Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando...

29
49 Caso 9 | Anestesia Corneana Pressão intraocular: 14 mmHg AO. (Tonometria de Goldmann às 9 h). Gonioscopia: ĺ OD: aberto 360 o até banda do corpo ciliar. ĺ OE: aberto 360 o até banda do corpo ciliar. Fundo de olho: ĺ OD: disco óptico róseo, escavação 0,3 x 0,2, mácula e vasos sem alterações, retina colada 360 o . ĺ OE: disco óptico róseo, escavação 0,3 x 0,3, mácula e vasos sem alterações, retina colada 360 o . Tempo de rotura do filme lacrimal: ĺ Menor que três segundos AO. Teste de Schirmer: ĺ Menor que 5 mm AO. Teste de sensibilidade corneana com o cotonete: ĺ Anestesia AO. ĺ Reflexos: normais AO. Hipteses Diagnsticas ĺ Síndrome Gomez-Lopez-Hernandez. ĺ Olho seco grave. Conduta ĺ Carboximetilcelulose 0,5% sem conservante 5x/d. ĺ Óleo de Linhaça VO 2 caps 1x/d. ĺ Soro autólogo 20% 6x/d. ĺ Fresh Tears 5x/d. ĺ Epitegel AO 1x/d antes de dormir. ĺ Ampliar tarsorrafia. Discussªo ĺ Cenário: ĺ É uma entidade clínica rara; os primeiros sinais da doença aparecem de 8 a 12 meses. ĺ O déficit sensorial pode ser confinado à córnea ou estender-se a outras divisões do nervo trigêmeo. ĺ O déficit sensorial pode ocorrer como uma anomalia isolada, como parte de uma síndrome neurológica com- plexa, ou pode ocorrer em associação com várias anormalidades somáticas e insensibilidade congênita à dor. ĺ Apresentação: ĺ Inicial: ceratite puntata. ĺ Progressão: defeitos epiteliais persistentes. ĺ Avançada: úlcera neurotrófica, úlceras infecciosas secundárias e perfuração ocular. Tratamento ĺ Lubrificação abundante, prevenção de automutilação e uso cauteloso de lentes de contato terapêuticas. ĺ Tarsorrafia é eficaz em promover a cicatrização, e tarsorafias laterais permanentes podem evitar o desenvolvi- mento de defeitos epiteliais. Enxerto de membrana amniótica pode ser considerado a fim de melhorar a cicatri- zação do epitélio. Consideraıes Finais ĺ Anestesia congênita de córnea é pouco frequente, costuma ser mal diagnosticada e conduzida e pode acarretar graves sequelas aos pacientes. Trata-se de um diagnóstico de exclusão que requer do oftalmologista um alto índice

Transcript of Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando...

Page 1: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

49 Caso 9 | Anestesia Corneana

Pressão intraocular: 14 mmHg AO.(Tonometria de Goldmann às 9 h).

Gonioscopia:OD: aberto 360o até banda do corpo ciliar.OE: aberto 360o até banda do corpo ciliar.

Fundo de olho:OD: disco óptico róseo, escavação 0,3 x 0,2, mácula e vasos sem alterações, retina colada 360o.OE: disco óptico róseo, escavação 0,3 x 0,3, mácula e vasos sem alterações, retina colada 360o.

Tempo de rotura do filme lacrimal:Menor que três segundos AO.

Teste de Schirmer:Menor que 5 mm AO.

Teste de sensibilidade corneana com o cotonete:Anestesia AO.Reflexos: normais AO.

Hipóteses Diagnósticas

Síndrome Gomez-Lopez-Hernandez.Olho seco grave.

Conduta

Carboximetilcelulose 0,5% sem conservante 5x/d.Óleo de Linhaça VO 2 caps 1x/d.Soro autólogo 20% 6x/d.Fresh Tears 5x/d.Epitegel AO 1x/d antes de dormir.Ampliar tarsorrafia.

Discussão

Cenário:É uma entidade clínica rara; os primeiros sinais da doença aparecem de 8 a 12 meses.O déficit sensorial pode ser confinado à córnea ou estender-se a outras divisões do nervo trigêmeo.O déficit sensorial pode ocorrer como uma anomalia isolada, como parte de uma síndrome neurológica com-plexa, ou pode ocorrer em associação com várias anormalidades somáticas e insensibilidade congênita à dor.

Apresentação:Inicial: ceratite puntata.Progressão: defeitos epiteliais persistentes.Avançada: úlcera neurotrófica, úlceras infecciosas secundárias e perfuração ocular.

Tratamento

Lubrificação abundante, prevenção de automutilação e uso cauteloso de lentes de contato terapêuticas.Tarsorrafia é eficaz em promover a cicatrização, e tarsorafias laterais permanentes podem evitar o desenvolvi-mento de defeitos epiteliais. Enxerto de membrana amniótica pode ser considerado a fim de melhorar a cicatri-zação do epitélio.

Considerações Finais

Anestesia congênita de córnea é pouco frequente, costuma ser mal diagnosticada e conduzida e pode acarretar graves sequelas aos pacientes. Trata-se de um diagnóstico de exclusão que requer do oftalmologista um alto índice

Page 2: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

50 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

de suspeição e medidas terapêuticas rápidas e precisas para um bom prognóstico visual desses pacientes. Pode ser uni ou bilateral, associada ou não a anomalias sistêmicas.O tratamento dos pacientes com ACC deve ser realizado o mais precoce possível e de maneira rigorosa a fim de evitar danos à transparência corneana. As principais opções de tratamento incluem lubrificante tópico de modo intensivo, antibiótico tópico, lente de contato terapêutica, membrana amniótica e tarsorrafia..A tarsorrafia é uma indicação recorrente por se tratar de um procedimento cirúrgico seguro e efetivo em casos de defeito epitelial persistente.

