Caderno de Resumos (5)

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V Colóquio Internacional de Ética e Ética Aplicada: Sentimentos Morais 5th International Colloquium on Ethics and Applied Ethics: Moral Sentiments Promoção: Departamento de Filosofia/UFSM Programa de Pós-Graduação em Filosofia/UFSM ISSN 2238-6947 Caderno de Resumos Nº 1 - Junho 2012

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V Colóquio Internacional de Ética e Ética Aplicada: Sentimentos Morais

5th International Colloquium on Ethics and Applied Ethics: Moral Sentiments

Promoção:Departamento de Filosofia/UFSM

Programa de Pós-Graduação em Filosofia/UFSM

ISSN 2238-6947

Caderno de ResumosNº 1 - Junho 2012

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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE ÉTICA E ÉTICA APLICADASENTIMENTOS MORAIS

CADERNO DE RESUMOS

Santa Maria18 a 21 de junho de 2012

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V Colóquio Internacional de Ética e Ética AplicadaPrograma de Pós-Graduação em Filosofia da UFSM

Caderno de Resumos do V Colóquio Internacional de Ética e Ética Aplicada

N. 1 - Junho 2012

Flavio WilligesCésar Schirmer dos Santos

Rogério Passos Severo

(Editores)

Santa Maria2012

ISSN 2238-6947

V Col. Internac. Ética e Ética Apl., Cad. Res. Santa Maria, RS, v. 1 n. 1, p. 9-59, 2012

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Comitê científico

PresidenteCésar Schirmer dos Santos (UFSM)

MembrosAlcino Bonella (UFU)Jair Krassuski (UFSM)José Lourenço Pereira da Silva (UFSM)Wilson John Pessoa Mendonça Presidente (UFRJ)

Comissão organizadora

ProfessoresFlavio Williges (UFSM) Presidente da Comissão OrganizadoraRicardo Bins di Napoli (UFSM) Membro da Comissão Organizadora

EstudantesAlessandra Lessa (Acadêmica da Filosofia, Bacharelado/UFSM)Cristina Nunes (Doutoranda em Filosofia, PPG de Filosofia da UFSM)Félix Flores Pinheiro (Graduando em Filosofia, Licenciatura/UFSM)Gabriel Garmendia da Trindade (Mestrando em Filosofia, PPG de Filosofia da UFSM)Lisiane Sabala Blans (Mestranda em Filosofia, PPG de Filosofia da UFSM)Mateus Stein (Graduando em Filosofia, Bacharelado/UFSM)Rafael Mafalda Rodrigues (Graduando em Filosofia, Licenciatura/UFSM)

Capa: Paola Oliveira de CamargoProjeto gráfico e diagramação: Félix Flores Pinheiro, Mateus Stein, Paola Oliveira de CamargoRevisão ortográfica e diagramação: Alessandra Lessa, Félix Flores Pinheiro, Mateus Stein, Rogério Passos Severo

ISSN 2238-6947

Apoio: Capes, CNPq, Fapergs, CCSH, UFSM

Universidade Federal de Santa MariaDepartamento de Filosofia

Avenida Roraima, n. 1000, Prédio 74ª, Sala 2352Camobi, Santa Maria, RS. CEP: 97115-970

Fone: (55) 3220 8132

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APRESENTAÇÃO

O V Colóquio Internacional de Ética e Ética Aplicada é um evento que reúne professores brasileiros e estrangeiros para a discussão e promoção de temas relacionados à Psicologia Moral, Metaética e Ética Aplicada, promovido pelo Departamento de Filosofia e Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria. Essas áreas têm recebido uma atenção crescente na atualidade e colocado questões que demandam intervenção reflexiva, especialmente no tocante ao trabalho de cientistas, profissionais e pesquisadores de áreas técnicas. Nesse sentido, um dos principais objetivos da realização dos Colóquios de Ética e Ética Aplicada é proporcionar um espaço privilegiado para o debate sobre temas recorrentes da história da reflexão ética e, também, de temas atuais, gestados a partir das transformações que as mudanças tecnológicas e no modo de vida têm promovido.

Por outro lado, os problemas resultantes da interface entre ética e tecnologia, a utilização de animais em pesquisa, cuidado de seres humanos em situação vulnerável, a relação do homem com máquinas e com o planeta são pouco discutidos nos cursos de ética das universidades brasileiras. Por isso, a realização dos Colóquios de Ética e Ética Aplicada cumprirá um importante papel de agente impulsionador de mudança na pesquisa e docência filosófica em ética no Brasil. É patente, ainda, a deficiência, no Brasil, de publicações referentes aos sentimentos morais na metaética e na ética normativa, sobretudo aqueles vinculados à natureza das descrições morais e os fundamentos da ética.

Levando em conta esses fatores, consideramos pertinente eleger como objetivo central do V Colóquio o debate em torno dos "sentimentos morais". O tema será abordado a partir das investigações que vêm sendo desenvolvidas por pesquisadores brasileiros e pesquisadores de grandes centros de pesquisa filosófica dos Estados Unidos e da Europa, o que permitirá o aperfeiçoamento e qualificação das investigações éticas referentes aos sentimentos morais, psicologia moral e temas associados. Nosso propósito de longo prazo é transformar Santa Maria num núcleo de pesquisas e debates sobre ética reconhecido nacionalmente, como um espaço privilegiado para a reunião de pesquisadores de ética e filosofia moral, bioeticistas, estudantes de graduação e pós-graduação de diferentes cursos e locais do Brasil e exterior.

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Para essa edição, em particular, um passo importante foi dado nessa direção através da abertura de inscrições de comunicações, objetivando ampliar ainda mais o intercâmbio e facilitar a participação de interessados. Para nossa satisfação, recebemos um bom número de submissões, vindas das diferentes partes do país, ilustrando a abrangência e reconhecimento que o evento obteve em suas sucessivas edições.

Temos em vista, ainda, a publicação de um volume (livro) contendo os melhores textos apresentados nas sessões de comunicações, bem como as palestras e conferências previstas na programação do evento (incluindo a tradução autorizada de textos inéditos apresentados pelos professores do exterior). Esperamos, com isso, consolidar o evento não apenas como um espaço para a troca de informações e resultados de investigações, mas também incentivar publicações aprimoradas pelo debate franco e aberto com a audiência em todas as atividades do evento.

Por fim, cabe ressaltar que a iniciativa da realização do Colóquio coaduna-se com o objetivo de consolidar o Curso de Doutorado em Filosofia da UFSM, que passou a funcionar a partir de 2011, na linha de Pesquisa de Ética Normativa e Metaética, bem como a iniciar as tratativas com professores do exterior para a institucionalização de convênios bilaterais que permitirão o intercâmbio de professores e alunos.

Prof. Dr. Flavio Williges, presidente da comissão organizadora.

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SUMÁRIO

Adriane da Silva Machado Möbbs (UFSM) 9Agnaldo Luiz Mezzomo (UFPA) 9Allan Josué Vieira e Élsio J. Corá (UFFS) 10Ana Gabriela Colantoni (UFG) 10Bruno Tenório Coelho (UFPA) 11Carla Milani Damião (UFG) 12Charles Andrade Froehlich (UNISC) 12Cláudia Passos-Ferreira (UFRJ) 13Clodoveo Ghidolin (UFSM) 14Cristina de Moraes Nunes (UFSM) 15David Pearce (BLTC Research/Abolitionist Society) 16Edison Difante (UPF) 16Eduardo Vicentini (UFRGS) 17Elena de Oliveira Schuck e Gabriel Goldmeier (UFRGS) 18Elnora Gondim (UFPI) 18Érico Andrade (UFPE) 19Ésio Francisco Salvetti (UFFSUL) 20Everton M. P. Maciel (UFPEL) 21Fabian Scholze Domingues (UFRGS) 22Fábio Creder (PUC-Rio) 23Gabriel Garmendia da Trindade (UFSM) 23Gabriel Goldmeier e Elena de Oliveira Schuck (UFRGS) 24Gefferson Silva da Silveira (UFSM) 25Giovani Lunardi (UFSC) 25Helder Buenos Aires de Carvalho (UFPI) 26Idia Laura Ferreira(UFRJ) 27Ilíria François Wahlbrin (URI) 28Ilze Zirbel (UFSC) 28Itamar Soares Veiga (UCS) 29Jefferson Paim Luquini e Kátia Marian Corrêa (UFSM) 29José Gilardo Carvalho (UECEE) 30José Lourenço Pereira da Silva (UFSM) 31José Luis Sepúlveda Férriz (Universidade Complutense de Madri) 32Kariel Antonio Giarolo (UFSM) 33Lauren de Lacerda Nunes (UFSM) 34

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Letícia Machado Pinheiro (UFRGS) 35Ligia Pavan Baptista (UnB) 35Lilian Simone Godoy Fonseca (UFMG) 36Lisa Broussois (UFMG) 37Lisiane Sabala Blans (UFSM) 38Luciana Soares de Mello (UCS) 38Luciano Duarte da Silveira (UFSM) 39Lauren de Lacerda Nunes (UFSM) 34Letícia Machado Pinheiro (UFRGS) 35Ligia Pavan Baptista (UnB) 35Lilian Simone Godoy Fonseca (UFMG) 36Lisa Broussois (UFMG) 37Lisiane Sabala Blans (UFSM) 38Luciana Soares de Mello (UCS) 38Luciano Duarte da Silveira (UFSM) 39Márcio Felipe Salles Medeiros (UFSM) 40Marden Müller (UFRGS) 41Maribel Moraes Felippe (UFPEL) 41Mateus Stein (UFSM) 42Neuro José Zambam (PUC-RS) 43Odair Camati (UCS) 44Patricia Kemerich de Andrade (UFSM) 45Paulo Sérgio de Jesus Costa (UFSM) 46Rafael Chiminte (UFSM) 46Rafael da Silva Cortes (UFRGS) 47Ricardo Lavalhos Dal Forno (PUC-RS) 48Rogério Antonio Picoli (UFSJ) 49Silvestre Grzibowski (UFSM) 49Tania C. M. Fleig e Rosana J. Candeloro (UNISC) 50Tiaraju Molina Andreazza (UFPEL) 51Ubiratan Trindade (UNISINOS) 51Vanessa Steigleder Neubauer e Odete T. S. Capelesso (UNISINOS e UPF) 52Waleska Mendes Cardoso (UFSM) 53Wesley Felipe de Oliveira (UFSC) 54Anexo: Progamação das Comunicações 55

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RESPEITO E “CASOS DIFÍCEIS” (HARD CASES) EM PAUL RICOEUR

Adriane da Silva Machado Möbbs (UFSM)[email protected]

A pesquisa trata da proposta de Paul Ricoeur para uma teoria do reconhecimento que resgate a relação com e para o outro, segundo as exigências da solicitude, do respeito e a busca da articulação entre a perspectiva ética e a moralidade. A solicitude possibilitaria estimar a si mesmo como outro e o outro como a si mesmo. Além disso, o respeito (no sentido kantiano) traria consigo a distinção entre coisa e objeto, possibilitando a compreensão de que o reconhecimento do outro não se deve dar com base nos moldes da relação pessoa-coisa, e sim segundo a relação recíproca entre pessoas, tomando o outro como fim em si mesmo. Contudo, para Ricoeur, diferentemente de Kant, o respeito não pode ser tomado apenas em relação à lei, mas diante do outro, uma vez que o outro como pessoa agredida e sofrida é bem mais que a lei violada. Nesse sentido, a vida ética, de um lado, precisa ultrapassar o plano moral e jurídico e, de outro, se ancorar no mundo da vida que antecede a esses dois planos: só assim o respeito mútuo poderá abrigar a alteridade num mesmo círculo ético que resguarda a um só tempo o si-mesmo como um outro e o outro como um si-mesmo. É a partir da análise dos chamados “casos difíceis” (hard cases), situações limite que tratam da vida começando (aborto, manipulação genética e células-tronco) e vida terminando (eutanásia), que Ricoeur põe à prova sua proposta ética, avaliando como se articulam os saberes (ética teleológica) e as normas (ética deontológica) em situações concretas de julgamento. Para o autor, em ambos os casos, há traços comuns, a saber: as posições adversas devem se mover no mesmo princípio de respeito, diferenciando-se somente quanto à extensão de sua aplicação. Desse modo, busca-se avaliar a aplicação do esquema ético ricoeuriano aos “casos difíceis”, uma vez que, em um dilema, a resolução não é apenas teórica, mesmo quando se tem convicção da decisão correta a ser tomada, a qual, por sua vez, não elimina o sofrimento.

