Cartilha CEPIS

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CARTILHA CEPIS EDUCAÇÃO POPULAR E MOVIMENTO POPULAR

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CARTILHA CEPIS

EDUCAÇÃO POPULAR E MOVIMENTO POPULAR

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SUMÁRIO

1. Educação popular e trabalho popular................................................................32. Paulo Freire e a educação popular.....................................................................43. Sobre a metodologia popular.............................................................................64. De onde provêm as ideias corretas?................................................................105. O que é educação?...........................................................................................116. O que é educação popular?..............................................................................127. Educação popular e poder popular..................................................................148. Educar as massas..............................................................................................169. A luta sindical...................................................................................................1810. Educação popular e liberdade crítica...............................................................2111. A formação de trabalhadores...........................................................................2412.13. A importância do ato de ler..............................................................................2514. Madre Cristina sobre a educação.....................................................................2615. A importância de compreender os problemas do povo...................................2816. Resgatar o espírito de militância......................................................................3417. Sobre a mística.................................................................................................3718. O poder popular...............................................................................................3919. Análise de conjuntura dos movimentos sociais................................................4320. Sobre um programa de formação política........................................................4621. Construir um sindicalismo de base...................................................................5022. Valores e ética na militância.............................................................................5223. Como fazer trabalho de base............................................................................5424. Educação popular e sujeitos da transformação................................................5525. A luta e a organização popular.........................................................................5626. Guia para estudo..............................................................................................5927. Ferramentas de organização do movimento popular.......................................6028. Retomar o trabalho de base.............................................................................6329. Avaliação no CEPIS...........................................................................................66

Desamarrar as vozes, dessonhar os sonhos: escrevo

querendo revelar o real maravilhoso, e descubro o real

maravilhoso no exato centro do real horroroso da

América.2

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Nestas terras, a cabeça do deus Elegguá leva a morte na

nuca e a vida na cara. Cada promessa é uma ameaça;

cada perda, um encontro. Dos medos nascem as

coragens; e das dúvidas, as certezas. Os sonhos

anunciam outra realidade possível e os delírios, outra

razão.

Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que

somos. A identidade não é uma peça de museu,

quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese

das contradições nossas de cada dia.

Nessa fé, fugitiva, eu creio. Para mim, é a única fé digna

de confiança, porque é parecida com o bicho humano,

fodido mas sagrado, e à louca aventura de viver no

mundo.

Celebração das contradições/2Eduardo Galeano

1. EDUCAÇÃO POPULAR E TRABALHO POPULAR

“Educação Popular é o esforço de mobilização, organização e capacitação popular para o exercício do poder” P. Freire (adapt.)

Só o conhecimento liberta. Mas o saber não se reduz à escolarização, erudição acadêmica, arquivo de informações ou mera assimilação e repetição de conceitos. Conhecimento é mais que informação, palestra, curso ou leitura de livro. O conhecimento pressupõe informação, assimilação e aplicação dos conceitos. Quem sabe como fazer mas não faz, ainda não sabe. A informação de como nadar é insuficiente para a prática de nadar. Quem nunca fez, ainda que tenha informações de como fazer, só sabe quando aplica uma orientação conforme o grupo, lugar, ritmo e cultura concreta.

Quando colocado a serviço de uma estratégia, o saber torna-se força material que transforma a natureza e a sociedade. A educação é um instrumento que torna comum uma estratégia de poder. Pois, toda educação tem uma intencionalidade, explícita ou implícita; todo conhecimento tem um objetivo, direção e finalidade. O conhecimento é conhecimento de algo, a partir de uma perspectiva. A educação está sempre a serviço de uma ideologia, de uma proposta.

Numa sociedade de classes, não pode haver educação que seja a favor de todos – será sempre a favor de alguém e contra outrem. A educação serve para que uma pessoa se acomode ao mundo ou se envolva em sua transformação. Por isso, a formação é um processo dialético de tradução, reconstrução e criação do conhecimento que capacita educadores/educandos a ler criticamente a realidade, com intenção de transformá-la.

A Educação Popular é uma concepção de formação que opta por um dos pólos da luta de classe – a classe oprimida, o povo em marcha. E, no interior da classe oprimida, opta por quem está na produção de riquezas. E, na classe que trabalha, opta por quem se dispõe a um processo de transformar, pela raiz, a estrutura da sociedade capitalista. Quem faz só pedagogia, só metodologia, sem esta visão política, faz uma contra-educação popular

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A Educação Popular é uma ferramenta político-pedagógica: a) traduz, divulga e recria o conhecimento como força material para transformar a realidade; b) Constrói e acompanhar a implantação da estratégia da organização popular; c) Qualifica militantes que se dispõem a transformar a estrutura do sistema capitalista,

no nível político, econômico, ideológico e cultural; d) Eleva o nível de consciência da classe oprimida; e) incorpora o povo como protagonista; f) Utiliza a metodologia participativa para facilitar o entendimento e a aplicação de um conteúdo, comprometendo as pessoas com uma multiplicação criativa.

A Educação Popular adota a concepção dialética onde a pergunta concreta do presente, inspira-se na prática social acumulada (ciência, teoria, história) para projetar uma saída. Na atividade formativa, conforme o grupo, utiliza o método indutivo que parte do real, concreto, biográfico para o geral ou o método dedutivo que vai do geral para o particular. O que não pode dispensar é o envolvimento de cada ator como parte corresponsável, em todo o processo.

A pedagogia da Educação Popular leva em conta: a) O querer do educador, sua mundivisão e seu acúmulo da prática social; b) O educando com o seu saber, seu potencial, seus anseios e suas reivindicações; c) O contexto das pessoas, mergulhadas numa teia de relações econômicas, históricas, culturais, religiosas, políticas, sociais...; d) A prática do intercâmbio, onde as partes se assumem como protagonistas, mesmo que tenham papéis específicos.

A Educação Popular é um processo coletivo de elaboração, tradução e socialização do conhecimento que capacita educadores e educandos a ler criticamente a realidade para transformá-la. A apropriação crítica dos fenômenos, e suas raízes, permite o entendimento dos momentos e do processo da luta de classes, a quebra toda forma de alienação e a descoberta do real e sua superação.

CEPIS – SP.

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2. PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO POPULAR

“Pedro viu a uva”, ensinavam os manuais de alfabetização. Mas o professor Paulo Freire, com o seu método de alfabetizar conscientizando, fez adultos e crianças, no Brasil e na Guiné Bissau, na Índia e na Nicarágua, descobrirem que Pedro não viu apenas com os olhos. Viu também com a mente e perguntou se a uva é natureza ou cultura.

Pedro viu que a fruta não resulta do trabalho humano. É criação, é natureza. Paulo Freire ensinou a Pedro que semear a uva é a ação humana na e sobre a natureza. É a mão, multiferramenta, despertando as potencialidades do fruto. Assim como o próprio ser humano foi semeado pela natureza, em anos e evolução do Cosmo. Colher uma uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura, assinalou Paulo Freire. O trabalho humaniza e, ao realizá-lo, o homem e a mulher se humanizam. Trabalho que instaura o nó de relações, a vida social.

Graças ao Professor que iniciou sua pedagogia revolucionária com os operários do SESI de Pernambuco, Pedro viu também que a uva é colhida por bóias-frias que ganham pouco e, comercializada por atravessadores que ganham melhor. Pedro aprendeu com Paulo que, mesmo sem ainda saber ler, ele não é uma pessoa ignorante. Antes de aprender as letras, Pedro sabia erguer uma casa, tijolo a tijolo. O médico, o advogado ou o dentista, com todo o seu estudo, não eram capazes de construir como Pedro. Paulo, Freire ensinou a Pedro que não existe ninguém mais culta do que outra, existem culturas paralelas, distintas, que se complementam na vida social.

Pedro viu a uva e Paulo Freire mostrou-lhes os cachos, a parreira, a plantação inteira. Ensinou a Pedro que a leitura de um texto é tanto melhor compreendida quanto mais se insere um texto no contexto do autor e do leitor. É dessa relação dialógica entre o texto no contexto, que Pedro extrai o pretexto para agir. No início e no fim do aprendizado é a práxis de Pedro que importa. Práxis-teoria-práxis, num processo indutivo que torna o educando sujeito histórico.

Pedro viu a uva e não viu a ave que, de cima, enxerga a parreira e não vê a uva. O que Pedro vê é diferente do que vê a ave. Assim, Paulo Freire ensinou a Pedro um princípio fundamental da epistemologia: a cabeça pensa por onde os pés pisam. O mundo desigual pode ser lido pela ótica do opressor ou pela ótica do oprimido. Resulta uma leitura tão diferente uma das outras como a visão de Ptolomeu, ao observar o sistema solar, com os pés na terra, e a de Copérnico, ao imaginar-se com os pés no sol.

Agora, Pedro vê a uva, a parreira e todas as relações sociais que fazem do fruto, festa no cálice de vinho, mas já não vê Paulo que mergulhou no Amor, na manhã do dia 02 de Maio de 1997. Deixa-nos uma obra inestimável de competência e coerência. Paulo deveria estar em Cuba, onde receberia o título de doutor ‘honoris causa’ da Universidade de Havana. Ao sentir dolorido seu coração que tanto amou, pediu que fosse representá-lo. De passagem marcada não me foi possível atendê-lo. Contudo, antes de embarcar, fui rezar em torno de seu semblante tranquilo: “Paulo via a Deus”.

Frei Betto

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3. SOBRE A METODOLOGIA POPULAR

“Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém, sem exibição ou espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está acontecendo. Se deves assumir o comando, faz isto o de tal modo que auxilies a mãe e deixes que ela continue livre e responsável. Quando nascer a criança, a mãe dirá com razão: nós três realizamos esse trabalho” (Adapt. de Lao Tse, séc. V a C.)

APRESENTAÇÃOGostaria de iniciar dizendo que nem sempre cabe uma palestra sobre

método. O que ensina a gente é fazer coisas e ler. O fundamental é fazer, é lançar-se numa prática e ir aprendendo-reaprendendo, criando-recriando, com o povo. Isso é que ensina a gente. Mas, ajuda muito bater um papo com quem tem prática, com quem já teve prática e com quem tem uma fundamentação teórica, à propósito da experiência. Nesse olhar uma assessoria tem sentido. Mas, o indispensável é fazer. Assim a gente vai tendo a sensação agradável de estar descobrindo as coisas com o povo.

Tenho evitado escrever algo que não tenha feito. Nem carta sei fazer se não tiver algo importante para conversar. Meus livros são sempre relatórios, embora relatórios teóricos, feitos a partir da prática. Quem pretende trabalhar com esses relatórios deve estar disposto a recriar o que fiz, a refazer e não só copiar, a reinventar as coisas. Os elementos que vamos refletir são princípios válidos para quem trabalha com o povo, está metido com alfabetização de adultos ou participa de algum tipo de pastoral ou trabalho popular.

Princípios do Trabalho PopularNINGUÉM ESTÁ SÓ NO MUNDO

O primeiro princípio é ninguém está só no mundo. Enquanto educadore(a)s devemos estar muito convencido(a)s de uma coisa que é óbvia: ninguém está só no mundo. Parece uma constatação besta - constatação é aquilo que ninguém precisa pesquisar. Mas, é preciso ver que implicações se tira da constatação. O importante não é fazer uma constatação. Fazer constatação é fácil, basta estar vivo. O importante é encarnar essa constatação com um bando de consequências, de implicações.

A primeira consequência, sobretudo no campo da educação, é que, se

ninguém está só, é porque os seres humanos estão no mundo com outros seres. E estar com outros significa necessariamente respeitar nos outros o direito de dizer a palavra. Aí, começa o embananamento para quem tem uma posição nada humilde, quem pensa que conhece a verdade toda. Para elas só tem um jeito – fazer a cabeça de quem não tem a verdade.

Saber ouvirA implicação profunda e rigorosa que surge quando encarno que não estou

só é exatamente o direito e o dever de respeitar em você o direito de você dizer a palavra. Isso significa então, que é preciso também saber ouvir. Na medida, em que eu parto do reconhecimento do teu direito de dizer a palavra, quando eu falo porque te ouvi, eu faço mais do que falar a ti, eu falo contigo. Mas, falar a ti só se converte no falar contigo, se eu te escuto. No Brasil tá cheio de gente falando prá gente, mas não com a gente. Faz 500 anos que o povo brasileiro leva porrete. Tudo isso tem a ver com o trabalho do educador(a): Numa posição autoritária, é evidente que o educador(a) fala ao povo, fala ao estudante.

O terrível é ver um montão de gente se proclamando de esquerda e continuar falando ao povo e não com o povo numa contradição extraordinária com a própria posição de esquerda. Porque o correto da direita é falar ao povo, enquanto o correto da esquerda é falar com o povo. Esse trequinho é a primeira conclusão que a gente tira quando percebe que não está só no mundo.Quando a gente encarna e vive este não estar só no mundo está falando da

metodologia popular. Esse modo de ver e de tratar é muito mais que um método – é uma concepção de mundo. É uma pedagogia. Pedagogia e não um método cheio de técnicas. A gente sabe muito mais as coisas quando aprendemos o significado dessa pedagogia do que quando se aplica uma técnica. As técnicas só se encarnam quando o princípio é respeitado.

Se o educador está disposto a viver com o educando uma experiência na qual o educando diz sua palavra ao educador e não apenas escuta a palavra do educador, a educação se autentica, tendo no educando um criador de sua aprendizagem. Esse é um princípio fundamental.Uma segunda consequência do falar a e do falar com é que eu só falo com na

medida em que escuto também. E eu só escuto na medida em que eu respeito, inclusive o que fala me contradizendo. Se a gente só escuta o que concorda com a gente... é exatamente o que está aí no poder. Quer dizer, desde que vocês aceitem as regras do jogo, a abertura prossegue. Se o povo brasileiro concordar que a abertura, a democracia deve ser assim, ela existe, senão... Gosto muito de anedotas, inclusive

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as anedotas chamada feias que são tão bonitas.Quando era moço, me contaram uma estória que se deu com Henry Ford.

Henry Ford reuniu seus técnicos e assessores e disse: vamos aqui discutir o modelo novo dos carros Ford. Então, os técnicos começaram: Sr. Henry, vamos dar um jeito de acabar com esses carros só pretos e feios; vamos tacar o carro marrom, verde, azul, mudar o estilo, fazer um negócio mais dinâmico. Quando deu 17 h o Henry Ford falou: agora em tenho um negócio. Vamos fazer o seguinte: amanhã, a gente se reúne aqui às cinco horas, para decidir esse negócio. No outro dia, às 16h45 os assessores estavam todos na sala. Às 16,50 h, a secretária de Ford entrou na sala e falou: senhores, o Sr. Ford não pode vir a essa reunião, mas pede que os senhores se reúnam; diz também que concorda com os senhores, desde que seja preta a cor dos carros.

Eu falo contigo quando sou capaz de te escutar. E se sou capaz, eu falo a ti. No falar a e no falar sobre (que significa falar em torno), falo a ti sobre a situação tal. Se me convenci desse falar com, desse escutar, meu trabalho vai partir sempre das condições concretas em que o povo está. Meu trabalho vai partir dos níveis, das maneiras e formas como o povo se compreende na realidade e nunca da maneira como eu entendo a realidade.

Desmontar a visão mágicaParto de um exemplo concreto. Quando tinha 7 anos, já não acreditava que a

miséria era punição de Deus. Isso faz muito tempo. Mas, vamos admitir que eu chegue para trabalhar, numa certa área cujo nível de repressão, opressão, espoliação do povo é tão grande que a comunidade, até por necessidade de sobrevivência coletiva, se afogue numa visão alienada do mundo. Nessa visão, Deus é o responsável por toda aquela miséria. Nesse nível de consciência, de percepção da realidade é preciso, acreditar que Deus é o responsável. Sendo Deus o responsável o problema passa a ter causa superior. É melhor acreditar que é Deus do que acreditar que não é, porque aí não se tem a obrigação de brigar, arriscando-se a morrer...

Esta é uma realidade que existe. Não se sabe como é que os jovens de esquerda não percebem esse treco! Então, não é possível chegar a uma área como essa e fazer um discurso sobre a luta de classe. Não dá mesmo ! É uma absoluta inconsistência teórico-científica. Fazer um troço desse, é ignorância da ciência. Um dia, vai chegar o negócio da classe. Mas, será impossível enquanto não desmontar a visão mágica, a compreensão mágica. Se houvesse a possibilidade da participação ativa, da prática política imediata, essa visão se acabaria. Porém, é sempre uma

violência você querer esquecer que a comunidade ainda não tem a possibilidade de um engajamento imediato.

O que tem acontecido é a gente falar à comunidade e não com a comunidade. Você faz um discurso brabo, danado. E o resultado desse discurso? Cria mais medo; mete mais medo na cabeça da população. Quer dizer, o que a gente tem a fazer é partir exatamente do nível que a massa está. Diante desse fato, há duas possibilidades de errar: a) acomodar-se ao nível da compreensão da comunidade e passar a dizer que, na verdade, é Deus mesmo que quer isso; b) ou arrebentar com Deus e dizer que o culpado é o imperialismo.

Seria uma falta de senso dessa pessoa porque, isso é falta de compreensão do fenômeno humano, da espoliação e das raízes. É engraçado, se fala tanto em dialética e não se é dialético. (Dialética é o processo de conhecimento pelo qual se acerta o caminho, através de um processo de reflexão sobre a realidade ou a prática). O que será que pode acontecer na cabeça das pessoas: se Deus é um caboclo danado de forte, que criou todo esse treco o que é que pode gerar na cabeça dessas pessoas se a gente chega e diz que não é Deus? Vamos ter que brigar com uma situação feita por um ser tão poderoso como este e, ao mesmo tempo, tão justo. Essa ambiguidade que está aí significa pecado. Então, a gente mete mais sentimento de culpa na cabeça da massa popular.

Partir do nível da massaAntes do golpe militar, lá no Nordeste, fui conversar com um grupo de

camponeses. Em poucos minutos eles se calaram e houve um grande silêncio. Até que um deles falou:- O senhor me desculpe, mas é o senhor que deve falar e não nós.- Por que? Perguntei eu.- Porque o senhor é o que sabe e nóis não sabemos.- Aceito. Eu sei e vocês não sabem! Mas por que é que eu sei e vocês não

sabem?Aceitei a posição deles em vez de me sobrepor à posição deles. Aceitei a posição deles, mas, ao mesmo tempo, indaguei sobre eles)

- Um deles respondeu:- O senhor sabe porque foi à escola e nós não.- Aceito. Fui à escola e vocês não foram. Mas, por que é que eu fui à escola e

vocês não foram? - Ah, foi porque seus pais puderam e os nossos não.

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- Concordo. Mas por que meus pais puderam e os de vocês não puderam?- Ah, o senhor pôde porque seus pais tinham condição, bom trabalho, bom

emprego e os nossos não.- Tá certo. Mas, por que os meus tinham e os de vocês não?- Porque os nossos eram camponeses. Meu avô era camponês, meu pai era

camponês, eu sou camponês, meu filho é camponês, meu neto vai ser camponês. (Aí, a concepção fatalista da história!).

- O que é ser camponês?- Ah, é não ter nada, é ser explorado.- Mas, o que é que explica isso tudo? - Ah, é Deus! Deus quis que o senhor tivesse e nós não.- Tá certo, concordo. Deus é um cara bacana, é um sujeito poderoso! Agora,

eu queria fazer uma pergunta: quem aqui é pai? (Todo mundo era). Olhei para um e disse: Você tem quantos filhos? - Tenho seis, disse ele.

- Você seria capaz de botar 5 filhos aqui no trabalho forçado e mandar um prá Capital com comida, hotel, prá ele estudar e ser doutor, e os outros 5 morrendo no porrete e no sol?

- Não, não fazia isso não!- Então, você que acha que Deus é poderoso, que é pai, ia tirar essa

oportunidade de vocês? Será que pode? Houve um silêncio e por fim um falou:

- É não, não é Deus nada! É o patrão!Seria idiotice minha se eu dissesse que era o patrão imperialista yankee. O

cabra ia dizer o quê, onde mora esse hôme? A transformação social se faz com ciência, com consciência, bom senso, humildade, criatividade e coragem. É trabalhoso, não se faz na marra. O voluntarismo nunca fez revolução, em canto nenhum, nem o espontaneísmo. Transformação social implica em convivência com as massas populares e não a distância delas.

Ninguém sabe tudo ninguém ignora tudoUm princípio que está ligado ao falar a e falar com é que ninguém sabe de

tudo, nem ninguém ignora tudo. Isto equivale dizer que, em termos humanos, não há nem sabedoria absoluta, nem ignorância absoluta.

Um dia, no Chile, fui discutir com camponeses. Eles estavam inibidos para

discutir comigo por que eu era doutor. Falei que não era. Peguei um giz, fui ao quadro e propus o seguinte jogo. Faço uma pergunta a vocês e se vocês não souberem, eu marco um gol. Em seguida, vocês fazem uma pergunta e se eu não souber, vocês marcam um gol. Vou dar o primeiro chute. De propósito, perguntei um treco difícil, coisa de intelectual: eu gostaria de saber o que hermenêutica socrática? Ficaram rindo, não sabiam o que era isso. Marquei um ponto para mim. Na vez deles, alguém fez uma pergunta sobre semeadura. Eu não entendia pipocas! Perdi um ponto. Fiz a segunda: o que é alienação em Hegel? Dois a um. Me fizeram uma pergunta sobre praga. Foi uma senhora experiência, com empate de 10 a 10. Convenceram-se, no final do jogo, que de fato, ninguém sabe tudo e ninguém sabe nada.

Elitismo e basismoMas, essa verdade que aceitamos a nível teórico pelo intelecto (ninguém

sabe tudo e ninguém sabe nada), a gente precisa viver. Todo mundo aqui sabe que não está só no mundo. Porém, é preciso viver a consequência disso, sobretudo quando dizemos que nossa opção é libertadora. O que é preciso é encarnar esse princípio quando a gente se aproxima da massa popular arrogantemente, elitistamente, para salvar a massa inculta, incompetente, incapaz! Essa é uma postura absurda, até porque não é científica. Há uma sabedoria que se constitui na massa popular, pela prática.

Mas, existe também outro equívoco que chamamos basismo: ou você está na base, o dia todo, a noite toda, mora lá, morre lá ou não dá palpite nunca! Isso é conversa fiada, não dá certo! Esse negócio de superestimar a massa popular é um elitismo às avessas. Não há porque fazer isso. Tenho claro que sou intelectual de mão fina. A sociedade burguesa em que me constitui como intelectual não me poderia ter feito diferentemente. Ou a gente é humilde para aceitar uma verdade histórica que é o nosso limite histórico ou, nos suicidamos. E eu não vou me suicidar porque é dentro dessa contradição que me forjo como um novo tipo de intelectual. E tenho uma contribuição a dar a massa popular.

O fundamental é que minha contribuição só é válida, na medida em que sou capaz de partir do nível em que a massa está e, portanto, aprender com ela. Se não for assim, a contribuição de nada vale ou é muito pouca. Independente das técnicas, o que vale é o princípio: estar com o povo e não simplesmente para ele e jamais sobre ele. Isso é o que caracteriza a postura libertadora.

5. Assumir a ingenuidade do educandoOutro princípio fundamental é a capacidade de assumir a ingenuidade do

educando, seja universitário ou popular. É comum a gente defrontar-se com 8

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ingenuidades, com perguntas que a gente não entende. E não entende porque quem faz a pergunta não consegue fazer. Imaginem que pedagogo seria eu, se ao ouvir uma pergunta mal formulada, desorganizada ou sem sentido, eu respondesse com ironia. Que direito teríamos nós de dizer que somos educadores que pensam em liberdade e respeito? Às vezes, é complicado. Tenho feito assim quando não consigo realmente entender a pergunta: vou repetir a pergunta; presta atenção pra ver se eu não estou distorcendo o espírito da tua pergunta; se eu distorcer, você me diz. Então, repito a pergunta reformulando de maneira mais clara como eu penso que entendi. Não raro as pessoas afirmam: era isso que eu queria perguntar, só que não estava sabendo. Imaginem se eu dissesse à pessoa não, você é um idiota! Com que autoridade? Que sabedoria tenho eu para fazer isso? Ao contrário, é preciso seguir o princípio absolutamente fundamental: ao assumir a posição ingênua do educando, você supera essa posição com ele e não sobre ele.

Se é fundamental assumir a ingenuidade do educando é absolutamente indispensável assumir a criticidade do educando diante da nossa ingenuidade de educador. Esse é o outro lado da medalha para o educador auto-suficiente. Para ele só o educando é ingênuo, o educador nunca é. No fundo, ingênuo é o educador porque a ingenuidade se caracteriza pela alienação de si mesmo ao outro. A alienação se faz pela transferência de si em alguém para o outro: eu não sou ingênuo, o outro é que é ingênuo. Transfiro para ele a minha ingenuidade. Só posso criticar, se eu também acredito que também sou ingênuo; porque não há nenhuma absolutização da ingenuidade, nem absolutização da criticidade. O educador que não faz esse jogo dialético, contraditório e dinâmico, não trabalha pela libertação.

6. Educação como ato políticoDiscutir esses princípios e posturas pedagógicas, tudo isso é política. A

educação é tanto um ato político, quanto um ato político é educativo. Não é possível negar, de um lado, a politicidade da educação e, do outro, a educabilidade do ato político. Nesse sentido, todo partido é sempre educador. Tudo depende que educação é essa que esse partido faz, depende com quem ele está, a favor de que está o educador ou a educadora. Se educação é sempre um ato político e a(o) educadore(a)s são seres políticos, importa saber a favor de quem fazemos política, qual nossa opção.

Clareada nossa opção, a gente tem que ser coerente. Porque não adianta o discurso revolucionário com uma prática reacionária. Não adianta participar, uma semana, de um curso sobre metodologia popular e, em seguida, ir à favela salvar os favelados com a nossa ciência, em lugar de aprender com os favelados a ciência deles. Não é o discurso que diz se a prática é válida; é a pratica que diz se o discurso

é válido ou não. Quem julga é sempre a prática, não o discurso. De nada adianta um lindo sermão seguido de uma prática reacionária. De nada adianta uma proposta revolucionária, se nossa prática é pequeno-burguesa.

O trabalho concreto exige capacitação em vários campos. Porém, o fundamental é a coerência com nossa opção política. Por causa dela corre-se risco. Educação libertadora ou é aventura permanente ou não é criadora. E não há criação sem risco; e o que temos a fazer é reinventar as coisas.

7. A marca do autoritarismoNós brasileiros temos que combater, em nós, a marca trágica do

autoritarismo que vem dos primórdios do nosso nascimento. O Brasil foi inventado autoritariamente e autoritariamente continua. Não é de espantar que a abertura e a democracia se façam de forma autoritária.

Pe. Antônio Vieira, num belo sermão, durante a guerra contra os holandeses, dizia: em nenhum milagre Cristo gastou mais tempo, nem mais trabalho teve do que em curar o endemoniado mudo. E esta tem sido a grande enfermidade do nosso País: o silêncio ao qual o povo sempre foi submetido. O que Vieira não disse é que, neste País, quem tem sido mudo é a classe popular, as classes trabalhadoras. Não são mudas porque não fizeram nada. Elas têm feito sua rebelião constante. As lutas populares, neste País, têm sido grandiosas! Só que a historiografia oficial, primeiro esconde as lutas, quando conta distorce e, por fim, o poder autoritário faz tudo prá gente esquecer.

Os intelectuais desse País são autoritários, inclusive quando somos de esquerda. Nosso autoritarismo se transformou na nossa arrogância, na sabedoria que a gente fala, nas exigências de leitura que fazemos, no nosso comportamento durante os cursos e seminários. Cita uns 40 livros e manda o aluno ler uns 200 capítulos a mais do que os 40 livros.

8. Reaprender de novoSe você pretende começar um trabalho com grupos populares, esqueça-se

de quase tudo o que lhe ensinaram. Dispa-se, fique nu e comece a se vestir de povo. Esqueça-se da falsa sabedoria e comece a reaprender de novo. Aí é que a gente descobre a validade do que já se sabe – ao testar o que a gente sabe com o que o povo está sabendo.

Um grupo de jovens fazia uma experiência de alfabetização numa comunidade de favelados, durante a construção de um barraco. Depois sumiram. Quando reapareceram me disseram: Paulo, a coisa mais formidável que a gente tem pra contar é que, por mais que a gente tivesse lido você e conversado com você, a gente cometeu um erro tremendo. A gente tinha botado na cabeça que o povo

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queria ser alfabetizado. Como a gente falou que alfabetização era importante, o povo passou 6 meses com a gente, falando daquilo por causa da gente. Quando aumentou a intimidade o povo, dando risada, falou “nós nunca quisemos isso”! O grupo de jovens era um pessoal bacana. Tinha lido tudo meu, tinha discutido comigo um semestre. Eu também fui enrolado pela equipe. O povo queria outra coisa, mas a equipe tinha transferido ao povo a necessidade da alfabetização. Num País de 500 anos de dominação é fácil aceitar a insinuação de um intelectual sobre uma necessidade.

9. Pacientemente impacienteO educador com a opção libertadora tem que viver pacientemente

impaciente. Significa viver a relação entre a impaciência e a paciência. Não é possível viver só impaciente como muita gente, querer a revolução para amanhã. A impaciência se manifesta, por exemplo, na afirmação as massas já têm o poder, no Brasil: só falta o Governo. A impaciência mete na cabeça da gente um desenho da realidade que não existe. Só pode existir na cabeça de alguém fantasioso, não na realidade econômica, política e social do Brasil. A impaciência significa a ruptura com a paciência. Romper com um desses pólos é romper em favor de um deles.

NOTA: Esta reprodução adaptada tem como base a publicação PARA TRABALHAR COM O POVO editada pelo Centro de Capacitação da Juventude, Vila Alpina, Zona Leste de São Paulo, SP, 1983.

4. DE ONDE PROVÊM AS IDÉIAS CORRETAS?Mao Tse Tung – Maio de 1963

De onde provêm as ideias corretas? Por acaso, caem do céu? Não. Serão, porventura, inatas dos cérebros? Não. Elas só podem se originar da prática social, de três tipos de prática social: a luta pela produção, a luta de classes e a experimentação científica da sociedade.

A existência social das pessoas determina seu pensamento. Uma vez dominadas pelas massas, as ideias corretas que caracterizam a classe avançada, tornam-se uma força material capaz de transformar a sociedade e o mundo. Empenhados em diversas lutas, no decorrer da sua prática social, os humanos adquirem uma rica experiência, extraída tanto de seus êxitos como dos seus fracassos.

Os inumeráveis fenômenos da realidade objetiva refletem-se no cérebro humano, por meio dos órgãos de seus cinco sentidos – visão, audição, olfato, paladar e tato. Assim se constitui, no início, o conhecimento sensorial. Quando esses dados sensoriais se acumulam suficientemente, produz-se um salto pelo qual eles se transformam em conhecimento racional, quer dizer, em ideias.

Este é um processo de conhecimento. Trata-se da primeira etapa do processo global do conhecimento, a etapa que vai da matéria objetiva ao espírito subjetivo, da existência às ideias. Nessa etapa, ainda não se comprova se a consciência e as ideias (incluindo teorias, política, planos, resoluções) refletem corretamente as leis da realidade objetiva – ainda não se pode determinar se tais ideias são corretas ou não.

Em seguida, se apresenta a segunda etapa do processo de conhecimento, etapa que conduz da consciência à matéria, do pensamento à existência. Isto significa aplicar, na prática social, o conhecimento obtido na primeira etapa, para ver se essas teorias, política, planos e resoluções... produzem ou não, os resultados esperados. De maneira geral, com relação a esse ponto, o que dá bom resultado é correto e o que fracassa é incorreto, especialmente quando se trata da luta entre a humanidade e a natureza.

Na luta social, as forças que representam a classe avançada, às vezes, sofrem algum fracasso. Mas não por terem ideias incorretas e sim porque na correlação das forças em luta, elas são menos poderosas, naquele momento do que as forças reacionárias. Por isso, fracassam temporariamente, porém, acabam por triunfar, mais cedo ou mais tarde.