Referências

Zaldívar-Pascua G, Dávila-Gutiérrez G, Fernández-Álvarez H. Síndrome de Gómez-López-Hernández (displasia cerebelo-trigémino-dérmica). Informe de un caso. Acta Pediatr Mex. 2011;32(5):292-6.

Rosenberg ML. Congenital trigeminal anaesthesia. A review and classification. Brain. 1984;107(Pt 4):1073-82.Mathen MM, Vishnu S, Prajna NV, Vijayalakshmi P, Srinivasan M. Congenital corneal anesthesia: a series of four

case reports. Cornea. 2001;20(2):194-6.Alves M, Dias AC, Rocha EM. Dry eye in childhood: epidemiological and clinical aspects. Ocul Surf. 2008;6(1):44-51.

Page 3: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

51Caso 10 | Banco de Olhos: Rotina, Indicações e Contraindicações

Caso 10 | Banco de Olhos: Rotina, Indicações e Contraindicações

Luis Guilherme Milesi Pimentel

DOADOR 1

Anamnese

Identificação: A. S. P., 73 anos, sexo feminino, caucasiana.

Causa 1ª da morte: neoplasia pancreática metastática.

Sorologias:HIV: negativo.Hepatite B e C: negativo.

Antecedentes oftalmológicos: NDN.

Enucleação: 5 horas após o falecimento.

Preservação da córnea: 2 horas após a enucleação.

Avaliação da córnea doadora: Figuras 10-1 a 10-5.

Hipóteses Diagnósticas

Figura 10-6.

DOADOR 2

Anamnese

Identificação: F. E. A., 42 anos, sexo masculino, caucasiano.

Causa 1ª da morte: pneumonia.

Sorologias:HIV: negativo.Hepatite B e C: negativo.

Figura 10-1 Avaliação córnea doador 1. Figura 10-2 Avaliação córnea doador 1.

Page 4: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

52 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Figura 10-3 Avaliação córnea doador 1. Figura 10-4 Avaliação córnea doador 1.

Figura 10-5 Microscopia especular doador 1.

Figura 10-6 Escore de avaliação doador 1 .

Antecedentes oftalmológicos: NDN.

Enucleação: 3 horas após o falecimento.

Preservação da córnea: 7 horas após a enucleação.

Avaliação da córnea doadora: Figuras 10-7 a 10-10.

Hipóteses Diagnósticas

Figura 10-11.

Conduta

Doador 1:Pterígio longe do eixo visual.Boa contagem de células endoteliais.Córnea liberada para transplante óptico.

Page 5: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

53Caso 10 | Banco de Olhos: Rotina, Indicações e Contraindicações

Figura 10-7 Avaliação córnea doador 2. Figura 10-8 Avaliação córnea doador 2.

Figura 10-9 Avaliação córnea doador 2. Figura 10-10 Microscopia especular doador 2.

Doador 2:Pterígio com área de opacidade avançando próximo ao eixo visual.Boa contagem de células endoteliais.Córnea descartada para transplante óptico.

Discussão

Avaliação da córnea doadora: Figuras 10-12 a 10-16.Contraindicações de doação de córnea:

Morte de causa desconhecida.Hepatite viral aguda.Sepse.Raiva.AIDS.Doença de Creutzfeldt-Jakob (vaca louca).Panencefalite subaguda esclerosante.Rubéola congênita.Linfomas ativos disseminados.Leucemias.Síndrome de Reye.

Page 6: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

54 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Figura 10-11 Escore de avaliação doador 2 .

Figura 10-12 Formulário de avaliação do globo ocular UNIFESP.

Figura 10-13 Formulário de avaliação da córnea preservada UNIFESP.

Figura 10-14 Escore de avaliação da córnea preservada UNIFESP.

Encefalite:Viral ativa.Origem desconhecida.Encefalopatia progressiva.

Doença neurológica de diagnóstico indeterminado.Endocardite (bacteriana ou fúngica) ativa.Doadores com doenças intrínsecas do olho:

Retinoblastoma.Tumores malignos do segmento anterior ocular.

Page 7: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

55Caso 10 | Banco de Olhos: Rotina, Indicações e Contraindicações

Doadores com testes sorológicos +:HBs Ag, Anti-HBc, Anti-HCV.Anti-HIV-1 ou Anti-HIV-2.

Doadores submetidos à cirurgia intraocular ou do segmento anterior.Distúrbios congênitos ou adquiridos (cicatriz central na córnea, ceratocone, ceratoglobo).Inflamação ativa ocular.

Referência

ADAN, Consuelo Bueno Diniz et al . Dez anos de doação de córneas no Banco de Olhos do Hospital São Paulo: perfil dos doadores de 1996 a 2005. Arq. Bras. Oftalmol., São Paulo , v. 71, n. 2, p. 176-181, Apr. 2008.

Figura 10-15 Formulário de reavaliação da córnea preservada UNIFESP.

Figura 10-16 Frasco contendo córnea preservada e formulário de avaliação da córnea do Banco de Olhos da UNIFESP.

Page 8: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

56 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Caso 11 | Ceratite Intersticial

Fabiana da Fonte Gonçalves e Danielle Lumi Miura

Anamnese

Identificação: S.A.S., 9 anos, sexo feminino, negra, natural e procedente de São Paulo (SP), estudante.

Queixa principal: “Irritação” no OD há 14 dias.

História da doença atual: paciente refere hiperemia e lacrimejamento no OD há seis meses. Procurou outro serviço onde foi diagnosticada conjuntivite alérgica. Há aproximadamente 14 dias teve piora da hiperemia e lacrimejamento, além de fotofobia, dor e piora da acuidade visual no OD.

Antecedentes oculares: conjuntivite alérgica, em uso de cetotifeno colírio 12/12 h, há seis meses.

Antecedentes familiares: desconhecidos, pois paciente foi adotada aos sete meses de idade.