AUTONOMIA, OBRIGAÇÃO E VIRTUDE: OS PILARES DA FILOSOFIA MORAL KANTIANA

Agnaldo Luiz Mezzomo (UFPA)[email protected]

O filósofo alemão Immanuel Kant inventou um novo modo de compreender a moralidade e os seres humanos como agentes morais. Situando-o no contexto histórico da modernidade perceberemos sua originalidade e profundidade. Sua teoria moral é importantíssima e sua relevância não recrudesceu com o tempo. A qualidade e a variedade das defesas e desenvolvimentos correntes de seu ponto de vista básico, bem como a sofisticação e o alcance das críticas a ele dão-lhe um lugar central na ética contemporânea. No presente trabalho, objetivamos apresentar um exame geral dos principais aspectos da filosofia moral de Kant. Muitas interpretações diferentes foram dadas a sua filosofia moral, e suas obras publicadas mostram que suas visões mudaram com o decorrer de sua produção bibliográfica. Apesar disto, podemos identificar um posicionamento distintamente kantiano no que tange à moralidade, e a maioria de seus comentadores está de acordo quanto a seus principais delineamentos, a saber: a autonomia, a obrigação e a virtude.

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A ARTICULAÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL NO PENSAMENTO DE PAUL RICOEUR

Allan Josué Vieira (UFFS)[email protected]

O presente trabalho visa expor a proposta do filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005) para a articulação entre uma ética que visa um fim externo a própria ação e uma moral centrada no dever, ou seja, entre teleologia e deontologia. A colocação da questão sob tais termos já indica uma discussão herdeira de duas tradições filosóficas distintas: uma aristotélica, outra, kantiana. Essa tentativa de equilibrar esses princípios aparentemente excludentes, longe de ser uma substituição de Aristóteles por Kant, centra-se na busca por estabelecer um elo entre ambos, apesar de pressupor o caráter de subordinação da moral à ética. O que Ricoeur propõe é a ideia de que a ética, representada pela aspiração a uma vida plena, no convívio com outras pessoas e amparada por instituições justas, constitui-se no ponto de partida para a norma moral. Entretanto, as intenções éticas devem ser submetidas ao crivo da norma e do formalismo deontológico, que exige a possibilidade de que as máximas que norteiam as ações dos indivíduos possam ser universalizáveis. Porém, num movimento de retorno da moral à ética, essa última mostra ser a instância para a qual a mesma moral deve recorrer em casos onde o formalismo de regras e normas não consiga dar uma resposta à altura dos desafios e da complexidade dos inúmeros casos particulares. O que Ricoeur intenta, portanto, é desvelar os laços que unem a ética, compreendida como teleologia, e a moral, enquanto esfera que busca estabelecer regras formais fundadas no dever, ou seja, uma moral deontológica. A argumentação ricoeuriana gira em torno da ideia de que a ética constitui o ponto de partida da moral. Em outras palavras, por trás do formalismo e do rigorismo das regras normativas para a ação humana, seria possível perceber uma orientação que remete à teleologia da dimensão ética, representada pelo chamado ternário ético ricoeuriano: viver a vida boa, com e para os outros, em instituições justas.

SOBRE O ESTUDO DA INFORMAÇÃO E DO VALOR PARA JUÍZOS MORAIS

Ana Gabriela Colantoni (UFG)[email protected]

Hare afirma que existem características factuais e conteúdos valorativos nos juízos morais. Entretanto, há certa confusão quando se fala da relação entre informação e valor. Se por um lado, é uma exigência que a chamada “lei de Hume” seja preservada, no sentido de que não se deduz valores de fatos, por outro lado, observa-se a modificação da atitude moral (dentre aqueles que tem o propósito de agir moralmente) a partir do aumento de informações. Esse trabalho deseja mostrar que ambas as afirmações mencionadas não são contraditórias quando tratamos dos juízos morais. Esse esclarecimento só poderá ser feito através da distinção entre o estudo sobre os aspectos que garantem a universalidade em um juízo moral e a opção pela universalização. Quando mostramos que as informações podem modificar valores, na verdade mostramos que elas podem alterar nossa concepção sobre o que pode ser mais universalizável (que representa a parte descritiva do juízo moral) e, com isso, explicitamos equívocos cometidos por nós mesmos na designação anterior sobre o que era realmente universalizável. A investigação

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permanece porque nem sempre temos acesso a todos os dados. Logo, temos que o aumento de dados altera a parte descritiva de um juízo moral, pois, ao processarmos a informação, podemos encontrar equívocos sobre o que considerávamos universalizável. Outro aspecto completamente diferente é sobre a opção pelo que deve ser universalizável. Normalmente, as pessoas que optam pelo estudo da moral possuem como pressuposto o valor: “o que é universalizável é correto”, mas, na verdade, essa escolha é livre, foi feita anteriormente e, por ser uma escolha, garante coerência com a “Lei de Hume”. Contraporemos a ideia de que o bem seja deduzido de um imperativo, ou que exista uma essência do bem. A partir de toda essa discussão, o foco é abrir a possibilidade de considerar o moralmente correto (universalizável) uma escolha existencial autêntica, de acordo com os conceitos da fenomenologia.

ASPECTOS ÉTICOS DO APERFEIÇOAMENTO COGNITIVO

Bruno Tenório Coelho (UFPA)[email protected]

O rápido avanço das pesquisas neurocientíficas possibilitaram a alteração da estrutura cerebral humana. O aperfeiçoamento cognitivo, como é chamado, gerou várias reações por parte de diversos segmentos da sociedade, principalmente por suas aplicações terem implicações éticas. O debate até o momento restringiu-se basicamente entre dois grupos: conservadores e transumanistas. Os conservadores admitem como moralmente impermissível adotar tratamentos que possivelmente irão gerar uma vantagem comparativa, ou que aparentem violar um princípio moral defendido. Os transumanistas por outro lado, advogam o livre uso de substâncias e tratamentos, tendo como justificativa o aumento das capacidades cognitivas, emocionais e físicas. Pretendo defender a segunda posição, isto é, o livro uso das substâncias e métodos disponíveis atualmente, e outros que por ventura surjam em um futuro próximo. Para isso, pretendo inicialmente demonstrar como a distinção tratamento/aperfeiçoamento não nos ajuda a decidir de fato quais as atitudes permissíveis que irão gerar maior bem estar. Assim como a cafeína, a educação enquadra-se entre os métodos tradicionais de aperfeiçoamento, sendo também consensualmente aceita como um método confiável de se atingir a maturidade intelectual e adquirir novas habilidades. Contudo, não se obtém a mesma aceitação quando se trata de novos métodos, como a engenharia genética. Disso segue que se tivéssemos acesso a métodos confiáveis de forma menos dispendiosa, e pudéssemos eliminar ou reduzir nossos vieses cognitivos, ainda que em uma proporção mínima, seria imperioso adotá-los, pois se teria um enorme ganho. No entanto, há diversos tipos de regulação, e isto se deve ao excesso de temor mantido por autoridades do setor farmacêutico. Acredito que este temor é injustificado, e para isso analiso os conceitos de identidade e autonomia, que normalmente veem à tona quando se fala em aperfeiçoamento humano. A ideia aqui é avaliar até que ponto o uso destes tratamentos pode dar mais autonomia ao indivíduo, e como a modificação morfológica altera a formação da identidade. Certamente, alguém com maiores capacidades cognitivas tem a possibilidade de compreender a realidade de forma mais completa, caso tenha acesso aos meios para tal. Após o estabelecimento do campo teórico, e suas respectivas alternativas, faço uma revisão da bibliografia acerca dos métodos quando se trata do aprimoramento cognitivo, entre eles: interface cérebro-máquina, nootrópicos, modificações genéticas, estimulação magnética transcraniana (TMS) e inteligência coletiva. Irei comentar

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também acerca das restrições que impedem o avanço do debate, e quais as possíveis atitudes que se pode adotar para reverter a situação. Para se ter uma ideia, a indústria farmacêutica tende a liberar os medicamentos com capacidade remediativa, ou aqueles de ação preventiva, qualquer outra substância ou método que não se enquadre nestas duas categorias é visto com suspeita. Esta regulação impede o livre uso e comercialização de drogas que potencializem a capacidade de memorização ou atenção, por exemplo. Penso que isto é algo infeliz, fruto da incompreensão dos benefícios possíveis. Assim como no setor estético, os métodos seguros podem ser adotados sem grandes preocupações, ao menos aqueles os quais se conhece a eficácia. O avanço em prol da legalização destes medicamentos deve seguir tendo como princípio a liberdade morfológica do indivíduo; a violação deste princípio, assim como qualquer forma de controle excessivo, tende a promover a estagnação.

A APROXIMAÇÃO ENTRE SENTIMENTO MORAL E SENTIMENTO ESTÉTICO NA TEORIA DE FRANCIS HUTCHESON

Carla Milani Damião (UFG)[email protected]

! Propomos discutir a teoria de Francis Hutcheson sobre o senso ou sentimento moral interno e o julgamento moral e estético. Sua teoria e ideia de senso moral recebida do III Conde de Shaftesbury participa do contexto britânico relativo ao período do Iluminismo, incluindo a Hutcheson, Joseph Butler, entre outros, de forma a conferir as bases da teoria de Hume e sua articulação dividida nos três caracteres psicológicos: o agente moral, o paciente e o espectador. Antes de nos atermos para essa distinção, procuraremos explicar a importância do senso ou sentimento moral e sentimento estético, não como substitutos de um conhecimento inapreensível, mas como esteio seguro para a formulação de juízos morais e estéticos. A possibilidade de formular juízos com base no sentimento caracteriza o juízo moral sem a necessidade de vinculá-lo à dedução racional ou à aplicação de máximas morais que independam do sentimento. Este se define como um órgão de percepção mais próximo da natureza. Para Hutcheson, tanto a moral quanto a estética – isto é, o sentimento de belo como um sétimo sentido – são sentimentos formados na mente. Nesse sentido, propomos ressaltar que a discussão do gosto participa do contexto dessas teorias como uma aproximação ou desdobramento da questão moral, amparando suas conclusões de forma inseparável.

RAWLS E A TEORIA DA JUSTIÇA AMBIENTAL

Charles Andrade Froehlich (UNISC)[email protected]

! O objetivo deste estudo é demonstrar a proposta contemporânea de estruturação de uma teoria da justiça ambiental a partir da teoria da justiça de John Rawls. Há uma série de pesquisadores contemporâneos discutindo essa temática, ponderando os limites e possibilidades da teoria da justiça de Rawls. Para os fins propostos, devemos ressaltar, desde já, os seguintes pontos fundamentais: a) os bens a serem distribuídos são definidos como bens primários sociais e bens primários naturais, sendo o segundo tipo de difícil controle na distribuição, mas, de

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qualquer forma, inserido na estrutura básica que definirá a justiça da sociedade; b) Rawls afirma expressamente que “todas as gerações estão virtualmente representadas na posição original…”. Esses dois pontos são os mais fortes para a admissão de que a TJ de Rawls pode ser utilizada como base para uma TJ ambiental. Primeiro, porque a saúde é considerado um bem primário natural que deve ser observado e respeitado na distribuição justa (apesar do controle difícil); segundo, a manutenção de determinadas instituições e bens para o futuro, pensando-se nas gerações futuras. Daniel Thero identificou sete diferentes propostas para “emendar” a teoria geral de Rawls a fim de torná-la mais conveniente na área da ética ambiental. São elas: (1) considerar a saúde como um bem primário social – a saúde está ligada à auto-estima, e a auto-estima é o mais importante bem primário social. O problema também pode ser colocado em termos de auto-respeito. Assim, a saúde (compreendendo o ambiente) deve ser considerada e controlada, na medida do possível, sob os princípios da justiça distributiva; (2) assumimos que teremos crianças para cuidar na próxima geração; (3) tratar cada geração como uma contingência arbitrária. Na posição original, por trás do véu da ignorância, sabemos à qual geração pertencemos?; (4) incluir os animais na posição original; (5) é função da razão fazer escolhas para seres não racionais e proteger seus interesses; (6) os animais e os humanos compartilham interesses; (7) a “desejabilidade” (desirability) em tratar animais em um modo humano torna-se uma das coisas conhecidas por trás do véu da ignorância na posição original, tal como as leis da ciência são conhecidas. Entretanto, após considerar e desenvolver essas propostas, Thero conclui defendendo apenas três: 1) considerar a saúde como um bem primário social; 2) tratar cada geração como uma contingência arbitrária; 3) o reconhecimento de que animais e humanos compartilham interesses em muitos bens primários (e então seriam beneficiados indiretamente pelo nosso contrato). Em conclusão provisória, são pontos fortes da TJ de Rawls aplicada à busca de uma TJ ambiental: 1) considerar a saúde como um bem primário social que deve ser considerado e aplicado conforme os princípios da justiça distributiva; 2) justiça intergeracional: se, na posição original, não sabemos a que geração pertencemos, deve haver uma preocupação com as gerações futuras, mas não só no sentido econômico da “taxa de poupança justa” aplicada aos meus filhos e netos.