Através da prova da prática o conhecimento humano dá um novo salto que é de um significado ainda maior que o anterior. Porque só esse salto permite provar se o primeiro é ou não acertado. Quer dizer, só ele permite assegurar se as ideias, teorias, política, planos, resoluções elaboradas durante o processo de reflexões sobre

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a realidade objetiva são corretos ou incorretos. Não há outro método para comprovar a verdade. Além disso, a única finalidade do proletariado ao conhecer o mundo, é transformar o próprio mundo. Não há outro objetivo além desse.

Frequentemente, para se chegar a um conhecimento correto torna-se necessário repetir muitas vezes o processo vai da matéria à consciência e da consciência á matéria, quer dizer, da prática ao conhecimento e do conhecimento à prática.

Esta é a teoria marxista do conhecimento; é a teoria materialista dialética do conhecimento. Muitos de nossos companheiros, ainda não compreendem essa teoria do conhecimento. Quando perguntados sobre a origem de suas ideias, opiniões, política, métodos, planos, conclusões, eloquentes discursos e extensos artigos, estranham a pergunta e não sabem respondê-la. Também não compreendem que a matéria possa transformar-se em consciência e a consciência em matéria, embora tais saltos sejam um fenômeno da vida de todos os dias.

Por isso, é preciso educar nossos companheiros, na teoria materialista dialética do conhecimento para que possam orientar corretamente seu pensamento, saibam pesquisar e estudar, e realizar a avaliação de suas experiências, superem as dificuldades, cometam menos erros, façam melhor o seu trabalho e lutem duro para transformar nosso País num grande e poderoso país socialista e ajudem as grandes massas de oprimidos e explorados do mundo, cumprindo assim o dever internacionalista que nos cabe.

5. O QUE É EDUCAÇÃO?

“Desde pequeno tive que interromper minha educação para entrar na

escola” Bernard ShawA educação tem papel fundamental na organização da sociedade, podendo

tanto ordená-la, quanto reformá-la ou, até, revolucioná-la. Assim, não há só uma forma, nem um único modelo de educação. A educação existe em cada povo e em povos que se encontram; em povos que submetem outros povos e usam a educação como um recurso de sua dominação e em povos que buscam a libertação e usam a educação como instrumento para livrar-se da dominação.

A educação é um processo de tradução, reconstrução, reprodução e (re)criação do conhecimento. É verdade que só o conhecimento liberta, embora, de forma mais ou menos intencional, muita gente reduz o saber à escolarização, à erudição acadêmica, ao um arquivo de informações ou à mera assimilação e repetição de conceitos. O conhecimento é mais que a informação, palestra, curso ou leitura de um livro – quem diz que sabe, mas não sabe fazer, ainda não sabe. O conhecimento pressupõe informação, assimilação e aplicação prática dos conceitos. Quando colocado a serviço de uma estratégia, o saber pode tornar-se força material para transformar a natureza e a sociedade.

A educação é um Instrumento que torna comum o saber e a estratégia de um grupo. Toda educação tem uma intencionalidade, explícita ou implícita, pois todo conhecimento tem um objetivo, uma direção e uma finalidade. O conhecimento é conhecimento de algo ou de alguém, a partir de uma perspectiva. A intencionalidade dá a direção do conhecimento e a direção da ação decorrente deste conhecer. A educação está a serviço de uma ideologia como instrumento para consolidar uma estratégia de poder.

Adotar e discutir princípios e posturas pedagógicas é fazer política. A educação é um ato político, como um ato político é educativo. Numa sociedade de classes, não pode haver educação que seja a favor de todos – será sempre a favor de alguém e contra outrem. A educação serve para que uma pessoa se acomode ao mundo ou se envolva em sua transformação. A politicidade da educação questiona quem educa sobre a educação que se pratica na sociedade capitalista. Uma educação transformadora, só pode ficar contra quem se beneficia de uma situação de dominação e se coloca a favor de quem é prejudicado por ela. Ao ser conservadora, estará a favor dos grupos beneficiados com sua manutenção.

Na educação domesticadora, tornar comum significa naturalizar a prática de impor - (In+signo+are) - de forma autoritária ou populista, diferentes pacotes que perpetuam a ordem dominante. As pessoas são ensinadas a introjetar e a reproduzir conteúdos e modelos que fortalecem a estrutura de opressão. Pode existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber,

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como armas que reforçam a desigualdade entre as pessoas, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos.

Há muitos anos, governantes de dois estados americanos, após muitas guerras de extermínio, selaram um tratado de paz com os índios. Para celebrar o acontecido e, convencidos que a educação é tudo, as autoridades escreveram cartas aos nativos, oferecendo vagas para jovens índios, nas escolas dos brancos. Agradecendo e recusando a oferta eles responderam:

Estamos convencidos que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de coração. Mas, entendemos que diferentes povos têm ideias diferentes sobre as coisas. Esperamos que não fiquem ofendidos ao saber que vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa.

Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas dos “civilizados” e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando voltaram para nós, eram maus corredores, ignorantes na vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar o búfalo, matar o inimigo, construir uma cabana e falavam nossa língua muito mal.

Eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, nem como caçadores ou como conselheiros. Agradecemos a oferta embora não possamos aceitá-la. Para mostrar nossa gratidão propomos aos nobres senhores que nos enviem alguns dos seus jovens. Nós lhe ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles, homens. (em “O que é educação” C. Brandão)

Na educação libertadora, tornar comum significa uma construção coletiva que busca incorporar as pessoas como protagonistas e estimula seu potencial silenciado e atrofiado para a construção de uma nova ordem, com pessoas novas. A educação libertadora, ao despertar a libertação de forças “naturalmente” adormecidas e socialmente reprimidas, inclui, ao mesmo tempo, a consciência e o mundo, a palavra e o poder, o conhecimento e a política, a teoria e a prática. A pedagogia participativa exige envolvimento corresponsável de quem entra no processo – o que eu ouço eu esqueço; o que eu vejo me lembro; o que eu faço aprendo (Confúcio)

A educação visa a incorporação de muita gente na defesa e sustentação de um projeto. É uma disputa de hegemonia onde uma classe busca exercer sobre outra um processo de direção política, no plano político, cultural e ideológico. A hegemonia da classe no poder se constrói e se recria, na vida cotidiana. Através dela se interioriza valores e se constrói sujeitos convencidos da excelência de uma alternativa de vida. Os processos educativos junto com a mídia e a escola garantem o grupo no poder ideologicamente hegemônico.

A educação deve ser necessariamente crítica a qualquer tentativa de endoutrinamento ou dogmatismo que treina obedientes seguidistas. É, igualmente, contrária a toda ausência de princípios, ecletismo ou elogio oportunista a um falso saber popular. A repetição de fórmulas acabadas, de receitas transplantadas ou a aceitação do simples senso comum tem produzido imbecis disciplinados que afundam qualquer organização.

CEPIS – SP.

Estranhem o que não for estranho

Tomem por inexplicável o habitual

Sintam-se perplexos ante o quotidiano

Tratem de achar um remédio para o abuso

Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre

a regra.

A exceção e regraBertold Brecht

6. O QUE É EDUCAÇÃO POPULAR?

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“Tudo muda quando as panelas estão cheias ou vazias de alimentos” Madre Cristina, Julho/85

A Educação Popular é uma prática político-pedagógica que assume diversos e contraditórios significados, conforme os interesses de grupos, em diferentes conjunturas. Já foi subversiva, perseguida por vários governos e não coube na academia. Para caber na academia, tentam despi-la da politicidade que trouxe de berço. Também já foi sinônimo de alfabetização de adultos ou entendida como dinâmicas de grupo usadas para produzir a euforia (ou a ilusão?) do participativo.

A Educação Popular foi aplicada em processos de alfabetização, com sucesso, porque o ato de ler (legere) foi bem mais que o ato de enletrar. Foi uma qualificação para captar o mundo e para escrever a vida da pessoa, como autora e testemunha de sua própria história. Quando utiliza dinâmicas de grupo, imagens e metáforas é uma forma de estimular o trabalho cooperativo, a participação das pessoas e facilitar a compreensão e assimilação dos conceitos que são abstratos.

As mudanças na Educação Popular são desejadas e necessárias para que ela continue significativa, em diferentes gerações e processos históricos. Mas, as mudanças sempre trazem a marca da disputa ideológica e a intenção de reforçá-la ou esvaziá-la enquanto instrumento que serve às classes subalternas, no seu processo histórico de emancipação.

A Educação Popular é um processo coletivo de elaboração, tradução e socialização do conhecimento que capacita educadores e educandos a ler criticamente a realidade para transformá-la. A apropriação crítica dos fenômenos e suas raízes e permite o entendimento dos momentos e do processo da luta de classes e ajuda a quebrar toda forma de alienação e buscar a descoberta do real e sua superação.

Educação popular é uma experiência de aprender e ensinar que só pode interessar aos pobres: só o oprimido pode libertar-se e ao libertar-se, liberta também seu opressor. Popular significa, então, a opção por um dos pólos da luta de classes onde o povo que se mobiliza deve ser parte. Ele já tem um saber, ainda que parcial e fragmentado, mas precisa refletir sobre o que sabe (não sabe que sabe) e incorporar o acúmulo teórico da prática social. A Educação Popular é um instrumento que desperta, qualifica e reforça o potencial popular em sua luta para romper a lógica do capital e construir uma alternativa solidária.

“quem quiser fazer só pedagogia, só metodologia, sem esta visão política, acaba fazendo uma contra-educação popular”- Madre Cristina, Julho/85

Não existe Educação Popular fora dos processos de luta popular. O trabalho educativo, junto a um movimento, ajuda concretizar suas convicções, princípios e propostas, em cada conjuntura. Seu objetivo permanente é:

Contribuir na tradução, divulgação e recriação do conhecimento como força material para transformar a realidade: entender, assimilar e aplicar;

Ajudar a construir, divulgar, tornar comum e acompanhar a estratégia da organização popular como resposta aos desafios de sua prática cotidiana e histórica.

Qualificar quadros militantes que se dispõem a transformar, pela raiz, a estrutura do sistema capitalista, no nível político, econômico, ideológico e cultural...

Ajudar a elevar o nível de consciência da classe oprimida e incorporar o povo como protagonista.

Facilitar o entendimento e aplicação do conteúdo e da metodologia popular, comprometendo as pessoas com a multiplicação criativa.

A Educação Popular leva em conta os diversos níveis de consciência, mas não pode ser ingênua e confundir princípio com método. Assim, a defesa intransigente da igualdade entre os humanos, sem superiores ou inferiores, não pode desconhecer as diferenças produzidas pela carga genética, o ambiente cultural, oportunidades históricas, esforço pessoal...

Mesmo sem critérios exatos para demarcar limites pelo menos, quatro níveis de formação: a) a de base - com temas que se referem à identidade, à integração na vida, o ânimo para a luta, os valores... b) a de militantes – o esforço de reconstruir os conceitos enquanto acúmulo da prática social, categoria de análise... c) a de dirigentes – que exercita a capacidade de análise, a elaboração estratégica, a habilidade na condução política... d) a de formadores – que, junto com os conteúdos, inclui o domínio da habilidade pedagógica...

A pedagogia popular é participativa: nem para, nem sobre, mas com as partes envolvidas. Busca superar qualquer forma de enquadramento e endoutrinamento. Exige o envolvimento corresponsável de todos os atores, no decorrer do processo. O pacote, independente do conteúdo, é algo estranho porque imposto.

A metodologia popular se constrói sobre a prática dos participantes, problematizando seu saber, questionando a percepção que eles têm da ação que realizam. Requer o envolvimento integral - corpo, mente e sentimentos que se traduz em forma de participação ativa, disciplina consciente e iniciativa individual criativa.

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O processo metodológico se realiza pela interação de quatro balizas básicas: O querer dos educadores - O educador é um dos pólos do diálogo - com seu

querer, sonhos, opções, limites e o conhecimento da prática social que carrega (teoria). Muitas vezes, é ele quem toma a iniciativa do processo. Não é o guia genial que faz a cabeça, presente no discurso autoritário e vanguardista, nem o acessório presente no discurso autoritário e basista. Sua tarefa específica é educar (ex- ducere), assessorar (facilitar o acesso à), ajudar a entender os conceitos, como condição para desmontá-los e recriá-los. Se a realidade influencia o olhar do educador, o mundo é contemplado a partir do que ele acredita.

- A necessidade dos trabalhadores - O educando é o outro pólo do diálogo com suas necessidades, anseios, fantasias, limites, saberes, origens, valores, experiências, ritmos, subjetividade... Não é só vítima é também potencial. Não é um ignorante, depósito, cliente, plateia, aluno, objeto de manipulação; nem o sabe-tudo do discurso basista - o povo sabe o que quer, mas, às vezes, quer o que não sabe. Suas demandas aparecem como reivindicação ditada pelo cotidiano.

O contexto onde se dá o processo - A formação acontece com pessoas situadas – estão mergulhadas numa teia de relações econômicas, sociais históricas, culturais, interpessoais, políticas. O diálogo educativo se realiza em um contexto estrutural e conjuntural conflitivo que facilita e desafia. A vontade joga um papel, mas precisa considerar as condições objetivas. Alem disso, só agir dentro do possível, pedindo licença e sem ousadia, não leva à ruptura da ordem.

A postura e a prática do intercâmbio - É a relação de troca entre pessoas que têm a mesma causa. As partes envolvidas são protagonistas, mesmo exercendo papéis específicos de parturiente e/ou parteira, sem utilitarismo. Existe uma intensa interação e tensão de todos com todos, com mútua influência: educadores, educandos e contexto no esforço de superar o voluntarismo, o possibilismo e o basismo.

O métodoO método é o caminho que se percorre, que já foi percorrido e que se pode

percorrer para realizar um objetivo. Esse jeito, forma, maneira, caminho se traduz em uma postura (humilde ou arrogante) e a realização de dinâmicas com o uso de recursos pedagógicos para despertar e promover a reflexão e a cooperação.

O método popular tem princípios ou convicções que são seu ponto de partida: a) Toda pessoa é capaz; b) Só que é oprimido, como indivíduo e como classe, pode ter interesse na libertação; c) só quem está no trabalho produtivo tem

condições efetivas de fazer as transformações radicais; d) só quem se dispõe a um processo deve incorporado no processo.

O ponto de chegada do método popular é: a) animar e apaixonar porque resgata o elemento da identidade e dignidade (autoestima): as pessoas se tornam protagonistas, capazes de andar com seus próprios pés; b) mobilizar porque rompe com a situação de dormência, fatalismo e a sensação de impotência gerada pela dominação; c) aumentar o grau de consciência; d) qualificar, política e tecnicamente a militância para o Trabalho de Base - atuação na realidade, experimentação permanente e apropriação dos conteúdos e do método; e) levar militantes e educadores à multiplicação criativa e ousada – assumem-se como parte comprometida com a massividade; f) canalizar as legítimas resistências de emancipação para um Projeto Popular sem o paradigma da desigualdade. Sabe a inclusão capitalista é uma lógica insustentável, onde não há lugar para os oprimidos.

A mística da Educação PopularEducação popular é um ato de amor que contribui no despertar da

consciência e desafia seus participantes a assumir, como protagonistas, seu destino, individual e coletivo. Esse ato amoroso se manifesta na entrega solidária, na recordação da memória subversiva e no empenho para que as pessoas se desenvolvam, como gente e como povo. Nessa missão, a militância cultiva valores que se expressam no seu jeito de pensar, agir e sentir, expressas no amor pelo povo, companheirismo, espírito de superação, humildade, sacrifico e na pedagogia do exemplo.

CEPIS – SP.

7. EDUCAÇÃO POPULAR E PODER POPULAR

“Quem trabalha e mata a fome, não come o pão de

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ninguém. Quem não ganha o pão que come, come sempre o pão de alguém”

Antônio F. Aleixo (1899-1949), repentista português.

A educação popular é um processo que visa contribuir para que os trabalhadores se tornem protagonistas da sua ação política; processo fundamental que se desenvolve na prática de luta e organização dos trabalhadores.

A necessidade concreta e a possibilidade de ter conquistas e o esforço para não perder direitos, levam a classe trabalhadora a mobilizar-se. Nesse movimento começa a vislumbrar a raiz da exploração e a sentir a necessidade de participar e de assumir-se como protagonista.

É preciso lutar pelo poder com garra e coragem...A vontade, o entusiasmo, a coragem e a garra para lutar são qualidades

imprescindíveis a todo militante, sem as quais não se é revolucionário. Mas, não são suficientes. É preciso ser científico, não no sentido do intelectual distante da prática transformadora, mas, ao contrário, fazer revolução cientificamente. Por isso, todo militante deve conhecer e assimilar as leis mais gerais do desenvolvimento social e as categorias de análise que utiliza o materialismo histórico e dialético, sem os quais não podemos conhecer a realidade em que vivemos, nem apontar cientificamente sua transformação.

Sem a caracterização objetiva da realidade social, com as forças e contradições internas que lhe dão movimento, não poderemos construir e consolidar as ferramentas de luta e traçar políticas adequadas a cada situação.

Nesse sentido, é tarefa da educação popular orientar a formação ideológica e política dos trabalhadores, que possibilite dotá-los dos elementos fundamentais para a prática da atividade política. É necessário desenvolver a capacidade de teorizar sobre a prática social e conhecer em linhas gerais o desenvolvimento da humanidade, para captar a ideia do crescente domínio do homem sobre a natureza, do progresso, do avanço incessante das forças produtivas e da luta de classes como motor da história.

A análise do funcionamento do capitalismo, a história da luta de classes no Brasil e no mundo, o papel da organização da classe trabalhadora no processo de transformação social, as experiências de luta e organização, o estudo dos processos revolucionários na história e na atualidade, a análise permanente da conjuntura, e uma visão crítica da realidade são alguns aspectos importantes na formação do militante e dirigente.

Mas, a formação política não se dá somente com o estudo, mas fundamentalmente com a prática, a crítica e a autocrítica, a permanente inter-relação entre teoria e prática. Por isso não pode ser um estudo formal, acadêmico; se assim for não adianta nada. É um processo permanente e contínuo na vida do militante.

Deve estar presente na preocupação do educador e do educando, na direção

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das organizações dos trabalhadores e em cada um de seus militantes, não só no que se refere à sua própria formação, mas buscando expandi-la a todos os participantes, considerando o nível de conhecimento e as tarefas que cada um deve realizar.

Deve significar, em cada um, uma mudança qualitativa na visão do mundo e na prática cotidiana: na família, no trabalho, na disciplina, na solidariedade, nas relações entre os gêneros, contra a discriminação, na luta. Como disse Agostinho Neto1 “Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós”.

A educação que recebemos nas instituições capitalistas se orienta pela ideologia e pela lógica capitalista, fundamentada na competição, no individualismo, na discriminação, na dominação, na exploração e na opressão.

A educação popular se refere ao trabalhador na sua totalidade e na sua relação humana e social: no trabalho, na família, nas relações de gênero, na luta...

Mas as mudanças não são automáticas na conduta da gente; elas se dão como resultado de acúmulos quantitativos. Não acontecem também em todas as esferas da nossa vida ao mesmo tempo, nem de uma vez para sempre. Daí a necessidade permanente de avaliação na formação, como um processo de fortalecimento político-ideológico, para corrigir erros e caminhos.

A formação dos trabalhadores só tem sentido se estiver ligada à luta incessante contra a sociedade baseada na exploração. Se não encararmos dialeticamente os problemas da prática política dos trabalhadores, podemos cair no desvio de fazer formação como se fosse uma receita, com enunciados teóricos que não servem para resolver os caminhos concretos de modificação da realidade; de ficar apenas nos detalhes estudando cada caso isolado sem poder aplicar o geral em cada caso particular e de não articular a ação política com o processo organizativo.

Formação está intrinsecamente ligada com organização. São partes do mesmo processo. Sem formação a organização não se consolida; sem organização a formação não encontra espaço para a ação. A teoria deve se ligar à prática dos trabalhadores orientando-os nas suas tarefas concretas. É necessário que o educador analise com os movimentos sociais como se podem expressar no concreto as orientações gerais.

Se nas suas lutas específicas os trabalhadores conseguem conquistar seus objetivos, devemos entender e ajudá-los a entender que foi uma experiência setorizada de poder. Se não conseguem totalmente, mas avançam no nível da

1 Agostinho Neto, médico, poeta, primeiro presidente de Angola – 1975-1979 – e dirigente do MPLA- Movimento pela libertação de Angola.

organização e da consciência das possibilidades e limitações e da correlação de forças, devemos entender e ajudá-los a entender que foi uma experiência de luta setorizada pelo poder.

Educação Popular não é neutra; sempre tem uma intencionalidade. Na concepção do CEPIS ela deve estar comprometida como a causa popular, com um papel específico, e deve ser dirigida para a realização do projeto político de tomada do poder pela classe trabalhadora e construção do socialismo. Negar isso é afastar os trabalhadores do seu objetivo histórico. É necessário que as ações políticas das classes populares se orientem em direção da conquista do poder de Estado, da democracia popular, do socialismo, da formação do homem novo.

Na prática educativa e da luta popular vamos descobrindo o caminho concreto para a construção de uma sociedade socialista, evitando prejuízos e falsas expectativas, organizando-nos para a luta e somando forças ao mesmo tempo em que avançamos.

E essa, embora não seja uma tarefa simples, é uma tarefa necessária, que não pode ser monopolizada, mas efetuada por todos aqueles e aquelas que realmente acreditam no protagonismo da classe trabalhadora e na sua força social como construtora da sociedade socialista.

É preciso lutar pelo poder com garra, coragem e: estratégias, táticas, organização, alianças, estudo...

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8. EDUCAR AS MASSASCitações extraídas e adaptadas do “Livro Vermelho” de Mao TseTung

Nunca dissimulamos nossas aspirações políticas. Está bem definido, não cabe a menor dúvida que nosso programa de futuro, o programa máximo é fazer nosso País avançar para o Socialismo. Nossa organização e concepção marxista do mundo apontam inequivocamente, para esse ideal supremo. O objetivo último é a instauração da sociedade socialista. Não possuir um ponto de vista político correto é como não ter alma... Além da direção do partido há um fator decisivo: a quantidade da população. Quantidade significa maior fermento de ideias, maior entusiasmo e energia. Devemos confiar nas massas e confiar no partido. Esses são dois princípios fundamentais. Se duvidarmos deles, nada podemos fazer. O povo, e só o povo, constitui a força motriz na criação da história universal. As massas são os verdadeiros heróis; sem compreender isso é impossível adquirir até mesmo os elementos mais básicos. Há que ajudar cada camarada a compreender que enquanto estivermos apoiados no povo, e acreditarmos no inesgotável poder criador das massas populares, quer dizer confiar no povo e nos identificar com ele, poderemos vencer as dificuldades e nenhum inimigo poderá nos esmagar.. As massas dispõem de um poder ilimitado. Elas podem organizar-se e marchar para todos os lugares e setores de trabalho onde possam dar livre curso à sua energia. Elas podem se orientar para a produção, em profundidade e extensão, e criar para si próprias um número crescente de obras de bem estar. As massas têm um entusiasmo potencial inesgotável pelo socialismo . Só uma pessoa que não sabe mais que seguir a velha rotina é incapaz de perceber tal entusiasmo; quem segue a velha rotina sempre subestima o entusiasmo popular. As massas podem se levantar como poderoso furacão, tempestade ou força vertiginosa e violenta que nenhum poder poderá deter. Quebrarão todas as cadeias e amarras e se lançarão pelo caminho da libertação - sepultarão os imperialistas, caudilhos militares, funcionários corruptos, déspotas locais... Todos os partidos revolucionários e todos os camaradas revolucionários serão postos à prova pelas massas. A revolução deve apoiar-se nas massas populares, contar com a participação de muita gente. É preciso combater a simples confiança num punhado de indivíduos que ditam ordens... que trabalham num frio e quieto isolamento. Tais “dirigentes” resistem em dar explicações aos dirigidos e não sabem como dar livre curso à

iniciativa e a energia criadora das massas. A razão porque o dogmatismo, empirismo, autoritarismo, seguidismo, sectarismo, burocratismo e arrogância no trabalho popular são nocivos e intoleráveis, está no fato de que esses males afastam a militância das massas. O autoritarismo é errôneo porque ultrapassa o nível de consciência política das massas e viola o princípio da ação voluntária das massas. O autoritarismo manifesta o mal chamado precipitação. A militância não pode pensar que tudo o que ela compreende está também compreendida pelas massas. Só penetrando no seio das massas e fazendo investigações é que se pode descobrir se elas compreendem ou não um assunto e se estão ou não dispostas a passar à ação. Fazendo assim é possível evitar o autoritarismo. O seguidismo (basismo) é igualmente errôneo porque se mantém abaixo do nível de consciência política das massas e viola o princípio de dirigi-las no seu avanço. O seguidismo manifesta o mal chamado lentidão. A militância não deve pensar que as massas não compreendem aquilo que eles próprios não compreenderam. Muitas vezes, as massas nos ultrapassam e estão ansiosas para avançar um passo, enquanto os camaradas são incapazes de atuar como seus dirigentes. Refletem a opinião de elementos atrasados, tomam tais opiniões como se fosse a opinião das grandes massas e põem-se assim a reboque desses elementos atrasados. É o oportunismo de esquerda. A militância deve usar o método democrático de persuasão e educação na sua atividade com a classe trabalhadora. É inadmissível adotar a atitude autoritária ou os meios de coerção. O resultado da coerção é submeter sem convencer; isso só serve em relação ao inimigo. Ninguém deve seguir cegamente os outros ou encorajar a obediência servil. Além disso, devemos compreender que a educação ideológica é um trabalho de longo prazo, paciente e minucioso. Não se pode achar que com tantas conferências ou reuniões se pode mudar uma ideologia construída. Para ligar-se às massas importa agir de acordo com as necessidades e aspirações das massas. Todo trabalho com as massas deve partir de suas necessidades, e não da vontade de qualquer indivíduo, ainda que bem intencionado. Acontece, às vezes, que objetivamente as massas precisam de certas mudanças, mas subjetivamente ainda não estão conscientes dessa necessidade, não a desejam ou ainda não estão determinadas a realizá-la. Nesse caso, devemos esperar pacientemente. Devemos seguir dois princípios: a) a necessidade real das massas e não o que imaginamos que sejam suas necessidades; b) o desejo livremente expresso pelas massas e as decisões que tomam por si próprias e não as decisões que tomamos em

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seu lugar. A militância deve fazer com que as massas compreendam que ela representa seus interesses e respira o mesmo ar que elas. Deve ajudar para que, partindo dessas realidades, cheguem à compreensão das tarefas mais elevadas como as tarefas revolucionárias. Assim vão apoiar a revolução, ajudar a ampliá-la por todo o país, responder aos apelos políticos e lutar, até o fim, pela vitória da revolução. Em vez de colocar-se acima delas, a militância deve penetrar profundamente no seio das massas, despertá-las, contribuir para elevar sua consciência política, de acordo com seu nível atual. Seu dever é de, passo a passo, e seguindo o princípio da voluntariedade, ajudá-las a organizar-se e a travar todos os combates essenciais permitidos pelas circunstâncias internas e externas, de cada momento e lugar. Passar à ofensiva quando as massas ainda não estão despertadas, seria aventureirismo. Se insistíssemos em levar as massas a fazer alguma coisa contra a sua vontade, o resultado seria, seria inevitavelmente, o fracasso. Por outro lado, se não avançamos quando as massas pedem que se avance, isso seria oportunismo de direita. No trabalho prático, a direção correta é das massas para as massas que significa: a) recolher as ideias das massas (dispersas, não sistemáticas); b) concentrá-las (pelo estudo, transformá-las em ideias sintetizadas e sistematizadas); c) voltar às massas para propagar e explicar essas ideias, de tal modo que as massas assumam como suas, persistam nelas e as traduzam em ação; d) verificar a justeza dessas ideias no decorrer da ação das massas. Depois é preciso voltar a concentrar as ideias das massas e levá-las, outra vez, às massas para que estas persistam nessas ideias e as apliquem firmemente. Repetindo, indefinidamente, esse processo, as ideias vão se tornando cada vez mais corretas, vivas e ricas. Essa é a teoria Marxista do conhecimento Repetindo: nossa atarefa é recolher as ideias das massas, concentrá-las e levá-las, sempre de novo, às massas para que estas as apliquem firmemente. Assim se chega a elaborar as ideias justas de direção. Tal é o método fundamental de direção. Isso exige ir para o meio das massas, aprender com elas, sintetizar suas experiências e tirar dessas experiências princípios e métodos ainda melhores e sistemáticos. Depois, é preciso explicá-los às massas (fazer a propaganda) e chamá-las a por em prática para resolver seus problemas e alcançar a libertação e a felicidade. Por mais ativo que seja o grupo dirigente, sua atividade se reduzirá a um esforço infrutífero de grupinho, se não for combinada com a atividade das grandes massas. Mas, se apenas as grandes massas são ativas e não há um forte grupo dirigente que organize essa atividade, ela não se manterá por muito tempo, não vai avançar na

justa direção, nem atingir um nível mais elevado. O espírito de abnegação e devoção pelo povo nasce do sentido da responsabilidade da tarefa e do ilimitado afeto pelos camaradas e o povo. É preciso eliminar a ideia existente em muitos quadros de que é possível conquistar vitórias fáceis graças a acasos felizes, sem luta dura, sem suor sem sangue. Onde há luta, há sacrifício e a morte é coisa frequente. Como temos em mente os interesses e os sofrimentos da maioria do povo, sacrificar-se por ele é dar a nossa entrega toda a significação. Mas, é preciso evitar os sacrifícios desnecessários.

