Caracteristicas Do Fenomeno Religioso Na Sociedade Contemporanea

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    SRIE ANTROPOLOGIA

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    CARACTERISTICAS DO FENMENO RELIGIOSONA SOCIEDADE CONTEMPORNEA

    Jos Jorge de Carvalho

    Braslia1991

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    CARACTERISTICAS DO FENMENO RELIGIOSONA SOCIEDADE CONTEMPORNEA

    Jos Jorge de Carvalho

    I. Preliminares: um agregado de crenas

    Dada a enorme abrangncia do tema proposto, pretendo atender apenasparcialmente expectativa dos organizadores do Seminrio e tentar discutir algumasdas caractersticas do fenmeno religioso na sociedade contempornea em geral e noBrasil em particular1. Do catolicismo e do protestantismo mais tradicionais aosestilos de cultos calcados na indstria cultural e no simulacro televisivo; dos gruposreligiosos altamente etnicizantes e fechados aos novos movimentos internacionais ecosmopolitas; de discursos teolgicos altamente racionalizados a ricas tradies oraise mticas, o complexo quadro brasileiro parece oferecer um panorama praticamentecompleto das transformaes da esfera religiosa ocorridas a partir desse momento emaberto no tempo do Ocidente que costumamos chamar de modernidade. Por talmotivo, optei por discorrer livremente sobre o que considero ser as principaisquestes do fenmeno religioso contemporneo, sem procurar estabelecer umafronteira muito precisa entre a situao brasileira e a da sociedade ocidental como umtodo.

    Como ponto de partida, entendo que essa variedade de movimentos, igrejas,seitas, cultos e grupos religiosos apresentam graus distintos de insero na sociedadenacional, por vrias razes de natureza histrica ou sociolgica; contudo,fundamentalmente, todos dialogam - com maior ou menor possibilidade de

    compatibilizar suas vises de mundo - com a religio at agora hegemnica no pas:o catolicismo. Procurar um nexo lgico ou estruturante que nos permita apreendercomo uma totalidade as interfaces, superposies, oposies, continuidades esingularidades dentro desse campo - as quais se apresentam, como indicam tantosestudos recentes, cada vez mais numerosas - uma tarefa simplesmente gigantesca,ainda por realizar-se. Heuristicamente, talvez seja mais frtil postergar o momento dedefinir a totalidade e tratar esse universo religioso simplesmente como um agregado.Finalmente, ressalvo que esta apresentao possui um carter eminentementesinttico e programtico, devendo ser lida como um guia para o desenvolvimento

    posterior de uma teoria da religiosidade contempornea. Decidi oscilar entre umenfoque historiografico e outro fenomenolgico de compreenso do fenmeno

    religioso como uma forma de compensar as carncias que identifico em inmerasabordagens correntes - sobretudo as de cunho mais sociolgico -, que acabam

    produzindo interpretaes muito exteriorizantes, excessivamente gerais ou mesmopouco sensveis s especificidades da dimenso religiosa da experincia humana.

    Finalmente, como uma referncia etnogrfica bsica para se situar essadiversidade multiforme, remeto o leitor aos trs volumes da srie Sinais dos Tempos,

    1Uma verso reduzida deste trabalho foi apresentada no Seminrio "O Impacto da Modernidade

    sobre a Religio", organizado em setembro de 1990 pelo ISER e pelo Centro Joao XXIII. Agradeoimensamente a Rita Segato, Lus Mucillo e Ricardo Rocha pelas contribuies e crticas.

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    publicados pelo ISER (Landim 1989a, 1989b e 1990), que procuram delinear umcerto panorama geral da diversidade religiosa no Brasil, incluindo as transformaesrecentes no campo do catolicismo, do protestantismo e das religies afro-brasileiras.Toda essa referncia etnogrfica fica ento como pano de fundo, sobre o qual tentarei

    formular algumas interpretaes gerais.Meu ponto de partida coincide com o de Luiz Eduardo Soares ao discorrer

    sobre a dimenso religiosa da cultura alternativa (1989a): trata-se de um fenmenode religiosidade no plural. E isso particularmente relevante, no meu caso, namedida em que vivo em Braslia, uma cidade onde o panorama no campo dasreligies particularmente vasto e cheio de invenes. Para dar um exemplo, o tpicoadulto brasiliense - e sobretudo o morador do Plano Piloto -, pode ser algum quenasceu no interior do pas, criado dentro de uma tradio catlica ou protestante.Quer pratique ou no sua religio de origem, pode fazer uma terapia corporalrajneeshiana para desbloquear a libido; pode tomar "johrei" de vez em quando naIgreja Messinica para repor as energias; e pode ainda frequentar cursos ouseminrios sobre Lamasmo, Teosofia, Chakras, poder dos cristais, ou qualquer tipode espiritualidade ou de manipulao de foras e energias das tantas em voga. E nomomento em que passe por uma crise em seu estado de sade ou em suas relaesinter-pessoais - seja no trabalho, seja na vida amorosa - pode ir a algum "centro" em

    busca de apoio dito espiritual. E essa mesma palavra "centro" (termo chave dopanorama religioso brasileiro contemporneo) pode vir a significar vrias coisas: umcentro de umbanda; um terreiro de candombl; um centro kardecista; uma misturadessas trs formas anteriores; s vezes, um lugar que lida com um tipo de espritosdesconhecidos das religies estabelecidas; finalmente, comunidades como o Vale doAmanhecer, a Cidade Ecltica, a Fraternidade da Cruz e do Ltus, etc.

    S esse exemplo j suscita inmeras perguntas acerca da constituio dessecampo to diverso. Por um lado, h que perguntar-se que estruturas so essas -comunidade Rajneesh, Umbanda, Vale do Amanhecer -; logo se formam ou nouniversos simblicos autnomos ou integrados; e se h ou no um princpio decomensurabilidade entre elas. Por outro lado, interessa saber que tipo de sntese uma

    pessoa constri com essas vrias e diferenciadas inseres no campo religioso. relevante saber se ela as estrutura internamente, se constri com elas um todo ou seas mantm em compartimentos separados do seu eu interno; enfim, se consegueencontrar a, de fato, um centro. nessa dimenso - do confronto entre a pluralidadeexterna e a pluralidade interna, entre movimentos religiosos que podem ou no girarem torno de um centro simblico e experincias individuais que podem ou no

    encontrar sua sntese num centro interior - que acredito que a questo geral dareligiosidade contempornea deva ser colocada.

    preciso esclarecer tambm que me aproximo desse tema basicamente comoantroplogo e no como filsofo ou telogo. Proponho-me a ouvir as vozes de todasessas tradies inovadoras no campo religioso e recuperar todas as interfaces dessasfrentes religiosas, procurando colocar-me simultaneamente no lugar de cada umdesses sujeitos to variados e plurais. Contudo, isso no significa de modo algumabster-me de emitir juzo de valor sobre esses sujeitos; pelo contrrio, consideroimpossvel a aproximao ao universo religioso atual sem o exerccio de algumaforma de valor, consciente de que essa tomada de posio me desafia a fazer uma

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    reviso radical de um dos baluartes metodolgicos da minha disciplina, como orelativismo. Falar pois dessa pluralidade religiosa antes de identificar um ncleo quea fundamente no implica, necessariamente, que achatemos e igualemosabsolutamente tudo, caindo numa espcie de niilismo que equaliza todos os valores2.

    A tarefa, ento, ainda mais difcil, justamente porque, ao mesmo tempo em queestamos querendo recuperar essas vrias faces do campo religioso, ns estamostambm interagindo com elas de uma forma que, pelo menos parcialmente, valorativa.

    O lugar da fala do antroplogo, quando se trata de pensar a religio, talvezno seja to distante, to diferente do lugar da fala do telogo, porque este tambmdeve mover-se numa interface no menos tensa e ambgua entre atitude analtica,

    juzo de valor e religiosidade pessoal. A diferena talvez resida no fato de que amaioria dos telogos fala de dentro de uma tradio religiosa definida, a qual admitegraus distintos e mais definidos de afinidade com as demais tradies.3 Por outrolado, sou capaz de entender a rejeio de um budista ou de um cristo macumba(desde que a rejeio no negue o convvio nem retire a liberdade outra), ao mesmotempo que sou capaz de defender um lugar para essa mesma macumba. Isso porque

    parte de mim macumbeiro, parte budista, parte cristo, parte agnstico.Finalizando essas questes preliminares, ressalto que, se vemos essa

    diversidade desafiante e procuramos identificar quais so suas caractersticascentrais, temos que ter um mnimo de referncia histrica de onde partir. Parto, ento- inclusive para estabelecer um nexo com a conferncia do Pe. Henrique de LimaVaz neste mesmo colquio (Vaz 1990) - do momento chave da modernidadeocidental (por ele denominada modernidade moderna, em oposio modernidadeantiga), qual seja o imediatamente posterior construo da viso do mundo

    hegeliana, na metade do sculo XIX, momento em que se consolidou o processo quecostumamos chamar de desencantamento do mundo.