EMPATIA E A PERSPECTIVA DO OUTRO

Cláudia Passos-Ferreira (UFRJ)[email protected]

! O projeto ‘emocionista’ de Jesse Prinz (2007) tenta construir uma teoria moral que preserve o princípio humeano de que o ‘deve’ não pode ser derivado do ‘é’, mas que endosse também um relato naturalista da moralidade. Prinz defende a ideia de que podemos usar premissas descritivas para derivar fatos prescritivos. Para ele, os fatos prescritivos relacionados a conceitos como ‘bem’ e ‘mal’, ‘certo’ e ‘errado’, devem necessariamente envolver sentimentos, e são “fundamentalmente subjetivos”. Portanto, a análise de nossos conceitos morais está fortemente conectada às nossas respostas subjetivas. A psicologia moral acarreta fatos sobre a ontologia moral. É nesse sentido que Prinz (2007) afirma que a moralidade depende de nossos sentimentos e que, desse modo, varia no tempo e no espaço, ou seja, varia culturalmente. Em seu projeto emocionista, as emoções são a base da moralidade, pois os sentimentos criam os sistemas morais. Em Against Empathy, Prinz argumenta contra a tese humeana de que a empatia seja uma emoção

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importante para a moralidade, e também afirma que a empatia é uma emoção danosa para a moralidade. Ele ataca dois pontos do projeto de Hume: a tese de que a empatia envolve sentir uma emoção que outra pessoa está sentindo, e a tese de que a empatia é uma précondição para a aprovação ou desaprovação moral. Se o projeto sentimentalista de Hume implica que a aprovação e desaprovação moral dependem de empatia, então, consequentemente, em Hume, a empatia seria o fundamento da moralidade. Prinz ataca essa tese e mostra que a empatia não é uma précondição constitutiva para os sentimentos de aprovação moral, e também não é uma précondição desenvolvimentista, epistêmica ou normativa para a moralidade. O objetivo do trabalho é defender um uso da noção de empatia como sentimento moral que incorpore a proposta deflacionista de Prinz sobre os sentimentos empáticos, incluindo outros sentimentos importantes como précondição para a moralidade. Porém, ao mesmo tempo, deve guardar um papel especifico para empatia nas decisões morais. Prinz define empatia como ‘a experiência do estado emocional de outra pessoa’, e enfatiza a forma perceptiva da empatia, ou seja, a capacidade de perceber e vivenciar as emoções do outro. Em sua análise, Prinz deixa de fora um aspecto essencial da empatia para a moralidade, que é a capacidade de imaginação que permite a interiorização das emoções percebidas no outro. Se pudermos experimentar, por exemplo, o sentimento de vergonha ou culpa que uma ação produz é porque somos capazes de imaginar como essa ação é percebida pelos outros. A empatia é mais do que sentir ou reconhecer a emoção do outro – é também a capacidade de simulação mental que nos permite imaginar os sentimentos dos outros e também o modo como nossas ações são percebidas pelo outro, e como somos aprovados e desaprovados. Pretendo defender que a introjeção dos sentimentos imaginados e da perspectiva do outro é crucial para a construção de uma pessoa que segue normas e se comporta moralmente.

DILEMAS MORAIS E DILEMAS JURÍDICOS: PLANO DO DEVER E PLANO DAS POSSIBILIDADES

Clodoveo Ghidolin (UFSM)[email protected]

O objetivo é analisar alguns pontos da discussão que envolve os dilemas morais e os dilemas jurídicos. Dilemas são situações em que o agente tem o dever de escolha entre duas ou mais soluções legítimas e que não podem ser realizadas ao mesmo tempo. Por se tratar de uma operação disjuntiva entre, supostamente, dois deveres o agente sente-se diante de um dilema. Porém, nossa proposta é pensar o tema sob outra perspectiva, ou seja, dividir o tema em dois planos, a saber, o “plano do dever” e o “plano das possibilidades”. Sobre o primeiro, afirmamos que o indivíduo possui um único dever e anterior a qualquer fato, qual seja, o de agir, escolher, cumprir com as obrigações. Já a etapa das possibilidades (corresponde ao plano prático) representa as circunstâncias que um caso específico pode proporcionar alternativas disjuntivas (A ou B) e que a escolha dependerá de inúmeros fatores (racionais, emocionais, pessoais, normativos, principiológico, ou até pode não haver motivos). Diante de um fato que envolve dilema, afirmamos que o sujeito não está diante de dois deveres, mas de um único dever (anterior que é o de escolher ou tomar posição) e duas ou mais possibilidades (disjuntivas). No Direito (em alguns sistemas jurídicos como o nosso), o magistrado tem o “dever” institucionalizado (está obrigado por norma) de resolver (decidir) todo caso que lhe aparece, e tal decisão deverá estar apoiada no próprio sistema normativo (plano do

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dever). Porém, existirão casos em que haverá mais de uma alternativa com caráter disjuntivo (plano das possibilidades). Caberá ao magistrado justificar a escolha. A decisão poderá envolver motivações, mas obrigatoriamente uma norma do sistema jurídico e, em geral, não é imediata como ocorre com os dilemas morais. Os casos, tanto no direito quanto na moral, são assimétricos e parece difícil encontrarmos situações simétricas que impossibilitariam a escolha em razão da dificuldade em mensurar as alternativas. Além disso, no Direito, eles são reais enquanto na moral parecem muito mais ideais ou hipotéticos. Por fim, o magistrado não está diretamente afetado pelo resultado como ocorre na moral, ele não é parte interessada, ele é apenas o mediador da situação, ou seja, a decisão torna-se menos problemática, pois ele não é o destinatário da decisão. Assim, a escolha é obrigatória, mas as opções são facultativas. É nossa obrigação decidir independente dos resultados, das consequências (que são inevitáveis) e se podem se tornar padrão para futuras decisões ou parâmetro para outros agentes.

RESPONSABILIDADE E SENTIMENTOS MORAIS: UMA PROPOSTA DE NATURALIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE MORAL

Cristina de Moraes Nunes (UFSM)[email protected]

O objetivo deste trabalho é apresentar e analisar a proposta de naturalização da responsabilidade moral elaborada por Peter F. Strawson. Em Freedom and Resentment, o autor apresenta uma nova análise sobre a relação entre a responsabilidade moral e o livre-arbítrio. Ele considera que a maneira como o determinismo trata a questão da responsabil idade moral acaba por superintelectualizar os conceitos éticos, deixando de lado o sistema de atitudes reativas ou sentimentos morais, o que condiciona a maneira como adscrevemos a responsabilidade moral aos agentes. Desse modo, Strawson propõe uma naturalização da responsabilidade moral que esteja relacionada com as relações interpessoais dos agentes numa comunidade moral. Assim, é preciso ressaltar que, em algumas situações específicas, devemos suspender as atitudes reativas e adotar uma atitude objetiva com relação ao agente. A atitude objetiva é adotada com relação a dois grupos, a saber: o das desculpas específicas e o das exceções. No grupo das desculpas específicas, estão casos em que o agente não teve a intenção de realizar determinada ação e, por isso, os sentimentos morais podem ser diminuídos. Já o grupo das exceções refere-se às crianças e às pessoas com algum distúrbio psicológico, nesse caso, as atitudes reativas devem ser totalmente suspensas. Muitos filósofos contemporâneos são simpáticos à teoria da naturalização da responsabilidade moral, são eles Jay Wallace, Paul Russell, John Martin Fischer e Ernest Tugendhat. No entanto, essa teoria não está livre de críticas, principalmente com relação às condições para a atribuição de responsabilidade moral que dê conta de justificar as isenções de responsabilidade. Segundo Paul Russell, a falha de Strawson está em não apresentar uma capacidade racional que guie os sentimentos morais e seja capaz de justificar tais isenções. A solução estaria no fato de que, para atribuirmos responsabilidade moral aos agentes, eles devem possuir autocontrole racional, ou seja, uma razão que governe as suas ações. Entretanto, acredito que não é possível saber quando uma pessoa está no controle de suas ações ou não, já que, para isso, teríamos que conhecer muito mais do que já conhecemos sobre a psicologia humana. Assim, ainda a melhor solução para a

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atribuição de responsabilidade moral aos agentes é encontrada em Strawson, pois ele considera que essa atribuição é governada pela nossa prática social.

CONSERVATION BIOLOGY VERSUS COMPASSIONATE BIOLOGY

David Pearce (BLTC Research/Abolitionist Society)[email protected]

Since the Cambrian explosion, pain and suffering have been inseparable from the existence of life on Earth. However, a major evolutionary transition is now in prospect. One species of social primate has evolved the capacity to master biotechnology, rewrite its own genetic source code, and abolish the molecular signature of experience below “hedonic zero” throughout the living world. This talk explores one aspect of the evolutionary transition ahead, namely interventions to phase out the cruelties of Nature. The exponential growth of computer processing power promises to let us micro-manage every cubic meter of the planet. Responsible stewardship of tomorrow’s wildlife parks will entail cross-species fertility regulation via immunocontraception, “reprogramming” predators, famine relief, healthcare provision, and eventually a pan-species analogue of the welfare state. Can science and technology engineer the well-being of all sentences in our forward light-cone?

FELICIDADE E VIRTUDE: O CONFRONTO CRÍTICO ENTRE A ÉTICA ARISTOTÉLICA E A FILOSOFIA PRÁTICA KANTIANA

Edison Difante (UPF)[email protected]

Felicidade e virtude estão entre os conceitos mais adequados para confrontar as concepções éticas de Aristóteles e Kant. Não obstante, deve-se reconhecer certa dificuldade, dada a diferença de significação que esses dois conceitos assumem nas duas concepções. O sentido que os gregos usavam o conceito de areté não tinha um significado ético, cobria um campo semântico bastante amplo, indicando qualidade, perfeição ou excelência. O termo era válido tanto para o homem quanto aos animais e as coisas de um modo geral. Com Aristóteles, o termo ganha um sentido especificamente ético ao referi-lo à ação propriamente moral. A virtude ou excelência moral, no homem, consiste em uma disposição de caráter que o torna bom, que “o leva a desempenhar bem a sua função” (EN II, 6, 1106a). Ademais, a virtude é um dos elementos constitutivos da eudaimonia (felicidade). Entre elas, intercorre uma relação de reciprocidade: uma não pode existir sem a outra. A felicidade é o ponto culminante da realização humana, uma atividade da alma conforme a melhor e mais perfeita virtude. Contudo, enquanto Aristóteles mantém uma estreita conexão entre os dois conceitos, Kant os considera não só claramente distintos, mas em manifesta contraposição. A felicidade é um ideal da imaginação, não é senão uma representação que consiste na satisfação de todas as inclinações. Nesse sentido, embora seja uma inclinação universal humana, ela jamais poderia fornecer algum princípio para o agir, suas bases estão nos sentimentos de prazer e desprazer. A virtude, pois, não é garantia imediata de felicidade, “sua verdadeira figura não é mais do que representar a moralidade despida de toda a mescla de elementos sensíveis” (FMC, BA 61); logo, também da felicidade. Outro ponto

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contrastante entre as respectivas teorias diz respeito à prudência, ou seja, à sabedoria prática. A phrónesis em Aristóteles e a prudência em Kant apresentam, nitidamente, uma grande diferença, embora ambos, a partir de tais conceitos, queiram indicar o mesmo tipo de racionalidade, aquele pelo qual se delibera acerca dos meios para atingir determinado fim. Para Aristóteles, a phrónesis, ou sabedoria prática, pertence ao campo moral, ou melhor, ela diz respeito tanto à práxis interpretada em sentido comum, quanto à práxis moral. Segundo a visão kantiana, a prudência (klugheit) está fora do campo moral, na medida em que se restringe aos meios para atingir um fim natural, trata-se de uma racionalidade técnica. Ligado aos conceitos de prudência ou phrónesis, coloca-se o de habilidade. A phrónesis tem uma conotação ética em Aristóteles, ao passo que a habilidade não pertence, em sentido exclusivo, à esfera moral. Em Kant, por outro lado, nem a habilidade e nem prudência integram o domínio moral. Tomando por base tais questões, o trabalho tem por objetivo relacionar as concepções de ambos os autores, tomando por fio condutor os conceitos de felicidade e virtude.