9. A LUTA SINDICAL(Extratos do “Que Fazer” de Lênin – 1902, para uso didático)

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A luta espontânea é uma forma embrionária do consciente. A revolta já traduz um certo despertar da consciência porque os operários perdem sua crença costumeira na perenidade do regime que os oprime; começam não a compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistência coletiva e rompem deliberadamente com a submissão servil às autoridades. É mais manifestação de desespero e de vingança que de luta. Certas greves mostram lampejos de consciência: formulam reivindicações precisas, procuram prever o momento favorável, discutem exemplos de outras localidades. Se os tumultos são a revolta dos oprimidos, a greve sistemática é o embrião, mas nada além do embrião da luta de classe. A greve, em si, constitui uma luta sindical, não luta socialista; marca o despertar do antagonismo entre operários e patrões. Mas, os operários não têm consciência da oposição irredutível de seus interesses com toda a ordem política e social existente, não podem ter a consciência socialista. A greve é um movimento essencialmente espontâneo. A consciência só pode chegar até eles, a partir de fora. Pelas próprias forças, a classe operária só chega à consciência sindical, à convicção de que é preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patrões, exigir do governo leis necessárias aos operários. Já o socialismo nasce das teorias filosóficas, históricas, econômicas elaboradas por gente instruída das classes proprietárias, pelos intelectuais. A espontaneidade leva os operários a pensar que “aumento de um centavo por real vale mais que todo socialismo e toda política” e que devem lutar “sabendo que o fazem, não por remotas gerações futuras, mas por eles próprios e por seus filhos”. Frases como essas sempre foram a arma preferida dos burgueses que incentivam o sindicalismo dizendo aos operários que “a luta puramente sindical é uma luta por eles próprios e por seus filhos e não por remotas gerações futuras com vistas a um incerto socialismo futuro” O desenvolvimento espontâneo do movimento operário resulta na subordinação à ideologia burguesa, pois, o movimento espontâneo é o sindicalismo. O sindicalismo é a escravidão ideológica dos operários pela burguesia. A tarefa socialista é combater a espontaneidade - desviando o movimento operário da tendência espontânea que apresenta o sindicalismo para refugiar-se sob as asas da burguesia e atraí-lo para o socialismo. O capitalismo impele necessariamente os operários à autodefesa e a denúncia de condições de trabalho, em algum ramo de trabalho e pode levar ao despertar da consciência de classe e à difusão do socialismo. A maioria da militância foi quase absorvida pela organização das denúncias de fábrica. Tal absorção esquece que essa atividade não é, em si, socialista, mas apenas

sindical. As denúncias referem-se só às relações dos operários de uma categoria profissional com seus patrões. Seu único resultado é o de ensinar a quem vende sua força de trabalho, a vender esta mercadoria de forma mais vantajosa e a lutar contra o comprador em uma transação puramente comercial. As denúncias, se bem utilizadas pelos socialistas, podem servir de ponto de partida e de elemento constitutivo da ação socialista. Se ficam só na luta espontânea não passam da luta corporativa, de um movimento operário não socialista. A organização socialista dirige a luta da classe operária, não apenas para obter condições vantajosas na venda da força de trabalho, mas pela abolição da ordem social que obriga os não possuidores a se venderem aos ricos. Ela representa a classe operária em suas relações não só com um determinado grupo de empregadores, mas com todas as classes da sociedade contemporânea, com o Estado como força política organizada. Por isso, os socialistas não podem limitar-se à luta econômica e não podem admitir que a organização das denúncias econômicas constitua sua atividade mais definida. Devem empreender ativamente a educação política da classe operária, trabalhar para desenvolver sua consciência política. A luta econômica é a luta coletiva dos operários contra os patrões para vender vantajosamente sua força de trabalho, melhorar suas condições de trabalho e de existência. É a luta de uma categoria profissional e conduzidas pelos sindicatos para conseguir as mesmas reivindicações profissionais, melhorar as condições de trabalho em cada profissão através de “medidas legislativas e administrativas”. É o que fazem e sempre fizeram os sindicatos operários. Há tempo, os sindicatos operários compreenderam e realizam a tarefa de lutar pela liberdade das greves, supressão dos obstáculos jurídicos de todo gênero, promulgação de leis para a proteção da mulher e da criança, melhoria das condições do trabalho através de uma legislação sanitária, industrial, etc. Economicistas e radicais verbais inclinam-se perante a tendência espontânea: os economistas diante da espontaneidade do movimento operário “puro”; os “radicais” diante da espontaneidade da indignação dos intelectuais que não sabem conjugar o trabalho revolucionário e o movimento operário. É difícil para quem perdeu a fé nessa possibilidade, ou que nela jamais acreditaram, encontrar outra saída para sua indignação e energia transformadora que não o terrorismo. Assim, nas duas tendências o culto da espontaneidade é apenas o começo da realização da famosa afirmação: os operários conduzem sua luta econômica contra os patrões e o governo e os intelectuais, a luta política através de suas próprias forças. A consciência política de classe vem do exterior, do exterior da luta econômica, do exterior da esfera das relações entre operários e patrões. O domínio onde se pode

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extrair tais conhecimentos é o das relações de todas as classes e categorias da população com o Estado e o governo, das relações de todas as classes entre si. Levar aos operários os conhecimentos políticos não pode significar apenas em ir até os operários com o que se contentam, em geral, os “práticos” quem se inclina para o “economicismo”: Para levar aos operários os conhecimentos políticos, os socialistas devem ir a todas as classes da população e enviar, em todas as direções, militantes de seu exército como teóricos, propagandistas, agitadores e organizadores. A luta política do socialismo é maior e mais complexa que a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo. Assim, a organização socialista deve ser diferente da organização dos operários para a luta econômica. A organização operária é por categoria profissional; a maior possível; a menos clandestina possível. Já a organização dos socialistas deve englobar pessoas cuja profissão é a ação revolucionária. Diante dessa característica, comum aos membros de tal organização, desaparece toda distinção entre operários e intelectuais e entre as diversas profissões de uns e de outros. Essa organização não deve ser muito extensa e é preciso que seja a mais reservada possível. Falar da emancipação política da classe operária, da luta contra a arbitrariedade patronal e ficar apegado ao legalismo, é não compreender nada das verdadeiras tarefas políticas do socialismo. Nenhum parágrafo de um estatuto revela a compreensão da necessidade de se fazer, na massa, uma agitação política, esclarecendo todos os aspectos da dominação. Com tais estatutos, nem os fins políticos, nem os fins sindicais do movimento podem ser atingidos, porque exigem uma organização por categoria profissional. Comprimido no estreito horizonte do economicismo o pensamento perde-se em detalhes que exalam um forte odor de papelada e burocracia. É dever dos socialistas ajudar todo operário que se faz notar por suas capacidades, a se tornar agitador, organizador, propagandista, divulgador profissional. Nesse ponto, se desperdiça forças se não se toma a peito, a questão de colocar todo operário capaz em condições que lhe permitam desenvolver e aplicar suas aptidões; é preciso torná-lo um agitador profissional, encorajá-lo a alargar seu campo de ação, a estendê-lo de uma única fábrica a toda a categoria, de uma única localidade a todo o país. Assim, vai adquirir experiência e habilidade em sua profissão; vai ampliar seu horizonte e seus conhecimentos; vai observar de perto dirigentes políticos de outras localidades e outros partidos; vai esforçar-se por elevar a si próprio ao nível de tais dirigentes e vai aliar o conhecimento do meio operário e o ardor da fé socialista à sua competência profissional, sem a qual o proletariado não pode empreender a luta tenaz contra um inimigo bem preparado.

Cinco Pequenos comentários (CEPIS)1. Para garantir as conquistas econômicas e históricas, o sindicato precisa

aperfeiçoar seu atual estágio de organização. A prática social fala da necessária implantação - teórica e prática - de uma concepção de luta e organização que dê consistência política e ideológica ao movimento. É isso que capacita um movimento a fazer a luta econômica, resistir a opressão e contribuir na conquista do poder e construção de uma alternativa ao capitalismo.

2. Esta concepção de luta política defende que quanto mais povo organizado, mais poder. A experiência das administrações populares reforça a convicção de que o poder não está no voto, no governo... mas, no povo consciente, organizado, participante e mobilizado. É a reafirmação de que é a massa que conquista o poder quando dirigida, politicamente, por quem seja capaz de mobilizá-la do ponto de vista orgânico, ideológico e libertador.

3. A concepção reformista expressa uma visão equivocada: a) ao iludir-se que, de ganho em ganho econômico, a massa vai conseguir a transformação estrutural; b) na postura basista de seus dirigentes distantes da massa que insistem em dirigir a base pela demagogia ou radicalidade verbal; c) na aposta de que a massa, por si só, vai tomar consciência; d) na prática artesanal e voluntarista da militância que não se prepara nem estuda para o enfrentamento com o capital; d) na mistura de níveis, de compromisso e consciência, na hora escolher pessoas para realizar as atividades.

4. A experiência da classe oprimida ensina: a) que a luta sindical, econômica, por si, não vai além do reformismo; b) que só a luta política, feita por uma organização de quadros selecionados, é capaz de canalizar o embrião da luta econômica para a transformação social; c) que um partido, desconectado da massa, necessita deslocar militantes estranhos para dirigir o movimento popular; d) que só um partido de novo tipo, inserido nos processos de luta, propõe ou estimula a criação de movimentos autônomos onde suas orientações são acolhidas e se tornam decisões da sociedade.

5. Essa concepção pressupõe uma organização capaz de encaminhar a pauta imediata, concreta, setorial e específica da luta econômica para garantir a sobrevivência. Mas, essa estrutura de massa deve estar ligada a uma organização de quadros, reconhecida, que realize a educação política do movimento e o dirija politicamente. O desafio é construir um movimento que contenha, simultaneamente, uma estrutura de massa e uma estrutura

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de quadros. Isso só é possível quando se elabora uma estratégia.

10. EDUCAÇÃO POPULAR E LIBERDADE DE CRÍTICA

“A luta interna dá força e vitalidade ao partido. A melhor prova da fraqueza de um partido é sua posição difusa e a extinção de fronteiras nitidamente traçadas: o partido

reforça-se, depurando-se” Carta de Lasalle a Marx, 24/06/1852

Liberdade de CríticaTodo processo de formação deve superar o endoutrinamento e o

dogmatismo. Sem visão crítica, não pode existir conhecimento da realidade. Criticar é, portanto, um dever. Uma organização de imbecis disciplinados só pode afundar porque uma transformação não se faz com robôs, nem com a aplicação de fórmulas acabadas.

O Marxismo como análise concreta da realidade concreta necessita de aggiornamento constante para acompanhar o dinamismo das mudanças e incorporar os novos questionamentos e dimensões do real. Isto não deveria afetar sua função de ideologia do socialismo, instrumento de análise da realidade e ferramenta popular eficaz, na supressão da dominação de classe.

Hoje, porém, de forma consciente, parece haver “algo escondido” na pós-moderna defesa da liberdade de crítica e no ataque orquestrado ao dogmatismo, realizado inclusive por gente que se diz de esquerda. Uma causa que é em si justa – combate à fossilização da teoria - mascara a divulgação, claramente ideológica e reacionária, de manutenção da ordem dominante.

Com um discurso produzido na academia, relativista e culturalista, atraente e politicamente correta, os novos intelectuais buscam inocular, nas gerações pós-modernas, pseudo-teorias. Pregam o fim da história, a abolição da luta de classe, a porosidade do poder do Estado, a radicalização da democracia, a mudança gradual pela via parlamentar...

A queda do Muro de Berlim foi uma grande oportunidade para uma ofensiva burguesa para demonstrar o atraso da proposta socialista. Nem mesmo a queda do Muro neoliberal de Wallstreet, em 2008, a obriga reconhecer a nulidade de suas afirmações. Já na esquerda, historicamente, essa prática, demagógica e oportunista, de revisar o marxismo, foi usada para justificar a posição reformista de quem sempre foi contra a ruptura.

..."Liberdade de crítica" é a palavra de ordem mais em voga e a que mais aparece nas discussões entre socialistas e democratas... Em que consiste a nova tendência que “critica” o “velho” marxismo “dogmático”?... Para quem não fecha os olhos, deliberadamente, não pode deixar de ver que a nova tendência "crítica" no socialismo nada mais é que uma nova

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variedade do oportunismo. ..."A liberdade de crítica" é a liberdade da tendência oportunista na esquerda, a liberdade de transformar-se em um partido democrático de reformas, a liberdade de implantar no socialismo as ideias burguesas......A exigência de uma mudança decisiva - da social-democracia revolucionária para o reformismo social burguês - foi acompanhada de reviravolta não menos decisiva em direção à crítica burguesa de todas as idéias fundamentais do marxismo... ...Os "ex-marxistas" que se agruparam sob o signo da liberdade crítica e obtiveram o monopólio da execução do marxismo, aí se entrincheiraram. Os slogans, “contra a ortodoxia” e “viva a liberdade de crítica” logo se tornaram palavras da moda. ...As grandes frases contra a fossilização do pensamento dissimulam o desinteresse e a impotência para fazer progredir o pensamento teórico. A famosa liberdade de crítica não significa a substituição de uma teoria por outra, mas a liberdade relativa a todo sistema coerente e refletido; significa ecletismo e ausência de princípios......Aos socialistas impunha-se, então, a tarefa de combater a nova corrente...

Adaptado de Lênin, Que Fazer? Fevereiro de 1902

“Ninguém cai pro lado que escorrega”Prov. chinês

Na experiência do Socialismo Real, foram produzidos manuais com respostas eternas, ensinou-se uma ortodoxia descontextualizada, utilizou-se práticas condutivistas, cultuou-se guias geniais, admitiu-se a atitude passiva dos seguidistas, traduziu-se a ideia de autoridade como autoritarismo burocrático, promoveu-se a profissão de fé em princípios idealistas... Essa constatação, no entanto, não justifica a ácida reação que certa educação popular faz a desvios do socialismo real.

Alguns bem intencionados educadores, diante da ofensiva ideológica da direita e o vazio ideológico na esquerda, não chegam a negar, mas põem em dúvida a validade da teoria marxista. Com justeza, investem contra o dogmatismo enquanto repetição saudosista e fundamentalista de uma doutrina onde a verdade já está dada e contra seu método autoritário e impositivo.

A tentativa de exorcizar uma prática passada ou a prática de novos grupos ortodoxos, essa concepção de Educação Popular, objetivamente, assume uma atitude

igualmente conservadora. A pretexto de adequar-se aos tempos e públicos, e de incorporar dimensões negadas ou esquecidas em processos anteriores, essa tendência se restringe a defesa de temas ligados ao comportamento (etnia, gênero, idade, opção sexual, meio ambiente...) como se fosse possível acabar com a dominação sem eliminar, pela raiz, a realidade da exploração que a sustenta. Como não relaciona tais dimensões à luta de classes, reduz o processo de formação popular a uma postura pragmática, relativista e culturalista e, com ela, nega a prática social acumulada, a existência de princípios ideológicos e qualquer sistema lógico de pensamento.

“Somos todos pós-modernos”... Se comungamos dessa angústia, dessa frustração frente aos sonhos idílicos da modernidade... onde nenhum sistema filosófico resiste, à mercantilização da sociedade: o sistemático cede lugar ao fragmentário, o homogêneo ao plural, a teoria ao experimental. A razão delira... baila ao ritmo dos jogos de linguagem. ... Para os pós-modernos a história findou, o lazer se reduz ao hedonismo, a filosofia a um conjunto de perguntas sem respostas... a razão vira racionalização, já não há pensamento crítico. O pós-moderno duvida de tudo. Por isso não crê em algo ou em alguém. ... O discurso pós-moderno descarta paradigmas e grandes narrativas, e em sua bagagem cultural coloca no mesmo patamar Portinari e Massa; Guimarães Rosa e Paulo Coelho; Chico Buarque e Zeca Pagodinho...... A ética da pós-modernidade detesta princípios universais. É a ética de ocasião, oportunidade, conveniência. Camaleônica, adapta-se a cada situação... Basta-se a si mesmo, indiferente à dimensão social da existência...... A pós-modernidade transforma a realidade em ficção onde nossas sombras têm mais importância do que o nosso ser, e nossas imagens mais importância que a existência real.... Nesse mar revolto, muitos se apegam às "irracionalidades" do passado, à religiosidade sem teologia, à xenofobia, ao consumismo... às emoções sem perspectivas.

Adaptado de Frei Betto - 2008

As tendências, dogmática e basista, aparentemente antagônicas, são faces

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de uma e mesma postura autoritária e produzem o mesmo efeito: desarmam a militância na sua luta pela emancipação humana. Seu fundamento é o idealismo e o determinismo e, por não acreditarem na transformação, deixam de qualificar a militância para a luta de classes. Assim, os ortodoxos, na sua defesa fundamentalista ou na sua radicalidade verbal, são tão danosos quanto os basistas, no velho discurso oportunista, travestido de pós-moderno.

O dogmatismo e o revisionismo são contrários ao marxismo. Dogmatismo é tomar o marxismo algo rígido - o marxismo deixaria de ter vida se ficasse estagnado. Revisionismo é negar os princípios básicos do marxismo. Hoje, o revisionismo, que é um oportunismo de esquerda, é mais pernicioso que o dogmatismo.

A razão porque males como o dogmatismo, empirismo, autoritarismo, seguidismo, sectarismo, burocratismo e arrogância no trabalho popular são nocivos e intoleráveis, está no fato de que esses males afastam a militância das massas. O autoritarismo é errôneo porque ultrapassa o nível de consciência política das massas e viola o princípio da ação voluntária das massas. O autoritarismo manifesta o mal chamado precipitação. A militância não pode pensar que tudo o que ela compreende está também compreendida pelas grandes massas... e se estão ou não dispostas a passar à ação.

O seguidismo (basismo) é igualmente errôneo já que se mantém abaixo do nível de consciência política das massas e viola o princípio de dirigi-las no seu avanço. O seguidismo manifesta o mal chamado lentidão. Muitas vezes as massas ultrapassam a militância e estão ansiosas para avançar um passo, enquanto os camaradas são incapazes de atuar como seus dirigentes. Refletem a opinião de elementos atrasados, tomam suas opiniões como se fosse a opinião das massas e põem-se assim a reboque desses elementos atrasados. É o oportunismo de esquerda.

Adaptado de Mao Tse Tung, Livro Vermelho.

Educação Popular HojeAssim como não se pode repetir as respostas do passado, não se deve cair no

anacronismo que, com o olhar de hoje, julga o procedimento de quem veio antes. Isto não significa aceitar equívocos e desvios cometidos, no passado. O saudosismo ou o anacronismo, não beneficiam o presente. A missão permanente é seguir

revolucionando, sem deixar de preservar a memória e a prática social acumulada como parte da identidade de um povo e como ponto de apoio para a invenção do novo.

Nesse sentido, o papel da educação popular é: a) guardar a memória da prática social que fundamentou e animou a esperança de quem nos antecedeu; b) fazer a crítica de toda forma de enquadramento, dogmatismo e oportunismo; c) e reafirmar, em cada novo momento, princípios e ensinos nascidos da experiência. Essas afirmações são de várias naturezas – filosóficas, ideológicas, político-pedagógicas, metodológicas...

Filosóficas A verdade não é natural, nem fatal (dogma) como certeza completa,

definitiva e eterna. O mundo não está pronto e permanece como um desafio permanente para todas as gerações.

O trabalho produtivo é o motor da vida e da liberdade. Ao se tornar cultura, o trabalho transforma a natureza e a sociedade e humaniza as pessoas. O trabalho que produz as riquezas, manual ou intelectual, aliado ao avanço da tecnologia, torna possível superar o estágio da necessidade e alcançar o estágio de liberdade dos humanos e do planeta.

A opressão é mais que a exploração econômica; ela é parte da condição humana que potencializa o funcionamento do capitalismo cuja base material é a exploração da força de trabalho.

O poder nasce das relações humanas e se reforça na vontade inata do ser humano em dominar e submeter a natureza e a sociedade, à sua vontade.

Cada pessoa é singular, única, mas ninguém é uma ilha e só se realiza em comunhão, entendida como a procura da soma desejada de potenciais.

Ideológicas Toda luta contra qualquer forma de exploração e opressão da vida, será

sempre justa. A luta de classes tem sua base material na relação de produção e também

base cultural e ideológica. A classe dominante só entrega o poder quando perde e a classe dominada só

conquista quando luta. Só a classe oprimida tem interesse em libertar-se e, ao libertar-se, liberta

também seu opressor. O proletariado tem as condições objetivas de superar o capitalismo e

construir o socialismo. A classe só existe em luta, por isso, é indispensável que a militância assuma

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uma posição de classe.

Político-pedagógicas A Educação Popular é um processo de apropriação, tradução, criação e

socialização do conhecimento que quebra a alienação e ajuda a ler criticamente a realidade com a intenção de transformá-la.

A Educação popular adota a concepção dialética que parte das perguntas do presente, busca inspiração na prática social acumulada (ciência, teoria, história) e projeta o futuro.

A Educação Popular prioriza quem está na cadeia produtiva de riquezas e quem se dispõe a um processo de transformar a sociedade capitalista.

Não basta investir em excluído, mulher, negro, indígenas, meio ambiente, agroecologia... se as pessoas presentes não têm condições reais de mudar a realidade. Só mudar o comportamento não muda as condições que geram as situações de exclusão.

A atividade formativa, conforme o grupo, ou parte do real, do concreto, do biográfico para o geral (processo indutivo) ou do geral para o particular (processo dedutivo), mas sempre participativo.

Em um processo de luta e organização a Educação Popular concentra seus esforços em experiências exemplares que possam irradiar a sua prática.

11. A FORMAÇÃO DE TRABALHADORES

“formação fora da política é uma hipocrisia” Lênin

Quando a Organização Popular se defronta com desafio da formação da classe trabalhadora, precisa, antes de estruturar esse processo, elaborar uma nova

proposta formativa. Não se trata apenas de substituir conteúdos, educadores, espaços ou de inovar na metodologia, sob pena de repetir a mesma escola pensada pela classe dominante. Tem educador que pensa que serve ao povo, de fato, serve ao poder que o constituiu professor.

Será necessário re-conceber o processo educativo na formação política e na escolarização dos oprimidos. Porque a educação tem papel fundamental na organização da sociedade seja para ordená-la, reformá-la ou revolucioná-la. A classe no poder pode usar a educação como um recurso a mais para manter sua dominação; a classe dominada pode usá-la como instrumento poderoso no seu processo de emancipação.

A educação é um instrumento para tornar comum as ideias de um grupo. A educação tem uma intencionalidade, pois, todo conhecimento tem um objetivo, uma direção, uma finalidade. Essa intencionalidade direciona o conhecimento e a ação que nasce desse conhecer. Assim, toda educação está sempre à serviço de um interesse e de uma ideologia como instrumento de uma estratégia de poder para mantê-lo ou desmontá-lo.

Numa sociedade dividida em classes, a educação não pode ser a favor de todos – ela sempre a favor de uma classe, contra a classe que está dominada. O processo educativo é pensado ou para que as pessoas se acomodem ao mundo ou para que elas se envolvam em sua transformação. A educação conservadora é útil para quem precisa manter a dominação; a educação transformadora serve para quem quer livrar-se da opressão.

O papel da formação, na sociedade capitalista, foi organizado como forma de manter a exclusão dos trabalhadores do conhecimento acumulado da prática social – por isso o estudante é isolado da vida, do conflito, da realidade. Mas, esse tipo de ‘escola’ busca, ao mesmo tempo, a subordinação dos que conseguem ser ‘incluídos’ para que reproduzam essa subordinação. Ela realiza isso através de conteúdos, de posturas e de relações.

A formação domesticadora naturaliza a prática de Insignare, de inculcar no oprimido - de forma autoritária e/ou populista - diferentes pacotes com a finalidade de perpetuar a ordem dominante. Por isso, a-lunos e a-lunas (= quem não tem luz) introjetam e depois, reproduzem conteúdos e modelos que fortalecem a estrutura de opressão. As teorias pedagógicas, mesmo quando críticas, construtivistas, participativas... atendem a esse objetivo.

A educação é crítica ao endoutrinamento ou dogmatismo, que treina obedientes seguidistas, quando adota princípios e posturas pedagógicas para o ato de libertar-se. Essa educação é ato político e o ato político é educativo. A formação

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popular é para contribuir na realização dos interesses das classes fundamentais e seus aliados. Sua intencionalidade é a qualificar militantes da transformação e de construtores de uma nova ordem social.

Um dos conteúdos da formação de trabalhadores é realidade da luta de classes – o trabalho, a produção das mercadorias, as contradições nas relações sociais de produção... Outro tema importante é a organização própria da classe para convocar, esclarecer, organizar e incorporar a massa trabalhadora como sujeitos construtores. Mas, um tema indispensável é a transmissão do conhecimento acumulado, o materialismo histórico.

“O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder “fazer história”. Mas, para viver é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se, educar .. Portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material” Karl Marx

O resultado dessa concepção é dessa pedagogia aplicada na escolarizarão da criançada é a ‘escola-comuna’, pois, só se aprende a viver coletivamente, inserindo-se em processos coletivos concretos. O simples repasse de conhecimentos, mesmo criticamente, não é formação. Quem sabe como fazer, mas não faz, ainda não sabe. O desafio da formação é relacionar, dialeticamente, o Aprender, o Assimilar e o Aplicar.

Essa educação/formação exige mudanças na postura e relação de educadores/educandos, nas técnicas participativas e, até na organização do espaço físico. Nesse olhar, não existe contradição entre método e conteúdo. O conteúdo é o conhecimento comprovado e re-criado, e o método é o caminho que transmita, a determinado grupo, o conhecimento da prática social. O fim é caminho, assim como o caminho é também o fim.

Quando a escola se torna referência na convocação popular pode revelar um divórcio entre política e formação. Formação não pode ser um programa de cursos e palestras; deve ser um instrumento para ajudar na execução de uma estratégia. Quem deve dirigir a formação é o Movimento. Para isso, precisa formular uma política de formação de quadros, selecionar a militância em que aposta e acompanhá-la, depois de qualificada.

"Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem" R. Luxemburgo

A formação marxista é estreita e dogmática quando não respeita nem dialoga com a mundivisão que impulsiona os povos originários, afro-descendentes e

cristãos que se engajarem na luta social. Como análise concreta da realidade concreta, o marxismo se encarna em dimensões como cultura, tradição, história, idiossincrasias... e vê identidades e novos sujeitos como riqueza quando carregam o horizonte da revolução.

A formação deve olhar atenta sobre Nuestra America e manter a clareza do ponto de chegada. Isso ajuda a construir caminhos alternativos sem iludir-se com formas pacíficas que só chegam ao governo, renegam a luta de classe e prefere a massa desmobilizada. Evita também o esquerdismo que condena alianças e qualquer reforma – “as reformas são tão importantes que não se pode deixar na mão dos reformistas” (Lênin).

O quadro militante é a pessoa capaz de atuar com paixão e profissionalismo, em qualquer conjuntura, em qualquer espaço e em qualquer posto da luta. Para garantir que o Movimento não se aposente com a geração anterior de militantes, é essencial investir constantemente na juventude, canalizar sua rebeldia e, dentro de um processo político/ organizativo, elevar seu grau de consciência política e ideológica.

CEPIS – SP.

12. A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LERLer talvez seja uma das atividades mais permanentes e universais do ser

humano. Essa vontade de legere, de captar o que se passa, no mais interno das coisas e das pessoas, na vastidão do universo, na trama da história, no desafio do desconhecido... é uma fome insaciável. Lemos para conhecer, entender, sonhar, para viajar na máquina onde coexistem todos os tempos, para satisfazer nossa curiosidade, para entretenimento e para o prazer. Junto com aprender e ficar informado, lemos para questionar, divulgar convicções e para propagandear a

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transformação da realidade. Ler é um processo de contínuo aprendizado. Por isso, não é possível

estabelecer os limites do conhecimento humano. Ele avança a cada dia. As aulas, as palestras, os cursos, os seminários... estimulam e dão chaves de leitura, mas não conseguem passar às pessoas todos os conhecimentos que elas vão necessitar, ao longo de suas vidas. Por isso, alguém que costuma ler, terá uma fonte inesgotável onde buscar respostas para suas dúvidas e para atualizar-se, quando necessário.

Ler ajuda a pensar. Os racionais se diferenciam pela capacidade de raciocinar e de dizer. Às vezes, há uma superestimação do conhecimento e do talento técnico, em detrimento do raciocínio. Porém, mais importante que apertar um parafuso é saber por que o apertamos. Como tomar decisões, optar, escolher, definir? A leitura contribui para preencher esta lacuna na formação do ser humano. Ao desenvolver a reflexão, a leitura permite construir uma fonte de conteúdos para melhor compreender a nós e ao mundo. Ela alarga os horizontes, possibilita a formação de parâmetros que ajudam na medição e codificação do conhecimento sem etnocentrismos, dogmatismos, reducionismos, sectarismos...

Ler é ócio que desafia o negócio, é lazer. O lazer como necessidade básica do ser humano é indispensável à sua saúde mental e física. Como não se separa lazer de prazer, é fácil imaginar o prazer de ler um bom livro! Ele nos leva ao riso e à tristeza, nos torna íntimos e velhos conhecidos dos personagens, nos faz acompanhar, sedentos, seus enredos, nos inquieta com suas dúvidas, nos transporta a outros mundos e dá vida a nossa imaginação... Vale sonhar com o dia quando todas as pessoas terão o direito de sentir esse prazer! Sabendo que livro é uma das formas mais democráticas de lazer. Um prazer espontâneo e simples que se amolda às características do leitor e às condições do momento...

A leitura é uma interlocução mediada pelo texto. É o encontro com um autor ausente, deste e de muitos séculos, através de sua palavra escrita. Então, se pode falar em várias leituras possíveis porque, cada nova leitura pode deslocar e alterar o significado de tudo o que se já leu. O diálogo do aprendiz de natação é com a água, não com o professor. Na leitura, o diálogo é com o texto. O Grande e sublime mérito do educador seria tornar-se um fazedor de leitores para oferecer opções (na sociedade, na família, na escola) e criar posições incomodamente divergentes.

Ensinar a gostar de ler é transformar a leitura numa atividade livre. Tudo que se faz por obrigação tende a ficar chato, embora o hábito da leitura exija disciplina, esforço individual e persistência. Para tanto, os educadores devem ter o hálito da leitura mostrando que leitura é coisa que se transmite pelo exemplo, é algo de pele, de cheiro, de sabor, onde todos os sentidos se confundem em nome do prazer, da

liberdade, da imaginação. Como se relaciona ao prazer se poderia dizer que ler é mais importante que estudar pois o trabalho que se faz por prazer deixa de ser um fardo, além de trazer resultados.

Na leitura popular, é preciso recordar que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e que a leitura da palavra implica sempre a continuidade da leitura do mundo. Quer dizer, a publicação de livros terá que levar em conta o ambiente cultural de um povo e se identificar com seus anseios, seus interesses, suas lutas, seus ritmos, seu nível de compreensão, suas necessidades, habilidades e gostos pessoais... Pois, a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto e a sua intencionalidade. Mas, para lembrar também que, ao satisfazer às diversas dimensões do humano, a partir do campo popular, a leitura popular entra na disputa dos corações e mentes contra o culto ao último livro e contra a enxurrada de publicações que prometem soluções imediatas, completas e eternas.

Se é verdade que ler é mais importante do que estudar e que um país se faz com homens e livros, então, é verdade que ensinar às pessoas a gostar de ler, de seduzi-las para as emoções e as alegrias da leitura, se torna uma parte importante da tarefa educativa, na escola ou fora dela. Vamos sonhar com o abolicionista: “Oh! Bendito o que semeia livros... livros, às mãos cheias... e manda o povo pensar! O livro caindo n’alma é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar” (“O Livro e a América” C. Alves.)

13. MADRE CRISTINA SOBRE A EDUCAÇÃO POPULAR

"Ainda que seu processo final se dê, só a médio ou mesmo a longo prazo, a revolução esta instalada”

Se a educação popular é tão importante, ela não e a mais fácil, pelo contrário, é difícil trabalhar de uma maneira acertada. Isso dificilmente entra na cabeça das pessoas. Não sei se vocês têm esta experiência, mas eu tenho visto muita gente que está aposentada, que já não tem mais nada que fazer, então decide que vai dar algumas horas, como voluntária, para trabalhar com o povo. Como se

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trabalhar com o povo fosse uma coisa empírica. Eu nunca ouvi gente dizer assim: "estou aposentada, tenho umas horas

vagas, vou me propor a dar aulas de pós-graduação numa universidade". As pessoas sabem que precisam saber para lecionarem numa universidade, e posso dizer a vocês que é mais difícil trabalhar honestamente com o povo, do que dar aula numa universidade. Nós devemos nos preparar para trabalhar com o povo. O trabalho com o povo exige toda uma pedagogia e toda uma metodologia que precisam ser exatas.

Eu me lembro que Paulo Freire esteve aqui conosco, na semana passada, e falava da sua experiência de início de carreira. Ele contava que tinha preparado uma aula para os pais dos alunos do SESI (Serviço Social da Indústria). Então, ele chegou lá citando autores científicos, fazendo um discurso, até que uma senhora se levanta e diz mais ou menos o seguinte:

"Doutor, o senhor está dizendo tudo isso para nós, não é? Mas eu garanto que na sua casa o senhor tem um quarto para o senhor, um quarto para seus filhos, tem um quarto para suas filhas, tem uma sala de jantar, tem uma cozinha. Nós moramos num quarto, que é a casa inteira".

Tudo muda quando as panelas estão cheias ou vazias de alimentos. Quando falamos ao povo, a pedagogia é outra. Esta pedagogia, esta metodologia, para ter eficácia, tem que ser trabalhada dentro de coordenadas políticas.

Ninguém pode fazer uma verdadeira educação popular, sem uma análise de conjuntura. Se a conjuntura muda, a educação tem que mudar. E quem quiser fazer só pedagogia, só metodologia, sem esta visão política, acaba fazendo uma contra-educação popular.

Então, fazer análise de conjuntura e importantíssimo. E, nos perguntamos: como fazer uma verdadeira análise de conjuntura? Como nos preparar para verdadeiramente poder trabalhar com as camadas populares? Como? E as perguntas se sobrepõem, não raro, num desencontro de respostas.

Para estes desencontros, nada mais adequado do que estes encontros. Estes encontros que vocês estão fazendo são riquíssimos. E eles devem ser repetidos de maneira sistemática. Só uma repetição sistemática destes encontros, possibilitará ao Brasil um dia amanhecer na aurora da sua verdadeira “Nova República”. E, a “Nova República” brasileira virá, porque existem brasileiros, como vocês, comprometidos com o trabalho, com a Revolução Nacional. Já à Revolução!

Curso de Metodologia da Educação Popular, julho/85-CEPIS – SP.

POESIA DO NOSSO JEITO DE FAZER FORMAÇÃO

Ao longo desses 30 anos, sonhamos pequeno e sonhamos grande.

Incentivamos lutas de rua e conspirações;Espalhamos canções e revolução; acreditamos até em eleição.

Tivemos erros, mas nenhuma dúvida do acerto daluta contra a opressão – nem caridade, nem vingança,

apenas a emancipação de homens e mulheres da classe oprimida.