Antecedentes patológicos: rinite alérgica (em uso de budesonida intranasal); vacinação completa a partir dos seis meses; desnutrição aos sete meses de idade (internação por dois meses).

Exame Oftalmológico

Acuidade visual: impossível de ser medida no OD por fotofobia intensa da paciente; 20/20 OE.Biomicroscopia anterior:

OD: pálpebras sem alterações, hiperemia conjuntival 3+, com papilas, vascularização límbica 360°, opacidade estromal difusa na córnea, com coloração rósea na região perilimbar às 12 h, formando “salmon patch”, ausência de coloração com fluoresceína (Figura 11-1).OE: pálpebras sem alterações, hiperemia conjuntival 1+, córnea com opacidade estromal discreta central, íris trófica, câmara anterior ampla, ausência de reação de câmara anterior, cristalino transparente (Figura 11-2).

Sensibilidade corneana: impossível de ser avaliada no OD e normal no OE.Pressão intraocular: normal (por meio de pressão bidigital).Fundo de olho: impossível de ser avaliado no OD por opacidade de meios e normal no OE.

Figura 11-1 Biomicroscopia anterior do OD na fase aguda da doença. Observar o “salmon patch” superiormente.

Figura 11-2 Biomicroscopia anterior do OE. Observar pequena opacidade estromal central.

Page 9: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

57 Caso 11 | Ceratite Intersticial

Hipóteses DiagnósticasCeratite intersticial, podendo ser secundária a:

Infecções virais: herpes simples, herpes zoster, Epstein-Barr, citomegalovírus, rubéola.Infecções bacterianas: sífilis, tuberculose, hanseníane, doença de Lyme.Infecções parasitárias: oncocercose, acanthamoeba, microsporidiose, leishmaniose, esquistossomose.Doenças sistêmicas: síndrome de Cogan, sarcoidose, linfoma.

CondutaSolicitados exames complementares para auxílio no diagnóstico diferencial: hemograma, sorologia para sífilis e HIV, PPD, radiografia de tórax e avaliação reumatológica.

Todos os exames estavam normais, exceto o FTA-ABS IgG que se apresentava positivo. A paciente apresentava VDRL e FTA-ABS IgM não reagentes. Diante desse resultado, foi concluído que a ceratite intersticial da paciente foi secundária a sífilis congênita, sendo solicitada avaliação pediátrica para tratamento e iniciado colírio de acetato de prednisolona 1% de 2/2 horas, com regressão progressiva. A equipe da pediatria indicou coleta do líquor para avalia-ção de neurossífilis, cujo resultado foi:

LCR: aspecto límpido, incolor, cél. 0,3 mm3, proteína: 32,8 mg/dL, VDRL: não reagente.Logo, a paciente não tinha critérios de neurossífilis pelo LCR, que são:Contagem de leucócitos maior ou igual a 5 cél/mm3 e/ou;Concentração de proteínas maior ou igual a 40 mg/dL e/ou;VDRL reagente no LCR.

Consequentemente, a equipe da pediatria tratou a paciente com penicilina benzatina 2,4 milhões UI, intramus-cular, semanal durante três semanas.

Evolução4 meses: a paciente apresentava AV de 20/25 no OD e 20/20 no OE, com regressão do quadro inflamatório, apre-sentando apenas uma opacidade estromal cicatricial (Figura 11-3).6 meses: a paciente retornou ao serviço com queixa de hiperemia e irritação no OE. Ao exame, apresentava hipe-remia conjuntival +2, opacidade estromal profunda e difusa no OE (Figura 11-4). O olho direito permaneceu estável. Diante dessa recorrência no outro olho, foi feita a hipótese diagnóstica de sífilis congênita subtratada, e então realizado novo tratamento com penicilina G cristalina, IV, 4/4 horas por 10 dias.9 meses: a paciente apresentava AV de 20/25 no OD e 20/20 no OE, com regressão da opacidade de córnea em ambos os olhos e sem sinais inflamatórios. A córnea do olho direito apresentava cristais birrefringentes e a do olho esquerdo, vasos fantasmas (Figuras 11-5).

DiscussãoCeratite intersticial é uma inflamação do estroma corneano sem envolvimento primário do epitélio ou endotélio.Quadro clínico:

Agudo: opacidade de córnea com neovasos estromais e edema, injeção conjuntival. Pode apresentar-se ainda com reação de câmera anterior. O quadro agudo geralmente se manifesta na primeira ou na segunda décadas de vida.Crônico: “haze” corneano no estroma profundo ou cicatriz. Podem ser observados vasos fantasmas na córnea.

Figura 11-3 Biomicroscopia anterior do OD após quatro meses do tratamento. Observar opacidade estromal cicatricial difusa, sem sinais inflamatórios.

Page 10: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

58 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Etiologia: A ceratite intersticial geralmente é causada por reação imunológica (hipersensibilidade tipo IV), mas também

pode ser causada pelo próprio agente infeccioso.1) Bacteriana

1.1 Sífilis congênita:80% é bilateral, mas frequentemente assimétrica (geralmente as crises ocorrem em épocas diferentes, com intervalo de dois meses a cinco anos).Na fase aguda, observa-se tipicamente o “salmon patch” (coloração rósea da córnea devido aos neovasos estromais; Figura 11-1).O mecanismo da ceratite intersticial é imunológico. Por isso, o tratamento com corticoide tópico é pri-mordial, diminuindo o tempo de evolução da doença e promovendo sua cicatrização.Importante lembrar que o VDRL pode diminuir seus títulos ao longo dos anos, sendo que pode chegar a negativar nos estágios mais tardios da sífilis. Logo o VDRL negativo não exclui o diagnóstico de sífilis, sendo por isso importante solicitar o VDRL conjuntamente com o FTA-ABS, o qual tem alta especifici-dade e sensibilidade para essa doença.

Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com penicilina benzatina. A, opacidade estromal difusa; B, hiperemia conjuntival, evidenciando atividade da doença.