AMIZADE OU SOLIDÃO – CENÁRIOS DO PERFECCIONISMO MORAL

Eduardo Vicentini (UFRGS)[email protected]

A amizade, em toda tradição do pensamento ético, sempre foi trazida à baila quando se fazia necessário instanciar a virtude ou encarnar valores que se tentava explicar. Em especial, um ponto merece destaque: a reflexão moral sobre a amizade parece pressupor uma tese anti-cartesiana (e anti-agostiniana) segundo a qual conhecemos a nós mesmos através de outras pessoas. Uma alegoria dessa tese aparece em “Primeiro Alcebíades”, onde o olho vê melhor a si mesmo pelo reflexo no olho de outra pessoa. Imagem que, segundo o erudito estudo de Richard Sorabji “Self – Ancient and Modern insights about individuality, Life, and Death” influenciaram passagens de Aristóteles tanto na “Ética a Eudemo” quanto na “Ética a Nicômano”, que tratam o conhecimento do valor ou do erro nas ações de nossos amigos como mais fáceis de reconhecer do que o valor e o erro em nossas próprias ações. E, partindo dessa constatação, o prazer da amizade é visto como uma conseqüência do conhecimento de nós mesmos que esta amizade proporciona. Parece estar aqui a raiz da idéia de que a perspectiva moral legítima é sempre uma perspectiva de terceira pessoa. Idéia recorrente, presente de diferentes maneiras em Platão, Aristóteles, Hume, Kant ou Adam Smith. E, porque não dizer, presente no perfeccionismo moral que Cavell vislumbra ao longo da história. Ver nos outros algo mais do que “chapéus e casacos que podem cobrir espectros ou homens fictícios que se movem apenas por molas” é o começo de nossa educação moral. Há certa ambivalência nos conceitos de amizade e solidão no PE, que fica clara na seguinte citação: “The soul environs itself with friends that it may enter into a grander self-acquaintance or solitude; and it goes alone for a season, that it may exalt its conversation or society.” (Emerson, Friedship). Que a companhia de meus amigos me traga solidão é tão estranho quanto o fato que me traga autoconhecimento (self-acquaintance).Tentarei mapear essa estranheza.

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LEI DA BURCA NA FRANÇA: UM DEBATE SOBRE LIBERDADE, BEM-ESTAR E DIGNIDADE

Elena de Oliveira Schuck e Gabriel Goldmeier (UFRGS) [email protected] e [email protected]

Em 11 de abril de 2011, passou a vigorar na França uma lei que proíbe o uso da burca e do niqab, véus que cobrem totalmente os rostos das mulheres e que, para algumas correntes da religião muçulmana, são de uso obrigatório. Tal lei tem gerado muita polêmica, dadas as diferentes maneiras de se interpretar as ideias de liberdade e dignidade humana. Nesse artigo, procuraremos focar nossa atenção sobre os diferentes pressupostos teóricos do liberalismo, do comunitarismo, do multiculturalismo e do feminismo que sustentam suas posições com relação à liberdade, à dignidade e ao bem estar. Logo, aproximaremos essa discussão do debate político contemporâneo, dado que a defesa da liberdade e da dignidade humana costuma distinguir teóricos comprometidos com estas correntes de pensamento e são centrais para a promoção da equidade de gênero e bem-estar das mulheres. Assim, explorando os pressupostos dessas quatro matrizes teóricas, procuraremos promover uma reflexão sobre os limites da intromissão externa do estado em uma dada cultura. Feito isso, buscaremos responder se o estado laico francês, a fim de defender certos valores ligados à liberdade, à dignidade humana e à equidade de gênero, tem o direito (ou o dever) de intervir na cultura de grupos muçulmanos que defendem os usos dessas vestimentas.

RAWLS: A LIBERDADE DOS ANTIGOS E A LIBERDADE DOS MODERNOS

Elnora Gondim (UFPI)[email protected]

A distinção entre aquilo que é designado como liberdade dos antigos e dos modernos remonta a conferência escrita por Benjamin Constant em 1819. Na teoria rawlsiana, isso toma a forma de um suporte conceitual, embora Rawls afirme que a oposição efetuada por Constant entre a liberdade dos antigos em relação aos modernos seja algo vago e inexato. Assim, a justiça como equidade considera tanto a liberdade negativa quanto a positiva. Constata-se tal aspecto nas obras rawlsianas em virtude da menção: (i) à igualdade; (ii) à liberdade juntamente com o procedimentalismo puro e com a elaboração dos princípios de justiça; (iii) à crença na liberdade individual enfatizada no primeiro princípio de justiça; (iv) à crença na igualdade de todos os cidadãos em uma sociedade enfatizada no segundo princípio de justiça. No entanto, para Rawls, seria pouco satisfatória somente a acomodação das concepções de liberdade antiga e moderna. Sendo assim, a teoria da justiça como equidade tenta arbitrar entre essas duas concepções propondo dois princípios de justiça para serem guias na efetivação dos valores da liberdade e da igualdade. Além disso, Rawls assegura que vai tentar ignorar as discussões sobre o significado da liberdade, dos conflitos entre os proponentes da liberdade negativa e os da positiva, porquanto Rawls não admite que entre a concepção de liberdade dos antigos e dos modernos exista uma oposição fundamental, pois o que se deve levar em consideração é o grau de engajamento que os cidadãos devem ter na política para garantir suas liberdades básicas e qual a melhor maneira para consegui-las. Para tanto, a teoria rawlsiana leva em consideração tanto a natureza social do cidadão como, também, a sua autonomia. Então, o que Rawls propõe: 1) quanto à

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liberdade negativa – a teoria rawlsiana a contempla quando afirma que as liberdades não são absolutas, que elas devem ser avaliadas como um todo, com um princípio único, onde, através dele, pode-se ponderar se há uma melhoria no total das liberdades; aqui cumpre ressaltar que uma liberdade só é restrita em função de outra. Com isso, há uma ausência de restrições externas, uma ausência de impedimentos e o Estado não deve se interpor na esfera da liberdade; 2) quanto à liberdade positiva, Rawls parte do pressuposto da necessidade de uma ordem léxica não só quanto aos princípios de justiça, mas, também, no interior do primeiro princípio. Assim, o argumento da liberdade negativa é revertido àquele da liberdade positiva onde as liberdades políticas tem prioridade e são incluídas entre as liberdades básicas. Dessa forma, Rawls trata dos direitos básicos, das liberdades essenciais e a justiça como eqüidade é caracterizada como uma concepção política que tem como objetivo administrar conflitos entre liberdades fundamentais, levando em consideração a autonomia das pessoas como seres livres, iguais que podem rever, construir e avaliar os seus princípios de justiça.

O HOMEM VAZIO: UMA CRÍTICA SÓCIO-ANTROPOLÓGICA DO UTILITARISMO

Érico Andrade (UFPE)[email protected]

O objetivo do meu artigo é criticar a compreensão utilitarista do agente moral

como átomo racional disposto invariavelmente a otimizar a felicidade. Minha hipótese é que o utilitarismo parte de uma tese razoável de que os agentes morais têm em princípio o mesmo valor – ninguém tem o direito de arbitrariamente impingir sofrimento à alguém – para concluir de forma equivocada que essa igualdade de valor se mantém a posteriori em qualquer contexto. Ou seja, o fato de que todos os agentes morais podem, em princípio, ter um mesmo valor moral não implica que, seja qual for o contexto ou a situação, os agentes morais são todos iguais. Afinal, é perfeitamente possível que um agente moral sacrifique a solução ótima (proposta pelo cálculo utilitário e que privilegia a maioria) em nome de uma motivação afetiva que potencializa o valor de uma agente moral em detrimento de outros. Os pais podem, por exemplo, sacrificar as suas vidas para salvarem um único filho. Diferentemente de várias objeções clássicas ao utilitarismo, mapeadas muito bem por Cláudio Costa (2002), meu ponto é que a compreensão do bem-estar só pode ocorrer num interior de um contexto no qual se determina a motivação da ação e os valores sociais (instituídos no horizonte do tempo) que lhe são agregados. Minhas objeções, portanto, não questionam o fato de que o bem-estar pode ser um bem moral relevante. Meu ponto se concentra na tese de que o utilitarismo elide uma discussão mais ampla sobre a natureza do bem-estar e sobre as razões que movem a ação humana, o que o torna pouco eficiente no que concerne à resolução de alguns dilemas morais. Para realizar a crítica proposta aqui vou estruturar a minha apresentação em duas etapas complementares. Num primeiro momento, vou tecer algumas considerações sobre a motivação das ações individuais, que chamo de discussão antropológica. Essa discussão visa mostrar que a compreensão utilitarista do homem como uma espécie de átomo de prazer homogeneíza as motivações humanas em detrimento da complexidade de motivações que podem governar as ações humanas e lhe conferir um valor moral. Nesse caso, o utilitarismo tem um déficit antropológico por desconsiderar que o altruísmo (por razões neurológicas e afetivas) pode ser tomado como um valor moral que legitima o autosacrifício ou que justifica uma ação dissonante da procura pelo próprio bem-estar (não sofrimento).

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Num segundo momento, vou tecer uma crítica sociológica por meio da qual defenderei que o utilitarismo tem um importante déficit cultural, visto que, para a resolução de conflitos interculturais, é necessário reconhecer a diversidade de valores culturais que é negligenciada pelo utilitarismo na medida em que ele homogeneíza as culturas sobre a prerrogativa de um valor – o bem-estar da maioria – transcultural. Assim, no que diz respeito à resolução de conflitos culturais o utilitarismo oscila entre a esterilidade (porque não considera as diferenças de cultura e, por conseguinte, não pode resolver conflitos entre elas) e a circularidade (porque não apresenta nenhum critério que não seja utilitarista para justificar a atitude utilitária). Vou concluir que falta ao utilitarismo, por um lado, uma visão menos austera do agente moral e, por outro, um senso sociológico mais acurado.