Aprendemos que na vida,existe sede de pão e de beleza.

Para alcançá-las é preciso coragem, sabedoria, paixão.

Que o ser humano, homem ou mulher, ao rebelar-se,já começa a fazer sua primeira revolução.

Que educação é anunciar, como no passado,que juntando a força e o pensamento,a vida pode ser bem melhor e será!

Que formar é multiplicar, é problematizar, é qualificar, sem doutrinarismo, o saber popular...

e junto com esse povo, dar um passo à frente.

Que não há neutralidade no ato de educar.

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Que ser educador é ser exemplo, semente,reflexo e espelho daquilo que queremos gestar.

Pois, o que não está na semente, não vai estar na planta,nem no fruto que ela vai dar...

Que os inimigos continuam implacáveis, mas a justeza de nossa causa e o testemunho dos mártires

pulsam em nossas veias, em nossa mente e em nosso coração.

Por fim, aprendemos que para recriar a vidae despertar novas paixões, é preciso entregar-se,

fazer sintonizar o cotidiano com o sonho e ter esse jeito louco de amar o povo.

Sem mística não dá pra educar pra viver, pra vencer, pra ser feliz.

CEPIS – 2007

14. A IMPORTÂNCIA DE COMPREENDER OS PROBLEMAS DO POVOMao Tse-Tung 1930-1949

1.1. Prefácio ao inquérito no campo Atualmente, a política do Partido, no campo, já não é a política da revolução

agrária que praticou durante os dez anos de guerra civil; agora é a política da frente de unidade nacional anti-japonesa. O Partido inteiro deve executar as diretivas do Comitê Central de 7 de julho e 25 de dezembro de 1940, assim como as que dará o VII Congresso Nacional do Partido a se realizar, em breve. O presente material tem a

finalidade de ajudar os nossos camaradas a encontrar os métodos de estudo dos problemas que se lhes colocam.

Um grande número de camaradas, na hora atual, dedica-se ainda a um estilo de trabalho errado: abordam os problemas de uma maneira superficial, recusando-se a aprofundá-los; acontece mesmo, às vezes, que ignoram completamente o que se passa na base e, contudo, ocupam postos dirigentes. Aí está um perigo muito grave. Sem um conhecimento verdadeiramente concreto da situação real de todas as classes da sociedade chinesa, não pode realmente haver boa direção.

Para conhecer uma situação, o único método consiste em fazer um inquérito sobre a sociedade e sobre a própria vida das diferentes classes da sociedade. Para os que ocupam postos dirigentes, o método fundamental que permite conhecer esta situação consiste em escolher, de acordo com um plano, um certo número de cidades e aldeias e, depois, obedecendo à concepção marxista fundamental - isto é - recorrendo à análise de classe - efetuar uma série de inquéritos minuciosos. Somente assim, podemos adquirir os conhecimentos de base sobre os problemas da sociedade chinesa.

Para isso, é preciso, em primeiro lugar, olhar para baixo e não planar sobre as nuvens. Todo aquele que não tiver nem o desejo nem a vontade de olhar para baixo nunca poderá, compreender qual é a verdadeira situação na China.

Em segundo lugar, é preciso organizar reuniões-inquérito. Observações superficiais e do tipo "comenta-se" nunca permitirão adquirir um pleno conhecimento dos fatos. O método das reuniões-inquérito é o mais simples e o mais facilmente realizável e, além disso, o que proporciona informações mais verdadeiras e seguras. Esse método me foi extremamente proveitoso. É uma escola com a qual nenhuma universidade poderia rivalizar. É bom convidar para estas reuniões quadros experientes dos escalões médios e inferiores, ou simples pessoas que pertençam à população local.

No decurso do inquérito em cinco distritos de Hunan e, em dois distritos da região de Tshingkanhchan, convidei quadros responsáveis dos escalões médios desses distritos; para me ajudar no inquérito no distrito de Siunwou, assim como um bacharel pobre, convidei um antigo presidente da Câmara de Comércio que tinha aberto falência e um pequeno funcionário desempregado que, por algum tempo, dirigiu, na administração do distrito, o serviço de impostos.

Todos me ensinaram muitas coisas que, até então, não tinha tido ocasião de ouvir. A pessoa que, pela primeira vez, me permitiu ter uma ideia completa sobre o estado lamentável das prisões chinesas foi um vigilante da prisão distrital que encontrei quando do inquérito no distrito de Henchan, província de Hunan. No

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decurso do inquérito no distrito de Hsingkouo e nos dois cantões de Tchang-Kang e Tsaihs, dirigi-me a camaradas que trabalhavam na escola do município e também a simples camponeses.

Todas essas pessoas - os quadros, os camponeses, o bacharel, o vigilante de prisão, o comerciante e o funcionário do serviço de impostos - foram para mim venerandos professores. Considerei-me aluno deles e, ao partir, testemunhei-lhes respeito, manifestei-lhes a minha aplicação e tratei-os como camaradas. Doutro modo, eles não teriam querido perder tempo comigo e não teriam contado o que sabiam ou, muito menos, tudo.

É inútil convidar muita gente para essas reuniões: basta convidar uns cinco, no máximo sete ou oito pessoas. Para cada uma dessas reuniões, é preciso reservar todo o tempo necessário, preparar o questionário, anotar nós mesmos as respostas, ampliar o exame dos problemas com os interlocutores.

Por isso, se não estamos decidido a olhar para baixo, se não se tem sede de conhecimentos, se não se tem o desejo profundo de pôr de lado toda a arrogância e tornar-se um modesto aluno, não se poderá de forma alguma, efetuar este trabalho ou ele será mal feito. É preciso compreender que os verdadeiros heróis são as massas: quanto a nós, somos muitas vezes, de uma ignorância risível. Se não se compreende isso, não se pode sequer adquirir um mínimo de conhecimentos.

Repito que o objetivo principalmente visado com a publicação destes documentos de referência é o de mostrar qual o método a se utilizar para compreender a situação na base, e não o de fazer entrar na cabeça de camaradas estes documentos em si, com as conclusões que daí foram tiradas.

De maneira geral, a burguesia chinesa, não chegada à maturidade, não pode até aqui e, nunca poderá fornecer um mínimo de informações sobre as condições da sociedade, como fizeram as burguesias da Europa, da América ou do Japão. É por isso que precisamos absolutamente recolher nós próprios estes materiais. Isso se refere em particular aos que estão empenhados num trabalho prático e que devem estar sempre a par das flutuações da situação; neste ponto, não podem os comunistas de país algum contar com qualquer coisa já preparada. É por isso que todos os que estão comprometidos com um trabalho prático devem estudar a situação na base.

Em relação aos que não estão familiarizados senão com a teoria e que ignoram a situação real, a prossecução de tais inquéritos é ainda mais necessária, pois de outro modo não poderão ligar e teoria à prática. "Quem não fez inquérito algum não tem direito de falar". Se bem que alguns tenham troçado desta frase, na qual eles viam a manifestação de um "empirismo estreito", continuo a não me

arrepender deste propósito: não só não me arrependo, como estou firmemente convencido de que, uma vez que não se inquiriu, não se pode pretender ter o direito de exprimir opiniões.

Há muitos que, mal "põem o pé em terra", começam a discorrer, a proclamar a sua opinião, a criticar e a condenar tudo: na prática, todas essas pessoas, sem exceção, estão voltadas ao fracasso, porque os seus discursos, as suas críticas não são fundadas num inquérito minucioso e outra coisa não são senão palavreado de ignorantes. O mal causado ao Partido por esses "enviados imperiais" é incalculável.

É certo que a prática se torna cega se sua via não está iluminada pela teoria revolucionária. Ninguém pode ser taxado de "empirista estreito", exceto os práticos, cegos ou de vistas curtas, que não veem em perspectivas. Agora, também, sinto a necessidade extrema de estudar, em detalhe, a situação da China e dos outros países; isto se deve ao fato de que meus conhecimentos neste domínio ainda não são suficientes e não posso, de maneira alguma, afirmar que conheço tudo, de agora em diante, e que os outros não sabem nada. Com todos os camaradas do partido, aprender junto das massas e, continuar a ser o seu modesto aluno : eis o meu desejo. (março 1941).

1.2. De onde vêm as ideias justas De onde vêm as ideias justas? Caem do céu? Não. Elas só podem vir da

prática social. E de três espécies de prática social: a luta pela produção, a luta de classes e a experimentação científica. A existência social dos homens determina a sua maneira de pensar. E as ideias justas que são próprias de uma classe de vanguarda tornam-se, assim que penetram as massas, uma força material capaz de transformar a sociedade e o mundo.

Comprometidos em lutas diversas, no decurso de sua prática social, as pessoas adquirem rica experiência que extraem, tanto dos sucessos quanto das derrotas. Inumeráveis fenômenos do mundo objetivo são refletidos no cérebro pelos cinco órgãos dos sentidos: os órgãos da vista, do ouvido, do olfato, do gosto e do tato - assim se constitui no princípio, o conhecimento sensível. Quando estes dados sensíveis se acumulam em número suficiente, produz-se um salto pelo qual eles se transformam em conhecimento racional, quer dizer, em ideias.

Este é um processo do conhecimento. É o primeiro grau do processo geral do conhecimento, o degrau de passagem da matéria, que é objetiva, ao espírito, que é subjetivo, do ser ao pensamento. Neste grau, não está ainda provado que o espírito ou o pensamento (logo, também, as teorias, as políticas, os planos, os modos de

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ação tidos em vista), reflita corretamente as leis do mundo objetivo, não é ainda possível saber se é justo ou não.

Vem em seguida, o segundo grau do processo do conhecimento, o grau de passagem do espírito à matéria, do pensamento ao ser; trata-se, então, de aplicar na prática social, o conhecimento adquirido no decurso do primeiro grau, para ver se estas teorias política, planos, modos de ação, etc. produzem os resultados esperados. Em geral, é justo o que vence, é falso o que fracassa; isto é verdade, sobretudo, na luta dos homens contra a natureza. Na luta social, as forças que representam a classe de vanguarda sofrem, por vezes, revezes não porque estejam erradas, mas porque, na relação de forças que se defrontam são, no momento, menos possantes que as forças da reação; daí ocorrem as derrotas provisórias, mas aquelas acabam por triunfar.

Passando pelo caminho da prática, o conhecimento humano dá, então, um outro salto, de uma significação ainda mais importante que o precedente. Só, com efeito, este salto permite avaliar o valor do primeiro. Quer dizer, assegurarmo-nos de que as ideias, teorias, planos, modos de ação, etc., elaborados no decurso do processo de reflexão do mundo objetivo, são justos ou falsos: não há outra maneira de fazer a prova da verdade.

Ora, se o proletariado procura conhecer o mundo, é para transformá-lo, não tendo nenhum outro objetivo. Para se completar o movimento que conduz a um conhecimento justo é preciso, com frequência, repetir várias vezes o processo que consiste em passar da matéria ao espírito e do espírito à matéria, quer dizer, da prática ao conhecimento, depois do conhecimento à prática.

Esta é a teoria marxista do conhecimento, a teoria materialista - dialética do conhecimento. Mas, entre nossos camaradas, muitos não compreendem ainda esta teoria. Se se lhes pergunta de onde vêm as ideias, opiniões, política, métodos, planos, conclusões, de onde vêm os seus discursos intermináveis e seus artigos prolixos, acham a pergunta estranha e não sabem responder. E os saltos pelos quais a matéria se transforma em espírito e o espírito em matéria, fenômeno ordinário da vida quotidiana, permanecem igualmente incompreensíveis para eles.

É preciso, pois, ensinar a nossos camaradas a teoria materialista dialética do conhecimento, a fim de que eles saibam orientar-se nas suas ideias, fazer inquéritos e investigações e efetuar o balanço da sua experiência, possam sobrepor-se às dificuldades, evitar quanto possível cometer erros, fazer bem o respectivo trabalho, contribuir com todas as forças para edificar um grande e poderoso país socialista e, enfim, ajudar as massas oprimidas e exploradas do mundo, no sentido de cumprir o nobre dever internacionalista que nos incumbe.

1.3. A pesquisa 1.3.1. Sem pesquisa não há direito à palavra

Para falar de um referido problema é necessário antes, fazer uma pesquisa sobre ele. Quem não tiver ideia, não tiver pesquisado sobre a natureza do problema, não pode ter direito à palavra para falar dele. Quando se ignora a fundo um problema, por não se haver pesquisado sobre o seu estado atual e suas causas, não se pode dizer nada a seu propósito, senão asneiras. E as asneiras, todo mundo sabe, não servem para resolver os problemas. O que há de injusto, portanto, em se privar do direito à palavra quem não pesquisou? Ora, muitos camaradas não sabem fazer outra coisa que não seja divagar, de olhos fechados: isto é uma vergonha para os comunistas! Como é que um comunista pode falar assim no ar, de olhos fechados? É inadmissível! Fazei pesquisas! E não digam mais asneiras!

1.3.2. Pesquisar sobre um problema é começar a resolvê-lo Não se consegue resolver um problema? Pois bem! Informemo-nos do seu

estado atual e passado! Quando se tiver feito um inquérito aprofundado, saber-se-á como resolvê-lo. As conclusões tiram-se no fim do inquérito e não no seu começo. Só os néscios, isoladamente ou em grupos, sem ter feito quaisquer inquéritos, torturam o espírito para "encontrar uma solução", "descobrir uma ideia". Assinale-se que nenhuma boa solução, nenhuma ideia boa sairá daí. Ou seja, os néscios não poderão chegar senão a uma má solução, a uma má ideia.

Não são raros nossos inspetores, nossos chefes partidários, nossos quadros, recentemente instalados, que se deliciam, desde a sua chegada, em fazer declarações políticas, e se põem, a propósito de meras aparências por qualquer íntimo detalhe a censurar isso, a condenar aquilo, com gestos autoritários. Nada de mais detestável, verdadeiramente, do que é puramente subjetivo. Tais pessoas podem estar certas de estragar tudo, de perder o apoio das massas e de não resolver qualquer problema.

Numerosos são os dirigentes que apenas soltam suspiros em face dos problemas difíceis, sem poder resolvê-los. Perdendo a paciência, eles pedem para ser transferidos, alegando que "não conseguem dar conta da sua tarefa por falta de capacidade". É esta a linguagem de um covarde! Mas mexam-se um pouco! Façam uma volta pelos setores e localidades que são da sua competência e imitam Confúcio que "fazia perguntas sobre tudo"! Por pouca capacidade que tenham, saberão resolver os problemas; pois, se é verdade que, ao sair de casa tinham a cabeça vazia, o mesmo não acontecerá quando regressarem: o cérebro estará

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munido de todos os materiais necessários para a solução dos problemas que se acharão, assim, resolvidos.

É sempre necessário sair de casa? Não forçosamente. Pode-se convocar para uma reunião de informação, pessoas bem informadas, para nos conseguir reportar à origem daquilo a que se chamou um problema difícil e para nos esclarecer sobre o seu estado atual, ser-nos-á, então, fácil resolver este problema difícil. O inquérito é comparável a uma longa gestação e a solução de um problema, ao dia do parto. Inquirir sobre um problema é resolvê-lo.

1.3.3.Contra o culto do livro Tudo o que está nos livros é justo: tal é, ainda hoje, o estado de espírito dos

camponeses chineses, culturalmente atrasados, Mas, é surpreendente que nas discussões do Partido Comunista haja também pessoas que digam a propósito de tudo: "Mostra-nos isso no teu livro!" Quando dizemos que as diretrizes dos órgãos dirigentes superiores emanam dum "órgão dirigente superior" é porque seu conteúdo corresponde às condições objetivas e subjetivas da luta e responde às suas necessidades. Executar cegamente as diretivas sem as discutir nem as examinar à luz das condições reais, eis o erro profundo da atitude formalista, ditada somente pela noção de "órgãos superiores". É por culpa deste formalismo que a linha e a tática do partido não puderam, até agora, penetrar profundamente nas massas.

Executar cegamente, e aparentemente sem nenhuma objeção, as diretivas de um órgão superior, significa não as executar realmente; é mesmo o jeito mais hábil de se opor a elas e de sabotá-las. Igualmente, nas ciências sociais, o método que consiste em estudar exclusivamente os livros é o mais perigoso possível, pode mesmo conduzir à contrarrevolução. A melhor prova é que muitos comunistas chineses que, no seu estudo das ciências sociais, não largavam nunca os livros, tornaram-se, uns após os outros, contrarrevolucionários. Nós dizemos que o marxismo é uma teoria justa; não porque Marx seja um "profeta", mas porque sua teoria provou "ser justa" na nossa prática, na nossa luta.

Nós temos necessidade do marxismo, na nossa luta. Aceitando essa teoria, não temos na cabeça qualquer ideia formalista, ou mística, como se fosse a de um "profeta". Entre os que leram livros marxistas, muitos se tornaram renegados da revolução; e frequentemente, operários iletrados são capazes de assimilar o marxismo. É preciso estudar os livros marxistas, mas sem esquecer-se de os referir à realidade do nosso país. Temos necessidade de livros, mas temos absolutamente que nos desembaraçar do culto que lhes votamos, com desprezo pela realidade.

Como desembaraçamo-nos desse culto? A única maneira é de fazer inquéritos sobre o estado real da situação.

1.3.4. A ausência de pesquisa sobre a realidade conduz a uma apreciação idealista da força de classe e a uma direção idealista do trabalho, o que conduz ao oportunismo ou ao golpismo.

Não acreditam nesta conclusão? Os fatos o obrigarão a isso. Tentem apreciar a situação política ou dirigir uma luta fora de todo o inquérito sobre a realidade, e verão se a vossa apreciação ou a vossa direção não são vãs e idealistas, e se esta maneira vã e idealista de fazer uma apreciação política ou de dirigir um trabalho, não conduz a erros oportunistas ou golpistas. Seguramente que ela conduz a tal. Não é que não se tenha tido o cuidado de preparar um plano antes de agir, mas não houve a preocupação de conhecer as condições reais da sociedade, antes de elaborar o plano. Este modo de atuar encontra-se frequentemente nas unidades de partidários do Exército Vermelho. Oficiais do gênero de “kuei” punem, sem discernimento, os seus homens, mal os descobrem em falta. O resultado é que os culpados se queixam, seguem-se discussões e os dirigentes perdem todo o prestígio. Não se passaram muitas vezes, coisas destas no Exército Vermelho?

É desembaraçando-nos do idealismo, evitando qualquer erro oportunista ou golpista, que nós podemos conquistar as massas e vencer o inimigo. E para nos desembaraçar do idealismo, temos de nos esforçar por fazer dos inquéritos sobre a realidade.

1.3.5. A pesquisa sobre as condições sociais e econômicas têm por fim chegar a uma justa apreciação das forças de classe e definir, em seguida, uma justa tática de luta

Tal é nossa resposta à pergunta: qual é o objetivo do inquérito sobre as condições sociais e econômicas? O que constitui o objeto do nosso inquérito são, pois, as diferentes classes sociais e não fenômenos sociais fragmentários. Desde algum tempo, os camaradas do IV Corpo do Exército Vermelho dedicam, em geral, sua atenção ao trabalho de inquérito, mas o método de muitos deles é errado. Os resultados de seus inquéritos assemelham-se às contas de um merceeiro; lembram aquela quantidade de histórias sensacionais que um camponês ouviu contar, numa cidade populosa observada, de longe, de cima de uma montanha.

Tal inquérito não tem nenhuma utilidade e não nos permite atingir o nosso objetivo principal que é o de conhecer a situação política e econômica das diferentes classes da sociedade. O inquérito deve poder dar a nós, em conclusão, um quadro da

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situação atual de cada classe, assim como dos altos e baixos que elas tiveram no passado. Por exemplo, quando fazemos o inquérito sobre a composição do campesinato, não nos devemos informar apenas sobre o número de camponeses pobres, dos camponeses semi-proprietários e dos rendeiros que se distinguem um dos outros através da locação das terras. Nós devemos, sobretudo, conhecer o número de camponeses ricos, dos camponeses médios e dos camponeses pobres, que se distinguem pelas diferenças de classes ou de camada social.

Quando procedemos a um inquérito sobre a composição dos comerciantes, não devemos só conhecer o número das pessoas repartidas pelo comércio de cereais, ou da confecção ou das plantas medicinais, etc. Temos, sobretudo, de inquirir sobre o número dos pequenos comerciantes, comerciantes médios e grandes comerciantes. Devemos inquirir, não apenas a situação de cada profissão ou estado, mas ainda e, sobretudo, sobre sua composição de classe.

Devemos inquirir, não só sobre as relações entre os diferentes estados, mas, antes de tudo, sobre as relações entre as diferentes classes. Nosso principal método de investigação é o de dissecar as diferentes classes sociais. O objetivo final é o de conhecer suas relações mútuas para chegar a uma justa apreciação das forças de classe e de definir, em seguida, uma tática justa para nossa luta, determinando quais as classes que constituem nossas forças principais, na luta revolucionária, quais são as que devemos conquistar, como aliadas e as que temos de derrubar? Eis todo o nosso objetivo.

Quais são as classes sociais que devemos constituir como objetivo de inquérito? São: o proletariado industrial, os operários artesanais, os assalariados agrícolas, os camponeses pobres, os indigentes das cidades, o lumpemproletariado, os proprietários de empresas artesanais, os pequenos comerciantes, os camponeses médios, os camponeses ricos, os proprietários de terras, a burguesia comercial, a burguesia industrial. No decorrer do nosso inquérito, devemos centrar a nossa atenção sobre a condição de todas estas classes (ou camadas sociais). Na região, onde trabalhávamos, só falta o proletariado industrial e a burguesia industrial, o resto é familiar. A nossa tática de luta é precisamente a que adotamos em relação a todas estas classes e camadas sociais.

Temos tido, no trabalho de inquérito, outra insuficiência grave: nos preocupamos com as regiões rurais em detrimento das cidades, de forma que numerosos camaradas têm sempre uma ideia bastante vaga sobre a tática a se adotar em face dos indigentes das cidades e da burguesia comercial. No desenvolvimento, a luta nos fez abandonar a montanha em proveito da planície; fisicamente, descemos há muito, das montanhas, mas mentalmente continuamos lá.

Temos de conhecer a cidade tão bem como a montanha; de outra forma, não poderemos responder às necessidades da revolução.

1.3.6. A vitória da luta revolucionária na China depende do conhecimento que os camaradas têm da situação de seu país.

O objetivo de nossa luta é passar da democracia ao socialismo. Nesta tarefa, a primeira coisa a fazer é levar, até o fim, a revolução democrática, conquistando a maioria da classe operária e sublevando as massas camponesas e indigentes das cidades para derrubar a classe dos proprietários de terra, o imperialismo e o regime do Kuomintang. Depois, com o desenvolvimento desta luta teremos de realizar a revolução socialista. O cumprimento desta grande tarefa revolucionária não é coisa simples e fácil; depende inteiramente da justeza e fineza da tática de luta, empregada pelo partido proletário.

Se esta tática for errada ou hesitante, a revolução sofrerá, inevitavelmente, uma derrota temporária. Compenetremo-nos bem de que os partidos burgueses também, discutem todos os dias a sua tática de luta; trata-se, para eles, de saber: a) como propagar as ideias reformistas, nas fileiras da classe operária, para enganá-la e subtrair dela a direção do partido comunista; b) como ganhar para si os camponeses ricos para liquidar as insurreições dos camponeses pobres e c) como organizar o lumpemproletariado para reprimir a revolução, etc. Quando a luta de classes se tornar, cada vez mais encarniçada, e tomar a forma de um corpo-a-corpo, o proletariado deve contar inteiramente, para a sua vitória, com a justeza e a firmeza da tática de luta do seu partido, o partido comunista.

Uma tática de luta do partido comunista que seja tão justa quanto firme, não pode ser elaborada por algumas pessoas, fechadas, entre quatro paredes; ela só pode vir das lutas de massas, quer dizer, da experiência política. Eis por que temos de estar constantemente a par do estado da sociedade e fazer inquéritos sobre a realidade. Os camaradas que têm espírito entorpecido, conservador, formalista e indevidamente otimista, acham que a tática de luta adotada hoje é a melhor possível. Que os "livros" publicados pelo VI Congresso e o partido comunista garantem, para sempre, nossa vitória e que basta conformar-se com as decisões tomadas, para vencer por toda a parte.

Esta maneira de ver é totalmente falsa; é incompatível com a ideia de que os comunistas criam, através da luta, situações novas; ela representa unicamente uma linha puramente conservadora. Se não for totalmente rejeitada, esta linha conservadora causará grande mal à revolução e prejudicará esses mesmos camaradas. De toda a evidência, certos camaradas do Exército Vermelho estão muito

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felizes por ficar onde estão, não procuram conhecer o fundo das coisas, são de um otimismo falso e propagam esta ideia falsa: "isto é o proletariado". Não fazem senão comer e beber todo o dia e passam o tempo a dormitar em seus escritórios, sem querer jamais pôr o pé na sociedade, entre as massas, para fazer um inquérito. Quando se dirigem às pessoas, é sempre a mesma lenga-lenga enfadonha.

Para despertar os nossos camaradas, temos de lhes gritar: Desembaracem-se já do vosso espírito conservador! Substituam-no por um espírito de iniciativa, progressista e comunista! Lutem! Vão às massas e façam pesquisas sobre a realidade!

1.3.7. A prática da pesquisa a) Organizar reuniões de informação e proceder a pesquisas por intermédio da discussão

Só esta maneira de agir permite nos aproximar da realidade e tirar conclusões. Ater-se unicamente à apreciação que faz cada um da sua própria experiência, sem fazer reuniões, nem levar a cabo um inquérito através da discussão, é um método sujeito ao erro. E o que consiste em fazer a reunião? Somente algumas perguntas, ao acaso, sem levantar os problemas essenciais, não permitem tirar conclusões mais ou menos exatas.

b) Quem deve assistir à reunião de informação? Aqueles que conhecem perfeitamente a situação social e econômica - do

ponto de vista da idade, as pessoas idosas são preferíveis, porque têm uma rica experiência e conhecem, não só o estado atual das coisas, mas também suas causas e efeitos. Os jovens que tenham experiência de luta devem ser também numerosos, porque têm ideias progressistas e um sentido agudo da observação. Do ponto de vista do estado, pode-se fazer vir operários, camponeses, comerciantes, intelectuais, às vezes soldados e mesmo vagabundos. Naturalmente, quando o inquérito incide em um assunto bem determinado, não é necessária a presença de pessoas estranhas à questão; assim, operários, camponeses e estudantes não precisam estar presentes, quando se trata de um inquérito sobre o comércio.

c) Que é preferível: uma grande ou uma pequena reunião de informação?

Isso depende da capacidade do pesquisador para conduzir a reunião. Para um pesquisador capaz, o número dos participantes pode ultrapassar uma dezena ou até uma vintena. Uma reunião numerosa tem suas vantagens: permite estabelecer uma estatística relativamente exata (por exemplo, quando se quer saber se a distribuição igual das terras é preferível à sua distribuição diferenciada).

Naturalmente, a reunião numerosa apresenta, também inconvenientes: quem não sabe conduzi-la bem não consegue manter a ordem; assim, o número dos participantes depende da competência do pesquisador. De qualquer modo, a reunião tem de ter pelo menos três pessoas, senão as informações seriam demasiado limitadas para refletir.

d) Estabelecer um plano de questionário É preciso ter um plano preparado. O pesquisador fará perguntas seguindo a

ordem prevista por este plano e os participantes responder-lhe-ão, de viva voz. Os pontos obscuros ou duvidosos serão submetidos ao debate. O plano do inquérito deve comportar capítulos e subcapítulos; por exemplo, no capítulo "comércio", os tecidos, cereais, artigos diversos, as plantas medicinais constituem subcapítulos e os subcapítulos "tecidos" subdivide-se, por sua vez em panos de algodão, tecidos de fabricação local, sedas, etc.

e) Participar pessoalmente no inquérito Os que ocupam um posto dirigente, desde o presidente do governo

municipal até o presidente do governo central, desde o chefe de destacamento até o comandante-em-chefe, desde o secretário de cédula até o secretário geral do partido, têm de, sem exceção, pesquisar pessoalmente acerca da realidade econômica e social. Não devem se fiar unicamente nos relatórios escritos, porque uma coisa é pesquisar pessoalmente, outra coisa é ler relatórios.

f) Aprofundar a matéria antes Todos os que se iniciam no trabalho de pesquisar devem se preparar com

um ou dois inquéritos aprofundados anteriores, para ter mais conhecimento e prática do tipo de pesquisa que vão fazer. E conhecer os temas que serão tratados na pesquisa, como a situação da aldeia, da cidade ou questões sobre cereais, renda etc. O conhecimento profundo de um lugar ou de uma questão permitir-lhes-á orientarem-se, mais facilmente, nos questionários posteriores sobre outros lugares ou outras questões.

g) Tomar notas O pesquisador deve, não só presidir a reunião de informação e dirigi-la

convenientemente, mas ainda tomar notas a fim de registrar os resultados do seu inquérito. Não deve confiar este trabalho a outros.

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15.RESGATAR O ESPÍRITO DE MILITÂNCIA

“Acreditar é viver, agora, a esperança; é tornar presente o sonho que ainda não é realidade; é firmar os olhos em uma certeza; é encarar o

desafio da vida até à vitória, sempre”

AberturaO que vence o medo não é a valentia, é a convicção. A convicção é uma porta

que só se abre por dentro. É a certeza numa coisa que não se vê ainda. É apaixonar-se por uma causa e ser capaz de doar a vida por ela. Enquanto a pessoa não abre seu coração, não entende a causa, nem abre suas mãos para realizá-la. A justeza da luta contra toda forma de opressão é uma convicção que produz posturas, atitudes,

comportamentos e valores. Quando essas convicções são saboreadas e partilhadas alimentam a mística da militância , mesmo quando experimentadas, no meio da tensão e da imperfeição.

1. O espírito militanteUm tarefeiro cumpre ordens, um funcionário trabalha pelo salário,

um mercenário age para satisfazer seu interesse individual. Já a militância se move por uma indignação e por uma entrega apaixonada para que a classe oprimida se realize, como gente e como povo. Como toda luta, também a luta popular é uma questão passional; ora, ao amante não se ensina o que deve fazer para agradar a pessoa amada. Com entusiasmo e ousadia quem ama faz do longe perto e inventa caminhos para alcançar seu objetivo. É essa paixão que une a ação, a razão e o sentimento e invade o espaço pessoal, a convivência familiar, a vida de trabalho da militância, contínua busca de sua coerência entre o dito e o feito .

2. Indignação e rebeldiaUma qualidade da esquerda é sua capacidade de indignar-se contra qualquer

injustiça, cometida contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. Achar natural a submissão, a dependência ou acostumar-se com a situação dos pobres é identificar-se com a direita, é ficar do lado da opressão. Porém, rebeldia não se confunde com amargura, nem com a revolta que nada faz para mudar. Nem, tampouco, é uma vingança; porque vingança iguala a vítima com o bandido. A verdadeira rebeldia desperta a auto-estima que não deixa a pessoa se coisificar, nem coisificar outras pessoas. É o embrião da consciência crítica necessária para desmontar a injustiça e contribuir na construção de uma sociedade sem dominação.

3. Sem medo de ser socialistaA militância não pode ter, como centro da luta, o inimigo ou a opressão. O

que deve mover a militância é a certeza de estar construindo uma pátria onde não se chore mais, a não ser de contentamento. É o compromisso com a transformação da sociedade para que a produção, distribuição e consumo das riquesas se façam de forma partilhada. No capitalismo, baseado na exploração e na competição entre os indivíduos, não há lugar para os pobres, como protagonistas. Já no socialismo que coloca o ser humano como centro, é possível uma relação entre os humanos, sem exploração e, com a natureza, sem destruição. Por isso, os erros e limites das experiências socialistas não negam o sonho, nem invalidam os esforços de tanta gente que entregou sua vida por um mundo de novos homens e novas mulheres.

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4. ProsperidadeÉ legitimo o desejo de possuir os bens produzidos pela criatividade humana

quando são frutos de seu trabalho. Quem não trabalha não deve comer. Só quem perde a dignidade, perde também a vontade de crescer, de ter mais, ser mais, saber mais e deixar sua marca no mundo . No capitalismo, a busca da prosperidade vira consumismo, enquanto vontade incontrolável de acumular bens condição para a dominação. Todo bem material e espiritual tem função social, pertence a todos. Mas, a prosperidade só pode existir com trabalho, domínio da técnica, crescimento da consciência e austeridade de vida (não ter carência, mas não ter mais que o necessário) com o básico para todos, pensando nos recursos do planeta e nas gerações futuras.