Figura 11-5 Fotos da biomicroscopia anterior de ambos os olhos após tratamento com penicilina cristalina. A, olho direito apresentando cristais birrefringentes na córnea; B, olho esquerdo com vasos fantasmas na córnea.

A B

A B

Page 11: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

59 Caso 11 | Ceratite Intersticial

O CDC preconiza o tratamento da sífilis congênita com penicilina cristalina, porém refere que criança com sorologia positiva, sem alterações no LCR e sem sinais clínicos de sífilis congênita, pode ser tratada com penicilina benzatina IM (três doses semanais). Percebe-se, então, que a paciente não foi tratada ade-quadamente no início do quadro, já que ela apresentava sinais clínicos de sífilis congênita. Além disso, muitos autores consideram que manifestações oftalmológicas da sífilis devem receber o mesmo tratamento de neurossífilis, ou seja, com penicilina cristalina.

Portanto, pacientes com ceratite intersticial secundária a sífilis congênita devem receber tratamento com penicilina cristalina IV por 10-14 dias.

1.2 Sífilis adquirida: geralmente mais branda que a sífilis congênita, unilateral (60%) e setorial. Causa mais uveite e retinite do que ceratite intersticial.

1.3 Tuberculose: unilateral e setorial.1.4 Hanseníase: bilateral e com mau prognóstico devido ao envolvimento nervoso.

2) Viral2.1 Herpes: unilateral, podendo ser uni ou multifocal, apresenta diminuição da sensibilidade corneana e pode

vir acompanhada de anel imunológico. Atualmente, é a causa mais frequente de ceratite intersticial.2.2 Epstein Barr: unilateral ou bilateral, os infiltrados podem ser multifocais e discretos.

3) Parasitários3.1 Acanthamoeba: geralmente em usuários de lente de contato gelatinosa, apresenta dor desproporcional ao

quadro inicial.3.2 Microsporidiose: ocorre em pacientes imunodeprimidos (AIDS).3.3 Oncocercose: também chamada de cegueira dos rios, é transmitida pelo borrachudo, sendo a ceratite cau-

sada por infecção das microfilárias, acomete inicialmente a periferia e vai se direcionando para o centro.4) Doenças sistêmicas

4.1 Síndrome de Cogan: apresenta tríade de ceratite intersticial bilateral + doença vestíbulo-auditiva + vascu-lite sistêmica (poliarterite nodosa). O quadro de ceratite intersticial se inicia como infiltrados subepiteliais, semelhantes aos infiltrados adenovirais e, posteriormente, evoluem para lesões nodulares multifocais. Em contraste com a deficiência auditiva presente na sífilis congênita tardia, a síndrome de Cogan vem acom-panhada de sintomas vestibulares (zumbido, vertigem e náusea). Deve-se suspeitar de síndrome de Cogan em pacientes com linfocitose e aumento do VHS.

InvestigaçãoHistória: questionar se há doença venérea da mãe ou do paciente; investigar deficiência auditiva ou zumbido.Ectoscopia:

Observar sinais de sífilis congênita: nariz em sela, dentes de Hutchinson, bossa frontal.Lesões de pele hipoanestésicas: hanseníase.

Exame oftalmológico:Pacientes com hanseníase e sífilis podem apresentar nódulos irianos, sendo que na sífilis eles são róseos, e na hanseníase se apresentam esbranquiçados (pérolas).Sinais de coriorretinite em “sal e pimenta”: pode ser observado tanto em pacientes com sífilis quanto rubéola.

Exames laboratoriais: hemograma, VHS, VDRL, FTA-ABS, PPD, Rx de tórax, FAN, FR, sorologia para EBV, sorologia para rubéola.

Tratamento

Deve-se primeiramente tratar a doença de base. O uso de corticoide tópico na fase ativa vai ser muito importante para melhora da sintomatologia, porém é essencial saber a etiologia da ceratite intersticial, já que algumas patologias, como herpes, vão ter piora acentuada do quadro, caso seja iniciado corticoide sem tratamento do agente etiológico.

Referências

Reidy, JJ. External Disease and Cornea, section 8 Basic and Clinical Science Course American Academy of Ophthalmology. San Francisco; 2010: 113-114; 207-209.

Majmudar, Parag. Overview of Interstitial Keratitis [Medscape web site]. 29 de março de, 2011. Disponível: http://emedicine.medscape.com/article/1194376-overview#aw2aab6b. Acessado em 4 de maio 2013.

CDC Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines, 2006. Disponível: http://www.cdc.gov/std/treat-ment/2006/congenital-syphilis.htm

Kanski, Jack; Bowling, Brad. Clinical Ophthalmology: A Systematic Approach, 7 th Edition, Elsevier. 2011.

Page 12: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

60 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Caso 12 | Ceratite Ulcerativa Periférica por Tuberculose

Grace Peng

Anamnese

Identificação: paciente sexo feminino, 66 anos, parda, auxiliar enfermagem aposentada por invalidez.

Queixa principal: paciente com queixa de intensa dor e de baixa acuidade visual no OD há três semanas.

Antecedentes oculares: nega trauma/cirurgia/episódios semelhantes anteriores.

Antecedentes familiares: NDN.

Atecedentes pessoais: hérnia de disco, dislipidemia e hipotireoidismo.

Exame Oftalmológico

AV: OD: 20/63. OE: 20/32.

Biomicroscopia anterior:OD: Figuras 12-1 e 12-2.OE: sem alterações.

Pressão intraocular: 16 mmHg AO(Tonometria de Goldman)

Fundo de olho:AO: disco óptico róseo, bordas bem-delimitadas, escavação fisiológica, mácula e vasos sem alterações, retina aplicada 360o.

Hipóteses Diagnósticas

Conduta

Exames séricos gerais.Sorologias para doenças infecciosas.Provas reumatológicas.Coleta microbiológica da úlcera.Ressecção de conjuntiva perilesional + adesivo tecidual.

