p. 16). Com o objetivo dearticular os elementos constituintes daidentidade moderna, Taylor realizar umaanlise hermenutica e crtica da situaoem que se encontra a contemporaneidade.Procuraremos neste artigo expor de formasucinta o diagnstico dos problemas que

    Taylor faz do mundo contemporneo parachegarmos a sua proposta de uma tica daautenticidade unida a uma poltica doreconhecimento.

    O diagnstico de Charles Taylor:problemas morais da contemporaneidade

    no captulo intitulado As trsformas de mal-estar de seu livroA tica daautenticidade (1994, p. 37ss) que Taylorresume seu diagnstico sobre os impasses edesafios que imperam sobre a moral e a

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    Revista Filosofia Capital RFC ISSN 1982-6613, Braslia, vol. 6, n. 13, p. 03-12, jul/2011.

    poltica contemporneas3. Para Taylor,essas inquietudes que pairam sobre nossasociedade contempornea so at bem

    conhecidas por todos ns, e j foraminclusive denunciados por vrios

    pensadores crticos da modernidade comoAlasdair MacIntyre (2001) e MichaelSandel (1982). Estas crticas vo contra aotipo de poltica liberal que impera emnossas sociedades capitalistas e aoindividualismo exarcebado que tem como

    pano de fundo a concepo de sujeitoatomizado que forjado a partir damodernidade iluminista, e que constitui um

    problema moral para o estabelecimento deuma tica que vise ao bem comum nasrelaes comunitrias dos indivduos emsociedade.

    Assim, segundo Taylor, a primeiraforma de mal-estar de nossa pocacontempornea o individualismo. A ideiade indivduo para alguns defensores damodernidade, foi considerada um dosganhos mais admirveis da civilizao

    moderna. Vivemos hoje em uma poca emque as pessoas valorizam a capacidade deelegerem por si prprias suas regras ouformas de vida. Ao contrrio das sociedadesantigas que tinham uma ordem superior(seja o Cosmo, Deus, as Cadeiashierrquicas do Ser ou outra coisaqualquer) s quais estavam restringidas asliberdades dos sujeitos, hoje as pessoas sereconhecem como senhores de seus

    prprios destinos e livres em absoluto para

    escolherem seus projetos de vida:

    A liberdade moderna foi conquistadaquando conseguimos escapar dehorizontes morais do passado. A genteacostumava considerar-se como partede uma ordem maior. Em algunscasos, se tratava de uma ordemcsmica, uma grande cadeia do Ser,na qual os seres humanos ocupavam olugar que lhes correspondiam juntoaos anjos, aos corpos celestes e as

    3 Esse diagnstico de Charles Taylor feito maispormenorizadamente em seu livro As fontes do Self(1997).

    criaturas que so nossos congneresna Terra. Esta ordem hierrquica sereflete nas hierarquias da sociedade

    humana. A gente se encontravafrequentemente confinado em lugar,um papel e um posto determinadosque eram estritamente os seus e dosquais era quase impensvel afastar-se.A liberdade moderna sobreveio graasao descrdito de ditas ordens.(TAYLOR, 1994, p. 38)4.

    No entanto, Taylor argumentar quese estas ordens superiores limitavam aliberdade humana, todavia, eram elas quedavam sentido ao mundo e as aes das

    pessoas na vida social. Os objetos, aspessoas e os seres da natureza, no eramsomente instrumentos que estavam nossadisposio para podermos realizar nossos

    projetos pessoais. Todas estas coisas tinhamseu lugar numa hierarquia dos bens evalores, e os rituais e cerimnias da prpriasociedade possuam uma significao almde qualquer coisa de instrumental para ns

    (TAYLOR, 1994, p. 39). A descrena emqualquer tipo de ordem moral quetranscenda ao indivduo chamada porTaylor como o processo dedesencantamento do mundo. Na viso deTaylor, esse desencantamento operou uma

    perda de algo significativo que nos faz faltahoje. Parece que ao centrarmos demais nanoo do individualismo j noreconhecemos nenhum horizonte de valor a

    partir do qual e a favor do qual valesse a

    pena lutar ou morrer. Vivemos numa pocade niilismo radical, de uma sociedadepermissiva, de uma gerao fundada no Euou narcsica, e que tem comoconsequncias a perda do interesse pelasoutras pessoas e pela sociedade de formageral.