    II. Agnosticismo e anti-clericalismo modernos

    Um primeiro sintoma presente desse desencantamento foi o estabelecimentode um certo agnosticismo, uma certa rejeio da religio estabelecida. Isso umacaracterstica bsica do que chamamos modernidade. Um movimento maior demudanas na esfera religiosa implica, a partir de ento, em algum tipo de crtica, dedistanciamento, de repulsa ou de reavaliao da religio fundante da civilizao

    ocidental. Qualquer nova flexo no campo religioso ou filosfico, qualquer novomovimento que nele se insira tem de ser compreendido em funo de uma alterao

    2 Num outro trabalho, de cunho terico, procuro apresentar as possibilidades do relativismoantropolgico como uma alternativa vivel ao niilismo contemporneo (Carvalho 1988).

    3 Obviamente, h excees, como o caso de Raimundo Panikkar, que fala de um lugar espiritualonde se fundem budismo, hindusmo, cristianismo, judasmo e islamismo. Contudo, mesmo neste caso,o rico horizonte em que ele se move se limita a aquelas religies que j possuem trajetrias teolgicasletradas, conceitual e discursivamente comensurveis, a partir de que ele pode construir a nova snteseque prope.

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    que se d tambm no campo cristo. Da que uma soluo de compromisso,apresentada justamente pela elite dos cticos e dos agnsticos, foi a possibilidade dereformulaes radicais do que seja o cristianismo, sobretudo enquanto posturafilosfica. Surgiram assim, no sculo XIX, vrios cristianismos - heterodoxos,

    hereges, e por isso mesmo, modernos -, como os formulados por Schopenhauer,Kierkegaard e Nietzsche. Alm disso, outras tradies religiosas foram - talvez pela

    primeira vez na histria do Ocidente - trazidas discusso sem que fossem a prioriconsideradas inferiores; no necessariamente para ocupar o espao do cristianismo,mas para qualific-lo, se assim se pode dizer (penso aqui no Vedanta, to presente naobra de Schopenhauer, e no budismo, tambm presente nas reflexesfilosfico-religiosas de Nietzsche)4.

    Em suma, a modernidade propiciou o surgimento de dilogos com a religiodominante - alguns positivos, espcie de enfrentamento com simpatia; e algunsexplicitamente negativos, passando diretamente pela via da rejeio ou dacondenao. George Bataille, por exemplo, herdeiro indireto desses "cristianismosanti-cristos," chegou a dizer, j em meados do sculo XX, que o cristianismo menos religioso que outras religies. E podemos encontrar sinais desse clima deantagonismo no s no campo especfico da prtica (ou da teoria) religiosa, mastambm nas outras expresses culturais que refletem obliquamente o senso comumreligioso da poca (como o cinema, a literatura, o teatro, a msica, etc.). Esse quadrode tenso (com recuos estratgicos, reinterpretaes, e, s vezes indiferena) j durah mais de um sculo e chega at ns sem nada perder do seu potencial demobilizao e polmica (pensemos nas controvrsias geradas pelos filmes Je voussalue Marie, de Godard, e A Ultima tentao de Cristo, de Martin Scorcese).

    Sobre essa posio ambgua que se costuma ter em relao ao cristianismo,

    cito o exemplo do filme Lola, de Reiner Werner Fassbinder. Lola apresentadacomo uma mulher falsa, m, enganadora. Uma prostituta que, mancomunada comseu amante, se disfara de santa, ingnua e indefesa para conquistar um homem edepois destru-lo. O ponto que me interessa mencionar aqui a cena em que os doisesto juntos numa igreja, ele imaginando que est diante da mulher ideal paracasar-se (busca uma alma burilada pelos mais finos sentimentos cristos) e cantam

    juntos um cnon. Sob o efeito da msica, sublime, ele se emociona e ela, ento, lhediz que quando duas pessoas cantam juntas um cnon saem da igreja tocados pelasantidade. O homem um dbil, e no final vai runa (h claras semelhanas entreLola e o clssico O Anjo Azul, com Marlene Dietrich).

    Comparando o imaginrio de Fassbinder com o de Goethe, vemos como

    avanou a rejeio ao cristianismo durante os dois ltimos sculos, plenos demodernidade cientfico-filosfica. Penso que Lola pode ser vista como umaanti-Gretchen, a malfadada namorada de Fausto, que acabou afogando seu filho num

    poo. Gretchen aquele ser virginal, ingnuo, piedoso (ainda que carente), quesucumbiu ao poder implacvel de Mefistfeles. Contudo, aps sua queda perpetrada

    por Mefisto, ela reza de verdade na Catedral e j no crcere, beira da morte, repeleo demnio e se arrepende de seus pecados, a ponto de salvar-se da condenao

    4 Uma boa sntese histrica dessa influncia das tradies orientais no pensamento europeu

    oferecida por S. Radhakrishnan (1951).

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    divina. Lola, pelo contrrio, uma crpula assumida, assim vista pelos olhos donarrador. Essa cena na igreja, na qual ela age como uma profanadora, deixa entreveruma violncia contida, traz implcita uma manifestao de sentimentos extremamenteambguos, de cidas evocaes do papel negativo do cristianismo na sociedade alem

    e no Ocidente em geral. No fundo, ao falar desse personagem to desumano, aolocalizar essa cena de engano e degradao no interior de uma igreja, percebem-sealuses que esto entre depreciativas e cmplices e a leitura que a se pode fazer ,evidentemente, dual. Fassbinder ainda mais desconfiado e impiedoso com ocristianismo que um Lus Buuel, por exemplo, cujo anti-clericalismo est repleto dehumor e ironia. Numa viso mais favorvel tradio crist, Lola pode ser vistaapenas como uma atualizao da figura do anti-Cristo (o que no implicaria numacondenao, por parte do autor, do cristianismo como tal). Por outro lado, o filmedeixa passar tambm uma desconfiana ainda mais profunda e radical da religiocrist como uma tradio viva: o Santssimo foi capaz de aceitar (sem punir amalvada ou proteger o inocente) tal grau de hipocrisia e profanao do seu lugarsagrado, provavelmente porque se profanou e se desmoralizou ele mesmo.

    Essas manifestaes, nas artes, de uma suspeita sobre o cristianismoenquanto tradio religiosa, so tpicas e numerosssimas. Poderiam ser citadosvrios exemplos disso, no s no cinema, mas em muitas outras reas de expressoartstica. Para mim, elas so indicativas dessas relaes ambguas com o cristianismoque se tornaram dominantes, no Ocidente, sobretudo desde o princpio do sculo.Como disse antes, como se houvesse existido uma eroso do solo seguro em que seassentava a tradio religiosa ocidental e surgisse uma tendncia acentuada aosatesmos, agnosticismos e anti-cristianismos, reao que acabou por configurar-se

    praticamente numa tradio cultural nova, com seus padres e estilos expressivos

    prprios.

    III. O esoterismo e as tradies orientais

    H um outro movimento, que determinou uma vertente importante dareligiosidade contempornea e que, na minha opinio, no foi ainda muito estudado,quer do ponto de vista antropolgico, sociolgico ou mesmo teolgico: o movimentoesotrico. Ressurgido no sculo dezenove e coetneo da crise histrica e cultural queconvencionamos chamar de desencantamento do mundo, esse movimento esteve

    primariamente restrito elite intelectual europia, porm mais tarde, atravs de vrias

    mediaes, influenciou uma parcela muito mais ampla de indivduos e recolocouquestes relevantes sobre a religiosidade na era moderna como um todo.

    Considero o esoterismo moderno como sendo um grande movimento,intelectual e espiritual, constitutivo da religiosidade contempornea, e que mantmcom o cristianismo uma posio conflitiva. Por um lado, o esoterismo expandiu-secriticando o catolicismo por ter perdido o seu lado inicitico, o caminho doauto-conhecimento, alm do seu carter oficial e poltico de articulador da vidacomunitria e legitimador do controle do Estado sobre o indivduo. O esoterismocriticou o cristianismo, porque ele teria deixado esse lado hermtico, esse lado atmstico, restrito aos sacerdotes e aos contemplativos. Ou seja, ele teria fechado o

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    caminho da religiosidade plena para a maioria dos seus fiis. Gostaria de apresentar,antes de discorrer mais extensamente sobre as tradies esotricas, uma outrailustrao, retirada da arte e tambm coetnea retomada dessas tradies, onde seexpressa com grande riqueza simblica essa tenso da perda ou da dificuldade da

    relao do cristianismo com o seu lado esotrico. Refiro-me pera Parsifal, deRichard Wagner, de 1882.