5. Espírito de superaçãoA militância, dentro de orientações construídas coletivamente, deve tomar

iniciativas, criar caminhos, ir além de metas planejadas, manter a busca constantes de soluções, sem seguir receitas, nem pedir licença ou esperar ordens. O espírito de superação é um ato da vontade que, ao entender o que é necessário fazer, a pessoa se dispõe a fazer o que entendeu, de maneira cada vez mais profissional, para realizar a missão do movimento popular. É preciso fazer bem, melhor, ótimo, perfeito... por acreditar que, se alguém merece alguma coisa perfeita é a classe trabalhadora.

6. Espírito de sacrifícioQuem diz luta, diz sacrifício e quem diz sacrifico, diz também morte. É fácil

ver que se o grão de trigo não morrer, não dá fruto. Além disso, acabar com a exploração não se faz sem conflito e sem rompimento, embora seja necessário evitar os sacrifícios inúteis. O sacrifício nasce do enfrentamento da opressão. Não pode ser martírio onde as pessoas se preparam mais para sofrer e morrer do que para derrotar o inimigo.

As transformações na natureza, nas pessoas e na sociedade não nascem de um acordo . O novo que se constrói dentro do velho, mas aparece quando o velho é destruído. Ninguém luta porque gosta; toda conquista envolve risco. Nada é concedido à classe oprimida, por dever de justiça. O direito humano nasce na rua, no confronto - é a luta que faz a lei. Por isso, os subversivos precisam conhecer as manhas e preparar a hora de encarar a fera. A mudança é uma luta de conspiração e, por isso, na vida individual ou coletiva, é inevitável a ruptura. As tensões, como dores de parto, antecedem a vitória da vida sobre a morte, sempre. O espírito de sacrifício não impõe pré-condições de conforto, facilidade ou mordomias individuais.

7. O amor pelo povoA militância, mesmo sob o risco de parecer ridículo, sabe que o verdadeiro

revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor. A classe trabalhadora carrega muitas contradições e reproduz boa parte da mentalidade dominante. Porém, mais que vítima, a classe oprimida é um potencial inesgotável de formas de luta e sementeira permanente de novos militantes , pois, só a classe oprimida pode ter interesse na libertação e, ao libertar-se, liberta também seus opressores.

Para a militância, o povo que é o sentido e a razão de sua existência, mesmo que aparentemente ele não tenha razão. Por isso, prefere o risco de ficar sempre com os pobres do que achar que vai acertar sem eles. Como todo artista, a militãncia se mete, lá onde o povo vive, luta, sofre, se alegra e celebra suas crenças. Afastar-se do povo é uma forma de ficar contra o povo. Como não tem sentido fermento fora da massa, não pode existir militante sem ligação com uma base. Militante que se afasta do povo passa a pensar por onde os pés pisam, entra num processo de corrupção, moral, política e ideológica.

8. O exercício do poderNa sociedade dividida em classes, os líderes pisam sobre o povo, usam o

poder para submeter e explorar a classe trabalhadora. Certas lideranças, reproduzindo a prática da elite, também concentram o poder, usam métodos dos grandes e contrariam os pequenos para não ficar de mal com os ricos e autoridades. Elas fizeram do seu cargo seu meio de vida. Ficar à frente, nunca poderia criar na militância a postura de chefe. Mas, os abusos no uso do poder nunca deveriam ser razão para se ter medo de querer o poder. O poder é um instrumento indispensável para organizar a luta, conquistar benefícios e multiplicar militantes. O desafio permanente é coordenar sem autoritarismo, conduzir sem manipulação, comandar repartindo o poder e cumprir os acertos coletivos, acima das vaidades e caprichos individuais.

9. Combater a alienaçãoA pessoa que não entende a raiz da injustiça se torna alienada . O processo

de tomada de consciência quebra toda forma de alienação e permite a descoberta do real. A superação da alienação é básica na estratégia para construir o novo, o futuro, a vida. A participação em processos de luta, a reflexão, o estudo, as leituras... são caminhos para alimentar a fidelidade à causa popular na busca das transformações. Pensar é um exercício que subverte a existência da militância para

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que ela jamais se acostume com a injustiça ou desanime na luta pela emancipação da humanidade. Estudar funciona como um mecanismo que avalia e desafia a militância de escritório e ajuda na superação da mesmice, da repetição, da manipulação, dos desvios e dos vícios.

10. A solidariedade universalNinguém é uma ilha – toda pessoa se realiza quando se relaciona com as

outras. A doutrina capitalista de cada um conforme sua ganância gera dominação e exclusão. Contra a lei do mais forte, a militância socialista pratica a solidariedade, reconhece o valor da soma das riquezas individuais, mas reage contra a divisão entre superiores e inferiores. Por isso, luta contra a dominação de classe, a discriminação de gênero, o preconceito étnico e geracional e todas as formas de intolerância cultural e religiosa.

A solidariedade se manifesta na compaixão como capacidade de colocar-se no lugar da outra pessoa, na afetividade, na parceria e no amor incondicional para que a classe oprimida se realize. Mas, ela se expressa melhor na entrega gratuita, do que se tem de melhor, inclusive a própria vida, para que pessoas e povos realizem o eterno sonho da fraternidade universal.

“Se sentires a dor dos outros como a tua dor, se a injustiça no corpo do oprimido for a injustiça que fere a tua própria pele, se a lágrima que cair do rosto desesperado for a lágrima que você também derrama, se o sonho dos deserdados desta sociedade cruel e sem piedade for o teu sonho de uma terra prometida, então, serás um revolucionário, terás vivido a solidariedade essencial” (L. Boff)

11. O espírito MultiplicadorUm dizia que um guerreiro a gente planta para dê novas sementes. Quem

tomba na batalha a gente não deveria chorar, mas festejar. Afinal, sangue de mártir é semente de militantes. É preciso ter orgulho de pessoas que oferecem sua vida para que o povo viva com dignidade. Com o mesmo ardor, é necessário recordar a memória de tanta gente anônima que sustenta o cotidiano da luta e garante o enraizamento do trabalho.

Cada militante, no seu território, deve comprometer-se em mobilizar um time de trabalhadores. Estes, por sua vez, devem repartir os esclarecimentos com outras pessoas, em seus espaços de luta, de vida e de trabalho. Sua missão é despertar a autoestima silenciada, estimular o protagonismo e convocar para a tarefa de ser capaz e ser feliz, coletivamente. Assim, tece uma rede de resistência,

pois, a importância da árvore se mede pelo número de folhas que renova e a importância da pessoa pelo número de gente que reúne. Porém, é preciso ter claro que se a luta não vai sem os filhos, a família e a comunidade, não vai só com os filhos, a família e a comunidade!

12. O companheirismoCompanheirismo é a forma superior de relacionamento, mais forte que os

laços de sangue. É o gesto humano, fraterno e político de quem crê na capacidade das pessoas e da classe oprimida. Companheirismo significa compartilhar o pão e o poder, em todos os espaços da vida, com quem se dispõe à mesma caminhada. É não ter vergonha de falar de seus sonhos e de seus limites pela ter a certeza de ser acolhido, escutado, entendido, mesmo quando erra ou quando cobra.

As relações humanas e a caridade tradicional negam o companheirismo porque são mecanismos para manter a dependência entre quem manda e quem obedece, entre quem doa e o coitado que recebe, para aumentar nos pobres o sentimento de inferioridade. O companheirismo se revela especialmente na atenção a quem trabalha, mesmo que ainda não entenda a razão de lutar; mas também, no tempo dedicado a juventude e às crianças, no carinho às pessoas excluídas, na oferta de ombro solidário a quem está desanimando e no respeito ao parceiro(a) de vida e de caminhada para que se levantem e andem.

Na rotina da vida, na insegurança frente aos desafios e na hora do sentimento de impotência, infelizmente a corda arrebenta no seu lado mais fraco - a relação com colegas de vida e equipe. Exercitar a fé na vida, a fé na gente e a fé no que virá é capaz de superar a tentação do desânimo, da esperteza, do ciúme, do fuxico, da intriga, do personalismo e afirmar com a vida que nós podemos tudo, nós podemos mais, vamos lá fazer o que será!

13. A pedagogia do exemploNão basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessário que a pureza e a

justiça existam dentro de nós. É comum escutar que, na prática a teoria é outra, porque as palavras explicam, mas são os exemplos que mobilizam. É, na prática, que a militância revela suas convicções. É, no dia a dia, que o discurso se torna força material capaz de alimentar a luta pela vida. É na vida pessoal, no estudo, nas atitudes de dedicação, no entusiasmo, na ousadia, no respeito ao povo, na fidelidade aos acertos coletivos, no trabalho produtivo, na participação em um posto concreto da luta, na simplicidade de vida, no uso correto dos recursos coletivos... que se concretizam as convicções.

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A pedagogia do exemplo se revela no espírito de humildade, contrário a toda arrogância, autossuficiência, submissão ou ingenuidade. Humildade é a simplicidade de alguém que afirma sua dignidade reconhecendo seus valores e limites. Por isso, respeita e acolhe outras singularidades que contribuem com verdades, valores e conhecimentos.

14. A mística PopularA mística da causa popular é o segredo plantado na alma das pessoas, é a

força interior que impulsiona a militância, nos momentos de dor, de dúvida e de derrotas. Sabemos que militante triste é um triste militante. Sua mística está presente na alegria de viver, na disposição para a luta, na esperança sem ilusões, no canto, nos símbolos, na beleza do ambiente, nas celebrações. Essa energia vital se expressa em gestos e atitudes, individuais e coletivas que revelam, desde já, o sabor da convivência sonhada para todo o povo.

A celebração da mística, às vezes, aparece como indignação e conflito; outras vezes, tem a cara do prazer e da festa. Mas, deve ser sempre uma experiência marcante que traduza uma convicção profunda, para reforçar a luta e atrair novos combatentes. Esse ânimo interior, alimento da esperança, em qualquer conjuntura, torna as pessoas combativas e carinhosas, abertas e perseverantes, mas, sobretudo, companheiras. “Você pode até dizer que eu sou um sonhador. Mas não sou o único. Espero que um dia você se junte a nós. Aí, o mundo será como se fosse um.” J. Lenon.

CEPIS – SP.NOTA: Muitas ideias foram recolhidas de vários militantes que refletiram sobre esse tema.

16. MÍSTICA, MISTICISMO, MISTIFICAÇÃO

Mística não é mistificação que significa falsear, enfeitar ou deformar uma realidade, com a intenção de iludir a boa-fé das pessoas. Mistificação gera o fanatismo ou fundamentalismo, religioso ou político. Misticismo é uma visão religiosa ou a explicação religiosa que fala da relação ou da contemplação direta e íntima com a divindade.

Que é místicaEsotéricos e góticos, santos e militantes, movimentos sociais e comunidades

religiosas se apropriam da palavra “mística”. Uns fazem mística, outros dizem que têm mística, outros, ainda, são místicos. Vale ouvir algumas falas sobre mística: Mística deriva de mistério. Conhecer mais e mais, entrar em comunhão cada vez

mais profunda com a realidade que nos envolve, ir para além de qualquer

horizonte - é fazer a experiência do mistério. Todas as coisas têm seu outro lado. Captar o outro lado das coisas e dar-se conta de que o visível é parte do invisível: eis a obra da mística.

Mística é a capacidade de se comover diante do mistério de todas as coisas. Não é pensar as coisas, mas sentir as coisas tão profundamente que percebemos o mistério fascinante que as habita. O que importa é sentir sua atuação e celebrar a presença desta realidade essencial. Viver esta dimensão no cotidiano é cultivar a mística.

A mística é alma de um povo. A mística é a alma do sujeito coletivo, a identidade que se revela como uma paixão, que nos ajuda a ‘sacudir a poeira e dar a volta por cima’.

Suportarei tudo, porque há em mim uma alegria, que nada nem ninguém conseguirá jamais matar! É nessa alegria que está a força dos militantes da causa social, é no sentimento da certeza de que se luta por algo justo, é na energia interior que lhes impulsiona todo vigor e coragem, que faz as pessoas suportarem tudo, mesmo a perda de companheiros; é aí que materializa a mística,

A mística é o momento de reafirmar o compromisso com os ideais de uma concepção, de difundi-la socialmente, fortalecê-la politicamente, de consolidá-la e legitimá-la ideologicamente e uma forma de concretizá-la, aqui e agora.

A mística irriga, pela paixão, a razão e nos ajuda a ser mais humanos, dispostos e a desafia coletivamente nossos limites; nos impulsiona a ir além do esperado, alimenta os valores e nos faz sentir parte de uma grande família.

Desenvolver a mística não pode se confundir com o culto ao passado, relembrar os momentos trágicos da história e criar o sentimento da dor e morte sempre presentes para estimular a cultura de resistência entre sujeitos de semblantes pesados, sorrisos tristes e punhos cerrados.

É a vida que causa paixão, é pela vida que os seres humanos se movem, é ela que deve ser celebrada. Que se celebre os lutadores em vida, que se declare o reconhecimento a cada pessoa pelo esforço de sua luta. Celebrar a vida e a alegria não é esquecer os compromissos da luta por transformações, é lembrar que o ser humano tem o direito de sorrir e ser feliz.

Observa-se, hoje, uma conjuntura que vai de um extremo ao outro, da mística ao misticismo. Diante da mercantilização total da vida cotidiana, a mística corre o perigo de se tornar mercadoria, chavão, moda. Mística pode significar recitação de poesias, serenata, cantoria, reza; pode ser um olhar contemplativo à beira de um rio, um ritual festivo na aldeia e êxtase de um monge tibetano.

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A mística não é propriedade de nenhuma instituição. A palavra “mística” tem a mesma raiz que a palavra “mistério”. O mistério não se explica, vive-se, na contemplação e na ação cotidianas. A mística é como a utopia. Ambas não se deixam aprisionar em conceitos ou definições.

Não podemos ter místicas como se tem uma propriedade ou um objeto. Somos místicos. A mística não pode ser funcionalizada onde tudo é avaliado por sua funcionalidade ou pela utilidade que tem. Rezar e fazer poemas não tem utilidade, não tem preço, não pode ser vendido. A mística está no meio de nós como dom, não como posse. Mas o que não tem preço, pode ter muita dignidade.

Temos mística ou somos místicos? Talvez, temos e fazemos mística e ainda não somos suficientemente místicos. Ninguém é místico 24 horas por dia. A mística se revela no serviço desinteressado a causa dos oprimidos e nos faz simples, despojados, leves. Na mística, se vive o fim da dicotomia entre o campo espiritual e o material; não é luta e contemplação, mas luta na contemplação ou contemplação na luta. A redução da utopia para um suposto realismo no “aqui e agora” cria miopia, faz perder a esperança, compromete a fé e enfraquece a solidariedade.

A mística tem dois braços. É mística da terra, da realidade material, da luta e das marchas e a mística do transcendente que se faz carne a cada dia; luta simbólica presente na transfiguração das estrelas, do céu, da poesia, das canções, dos bonés e das palavras de ordem.

“Mística é o conjunto de convicções profundas, as visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam as pessoas e movimentos na vontade de mudança, ou que inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer dificuldades ou sustentar a esperança face aos fracassos históricos.”

Formas de concretizar a místicaA mística tem um conteúdo que se expressa: 1. Na postura pessoal – a mística é, sobretudo, a vivência de valores de

forma coerente com nossas convicções. Por isso, é na vida e nas atitudes pessoais que a mística mais se manifesta: a) no amor pelo povo; b) na solidariedade; c) no espírito de humildade, d) no espírito de superação, iniciativa e ousadia. e) no espírito de sacrifício; f) no companheirismo, g) na pedagogia do exemplo;

2. No ambiente – simbologia, luz, cores, beleza, festa...3. Na celebração coletiva – Não existem receitas. Cada movimento tem

formas particulares de expressar seus valores, princípios e sua vida. Mas,

a experiência recomenda que se leve em conta alguns critérios na manifestação pública da mística: Deve ser uma atividade onde as pessoas participam com o corpo,

mente e sentimento; Não é show para ser assistido; deve envolver as pessoas (o uso da

poesia ou canção exige texto quem participa e alguém que saiba tocar);

Não tem essa de preparar surpresas, de causar impacto, de provocar sensação;

A celebração da mística deve ser bonita, criativa, breve, com certa solenidade, simples e bem feita, mas sempre ligado ao tema do momento;

É bom usar símbolos, gestos e incorporar expressões culturais, testemunhos pessoais... Mas, evitar que vire uma mera apresentação teatral;

A mística pode ser expressa no começo - concentra a atenção e recorda o espírito que une o grupo, mas pode e deve ser feita a qualquer momento: um canto, um grito de guerra, uma declamação, um silêncio...

A preparação é necessária para evitar a improvisação, mas não pode virar um tormento para as pessoas que coordenam a celebração;

Não é “reza”, mas é momento sério, sem brincadeiras. Atitudes a serem evitadas

- Achar que mística é apenas motivação, abertura, enfeite, emoção: “bem, feita a mística... vamos agora ao que interessa”;

- Virar tarefa de especialistas, embora exista gente com mais sensibilidade/criatividade que outras; quem se acha dirigente também “faz” a mística.

- Confundir a parte com o essencial: “não participei do encontro porque estava preparando a mística”;

- Não pode virar competição: “a mística de fulano foi melhor que a de sicrana”;

- Repetir no NE um jeito que deu certo no sul - fica manjado, fora do contexto e, por isso, cansativo, formal e burocrático;

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- Evitar a improvisação, mas nunca pode virar um fardo ou um tormento para quem está encarregado de coordenar sua realização.

Recordando O importante na expressão pública da mística é a reafirmação dos objetivos e

o fortalecimento da militância. Não existe receita, mas tem que ser participada, simples, atraente, bem feita, conforme o assunto, a hora e o grupo.

Às vezes, a mística tem o tom de alegria, outras de protesto e de dor; às vezes, o tom da política; outras a linguagem cultural e a tradição religiosa. Mas, nunca pode virar um show para ser assistido; as pessoas devem sentir-se bem e participantes.

A celebração é bonita quando é participada, dentro do tema que tratado, breve, com certa solenidade, com simplicidade e bem feita. É bom usar símbolos, gestos, incorporação de expressões culturais, testemunhos pessoais... mas sempre evitar que vire simples apresentação teatral.

Deve ser uma atividade onde as pessoas participem com o corpo, mente e sentimento. Não pode ser show para ser assistido: as pessoas devem ser envolvidas no ato. É falso preparar surpresas, causar impacto, sensação.

A mística pode ser expressa no começo - concentra a atenção, recorda o espírito que une o grupo; mas, pode se fazer em qualquer momento adequado - um canto, um grito de guerra, uma declamação, um silêncio...

Ranulfo – 2006.NOTA – este roteiro incorpora reflexões de muita gente que se dedicou ao tema.

17. O PODER POPULAR

Todo poder nasce do povoe pelo povo deve ser exercido

Quem se acha dono do povo, em geral, tenta anular o poder da classe trabalhadora. Pela repressão, tenta controlar sua força e pela conformação, tenta matar a sua alma. Assim, o povo é ensinado a achar que não tem poder e a ter medo de desejar o poder. Nessa escola ele aprende que manda quem pode e obedece quem tem juízo. E que o papel do povo é apenas aceitar o poder imposto pela ordem e a reproduzir esse comportamento na família, no trabalho e na sociedade. Quando o povo não exerce o poder, alguém exerce o poder sobre esse povo domesticado.

A idéia de refletir sobre o poder é descobrir e desmascarar os mecanismos que impedem a classe oprimida de se desenvolver no corpo, na mente e no coração.

Ao estudar a pessoa descobre que se o povo soubesse a força que tem, ninguém dominava ele. Descobre também que o grande só é grande porque o povo está de joelho e toda vez que ele se rebaixa ele entrega seu poder. E que esse conhecimento liberta quando ele é entendido, assimilado e aplicado na vida pessoal, na vida social e na luta dos explorados contra os exploradores.

O poder no dia-a-dia Cada pessoa é única: não existem duas pessoas iguais. A pessoa se identifica

quando se encontra e se relaciona com outra. Nessa relação cada pessoa afirma sua originalidade e aprende que só existe o eu porque existe o tu. E só existe o nós porque dois seres humanos decidem ou são obrigados a se juntar e a disputar.

A pessoa, desde criança, disputa para ser reconhecida. Ela tem necessidade de ser notada, de divulgar suas preferências e de mostrar o seu potencial. Não aceita ser ignorada, colocada à sombra, tratada como estranha ou menosprezada. Para conseguir e garantir seu território a pessoa faz de tudo para aparecer - sente inveja, cobra ciúme, pressiona, esnoba, manipula, se alia, compete, esperneia, briga, fantasia, sonha...

Essas iniciativas fazem parte da luta pela sobrevivência, da afirmação de identidade e da autoestima. É a luta pelo poder. Quando alguém não se impõe ou não briga por sua dignidade, ou já perdeu o ânimo de viver ou é tida como covarde. A fraqueza e a ousadia contribuem na formação do caráter da pessoa. Se não é justo bater, também não é justo apanhar.

Ninguém é uma ilha. E nessa convivência social a pessoa aprende o exercício do poder. Em uma sociedade, onde cada um age conforme sua ganância, vigora a lei do mais forte, não se reconhece o valor das riquezas individuais e se cria a divisão entre superiores e inferiores. Daí surge a dominação de classe, a discriminação de gênero, o preconceito étnico e de idade e toda forma de intolerância cultural.

Tem alguém que não se goste e não quer ser poderosa?

A pessoa precisa ter poder Ter poder faz parte da natureza humana. Só quem tem poder, de forma

individual ou coletiva, afirma-se e influi no seu destino e no destino da sociedade. O ato de pensar, de agir e tomar decisões torna a pessoa protagonista e contribui para sua realização pessoal e histórica. Ao contrário,

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sentir-se impotente é perder a esperança e ser apenas plateia é anular-se. Por isso, a origem do poder está na mão de quem trabalha.

Na verdade, toda pessoa gosta de ter poder e se sente feliz com ele. Quanto mais ela nega, mais ela afirma a vontade de ter o poder: ninguém quer desaparecer – fale mal, mas fale de mim. Quem diz que não quer o poder é porque já tem o poder e não quer dividi-lo ou é um incompetente. Consciente ou não, mesmo quem delega seu poder ou renuncia a postos de comando, está usando um meio de ter e de exercer o poder.

Porque as pessoas têm medo de ter o poder?

É justo ter o poder Ter o poder não é um pecado; é uma necessidade e um direito de toda pessoa.

Porque toda pessoa nasce pra brilhar e quanto mais estrelas no céu mais a noite fica iluminada. Para isso, é dada à luz e uma luz não se esconde, se coloca no alto para que todos a vejam. Hoje, uma mensagem revolucionaria é proclamar aos oprimidos: você é capaz, levanta, toma teu leito, é hora de assumir o comando.

Estranho não é desejar o poder, estranho é insistir no medo de ter o poder. Estranho é nunca se dizer que todo poder nasce do povo e pelo povo deve ser exercido. Estranho é reduzir o poder ao mero ritual de apenas eleger representantes, como se alguém pudesse abrir mão de seu poder. Sem falar que a maioria dos eleitos é comprometida com quem domina as riquezas, as ideias e os postos de decisão.

O povo precisa de representantes? Porque a maioria dos eleitos é da classe rica?

O que é o poder Todas as relações sociais estão impregnadas e implicam em poder porque o

poder consiste na possibilidade de decidir sobre sua própria vida e sobre a vida de outro ser humano. O poder é a capacidade de intervenção com fatos que obrigam, circunscrevem, proíbem ou impedem.

Quem exerce o poder, hoje, submete e inferioriza os dominados, impõe fatos, exerce o controle, arroga-se o direito ao castigo e à privação de bens reais e simbólicos. Ou seja, tem força, domina. A partir dessa posição de poder julga, sentencia ou perdoa. E ao fazer isso, acumula mais poder.

O poder é, então, entendido como poder quando se apropria das riquezas, excluindo a maioria. Por isso, exerce o poder para domínio, controle e direção da vida da maioria e expropriação de seus bens materiais e simbólicos.

Poderosa é, então, a pessoa que possui elementos de poder por sua classe, riqueza econômica, social ou cultural, gênero, nacionalidade, sexo, cor da pele, idade, etc.

Todos os fatos sociais e culturais são espaços de poder: o trabalho, as atividades vitais, o conhecimento, a sexualidade, os afetos, as qualidades, os bens e posses, o corpo e a subjetividade, o próprio ser humano e suas criações.

A posse privada da riqueza, a exclusão e a dependência dos pobres estruturam o poder, desde sua origem, e permitem sua reprodução. Nesse sentido, a classe oprimida tem poder porque o poder sucede no espaço das relações sociais: cada pessoa ao interagir, mesmo sem saber, exerce poder. O mais débil dos oprimidos tem e exerce poder quando se torna espaço de opressão do outro que necessita dele para existir.

Você tem poder? Dê exemplos

O centro do poder O poder que nasce do povo se cristaliza nas instituições civis e estatais e no

exercício de direção e domínio de um grupo sobre a sociedade. O poder surge nas relações sociais, mas se encontra e se amplia na reprodução dos sujeitos sociais, que se situam no espaço público e no espaço privado. Mas, o Estado que organiza a sociedade, é a equipe que administra e garante os negócios coletivos da classe dominante.

É no Estado, com suas instituições – o executivo, o parlamento, o judiciário, a burocracia, os impostos... e, sobretudo, o poderio militar, onde se concentra o verdadeiro poder. Alguém já falou, sem negar a inteligência, a diplomacia e a negociação, que o poder reside na boca de um canhão para dizer que ter poder é ter poder de fogo. Tem poder quem tem produção, rumo, projeto e força.

No Brasil, o Estado é propriedade privada da classe burguesa. A luta popular só deve disputar o espaço público estatal se tiver clareza do próprio projeto de poder e conservar sua independência política. O objetivo de ocupar postos na institucionalidade é acumular forças para a transformação social. Só há governo Popular quando o povo toma o Poder de Estado. E para avançar, é preciso romper a cerca, sempre.

Ter o governo é ter o poder?

O poder corrompe? No esforço para superar a cultura do silêncio e a impotência popular, não se

pode esquecer as tentações do poder. Às vezes, as pessoas têm medo de ter 40

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poder porque observam que na vida cotidiana, um jeito estranho de ter o poder. A história está cheia de exemplos onde o preço para ter mais e ser mais, não teve medida. O poder pode sim corromper.

Na sociedade dividida em classes, os líderes pisam sobre o povo, usam o poder para submeter e explorar a classe trabalhadora. Certas lideranças populares, reproduzindo a prática da elite, também concentram o poder, usam métodos dos grandes e fazem do cargo seu meio de vida. Por isso, ter o poder traz consigo muitos desafios.

Além disso, até em organizações populares, quem assume um posto de poder tende a fazer de tudo para tirar vantagens da posição, continuar no cargo e, inclusive, subir mais. Se for preciso, joga sujo, faz alianças escusas, vende a alma, perde a moral e mancha suas convicções. A corrupção - financeira, política e moral - começa quando uma direção se afasta do povo e seus interesses e passa a olhar o cargo como profissão e o poder como privilégio individual.

O que fazer para que o poder não corrompa?

O Novo Poder O poder, como autoafirmação das pessoas e das classes, deveria se definir pelo

positivo e não implicar na opressão de ninguém. A esse poder deve aspirar a classe oprimida. Os abusos no uso do poder não podem justificar o medo de querer o poder. Mas, para uma nova sociedade, o poder não deve manter a postura de chefe tradicional, arrogante e distante. Não pode confundir autoridade com autoritarismo.

Sem ingenuidade e com firmeza, o desafio permanente do novo estilo de dirigir, será coordenar sem autoritarismo, conduzir sem manipulação, comandar compartilhando o poder, cumprir e fazer cumprir os acertos coletivos, acima das vaidades e caprichos individuais. Esse poder ainda é construção; é uma aspiração com algumas experiências, individuais e coletivas, e com alguns elementos desenvolvidos.

Nessa construção cabe um novo tipo de democracia baseada na confiança. Tem gente que nunca foi eleita e nem se considera dirigente. No entanto, tem o poder de direção, pois, em período de propaganda ou em período de luta, assumem o trabalho mais difícil, vão a lugares mais expostos e sua atividade é a mais proveitosa. Essa primazia não é o resultado de seus desejos, mas da confiança dos camaradas que a rodeiam em sua inteligência, energia e devotamento.

O novo poder é um aprendizado. Participando de uma ação ou de um grupo a pessoa aprende a ouvir e falar, a concordar e discordar, a disputar e negociar, a ganhar e perder, a fazer e responsabilizar-se, a decidir e executar, a propor e cobrar, a comandar e obedecer. Essa prática estimula a ambição de ser gente e de ter o poder coletivamente. Neste processo, cresce e descobre a si mesma, os outros e o mundo e aprende a usar o poder a serviço no rumo de uma revolução social.

Dê exemplos de poder compartilhado

Desconstruir o Velho Poder Para transformar pessoas em sujeitos é preciso desmontar os mecanismos que

reproduzem a dependência, a impotência e a servidão como elementos do poder que foram estruturados na classe oprimida. Submetidas a essas formas de poder, as pessoas exercem o poder de maneira inconsciente. Para desconstruir o poder que estrutura os oprimidos e construir o poder como instrumento da vida solidária, é preciso tomar consciência da dependência vital, da impotência aprendida e da escravidão voluntária.

A dependência vital – O poder, hoje, é opressivo porque concentra o poder de classe e os poderes nacionais, étnicos, culturais, sexual e os poderes patriarcais. A dependência vital é econômica e como classe social. Mas, há outras formas de dependência: social, jurídica, afetiva, erótica, política... Por isso, é possível substituir uma dependência por outra, como se fosse um mecanismo de reprodução da dependência.

A impotência aprendida – A impotência é a expropriação da capacidade de poder: a pessoa anula o eu posso e desenvolve o eu posso empoderar os outros. A impotência aprendida não necessita de um juiz - a pessoa já é a própria polícia de si mesma para autocontrolar-se e autoimpedir-se.

A servidão voluntária – A classe oprimida é construída como servidora, em uma relação de dominação, sujeita ao domínio da elite, inferiorizada. Esse mecanismo se reproduz inconscientemente, em séculos de história, nas formas de servidão voluntária. Quanto mais autoritárias e mais atrasadas economicamente são as relações de poder, maiores são os traços irracionais desse tipo de servidão.

Fale dos mecanismos usados para deixar os pobres sem poder.

A tomada do Poder

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A classe trabalhadora precisa conquistar o poder de estado se quiser resgatar a riqueza produzida por suas mãos e construir uma sociedade sem exploração. Só com uma força política é possível conquistar o estado, controlar a produção social e garantir qualidade de vida para os habitantes de uma nação.

Para tomar o poder é necessário mobilizar muita gente da classe trabalhadora que se disponha a transformar, pela raiz, as estruturas da sociedade capitalista. Portanto, a destruição do poder burguês, o controle do aparelho de estado e a vitória do Poder popular, será um longo e difícil caminho.

A transformação, pela raiz, das estruturas da sociedade capitalista não se limita aos momentos decisivos da luta popular. Passa pela elaboração de um projeto, a escolha de uma estratégia de luta pelo poder e a organização das ferramentas que ajudam na conquista do poder.

Afiar as ferramentas para conquistar o poder A tarefa das ferramentas organizativas é despertar o protagonismo popular. No

começo, isso é feito através das associações, movimentos, sindicatos... que são partes do povo que se levantam contra a injustiça e a opressão e lutam por objetivos imediatos para um grupo ou categoria profissional. Mas, a luta política por uma nova sociedade é maior e mais complexa que a luta econômica da classe trabalhadora contra os patrões e o governo.

O movimento popular é a justa reação, espontânea ou organizada, pacífica ou violenta, da classe oprimida contra diferentes formas de injustiças. Essa reação pode ser contra uma exploração econômica, um abuso de poder, uma manipulação ideológica ou um preconceito de cor, sexo, religião, idade.., Mas, a indignação popular é só a semente da luta consciente.