    A segunda forma do mal-estarcontemporneo a prevalncia da razoinstrumental em nossas sociedades. J queo desencantamento do mundo operou uma

    nova forma de ns olharmos os seres do

    4Todas as referncias a essa obra so tradues livres.

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    mundo, sendo que estes perdem seu valorintrnseco que lhes era conferido pelasordens ou configuraes morais das

    sociedades tradicionais; ento estes seresesto nossa disposio para seremmanipulados em nosso benefcio damaneira que ns quisermos:

    O desencantamento do mundo serelaciona com outro fenmenoextraordinariamente importante da eramoderna, que inquieta tambmenormemente a muitas pessoas.Poderamos cham-los de a primazia

    da razo instrumental. Por razoinstrumental entendo a classe deracionalidade de que nos servimosquando calculamos a aplicao maiseconmica dos meios a um fim dado.A eficincia mxima, a melhorrelao custo-benefcio, sua medidade xito (TAYLOR, 1994, p. 40).

    A primazia da razo instrumental sefaz sentir hoje atravs do prestgio queexiste sobre os avanos tecnolgicos e aindustrializao das sociedades. O perigoque nos rodeia neste ponto, segundo Taylor, que coisas importantssimas que deveriamser decididas com critrios mais elevados,acabam sendo resolvidos pela rgua deanlise do custo-benefcio. Assim, aquesto da importncia da modernizao oudo crescimento econmico, se sobressaienquanto critrios que decidam sobreassuntos que dizem respeito, por exemplo, a

    m distribuio de renda ou nos faaminsensveis as questes de problemasambientais como poluio, a destruio dacamada de oznio etc. Podemos perceberisso na dificuldade com que os pasesdesenvolvidos resolvam aceitar a presso dacomunidade internacional e assinemdocumentos (no toa o fiasco da ltimareunio dos lderes mundiais para tratar dequestes ambientais acontecida emCopenhague prova disso) de reduo de

    emisso de poluio, argumentando queisso trar desemprego, queda econmica ecrise de energia e/ou de combustvel no

    mundo. Aqui somos levados pela razoinstrumental e tambm pelo individualismoao campo da poltica e a terceira forma de

    mal-estar apontado por Taylor.A terceira forma de mal-estar

    contemporneo a perda da aspirao daspessoas de participarem do governo de suassociedades. Se cada indivduo preferecentrar-se em sua prpria vida, na busca desua realizao pessoal e profissional, amargem para que as pessoas se unam emfrente a uma causa comum e lutem paraobrigar aos dirigentes governamentais aagirem em prol desta causa fica cada vezmais reduzido. Aqui Taylor se apoia nasanlises de Tocqueville que em seu livroDela dmocratie en Amrique(1968) mostrouque a liberdade poltica estava assentada nacapacidade de nosso controle sobre

    possveis solues de problemas frente auma sociedade cada vez mais conflituosa emltipla em termos de princpios de justia.H com o individualismo um deslocamentocada vez mais crescente da esfera pblica

    para privada, o que pode abrir as portas,segundo Taylor, a um novo tipo dedespotismoum despotismo brando:

    Com isto se abre as portas para operigo de uma nova formaespecificamente moderna dedespotismo, o que Tocquevillechamou de despotismo brando. Noser uma tirania do terror e opressocomo nos tempos passados. Ogoverno ser suave e paternalista.

    Pode ser que mantenha inclusiveformas democrticas, com eleiesperidicas. Porm, na realidade, tudose reger por um imenso podertutelar, sobre o que as pessoas teropouco controle (TAYLOR, 1994, pp.44, 45).

    O diagnstico de Taylor desenvolvidoat aqui com a descrio das trs formas domal-estar

    5 contemporneo chega

    5Para uma discusso maior sobre o diagnstico de CharlesTaylor sobre a contemporaneidade, Cf. OLIVEIRA(2006).