Excisão + ressecção da conjunctiva limbar adjacente: colabora com o fechamento da úlcera por eliminar a fonte de células inflamatórias e enzimas colagenolíticas.Biópsia: apesar de não ser procedimento padrão para diagnóstico, tipicamente mostra evidência de doença vaso-oclusiva imunomediada.

Lente de contato terapêutica.Acetato de prednisolona 0,125% 6/6h OD.Tobramicina 0,3% 6/6h OD (profilático).Aciclovir 400 mg 5x/dia (prova terapêutica).

Neoplásica

Infecciosa

Imunológica

CERATITE

Ulcerativaperiférica (PUK)

Page 13: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

61 Caso 12 | Ceratite Ulcerativa Periférica por Tuberculose

Resultado de exames subsidiários:Ca total: 8.9Cr: 0,9/U: 25Na: 142/K: 4,5HMG: sem alteraçõesGlicose: 88FA: 105VHS: 35/PCR: 3,8FAN hep-2: (-)Ac anti_DNA nativo: (-)FR: (-)ENA - Rnp/Sm/Ro/La: todos (-)Complemento total: 78% / C2: 96%Hepatite C: NR(não reagente)Sífilis: ELISA:NRHepatite B - anti-Hbc: total reagente/anti-Hbs: 24/HbsAg: NR

Coleta da úlcera (resultado atribuído à contaminação, já que incompatível com quadro clínico)Gram OD: numerosos bacilos gram(-), alguns leucócitos, raras células epiteliais.Cultura córnea raspado: Staphylococcus aureus; R apenas a penicilina.Cultura fungos: (-).Cultura anaeróbios: (-).

Evolução

Paciente com tosse e dispneia.RX de tórax: nódulos de pulmão E.Foi à unidade básica de saúde e seu escarro foi (+) para bacilo de Koch, fechando o diagnóstico de tuberculose.Iniciou RIPE (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol).Paciente negava febre vespertina, no entanto referia perda ponderal significativa (20 kg em dois meses) e fraqueza. Além disso, revelou que em sua carreira profissional trabalhou na enfermaria das doenças infecciosas e parasitá-rias, tendo contato inclusive com pacientes tuberculosos.Após início do tratamento sistêmico, apresentou melhora importante do quadro ocular e evoluiu com fechamento da úlcera periférica (Figuras 12-3 e 12-4).

Figura 12-1 Biomicroscopia do olho direito: hiperemia conjuntival difusa mais intensa temporalmente, injeção ciliar, córnea transparente com defeito epitelial e afinamento corneano perilimbar(descemetocele) de dimensões 4 x 2 mm, iris trófica

Figura 12-2 Mesma foto da Figura 12-1, com fluoresceína.

Page 14: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

62 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Discussão

Definição – ceratite ulcerativa periférica (PUK):Associada à doença sistêmica imunomediada.Caracteriza-se por ausência de epitélio (risco de infecção secundária) e afinamento estromal.Etiologia mais comum: doenças do tecido conectivo e geralmente há correlação entre o surgimento da PUK com a exacerbação/atividade da doença.Espectro variável: desde episódios autolimitados até ceratólise (melting estromal rápido e significativo) e limi-tado a um setor da córnea periférica.A lesão assume a forma de um crescente.Comumente em contiguidade com esclerite, mas pode ocorrer de maneira isolada.

Relação PUK e TB:Na PUK por tuberculose a ceratite é imunomediada pela proteína do bacilo.Infiltrado profundo estromal (ceratite intersticial) é o achado corneano mais comum na tuberculose.

Diagnóstico diferencial de PUK:Doenças Sistêmicas

Lúpus eritematoso sistêmicoGranulomatose de WegenerPolicondrite recidivantePoliarterite nodosaEsclerodermia e esclerose sistêmica progressivaSíndrome de SjögrenSíndrome de BehçetSarcoidoseDoença inflamatória intestinalDeficiência de alfa1-antitripsinaMalignidade Infecções sistêmicas

Bacterianas: tuberculose, sífilis, gonorreia, borrelioseVirais: herpes zóster, AIDS, hepatite CHelmínticas

Infecções ocularesBacterianas: estafilococos, estreptococos, gonococos, moraxella, HaemophilusVirais: herpes simples e zósterAcanthamoebaFungos

Figura 12-3 Olho calmo, com melhora do afinamento temporal, conjuntiva perilimbar ressecada.

Figura 12-4 Mesma foto da Figura 12-3, com fluoresceína (cora por acúmulo, pela irregularidade da superfície).

Page 15: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

63 Caso 12 | Ceratite Ulcerativa Periférica por Tuberculose

Úlcera de MoorenTraumática ou pós-cirúrgicaDegeneração marginal de TerrienRosáceaCeratopatia de exposição

Doenças OcularesInfecções oculares

Bacterianas: Estafilococos, Estreptococos, Gonococos, Moraxella, HaemophilusVirais: herpes simples e zósterAcanthamoebaFungos

Úlcera de MoorenTraumática ou pós-cirúrgicaDegeneração marginal de TerrienRosáceaCeratopatia de exposição

Considerações Finais

A PUK nas doenças autoimunes consiste em um importante marcador clínico e sua presença assinala morbi-morta-lidade (prognóstico reservado devido à elevada associação com lesões vasculíticas sistêmicas potencialmente letais). Sendo assim, o oftalmologista, ao detectar essa alteração corneana, pode exercer profunda influência na saúde geral do paciente, uma vez que, sem terapia imunossupressora sistêmica apropriada, há um aumento considerável na mortalidade.

Referências

Namir C. Santos, Luciene Barbosa de Sousa, Virginia F. M. Trevisani, Denise de Freitas, Luis A. Vieira. Manifestações destrutivas da córnea e esclera associadas a doenças do tecido conectivo - Relato de 9 casos. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(4):675-80.