A PRODUÇÃO DA VIDA NUA; EM BUSCA DE UMA NOVA ÉTICA: REFLEXÃO A PARTIR DO PENSAMENTO DE GIORGIO AGAMBEN

Ésio Francisco Salvetti (UFSM)[email protected]

O trabalho objetiva refletir sobre a inclusão da vida humana nos mecanismos de poder (Estado, direito, mercado). Isso é um problema ético-político que ganhou força na contemporaneidade. Apoiamos e fundamentamos a reflexão nos escritos de Giordio Agamben, pensador italiano que vem construindo suas obras filosóficas num estreito diálogo e confronto com as principais questões da atualidade: a complexa e tortuosa relação entre política, direito, ética e violência. Os estudos feitos por Agamben e as reinterpretações dos conceitos como Homo Sacer, vida nua, biopolítica, Estado de exceção, explicitam a amplitude das problemáticas éticas e políticas que permeiam nosso tempo. As questões que guiarão nossa pesquisa serão as seguintes: Em que consiste a apreensão da vida pela política ou a total politização da vida? Quais são os sub-produtos da prática dos (des)governo da vida humana? Com a passagem do poder ao biopoder muitas transformações ocorreram; de uma política calcada na disciplina dos corpos e voltada para um aumento da produção industrializada, passou-se a uma biopolítica fundada no controle da vida. As reflexões sobre as implicações dessa passagem para a biopolítica serão analisadas para além daquele estudo já feito por Foucault. Nossa intenção será analisar os problemas éticos e políticos, desde dentro do local por excelência da biopolítica moderna, a saber: “os Estados Totalitários”, reflexão que Foucault não conseguiu executar. Buscando corrigir alguns erros de Foucault, Agamben procura analisar a biopolítica no centro dos campos de concentração nazistas, com este pano de fundo, consegue ter clara noção das implicações éticas toda vez que se incorreu no erro de implantar técnicas de administração da vida que procuravam separar a dimensão humana da inumana, a bios da zoé. (Zoé designava o conceito de viver comum a todos os seres vivos. Já bios designava a vida racional, própria a cada indivíduo ou grupo). Na concepção de Agamben a vida não pode mais ser tomada como simplesmente uma noção médica ou científica, ela deve ser pensada em um novo plano de imanência que impossibilite a distinção entre vida animal e humana, entre vida biológica e contemplativa. Que implicação ética tem as estratégias e técnicas de governo da vida? Agamben é enfático ao afirmar que a humanidade experênciou através das técnicas do biopoder, a produção em larga escala da vida nua, “vida sem nenhum valor”. Para essa vida não interessa mais “fazer viver ou morrer”, mas, fundamentalmente “fazer sobreviver”. Esse paradoxo do poder assombra a vida humana, instigando-nos a investigá-la. Ao mesmo tempo

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em que esse tema é atual, é, também, paradoxal. Por isso, ele exige uma reflexão mais apurada. Afinal, conforme descreve Agamben, “A nossa política não conhece hoje outro valor (...) que a vida, e até que as contradições que isto implica não forem solucionadas, nazismo e fascismo, que haviam feito da decisão sobre a vida nua o critério político supremo, permanece desgraçadamente atuais”. Através dos paradoxos da relação entre a vida e poder, que constitui fundamentalmente a marca do biopoder, extrairemos as características da política contemporânea, da mesma forma que nos interessa desvelar as conseqüências éticas dessas características.

A IMPARCIALIDADE NO UTILITARISMO DE JOHN STUART MILL

Everton M. P. Maciel (UFPEL)[email protected]

Neste trabalho, tentaremos compreender como a imparcialidade adquire importância no modelo judicial da filosofia política de John Stuart Mill. Precisaremos considerar o fato da imparcialidade ser considerada a primeira e mais importante das virtudes judiciais. A imparcialidade é vista como uma obrigação da justiça, ou melhor, como uma condição necessária à realização das outras obrigações de judiciais, como relata o próprio Mill (MILL, Utilitarianism, 1969, p.267). Veremos que o autor não descarta, também, outras virtudes jurídicas. Uma das nossas hipóteses cogita o fato da imparcialidade receber essa classificação mais elevada no âmbito judicial, justamente por Mill considerar a igualdade socialmente conveniente, sem, obviamente, atribuir a cidadãos e sociedade características ontológicas que destruiriam a proposta naturalizada do utilitarismo clássico. Será importante frisar como essa virtude judicial é fundamental na teoria jurídica proposta por Mill, especialmente se levarmos em conta que sua filosofia moral prescreve orientações de conduta, ao mesmo tempo em que descreve fatos-valores contemporâneos. Se precisarmos classificar Mill como moderno ou contemporâneo, algo que foge dos nossos objetivos, escolheríamos essa característica para colocá-lo entre os contemporâneos. Acontece que o filósofo inglês do século XIX não precisou conviver com a distinção diametral entre fatos e valores oferecida no início do século passado. Mill pode ser lido, inclusive, para ratificar as tentativas de reabilitação dos dois conceitos oferecidas nos últimos anos, mesmo que os defensores da readequação se recusem em reconhecer o utilitarismo como um todo. Para Mill, por exemplo, o liberalismo era tanto uma descrição da realidade política do seu tempo quanto uma prescrição de conduta, na medida em que a liberdade política fomenta o desenvolvimento intelectual e moral dos indivíduos de uma determinada comunidade. Jamais o autor imaginou tratar assuntos como a liberdade da vontade, ou se arriscou pela metafísica densa para as questões de prescritividade. Há em Mill algo que pode ser reconhecido como uma teoria da justiça, em um sentido bastante particular. Nosso trabalho, até esse ponto, buscará, apenas, distinguir e classificar os elementos que alicerçam essa teoria. Mesmo que o autor não tenha declarado isso textualmente, podemos observar que a igualdade política e a imparcialidade judicial são equivalentes dentro do seu utilitarismo. Nosso trabalho busca elucidar o problema da imparcialidade por dois motivos: primeiramente, trata-se de um elemento pouco explorado e de suma importância para a filosofia de Mill; em segundo lugar, ele pode ser a chave para a solução de problemas importantes, como a aparente incongruência dos conceitos de igualdade e liberdade. Aqui, visualizaremos a questão da imparcialidade sem perder de vista nosso o problema mais amplo da justiça e o utilitarismo que Mill advogou como um todo.

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UMA ANÁLISE NORMATIVA DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO: A ABORDAGEM DAS CAPACITAÇÕES EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

Fabian Scholze Domingues (UFRGS)[email protected]

Por muito tempo, os economistas buscaram medir o sucesso do desenvolvimento econômico somente através da métrica da renda, encontrando no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) seu principal indicador e parâmetro de avaliação. Embora a renda continue sendo um parâmetro fundamental para a avaliação econômica, a abordagem das capacitações argumenta contra as doutrinas utilitaristas dominantes na economia sobre a necessidade de se incluir outras métricas além da renda para a correta avaliação dos processos de desenvolvimento. Nesse sentido, conforme Sen (2004), a primeira tarefa da economia consiste numa avaliação normativa explícita sobre quais são os meios e os fins adequados ao processo de desenvolvimento. Com o esclarecimento dos fins do desenvolvimento, é possível avaliar normativamente os procedimentos instrumentais utilizados para alcançá-lo a partir de uma análise multidimensional. A abordagem das capacitações é fruto dos trabalhos de muitos autores, em particular de Amartya Sen, Martha Nussbaum e Mahbub ul Haq, resultando, entre outros trabalhos, na formulação e divulgação anual pelo PNUD do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indicador comparativo da qualidade de vida entre países. O IDH foi criado para ser um indicador alternativo ao PIB na mensuração do êxito dos processos de desenvolvimento, comparando em 2011 o total de 187 países através da formulação e divulgação de um ranking de qualidade de vida. A ampliação do espaço informacional realizada pelo IDH, com a inclusão de dimensões como saúde e educação nos estudos sobre os processos de desenvolvimento e a distinção entre fins e meios, com ênfase na expansão das liberdades substantivas dos indivíduos, organizam normativamente o espaço de reflexão sobre o desenvolvimento econômico nessa abordagem. Assim como Celso Furtado (1961, 1964, 1969) já percebia a importância das variáveis não econômicas - os parâmetros estruturais - para diagnóstico e superação do subdesenvolvimento, Amartya Sen contribuiu para a incorporação de dimensões não-econômicas na avaliação normativa do processo desenvolvimento. Entretanto, enquanto Furtado propõe uma análise histórica desse processo a partir da análise de distorções nos parâmetros estruturais, Sen propõe uma análise comparativa baseada nas realizações do desenvolvimento. Sugerimos que as diferenças apontadas entre os autores são antes complementares do que contraditórias. A utilização conjunta das metodologias estruturalista e do desenvolvimento humano contribui para expandir tanto comparativa quanto historicamente as análises normativas acerca dos processos de desenvolvimento. De outra parte, ambos os autores enfatizam o caráter não instrumental da democracia para o desenvolvimento, que é percebida como um valor em si, constituindo-se em um dos principais e mais valiosos resultados obtidos por um país desenvolvido. Contudo, enquanto Furtado (1964) defende a mudança dos parâmetros estruturais via reformas de base induzidas pelo Estado e uma democracia baseada no acesso das diferentes classes sociais às instâncias decisórias, Amartya Sen (2009) defende uma democracia como governo pela discussão, tendo como objetivo do desenvolvimento o fomento e manutenção de uma razão pública esclarecida através da ampliação das liberdades substantivas dos indivíduos.

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IMAGINAÇÃO E SIMPATIA: A PSICOLOGIA MORAL DE ADAM SMITH

Fábio Creder (PUC-RIO, UERJ)[email protected]

Pretendo, neste trabalho, analisar brevemente os dois elementos fundamentais da psicologia moral de Adam Smith, destacando a sua importância na elaboração do conceito hodierno de empatia e, destarte, a sua contribuição para alguns dos recentes e importantes avanços na teoria moral contemporânea. Com efeito, em sua obra The Theory of Moral Sentiments, Adam Smith dedica-se a uma análise detida da simpatia (a um só tempo o sentimento moral por excelência e uma das duas motivações humanas fundamentais, a servir de necessário contraponto à outra dessas motivações, qual seja o amor-próprio). Entretanto, a simpatia não atua como o único e suficiente elemento psicológico constitutivo dos indivíduos enquanto agentes morais, mas depende intensamente da imaginação, como bem o demonstrou D. D. Raphael em sua análise da filosofia moral de Adam Smith no livro The Impartial Spectator. Pretendo, pois, demonstrar a importância desses dois elementos capitais da psicologia moral de Adam Smith e a sua contribuição para os desenvolvimentos mais interessantes no campo interdisciplinar da ética e das neurociências, designadamente em torno do conceito de empatia, que tem atraído fortemente a atenção de várias das disciplinas das ciências humanas e sociais, sobretudo neste início do século XXI.

AS CRÍTICAS DE GARY L. FRANCIONE À TEORIA DOS DIREITOS ANIMAIS DE TOM REGAN

Gabriel Garmendia da Trindade (UFSM)[email protected]

Este trabalho versa sobre as principais objeções levantadas pelo scholar de Direito Gary L. Francione à proposta deontológica com fins antiespecistas elaborada pelo filósofo Tom Regan. Os objetivos da presente pesquisa são, primeiramente, delinear o projeto moral reganiano no tocante às obrigações humanas para com os membros de outras espécies, bem como a subsequente outorga de direitos básicos a eles. E, em segundo lugar, apresentar as diferenças essenciais entre o pensamento de Regan (2004) e a Abordagem Abolicionista dos direitos animais pleiteada por Francione (2000). Nesse sentido, a metodologia utilizada caracterizou-se por ser um estudo bibliográfico de cunho ético-filosófico, com vistas à problematização conceitual dos temas supracitados. Para tanto, em um primeiro momento, realizou-se a leitura dos livros Introduction to animal rights: your child or the dog? (2000) e The case for animal rights (2004), escritos por Francione e Regan, respectivamente. Depois de feita a análise das obras, ficou patente que, para Regan (2004), humanos e alguns membros de outras espécies possuem certas capacidades mentais como, por exemplo, autoconsciência, senciência e percepção autobiográfica, as quais lhes enquadrariam na categoria de sujeitos-de-uma-vida. Dessa forma, tais criaturas seriam tidas como portadoras de valor inerente, justificando assim a concessão de certos direitos humanos fundamentais às mesmas. Por sua vez, Francione (2000) concorda com Regan (2004) que animais possuem direitos e, tendo em vista tal reconhecimento ético-jurídico, deve-se abolir e não meramente regulamentar a

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exploração institucionalizada que lhes é infligida. Entretanto, a Abordagem Abolicionista defendida por Francione (2000) distingue-se da reganiana em quatro tópicos basilares. A) Segundo Francione (2000), não há razão para restringir a classe de animais protegidos ao que Regan denomina “sujeitos-de-uma-vida”. Tal proposta classificatória resultaria em uma notável hierarquização moral, haja vista que os animais incapazes de demonstrar as características mencionadas teriam seus interesses deixados em segundo plano. B) Francione (2000) sustenta que nenhuma outra capacidade além da senciência deveria ser necessária para que um indivíduo (humano ou não) tenha seus interesses mais básicos levados em consideração em uma decisão moral. C) Diferentemente de Regan (2004), Francione (2000) concentra-se na questão da condição legal dos não-humanos como propriedade. De acordo com Francione (2000), enquanto animais forem tratados como simples posses, serão tomados como coisas que não possuem nenhum valor moral ou interesses significativos. Com efeito, para que os não-humanos possam ser tidos como verdadeiros membros da comunidade moral, deve lhes ser facultado um único direito básico: o direito a não ser tratado como propriedade. D) Por último, para Francione (2000), o direito a não ser tratado como propriedade pode ser derivado diretamente do chamado princípio da igual consideração de interesses semelhantes. Por conseguinte, não haveria necessidade alguma de se adentrar nas complicações teóricas das quais Regan (2004) se vale para fundamentar os direitos animais a partir da aceitação de direitos humanos. A comunicação proveniente desse resumo explicitará os aspectos centrais das abordagens ético-filosóficas supramencionadas, indicando adequadamente seus principais pontos de convergência e divergência.