    O Parsifal pode ser lido, como j o colocaram alguns comentaristas, tantocomo uma espcie de regresso tardio de Wagner ao cristianismo (depois de toda asua euforia pag da tetralogia O Anel dos Nibelungos), quanto como um crtica feroz perda, no cristianismo, dos seus smbolos mais transcendentes; e sobretudo, comouma tentativa dramtica (literal e metaforicamente) de recuper-los para o Ocidente.Se recordarmos a histria, tal como contada na verso de Wagner, h uma grandecrise na irmandade do Graal, que s pode ser renovada mediante a presena de umnovo personagem, um outro jovem que se far continuador da tradio. Esse jovemesperado Parsifal, o louco inocente, que nada sabe e que possibilitar tradiorecobrar vida. Por um lado, a estrutura da lenda parece tipicamente pag; por outrolado, a vida de Parsifal tem todo um substrato que claramente cristo. Quando eleretorna a Montsalvat, por exemplo, j de posse da lana sagrada que havia sidoraptada por Klingsor, uma sexta-feira santa e um dos seus primeiros atos fazer o

    batismo de Kundry. Quanto a Kundry, trata-se de um ser igualmente ambguo; porum lado a reencarnao de Herodes (figura ligada diretamente vida de Cristo) efoi ela quem indiretamente causou a perdio de Amfortas, e da a decadncia doGraal; por outro lado, um ser que procura a sua redeno e possui algo da figura deMaria Madalena, na medida em que lava os ps de Parsifal.

    H tambm uma clara associao crstica na figura do prprio Parsifal. Ele

    possui a inocncia, faz a pergunta certa, e tem o poder da purificao e da redeno.O po e o vinho so os elementos dessa missa pag-crist realizada em Montsalvat e nessa missa que Parsifal de novo volta e retoma a tradio, incluindo nela o seulado esotrico, o seu lado inicitico, o lado do Graal propriamente dito. Wagnerantecipa assim crticas posteriores rotinizao do carisma, que elimina nocristianismo a figura do Mestre. Aqui podemos lembrar que, por um lado, esse Graalwagneriano no apenas o de Wolfram von Eschenbach, o lapsit exillis dostemplrios e dos alquimistas, meramente um tema daquela tradio esotrica,inicitica: ele , tambm, o Graal de Robert de Boron e de Chrtien de Troyes, a umtempo o clice da Santa Ceia e o vaso no qual Jos de Arimatia recolheu o sangueque verteu do lado de Jesus. Inclusive, para alguns, ele seria tambm um smbolo

    esotrico islmico, associado Caaba celestial.5 Outros estudiosos, ainda, lembramque Wagner, nessa poca, estava fascinado pelo budismo e chegou a esboar umapera tendo como tema a vida do Buddha. No prprio Parsifal, as mulheres-flores do

    jardim de Klingsor que tentam seduzir o heri lembram um tentao sofrida peloBuddha em situao similar. Parsifal, pois, pode ser Cristo e pode ser ainda Buddha.

    Indo ainda mais longe, podemos imaginar que nesse complexo e rico mundode Parsifal h aluso a vrias outras coisas que esto muito presentes hoje, numa

    5 Um excelente resumo do simbolismo do Graal no Ocidente pode ser encontrado em vola(1986). Sobre o Graal e o esoterismo islmico, ver Pensoye (1984).

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    abertura ainda maior do campo religioso no Ocidente. Todo esse solo simblico hoje em dia muito mais movedio, mas Wagner procurou expressar, pelo menos, arelao entre esse carater esotrico inicitico - que seria uma coisa entendida como

    pr-crist - e a simbologia oficial do cristianismo. Mais ainda, parece-me que props

    uma maneira de recuperar esse cristianismo inicitico.6

    Vemos ento que, com a aparncia externa de cristianismo, Wagner criou umdrama que seria uma sntese de concepes pags, celtas, crists, islmicas e

    budistas. Nesse sentido, sua influncia foi considervel (ainda que indireta, devido aovu encobridor da msica), podendo, inclusive, ser considerada equivalente demuitos visionrios e lderes espirituais do sculo dezenove, alguns dos quaismencionarei a seguir. Essa retomada da assim chamada tradio pag permitiu, pois,a recuperao, margem da Igreja, de toda uma dimenso esotrica do cristianismo,lida a partir de vrios movimentos considerados herticos e silenciados pelo discursocristo oficial - os templrios, os maons, os rosacruzes, os hermticos, os gnsticos,os alquimistas, etc. Tal como o movimento conhecido como a Cabala crist doRenascimento, que se caracterizou como um espao de grande inveno ecriatividade, essa nova tentativa de reencantar o cristianismo, justamente em plenapoca da declarao do mundo desencantado, provocou um certo grau defragmentao da tradio crist (diferente em tudo, claro, da Reforma) e alguns deseus smbolos mais fortes foram reprocessados em novos contextos, de modo acontribuir para o surgimento de novas snteses religiosas, cuja repercusso esignificado histrico somente agora comeamos a apreciar devidamente.

    Agora, por que me parece ser esse movimento esotrico to importante?Porque ele enfatizou um hbito de olhar para todas as religies mundiais, em buscade equivalncias, de complementaes, de snteses. E esse exerccio de busca foi

    intensificado ao mximo pela prpria fundadora da Sociedade Teosfica, HelenaPetrovna Blavatsky, a qual encarnou literalmente a trajetria do viajante, doperegrino, tendo dado a volta ao mundo trs vezes no sculo XIX, observando einterpretando as mais variadas tradies espirituais. Sua Teosofia (que ocupa umlugar central no esoterismo moderno) ento essa sntese, feita tambm ao estilo doParsifal, isto , criticando duramente a histria do cristianismo por ter perdido seulado profundo, inicitico, principalmente quando contrastado com as tradiesindianas, supostamente continuadoras da espiritualidade mais plena e primordial.Contudo, na concepo teosfica no esto alheios certos princpios cristos; vejo-aapenas como se fosse uma espiral que d ainda mais voltas do que as que Wagnerdeu. Na Teosofia o movimento de trocas e assimilaes muito mais intenso e a

    partir da, desse solo esotrico, com suas vrias vertentes, se amplia enormemente acultura religiosa do Ocidente como um todo. Aquelas novas idias que apareciam,em textos orientais retiradas sobretudo das tradies hindustas, budistas e sufistas, e

    pelas quais apenas uns poucos filsofos heterodoxos do sculo XIX ficaramfascinados (como Schopenhauer e Nietzsche) vo se difundindo de um modo mais

    6 Utilizei a histria de Parsifal por nutrir obviamente uma longa simpatia por ela. Contudo, a sua

    relevncia para uma compreenso da religiosidade contempornea pode ser corroborada tambm pelomodo como Lus Eduardo Soares inseriu um episdio dessa histria num belssimo texto sobre oespao mtico no qual se movem as tradies religiosas (Soares 1989b).

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    institucionalizado e alcanando uma gama cada vez maior de pessoas, abrindo campopara sucessivas tentativas de se recolocar, j no mais o "problema da religio",como queriam os filsofos e telogos mais ortodoxos, mas as chamadas tradies deespiritualidade, parte fundamental e viva de todas as religies conhecidas.

    Penso que se faz necessrio empreender um estudo profundo da entradadessas tradies esotricas no Brasil desde o final do sculo passado, historiando ostesofos, os rosacruzes, a Comunho do Pensamento, etc. No bojo dessesmovimentos h toda uma corrente de idias que estava se movendo de algumamaneira fora do cristianismo oficial e que se procura reintroduzir na religiosidadedominante atravs de mltiplas reinterpretaes. No me interessa entrar nasquestes de fidelidade, no modo teolgico-filosfico particular pelo qual foramrevisitadas as tradies crists, mas o importante que todas essas frentes antigas docristianismo foram voltando tona. No esqueamos que nesse mundo do esoterismo(ou da "tradio primordial", segundo autores como Ren Guenon, por exemplo), nosdeparamos com extremos de negatividade, de antipatia total ao cristianismoinstitucionalizado (como o caso de Julius vola), coexistindo com propostas dereinterpretao e revitalizao de seus valores e smbolos fundamentais - nessescasos quase como se s o esoterismo fosse capaz de resgatar a verdade (e no amscara social e poltica) da mensagem de Jesus Cristo (este essencialmente o

    ponto de convergncia das posies de H.P. Blavatsky, Ren Guenon, Fulcanelli,Rudolf Steiner e outros).