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    concluso que o individualismo centra-seem um sujeito que no se interessa pela sua

    participao no espao pblico e se

    interessa mais apenas em si mesmo, nabusca de sua realizao profissional epessoal. O que est por trs desta visoindividualista a noo de um eudesengajado e de um selfpontual6, queresultar em uma viso atomista dasociedade. Esta diz respeito a umasociedade concebida como constituda por

    propsitos individuais ou podendo serexplicado em referncia a estes propsitos.

    Entretanto, apesar dessa sua anlisecrtica da condio moral e poltica dacontemporaneidade, Charles Taylor no seassocia com os detratores do mundomoderno no sentido que deve se rejeita tudoque a modernidade nos relegou, nem seassocia com aqueles que fazem um elogiorasgado ao mundo de hoje. Taylor assumeaqui uma posio que poderamos chamarde intermediria, embora Taylor rejeite estetermo (TAYLOR, 1994, pp. 58, 59).

    Quanto ao imprio do individualismo e deuma liberdade autodeterminada, CharlesTaylor reconhece que por detrs deles hum ideal moral altamente rico designificaes, e que precisa ser recuperadocaso queiramos achar uma soluo maisvivel para sairmos dessas formasdegradadas da noo de indivduo e deliberdade autodeterminada que imperam emnossa sociedade atual. O ideal moral queest subjacente a ideia de indivduo

    moderno est fundado na sua capacidade deautorrealizao, o que implica a noo deautenticidadecom relao a si mesmo.

    Este ideal moral acima mencionadoTaylor o desenvolve numa proposta de umatica da autenticidade. Esta implica quedesenvolvamos nossa liberdade de forma anos concebermos autenticamente em nossomodo sermos o que somos. Esta identidade,conforme a natureza dialgica deexpressividade do ser humano, s poder

    6 Para uma descrio melhor do que significa o eudesengajado e o selfpontual, Cf. TAYLOR (2000, p.19ss) e (1997, p. 209ss).

    ser construda junto com o intercmbio comos meus prximos na comunidade em queestou situado. Da a ligao e a necessidade

    de uma tica da autenticidade vir junto noplano social com uma poltica que tenhacomo ideal a categoria do Reconhecimento.Mas antes de falarmos dessa ligao e do

    papel do reconhecimento na constituio daidentidade do sujeito moral, passemos auma explicitao da tica da autenticidade

    proposta por Taylor.

    A tica da autenticidade.

    Para Charles Taylor, em sua anlisehermenutica sobre os elementos deconstituio da identidade modernarealizadas em As fontes do self (1997),vrias de nossas intuies morais (queesto ligadas noo de avaliaes fortes7)esto arraigadas em nossa maneira dedefinirmos nossa prpria identidade, como,

    p.ex., o respeito vida, integridade, ao

    bem-estar e tambm prosperidade dosoutros que esto unidos quase sempre auma perspectiva que leva em conta umadada ontologia do ser humano. Estaontologia explicaria porque um objeto digno ou no de nossa aceitao moral,como objetos adequados de nosso respeito:

    Todo o modo pelo qual pensamos,refletimos, argumentamos e nosquestionamos sobre a moralidadesupe que nossas reaes morais tmesses dois lados: no so apenassentimentos viscerais, mas tambmreconhecimento implcitos deenunciados concernentes a seusobjetos.(...) As explicaesontolgicas tm o estatuto dearticulaes de nossos instintosmorais. Elas articulam as afirmaes

    7As avaliaes fortes (strong evaluations) so aquilo quedizem respeito a discriminaes acerca do certo ou

    errado, melhor ou pior, mas elevado ou menos elevado,que so avaliados por nossos desejos, inclinaes ouescolhas, mas existem independentemente destes eoferecem padres pelos quais podem se julgados(TAYLOR, 1997, pp. 16, 17).