American Academy of Ophthalmology, Basic and Clinical Science Course, Section 8- External disease and córnea 2011-2012.

Page 16: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

64 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Caso 13 | Ceratoprótese

Adriana Rainha Mascia, Lauro Augusto de Oliveira e José Álvaro Pereira Gomes

Anamnese

Identificação: J.S., 26 anos, sexo masculino, pensionista, de Santa Catarina.

Queixa principal: baixa de visão severa em ambos os olhos após queimadura química, há seis anos.

Antecedentes oculares: recobrimento da superfície ocular com membrana amniótica.

Antecedentes familiares: nega.

Antecedentes pessoais: história de tumor testicular e tireoidiano com tratamento cirúrgico, durante a infância.

Exame Oftalmológico

AV: PL e SPL.Biomicroscopia anterior: Figuras 13-1 e 13-2.PIO: bidigital normal e bidigital diminuída.Fundoscopia: impossível AO.

Hipóteses Diagnósticas

Queimadura química AO.OD:

Deficiência limbar.Simbléfaro.Conjuntivalização corneana.

OE:Phthisis.

USG OD fácico, AL 23 mm, sem sinais de descolamento de retina, escavação não evidenciável (Figura 13-3).

Figura 13-1 Biomicroscopia OD. Figura 13-2 Biomicroscopia OE.

Page 17: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

65 Caso 13 | Ceratoprótese

Conduta

Reconstrução da superfície ocular:Desfazer simbléfaro.Recobrimento com membrana amniótica ou mucosa labial.

Transplante limbar:Heterólogo.Imunossupressão.

Transplante de córnea:Imunossuppressão.Opção pela ceratoprótese (Figura 13-4).

Pós-operatório de dois anos e seis meses (Figura 13-5).Moxifloxacino 2x/dia e fluormetolona 1x/dia em dias alternados.AV OD: 20/30 (RX: -0,75 DE).PIO: normal (bidigital).Fundoscopia: normal.

Figura 13-3 USG OD.

Figura 13-4 Opção pela ceratoprótese.

Tx total +

Deficiêncialimbar

AutólogoSem imunossupressão

Re – tx K-pro

HeterólogoImunossupressão

?

X

Page 18: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

66 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Avaliação do Glaucoma

PIO estimada pela palpação bidigital.Campimetria.Retinografia.OCT do nervo e camada de fibras nervosas (Figuras 13-6 a 13-8).

Figura 13-5 Pós-operatório.

Figura 13-6 OCT das camadas de fibras - normal.

Page 19: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

67 Caso 13 | Ceratoprótese

Figura 13-7 CV - sem progressão.

Figura 13-8 Visante.

Referências

Kang JJ, de la Cruz J, Cortina MS. Visual outcomes of Boston keratoprosthesis implantation as the primary penetrat-ing corneal procedure. Cornea. 2012 Dec;31(12):1436-40.

Kang JJ, Allemann N, Vajaranant T, de la Cruz J, Cortina MS. Anterior segment optical coherence tomography for the quantitative evaluation of the anterior segment following Boston keratoprosthesis. PLoS One. 2013 Aug 5;8(8):e70673.

Page 20: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

68 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Caso 14 | Distrofia Corneana de Schnyder

Jacqueline Martins de Sousa

Anamnese

Identificação: paciente do sexo masculino, 50 anos, caucasiano, natural e procedente de São Paulo (SP).

Queixa principal: procurou o Ambulatório de Córnea e Doenças Externas com queixa de baixa acuidade visual pro-gressiva em ambos os olhos há 20 anos. Refere que tentou usar óculos, mas não percebeu melhora da visão.

Antecedentes familiares: pai e irmão referem baixa acuidade visual; pai já fez transplante de córnea em ambos os olhos.

Antecedentes pessoais: exérese de astrocitoma cerebelar há 10 anos, apresenta dificuldade na coordenação e equi-líbrio como sequela.

Exame Oftalmológico

Acuidade visual sem correção: OD: 20/100.

OE: 20/80.Biomicroscopia anterior: pálpebras e cílios sem alterações, conjuntiva clara, córnea com opacidade estromal cris-talina central acometendo eixo visual, câmara anterior profunda, íris trófica, cristalino transparente AO (Figuras 14-1 e 14-2).Sensibilidade corneana diminuída bilateral.PIO: 14 mmHg AO.Fundoscopia: sem alterações AO.

O paciente trouxe foto da biomicroscopia anterior do seu olho direito tirada há 25 anos (Figura 14-3) mostrando opacidade corneana cristalina acometendo somente centro, e parte do eixo visual. Também fotos da biomicroscopia anterior do olho direito do seu irmão há 25 anos (Figura 14-4) mostrando pequenas opacidades centrais na córnea que acometem o eixo visual e do seu pai há 25 anos (Figura 14-5) com opacidade corneana cristalina central e supe-rior acometendo eixo visual. Seu pai apresenta geno valgo.

Figura 14-1 A e B, Biomicroscopia anterior do OD.

A B

Page 21: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

69 Caso 14 | Distrofia Corneana de Schnyder

Figura 14-2 A e B, Biomicroscopia anterior do OE.

A B

Figura 14-3 Biomicroscopia anterior do OD há 25 anos.

Figura 14-4 Biomicroscopia anterior do OD do irmão do paciente há 25 anos.

Figura 14-5 Biomicroscopia anterior do OD do pai do paciente há 25 anos.

Hipóteses Diagnósticas

Distrofia corneana de Schnyder.Ceratopatia cristalina infecciosa.Mieloma múltipla e outras disproteinemias (gamopatia monoclonal).Deposição de metais e drogas: prata, ouro, clorpromazina, cloroquina, clofazimina.Ceratopatia lipídica.