    Tudo isso no deixa de ter ressonncia com o que muito de ns -antroplogos, telogos, militantes cristos - podemos sentir s vezes ao olharcriticamente o prprio cristianismo praticado no pas. possvel ver, por exemplo, ocristianismo popular (o protestantismo ou o catolicismo tradicionais) como mais

    integrado, mais inteiro, enquanto os movimentos modernizadores podem parecerexcessivamente funcionais, desespiritualizados, como se o seu papel fosse apenas ode articular comunidades ou de promover sentimentos massificados e alienao.Creio que uma leitura do cristianismo brasileiro informada por essas tradiesreligiosas poderia ser: num extremo, a espiritualidade letrada, extremamente viva elivre do peso institucional, de um Leonardo Boff, um Rubem Alves e de tantosoutros; e no outro, a espiritualidade oral, tradicional, das devoes, ladainhas e cultosdo interior, das belas e criativas narrativas pias populares, tambm profundamenteespirituais. E no meio termo a auto-conscincia, racionalizada e exteriorizante, docristianismo de massa, urbano ou suburbano, um mero rearranjo eficiente da religiodesencantada.

    Talvez a maior consequncia, para o cristianismo, dessa presena cada vezmaior das tradies esotricas e orientais, reside no fato de que comea a surgir umdeslocamento da figura de Jesus Cristo, na medida em que crescem as propostas dedilogo inter-religioso: o Cristo passa a ser entendido como um princpio divino(como a natureza bdica, o Ishwara) e Jesus como uma encarnao, um avatar, umamanifestao histrica da divindade, equivalente ao Budha Shakya Muni, a Krishna,a Zoroastro, a Maom, etc.

    Obviamente, esse processo foi iniciado pelas tradies religiosas africanas noBrasil atravs do artifcio do sincretismo, mas a equivalncia com Jesus Cristo no

    pde ser muito enfatizada, tanto por razes sociais e polticas como por razes de

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    menor compatibilidade, na esfera mais estritamente religiosa, entre a cosmovisoNag e a estrutura teolgica crist.7

    IV. A "querela dos espritos"

    Um outro movimento, tambm da mesma poca e que deve ser enfatizadopor ser constitutivo de grande parte da religiosidade brasileira o espiritismo, queteve uma enorme receptividade no Brasil desde os primeiros anos de seudesenvolvimento na Frana por Alan Kardec. Ainda que tributrio de uma viso demundo paradoxalmente positivista, o espiritismo tambm cristo (ou neo-cristo),na medida em que reintroduz, revaloriza noes crists, tais como a de caridade. Eleno s ressemantiza aspectos do cristianismo como introduz o mundo dos espritosde uma forma agora muito mais ampla, complementando a doutrina equivalente

    praticada pelas tradies esotricas e pelas religies afro-brasileiras.8

    Primeiramente, h que ressaltar-se que as doutrinas de vrias tradiesesotricas conseguiram casar muito bem com a doutrina espiritualista do kardecismo.Logo a seguir veio o grande cruzamento entre o kardecismo e as tradies religiosasafro-brasileiras no surgimento da Umbanda. Um ponto de mudana nascaractersticas da religiosidade brasileira a partir dos anos trinta - resultadoobviamente dessa interrelao crescente entre a Umbanda, o espiritismo kardecista eas vrias tradies esotricas - foi a recolocao das diferenas entre o nvel psquico(ou emocional) e o nvel propriamente espiritual da experincia religiosa, questoimportante e que havia sido praticamente abandonada pelo cristianismo.9

    No caso do espiritismo a prpria doutrina kardecista oferece umapossbilidade de dilogo com as chamadas tradies esotricas: ao postular os

    chamados "espritos de luz", espritos mais ou menos desenvolvidos, - ou seja, o quepassa a ser, numa tradio do tipo teosfico, planos do mental (o mental superior,mental inferior, etc.),- h uma comparao dos nveis internos mediante o postuladode uma espcie de continuum, que comea com o meramente psquico (ou paraoutros, com o emocional imediato, ou com o perisprito, ou ainda com o manasinferior) e termina com o esprito puro ou o Eu tmico. Assim, aquilo que seria parauma determinada escola esotrica apenas um primeiro estgio do encontro com adimenso interna, lido em outras escolas (como no kardecismo e em todos os seuscorrelatos) de outra maneira, como um leque que vai dos espritos das trevas at osespritos de mais luz. E a Umbanda tambm faz uma outra leitura desse mesmocontinuum do mundo dos espritos, postulando os espritos de esquerda - s vezes

    dentro de cada falange, e s vezes entendido como uma falange em si mesma - tendo7 A prpria teologia crist j se mostra sensvel a esta perda da unicidade de Jesus, ao admitir

    discutir se "Jesus o Cristo, mas Cristo no somente Jesus" (ver Miranda 1990).

    8 bom ressaltar que o "mundo dos espritos", trazido pelas religies afro-brasileiras e pelasreligies indgenas, foi fundador, junto com o catolicismo, o judasmo e o protestantismo, da primeiramatriz religiosa brasileira, iniciada no perodo colonial (ver Azzi 1978).

    9 Ver a discusso desses nveis em Titus Burckhardt (1979) e H.P. Blavatsky (1973), os quaisexpem com clareza as razes pelas quais a religio crist se silenciou em relao a essa dimenso.

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    como resultado varias verses possveis da hierarquia dos espritos. A palavraesprito a no a mesma, necessariamente, que a usada pelos cristos, nem adiferena do espiritual para o psquico est colocada com a nitidez da formulao dealguns esotricos. Quero dizer apenas que se discutem - e esta discusso parte do

    sistema de crenas - amplamente as hierarquias espirituais.Ha uma espcie de "ideologia" complexa da evoluo espiritual, que

    importante para a compreenso da religiosidade brasileira, porque essa ideologia esttambm dentro do candombl (com seus vrios tipos de entidades e tipos de transe),da umbanda, do espiritismo, e at dos pentecostais, que devolvem para a prpriaumbanda (muitas vezes para a macumba) a sua relao com seus espritos,reavaliando-os, ainda que de forma negativa. Em Braslia, inclusive, j h um novogrupo, chamado Orion, especializado no contato com espritos de seres de outrasgalxias. Enquanto o Vale do Amanhecer pratica uma abertura total a todos os estilosde espritos, - dos muito prximos aos muito distantes - esse grupo Orion especializado no espiritual inter-galtico. Finalmente, acrescentemos ainda a esseuniverso de espritos a concepo do mundo espiritual das novas religies japonesas(Igreja Messinica, Seicho-no-I e Mahikari) que crescem enormemente no pas,contando j com milhes de adeptos.

    Sintetizando, parece-me que ainda no se sabe o suficiente sobre essesmundos de espritos e como eles se articulam. Afinal, so dezenas de milhes de

    brasileiros que entram em transe regularmente, recebem entidades ou estabelecemrelaes personalizadas (de perturbao ou apoio) com a mais variada gama deespritos. Isso deveria estimular-nos formulao de uma teoria geral do mundo dosespritos, na qual deveriam enfrentar-se posies racionalistas, psicologizantes,materialistas, polticas, esotricas, tomistas, calvinistas, luteranas, africanas,

    indgenas etc. E importante perceber que toda essa discusso, at onde conheo,tem sido desenvolvida at agora primariamente pelos cultos afro-brasileiros, peloespiritismo e pelas seitas esotricas; enfim, basicamente margem do cristianismoestabelecido.

    Desejo enfatizar a importncia dessa "querela dos espritos" tambm porqueela nos prov a ocasio adequada para introduzir elementos de valor necessriosinclusive para situar comparativamente as vrias doutrinas nativas. Por exemplo,Roger Bastide tentou, h um tempo atrs, num texto seminal e infelizmente ainda

    pouco conhecido intitulado "O Castelo Interior do Negro" (1976), comparar, dealguma maneira, os vrios nveis de transe no candombl com as moradas do castelointerior de Santa Teresa de Jesus. Esta uma pergunta enorme que fica no ar.