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    implcitas em nossas reaes. Nomais podemos argumentar sobre elasquando assumimos uma instncia

    neutra e tentamos descrever os fatostais como so independentementedessas reaes, como fizemos nascincias naturais desde o sculo XVII. claro que existe uma objetividademoral. A evoluo da introviso moralrequer com frequncia queneutralizemos algumas de nossasreaes. Mas isso ocorre para que asoutras possam ser identificadas,percebidas e descobertas por meio decimes mesquinhos, egosmo ou

    outros sentimentos indignos. Nunca setrata de prescindir por inteiro denossas reaes (TAYLOR, 1997, pp.20, 21).

    Este tipo de ontologia acima expostoimplica na adoo por parte de Taylor deuma concepo realista da moral, onde osvalores tm uma objetividade independenteda mera projeo de meus desejos einclinaes, isto porque eles funcionam

    como padres qualitativos de avaliao deminha conduta:

    Falei no pargrafo anterior de nossasintuies morais e espirituais. (...) Oque elas tm em comum com questesmorais, e o que merece o termo vagoespiritual, o fato de todasenvolverem o que denominei alhuresavaliao forte, isto , envolveremdiscriminaes acerca do certo ouerrado, melhor ou pior, mais elevadoou menos elevado, que so validadaspor nossos desejos, inclinaes ouescolhas, mas existem independentesdestes e oferecem padres pelos quaispodem ser julgados. Assim, emborapossa no ser julgado um lapso moralo fato de eu levar uma vida que naverdade no vale a pena nem trazrealizao, descrever-me nessestermos , de certo modo, condenar-meem nome de um padro, independente

    de meus prprios gostos e desejos,que eu deveria reconhecer (TAYLOR,1997, pp. 16, 17).

    Taylor usa aqui a sua teoria dasavaliaes fortes para mostrar que parte denossos desejos e aspiraes esto

    associados a uma determinadaconfigurao moral que funciona como

    paradigma de avaliao de nossos desejos edas aes deles decorrentes. Estasconfiguraes permitem discriminar umahierarquia de bens e at formular uma idiade hiperbens, que no dependem doindivduo em si mesmo, mas j esto postos

    pelas formas avaliativas na cultura dedeterminada comunidade:

    O que venho chamando deconfigurao incorpora um conjuntocrucial de distines qualitativas.Pensar, sentir, julgar no mbito de talconfigurao funcionar com asensao de que alguma ao oumodo de vida ou modo de sentir incomparavelmente superior aosoutros que esto mais imediatamenteao nosso alcance (...) E esse o pontoem que a incomparabilidade vincula-

    se ao que denominei avaliaoforte: o fato de que esses fins ou benstm existncia independente de nossosdesejos, inclinaes ou escolhas, deque representam padres com basenos quais so julgados esses desejos eescolhas. H obviamente duas facetasinterligadas do mesmo sentido devalor superior. Os bens que merecemnossa reverncia tambm tm defuncionar em algum sentido comopadres para ns (TAYLOR, 1997,

    pp. 35, 36).

    As avaliaes fortes soimprescindveis para a constituio denossa narrativa pessoal, ou seja, soresponsveis pela maneira como nosautocompreendemos e compreendemos osoutros. Mas como recebemos asconfiguraes morais pelas quaisorientamos nossas vidas e que utilizamoscomo elementos essenciais para definir

    nossa identidade? S podemos nosautocompreender e compreender os outrospela dimenso inerentemente expressivista

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    do agir humano. E para Taylor, o homem um ser que se expressa pela linguagem. atravs dela que os indivduos se

    relacionam uns com os outros emsociedade. Mas a prpria linguagem s seadquire pelo intercmbio do homem comoutros em sociedade:

    Essa caracterstica crucial da vidahumana seu carterfundamentalmente dialgico.Tornamo-nos agentes humanosplenos, capazes de nos compreender ans mesmos e, por conseguinte, de

    definir nossa identidade, mediante aaquisio de ricas linguagenshumanas de expresso. Para meuspropsitos aqui, desejo tomar alinguagem no sentido amplo, cobrindono s as palavras que falamos mastambm outros modos de expressopor meio dos quais nos definimos,incluindo as linguagens da arte, dogesto, do amor etc. Mas aprendemosesses modos de expresso por meio deintercmbios com outras pessoas. As

    pessoas no adquirem as linguagensde que precisam para se autodefinirempor si mesmas. Em vez disso, somosapresentados a essas linguagens pormeio da interao com outras pessoasque tm importncia para nsaquiloque G. H. Mead denominava osoutros significativos. A gnese doesprito humano , nesse sentido, nomonolgica, no algo que cada pessoarealiza por si mesma, mas dialgica(TAYLOR, 2000, p. 246).