Certos tumultos traduzem um despertar da consciência porque os operários e camponeses perdem sua crença costumeira na perenidade do regime que os oprime; eles começam não a compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistência coletiva e rompem deliberadamente com a submissão servil às autoridades. É mais uma manifestação de desespero e de vingança que de luta.

A luta sindical O sindicalismo luta para diminuir os efeitos da exploração econômica. O

movimento sindical luta por direitos e descobre que a classe patronal explora a classe trabalhadora. Por isso, se organiza para conseguir melhorias nas condições de vida e trabalho. A luta econômica é a luta coletiva dos

trabalhadores, contra os patrões, para vender vantajosamente sua força de trabalho e melhorar suas condições de vida e trabalho.

Certas lutas já mostram lampejos de consciência e podem ser um embrião da luta de classes. Até ai ainda não é uma luta socialista, apenas marca o despertar do antagonismo entre trabalhadores e patrões. Ainda não existe a consciência da oposição irredutível de seus interesses com a ordem política e social existente porque não tem a consciência socialista.

A luta econômica não questiona o jeito como está organizada a sociedade dividida em classes. Junta, esclarece, denuncia e combate os efeitos, mas não ataca a raiz do problema. A luta reivindicativa chega a ensinar o povo a pescar, mas como busca a conquista dos interesses imediatos, apenas remenda o sistema de exploração.

A luta política e o Instrumento político O povo entende a política como processo eleitoral. Só a militância aprende que é

preciso um Instrumento Político que formula um projeto político para construir a nova sociedade. O movimento político é formado por pessoas conscientes e dele participam as pessoas que descobrem as raízes da exploração e organizam sua ação para transformar a sociedade capitalista. Sem mudar a sociedade, dividida entre explorados e exploradores, o povo vai continuar oprimido.

A organização socialista dirige a luta da classe oprimida, não apenas para obter condições vantajosas na venda da força de trabalho, mas para a abolição da ordem social que obriga os não possuidores a se venderem aos ricos. Ela representa a classe na relação com empregadores, com todas as classes da sociedade e com o Estado como força política organizada.

A militância, metida nos movimentos, aprendeu que junto com dar o peixe e matar a fome é preciso ensinar o povo a pescar pra sair da dependência e tomar de volta os rios que viraram propriedade dos grandes. Por isso, cria um instrumento político para fermentar o movimento de massa e ajudar o povo a entender a realidade, a se levantar e a transformar a sociedade dividida em classes.

O desafio da militância é potencializar o movimento popular para que tenha a energia de construir uma nova proposta com base intelectual, moral e política. Porque a mudança estrutural do capitalismo não se faz só com pequenas reformas. No entanto, elas são indispensáveis para acumular força, aprendizado e uma consciência política de transformação.

Diga a diferença entre reforma e revolução42

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Construir, conquistar e tomar o poder Não existe contradição entre ter poder, construir o Poder Popular e a conquista

do poder político do Estado se esses esforços implicam em desenvolver territórios e espaços de capacitação da classe trabalhadora. O exercício de auto-organização, a solução de problemas do cotidiano, o processo de qualificação da militância podem ser exemplos pedagógicos e experiências concretas de um novo poder.

Existe interdependência entre a conquista do poder de estado e a construção cotidiana do poder popular se o objetivo é sair da lógica e do domínio do capital e promover a participação democrática e a soberania popular. O que não se pode perder é a centralidade do poder concentrado no Estado.

Diga a diferença e a importância de cada ferramenta de organização popular

18. ANÁLISE DE CONJUNTURA DOS MOVIMENTOS

Em uma análise de conjuntura, hoje, é indispensável considerar que estamos no meio de uma crise total, que ainda não se conhece os contornos, mas onde os setores populares já amargam suas consequências. A atual crise é profunda, prolongada, com características depressivas e recessivas. É uma crise econômica, ambiental, ideológica e política. Uma crise global porque atinge todos os países do mundo. O neoliberalismo, enquanto projeto histórico, se esgotou porque já não corresponde aos interesses atuais do capitalismo. A crise ambiental, por exemplo, revela a falência do modelo de desenvolvimento e de consumo, pois, a base de consumo, impulsionada pelo capital, não tem mais respaldo nos recursos naturais disponíveis no planeta.

A crise coloca em evidência o esgotamento de uma ordem econômica e política mundial. A atual crise é parte da “Crise Geral do Capitalismo”, enquanto sistema desprovido de futuro histórico que deverá ser superado pelos povos. Tudo isso permite afirmar que a atual crise encerra um período histórico e permite inaugurar um novo momento com distintas tarefas políticas ideológicas e organizativas.

Como esse tema tem sido bastante debatido nossa análise prefere mirar sobre os movimentos e organizações populares. Este acento, sem esquecer uma análise mais integral, parte da convicção que a fragilidade do povo também é a arma

do inimigo. Por isso, e a partir do conhecimento que temos de vários movimentos, levantamos alguns pontos no sentido de apresentá-los como desafio e insistindo na questão de sua superação. Não se trata de entrar na lógica fatalista, derrotista. O debate é o debate de superação. Este é o debate político.

O povo não tem projeto e a direita também não apresenta um projeto. O discurso da ética na política é assumido pela direita. Os maiores corruptos são os que participam das Comissões Parlamentares de Inquérito, são os que mais defendem a ética na política contra os corruptos. Diante da ofensiva econômica, política, ideológica e cultural do setores empresariais, percebemos que os movimentos, em certa medida, estão neutralizados porque: Os movimentos, no seu conjunto, estão sem mensagem. Não sabem o que dizer

para o povo. Fizeram a campanha eleitoral do novo e o novo ficou velho. E agora não sabem, estão com vergonha de ir aos bairros e de levar uma mensagem política. Estão sem mensagem política. Este é o impasse que vivem, no momento. Ora, não ter mensagem política, cria uma série de problemas. Porque o movimento está sem mensagem só sabe lutar nos espaços institucionalizados. Sabe lutar na democracia. Não sabe lutar fora disso. A grande maioria da juventude aprendeu, nestes últimos 20 anos, a lutar nos chamados espaços democráticos, na institucionalidade. Em alguns casos, no limite da legalidade, com uma ação um pouco mais forte: queima um auto, rompe uma porta... mas, sem representar qualquer ameaça.

É comum ouvir nos debates que estamos sem direção estratégica. Os movimentos não têm direção estratégica. Uns chamam de partido, outros de instrumento, mas, objetivamente, não temos uma ferramenta, não temos uma direção estratégica para os movimentos sociais. O movimento está em crise por não ter um partido. Uns acreditam que dá para salvar o PT, outros dizem que não porque se tornou uma mera ferramenta eleitoral. Então, um ponto fundamental a ser enfrentado é a questão da direção.

- Junto com a questão da direção - porque não dá para separar – vem o problema do oportunismo. Em todo momento de crise, os oportunistas brotam de todos os lugares. Um dos oportunismos é o oportunismo econômico. Os movimentos sociais passam simplesmente a lutar por suas reivindicações próprias, o corporativismo. Pior - o movimento passa a lutar por migalhas, retrocedendo até das lutas econômicas. No exemplo dos metalúrgicos do ABC, as empresas, no processo de demissão, mandavam uma lista

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para o sindicato com o nome dos trabalhadores que iriam ser demitidos. O sindicato tinha que dizer se aprovava a lista ou não - a “Lista de Schindler”. O sindicato tinha que salvar ou não, o sindicato assumiu o lugar de determinar quem ia trabalhar ou não.

- O segundo oportunismo é o oportunismo eleitoral. Toda salvação é a salvação eleitoral. Qualquer um acha que é candidato. Os movimentos não têm unidade para decidir se deve apontar um candidato ou não. O máximo que conseguem é tirar orientações. Não são capazes de tomar decisões, se sai candidato ou se não sai. Às vezes, o movimento toma a decisão: não vamos lançar candidato. Mas, se sai um candidato, não tem mecanismos para expulsar quem rompeu essa decisão.

- Um terceiro oportunismo é o personalismo. Há muito dirigente que se acha o dono do movimento, sem ele a luta de classes no Brasil pára, o movimento desaparece, ele é o dono, e se comporta como tal. Uns até produzem as suas prisões para aparecer nas manchetes.

- O pior de todos os oportunismos a enfrentar é o oportunismo ideológico. Há uma confusão ideológica tremenda. É fácil ver trabalhadores defenderem posições ideológicas estranhas à sua própria classe. As pessoas, muitas vezes, não sabem o que estão defendendo. É duro escutar o próprio camponês defender posições políticas de que o campesinato brasileiro vai desaparecer. É uma confusão do ponto de vista ideológico. Para dentro das organizações também está confuso. Não é só para fora. O que se tinha de orientação ideológica foi se perdendo. O oportunismo ideológico já começou. Não faltam vozes dizendo: partido não serve, eleição não serve, vocês não podem radicalizar porque radicalizar é terrorismo... O oportunismo político produz confusões; é sofisticado. A gente não percebe, leva tempo para perceber o estrago político. O PT foi vítima disso: a direita foi entrando, entrando, já entrou e não quer sair. Com toda a crise no PT, nenhuma força política importante saiu do PT. Mas, esse processo vem corroendo várias organizações. Esse é o mais perigoso dos oportunismos. Quando se dão conta, percebem que estão na direita, sem sentir.

Outro ponto que os movimentos precisam enfrentar é o plano de construção nacional. A tendência é cada um cuidar da sua cidade, província, região, estado.

Perdem a dimensão nacional. Não há projeto, entre as organizações. Os planos de construção nacional das organizações estão em crise. Como não há um projeto de construção nacional dentro das organizações, a tendência é a fragmentação. Cada um escolhe cuidar do seu pedaço. Perde-se o sentido de unidade nacional, perde-se o sentido de força nacional ainda que tenha boa força local.

A fragmentação é um problema muito sério a enfrentar. A fragmentação produz uma crise que já se vive - a crise de política de alianças entre campo e cidade. O campo pode estar radicalizado e tender a radicalizar ainda mais; os camponeses podem sofrer uma repressão violenta e o setor urbano está tremendamente adormecido. A política de alianças passa por um processo difícil. Os camponeses precisam dar uma chacoalhada na cidade; devem despertar os operários e setores urbanos porque sozinhos não suportam, não agüentam a carga repressiva.

Outro ponto fundamental é a recuperação, dentro das nossas organizações, da questão da ética e a moral. Este fator está produzindo desconfiança para dentro das organizações e para fora. Quando um dirigente chega a ganhar um carro de presente de uma empresa, como se fosse coisa natural, compromete. A ética e a moral também passam pela disputa dos aparatos, internamente. Várias forças internas começam a disputar aparato, estrutura e se apoderam da estrutura para fazer Deus sabe o quê...

Junto com o problema da ética e da moral, da estratégia, da construção da estratégia, é grave o problema da unidade interna. As pessoas estão juntas porque não têm para onde ir. Quando se toleram determinadas posições políticas, determinados comportamentos políticos ou se faz vista grossa é para não quebrar a unidade. Por não ter outro espaço político, não se sai da organização e luta para se manter internamente. Existem aqueles que já montaram força própria, organização própria e não saem do movimento porque não lhes convêm e a maioria parece não querer enxergar. A unidade interna em vários movimentos está comprometida.

Quando a unidade interna está comprometida o elemento da confiança também fica comprometido. Sem confiança não se constrói unidade. A confiança, no sentido político e no sentido pessoal. Por exemplo, será que sou capaz de fazer uma ação de impacto com algum companheiro confiando que não vai me entregar para a polícia?

Há o problema da auto-sustentação financeira. Na maioria dos movimentos populares do Brasil, os recursos são públicos. Como ter política independente se

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o dinheiro vem através do governo? Na crise, esse dinheiro pode terminar. E quando termina o dinheiro fica difícil fazer política. Não ter dinheiro é um problema sério. Mas, quando o governo dá muito dinheiro é um problema muito sério. “Quem paga a banda, escolhe a música”. Os ministérios vão condicionar o dinheiro: “Dependendo do que vocês vão fazer, não vão receber dinheiro. Vocês decidem como vai ser”. É um problema dos mais sérios, esse dos recursos, da auto-sustentação financeira.

Outra questão fundamental é a retomada, pelos vários movimentos, do investimento na formação política. Muitos movimentos, há tempo, abandonaram a formação como faziam antigamente. O processo de despolitização vem porque não se faz formação política. Não fazer formação política é favorecer o oportunismo, o economicismo, o personalismo. É favorecer a tomada de posições políticas estranhas à sua própria classe. A formação política é estratégica e fundamental em qualquer conjuntura.

Outro tema é o de retomar a luta de massas. Retomar as reivindicações econômicas sem cair no economicismo, fragmentação, corporativismo; ou seja, retomar a luta econômica, a questão do crédito, da terra, da luz, da água, as necessidades concretas do povo sem cair no corporativismo e na fragmentação. É politizar o processo de luta. Lenin já dizia: “Não é o econômico que decide o político, é o político que decide o econômico”. Fazer luta de massa e enfrentar as posições economicistas.

Outro tema a se tratar, com muito cuidado, é a questão da autodefesa de massa. Os movimentos estão muito frágeis, e, certamente, infiltrados. Não têm mecanismos de controle sobre isso; as pessoas entram e saem e, muitas vezes, não se sabe quem são. É preciso educar a massa a se defender e a proteger suas direções e militantes. A autodefesa de massa é um elemento importante, embora, na organização de massa, o tema seja delicado. Como tratar o tema sem que isso os afete também politicamente porque a direita vai acusar de terrorismo.Como cuidar desta questão porque, no próximo período, a estratégia da direita é neutralizar o governo, neutralizar o PT e pegar os movimentos combativos. Os movimentos estão despreparados para enfrentar um processo mais sério. Como fazer o processo de autodefesa sem cair em posições militaristas inconseqüentes, sem cair em posições irresponsáveis e sem ser amador. Um companheiro precisava fazer uma ação que era destruir uma torre elétrica. Ele vai lá e consegue. Mas, leva um pedaço da torre como troféu para casa. A Polícia

Federal bate na casa dele e... ele pegou 4 anos de cadeia. Tomar cuidado e não ser tontos, bobos, amadores.

Autodefesa porque a estratégia da direita vai ser a criminalização. Não se pode dar munição para o inimigo. Defender-se e, ao mesmo tempo, não alimentar a estratégia do inimigo. Um militante apanhado com arma está preso, é crime. Pegar um militante dentro de um prostíbulo tá preso, pegar um militante bêbado tá preso... O tema da criminalização passa a ser estratégico. Há informações seguras, claras, a CIA está operando, o Exército com seu serviço secreto, a Marinha com seu serviço secreto, a Aeronáutica, as PMs e seu serviço secreto, as chamadas P2, as empresas privadas de segurança, todas estão funcionando. Não se pode entrar em paranóia, mas se deve preparar para esta situação. Não se pode começar a ver inimigos embaixo de pedra, embaixo da cama, mas não se pode ser amador.

Para terminar, a tarefa mais importante neste período é: a) acreditar na própria força porque tem gente que duvida de sua capacidade, da capacidade de superação. Acreditar na própria força porque temos força; b) reconquistar o povo, reconquistar as massas porque o povo já não está tão perto como estava antes. Acreditar na nossa capacidade de força, de resistência e também reconquistar a confiança do povo.Isto só é possível com estratégia política, com direção política, com militante preparado e com trabalho de base. Organização que não faz trabalho de base, que não está metido no meio do povo será derrotado; quem não tem representatividade efetiva (diferente de voto), de força política, está morto. Muitas organizações morrem porque se distanciam das massas. Achavam que voto era massa e voto é voto, não é mais que voto. A tarefa fundamental é lutar, lutar e lutar. Não se pede licença para lutar. Luta-se.As pessoas, às vezes, esquecem de fazer a luta de classes. A política é luta de classes. É preciso deixar de ser ingênuos em algumas coisas. O problema não é a eleição. Senão, acabava-se com a eleição e se resolvia o problema. Acabada a eleição bem podem vir a ditadura, absolutismo, monarquia. O debate é eleições para que? Eleição só tem sentido quando se tem projeto e estratégia política. O que determina o processo eleitoral e a participação ou não, em uma eleição, é a estratégia política de um grupo. Um grupo perde o debate político quando perde a luta de classes que se trava dentro da própria organização. A surpresa é que a direita está em vários partidos. Ela não está mais em um partido clássico, tradicional. É necessário resgatar qual o projeto político, a estratégia política para a tomada do poder.

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Todo debate passa também pela correlação de forças. Senão se entra numa armadilha: é isso ou aquilo, eleição é mau, os puros que não participam de eleição... Este debate é falso. Não funciona assim. Não é mecânico. A política não é apenas um ato de vontade. Nosso desafio é construir uma estratégia política que leve a ocupar os espaços - participar dos espaços institucionais e ter força fora destes espaços. Sem deixar que o tático vire o estratégico. O que acontece quando o tático vira estratégico? Perde-se o projeto político e o rumo estratégico.

19. SOBRE UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO POLÍTICA

1. Sobre a FormaçãoTem sido comum, em tempos de crise, considerar a formação como um

remédio para todos os males. Nessa visão, a formação parece pairar acima dos processos concretos ou ficar reduzida ao repasse de informações e conceitos, através de cursos, seminários e palestras. Na prática, essas atividades apenas promovem a erudição, mas não o conhecimento que ajuda na solução das perguntas do cotidiano e da sociedade.

Os tempos pós-modernos e neoliberais reduziram a formação a um processo de capacitação - adestramento de pessoas para a realização eficiente de políticas pensadas, de cima e de fora. Com isso, o conhecimento perdeu seu papel transformador e o resultado foi a criação de uma militância envergonhada, pouco crítica, comportada e reprodutora da dominação.

Outra tentativa foi esvaziar a Formação Popular de seu conteúdo classista e reduzi-la a processos de aprendizado cujo centro é o procedimento pedagógico preocupada com a euforia do participativo. Essa despolitização da educação faz dos educadores simples monitores, peritos em dinâmicas de grupo, e animadores de plateias ou vigias na execução de políticas previstas.

Em reação a descaracterização da formação, como processo político e pedagógico, alguns grupos retomaram os manuais e buscam inculcar conceitos e ensinar a teoria a partir de uma concepção e prática autoritária e academicista. Por isso, em seus cursos derramam pacotes predeterminados ou fazem cursos com a justaposição de temas, sem uma lógica interna. Isso faz a formação parecer a soma de palestras de experts que debulham temas da moda, às vezes, em contradição com a orientação do grupo que promove a atividade de formação.

2. A formação que queremosUma escola de formação popular não é um centro de investigação, mas o

espaço de uma organização que, a partir de uma concepção e de uma ideologia, contribui na elaboração e aplicação de uma estratégia de poder. A partir daí, dialoga com outras correntes e busca o encontro com pensamentos e práticas emancipatórias como a teologia da libertação, as contribuições feministas, as afirmações ecologistas... e a cosmovisão dos povos indígenas. Essa escola de formação política é uma crítica e uma ruptura com as concepções formalistas, academicistas, bancárias, positivistas e condutivistas.

Nossa proposta de formação política dever ser uma escola dirigida a sujeitos organizados do campo popular – operários, campesinos, povos originários, movimentos urbanos, jovens e estudantes, agrupações feministas, movimentos de diversidade sexual e cultural e comunidades de base. O objetivo é estudar e trocar experiências de luta, pensar coletivamente um projeto de sociedade e um projeto político estratégico, contribuir com a construção de um projeto de transformação latino-americano.

3. Concepção de Formação PolíticaEssa visão entende a Formação Política como um processo dialético e coletivo

de tradução, reconstrução, criação e socialização do conhecimento que capacita as pessoas para ler criticamente a realidade sócio/econômica/política/cultural, com a intenção de transformá-la. Por isso, pressupõe um modelo de desenvolvimento socioeconômico (prosperidade), político (organização e participação popular) e cultural (ideológico, subjetivo)

Essa formação política, enquanto apropriação crítica dos fenômenos e suas raízes, contribui para o entendimento dos momentos e todo o processo da luta de classes. Só a consciência crítica pode quebrar diferentes formas de alienação e permitir a descoberta do real, sua superação e a criação de uma estratégia, do novo, do futuro. Por isso, o conhecimento permanente da realidade é prioridade na formação de quadros - é condição para uma elaboração que permita a inserção social consequente.

A Formação Política é entendida como um instrumento político e pedagógico que: a) ajuda a tornar comum uma causa e a estratégia de poder de uma Organização; b) ajuda a qualificar e capacitar para a luta de classe e elevar o nível de consciência da militância e da massa; c) ajuda a transformar a informação em conhecimento, em força material para transformar a realidade; d) ajuda e facilita a

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apropriação de conteúdos e da metodologia participativa; f) ajuda a incorporar a massa trabalhadora como protagonista; g) ajuda a comprometer as pessoas envolvidas, na multiplicação criativa do aprendizado.

4. Eixos da formação políticaPara pensar em uma política de formação e organizar um programa

sistemático e continuado de formação política e popular, propomos que ela se estruture em torno de 4 eixos:

4.1 - Conteúdos relacionados à ciência e a teoria.Esse eixo afirma a necessidade da apropriação dos conhecimentos

acumulados da prática social : luta pela sobrevivência, luta de classes e as experiências cientificas da sociedade. Pois, a luta popular não se reduz a um ato de vontade ou de força; baseia-se em fundamentos sólidos e objetivos que lhe dão sustentação. A teoria fornece conceitos, categorias de análise, experiências históricas para ajudar a analisar os desafios do presente e inspirar a projeção de alternativas, no futuro.

Por isso, junto com os fundamentos científicos e os interesses próprios de cada setor profissional (agronomia, medicina, informática, serviços, psicologia, pedagogia, previdência...) é necessário, estudar filosofia, economia política, história... Isso exige o conhecimento dos clássicos, de várias nacionalidades e de diferentes momentos e experiências. Entre os temas estão: trabalho, estado, poder, lutas sociais, capitalismo, salário, dependência, socialismo, classes sociais, revolução...

Como a formação pretende dotar os educandos de uma visão de mundo e de um método de conhecer o mundo para transformá-lo, os conceitos não podem ser estudados de forma acadêmica, mas ligados ao momento e ao nível das pessoas participantes. Igualmente, precisa evitar o dogmatismo que se apresenta como algo pronto e imutável e evitar o relativismo que é o abandono de qualquer sistema lógico de pensamento.

4.2 - Conteúdos relacionados à elaboração política.O processo de formação política deve ajudar a militância a responder como

se formula uma resposta, em forma de projeto, tendo diante de si os desafios do presente, a inspiração da teoria e a experiência da prática social. Refere-se, portanto, ao fazer política: analisar a realidade, elaborar estratégias, propor táticas apropriadas, fazer planos de luta, organizar e fazer a luta de classes, cuidar da política de alianças, pensar na (auto)sustentação, na comunicação com a sua base e a sociedade e na proteção da militância e da massa... Por isso, além dos cursos

sistemáticos, são indispensável as leituras, a produção de material, a participação em seminários, intercâmbios, viagens...

4.3 - Conteúdos relacionados à prática pedagógica. São os temas neste eixo se relacionam com o “como trabalhar com o povo”.

Porque não basta dominar conceitos, propor planos estratégicos... É preciso ter a capacidade de divulgar, multiplicar e convencer a própria base social e conjunto do povo. É preciso saber como conhecer a realidade, descobrir lideranças, animar, formar, mobilizar, organizar, articular e levar o povo à luta por seus interesses cotidianos e de longo prazo. Por isso, se fala em postura pedagógica, em didática, em metodologia, trabalho de base, história do próprio movimento, relações de gênero, comunicação e expressão, dinâmicas de grupo...

4.4 - Conteúdos relacionados à mística e os valoresOs temas desse eixo tratam do espírito que anima a militância. São temas

transversais a ser inseridos, em todos os momentos do processo de formação. Eles falam da postura e atitude, pessoal e coletiva, expressas em princípios e valores: ética de classe, simplicidade, comportamento não utilitarista, espírito de humildade, de sacrifício, superação, solidariedade, companheirismo, amor pelo povo... e, sobretudo, a pedagogia do exemplo. A mística se expressa nas atitudes, testemunhos e gestos de beleza, alegria, garra, festa.... São práticas que feitas de forma individual e coletiva, ajudam a alimentar as convicções.

5. Níveis de formaçãoUm programa de formação destina-se às pessoas que já estão ou pretendem

aderir a um processo legítimo de luta de libertação. O conteúdo, dentro de um processo de formação, deve ser igual para toda pessoa que participa, mas deve-se levar em conta os diferentes níveis de incorporação e de consciência. A atenção é sobre a dose necessária para cada público, em determinada situação. Ainda que não existam limites exatos, costuma-se dividir o público em base, militantes, dirigentes.

5.1 - O objetivo da formação básica é desatrofiar as pessoas no corpo, mente e coração e animar seu engajamento. O acento está na compreensão da exploração, no resgate de sua identidade e pertença, na construção da confiança, no incentivo ao intercâmbio de experiências. Entre os temas estão a história da sua Organização, o que é sindicato, análise da conjuntura, metodologia popular, relações sociais de gênero, princípios e valores da militância... Além dos temas da luta cotidiana expressos nas bandeiras de luta como direitos trabalhistas e previdenciários, salário, jornada, condições de trabalho, leis...

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5.2 - A formação de militantes tem como objetivo resgatar e reconstruir conceitos enquanto instrumento de análise para ler a realidade da exploração e projetar saídas. Entre os temas estão: trabalho, história da sociedade, exploração, dominação, luta econômica, luta política, organicidade, estratégia e tática... Assim como temas que estão nos clássicos de todos os tempos e nações – Método, Dialética, modos de produção, capitalismo, socialismo...

1. - A formação de Dirigentes tem como objetivo a elaboração e constante adequação da estratégia da Organização, à luz do conhecimento da realidade, do conhecimento da teoria e do ânimo do povo. Entre os temas estão: planejamento e avaliação, análise da conjuntura, as pautas nacionais, o construção da estratégia e da tática, o plano de construção nacional, programa de formação, modelo organizativo, política de alianças, autossustentação, comunicação...

2. - Formação de Formadores. As organizações populares precisam preparar quadros preparados, oriundos de suas próprias organizações, com habilidade e gosto pessoal, no campo pedagógico, para que sejam formadoras. Na vida das organizações, a missão prioritária dos formadores é traduzir, recolher e repassar os conteúdos e experiências que interessam à luta e organização popular. Além de dominar os conteúdos, necessitam especializar-se no domínio da metodologia participativa.

6. Método e Metodologia da Formação Enquanto filosofia, nosso programa de formação adota a concepção dialética

que parte das questões do presente, inspira-se na ciência (teoria, história) para projetar o futuro. Na atividade formativa, conforme o momento do grupo, parte do real, do biográfico para o geral - método indutivo (olha as partes e, por um processo de síntese, percebe a lógica, apreende o todo). Outras vezes, vai do geral ao particular – método dedutivo (parte do geral e, por um processo de análise, entende as influências do global na realidade local). Nos processos de luta e organização, defende a concentração dos esforços sobre um grupo que, em ondas, possa irradiar determinada prática. Em todos os casos, o caminho deve ser sempre participativo porque a metodologia popular se caracteriza pela incorporação das pessoas como protagonistas.

Alguns princípios metodológicos norteiam a pedagogia da formação política. Entre esses, alguns são indispensáveis: a) que toda pessoa é capaz; b) que só a classe oprimida pode ter interesse no processo de libertação; c) que quem está no processo produtivo tem potencial e condições objetivas de fazer a transformação; d)

que só as pessoas que se dispõem a um processo de mudança devem ser incluídas no programa de formação.

7. Metodologia da Educação PopularNo esforço de superar o endoutrinamento é preciso garantir o envolvimento

corresponsável dos participantes, no decorrer de todo o processo. Por isso, para uma participação ativa das pessoas é necessário a interação de quatro balizas básicas:- O querer dos educadores, sua visão de mundo, opção de vida e o acúmulo de

conhecimento da prática social (teoria). - As necessidades da classe trabalhadora manifestadas em demandas, anseios e

reivindicações e ligadas a seu cotidiano.- O contexto do processo, pois, as pessoas são situadas e mergulhadas numa teia

de relações econômicas, históricas, culturais, religiosas, interpessoais, políticas e sociais...

- A postura do intercâmbio onde as partes se portam como protagonistas, mesmo exercendo papéis específicos de parturiente e/ou parteira, em intensa interação e tensão.

8. Algumas observações sobre a formaçãoDentro de uma política de formação, os processos de formação sistemática

necessitam de cuidados para garantir sua eficiência, eficácia e continuidade. Entre os cuidados, apontamos:

8.1 – Quando, como e com quem começar a formação A necessidade concreta, a possibilidade de ter conquistas ou de perder

direitos, leva a classe trabalhadora a lutar e até a vislumbrar a raiz da exploração e a necessidade de participar. A formação vem para desvelar as razões dos fenômenos e despertar a consciência de classe. A tomada de consciência leva as pessoas à dignidade de ser sujeito e para um salto na organização. A luta, a organização, a incorporação de novos militantes leva a conquistas importantes... e aumenta a demanda por profundidade na formação política. Este seria o caminho ‘desejável’ do processo de formação. Mas, muitas vezes, é a formação que desperta para luta e, para ser eficaz, segue uma ordem que se ajusta ao grupo acompanhado.

8.2 - Formação e assessoriaExistem diversas atividades de formação – cursos, leituras, debates,

elaborações... A própria luta, as articulações, acertos, negociações... são partes essenciais do processo de formação. Embora, se fale de formação quando existe uma programação sistemática, com conteúdos mais elaborados e previstos.

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Assessoria são as atividades de formação, realizadas junto às direções, em forma de acompanhamento da trajetória do grupo. Essa atividade formativa só é possível quando se cria uma esfera de confiança e cumplicidade. Seu conteúdo pode ser uma análise de conjuntura, elaboração de uma proposta política, formulação de uma visão estratégica e tática, além da permanente avaliação e planejamento das atividades.

8.3 - Corpo de colaboradoresA formação política, além de profundamente crítica, precisa ter

intencionalidade. Portanto, deve escolher uma lista de assessores cuja característica é a disposição de colocar-se a serviço dos movimentos/organizações. Não se trata de levar a classe trabalhadora aos centros acadêmicos que continuam importantes como centros de pesquisa e elaboração de conhecimentos. Trata-se de agrupar intelectuais e educadores que, a partir da sua competência, se acheguem e contribuam nos espaços populares de formação, como intelectuais orgânicos,

8.4 - LeiturasAlém das leituras relacionadas aos temas das atividades de formação, é

importante listar uma literatura significativa que inclua poemas, romances, filmes, artigos, sites, desenhos... Programa de formação de Militantes SindicaisConvênio Instituto São Cristóvão, PR – Cepis, SP O objetivo do programa de formação é qualificar uma militância sindical com

visão nacional, com competência técnica e cultural, aliada à uma consciência político-ideológica capaz de ler a realidade e atuar sobre ela com a missão de:

1.1 – animar e mobilizar os trabalhadores para responderem às demandas cotidianas da própria da categoria

1.2– pensar além de sua categoria e de unir-se como classe por uma nova ordem econômica, social e política.

1.3 – disseminar de forma eficaz, o conjunto de seu aprendizado na categoria, na classe e na sociedade .

Embora o ambiente não seja determinante, será um local mais reservado que evite a dispersão e facilite a integração, o intercâmbio e o uso produtivo do tempo. O programa consta de 5 etapas anuais, de 3 dias integrais, com turmas médias de 30 pessoas.2.1 - formação básica para turmas no nível da base sindical, regional, estadual e nacional.2. 2 - formação de militantes no nível da base sindical, regional, estadual e nacional.

2. 3 – formação de dirigentes no nível da base sindical, regional, estadual e nacional.2. 4 – formação de formadores – com pessoas escolhidas dos cursos básicos e de militantes que além do conteúdo politico dominem também a pedagogia.

A turma de participantes é escolhida em combinação com a direção dos sindicatos segundo critérios de compromisso, interesse, disponibilidade, homogeneidade do grupo... e deve incluir, sempre que possível, pessoas da diretoria e base, com atenção especial para a presença etária e de gênero.

O método de estudo levará em conta:3.1 - A realidade da categoria e do Sindicato que pertencem e a experiência dos

participantes. Eles devem ter presente os anseios, reivindicações e lutas da categoria.