    Estamos falando da mesma coisa? Como passar do mundo dos espritos ao mundo doesprito? Mestres de vrias tradies afirmam que o prprio mundo espiritual,

    passado o primeiro vu da opacidade, tambm um mundo hierrquico, do ponto devista da conscincia, e nem todos os grandes mestres conseguiram desvelartotalmente a opacidade, pois chegaram a planos diferentes. Como disse antes, essalinguagem est colocada de outra forma em outras tradies praticadas entre ns - naumbanda, no candombl, no espiritismo. Agora, buscar compreender se o castelointerior do homem negro o mesmo castelo interior de Santa Teresa, eis o que euchamo de uma grande questo. dessas questes que realmente so difceis, porquemovem tudo; deixam-nos sem nenhum ponto de segurana a partir do qual possamos

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    fazer afirmaes, ao mesmo tempo que nos foram a tomar um partido, seja qualfor10.

    V. A Barbarie Religiosa

    Vimos at agora como foram aumentando no Brasil, nos ltimos cem anos, asopes religiosas, muitas das recentes situando-se, inclusive, fora das tradiescrists. A primeira consequncia desse processo de abertura a possibilidade dodesenvolvimento de uma cultura religiosa cada vez mais universal ou cosmopolita(isso dependendo, claro, da capacidade mtua de absoro, sntese e compatibilidadeentre esses vrios universos religiosos). Mas h ainda outras consequncias dessa

    pluralidade crescente, nem todas inteiramente positivas.Se bem que uma srie de tradies iniciticas recolocaram a necessidade do

    caminho esotrico, entendido como o caminho espiritual de fato, e no como ocaminho institucional, rotinizado, tambm se abriram as portas dessa religiosidade

    para os tipos de trabalho e exerccios que no vo muito alm do mundo dasemoes. Tem havido assim uma apropriao das chamadas tcnicas espirituais,atravs dos trabalhos com o corpo. E quando se desvincula uma determinada tcnicada sua tradio religiosa de origem, efetua-se uma transformao radical do que erauma tcnica, no sentido de um exerccio espiritual como caminho de se aproximar dodivino, em tecnologia de alterao de estados corporais, psquicos ou fisiolgicos. Hatualmente uma pliade de intervenes no corpo, por exemplo, que podem vir dosufismo, do tantra, do taosmo, do yoga, do lamasmo, do zen, do xintosmo. Querdizer, h uma descontextualizao de aspectos de uma tradio que tambm umacaracterstica dessa religiosidade contempornea. Muitas matrias jornalsticas

    recentes utilizam, inclusive, a metfora do supermercado ou da feira, ao referir-se profuso de tcnicas espirituais que se oferecem hoje ao pblico urbano (e nesseparticular a mdia no faz mais que reproduzir a abordagem sociolgica de PierreBourdieu, que tambm fala de um "mercado de bens simblicos"). Em suma, aauto-conscincia da religio como uma forma de terapia tambm um fenmenocontemporneo certamente correlato de outros processos de descontextualizao e deautonomizao das esferas da cultura na era moderna (como a arte, a sexualidade, oesporte, etc). Assim, do mesmo modo que algum faz um curso de ginstica oumaquilagem com a finalidade de adquirir uma tcnica que pode ser explorada

    profissionalmente, pode tambm adquirir tcnicas de meditao zen, sufista, tibetana,indiana, indonsia, etc. e fazer disso uma atividade profissional de "cura dos corpos,"

    como diz Bourdieu (1990).Nessa rea da tcnica espiritual deparamo-nos com uma questo filosfica

    fundamental: a dificuldade de conciliar-se, sem haver uma reduo empobrecedora, acosmoviso ocidental moderna, racionalista e cientificista, a qual pressupe umanatureza desencantada, com vises de mundo tradicionais, sustentadas por princpiosmetafsicos e supra-sensveis. Pois muitos mestres espirituais sem chamar os

    10Interessa-me aqui apenas indicar a centralidade da questo levantada por Bastide. Num outro

    trabalho, de certa forma complementar ao presente, analiso as possibilidades de se realizarefetivamente a comparao de experincias de espiritualidade por ele proposta (ver Carvalho, 1991).

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    exerccios espirituais de sua tradio como "cincia" (cincia da meditaotranscendental, cincia do Surat Shabd Yoga, etc.). Na verdade, como diz KirpalSingh, no se trata de nenhuma cincia nova, mas justamente "da mais antiga dascincias" (Singh 1977: 266). Contudo, o paradigma vigente, sendo guiado pela razo

    instrumental, forosamente independiza um ato fsico qualquer (por exemplo, umadeterminada forma de respirao) de uma metafsica particular da qual ele faz parteaos olhos do mestre que a trouxe para o Ocidente. O resultado um mal-entendido,cultural, na melhor das hipteses, espiritual, mais frequentemente e, no raro, ticotambm.11 Pois parte e parcela do famoso "supermercado de tcnicas corporais" a

    presena do engano, da fraude, da mistificao, da mentira, na medida em que ademanda por novidades nessa rea no acompanha o processo de formao de novosmestres espirituais, processo que sempre extremamente demorado. Assim,

    pretender saber do que no se sabe um fenmeno comum no universo espiritualcontemporneo, o que no exclui de modo nenhum a possibilidade de que at mesmoa ignorncia mal intencionada possa ser eficaz para alguns , na busca dodesvelamento de sua opacidade interna.

    Diretamente relacionado com a utilizao instrumental das tcnicasespirituais est esse novo processo histrico que a massificao no interior dasreligies. A diversificao das opes religiosas se deu paralela a outrastransformaes na rea da cultura, de onde apareceram tambm formas de religiesque se apresentam como espetculo. Surge assim uma contraparte religiosa dohomem-massa de Gasset, aquele que no quer mergulhar no caminho doaperfeioamento individual, que no se critica e se satisfaz imediatamente com anovidade que lhe apresentada. Nem toda religio contempornea prope umtrabalho interno, ou espera isso de seus seguidores; quer dizer, nem todas as formas

    de religiosidade esperam desvelar o caminho das moradas internas. Ento,parafraseando Walter Benjamin, ns podemos falar de uma "barbrie religiosa",similar "barbrie artstica", por ele apontada ao criticar o campo da arte, e dacultura da virada do sculo, caracterizadas pela perda da tradio, do narrador, daexperincia de profundidade. Proponho, ento, que podemos falar agora do religiosocomo Erfahrung (a tradio, recriada pelo indivduo e vivida no seio da comunidadereligiosa no processo mesmo de mant-la viva), e tambm o religioso como Erlebnis,mera vivncia, isto , a religio vista como conexo imediatista e muitas vezes fugazcom uma tcnica ritual ou um conjunto de crenas das quais se desconhecem suasimplicaes simblicas, suas articulaes cosmolgicas, seus mitos, seu sentidointerno mais transcendente, etc. Resumindo, pode-se arriscar que hoje no s a arte, o

    esporte, a poltica, se do como espetculo, mas tambm a religio.

    11 Uma crtica oportuna desses mal-entendidos espirituais feita "de dentro" de uma tradio religiosa

    oriental agora transladada ao Ocidente, foi formulada por Chogyam Trungpa, que esclarece osmltiplos enganos de se aprender egoicamente tcnicas espirituais, ficando as pessoas presas ao que elechama de "materialismo espiritual" (Trungpa 1986). Houve recentemente uma reao oficial da Igreja,expressa pelo Cardeal Joseph Ratzinger (1989), alertando para o perigo de se utilizar, no contexto docatolicismo, tcnicas orientais de meditao. Agradeo a Maria Clara Bingemer pela oportunareferncia a Ratzinger.

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    VI. Monotesmos e politesmos

    Do mesmo modo como se ampliou tremendamente o leque politesta noBrasil, ocorreu tambm um crescimento de novos monotesmos, vindos

    principalmente de movimentos orientais ou neo-orientais. Se pensarmos nosmonotesmos tradicionais ou histricos, vemos que o Deus dos cristos, dos judeus,dos muulmanos, ou mesmo dos filsofos, so todos conceitos extremamentecomplexos, cheios de tenses internas e capazes de mobilizar racionalmente no stelogos ou eruditos, mas tambm os prprios fiis. Da a rejeio a Deus, a

    blasfmia, o desencanto, a ironia, a identificao ousada, serem atitudes constitutivasdessa religiosidade centrada no monotesmo. Em contraste com isso, alguns dessesmonotesmos contemporneos parecem realizar um processo de dissoluointelectual do prprio conceito de Deus. Se tomamos o exemplo da Seicho-no-I, daMahikari, da Igreja Messinica, ou at mesmo (ainda que em menor medida) dosBaha'i, Deus parece ser, para a maioria dos praticantes, um conceito poucotrabalhado, no qual pouco se investe teologicamente. Muitas vezes metaforizadas emnatureza, universo, conscincia, energia, amor, etc., essas novas expresses damanifestao do Todo, do Criador, so palavras nas quais o trabalho de abstraointelectual do infinito e do absoluto aparece extremamente resumido ou mesmoausente. Nesse sentido (e no no sentido da eficcia simblica, ou do milagre), essesnovos monotesmos podem ser considerados mais simplificados, por exemplo, que o

    judasmo, erigido por Max Weber categoria de religio universal, justamentedevido ao seu potencial de explorao racional e pelo alto grau de abstrao que seuconceito de Deus uno incorporava.