    Com base em sua argumentao dacaracterstica essencial da linguagem dosseres humanos, que lhes constitui comoseres de dilogo, Taylor argumenta que anoo contempornea da individualidade,que esconde por trs de si um ideal moralde autenticidade (isto , o sujeito tendo queser fiel a si mesmo na busca de suaautorrealizao e autodefinio), s poder

    ser plenamente realizada se houver umvnculo com o estabelecimento e realizaoda categoria do reconhecimento no planosocial e poltico. Isto porque, segundo

    Taylor, o indivduo s chega a definir suaidentidade por meio do dilogo com outrosmembros da sua sociedade, com aquilo que

    essas outras pessoas de sua comunidadeesperam dele e, s vezes, at em luta contraas expectativas do outros sobre ele.Somente assim o indivduo poder definir-se e ganhar autonomia (outro ideal modernomuito privilegiado hoje em dia), frente asua famlia, seus amigos, seus colegas deemprego, enfim, sobre a sociedade comoum todo. Para Taylor, a descoberta deminha identidade no significa uma

    produo de mim mesmo em umisolamento ntimo. Implica que h umanegociao dialgica, entre eu e o outro,que acarreta que o ideal da identidadesurgido na modernidade leva a primeiro

    plano a importncia do reconhecimento, ouseja, a minha prpria identidade dependente de minhas relaes dialgicascom os outros (TAYLOR, 2000, p. 248).

    Na viso de Taylor a importncia doreconhecimento agora universalmente

    reconhecida e vem tona em debates atuaissobre o multiculturalismo, a luta dasfeministas e dos movimentos antirracistas e,tambm, na luta de pases do TerceiroMundo na busca de desenvolvimento ereconhecimento de suas identidades eautonomia enquanto naes soberanas.Dada a ligao intrnseca j ressaltada entreidentidade (que como vimos, envolve umideal moral de autenticidade) ereconhecimento, passemos anlise da

    idia de umapoltica do reconhecimentonaviso de Taylor.

    Para uma poltica do reconhecimento.

    Para Taylor, o discurso doreconhecimento tornou-se hoje lugarcomum em dois nveis. Primeiro, na esferantima que diz respeito a formao de nossaidentidade (Self), que como vimos mais

    acima, implica numa constituio dialgicacom outros membros de minhacomunidade. Em segundo lugar, o

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    reconhecimento aparece na esfera pblicana luta por direitos iguais entre os povos, naluta dos grupos minoritrios contra a

    discriminao e na militncia dasfeministas.

    Taylor discute que a noo modernade reconhecimento pe em relevo aestrutura dialgica dos processos deconstituio da identidade humana. Estaestrutura tem sido negligenciada pelafilosofia contempornea, dado seu carterfundamentalmente monolgico. Estafilosofia, que est centrada na noo dedignidade (diante do desgaste da ideia dehonra que pertencia s sociedadestradicionais) tem desenvolvido umapolticado universalismo da igualdade entre todasas pessoas (a Declarao dos DireitosHumanos um exemplo dessa postura), naqual a igual dignidade dos cidados se temresolvido em uma poltica cujos contedostem sido a igualao de direitos e

    privilgios por meio da lei (TAYLOR,2000, p. 250).