3.2 - O entendimento e assimilação de conceitos teóricos presentes em textos clássicos. Para isso, cada participante deverá ter seu próprio material (textos, livros, cadernos...).

3.3 - Oficinas sobre o conteúdo dado, mas também sobre formação de grupo, estudo de grupo, trabalho de base.

3.4 - Cada participante, terá sempre tarefa para realizar, no tempo entre as etapas, como parte integrante do curso.

3.5 - Haverá uma coordenação para estimular, facilitar e cobrar a participação das pessoas e os acertos disciplinares.

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20. CONSTRUIR UM SINDICALISMO DE BASERoteiro elaborado em 1987.

A partir do ressurgimento das lutas sindicais, na cidade e no campo, a questão dos sindicatos passou a ter uma importância cada vez maior. Essa importância se refletiu na necessidade de conhecer e estudar melhor o trabalho sindical e como compreender as diferentes tendências políticas e concepções sindicais que vigoram no País.

Para efeito de classificação do movimento sindical foram popularizadas diversas classificações, umas mais simples outras mais complexas. De maneira geral, a classificação mais corrente nos vários cantos do País é a seguinte: Sindicatos pelegos - Seriam todos os sindicatos alinhados politicamente com o

governo e com os patrões. Seu presidente ou sua diretoria preocupa-se apenas com seu bem estar social e a rigor trai os interesses da classe trabalhadora.

Sindicatos Reformistas - Seriam os sindicatos que, teoricamente, utilizam uma linguagem de reivindicações, de defesa da classe trabalhadora, mas ficam apenas no discurso. Na prática, não organizam a categoria e não encaminham lutas consequentes. Quando encaminham é por mero interesse eleitoreiro do sindicato ou pequenas lutas econômicas da categoria. .Esse tipo de sindicato seria o praticado pelos sindicalistas que buscam resultados imediatos e, na prática, se parecem os com setores pelegos.

Sindicatos atrasados - Seriam os sindicatos que estão nas mãos de pessoas que não tem muita idéia da importância e do sindicato para a classe trabalhadora. Em geral são ingênuos, despolitizados e muito assistencialistas. Apresentam uma visão individualista de apenas atender bem aos associados, sem se preocupar com as questões mais importantes e decisórias da classe trabalhadora. Esse tipo de sindicato estaria presente em maior número entre os sindicatos de trabalhadores rurais e nas categorias urbanas de menor importância política, do setor de serviços e de profissionais liberais.

Em termos de tendência sindical estão presentes em quase todas as centrais. Em termos quantitativos representam, provavelmente, o maior número de sindicatos do País.

Sindicatos combativos - Seriam aqueles sindicatos que procuram organizar a categoria ou levar adiante lutas concretas em busca da defesa e conquista de maiores direitos para a categoria, enfrentando os patrões e os governos, com coragem e intransigência.Esse tipo de sindicato é, na maioria das vezes, classificado pela forma de atuação de sua diretoria, mais do que a real e efetiva organização da categoria, dentro do sindicato, ou mesmo em termos de nível de sindicalização. Se a rigor se tomasse o índice de sindicalização da categoria para medir se um sindicato é combativo, atrasado ou reformista, certamente, se encontrariam muito poucos, já que a média de sindicalização no Brasil é baixíssima e, raramente, ultrapassa 17% da categoria.Esse tipo de sindicato, em geral, estaria mais alinhado com uma central forte e em alguns estados se pode encontrar alguns sindicatos que, por questões ideológicas, se filiam a outras. Esse tipo de classificação é muito simplista e define muito mais o estilo do presidente e da diretoria, do que revela as concepções sindicais que existem por trás dessa prática. Se partimos da premissa que o sindicato tem uma função importante no processo de organização da classe trabalhadora e que deve ter um papel também importante no processo de transformação da sociedade, se deveria classificar o sindicalismo através das concepções sindicais que existem em nosso País.Essas concepções fazem parte da História do movimento operário internacional. As diferentes concepções sindicais - o que é um sindicato, para que serve e qual seu papel na transformação da sociedade - determinam a prática sindical, consciente ou não. Vejamos, então, as diferentes concepções sindicais que existem:

A - Concepção reivindicatória Essa concepção vê o sindicato, unicamente, com a função de reivindicar, de

negociar e até mesmo como dizem os estatutos-padrão como “um órgão de colaboração de classe com os patrões e o governo", na busca de soluções para os problemas econômicos das diferentes categorias.

O sindicato deveria preocupar-se, apenas, com as lutas concretas em torno do econômico, ou seja de salários, creches, transportes, condições de trabalho

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dentro das fábricas, preços para os produtos dos pequenos agricultores, etc. Não deveria envolver-se com conquistas políticas e muito menos ter ligação com partidos políticos ou contribuir para transformar a sociedade. Isso, dizem eles, seria tarefa do partido político. Essa categoria de concepção sindical poder-se-ia subdividir em duas:

Concepção reivindicatória dos pelegos atrasados Esses sindicalistas enxergam apenas as pequenas lutas de suas categorias, dificilmente ampliam para a classe trabalhadora como um todo e no processo reivindicativo privilegiam as ações do tipo de negociar com os patrões e o governo. É o “diálogo" em vez da organização e "mobilização" da categoria. Sua fala é "deixa que eu faço para a categoria".

Concepção reivindicatória/ assistencialista/ reformista . Nessa concepção encontram-se os dirigentes sindicais que defendem o sindicato como apolítico e que vêem o sindicato como uma ferramenta só de conquistas econômicas. No entanto, se esforçam para "mobilizar" a categoria e utilizam um discurso combativo, mas não procuram organizar as bases sindicais de forma efetiva e duradoura. Na prática, submetem as lutas sindicais aos partidos políticos a que estão vinculados. Sem misturar, pois dizem que o partido é que deve conduzir as lutas políticas. Costumam argumentar suas posições com base em teses Marxistas-Leninistas. Essa concepção sindical é praticada por sindicalistas vinculados à chamada esquerda tradicional ou reformista.

B - Concepção dita "Revolucionária”Essa concepção vê o sindicato como a principal ferramenta para organizar a

classe trabalhadora para tomar o poder. Equiparam o sindicato à força de um partido. Uns menosprezam o partido, outros o aceitam, mas relativizam sua força, priorizando a atividade sindical para chegar à construção do socialismo.

Logo sua prioridade é nas ações do sindicato e justificam como sendo a ação direta das massas na luta contra a burguesia e contra o capitalismo. E não apenas por lutas econômicas. Utilizam um discurso altamente politizado e radicalizado, distante das massas e não raro sectário.

Sua concepção de organização o sindical não se refere a organizar as massas, as amplas bases da categoria, mas organizar quadros sindicais espalhados nas fábricas e localidades rurais, e graças à sua capacidade, sua militância perseverante conduzem as massas às lutas concretas e permanentes.

Também justificam suas posições em teses, sobretudo, de Marx e alguns grupos buscam inspiração filosófica no anarquismo ou na chamada tendência

política do socialismo-autogestionário, criticando o papel centralizador do partido e o papel autoritário do Estado.

Então, a base da transformação da sociedade seria o sindicato, inclusive como base para a organização posterior da sociedade, garantindo as comissões de fábrica e a auto gestão econômica da sociedade pelos trabalhadores.

Essa concepção sindical é praticada por sindicalistas vinculados ao setor do esquerdismo, que estão disseminados em inúmeros grupos políticos e alguns partidos pequenos de linha anarquista, trotskistas, ou sem definição.

C – Concepção Reivindicatória/RevolucionáriaEssa concepção sindical considera como função do sindicato organizar as

categorias para as conquistas econômicas. E dá atenção a essas questões econômicas como forma de mobilizar, conscientizar e organizar a massa, mas com a vinculação das lutas econômicas com a luta política.

Ao buscar que a luta por melhores salários, preços, terra, etc. esteja vinculada às conquistas e que ajudem as massas a descobrir as limitações dessas conquistas, as preparam para a atuação partidária para a transformação da sociedade. Ou seja, reserva ao sindicato um papel tático de encaminhar as lutas econômicas, mas com a estratégia política de conscientizar, politizar e preparar as massas para que também atuem nos partidos políticos.

Essa concepção também se fundamenta em teses de Marx e Lênin. Ela considera importante desenvolver a prática sindical que organize as massas, criando instrumentos de atuação e participação sindical que a ajudem a "organizar" as bases. Isto é, mobiliza as massas para as conquistas, sem ficar só nisso (diferenciando-se, assim, da concepção reformista, que chega apenas a mobilizar). Também vê a necessidade de organizar as amplas massas e não só os "quadros- super- preparados” (nisso se diferencia da concepção dita revolucionária).

Essa concepção não atrela o sindicato a um partido (como a concepção reformista), nem quer assumir a função de partido (como a concepção revolucionária). Ela pretende vincular as massas, a partir das lutas econômicas, nas lutas políticas e encaminhá-las para o partido. Essa concepção sindical é construída e praticada em um número relativamente pequeno de sindicatos de setores importantes da classe trabalhadora e em alguns sindicatos ou movimentos camponeses.

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21. VALORES E ÉTICA NA MILITÂNCIANotas a partir de palestra de Pe. Comblin

1. Vencer o medo, revoltar-se diante do mundo atual A maioria do povo está conformada e vive humilhada diante da situação atual da

humanidade. Uma pessoa militante não poderia aceitar a exclusão social, não pode ficar conformada. Muitos escravos se revoltavam com a situação de escravidão, mas a grande maioria se conformava.

A força da classe dominante está na conformação das grandes massas, na resignação das grandes massas. É da não aceitação da opressão e dominação que nasce a consciência moral, que nasce o ser humano responsável, que nasce o grito da dignidade humana. O medo é grande no meio do povo: medo de levantar a voz, medo das autoridades, medo dentro de cada pessoa.

Medo que está na grande massa de 60 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de miséria - 60 milhões de pessoas que têm medo. Vencer o medo é o começo da vida moral. Nossa tarefa é levar a grande massa a vencer o medo.

2. Vencer a mentiraExistem muitas formas de democracia; quanto às Leis, só se respeitam as que

favorecem a classe dominante. A democracia é a fachada da mentira dos dominadores e governantes. A democracia que se divulga só existe para servir aos interesses dos dominadores. Esse sistema foi criado para não haver mudanças, para evitar, impedir e desestimular qualquer tentativa de mudança. Denunciar essa mentira é ajudar a construir o valor ético e moral.

3. Sentir-se responsável pela sociedadeSer militante é sentir-se responsável por toda a comunidade humana: “posso

fazer alguma coisa”, “sou capaz de agir” “sou capaz de julgar” “tenho capacidade”. Sentir-se capaz é assumir responsabilidade. Nossa população foi ensinada a repetir que “as coisas sempre foram assim e sempre vão ser assim”. A tarefa da militância é despertar o sentimento de responsabilidade que está adormecido na grande maioria das massas dominadas.

4. A força do povo está no próprio povoMilitante que não respeita a força do povo, não tem o povo. É dever da

militância meter-se no meio do povo e participar, sentir, ter paciência, respeitar a consciência das grandes massas. Ter paciência é sempre ter muito amor ao povo para poder despertar a consciência do povo. A militância tem que contar com uma paciência infinita e transmitir a mensagem a partir da resistência e da paciência, insistindo que é do povo a força.

É do povo o poder da mudança. È preciso de um trabalho imenso, de uma paciência imensa, de uma persistência infinita. Amar o povo é despertar a vida, é despertar a vontade de viver, é a vontade de servir para despertar as massas deste sentimento de impotência que está no meio do povo.

Um grupo voluntarista não consegue mudança, se não estiver com a maioria. É preciso despertar a consciência adormecida das grandes maiorias e... cuidado, para não chegar a conclusão que o povo não quer a mudança! É preciso despertar no povo sua autoestima, a confiança em si mesmo.

5. Uma pessoa sozinha não pode nadaA força dos pobres está no número, na ação comunitária, na ação de conjunto . A

militância precisa saber juntar as forças, sem procurar a própria glória, sem supervalorizar sua importância e sem procurar seu prestígio, em detrimento da ação coletiva, comunitária. A consciência ética nos orienta a construir junto, libertando junto.

A mensagem da cultura dominante é de que cada pessoa defende a si mesma, cada pessoa se salva como pode, “salve-se quem puder”, “cada qual cuide-se de si”. Esta mensagem se escuta inúmeras vezes, inclusive, no meio da militância mais antiga que diz: “tanto que me sacrifiquei, pensei nos outros, agora quero viver a minha vida”; “quando era jovem, era muito ingênuo, por isso, me sacrifiquei tanto” ou “quem não é socialista aos 20 anos não tem coração, quem continua socialista aos 60 anos não tem cabeça”.

6. A luta, como consciência moral, se manifesta em forma de pressão“A violência não resolve, a violência corrompe, a violência não se desprende, se

acostuma, cria vício, etc.”, repete a classe dominante. No entanto, as leis foram criadas para manter os pobres calados. É preciso fazer crer firmemente que, aplicando as Leis, o povo não consegue nada. Para conquistar alguma coisa é preciso infringir a Lei. “É no ato de desobediência que aparece a consciência”.

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Se uma pessoa desobedece vai para a cadeia. Porém, se um milhão de pessoas desobedece, questiona a lei, a lei tem que mudar. Ação coletiva constrói consciência coletiva. “Obedecer a Lei é agir além da Lei”. Repetindo: toda lei é feita para defender as estruturas estabelecidas. Os sistemas democráticos jamais levaram à mudanças. É preciso ter outras estratégias para denunciar o sistema. Então, ter consciência moral é agir além da Lei.

7. É preciso agir com inteligênciaÉ preciso estudar as posturas da classe dominante – não existe poder total e

absoluto. Temos que agir nas brechas, nas fraquezas do sistema. E uma das fraquezas do sistema é a propriedade latifundiária; o sistema de propriedade rural, no Brasil, é um escândalo mundial. O governo atual poderia aproveitar esta brecha, desta fraqueza do sistema, infelizmente, até agora, parece que não se deu conta disso ou não acredita nisso.

8. CoragemÉ preciso perseverar, enfrentar e vencer o desânimo, o cansaço, a desilusão. É

preciso enfrentar a cumplicidade dos que apostam nas fraquezas. Coragem, perseverança, teimosia, nada se consegue, normalmente, sem coragem. Somente é derrotado quem se reconhece como derrotado; quem não se reconhece como derrotado não é derrotado; tudo continua – a militância nunca pode declarar-se derrotada.

9. Participação na vida dos pobresNão basta um bom discurso, é preciso participar da vida coletiva. Ser solidário é

estar junto. É insuficiente achar que “nós somos os conscientes, os justos, os verdadeiros e os outros, o povo são alienados, inocentes úteis”. Ser consciente é tomar parte nas ações.

De nada vale pensar que porque “eu fiz um curso, sou superior aos outros”. É preciso sentir-se semelhante ao outro. Do contrário, não se cria confiança, não se constrói cumplicidade coletiva. Achar-se superior, mais importante, desperta o ódio na grande maioria. Ser militante é ser participante na vida dos outros, um companheiro no meio de companheiros. Daí vem o poder de despertar as energias que estão adormecidas no meio do povo.

“O nosso maior aliado é o povo”, dizia D. Hélder. Por isso, quem estuda e não volta à sua base, às suas raízes, se afasta da realidade e já não sabe mais o que acontece no meio do povo. É verdade, que pobre aprendeu a ter horror à pobreza;

por isso, quando consegue sair, não quer voltar mais. Acha uma vantagem repetir “eu me salvei da pobreza, eu me salvei da ignorância” e se esquecer do seu irmão.

10. Toda ação supõe organização, ordem e disciplinaToda ação coletiva supõe a necessidade da organização e da disciplina. Mas, o

valor da disciplina está no fato da disciplina voluntária e consciente da militância – não a disciplina do medo, a disciplina dos quartéis.

O Teólogo e padre José Comblin teve uma vida dedicada à Teologia da Libertação e foi militante da igreja, na Paraíba, no nordeste, no Brasil e na América Latina.

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22. COMO FAZER TRABALHO DE BASE

A assessoria e formação do CEPIS insiste no Trabalho de Base como ação política transformadora, realizada por militante de uma organização popular, que mete o corpo em uma realidade e contribui para despertar, organizar e acompanhar sua população, na solução dos problemas do cotidiano e ligando essa luta a luta geral contra a opressão.

Assim, todo movimento que busca a transformação da realidade, deve fazer Trabalho de Base. Para isso, não existem “receitas” nem prazos. Ao conhecer várias experiências, identificamos e sistematizamos pontos em comum que aparecem como indispensáveis e permanentes:A - Preparação

O trabalho de Base deve ser decisão da organização popular por ser parte da sua estratégia.

A seleção de área e grupo prioritário segue critérios políticos, econômicos, históricos e geográficos

O Trabalho de Base exige preparação de Militantes experimentados: ideológica, política e pedagógica.

A formação do núcleo inicial é um mecanismo que ajuda na elaboração do plano, na definição de metas, no acompanhamento e na avaliação constantes.

Junto com o estudo inicial e o plano de deslocamento, se define o plano de sustentação financeira.

B – Execução1. Militante aproxima-se, entra em contato, mete-se na realidade de um grupo

ou território. Não existe trabalho de base à distância, por telefone... Não é lugar para “turismo” ou visita quando sobra tempo.

2. Conhecer os quatro cantos do território - Conhecer é mais do que ter as informações, ainda que necessárias. Conhecimento é aproximação, pelo contato direto e cotidiano. O conhecimento da realidade gera as informações pela observação, conversa, visita, pesquisa. Conhecer e ser conhecido é

deixar de ser estranho. É um exercício que exige cumplicidade e aprendizado da linguagem para favorecer a integração, a troca e a confiança. As informações indispensáveis são as:

que tratam do “território”: geografia, jeito, cultura, costumes, saberes, população...

que tratam da economia: empresas, quantidade de trabalhadores, tipos de trabalho, volume da produção, renda...

que mostram o social e o político: lideranças, personalidades, entidades e organizações, inimigos, amigos, adversários...

que indicam carências e potenciais: situação social, valores culturais e artísticos...

que revelam o subjetivo, sentimentos, desejos, ainda que pareçam ingênuos ou reproduzidos...

que falam da história: luta individual, grupal, espontânea, organizada, pacífica, violenta...

3. Descobrir sementes de militantes - Mais importante que fazer reuniões é descobrir pessoas insatisfeitas que tenham disposição para mudanças, pensem além de sua família, sejam coerentes entre o que prometem e o que fazem, e sejam discretas. Pessoas que se destacam nesses critérios podem tornar-se referências, mais adiante.

4. Fazer ações concretas - Os dados da realidade podem sugerir propostas concretas de ação. A militância tem que “sacar” o que o povo está a fim de fazer para realizar seus desejos. A ação deve ser aquela onde o grupo participa porque está dentro da compreensão, momento e ritmo que o grupo suporta – jogo, festa, celebração, protesto, mutirão, disputa política... A militância pode e deve apresentar propostas. Não pode impor porque ações não assumidas geram acomodação e frustração. É decisivo que as primeiras ações deem certo; isso exige boa análise das possibilidades de vitória. Na luta, se ganha ou se perde. Mas, é a vitória que anima a vontade de continuar. A derrota, logo no começo, aumenta o sentimento de fraqueza e impotência. Uma ação puxa outra, quando é preparada e, depois de executada, é avaliada para ver avanços e recuos. Fazer ações e refletir sobre elas é a “escola” onde militância e povo se qualificam.

5. Organizar a base - A Organização é ferramenta para juntar pessoas, animar a luta de forma permanente e preparar novos companheiros. A base deve

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estar organizada em núcleos que são os olhos, ouvidos e mãos de uma organização. A organização não é o centro da luta. O centro da luta é o movimento real da classe oprimida, contra a opressão e construção da nova sociedade.

6. Formação política - A formação é uma necessidade da luta pela vida. Só o entusiasmo e a força são insuficientes para vencer o poder da opressão. A classe oprimida precisa juntar sua força e o seu pensamento para vencer a dominação. Precisa saber desmontar o sistema capitalista, descobrir as raízes da exploração e inventar respostas para os problemas que a afligem. Sem formação, a luta mais feroz não vai além da luta espontânea contra os efeitos da exploração. Cada movimento deve ter um programa de formação que responda aos diversos níveis de consciência de sua base, militância e direção.

7. “Sair” do território - Em toda parte, tem gente, organizada ou não, que luta contra a injustiça. O Trabalho de Base se fortalece quando une a luta imediata de seu território com a luta geral, nos níveis regional, nacional e internacional. Nessa “saída”, a militância adquire experiência e habilidade; alarga seu horizonte e seus conhecimentos; observa outras pessoas e práticas de outras localidades. É desafiada a elevar seu nível de consciência e o ardor de sua fé socialista.

8. Projeto Político – Uma tarefa do Trabalho de Base é preparar quadros que participem do movimento político que visa construir o Projeto Popular para o Brasil. A classe dominante reduz a política ao processo eleitoral. Mas, Política é mais que votar; é conquistar o poder para decidir o rumo do País. O movimento político é formado por pessoas conscientes da luta popular que descobrem a raiz da exploração e organizam sua ação para transformar a sociedade capitalista. Essa gente entendeu que sem mudar a sociedade, dividida entre explorados e exploradores, o povo vai continuar oprimido.

23. EDUCAÇÃO POPULAR E SUJEITOS DA TRANSFORMAÇÃO

Na concepção do Cepis, Educação popular não se limita a processos de ensino-aprendizagem, nem pode tornar-se política pública, na área da educação, para substituir o sistema escolar oficial. A Educação Popular se define como um instrumento, a serviço da construção e implantação de uma estratégia de poder de uma nova ordem social, alternativa ao sistema capitalista.

O papel da Educação Popular é contribuir na construção do Poder Popular que pressupõe liberdade e autonomia, frente ao Estado, ao governo de plantão e a academia... e renovação permanente. Assim, não pode existir Educação Popular fora da luta popular, ainda que assessore movimentos populares na luta e conquista de uma escola democrática: pública, universal, gratuita, de qualidade e laica.

Um pressuposto da transformação social é que esse processo não tem certeza de um destino, um prazo ou um modelo determinado, nem tem garantias de evolução constante para uma perfeição imaginária. A nova ordem social, cujo sonho é acabar com a exploração e a opressão, de qualquer natureza e alcançar a felicidade e a liberdade plena, será obra do desejo dos povos que tenham força para construí-la.

De forma teórica, é preciso afirmar que os sujeitos da transformação social é a classe dos assalariados que, despossuídos dos meios de produção, vendem sua força de trabalho para a produção de mercadoria. No concreto, não é possível dizer, de antemão, que sujeitos vão destruir a força do capital que eles próprios criaram e, organizá-la, no interesse da maioria. Sabemos que os trabalhadores, na cadeia produtiva, têm uma condição objetiva de lutar pela transformação. Porém, só o concreto histórico das revoluções define quem são os sujeitos e que modelos de sociedade constroem.

Assim, os sujeitos em luta que assumem o horizonte do poder para emancipação do povo, são os reais sujeitos da transformação e, por isso, os sujeitos da Educação popular. A tarefa da Educação Popular é fortalecer o Poder Popular, o poder das massas, o único poder efetivo, bem além de tanques, estruturas, governos... de realizar a revolução social quando consciente e organizada. Por isso, precisa estar plena de amor e armada de conhecimentos que são produzidos pelo trabalho, a luta de classes e a pesquisa.

Mas, revolução da ordem social exige, além da vontade, individual e coletiva,

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uma rigorosa análise da formação social, econômica, cultural... específica de cada nação. Pois, se mudamos o mundo, o mundo também nos muda. Essa vontade e conhecimento se expressam no projeto de País, de sociedade, de mundo que queremos. E se concretiza numa estratégia de poder, assumida por uma organização que aglutina e dirige as forças sociais que se dispõem à transformação.

A tarefa da Educação Popular é fazer formação política enquanto processo histórico, coletivo, libertador com a finalidade de despertar a consciência de classe e qualificar um exército de militantes, no nível político, ideológico, técnico e cultural para mudar a vida. É um processo permanente, continuado que inclui ação, estudo sistemático, leituras, pedagogia participativa e a postura, individual e coletiva, coerente com os sonhos.

24. A LUTA E A ORGANIZAÇÃO POPULAR

Por que a gente luta? Qual a finalidade de nossa luta, hoje?

Por que se colocar junto à classe oprimida?

A Luta – Ter, ser, poder As pessoas se movem pelo desejo de melhorar, de aperfeiçoar-se, de

progredir, de subir na vida. É o sonho da prosperidade, do progresso, do desenvolvimento.

Lutar é empregar esforços para produzir, distribuir e usufruir as riquezas materiais e espirituais. A luta é uma exigência da condição humana para sobreviver - Viver é lutar. A luta entre a semente e seu apodrecimento é um conflito que produz movimento, nascimento e crescimento.

Homens e mulheres, durante sua existência, lutam para ter a riqueza, material e cultural, produzida pela natureza e pelo trabalho humano. O ser humano faz cultura: domina a natureza e as leis do desenvolvimento humano e social. A posse dos bens garante sua sobrevivência, no presente e, de seus filhos, no futuro, sabendo que o universo é finito.

As pessoas também buscam formas de aparecer, ser respeitadas como gente e ver reconhecida sua contribuição individual. Todo mundo quer ser protagonista e se sente feliz com o brilho de sua estrela. Quem age e pensa, quem não aceita ser inferior e mantém a dignidade é protagonista.

Toda pessoa tem vontade de ter poder, mandar no próprio nariz, ser consultada, participar nas decisões, não ser coisificada. É tão forte essa vontade que muitas pessoas chegam à fantasia de querer ser onipotentes, ser deusas.

A curiosidade é parte integrante das pessoas. As pessoas têm ânsia do saber, de ter o conhecimento sobre si mesmas e dominar o funcionamento da natureza, do ser humano e da sociedade. O Saber permite desmontar e montar a realidade à serviço do interesse de pessoas ou de grupos. Saber tem a ver com saborear, apreciar a vida e a convivência.

A luta dos humanos pela prosperidade é indispensável para transformar e desenvolver o mundo. O desenvolvimento da tecnologia e da consciência é a condição para que haja vida digna para os habitantes do planeta. A ciência deveria servir à vida e à liberdade. A justeza de uma luta se mede por seus

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resultados econômicos, sociais e políticos e pelo grau de dignidade que traz para quem entra no processo.

A luta popular - “Nem caridade, nem vingança” A luta acontece em um mundo dividido em classes. A classe dominante

organizou um sistema de exploração e opressão. Por esse sistema, a elite apodera-se de toda a riqueza e concentra todo o poder. Para manter sua prosperidade, a minoria exclui pessoas, povos e continentes.

A opressão concretiza-se na exploração econômica feita pelo dono da terra, da fábrica, do banco, do comércio e da tecnologia. O dono dos meios de produção compra a força do trabalho e usa para multiplicar suas riquezas. Sem meios de produção quem trabalha depende de um patrão do qual recebe um salário que apenas repõe sua força de trabalho.

A opressão dos ricos sobre os pobres é feita pela exploração econômica e se mantém pela dominação política e ideológica. Dominar é tornar-se senhor da outra pessoa, apoderar-se de suas riquezas e de sua mente. Para a classe patronal, a classe trabalhadora é uma coisa ou mercadoria que serve enquanto dá lucro. Depois, se joga, no lixo.

O poder político é exercido pela força e a imposição de leis, conforme o interesse da classe dominante. O governo é escolhido para manter a ordem e servir aos donos do capital. Os países pobres e colonizados obedecem às ordens dos países imperialistas. Frente às diversas lutas de libertação, os senhores passaram a usar a tática da sedução (cooptação). Nas crises sociais, para esvaziar a resistência, os governos estimulam as esmolas, o assistencialismo social e a filantropia oficial.

A dominação ideológica é feita pela pregação dos opressores, e, muitas vezes, reproduzida pelo sistema escolar, religioso e cultural e divulgada pelos meios de comunicação de massa. A dominação ideológica manipula as ideias para ter a hegemonia, anestesiar a consciência do povo e perpetuar a opressão.

Hoje, qualquer luta é luta de classes; mesmo a luta para ter os mínimos vitais como comida ou garantia de direitos que já estão na lei. Por isso, a sociedade sem opressão só é possível com o desaparecimento da classe dominante. Não se trata de querer ou gostar: é questão de vida ou morte para a humanidade. A luta de libertação é a legítima reação dos oprimidos para construir um mundo sem exclusão.

A luta pela prosperidade, para ser eficaz, se organiza como projeto político, alternativo ao capitalismo. Esse projeto deve despertar a autoestima do povo e buscar a superação da mentalidade de colônia e os traços culturais de submissão e dependência. Só um povo auto-determinado pode pensar na satisfação de sua gente e relacionar-se com outros povos sem inferioridade e sem arrogância. O projeto popular não pode guiar-se pelo modelo consumista das nações ricas. Os recursos são finitos e não interessa aos pobres repetir o mundo dividido em classes, mas pensa em um modelo de que garanta o básico vital para toda a população.

As formas de luta - “Liberdade, mesmo que custe”1. A luta pela vida e pela liberdade é um trabalho longo e difícil. Em geral, o povo

foi domesticado na mentalidade de escravo. Sem autoestima, acomoda-se e curva-se. Muitos pobres chegam a fazer de sua cabeça um hotel de patrão – lambari com cabeça de tubarão. Nos locais de trabalho, na família e no movimento popular reproduzem ideias da elite. Pensam em concentrar riquezas e poder e tratam com autoritarismo e desprezo seus companheiros de luta e de classe.

2. Todo mundo luta para livrar-se da opressão porque ninguém se acostuma com a escravidão. Mesmo que não tenha consciência, o povo guarda uma indignação reprimida. A luta começa lá onde acontece a exploração e a dominação. Ninguém luta porque gosta, luta obrigado pela necessidade. Luta para viver e ser reconhecido como gente.

3. O povo nunca deixou de lutar por sua melhora e sair do aperto. Às vezes, se diz que o povo não quer nada. Mesmo sem consciência, o povo batalha pela saúde, comida, terra, moradia... Até quando corre atrás da ilusão (presentes, promessas) é o desejo de se livrar da opressão. Só na luta organizada, a classe oprimida vai entender que libertar-se é deixar de ser escravo e a mentalidade de escravo que a faz repetir, na vida, o mundo de senhores e escravos.

4. Existem muitas formas de luta: individual ou coletiva, espontânea ou organizada, legal ou clandestina, pacífica ou violenta. O jeito de lutar também varia: às vezes, o povo grita ou se cala; participa ou cruza os braços, canta, chora, reza, enfrenta, recua – mas, é uma luta que não pára. A luta se torna respeitada quanto alcança um maior grau de força, de consciência, organização e reconhecimento.

5. Existe a luta econômica dos sindicatos, cooperativas, associações (por salário, terra, preço), a luta política dos partidos (pelo poder) e a luta social dos movimentos populares (por condições de vida). Mas, a luta se expressa em todas

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as dimensões da pessoa: econômica, política, social, cultural, religiosa, lúdica, étnica, racial, sexual, ecológica, etária... As dimensões de classe, gênero, etnia, geração não se negam, se entrecruzam.

6. A opressão tenta calar qualquer sinal de resistência. Para esvaziar a reação popular a elite usa muitos meios - bate, amedronta, ilude, compra, calunia, tortura e mata. A intenção é deixar o povo de joelhos, obediente e conformado com a situação. A maioria dos livros, jornais e novelas tenta apagar a memória subversiva ensinando que o povo brasileiro é um povo pacífico.

7. O trabalho das organizações populares é vencer a anestesia que aliena a classe oprimida e mostrar que é possível sua libertação. Normalmente, por medo, o oprimido prefere não entrar num processo de luta organizada. O caminho para despertá-lo é o contato direto, a mobilização, o esclarecimento, a organização e a articulação com outros. Esse trabalho canaliza as iniciativas de rebeldia popular contra a opressão e aponta para uma ordem solidária, sem discriminação e sem exclusão.

A organização popular - “O povo ou luta ou morre” - A militância não inventa a luta. Sua tarefa é perceber o movimento social,

participar das iniciativas populares e apontar a direção da ruptura para a transformação da sociedade capitalista. A militância contribui para que a luta popular consiga soluções concretas e permanentes. Mas, sabe que a transformação só será feita por ações conscientes, organizadas e massivas que visem vencer a opressão. O estudo e as reuniões servem para avaliar o já feito e preparar o povo para ações maiores.