Page 22: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

70 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Ceratopatia em faixa.Cistinose.Hiperuricemia (gota).Porfiria.Ceratite associada à planta Dieffenbachia (comigo-ninguém-pode), por depósito de cristais de oxalato de cálcio.Distrofia cristalina de Bietti.Deficiência de lecitina-colesterol acetiltransferase.Doença de Tangier.

Conduta

Avaliação pré-anestésica.Transplante penetrante de córnea no OD.

Evolução (Quatro Meses após o Transplante de Córnea no Olho Direito)

Paciente retorna referindo melhora na acuidade visual do olho direito. Em uso de: prednisolona 1% 1x/dia no olho direito.Acuidade visual sem correção: OD: 20/60.

OE: 20/80.Biomicroscopia anterior:

OD: pálpebras e cílios sem alterações, conjuntiva clara, transplante de córnea transparente com 16 pontos em bom aspecto, câmara anterior profunda, íris trófica, cristalino transparente (Figuras 14-6 A e B).OE: pálpebras e cílios sem alterações, conjuntiva clara, córnea com opacidade estromal central acometendo eixo visual, câmara anterior profunda, íris trófica, cristalino transparente (Figuras 14-7 A e B).

PIO: OD: 12 mmHg. OE: 14 mmHg.Fundoscopia: sem alterações AO.Resultado do anatomopatológico da córnea do OD: distrofia cristalina de Schnyder (Figuras 14-8 e 14-9). Paciente trouxe foto do exame anatomopatológico da córnea do OD do seu pai quando este realizou transplante de córnea (Figura 14-10), com imagem semelhante à encontrada no exame do seu filho.

Nesse momento, indicamos transplante lamelar anterior de córnea (DALK) no OE do paciente.

Evolução (Após Três Meses do Transplante Lamelar no Olho Esquerdo)

Paciente retorna referindo melhora na acuidade visual em ambos os olhos. Em uso de prednisolona 1% 1x/dia no olho esquerdo.

Figura 14-6 A e B, Biomicroscopia anterior do OD após transplante penetrante de córnea.

A B

Page 23: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

71 Caso 14 | Distrofia Corneana de Schnyder

Figura 14-7 A e B, Biomicroscopia anterior do OE.

Figura 14-8 A e B, Hematoxilina-eosina da córnea direita: áreas de espaços vazios no estromal corneano, principalmente anterior.

Figura 14-9 Coloração de Sudan positiva, mostrando acúmulo de lipídios no estroma corneano.

Figura 14-10 Coloração Sudan positiva na córnea direita do pai do paciente há 25 anos.

A B

A B500 m 500 m

Page 24: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

72 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Acuidade visual sem correção: OD: 20/32.

OE: 20/50.Biomicroscopia anterior:

OD: pálpebras e cílios sem alterações, conjuntiva clara, transplante de córnea transparente com 16 pontos em bom aspecto, câmara anterior profunda, íris trófica, cristalino transparente (Figura 14-11 A e B).OE: pálpebras e cílios sem alterações, conjuntiva clara, transplante com leve opacidade central na interface, 17 pontos em bom aspecto, câmara anterior profunda, íris trófica, cristalino transparente (Figura 14-12 A, B e C).

PIO: OD: 14 mmHg. OE: 13 mmHg.Fundoscopia: sem alterações AO.Trocamos o colírio em uso por fluormetolona 0,1% 1x/dia em ambos os olhos. O paciente retornou após três meses, com acuidade visual de 20/32p em ambos os olhos, sem queixas. Segue em acompanhamento no nosso serviço.

Discussão

A distrofia cristalina de Schnyder é uma doença rara, com cerca de 20.000 casos descritos na literatura científica mundial. Caracteriza-se por uma distrofia estromal autossômica dominante que acomete o gene UBIAD1 no cro-mossomo 1p36. Sua fisiopatologia envolve o acúmulo anormal de colesterol e lipídios, especialmente lipoproteína de alta densidade (HDL), causando opacidades estromais na córnea bilateralmente. É mais comum em caucasianos e ocidentais, não apresenta predileção por gênero.

Figura 14-11 A e B, Biomicroscopia anterior do OD após transplante penetrante de córnea.

Figura 14-12 A, B e C, Biomicroscopia anterior do OE após transplante lamelar anterior de córnea.

A B

A B C

Page 25: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

73 Caso 14 | Distrofia Corneana de Schnyder

As opacidades estromais cristalinas podem aparecer logo na primeira década de vida e aumentam progressiva-mente com a idade. O diagnóstico é clínico e sua confirmação é dada pelo exame anatomopatológico. É importante informar ao patologista a suspeita da doença para que este possa realizar a coloração de Sudan, que é específica para lipídios. O diagnóstico geralmente é tardio, pois, apesar de opacidades importantes, a visão pode ser boa, e em alguns casos a opacidade corneana não se apresenta caracteristicamente cristalina. As principais queixas dos pacientes são diminuição da acuidade visual na claridade e halos. Cerca de 66% dos pacientes com distrofia cristalina de Schnyder apresentam hipercolesterolemia sistêmica, porém não há evidência de aumento da mortalidade desses pacientes por doença cardiovascular. Outra associação menos comum é com geno valgo (4%).

Considerações Finais

A distrofia cristalina de Schnyder, apesar de rara, é um diagnóstico diferencial que deve ser lembrado quando se exa-mina um paciente com opacidade corneana estromal. A suspeita clínica pode ser feita na avaliação oftalmológica, com a ocorrência de opacidade estromal cristalina bilateral, juntamente com a anamnese. A história de piora progres-siva e lenta da acuidade visual bilateral e história familiar são importantes para o diagnóstico. A confirmação acon-tece com a avaliação anatomopatológica. Atualmente, o tratamento é expectante enquanto o paciente apresentar boa acuidade visual e, quando houver queixa visual, transplante de córnea (penetrante ou lamelar anterior). O prognóstico visual é bom, mas o paciente deve ser acompanhado, pois a opacidade pode recorrer.