REFLETINDO SOBRE A QUESTÃO DAS TRANSFUSÕES DE SANGUE PARA AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ A PARTIR DAS PERSPECTIVAS LIBERAL,

COMUNITARISTA E MULTICULTURALISTA

Gabriel Goldmeier (UFRGS)[email protected]

Membros da comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová não aceitam receber transfusões de sangue. Tal postura gera pelo menos dois dilemas éticos e políticos enfrentados diariamente por gestores públicos e por profissionais de saúde. O primeiro diz respeito à distribuição dos recursos de saúde. Os recursos estatais são limitados e podemos supor que tratamentos alternativos são mais caros do que as transfusões de sangue. Sendo assim, se tratamentos alternativos forem oferecidos às Testemunhas de Jeová, então menos recursos públicos sobrarão para o atendimento de outras demandas; se tratamentos alternativos não forem oferecidos a eles, então suas crenças não estarão sendo respeitadas. Logo, existe ou não um dever do Estado de promover tais tratamentos alternativos às Testemunhas de Jeová? O segundo dilema está ligado à reflexão sobre os limites da liberdade de escolha dos indivíduos. Às vezes, como após certos acidentes em cidades interioranas sem modernos recursos de saúde, somente uma transfusão de sangue pode evitar a morte da pessoa acidentada. Nesses casos, se o Estado respeitar a liberdade de escolha de uma Testemunha de Jeová que se encontra nessas condições e que se nega a realizar tal procedimento, ele estará permitindo a sua morte; se não respeitá-la, não a estará tratando como um ser humano livre. Logo, existe ou não o dever do Estado de respeitar a liberdade de escolha dessa pessoa? E se ela estiver inconsciente? E se for uma criança? Atualmente,

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pensadores identificados com as tradições liberal, comunitarista e multiculturalista têm dialogado com o intuito de desenvolver uma teoria da justiça que seja capaz de dar conta justamente dos problemas relacionados ao reconhecimento de diferentes culturas, à distribuição de recursos e à promoção da liberdade de escolha. Assim, esse ensaio procurará identificar, no debate político contemporâneo, os fundamentos para as respostas aos dilemas propostos.

A BOA VONTADE E DO DEVER NA GÊNESE DA FUNDAMENTAÇÃO MORAL DE KANT

Gefferson Silva da Silveira (UFSM)[email protected]

Objetiva-se, com este trabalho, uma análise dos conceitos de boa vontade e de dever expostos por Kant na sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Partindo da exposição kantiana, feita na Primeira Seção da obra supracitada, pretende-se investigar em que medida tais conceitos acabam por se constituir em elementos de um princípio moral necessário e universalmente válido. Por primeiro, enfatiza-se a tese kantiana de que a boa vontade é boa em si mesma, sem estar ligada a qualquer finalidade. Uma boa vontade faz-se necessária para orientar, regular e dar sentido às coisas que, embora possam ser consideradas boas, não são incondicionalmente boas. Desse modo, a utilidade nada pode tirar ou acrescentar ao valor da boa vontade, pois tal valor não reside naquilo que ela promove ou realiza, mas no princípio que a determina. Decorrente disso, pretende-se investigar em que medida a boa vontade não pode ser considerada garantia de se alcançar a felicidade, mas como condição indispensável do próprio fato de o ser humano ser digno da felicidade. Num segundo momento, procura-se esclarecer algumas proposições enumeradas por Kant no que diz respeito ao dever: somente são ações realizadas por dever aquelas livres de qualquer tipo de inclinação empírica. Assim, como a boa vontade, uma ação por dever depende direta e exclusivamente da faculdade racional do homem; uma ação por dever tem seu valor não naquilo que intenta alcançar, mas, na máxima pela qual se decide agir. O dever, que até então a comum razão reconhecia como dever moral, para ser considerado um princípio genu inamente mora l , p rec isa ordenar incond ic iona lmente , is to é , independentemente de qualquer tipo de inclinação e desejo. Nesse sentido, insere-se a distinção kantiana entre uma ação em conformidade com o dever e a ação moral propriamente dita. Para concluir, procura-se mostrar que os conceitos de boa vontade e dever, enquanto pressupostos necessários para o intento kantiano de uma fundamentação da moralidade, acabam por apontar o caminho para a formulação de um princípio moral universalmente válido que possa servir de fundamento para o agir humano.

HUME E A SENCIÊNCIA COMO CRITÉRIO MORAL

Giovani Lunardi (UFSC)[email protected]

Discussões éticas hodiernas em defesa dos direitos dos animais fundamentam seus argumentos na senciência, ou seja, na capacidade de sentir como critério plausível de estatuto moral. Eticistas contemporâneos (P. Singer, T.

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Regan, A. Linzey, entre outros) consideram a sensibilidade à dor e a capacidade de fruir e sofrer como requisitos morais constitutivos de sujeitos das mais variadas espécies. Segundo esses estudiosos, as origens desses fundamentos morais remontam aos pensadores britânicos do século XVIII, principalmente nas obras de Humphrey Primatt (1776) e Jeremy Bentham (1789). No presente trabalho, sustentamos que esses argumentos já estão explícitos nos escritos de David Hume (1739/1740). De acordo com o filósofo escocês, a capacidade natural de “sentir” é um critério moral para todos os seres sensíveis. Ele afirma que os sentimentos morais “(...) não são paixões meramente humanas, estendendo-se, antes, por todo reino animal” (T 326). Consoante com seu naturalismo, Hume escreve que “(...) a comunicação das paixões ocorre entre os animais tanto quanto aos homens” (T 398). Sua conclusão é que “todos os princípios internos necessários para produzir em nós o orgulho ou a humildade são comuns a todas as criaturas; e, como as causas que despertam essas paixões são também as mesmas, podemos legitimamente concluir que essas causas operam da mesma maneira em todo o reino animal” (T 327-328). Essa afirmação de Hume é revolucionária no sentido de rebaixar o homem ao nível dos outros animais. Os julgamentos humanos sobre o mundo seriam, na verdade, semelhantes a instintos, e podem ser encontrados tanto em bestas brutas como nos camponeses mais ignorantes e simplórios. Tal rebaixamento realizado pelo filósofo escocês produz um efeito salutar ao mostrar que há um fundamento natural que desvela nossa base animal, ou seja, não existe nenhum processo complexo de raciocínio ou transcendental relacionado com as sensações de dor e prazer. Não existe nenhum motivo “especial” para agirmos moralmente. O que acontece com os animais ocorre exatamente com os seres humanos: a forma como entendemos a dinâmica das sensações “pode ser aplicada a todas as criaturas sensíveis” (T 328). Desse argumento humeano podemos extrair uma posição moral universalista contra toda forma de discriminação “especista” ou “antropocêntrica”: somos criaturas com as mesmas capacidades sensíveis.

RESPONSABILIDADE COMO PRINCÍPIO E VIRTUDE: UMA LEITURA A PARTIR DE HANS JONAS E ALASDAIR MACINTYRE

Helder Buenos Aires de Carvalho (UFPI)[email protected]

Todo o esforço de grande parte da filosofia moral contemporânea é a busca pela recuperação da racionalidade do discurso ético, seja na forma de um retomar da perspectiva teleológica, tais como a própria proposta de MacIntyre e outros neoaristotélicos, seja na perspectiva de retomar a proposta kantiana, formulando-a em outras bases, tais como Habermas, Apel, Rawls, além de outros herdeiros da Escola de Frankfurt – e, de um modo bem peculiar, Hans Jonas. A defesa de uma ética das virtudes em MacIntyre busca justamente superar o gap entre ser e dever ser a partir da retomada de uma teleologia em bases metafísicas novas, que ao mesmo tempo respeite as peculiaridades teóricas contemporâneas, como o historicismo, o pragmatismo e a afirmação da finitude da razão humana – incorporadas no seu conceito de tradição moral de pesquisa racional. A devolução do estatuto de racionalidade aos juízos éticos por meio de uma teoria das virtudes é o propósito filosófico central de MacIntyre. Entretanto, há uma unilateralidade das posições teóricas contidas nas éticas principialistas, tal como a de Jonas, e nas correntes da ética das virtudes, como a de MacIntyre. As primeiras primam por tematizar fundamentalmente princípios morais como base de suas teorias e, com

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isso, reduzem o papel das virtudes na vida ética das sociedades humanas; é como se pensassem que a descoberta dos princípios fundamentais do agir ético seria o suficiente para definir a condição moral dos indivíduos particulares e de suas normas. Já as segundas, ao focarem sobre o caráter dos indivíduos, acentuando o papel das virtudes enquanto excelências humanas incorporadas no agir individual, parecem esquecer que a moralidade possui uma dimensão normativa que vai para além do caráter dos indivíduos; esquecem que a ideia de regras universais regulando o comportamento dos homens é uma herança moderna iniludível em nossa cultura. Com isso, a tarefa teórica que se coloca para nós, contemporâneos do século XXI, diante dessa insuficiência de ambas as correntes, é buscar a formulação de uma ética na qual os princípios morais ocupem um papel tão importante quanto as virtudes morais, num equilíbrio que poderíamos chamar de hermenêutico-pragmático. Isso significa afirmar que determinados princípios morais, considerados como fundamentais, têm de ser, ao mesmo tempo, virtudes morais no interior de uma ética. No nosso caso específico, a tarefa colocada para pensarmos numa ética ambiental, é confluirmos a teoria ética da responsabilidade de Hans Jonas, cujo centro conceitual é o princípio responsabilidade, com a teoria ética de Alasdair MacIntyre, cujo centro teórico é o conceito de virtudes morais; buscando pensar o princípio responsabilidade não apenas como princípio ético, mas também como uma virtude moral imprescindível para o sucesso de uma ética ambiental capaz de modificar o ethos humano na direção de um respeito integral à vida em sua totalidade.

COGNITIVISMO INTERNALISTA: NOVOS RUMOS PARA A METAÉTICA

Idia Laura Ferreira(UFRJ) [email protected]

Ao fazer o retrospecto da discussão sobre motivação moral a partir dos problemas apontados pelas abordagens dominantes, é possível determinar porque teorias volitivas tem sido trazidas novamente para debate e, a partir de novos conceitos sobre intenção e vontade, buscar novos rumos para uma teoria unificada que acomode de maneira plausível toda a complexidade envolvida na agência moral humana. Em consequência da centralização do debate nas teorias cognitivistas, de um lado, e não-cognitivistas, de outro, por razões que podem ser rastreadas nas discussões das últimas décadas, foi paulatinamente deixado de lado o enfoque na colaboração das noções de intenção e vontade, em detrimento das noções básicas de crenças e desejos. Quando reabriu o debate das teorias internalistas da agência, Gary Watson argumentou: (i) que a reformulação da decisão (making up one's mind) é o locus primário da agência humana e (ii) que a vontade é uma instância genuína dos juízos práticos. Watson considera se não deveria ser dito que a vontade e, portanto, a agência, não tem uma existência além do domínio prático, uma existência também na esfera cognitiva. Afinal, ele argumenta que juntamente ao fenômeno de “decidir-se a” o fenômeno “decidir que” também deveria ser classificado como um fenômeno ativo e daí como um modo de agência. Tendo como ponto de partida a articulação da distinção entre cognitivismo e não-cognitivismo moral e a questão psicológica sobre a natureza dos estados mentais expressos por enunciados morais, o trabalho busca, em primeiro lugar, traçar o curso da discussão sobre o internalismo motivacional e, em segundo lugar, discutir uma reconceituação da noção de intenção que fuja à abordagem tradicional para servir à nova noção de vontade como instância decisional ativa. Para isso, o trabalho mostra que há um

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hiato entre juízos morais e a ação moralmente motivada. O argumento central defende duas teses: (i) o internalismo motivacional se apóia em noções ad hoc sobre juízos morais e (ii) a deliberação moral envolve instâncias que fogem à descrição comumente aceita pela teoria metaética apartada da teoria volitiva da ação, isto é, a descrição que reduz os estados mentais envolvidos na ação a crenças e desejos.