    Devo insistir em que esse processo de esvaziamento das qualidades do Deus

    uno nos novos monotesmos consequncia principalmente do formato, do invlucrode novidade do qual esto revestidos esses movimentos religiosos para efeito de suaexpanso internacional. A novidade o valor fundamental do momento presente e oque parece atrair principalmente nesses monotesmos japoneses no um conceito deDeus mais elaborado, mais amplo ou mais vivo que o dos cristos, mas novasmaneiras de manipular energia e curar, tais como o johrei, o okyome, etc.

    Deixo claro que no pretendo discriminar ou levantar especial suspeita sobrea revelao de lderes como Meichu-Sama, Masaharu Taniguchi ou nenhum outro.Apenas me pergunto se a teologia vivida (ou seja, a interpretao e absoro quecada fiel de um sistema religioso faz do seu sistema de crena) no mais limitadanesses casos justamente porque o material original da revelao j foi "traduzido",

    antes de chegar ao Brasil, cosmoviso ocidental moderna, sem que seja trabalhada aradicalidade das diferenas de horizonte da lngua japonesa para o portugus. Assim,idias como "energia", "beleza," "natureza," "infinito," as quais se plasmaram nacosmoviso ocidental a partir de uma fuso dos horizontes filosfico-teolgicosgrego e latino, parecem no oferecer nenhuma resistncia aos termos originais

    japoneses, o que conduz a um relaxamento do que deveria provocar um ricoexerccio de hermenutica religiosa por parte dos lderes e dos praticantes.12

    12 Quero dizer que no identifico, nas obras mais divulgadas de Meichu-Sama (1987) e de

    Masaharu Taniguchi (1983), nem a sombra do belo encontro teolgico-filosfico-lingstico de umHeidegger com o Conde Kuki em torno do conceito de IKI (Heidegger 1982); ou dos brilhantes e

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    ento nesse nvel que a idia benjaminiana da vivncia encontra aplicaooportuna: porque esses movimentos j foram formulados praticamente na era dareligio massificada, com seus mecanismos formais de direcionamento designificado. Eis porque essa Erlebnis, essa vivncia sem profundidade aparente no

    inteiramente negativa (conforme o prprio Benjamin argumentava para o caso da artee da cultura que haviam perdido sua aura), mas simplesmente o horizonte quedelimita o fenmeno religioso presente. Trata-se de partir da pobreza de experincias,do desenraizamento de doutrinas, da coliso constante entre tcnicas espirituaistradicionais e o solo instrumentalizador da sociedade contempornea. Enfim, assumirque a grande maioria das pessoas que se dirigem aos novos movimentos no se

    prope cultivar a modalidade da suspeita teolgica, nem estruturar seu mundointerior segundo os cnones das religies pr-modernas.

    VII. A suspeita generalizada

    Detive-me um pouco na situao dos novos monotesmos por considerar queso ainda pouco conhecidos de nossos estudiosos. Contudo, a questo de um formatoexpressivo que simplifica o exerccio hermenutico e consegue estabelecer um canalde influncia muito mais direto com o novo fiel perpassa um grande nmero demovimentos religiosos contemporneos, tanto dentro como fora do cristianismo;tanto em religies de cunho oral como em religies essencialmente letradas.Refiro-me a um estilo religioso exatamente oposto queles que discuti antes,restauradores da dimenso esotrica: em vez de colocar a expectativa de algum tipode iniciao ou esfera preparatria, tenta pelo contrrio eliminar possveis

    resistncias - conceituais, filosficas, espirituais - do fiel para mergulhar naquele tipoparticular de universo sagrado. Em outras palavras, o lado que talvez mais cresa emnmero de adeptos aquele que aposta inequivocamente no exotrico; isto , aqueleque se pe mais perto da objetificao. Enfim, em vez de enfatizar processo, enfatiza

    produto.A Catedral da Bno, por exemplo, cobra dos fiis dinheiro em espcie,

    abertamente, exibindo assim para quem est de fora - seja um terico, seja umpraticante de outras tradies espirituais menos massificadas - as limitaes de umaexperincia que parece no transcender o emocional imediato. Ento, ao exib-lo,com toda fora, ela recoloca, imediatamente, o problema da espiritualidade plena,superior, sem a qual no faz muito sentido tentar compreender a dimenso religiosa.

    H, portanto, um elemento que poderamos chamar de uma espcie de fantasmagoriaaparecendo agora no campo do esprito. Essa mesma fantasmagoria que antes seexpressava nos primeiros objetos industriais,13 na arte inferior, no kitsch,criativos esforos de um Suzuki (1976), um Coomaraswami (s.d.), um Rudolf Otto (1959), ao tentaremtraduzir, em termos da mstica de Meister Eckhart, conceitos centrais do budismo ou de Shankara, taiscomo vacuidade, desapego, existencialidade, etc.; ou ainda, comparaes teolgico-filosficasextremamente relevantes, envolvendo zen budismo, Meister Eckhart e o ltimo Heidegger (ReinerSch|rmann 1974 e 1975).

    13 Cito a nota de Jean Lacoste sua traduo de Walter Benjamin, que esclarece a meno to breveque ele faz fantasmagoria: ..."para Benjamin fantasmagrico todo produto cultural que hesita ainda

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    apresenta-se tambm no campo da religio: o esprito, o poder espiritual, osamadhi, a iluminao, o satori, o estado crstico, que aparecem agora como umfetiche tambm, quase que em exibio comercial, como imagem de poder, comomercadoria. A possibilidade de um transe, de um passe de energia, de um abrao de

    amor divino, etc., to desejante, no contexto social presente, como a aquisio deum carro, de um eletrodomstico, de uma viagem a um lugar famoso. A propagandareligiosa, auto-consciente ou no, j incorporou, assim como qualquer outra

    propaganda da sociedade de consumo, o desejo mimtico de posse.14

    Uma outra questo importantssima, ligada diretamente eroso daexperincia como continuidade de um passado, a presena da inveno de signosreligiosos, quer dizer, a construo progressiva, - em vez de um mergulho na tradio-, de sistemas sincrticos cada vez mais espiralados, sempre mutantes, maiscaleidoscpicos, que se apiam numa cultura religiosa em constante ampliao. Ouseja: via o processo de difuso massiva, j est muito mais acessvel a todos umaespcie de cultura religiosa universal, construda a partir de informaesestandardizadas sobre como eram as religies dos povos do mundo - dos astecas, dosincas, dos chineses, dos japoneses, dos indianos, dos gregos, etc. Tudo isso estinformando uma espcie de senso comum religioso que passa a apresentar-se agoracomo "pan-tradicional," ou cosmopolita, no sentido mais estrito do termo. Um dosresultados desse processo de inveno foi, conforme j discutimos antes, osurgimento de discursos religiosos com nveis muito distintos de articulao interna eexterna. Alguns deles, inclusive, no parecem sequer formar ncleos coesos ouvises de mundo minimamente integradas.

    Essa mudana radical na composio interna dos universos religiosos conduza uma mudana tambm importante no modo pelo qual podem conviver entre si,

    formando o conjunto da pluralidade religiosa contempornea. Agora no estamosmais naquele modelo antigo de convivncia religiosa, s vezes pacfica, s vezes no,mas em que as identidades mtuas eram mais reconhecidas (os judeus, os cristos, os

    um pouco antes de se tornar mercadoria pura e simples. Cada inovao tcnica que rivaliza com umaarte antiga assume durante algum tempo a forma sem transparncia e sem porvir da fantasmagoria"(Lacoste 1982: 259). Resolvi adaptar esse conceito para o caso das religies de massa porque a idia dafantasmagoria j carrega em si mesma um "qu" de religioso - uma intermediao, entre o afetoperdido com o afastamento do sagrado absoluto e o desejo de posse, que me parece descrever maisadequadamente esse fenmeno, que a noo de "mercadoria simblica" de Pierre Bourdieu, cujomaterialismo rasante no consegue problematizar o especfico do sentimento religioso que

    supostamente se transformou em capital.14 Apesar de formulada em princpio para a literatura, a intuio de Ren Girard sobre o desejo

    mimtico encontra uma sutil equivalncia para o mundo da linguagem religiosa, quando discute asimblica do dinheiro, operador universal do consumo: "nossa vida emocional e at nossa vidaespiritual possuem a mesma estrutura da nossa vida econmica. ... Se o dinheiro est se convertendo nocentro da vida humana, tambm se converte no centro de um sistema anlogo que reproduz s avessasa estrutura da redeno crist." (Girard 1981: 25). Querer possuir, como um desejo de consumo, oestado crstico (ou os outros estados espirituais mencionados), ento, no deixa de ser prprio de umcristo, com a diferena de que essa pessoa se deixou envolver com o seu lado demonaco. SegundoGirard, o mesmo cristianismo que combateu o fetichismo em todas as suas formas, tambm o reproduzagora mimeticamente.