Referências

Weiss JS. Schnyder corneal dystrophy. Current Opinion in Ophthalmology. 2009;20:292-8.Weiss JS. Visual morbidity in thirty-four families with Schnyder crystalline corneal dystrophy (an American

Ophthalmological Society thesis). Trans Am Ophthalmol Soc. 2007;105:616:48.Du C, Ying L, Dai L, Gong L, Han C. A mutation in the UBIAD1 gene in a Han Chinese family with Schnyder

corneal dystrophy. Mol Vis. 2011;17:2685-92.Weiss JS, Khemichian AJ. Differential diagnosis of Schnyder corneal dystrophy. Dev Ophthalmol. 2011;48:67-96.

Page 26: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

74 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Caso 15 | Distrofia Lattice

Patricia Kakizaki

Anamnese

Identificação: paciente do sexo masculino, 50 anos, caucasiano, natural e procedente de São Paulo (SP), bombeiro.

Queixa principal: BAV AO progressiva há um ano.

História da doença atual: paciente relata BAV AO progressiva com início há um ano, após episódio de desepiteliza-ção corneana bilateral espontânea. Além da BAV, refere dor em OE há cinco dias.

Antecedentes oculares:Paciente refere episódios recorrentes de desepitelização corneana desde os 23 anos, com intervalo de aproxi-madamente dois anos entre cada episódio. Ele tratava em diferentes prontos-socorros fazendo uso de poma-das e colírios de associações antibiótico + corticoide com melhora completa da dor e da visão. Contudo, há um ano após o último episódio de desepitelização, refere BAV.

Antecedentes familiares:Irmã com quadro oftalmológico semelhante, porém com menor frequência.Pai submetido à transplante de córnea AO, há 20 anos. Não sabe o motivo.

Antecedentes patológicos: NDN.

Exame Oftalmológico

AV: MM 20/100.

Biomicroscopia anterior:OD: Figura 15-1 A e B.OE: Figura 15-2 A-C.

Pressão intraocular: 14 mmHg. 16 mmHg.

(Tonometria de Goldmann às 10h)

Figura 15-1 A, Biomicroscopia anterior olho direito com opacidade corneana difusa e neovascularização corneana. B, Fenda evidenciando leucoma estromal anterior.

A B

Page 27: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

75 Caso 15 | Distrofia Lattice

Sensibilidade corneana:OD: reduzida.OE: reduzida.

Fundo de olho:OD: impossível.OE: sem alterações.

Hipóteses Diagnósticas

Leucoma OD.Desepitelização corneana OE.Neovascularização corneana AO.

Síndrome da erosão corneana recorrente?Distrofia estromal corneana?Ceratite estromal herpética?

Conduta

Lente de contato terapêutica OE + colírio antibiótico profilático.US OD.Avaliação dos familiares.

US ocular (Figura 15-3 A e B).

Figura 15-2 A, Erosão epitelial extensa. B, Profundidade anterior da córnea acometida. C, Fluoresceína corando principalmente defeito paracentral superior.

A B C

Figura 15-3 A, Ultrassom modo B olho direito sem alterações. B, Ultrassom modo B olho esquerdo sem alterações.

A B

Page 28: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

76 Seção Doenças Externas Oculares e Córnea

Avaliação dos familiaresIrmã

Sem queixas oculares.Bio anterior: Figura 15-4 A-C.

PaiSem queixas oculares no momento.Fotos de Bio anterior de 20 anos atrás (Figura 15-5 A-C).

Evolução

Após 10 dias com a LCT em OE (Figura 15-6 A-C).

Figura 15-4 A, Biomicroscopia difusa do olho direito (irmã). B e C, Linhas em rede de aspecto lattice (irmã).

Figura 15-5 A-C, Linhas aspecto lattice (pai, 20 anos antes).

Figura 15-6 A e B, Biomicroscopia após lente de contato terapêutica. C, Linhas em rede de aspecto lattice e neovascularização.

A B C

A B C

A B C

Page 29: Caso 9 | Anestesia Corneana 49 · Figura 11-4 Fotos da biomicroscopia anterior do OE, evidenciando recorrência da ceratite intersticial no olho contralateral após tratamento com

77 Caso 15 | Distrofia Lattice

Hipóteses Diagnósticas

Distrofia estromal corneana.Distrofia Lattice - Subtipo IIIA.Obs: diagnóstico definitivo de distrofia lattice só é possível com estudo genético do paciente.

Conduta

PTK (Phototherapeutic keratectomy).Transplante de córnea penetrante.DALK + FACO.Cirugia tríplice (transplante penetrante + FACO + LIO).

Foi optado pela cirurgia tríplice.

Discussão

DefiniçãoMutação do gene TGFBI (5q31).

Depósito amiloide no estroma corneano anterior.Epidemiologia

Distrofia estromal corneana mais comum.Autossômica dominante.Bilateral.

SintomasErosão epitelial recorrente.Baixa de visão.

SinaisLattice lines: lineares, radialmente orientadas, usualmente restritas ao centro da córnea.

Classificação

Tipo I: forma clássica causada por uma mutação no gene BIGH3, levando depósitos amiloides isolados na córnea.Tipo II: amiloidose sistêmica (síndrome de Meretoja).Tipo III: autossômica recessiva, sete ou oito décadas de vida, raramente ocorrem erosões corneanas.Tipo IIIA: doença autossômica dominante, frequentemente leva a erosões e baixa de visão na 4a ou 5a década de vida.Tipo IV: afeta o estroma profundo, acometimento mais tardio.

Tratamento

PTK.Transplante de córnea (pelo fato da keratoepitelina, a proteína produzida pelo gene BIGH3, ser principalmente produzida pelo epitélio, a doença recorre no botão transplantado).

Consideração Final

É fundamental o estudo dos familiares nas distrofias corneanas.

Referência

Academia Americana de Oftalmologia; Cornea; Section 8; pg 318.