ÉTICA DO CUIDADO: ESSÊNCIA DO SER

Ilíria François Wahlbrin (URI)[email protected]

A ética do cuidado parte de uma compreensão que vê o ser humano, a vida e o mundo a partir da práxis do cuidar. Isso implica a promoção da saúde em todas as relações e defende o princípio da dignidade do viver, e a prática da complementaridade como motor de transformação, dando-se, estabelecendo-se e c o n s o l i d a n d o - s e c o m o m o d o , d e s e r e d e v i v e r : C O M v i v e r harmoniosamente! Assume, como missão, enaltecer, revitalizar e fortalecer práticas de cuidado à vida, sustentando-as como  ethos  em que somente a promoção da saúde conduz à prevenção da doença em todas as áreas da existência. Isso se dá a partir de uma atitude essencialmente marcada pela racionalidade (que nos caracteriza como humanos): pensar certo! O cuidado, assumido como ethos, modo de ser e de viver, faz com que percebamos o sentido de ser e, ao sermos humanos, promovamos sua significação diante de um mundo em decadência.

DIMENSÕES POLÍTICAS DE UMA ÉTICA DO CUIDADO

Ilze Zirbel (UFSC)[email protected]

Durante a década de 1980, iniciaram-se pesquisas em torno de uma “ética do cuidado/care”, originalmente ligadas ao campo da Psicologia Moral. As discussões logo afetaram outras áreas das Ciências Humanas, ganhando espaço em diversas disciplinas (psicologia, medicina, ciências sociais, teologia, entre outros.). Na Filosofia, as discussões giraram, principalmente, em torno de dois eixos: o das teorias morais e o das teorias políticas. A proximidade com temas como o a da vulneralibilidade e o cuidado de pessoas enfermas, idosas e/ou com necessidades especiais, levou ao desenvolvimento de um grande volume de trabalhos associados ao campo da bioética. A princípio, essa tem sido a vertente mais difundida no Brasil. Temas como democracia, globalização, cidadania, institucionalização (ou não) de determinadas formas de trabalho, dicotomia público-privado, entre outros, igualmente importantes e abordados por teóricos que discutem a ética do cuidado, têm sido menos trabalhados em território brasileiro. Esta comunicação pretende explorar algumas das implicações de uma ética do cuidado para a teoria política ao se perguntar se a mesma possui potencial crítico e relevância para sociedades de tipo democrático, como as ocidentais. Acredita-se que sim. Do ponto de vista de uma ética do cuidado, as sociedades humanas e os seres humanos são pensados como vulneráveis em face ao mundo em que vivem e predispostos à acidentes vitais (doenças, fomes, problemas climáticos, desemprego). A interdependência (e não a autonomia) é compreendida como própria do humano e a base para se pensar tanto

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os/as indivíduos/as quanto a sociedade e suas instituições. Como (uma das) conseqüência, não há seres humanos ou prestações de serviços passíveis de serem classificados como inferiores ou “de segunda classe” (como aqueles assumidos por imigrantes em países desenvolvidos ou migrantes em países como o Brasil). De igual forma, ao conferirem um valor social vital a necessidades humanas consideradas banais e corriqueiras (higiene pessoal, cuidado de infantes e idosos, preparação de alimentos, entre outros.), os estudos em torno da ética do cuidado politizam aspectos considerados pertinentes ao mundo do privado e evidenciam a distribuição desigual, por gênero, raça e classe, das práticas essenciais à vida humana. O foco na vulnerabilidade e na interdependência permite à ética do cuidado repensar temas como direitos humanos, globalização, cidadania, necessidades, capacidades, sustentabilidade, subdesenvolvimento, teorias de mercado, jornada de trabalho, o papel das minorias e das mulheres, crianças e idosos, excesso de consumo, saúde, entre outros. Todos temas essenciais à democracia moderna.

RACIOCÍNIO PRÁTICO MORAL E RACIOCÍNIO PRÁTICO NÃO-MORAL: UMA ABORDAGEM BASEADA EM HUME

Itamar Soares Veiga (UCS)[email protected]

Esta pesquisa analisa a possível independência do raciocínio prático diante das distinções morais. A existência de tal independência deslocaria a acepção de raciocínio prático-moral do núcleo da discussão de influência humeana. Trata-se de investigar a possibilidade dessa independência através da seguinte pergunta: a objetividade do juízo prático pode ser independente da objetividade dos juízos morais? O contexto teórico dessa investigação se divide entre os autores de dois grupos: (a) aqueles que trabalham com legado da filosofia moral de Hume como David F. Norton (David Hume: Common-Sense Moralist, Sceptical Metaphysician, 1982) e Don Garrett (Cognition and Commitment in Hume's Philosophy, 2002) e (b) um grupo formado por autores com o perfil de Douglas Walton (Encyclopedia of Ethics, 1992, v.2, p.996-1000) e Bart Streumer (The Blackwell Companion to the Philosophy of Action, 2010, capítulo 31). Os últimos entendem o raciocínio prático como desvinculado do âmbito moral. A resposta para a pergunta acima busca demonstrar que há, sim, a independência do juízo prático, e ela representa um aprofundamento maior do que aquele realizado pela tese do objetivismo moral.

INFLUXOS DA FILOSOFIA EXISTENCIAL NA HERMENÊUTICA: SARTRE E RICOEUR

Jefferson Paim Luquini e Kátia Marian Corrêa (UFSM)[email protected]

A finalidade deste estudo é refletir sobre a questão do “outro” em Paul Ricoeur, bem como sobre as ressonâncias Sartreanas que essa perspectiva possa manifestar em seu pensamento. Sabe-se que, para Ricoeur, assim como para Kant, o outro deve ser tratado sempre como um fim em si mesmo, e nunca meramente como um meio. Assim, dentro desse contexto, o outro vai ser sempre uma realidade sob a forma ou de pessoa ou de lei. Já no contexto Sartreano, “o outro é um eu diferente de mim”, muito embora essa diferença não implique o desconhecimento de

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um em relação ao outro, nem a separação entre eles. O certo é que, para Sartre, no momento em que o eu toma consciência do outro, a visão dele vai acender no eu a luz de alerta, sendo captado como um objeto estranho em relação ao eu, e daí começa um reconhecimento prévio das intenções que o outro tem sobre mim. “Porque perceber é olhar, e captar um olhar não é apreender um objeto no mundo, mas tomar consciência de ser visto.” ( SARTRE, 2003, p. 333). Ora, como isso terá repercussões em O Si-mesmo como um outro, de Ricoeur? Não se trata de duas concepções totalmente diferentes: uma existencial e enfaticamente defensora de uma liberdade irrestrita, em que o outro é sempre um problema para a minha liberdade, outra que realiza uma hermenêutica do si, a fim de compreender o sujeito numa relação construtiva com a alteridade, sujeito que, em nosso entendimento, equivale ao si, ao agente da ação? Dito de outro modo, o sujeito de Ricoeur terá autonomia, responsabilidade e liberdade perante suas ações de um modo muito mais kantiano do que o de Sartre. Afinal, em Ricoeur, o sujeito tem que agir, como em Kant, de tal maneira que a sua máxima possa ser universalizada. Ou seja, ele deve agir sempre com a pretensão de universalidade. Além disso, Ricoeur chama, também, o testemunho de Aristóteles, pois a ética vai contextualizar o sujeito de tal modo que o mundo da vida ética será anterior a esse sujeito moral. A ética antecede a moral (ponto de partida de Aristóteles), e isso significa que é fundamental retomar o conceito de “vida boa”. Pois primeiro viemos ao mundo, e depois vamos agir de acordo com essas virtudes que estão no mundo. A perspectiva de bem viver envolve, de certa forma, o conceito de justiça, implicando a própria noção do outro. Contudo, nesse contexto, não podemos deixar de citar que a solicitude, para Ricoeur, é a chave para estabelecer a igualdade das relações entre o dar e o receber, entre o si e o outro. Afinal, a solicitude vai ser o ponto de equilíbrio entre o si e o outro. Desse modo, a solicitude aqui está se referindo à bondade (bem) e à amizade. O bem se interioriza no si, e ele é o mesmo bem que está nas instituições, pois o que é o bem para mim, não é o mesmo bem para o outro. Dessa forma, o que devo fazer já está determinado; é o respeito de si, o respeito ligado ao outro, sendo contextualizado dentro da questão ética, a qual passa pelo crivo da moralidade. Não seria o fundo existencial da filosofia sartreana que permitiu a Ricoeur aproximar Kant e Aristóteles? Não é a liberdade, o existir que busca um projeto de ser, que permite propor uma ética que tem primazia sobre a moral? Tal é o que deveremos responder com este trabalho.

O CONCEITO DE VIOLÊNCIA-PODER E O CARÁTER PARADOXAL DO PODER JURÍDICO EM WALTER BENJAMIN

José Gilardo Carvalho (UECEE)[email protected]

Na presente comunicação, pretendemos apresentar o conceito de violência-poder em Walter Benjamin (1892 – 1940), com base no ensaio intitulado Crítica do Poder, Crítica da Violência [Zur Kritik der Gewalt]. Utilizamos como ponto de partida da crítica aqui em questão, a consideração da violência-poder no movimento próprio do texto benjaminiano. Nesse sentido, esta exposição tem a seguinte seqüência: a) A recusa crítica dos pressupostos metodológicos do jusnaturalismo e do positivismo jurídico; b) A definição do procedimento da filosofia da história para estabelecer os critérios para uma avaliação do poder-violência; c) A identificação de dois princípios inerentes ao direito: a violência instauradora da lei (rechtsetzende Gewalt) e a violência mantenedora da lei (rechtserhaltende Gewalt). A partir daí, estabelecemos

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as seguintes suspeitas ou hipóteses: 1) O direito ou poder jurídico possui uma forma paradoxal de atuação, segundo as dimensões instituidora e mantenedora do poder-violência, ou seja, na medida em que ele se faz valer, ele cria a sua própria suspensão, produz a exceção. 2) Essa contradição não se explicita na letra da lei, não se explica pelo seu caráter formal, mas apenas na realidade no sentido histórico abordado por Benjamin. À primeira vista, a afirmação de Bolle poderia oferecer um ponto de partida para o nosso empreendimento, pois, aceitamos, de imediato, a afirmação de que a crítica em Benjamin é imanente, ou seja, ela se desenvolve no sentido de compreender o espírito daquilo que é examinado. Nesse sentido, a crítica deve encontrar as mediações conceituais em que a violência-poder pode apresentar-se como um princípio, ou seja, como critério absoluto que se encontra na base de sua crítica. O que levanta suspeita na afirmação de Bolle é a compreensão de que a crítica se desenvolve por uma “intenção”. Benjamin compreende a crítica fundamentalmente como algo objetivo, com validade universal, isento da particularidade e subjetividade de uma “intenção”. Nesse sentido, a crítica deve dar conta de apresentar (darstellen) a verdade, não com uma intenção exterior à coisa, mas, em suas articulações imanentes. Para Benjamin, “a verdade é uma essência não-intencional, formada por idéias. O procedimento próprio à verdade não é portanto uma intenção voltada para o saber, mas uma absorção total nela, e uma dissolução. A verdade é a morte da intenção”.