    Entretanto, concomitantemente a essetipo de poltica acima mencionado, tambmse desenvolveu no mundo contemporneouma poltica da diferena, que por vezesentra em conflito com a da poltica daigualdade universal. A poltica da diferena,em face da discriminao histrica degrupos minoritrios ou marginalizados,

    prega que no possvel uma ideal deigualdade universal dado as discrepnciassociais e econmicas em que se encontram

    as diversas classes sociais de nossasociedade, o que implica que os gruposdesfavorecidos historicamente lutam comdesvantagens frente aos grupos dominantes.Entre aqueles que defendem a poltica dadiferena esto os que apregoam polticasde discriminao reversa oferecendo(atravs de cotas) as pessoas de gruposmarginalizados oportunidades maisfavorveis ao ingresso em Universidades ouem vagas para emprego.

    Na opinio de Taylor, as duaspolticas acima mencionadas se foremdefendidas de forma unilateral, no

    resolvem os problemas que permeiam nossasociedade contempornea. Talunilateralidade das duas posturas polticas

    no consegue articular os elementosconstitutivos de valor que subjaz cada umadelas. Entre estes elementos de valor est oideal de individualidade e do respeito igualdos indivduos, bem como dos grupossociais:

    Assim, essas duas modalidades depoltica, ambas baseadas na noo derespeito igual, entram em conflito.Para uma delas, o princpio do

    respeito igual requer que tratemos emas pessoas de uma maneira cega sdiferenas. A intuio fundamental deque os seres humanos merecem esserespeito concentra-se naquilo que omesmo em todos. Para a outra, temosde reconhecer e mesmo promover aparticularidade. A reprovao que aprimeira faz segunda simplesmente que ela viola oprincipio de no-discriminao. Areprovao que a segunda faz

    primeira a de que ela nega aidentidade ao impor s pessoas umaforma homognea que infiel a elas(TAYLOR, 2000, p. 254).

    Diante de tal unilateralidade dessasduas polticas, Taylor procura encontrar naconcepo de uma poltica doreconhecimento a sada para umareelaborao da esfera pblica que d contade atender as demandas que dizem respeito

    ao ideal de igualdade das democraciasmodernas e ao reconhecimento dasidiossincrasias e especificidades das vriastradies culturais e das mltiplas formasde identidades constitudas historicamente.A poltica do reconhecimento evitaria o

    perigo de cairmos em universalismo dadignidade fundado apenas no direito, que

    pode mascarar diferenas e exploraes quesubjazem nossas sociedades. Diante da

    postulao do mundo moderno dadignidade fundada no direito, Taylor

    procura articular a noo de dignidade apartir do conceito de valor que implica um

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    potencial humano universal, umacapacidade de que partilham todos os sereshumanos. esse potencial, em vez de

    qualquer coisa que uma pessoa possa terfeito dele, que assegura que cada pessoamerece respeito (TAYLOR, 2000,p.253).

    Dessa forma, neste ponto, Taylortrabalha com uma ideia que muito

    prxima do pensamento liberal modernoque atribui aos sujeitos uma capacidade deautonomia individualizada que lhes garanteo poder de buscar por si mesmos seus finsna sociedade. Mas isto, segundo Taylor, s

    pode ser conseguido de forma plena dentrode estruturas sociais e culturais mais amplasnas quais os indivduos possam construirsuas identidades. Dessa forma, para Taylor,o mal-estar da modernidade, no que dizrespeito a individualidade, no existe

    porque as pessoas orientam-se pela ideia deautenticidade do indivduo e pela busca deautorrealizao; mas sim, por causa de uma

    busca equivocada de como podemosalcanar esses fins valorizados pela

    modernidade. Ao centrar-se excessivamentesobre si mesmo, o indivduo cria umegocentrismo que nega quaisquer valoressuperiores a si mesmo. Dessa maneira, esteindividualismo exarcebado empobrece osvalores que ligariam o indivduo a outras

    pessoas e sua comunidade poltica.Comentando esta incapacidade doindivduo de ver as premissasantropolgicas dos valores humanos que

    poderiam fazer com que o indivduo

    superasse seu plano egocntrico,denunciado por Taylor, o professor PauloRoberto de Araujo diz:

    A preocupao de Taylor est naelaborao de uma tica que permitaaos indivduos recuperar aquilo quelhes confere a possibilidade deprojetar existencialmente formassignificativas de vida. com base narecuperao da antropologia filosficoque Taylor v a possibilidade deelaborar uma tica que possa ter umimpacto real na vida das pessoas, afim de faz-las perceber a importncia

    dos termos identidade ereconhecimento. Para ele, essestermos esto estreitamente ligados no

    campo semntico da poltica modernacomo estruturao de novossignificados para as aes humanas noespao do convvio pblico. Aidentidade s pode se realizar caso oespao de interlocuo entre osagentes esteja sustentado peloreconhecimento de cada um comoforma de expresso humana. esseprincpio do reconhecimento do outroque precisa estar claro na formulaode novas prticas polticas (2004, p.

    172).

    Para Charles Taylor, na ideia de igualdignidade dos indivduos se apoiam duasmaneiras diferentes de compreender anatureza da poltica: uma que acentuaria naneutralidade cega da esfera pblica comrespeito aos modos de vida particulares(prpria do liberalismo) e outra que querentender que essa esfera pode serespecialmente sensvel a fomentar o

    desenvolvimento desses modos de vida,sobre tudo quando alguns deles esto emriscos. Assim, diante de uma imparcialidadeneutra, Taylor enfatiza que devemostrabalhar com um conceito de igualdadeinteressada na particularidade (seja deindivduos, seja de grupos culturais etc.),isto , numa poltica de reconhecimento.

    Consideraes finais.

    Portanto, na viso de Taylor existemtrs problemas com as sociedadescontemporneas. Primeiro, o surgimento eimprio do individualismo, o qual caracterizado como a destruio doshorizontes substantivos de valor cujaarticulao o objetivo primordial dasanlises hermenuticas de Taylor sobre aconstituio da identidade moderna. De

    mos dadas com esse enfraquecimento eesquecimento das configuraes morais denossa individualidade, surge uma reduo

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    Revista Filosofia CapitalISSN 1982 6613 Vol. 6, Edio 13, Ano 2011

    Revista Filosofia Capital RFC ISSN 1982-6613, Braslia, vol. 6, n. 13, p. 03-12, jul/2011.

    da racionalidade ao clculo do custo-benefcio, que a predominncia da razoinstrumental em nossas sociedades. Com

    esta instrumentalidade da racionalidadeocorre a deteriorao das dimenses desentido que correspondiam aos fins evalores que orientavam a significao dasaes dos homens frente a sua sociedade, asoutras pessoas e em relao aos demaisseres e objetos do mundo. A terceira formade mal-estar contemporneo a ameaa deum novo despotismo que pode causar a

    perda de nossa liberdade individual ecoletiva. Trata-se da perda da iniciativa daesfera pblica em atuar no autogoverno desua sociedade, o que permitiria um controlede um Estado tutelar e paternalista sobre asociedade civil que tiraria a liberdade deautodeterminao dos indivduos.

    Atravs de seu diagnstico, Taylorprocura desenvolver uma alternativacentrada na tica da autenticidade, comoum esforo de recuperao das fontessubstantivas da vida moral, que inclusive

    permanece escondida debaixo da prpriaideia moderna de indivduo, de autonomia ede autorrealizao. Mas esta tica precisaser completada com uma poltica doreconhecimento que vise mostrar que oideal contemporneo de autenticidade s

    pode se concretizar atravs do dilogo entreindivduos e comunidades, que reconheaas diferenas ao mesmo tempo em quegaranta igualdade de todos paraconstiturem suas identidades de formas

    plenas, livres e autnomas. Portanto, Taylorquer contrabalanar o individualismo com oreconhecimento dos horizontessignificativos de valores que no seencerram exclusivamente no Eu (Self),masque implicam a necessidade do dilogo comos outros membros de nossa comunidade,

    bem como, um dilogo ao nvel maisamplo, entre as vrias tradies e culturas,como formas de reconhecimentocomunitrio que so necessrias

    constituio de nossa identidade.

    Referncias

    ARAUJO, Paulo Roberto M. de. CharlesTaylor: para uma tica do reconhecimento.

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