- Reclamar da situação é talvez a forma mais simples do oprimido manifestar sua insatisfação. Pedir, suplicar são sinais de alguém que sente a exploração, mas não identifica suas raízes. Por isso, acredita na bondade do opressor, confunde direito com favor e pede compaixão. Quando perde a esperança, o povo se revolta ou então se desespera por achar que sempre foi assim e que nada vai mudar. Ao se sentir impotente diante dos problemas da vida real (fome, humilhação, miséria) o povo desanima ou refugia-se em alguma forma de ilusão ou consolo.

- A Resistência é um passo da luta consciente e organizada. O povo resiste porque percebe que é a única saída para continuar vivendo. Ao resistir percebe gente com interesses igual ao seu e gente com interesses contrários. Passa a entender que uma andorinha só não faz verão e que a união faz a força e que a injustiça

tem causa e culpados. A resistência rompe o sentimento da impotência e inicia a superação da consciência ingênua que só ataca o efeito dos problemas.

- Reivindicar, pressionar é a atitude de quem se reconhece como classe oprimida, enriquecendo a classe dos patrões. Esse sentimento é uma semente da consciência de classe. Para combater a exploração, de forma permanente, essa classe se organiza em movimentos. A organização serve para ampliar o número de combatentes, promover a formação de sua base, envolver seus participantes nas decisões e tarefas e conquistar vitórias sociais e políticas.

- A mobilização popular serve para acumular forças, enfrentar o inimigo, defender a posição conquistada e ajudar na formação de militantes. Quando não há um processo educativo, o Movimento pode ser cooptado pelo sistema dominante e lutar só por reforma na exploração sem perceber que a solução duradoura é romper com a lógica da exploração e buscar a forma solidária de partilhar o pão e o poder.

- A construção e a conquista do poder político é a condição para organizar a sociedade sem dominação. A parte que toma consciência, se organiza num instrumento político responsável pela elaboração do projeto estratégico de interesse de uma classe. Um partido popular se diferencia dos partidos da ordem porque, mesmo quando luta na institucionalidade (onde consegue reformas), tem claro que sua tarefa é reforçar a organização popular para romper com o sistema capitalista e construir outra ordem social.

- Toda forma de luta é importante. As várias formas de luta não formam uma escada onde uma é mais estratégica que a outra. O valor de cada luta se mede pelo resultado quantitativo (econômico) e qualitativo (consciência) que ela rende. A militância deve sempre respeitar o nível de consciência popular, mas deve sempre ajudar na leitura crítica da realidade social para a superação da ingenuidade dos atores e articular os embriões, presentes na luta imediata, com o projeto estratégico da construção da nova sociedade.

CEPIS – Agosto 2002.

25. GUIA PARA ESTUDO58

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Estudar é procurar compreender o que se lê, refletir sobre os assuntos abordados num texto, reter o fundamental e estabelecer relações com outras ideias aprendidas, lidas e ouvidas. Não é fácil estudar quando não se tem o hábito do estudo. Só com o tempo se começa a compreender melhor os textos e assimilar seu conteúdo. Por isso, é necessário ter vontade de aprender, não desistir na primeira dificuldade e encarar o estudo como uma tarefa com o mesmo rigor que as outras.

Mesmo sabendo que cada pessoa ou grupo pode e deve criar suas formas e ritmos de estudo, adequados à sua realidade, vale levar em conta sugestões de como ler, tiradas da prática de muita gente.

1. A necessidade de estudarEstudar é necessidade vital para a militância. Desde que estudo não seja

armazenar e exibir conhecimentos, nem estudo abstrato, nem estudo da teoria como fórmula acabada, solução para todos os problemas ou como modelo único para a luta dos trabalhadores e suas organizações.

Às vezes, falar da importância do estudo, se pensa em fazer cursos. Cursos, palestras, seminários, debates são indispensáveis porque ajudam a organizar as ideias, traçar linhas gerais e temas básicos, na formação teórica, ideológica e política da militância. Mas, os cursos não substituem o estudo individual.

Ele é necessário para a preparação e aprofundamento de temas, para aproveitamento dos cursos e a participação em debates. O estudo, embora tenha uma orientação coletiva, mas precisa ser um exercício individual. Pois, a formação política se sustenta em três pilares básicos: participação na luta e organização popular, atividades sistemáticas de formação e estudo individual.

2. Para maior rendimento do estudoAs “dicas”, a seguir, tem a intenção de servir a um plano individual ou a um

plano coletivo de estudo.

Passos para o estudo individual:

a. Rotina de estudo: ter horário e dia fixo facilita o tempo disponível para os estudos.

b. Tempo de estudo: recomenda-se usar, por vez, no mínimo 45 e, no máximo, 60 minutos.

c. Garantir o material: cada pessoa deve ter e zelar pela cópia individual do texto, livro...

d. O dia bom: pesquisas mostram que não é bom programar estudo em dias de descanso.

e. Ambiente favorável: claro, agradável, sem barulho, que ajude na concentração.

f. Postura confortável: posição relaxada, sentar em vez de deitar, material e corpo apoiados,

g. Uma lição de cada vez: ajuda a entender, gravar e fazer aplicação prática do conteúdo.

h. Folhear o texto: ter visão de conjunto, olhar o autor, os títulos, palavras, desenhos.

i. Fazer anotações: destacar passagens que se gosta, chamam a atenção, novidades, dúvidas.

j. Voltar ao texto: para apreender a mensagem, ideias, fatos, informações e exemplos.

k. Fazer resumo: repetir com próprias palavras as ideias e registrar opiniões pessoais.

l. Discutir no coletivo: dúvidas, interpretações e divergências surgidas no estudo.

m. Recordar lição anterior: é necessário repetir o já estudado, antes de começar uma leitura.

Observação: O plano individual, para obter mais resultado, deve articular-se com um plano coletivo de estudo.

Passos para estudo em grupo:Para que o estudo coletivo não seja aborrecido e cansativo a sugestão é

seguir os seguintes passos: - A leitura deve responder a uma indagação da prática militante. Senão, perde

o seu sentido e quebra o interesse de quem participa. - É indispensável ter a coordenação que estimule e facilite a participação de

todas as pessoas.- Leitura integral do texto para ter visão de conjunto do conteúdo - do bloco,

capítulo ou do todo. Em voz alta, com uma ou várias pessoas lendo.- Reler em pequenos grupos para fixar o assunto e permitir o debate e o

aprendizado.- Realização de plenário onde as pessoas e grupos expressem e debatam suas

opiniões.

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- Identificar tema central – a coordenação deve recolher e ordenar a compreensão da leitura.

- Destacar ideias principais – tentar chegar à ideia central da leitura: argumentos, fatos e exemplos...

- Anotar dúvidas, impressões, passagens ou questões despertadas pela leitura e sua discussão.

- Resumir, em palavras-chave, em frases curtas ou até em desenhos, as ideias mais importantes.

- Interpretar, tentando comparar/associar as ideias do texto com as do grupo e outras leituras.

- Aprender a criticar para formar as opiniões próprias e fazer apreciações sobre o texto.

- Tirar conclusões e aprendizados que poderão ser usados na prática das pessoas e do grupo.

- Encaminhar a próxima etapa do plano de estudos.

Em muitos casos, uma organização popular precisa preparar militantes que atuem como monitores para ajudar principiantes na compreensão do conteúdo e esclarecimento de dúvidas. Os multiplicadores devem ter uma preparação que os ajude no repasse criativo e dinâmico do conteúdo.

26. FERRAMENTAS DE ORGANIZAÇÃO POPULAR

A organização da SociedadeA sociedade para funcionar já se organizou em vários sistemas sociais. Hoje,

o sistema social dominante é o capitalismo. No capitalismo, o centro de tudo é o do lucro dos grandes; não é o bem estar das pessoas. Nesse sistema, a produção das riquezas é social, quer dizer, é feita pelo conjunto da classe trabalhadora, mas a apropriação da riqueza fica concentrada na mão de uma elite que não trabalha. Por isso, muita gente faz o pão e vai dormir com fome ou faz a casa e vai morar debaixo do viaduto.

O capitalismo faz de tudo para a classe trabalhadora não despertar. Usa a escola, religiões, tradições, meios de comunicação, organização familiar, entidades assistencialistas e repressão policial para que o povo não tome consciência. A ordem e progresso para o capitalismo é trabalhar calado e conformado.

O sistema capitalista é como imenso dragão que, além de poderoso, hipnotiza o povo. Por isso, torna o povo domesticado e obediente para produzir riquezas e reproduzir ideias que aumentam o poder da fera. O povo vê e sente, no corpo e na alma, os estragos feitos pelas garras do monstro. Muitas vezes, luta bravamente para livrar-se de suas unhas. O que o povo não sabe é que se não ferir o coração do dragão, as garras vão crescer de novo. A luta da classe oprimida, porém, um dia descobriu que para matar a fera e realizar o sonho da liberdade, é preciso preparar uma legião corajosa e qualificada.

O temor do capitalismo é o nascimento de um sistema onde a ordem é ninguém passar fome e onde progresso é o povo feliz. Nesse sistema, chamado socialismo, a produção das riquezas é social e a apropriação dessas riquezas também é social, fica com a classe que produz as riquezas. Quer dizer, quem trabalha come, quem não trabalha não deve comer. Por isso, a classe opressora mete medo na classe oprimida para que ela acredite que o mundo sempre foi assim e que nada vai mudar. Quando alguém participa de um movimento ou já não aceita a dominação, logo é atacada de desobediente, rebelde, subversiva, comunista, terrorista, radical, violenta. Inclusive por seus parentes ou por gente pobre igual a ela.

Muita gente não quer o socialismo porque não sabe o que é ou, então, porque não quer se comprometer com a sua construção. Boa parte dos pobres aprendeu a ser mandado, se viciou em receber esmolas ou aceitar as mentiras divulgadas pelos ricos através de revistas, rádio, televisão ou pela boca de religiosos, professores, jornalistas, políticos, lideranças populistas...

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Formas de governo no capitalismo Para se sustentar, o capitalismo organiza a justiça, as leis, as forças armadas

e a polícia – inventou o Estado com a função de controlar a classe trabalhadora, embora diga que é para zelar pelo bem de todos os cidadãos. O sistema também cria regimes de governo para garantir a ampliação do capital e o poder na mão da burguesia. Entre eles, dois mais conhecidos:- Ditadura, autocracia, tirania

Quando o sistema não sente a reação popular ou deixa de ganhar muito, coloca um governo forte. Pode ser uma ditadura civil ou militar que, em nome de Deus, da pátria e da liberdade suprime os direitos e, pela violência, silencia qualquer oposição ao capital. Costuma-se dizer que nos momentos de tirania, os grandes escolhem quem vai bater nos pobres. Nesses momentos, os meios de comunicação, que também pertencem ao dragão, só divulgam o que interessa aos grandes ou desmoraliza a resistência popular.- Democracia, estado de direito

Quando o sistema se sente seguro, o lucro das empresas está garantido ou porque já não consegue esconder as lutas de resistência, a elite faz a transição para a democracia. Na democracia, se recupera o direito de reunião, de liberdade de expressão, de pressão dentro da lei, de mobilização. O movimento popular consegue conquistas e tem a chance de educar a massa sobre a situação e a necessidade de acabar com a exploração. A elite sabe que corre o risco de perder o poder, mas como mantém o controle acredita que com balas de açúcar é capaz até de matar os sonhos de muitos militantes.

Muita gente que participou da luta de resistência à ditadura começa a achar que, por acordos, a elite se converte e deixa de explorar os pobres. O que era tática passa agora, a ser a estratégia. Em vez de lutar pelo poder, essa gente se encanta com a eleição de representantes ou de governos. Rápido se esquece que a missão de um representante comprometido, ao ocupar cargos nos espaços públicos, é lutar por políticas e recursos que reforcem o Movimento Popular.

A experiência mostrou, porém, que muita gente, que no passado foi militante, se acostumou com as mordomias e o brilho dos holofotes e mudou de lado na luta de classes. Há quem diga que, na verdade, essas pessoas não se venderam, apenas acharam um comprador. Como tudo, a experiência de ocupar espaços públicos, ensinou ao povo que ter o governo não é ter o poder e que, na

democracia da elite, os oprimidos escolhem, pelo voto, aquele que vai bater no povo para defender a estabilidade do capital.

Movimento PopularO movimento popular é a justa reação da classe oprimida - pacífica ou

violenta, espontânea ou organizada - contra diferentes formas de injustiça e dominação. A reação pode ser contra a exploração econômica, abusos de poder, a manipulação ideológica, contra a discriminação ou preconceito de cor, de sexo, de religião, de idade...

A indignação popular pode ficar apenas numa revolta momentânea ou pode ser canalizada de várias maneiras, para conseguir seus objetivos. O movimento, enquanto luta popular, deve ser sempre maior que uma organização. Quando uma organização já não expressa a rebeldia de um povo indignado, torna-se apenas uma estrutura burocrática sem alma e sem razão de existir. Para entender o lugar das diferentes formas de luta popular, costuma-se dividir em:

Movimento de massaA palavra massa não é o povo desorganizado e sem consciência. Significa o

conjunto da classe trabalhadora que produz as riquezas materiais e espirituais do País. Já movimento de massa significa a parte organizada de uma categoria profissional ou de um setor da sociedade que se junta para conquistar interesses específicos, concretos e imediatos. Nesse sentido, movimento é a parte do povo que se levanta contra qualquer forma de injustiça ou de opressão.

Movimento assistencialUm movimento é assistencialista quando busca resolver uma injustiça, sem

revelar que existem responsáveis por essa situação. Um movimento, por exemplo, pode denunciar a fome e até consegue um peixe; porém acha ou explica que a conquista foi um presente ou favor de algum governo ou a caridade de algum benfeitor.

O assistencialismo não deixa que as pessoas andem com os próprios pés. Por isso, muita gente pobre fica dependente de políticos, de patrões ou de religiões. Em vez de combater a raiz da injustiça, ficam esperando uma compaixão ou esperando que alguém resolva seu problema. Muitos governos usam a política compensatória para conter a carência dos pobres. Os demagogos manipulam porque sabem que com “com banana e bolo se engana um tolo”. E a miséria do povo é tanta que não

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prestam atenção no alerta do poeta: “uma esmola ou enche de vergonha ou vicia o cidadão”.

Movimento de luta econômicaO sindicalismo é uma forma de organização que luta para diminuir os efeitos

da exploração econômica. Quem participa do movimento sindical já descobriu que tem direitos e que existe uma classe patronal que explora a classe trabalhadora. Por isso, se organiza, pressiona para ter melhorias nas condições de vida e trabalho.

Mas, o movimento sindical não questiona o jeito como está organizada a sociedade, dividida em classes. Junta, esclarece, denuncia e combate os efeitos da doença, mas não ataca a raiz do problema. A luta sindical chega até a ensinar o povo a pescar, mas só busca a conquista de interesses imediatos que só fazem remendar o sistema de exploração. É como reformar casa velha. Está provado que o sofrimento, em si, não gera consciência; em muitos casos, gera apenas conformação.

Movimento PopularQuando o povo compreende que é parte do país e tem direitos por pagar

impostos, cria movimento populares que lutam pela educação, saúde, diversão, segurança, transporte, moradia... O movimento feminista, por exemplo, é um movimento popular que luta contra a discriminação sexual e pelos direitos das mulheres.

Diz-se que um movimento é popular porque junta toda pessoa que se organiza para arrancar do Estado ou da sociedade, leis e comportamentos que respeitem e garantam seus direitos. Mesmo sendo combativo, também o movimento popular não questiona a organização do Estado que é feito para servir às classes que estão no poder. Por isso, as pessoas conseguem direitos na lei, e só com muita luta, vão ter esses direitos, na vida real.

Movimento PolíticoA classe dominante reduz a política ao processo eleitoral. Política é muito

mais que votar. Fazer política é conquistar poder para decidir as coisas na sociedade. O movimento político organizado é formado por pessoas conscientes e é sempre menor que o movimento de massa. Dele participam as pessoas que descobrem as raízes da exploração e organizam sua ação para transformar a sociedade capitalista. Sem mudar a sociedade, dividida entre explorados e exploradores, o povo vai continuar oprimido. Os grandes não gostam de gente consciente; como disse alguém

– se dou comida aos pobres, me chamam de santo; se pergunto porque eles passam fome, me chamam de comunista.

É a militância que cria o movimento político. Pois, aprendeu que é preciso dar o peixe pra quem tem fome e é preciso ensinar o povo a pescar pra sair da dependência. Mas, por consciência, sabe que se a classe oprimida não tomar de volta os rios que virou propriedade dos grandes, nunca vai derrotar a exploração que é a causa da fome. O movimento político fermenta o movimento de massa e ajuda o povo que se levanta a entender a realidade e a transformar a sociedade dividida em classes. Por isso, sua missão é despertar na classe oprimida a consciência que todo poder nasce do povo e pelo povo deve ser exercido. Interdependência

Cada movimento é uma ferramenta que serve para determinadas ações, em determinados momentos. Mas, como todos têm como objetivo o fim da exploração, eles precisam manter uma forma de articulação entre os diversos instrumentos.

A interdependência é a ligação que existe entre as várias partes desse corpo. Os órgãos têm funções diferentes, mas trabalham para o mesmo fim, de forma combinada. A interdependência, então, é a capacidade de fazer com que as idéias, discussões e orientações da luta popular percorram todo o corpo das organizações populares e se articulem, de forma permanente, para garantir a unidade de pensamento e de ação.

Para ter organicidade, o movimento popular precisa realizar algumas tarefas importantes: 1) fazer a escolha criteriosa de seus participantes; 2) investir na sua qualificação; 3) construir um tipo de organização capaz de atuar em situação de enfrentamento ou de reivindicação; 4) ter uma estrutura capaz de promover a formação de seus participantes, facilitar a tomada coletiva de decisões e garantir mecanismos de coordenação e de comando.

Organização PopularA organização popular canaliza a reação popular para conseguir os interesses

de um grupo, de forma permanente. Sua finalidade é juntar mais gente, organizar a classe trabalhadora, elevar o nível de consciência da militância, mobilizar a massa e lutar para alcançar seus objetivos específicos. Mas, já vimos que toda organização quando já não representa a força do movimento popular, vira apenas uma ferramenta desafiada e desacreditada pelo povo.

O povo se mobiliza quando sente que vai perder um direito ou pode alcançar uma vantagem. Por isso, só entra e só continua em uma organização quando ela consegue resultados econômicos, políticos ou culturais. Esses resultados podem virar

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presentes de grego ou esmolas. Isso não acontece se a militância ajudar no esclarecimento e se o povo fizer a disputa e o enfrentamento com os donos do poder econômico, político e ideológico. Porque a sociedade que interessa a classe trabalhadora só se constrói fazendo luta - econômica, pelos direitos, pela libertação – luta dos humildes, para os humildes e pelos humildes.

Para ligar a luta especifica e concreta na luta geral pela transformação da sociedade, um movimento precisa ter uma organicidade que junte, ao mesmo tempo, a luta assistencial, a luta pelos ganhos econômicos, a luta pelas políticas públicas e a luta pela igualdade, com a luta pelo poder. Isso se faz através de uma organização que junte a massa e a militância, em um mesmo Movimento. Para fazer isso, é preciso ter militantes, dirigentes, base e massa e uma estrutura que garanta a vida do movimento.

27. RETOMAR O TRABALHO DE BASE

GENTE NÃO É BOI DE CARRO, PRO CARRO DE BOI PUXARGENTE TEM MENTE QUE GIRA, MENTE QUE PODE GIRARGIRA A MENTE DO CARREIRO E A CANGA PODE QUEBRAR

Uma pessoa se torna perigosa quando começa a andar com os próprios pés. Em geral, quem está no poder, prefere gente obediente e acomodada porque é mais fácil manobrar uma população domesticada. A finalidade do trabalho de base é despertar a dignidade das pessoas e a confiança em seus valores e potenciais. É organizar a rebeldia popular contra a injustiça e construir a convivência entre os humanos, sem exploração, sem discriminações e sem preconceitos.

O GRANDE SÓ É GRANDE, PORQUE NÓS ESTAMOS DE JOELHOS

Toda pessoa luta para livrar-se da opressão - ninguém se acostuma com a escravidão. A luta começa lá onde acontece a exploração e a dominação. Às vezes, se diz que o povo não quer nada. Mas, o povo não deixa de lutar; procura sempre um jeito de sair do aperto, até quando corre atrás da ilusão: presentes, promessas, salvadores. Mesmo sem ter consciência, o povo guarda no peito uma indignação reprimida. Ninguém luta porque gosta; luta porque se vê obrigado pela necessidade. A classe oprimida luta pela terra, pela comida, moradia, escola, dignidade, diversão, direitos. Luta para livrar-se da opressão, para continuar viva e para ser reconhecida como gente.

QUANDO A FOME DÓI, QUALQUER PESSOA ENTRA NA BRIGA

Quem domina tenta calar qualquer sinal de resistência. Para esvaziar a reação popular bate, amedronta, ilude e, sem piedade, calunia, tortura e mata. Às vezes, a pessoa oprimida resiste às balas de chumbo, mas é vencida pelas balas de açúcar. A classe dominante reprime para deixar as pessoas de joelhos, obedientes e conformadas com a situação. A maioria dos livros e das escolas tenta apagar a memória libertária da classe oprimida espalhando a ideia que o povo brasileiro é pacífico. Basta abrir os olhos e ver a historia de luta e resistência dos povos indígenas e negros, da classe camponesa e operária, das mulheres, das pastorais sociais...

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SENTINDO NA VIDA QUE PODE, O POBRE ENTENDE QUE VALE; DEPOIS QUE A CANGA SACODE, NÃO HÁ PATRÃO QUE O CALE

A elite não tem medo de lideranças brilhantes ou diretorias combativas. A elite teme o povo consciente e em movimento. Então, a missão da militância é repartir os esclarecimentos com quem permanece escravo, no trabalho e na mentalidade. Sua tarefa é incentivar a luta popular espalhando a notícia que é possível mudar a realidade porque o trabalho é a mola do mundo e esclarecer que a transformação da sociedade não vem de cima, nem de fora. Vem da união de quem descobre a opressão e cria diferentes formas de luta para buscar a vida livre e feliz.

SE O BOI SOUBESSE A FORÇA QUE TEM NINGUÉM DOMINAVA ELE

Muitas organizações populares conquistam grandes vitórias e depois fraquejam. Ou porque não se atualizam, repetem o jeito antigo de lutar ou porque, em vez de organização de trabalhadore(a)s, se torna um grupo de eleitos, se acham donos e fazem a luta para o povo. Mas, a principal razão das derrotas é que certas diretorias já não acreditam no povo. Como a elite, essas ditas direções concentram o poder em suas mãos ou fazem do cargo seu meio de vida. Já o militante participa, estimula e sugere iniciativas populares. Por isso, está presente nas ações e contribui para que o Movimento consiga benefícios concretos e permanentes. Ação indispensável da militância é a multiplicação de gente nova, de idade e mentalidade, que entre no movimento como parte protagonista na luta de repartir o pão e o poder.

A LIBERTAÇÃO SERÁ OBRA DA CLASSE OPRIMIDA OU NÃO HAVERÁ LIBERTAÇÃO

Reunião, em si, não é luta. Luta são as ações organizadas da classe oprimida para continuar vivendo, para sair do cativeiro e reafirmar sua dignidade. Luta é o trabalho que se faz em assentamentos, fábricas, bairros, movimentos, igrejas comprometidas... Luta é o estudo que se faz para entender a razão da luta e conhecer a experiência de outros grupos. A reunião pode ser parte da luta quando avalia as ações, quando prepara o povo para vitórias maiores e quando orienta a luta no rumo da libertação. É por isso que os encontros populares devem ser momentos de formação, debate, de confraternização, de recordação

e celebração dos valores que unem as pessoas lutadoras.

FAZER É A ÚNICA FORMA DE MOSTRAR QUE É POSSÍVEL TRANSFORMAR O MUNDO

Só faz trabalho popular quem acredita que a classe oprimida é capaz de pensar a produção, a distribuição e o consumo dos bens, de forma solidária. Para construir esse projeto de sociedade é preciso mobilização e participação consciente da população. É isso que dá sustentação a proposta de transformação social. Para ter vitórias, o trabalho de base precisa crescer e virar movimento - um pé na roça e um pé na estrada. É nesse trabalho, local e geral, que se destaca quem é militante (grau de compromisso), quem é base (adesão ao Movimento) e quem é massa (o conjunto da população trabalhadora). A direção é tarefa da luta, nunca privilégio de lideranças.

É PRECISO TER OS PÉS NO CHÃO E A CABEÇA NAS ESTRELAS

O trabalho popular começa no contato com pessoas insatisfeitas que estão dispostas a entrar num processo de luta pelo fim do capitalismo e construção de uma nova ordem social. Ele cresce quando responde ao interesse das pessoas, partindo da porta que o povo oferece. Fica forte quando realiza experiências simples e envolve as pessoas na solução dos problemas – nem sobre, nem para, mas com as pessoas participantes - inclusive na sustentação financeira das ações. Firma-se quando tem uma organização democrática - vez e voz para todas as pessoas - conforme a necessidade da luta, conforme sua capacidade e seu gosto pessoal. O trabalho de base torna-se vitorioso quando as pessoas se apropriam do processo, quando multiplicam essa prática e quando se articulam com grupos que seguem no mesmo rumo.

SÓ A PESSOA OPRIMIDA PODE LIBERTAR-SE E, AO LIBERTAR-SE, LIBERTA TAMBÉM SEU OPRESSOR

O trabalho de base propõe uma revolução. E só a classe oprimida pode ter interesse na revolução, pois, no mundo capitalista, não há lugar para ela. A experiência da opressão ensina a classe oprimida iniciativas de solidariedade. Além disso, ela carrega um potencial produtivo e humano que gera a riqueza

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material e espiritual da sociedade. Ao tomar consciência da injustiça, a classe oprimida pode se organizar e lutar por um mundo onde o ter, o saber e o poder sejam exercidos de forma compartilhada. Mas, consciente que o fim da exploração e a transformação da sociedade não nascem de um acordo com a classe dominante. A elite só entrega as riquezas roubadas e o seu poder de dominação quando é derrotada.

OS RICOS SÓ SE ENTREGAM QUANDO PERDEM E OS POBRES SÓ GANHAM QUANDO LUTAM

A nova sociedade começa desde já - em casa, no trabalho, na comunidade, no movimento. É na vida concreta que a militância se exercita a não se rebaixar, nem tratar as pessoas como “coisa”. É na luta diária que ela aprende a rejeitar a competição entre superiores e inferiores e a criar as condições da igualdade. Assim, o grande sinal da nova sociedade é o companheirismo. O companheirismo é a forma mais perfeita de relacionamento entre as pessoas - mais forte que os laços de sangue. É o gesto humano e político que se revela na atenção às pessoas excluídas e desanimadas, no carinho à juventude e às crianças e no respeito a/o parceira/o de vida e caminhada.

COMPANHEIRO OU COMPANHEIRA É O IRMÃOOU A IRMÃ QUE A GENTE ESCOLHE

O trabalho de base é um caminho longo e difícil. Pois, junto com a disposição, a criatividade e a coragem, existe no povo a mentalidade de escravo que torna o povo acomodado, inseguro e dependente. Muitos oprimidos fazem de sua cabeça um hotel de patrão (lambari com cabeça de tubarão). No trabalho, na família e no movimento repetem ideias e práticas da elite; pensam em concentrar a riqueza e o poder em suas mãos e tratam com autoritarismo e desprezo seus companheiro(a)s. Só com a participação nas lutas e a inspiração na história da luta popular é possível vencer a alienação e resgatar a confiança na força de quem sofre a opressão.

EU ACREDITO QUE O MUNDO SERÁ MELHOR, QUANDO O MENOR QUE PADECE ACREDITAR NO MENOR

RESUMOO trabalho de base não é uma receita ou mágica. É um jeito de fazer política onde as

pessoas colocam sua alma. A pessoa apaixonada descobre o jeito de agradar a pessoa amada. O trabalho de base é uma paixão carregada de indignação contra a injustiça. Mas, sobretudo, de uma paixão cheia de ternura pelo povo e por quem se dispõe a construir um mundo sem opressão. É uma crença na vida, na dignidade das pessoas, na rebeldia pela liberdade, na função criadora do trabalho, na solidariedade universal. Essa convicção que nasce do coração, torna-se uma energia contagiante capaz de vencer a fúria e a sedução da classe opressora. Tal força invade o coração, o pensamento e a ação da militância e se expressa em forma de compromissos, gestos, atitudes, beleza, garra, festa, cultura e companheirismo.

28. AVALIAÇÃO NO CEPIS

AvaliaçãoO Cepis entende a avaliação como um processo político-pedagógico,

indispensável e desejável, que compara a coerência entre o dito (propostas, estratégias, projetos...) e o feito (ações, programações, resultados, impactos...) de um grupo. Seu objetivo é perceber avanços naquilo a que o grupo se propõe, compreender limites e possibilidades do que diz e faz e aperfeiçoar sua prática

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ou reformular sua proposta. Nesse sentido, avaliação é diagnóstico permanente e prospectivo (análise visando solução), parte integrante do (re)planejamento. Dois olhares

O Cepis quando aceita participar de processos avaliativos, embora de fora, se sente de dentro e tem sobre os grupos um olhar militante a partir de uma postura política e pedagógica. Então, sua contribuição é de compromisso e de confiança no trabalho e nas alternativas que os grupos visam construir. Por isso, assessora grupos com os quais partilha concepções, objetivos e estratégias gerais: a) reconhece a riqueza de sua trajetória histórica; b) aposta no potencial de sua militância e c) percebe neles uma manifesta disposição de mudança.

Evita a postura de técnicos distantes que elaboram diagnósticos sobre o fazer do grupo e realizam auditoria, fiscalização ou técnicas para solução de conflitos. Busca a necessária distância crítica e o mútuo espaço de autonomia, mas sente-se parte do processo (cumplicidade), com obrigação de acompanhar as buscas de solução dos desafios. Por isso, sofre e se alegra com essa construção, na qual se aprende e se cobra mutuamente. Avaliação e planejamento

Avaliação pressupõe planejamento com balizas indispensáveis e com intensa interação e tensão entre elas: a) Os óculos com os quais o grupo vê a si, a realidade e o mundo - concepção, utopias, convicções, princípios e valores; b) O projeto político, a missão, a vontade da instituição; c) os objetivos específicos e gerais que pretende alcançar; e) O contexto sócio-político-econômico-cultural-histórico; f) a programação das ações e metas. Horizonte da transformação

A prática da avaliação e planejamento toma sentido quando se encaminha na direção de um salto de qualidade da situação atual, desde o nível subjetivo até à ruptura com a ordem estabelecida. O Cepis se orienta pela lógica da ruptura com a mesmice, a rotina e a burocratização. A perspectiva é de rompimento com diferentes manifestações do conservadorismo e no rumo de uma nova ordem social. Assim, eficiência, eficácia dos recursos e a cultura do planejamento são vistas em função dos objetivos perseguidos, evitando o desperdício, a constituição de organizações burocráticas, a fragmentação das ações ou das tensões internas. Envolvimento dos sujeitos

O Cepis aposta na avaliação participativa porque na avaliação fiscalizadora os atores ficam passivos respondendo ou justificando cobranças e questões formuladas, muitas vezes, a partir de agentes e interesses externos e

economicistas. A prática da fiscalização e cobrança, de cima e de fora, exigidas por certos “parceiros” (?), em geral, tem resultado em desastre ou teatro. A avaliação participativa parte da convicção que a garantia do sucesso de uma proposta está no envolvimento corresponsável dos atores envolvidos. Essa participação inclui o exame da prática, a preocupação com o diagnóstico, o comprometimento com a implantação das recomendações. Pois, “pior do que não saber, é não realizar o que se entendeu”. Avaliação e “resultados”

Para poder avaliar a influência da atuação de um grupo popular, o Cepis leva em conta pelo menos quatro elementos que, de forma dinâmica, se inter-relacionam: a relação interna dos grupos populares, a postura e as respostas do governo de plantão, o enfrentamento das forças econômicas que produzem a situação de pobreza e a disputa da opinião pública realizada pelos diversos atores.

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