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    muulmanos, etc.). Agora, a autenticidade das identidades dos grupos somutuamente postas em questo. Ou a religio fechada sobre si, apresentando-secomo uma espcie de religio etnicizante (como a Igreja Helnica em Braslia, quereza a missa em grego, que no faz a mnima concesso proselitista e no oferece

    nenhuma abertura para o dilogo inter-religioso) e como tal est fora desse circuitointercomunicado, cosmopolita, externo; ou ento est no leque de opes. E se elaest no leque de opes, nesse caso passvel de qualquer tipo de avaliaes, desdeas mais civilizadas e dialogantes, como pode ser as crticas orientalistas e esotricasao cristianismo (propondo as vrias frentes de "dialogo inter-religioso") at a rejeioagressiva, a violncia explcita (como o caso da cruzada da Igreja Universal doReino de Deus contra os cultos afro-brasileiros). De qualquer forma, o fundamental que essas interfaces esto cada vez mais frequentes e com isso, o idioma da fraude,do engano, do falso, do inautntico, passa a ser a sombra do cosmopolitismoreligioso contemporneo. A suspeita inter-religiosa o preo que se tem que pagar

    por esse prprio cosmopolitismo que conseguiu abolir (pelo menos na maioria doscasos) a intolerncia religiosa, repressiva e silenciadora, de outros tempos.

    No momento presente, quando a opo religiosa se livra das amarras daidentidade estruturada, todas as religies so passveis de serem julgadas comofalsas. Quer dizer, a prpria tradio hermtica, que de repente criticava ocristianismo por ter perdido seu lado esotrico, internamente tambm est cheia defissuras e de contradies, seus mestres tambm sendo acusados de charlatanismo, demanipular poder, etc. possvel ouvir afirmaes do tipo qualitativo, inclusive dotipo espiritual, de que a Mahikari, a Seicho-No-Ie, a Umbanda, a Ordem Rosacruz, aCatedral da Beno, a Igreja Catlica, so todas picaretagens. Tudo hoje

    picaretagem. Da mesma forma, todos os mestres orientais que vm agora ao

    Ocidente, cada um na sua tradio secular, quando no milenar, so postos emdvida: Maharishi Maheshi, Swami Bhaktivedanta Prabhupada, Guru Mahara-Ji,Shri Bhagwan Rajneesh, etc., todos so passveis de serem olhados com suspeita. Omesmo ocorre com pais de santos, pastores protestantes, padres catlicos e outraslideranas de estilo inicitico. Poucos lderes espirituais contemporneos mostram

    bem o solo difcil em que se encontram como o personagem Shri Bhagwan Rajneesh,do qual se tem as opinies mais extremas, desde a de um deus at a do maior doscharlates; em Rajneesh (e no s nele) h quem veja um charlatanismo mximo equem veja a divinizao mxima do ser humano.

    Dois fatores propriamente religiosos geraram, a meu ver, esse clima desuspeita generalizada: por um lado esse agnosticismo, esse positivismo, esse atesmo

    de que falei no princpio; e por outro lado o esoterismo, na sua melhor verso, namedida em que criticou essa estrutura de dentro das intenes da religiosidademoderna, fosse ela de que tipo fosse. Vale lembrar que a prpria Blavatsky,fundadora da Sociedade Teosfica, e uma das mais severas crticas do cristianismocomo instituio, foi inmeras vezes acusada de charlatanismo e fraude. Outrosfatores, implcitos nas discusses anteriores, esto ligados diretamente s estratgiasde poder, persuaso, recrutamento, valores e ideologias e j foram suficientementediscutidos por inmeros socilogos da religio. Assim, vivemos hoje uma espcie declima de religiosidade vigiada, uma liberdade e uma mobilidade que pressupemcrtica e dvida constantes, tanto a nvel intrinsecamente religioso (onde a qualidade

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    e a intensidade das revelaes influenciam adeses e rupturas, entre lderes entre si eentre esses e seus seguidores) quanto ao nvel exterior, provocando mudanassignificativas na visibilidade relativa dos vrios movimentos.

    VIII. Novas buscas

    Para encerrar, desejo ilustrar com um pouco mais de detalhe essas grandesinovaes no campo religioso, discutidas ao longo desse trabalho. Para tanto,descreverei as caractersticas principais de dois movimentos religiosos de Brasliaque vm despertando um interesse cada vez maior. O primeiro deles o Vale doAmanhecer, um complexo religioso que foi construdo por inspirao exclusiva deuma pessoa, Tia Neiva. Ela foi uma mulher que sintetizou, em sua vida material,muito do movimento ascencional que est presente na doutrina dos espritos quedesenvolveu. Nos seus primeiros anos de adulta foi uma espcie de Madalena, tendo

    percorrido a trajetria do profano: foi chofer de caminho, mulher de aparnciacarnal e mundana, e atravs de revelaes se elevou condio de grande lderespiritual e criadora de uma forma nica de religiosidade. Para que se tenha umaidia de sua revelao, a concepo do cosmos por ela transmitida faz qualquersistema teolgico-filosfico alexandrino parecer simples. No conheo ningum atagora, mesmo os que l estiveram vrias vezes, que haja de fato compreendido oVale do Amanhecer enquanto sistema de crena. uma variedade de espiritismocristo, cuja entidade mxima o caboclo Seta Branca. H um conceito bsico do seusistema que o Stimo Raio (termo, diga-se de passagem, presente nos esquemascosmolgicos teosficos). Tia Neiva uma espcie de stimo raio do caboclo SetaBranca; Seta Branca, por sua vez, o stimo raio de Cristo; e Cristo o stimo raio

    de Deus. Dessa forma, Seta Branca no deixa de ser uma figura crstica, umaatualizao do Cristo, (anloga ao avatar dos indianos) e como tal compreendidopelos membros.

    O que mais assombra no Vale do Amanhecer a inveno total. H inmerasfalanges de entidades, muito mais numerosas do que em qualquer outra casa deumbanda ou de kardecismo. H falanges asteca, maia, inca, egpcia, indiana, tibetana,crist... todas as que se possa imaginar, pois Tia Neiva deixou espao aberto paraacolher todos os espritos possveis. Por exemplo, algumas mulheres pertencem falange helnica e se vestem como gregas; outras pertencem a uma falange rabe e sevestem como odaliscas; outras se vestem como egpcias, outras parecem fadasmedievais, princesas, etc., todas belssimas, com roupas de muitas cores, lenos nos

    cabelos. Enfim, evoca-se toda uma espcie de corte, que lembra os sales europeus,mas que pode, tambm, lembrar um harm, um convento e ainda vrios outroscontextos histricos e sociais. Tudo isso est sendo lembrado ao mesmo tempo noVale do Amanhecer. E os homens, que so os jaguares, usam uma capas marrons,que podem lembrar trajes da aristocracia, de um mestre inicitico, de um maestro eat mesmo evocar a capa do Drcula. uma religio que desafia o nosso conceito doque autntico e do que "kitsch." Na medida em que totalmente inventada, semnenhum precedente conhecido, o Vale do Amanhecer demanda a reformulao dos

    parmetros usados at agora para se compreender o que seja arte sagrada. E no s asvestimentas e os objetos rituais so originais e exclusivos; o complexo religioso

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    como um todo tambm de uma grande inveno arquitetnica, incluindo um lagoartificial, com todo um grupo de figuras femininas, tipo sereias, iaras, iemanjs, queseriam, posso deduzir, imagens, num outro plano, da prpria Tia Neiva. O smbolofundamental uma elipse, que no pode deixar de ser pensado como um smbolo

    feminino. Na verdade, pode-se dizer que o Vale do Amanhecer o primeiro culto ayoni criado no Brasil. E o templo mesmo reflete a complexidade extraordinria dosistema ritual. Nele se praticam varios tipos de cura interligados pela via doespiritismo, do mundo dos espritos; as palavras usadas pelos seguidores so muitasvezes retiradas, ou evocam, o vocabulrio da eletromecnica, do magnetismo e dafsica nuclear.

    Vemos ento no Vale do Amanhecer uma religio em formao. O perodode Tia Neiva significou expanso constante do sistema de crena, criao de linhas,falanges, conceitos, mtodos de orao e de cura que continuaram sendo ampliadosaps a sua morte, segundo os moldes por ela deixados. Contudo, chegar o momentoem que esse fascinante sistema ter que delimitar mais claramente seu eixo central deapoio. E ainda assim superar de muito qualquer das conexes que se tinha at agoraentre espiritismo, cristianismo, umbanda e esoterismo no Brasil.

    Uma outra forma de religiosidade que merece ser mencionada a queatualmente se desenvolve no interior do templo construdo pela Legio da BoaVontade em Braslia. Para construir esse templo, chamado o Templo da BoaVontade, chamou-se um arquiteto que, apesar de evidentemente portador deconhecimentos esotricos, no pertence religio da Boa Vontade. Ele teve a visode erigir uma pirmide, que foi construda em mrmores suntuosos e que hojeconhecida como a pirmide da LBV. No seu teto h um cristal que , segundo oslegionrios, o maior cristal do mundo. Esse templo chamado "Templo do

    Ecumenismo Irrestrito" e nele Cristo aparece como fundamento do Universo, sendochamado de Estadista Universal. A pirmide propriamente dita lembra as religies daantiguidade. claramente uma pirmide esotrica, uma pirmide da tradio, semelhana da dos rosacruzes, tambm em Braslia. (Como se sabe, Braslia tem todoum complexo de pirmides, motivo de muita especulao esotrica, existindo,inclusive, a teoria de que Braslia inteira seria uma rplica religiosa do Vale dosFaras.). H inequivocamente um lado inicitico nesse templo, vindo ele a ser umaconcretizao do sonho de varios grupos religiosos ligados s doutrinas tradicionais.Eu diria que a fraternidade inicitica universal conseguiu de fato firmar sua presenaali dentro. Tanto que a finalidade do recinto exclusivamente a meditao; nenhumritual se pratica no seu interior, obedecendo ao seu ideal ecumnico de abrigar todas

    as religies. Descreverei agora, brevemente, algumas de suas caractersticas maismarcantes.

    O templo possui uma nave e dois sub-solos. No centro da nave h um crculo,de onde saem, entrelaadas, uma espiral branca e outra negra. As pessoas entram nanave, dirigem-se ao extremo exterior da espiral negra e por ela caminham, emmeditao-orao, at o centro da nave, a qual est exatamente embaixo da ponta da

    pirmide. A se detm e recebem a energia que vem do cristal puro, que estencaixado na ponta, de modo a terminar, praticamente, a perfeita geometria da

    pirmide. Uma vez suficientemente energizadas, caminham de regresso, agora pelaespiral branca, at sarem finalmente pelo extremo oposto da nave ao que entraram.

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    Esse trajeto exterior as deixa exatamente em frente ao lugar chamado trono e altar deDeus; este constitumdo por uma pequena escada de sete patamares que sustenta umaltar onde h uma obra de arte moderna representando os quatro elementos naturais.H uma referncia, no conjunto, ao Deus irrestrito, trans-cultural, pantesta. Depois

    de passar nesse lugar, o visitante pode ento retirar-se da nave em direo a outroscompartimentos do complexo arquitetnico. O caminho da espiral negra vem asignificar o lado material, terrenal, inferior, que o caminho de onde parte o homemem busca do divino. Uma vez alcanado o centro, onde recebe a energia pura docristal, percorre-se a franja branca da espiral, que representa a parte superior, celeste,espiritual, de cada ser humano.

    No primeiro sub-solo h uma fonte de pedra, criao de um artista japons,da qual jorra uma gua duplamente filtrada e que deu trs voltas subterrneas pordebaixo do cristal. , assim, altamente energizada e benfica, de forma que costume beber dela. H tambm vrias obras de arte no templo, incluindo ummosaico doado pelo governo do Marrocos, marcando com ele a tradio islmica.Cristais, quadros, arranjos florais, jardins internos, bonsais, mosaicos, fontes,esculturas - a pirmide da LBV , alm de templo, um local de exibio permanentede arte. E aqui podemos observar um outro trao extremamente moderno em suaconcepo, que a prpria estetizao da religio (obviamente, h um ladoarcaizante, tradicional, nessa pirmide, que so suas sutilezas, seus segredos, seu ladorosacruz, enfim...).

    Finalmente, ao conversar com o arquiteto da obra, R.R. Roberto, este merevelou o lado mais intrigante dessa grande aventura da imaginao que o temploda LBV: j comum, - j tradio, digamos (se que se pode falar de uma tradiode menos de dois anos) - que as pessoas cheguem ao templo e faam o percurso

    espiralado para receber a energia do cristal no centro da nave. Contudo, o arquitetome diz que ele no projetou esse ritual da caminhada; ele simplesmente pesquisouconstrues de templos, em vrios textos sobre as grandes religies mundiais, eimaginou o desenho espiralado do piso para que este no ficasse na monotonia deuma s cor. Uma vez inaugurado o templo, viu-se logo que (intuitivamente, pensaele) as pessoas comearam a fazer seriamente o circuito espiralado. E assim, aquelacasa, que em princpio no deveria comportar nenhum ritual e servir apenas como umlocal para meditao, paz, recolhimento, j possui seu prprio estilo de exerccioespiritual. Enfim, em menos de um ano, j testemunha de uma inveno religiosa.Podemos imaginar aqui, luz de tudo o que foi discutido anteriormente, que h umaespcie de espiritualidade difusa nas pessoas que o visitam e que o templo ofereceu

    um potencial de estrutura para que essa espiritualidade pudesse ser exercitada. E issosem a presena de nenhum lder, coisa rara nos movimentos religiosos conhecidosat o momento, o que nos permite abrir um outro leque inteiro de questes,obviamente a serem discutidas em outra oportunidade.

    Eplogo

    Falamos aqui de centros estveis, centros abandonados, centros revisitados,centros inventados, descentramentos e ausncias de centros. Creio que isso j nos

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    trouxe suficientemente s portas do momento presente e encontrar a fsrmulatopolgica da relao entre eles seria suficiente proposta terica para encerrar este

    breve panorama.Os dois exemplos finais de criaes religiosas em Braslia, discutidos acima,

    parecem captar as complexidades e as contradies de uma boa parcela dareligiosidade brasileira contempornea: criativa e difusa. Como muitos ldereshistricos, Tia Neiva tambm partiu de uma ignorncia teolgica e conseguiudesenvolver sua busca a ponto de alcanar uma revelao e plasm-la num cultosingular. Seguindo evidentemente os passos j abertos pelas vrias linhasumbandistas, o Vale do Amanhecer levou as doutrinas espritas, arraigadas na

    populao brasileira h mais de um sculo, a um ponto limite de complexidadesemitica e inteligibilidade racional. Encarna, dessa forma, a idia daquelesestudiosos que acham que a religiosidade predominante no Brasil , de fato, de tipoesprita.

    Quanto ao templo da LBV, coloca-nos uma questo mais difcil e por issomesmo extremamente importante: at que grau de intensidade e desenvolvimento se

    pode chegar, intuitiva ou coletivamente, "descobrindo" um caminho espiralado queconduz ao centro, mas sem contato direto com um mestre que haja de fato recebido arevelao desse formato de experincia espiritual? Esse caso-limite (da ausncia deum lder religioso) toca tambm um outro predicamento (segundo creio) do

    panorama religioso brasileiro atual: muitos movimentos religiosos em expanso epoucos lderes que se imponham, com fora espiritual, diante da cena religiosa inteirado pas.

    Finalmente, apesar da religiosidade no plural lembrar primeiramentedescentramento, superficialidade e inconsistncia, h uma dimenso religiosa que me

    parece muito viva na nossa sociedade e que aponta para um caminho nem todesencantado como o supunha Max Weber: a simblica da busca, que d sentido aoconstante crescimento desse labirinto. A religio, para muitos hoje (seno para amaioria), no mais herdada (e por isso mesmo, mais facilmente descartada), masalgo a ser buscado, a ser conquistado. E esse movimento de busca que nos interessaacompanhar.

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