O INTELECTUALISMO SOCRÁTICO

José Lourenço Pereira da Silva (UFSM)[email protected]

A filosofia de Sócrates, como conhecida a partir dos primeiros diálogos platônicos, centraliza-se na pergunta “como devemos viver?” A resposta dada por Sócrates pareceu decepcionante para muitos que dela tiveram notícia, desde a antiguidade até os nossos dias: o fator determinante da conduta humana é o intelecto ou a razão, pouca ou nenhuma importância tendo o aspecto emocional e volitivo do homem. Esse princípio, denominado “intelectualismo socrático”, não recebe a formulação sistematizada, como desejável para uma doutrina filosófica; de outro modo, é indiretamente defendido com argumentos que Sócrates desenvolve, no debate com interlocutores, a favor das teses segundo as quais o fim último da ação humana é o bem, a felicidade; a virtude é condição necessária para se viver bem e ser feliz; a virtude é uma espécie de conhecimento, o conhecimento do bem e do mal; ninguém erra por querer, mas por ignorância; não há a fraqueza de caráter (acrasia), conhecendo o bem verdadeiro em cada circunstância o indivíduo o realiza. Esse conjunto de teses paradoxais tem sido interpretado de várias maneiras e desde Aristóteles recebido críticas severas. À luz de interpretações mais recentes (Brickhouse e Smith, 2010 ; Segvic, 2000), proponho-me a apresentar uma leitura do famoso intelectualismo ético socrático na qual procuro evidenciar que, mantendo, sem dúvida, a primazia do conhecimento, Sócrates não foi absurdamente negligente, como muitos pensam, a respeito da influência de poderes psíquicos irracionais no agir humano.

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A LIBERDADE E A JUSTIÇA COMO INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: A CAMINHO DE UMA ECOLOGIA POLÍTICA E JUSTIÇA MEIO

AMBIENTAL

José Luis Sepúlveda Férriz (Universidade Complutense de Madri)[email protected]

O ideal de justiça é o objetivo mais importante da organização social presente nos diferentes estágios da história da humanidade. Sua fundamentação adquire maior vitalidade, considerando as gritantes desigualdades que assolam as sociedades, caracterizadas pelo acelerado processo de globalização. Ao mesmo tempo, ocorre um aumento sem precedentes da produção de bens, da inovação tecnológica e da capacidade de comunicação. Essa contradição ameaça a legitimidade e a estabilidade social, política, econômica, cultural e ambiental, sendo responsável, em muitas situações, pelo desequilíbrio das relações entre as pessoas, os países e a biosfera. O ordenamento social que prioriza o acesso aos bens, a maximização da liberdade individual que avalia o agir humano e a organização social pela sua utilidade é insuficiente para a equalização dos graves dilemas contemporâneos. Especificamente, as desigualdades simbolizadas na distribuição dos bens, nas limitadas formas de participação política, na utilização indiscriminada dos recursos disponíveis e na deficiência ou inexistência dos mecanismos e das instituições democráticas, demonstram a fragilidade das estruturas sociais, da mesma forma que impedem as condições para a justiça. As diferenças, por sua vez, são características que integram a dinâmica da natureza, da ação humana e do funcionamento da sociedade. Estas, ao contrário das desigualdades, dinamizam e contribuem para a evolução de uma organização social equitativa. Desconsiderá-las representaria a opção por uma organização social linear, o que exclui o valor moral substantivo da liberdade, essencial para a construção da justiça. A Teoria da Justiça de Amartya Sen, estruturada com base no valor moral substantivo da liberdade, é decisiva para a implementação e a avaliação da justiça nas sociedades contemporâneas. Nessa perspectiva, as pessoas tem as condições indispensáveis para o exercício das liberdades substantivas, a escolha de um conjunto de funcionamentos essenciais para o desenvolvimento das capacidades e, na condição de sujeito ativo, atuar em vista de uma estrutura social justa. A fundamentação filosófica, integrada com a reflexão das ciências econômicas, caracteriza uma abordagem com as condições de contemplar, além dos interesses individuais e coletivos, as condições indispensáveis para uma arquitetura social comprometida com os valores e os recursos da democracia que se consagrou como o sistema de organização social, que, com seus múltiplos recursos e instrumentos, respeita, dinamiza e fortalece as diferenças existentes no seu interior; corrige equitativamente as deficiências e as desigualdades; administra as demandas internas e externas com vista à efetivação da justiça. Por isso, uma sociedade justa também é livre, sustentável e democrática. O atual modelo de desenvolvimento não tem legitimidade moral porque limita pessoas à condição de meio para a realização dos fins previamente planejados, utiliza indiscriminadamente os recursos naturais, sem a necessária avaliação dos impactos e das consequências para o equilíbrio ambiental e para as relações sociais, da mesma forma que inviabiliza as condições de existência segura das futuras gerações. O modelo de desenvolvimento que prima pela sustentabilidade representa um ideal que impulsiona e orienta a estruturação das relações entre as pessoas, com os bens disponíveis, os recursos naturais e as futuras gerações de forma equitativa e orientado pelo valor moral substantivo da liberdade. Essa concepção de justiça tem especial preocupação com a estabilidade

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e a legitimidade das sociedades, representadas, prioritariamente, no atendimento das necessidades humanas, nas relações entre as diferentes culturas, no princípio de sustentabilidade, nas relações internacionais e na opção e consolidação da estrutura democrática, sem a qual não se podem fundamentar as condições de igualdade e de justiça social e ambiental.

A TEORIA METAÉTICA DE H. P. GRICE

Kariel Antonio Giarolo (UFSM)[email protected]

O presente trabalho tem como objetivo principal apresentar, de maneira geral, a concepção ética defendida pelo filósofo analítico britânico Herbert Paul Grice. Em dois livros publicados postumamente, Aspects of Reason e The Conception of Value, resultado de conferências proferidas por ele em Oxford, Grice irá discutir e tentar articular certas teses com respeito às questões éticas. Em The Conception of Value, ele apresentará uma defesa de uma metafísica do valor. Sua meta, nessa obra, é tentar demonstrar que alguns juízos de valor são objetivos e, com base nisso, tentar expor a construção de valores metafísicos objetivos. Em Aspects of Reason, por sua vez, na esteira de uma tradição aristotélica e kantiana, Grice buscará, primeiramente, esclarecer a ideia, a natureza do ‘ser racional’. A identificação do homem como ser racional remete a Aristóteles, e está ligada ao fim do homem, a atividade contemplativa. Contudo, Grice não muito contente com essa resposta, irá investigar a noção teórica de razão e os conceitos associados a ela, tais como raciocínio, razões, entre outros. Nesse contexto, um de seus objetivos é, a partir de uma definição razoável de razão ou raciocínio teórico/alético, inquirir qual a relação entre a razão teórica e a razão prática, se é possível encontrar um esqueleto comum entre proposições teóricas e práticas. Ao ser bem sucedido nisso, abre-se a possibilidade de abordar questões de filosofia prática, tais como felicidade, por exemplo, algo de grande importância para Aristóteles na Ética a Nicomacos. Partindo da hipótese de que a razão é a faculdade que se manifesta no raciocínio, e que os raciocínios estão ligados à noção de razões, Grice supõe ser uma boa ideia iniciar a investigação pela determinação do que são raciocínios. Um raciocínio deve ser dirigido a um fim. Ele é uma espécie de atividade e, assim sendo, deve ser direcionado a certas metas. Existe, portanto, um elemento de vontade ligado a essa noção, posto que, é a vontade que o dirigirá a tais metas. Nesse sentido, Grice fará uma distinção importante entre dois tipos de raciocínio, a qual desencadeará outra distinção, mais adiante, entre tipos deferentes de razões. De acordo com Grice, podemos identificar duas espécies de raciocínios ou de racionalidade: aquilo que ele chama raciocínio flat e o raciocínio variável. O raciocínio/racionalidade flat consistiria, fundamentalmente, na ideia, que temos em Aristóteles, de que a racionalidade é uma característica essencial do ser humano. Nesse aspecto, não haveria graus de racionalidade e nenhum homem seria mais ou menos racional do que outro. A racionalidade variável, por sua vez, como o próprio nome induz, é um tipo de racionalidade que possui graus, é variável. Grice introduzirá outra distinção muito cara a tentativa de encontrar um núcleo comum entre raciocínios teóricos e práticos, a saber, sobre os diferentes tipos de razões. A faculdade da razão está conectada diretamente com o raciocínio e com razões. Com respeito às razões temos três espécies/usos diferentes: razões explanatórias, razões justificatórias e razões justificatório-explanatórias ou razões pessoais. O uso que interessa em especial é o uso justificatório, pois tal uso está contido, implicitamente, nos outros

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dois casos. Esse uso justificatório pode ser dividido internamente em razões práticas e não práticas e serviria de base para uma tentativa de representação de uma estrutura análoga de sentenças correspondentes ao âmbito teórico e prático. A partir da representação desta estrutura análoga, Grice está possibilitado a construir uma metafísica do valor e discutir noções éticas de modo mais consistente, tais como a noção de felicidade e de pessoa.

O INTUICIONISMO REFLEXIVO DE C. GOWANS NA RESOLUÇÃO DE DILEMAS MORAIS

Lauren de Lacerda Nunes (UFSM)[email protected]

O presente trabalho pretende elucidar os dilemas morais em ética e oferecer

uma discussão no que diz respeito à resolução deles através do Intuicionismo Reflexivo. O Intuicionismo Reflexivo é um método para a resolução de dilemas morais proposto por Gowans (1994), e inspirado em grande medida no equilíbrio reflexivo de Rawls (1971). É preciso ressaltar que os dilemas morais são amplamente discutidos por muitos autores em ética, que na maioria dos casos, tentam encontrar a melhor abordagem moral para resolver esses casos, especialmente os difíceis e trágicos. Embora muitas dessas abordagens pressuponham posições metodológicas, houve pouca preocupação na maior parte dos autores em justificar essas posições no contexto do debate. A ideia sugerida por Gowans (1994) tenta especificamente oferecer um método considerando o contexto em que os dilemas morais ocorrem. É também importante ser dito que os dilemas morais não são aceitos de maneira geral e inequívoca em ética, e mesmo a sua própria definição é controversa entre muitas teorias. A admissão de dilemas morais, especialmente os difíceis e insolúveis, traz a muitos sistemas éticos problemas como a inconsistência em seus princípios internos. Contudo, Gowans argumenta que a relação entre consistência e dilemas morais é também controversa, por depender, em parte, na maneira pela qual os dilemas são compreendidos e, em parte se são aceitos e considerados certos princípios da lógica deôntica. Tais princípios são o Principio de Kant e o Principio de Aglomeração, e a aceitação de ambos é comum em sistemas éticos racionalistas. Mas Gowans não propõe um método racionalista, e sim um método que considera as circunstâncias e a experiência pessoal dos agentes na tomada de decisão. Além disso, Gowans toma como filosoficamente relevantes os sentimentos envolvidos na situação. Consequentemente, a visão de Gowans não é racionalista, e sim próxima a um tipo de intuicionismo. Baseado na ideia do equilíbrio reflexivo de Rawls, que defende que deve-se por em coerência sistemática julgamentos concernentes a casos de justiça e injustiça através da posição original, Gowans tenta fazer o mesmo com as intuições. Deve-se colocar em coerência sistemática algumas intuições relativas a sentimentos específicos, especialmente aqueles comuns em situações morais dilemáticas, como: arrependimento, remorso ou culpa. Tais sentimentos seriam testados por uma nova versão do equilibrio reflexivo, que tentaria organizar nossas intuições e através disso, oferecer uma visão mais realista de casos de dilemas morais difíceis ou insolúveis, no intuito de admitir a sua genuinidade.

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AÇÃO POR DEVER, MÓBIL SUPREMO E INCLINAÇÃO EM KANT

Letícia Machado Pinheiro (UFRGS)[email protected]

A questão que aqui se intenta problematizar e avaliar diz respeito à definição da ação por dever ou da ação moralmente boa na ética kantiana. Ocorre que há uma pequena variação no conteúdo definitório dessa ação nos contextos das obras da fundamentação da moral (na nossa abordagem representada pela Fundamentação da metafísica dos costumes e segunda Crítica) e o que Kant passa a conceber no domínio argumentativo do escrito sobre a religião a partir da inserção da noção de “ordem moral dos móbiles”[sittliche Ordnung der Triebfedern]. Não se trata, propriamente, de uma mudança de concepção, mas de um adendo a partir do qual o lugar da lei moral como móbil adquire um caráter menos estático do que o proposto no contexto da fundamentação da moralidade, agregando, no que tange à definição da ação por dever novas possibilidades de reflexão. Kant, ao tratar da questão do mal radical [Radicale Böse] na primeira parte de A religião nos limites..., menciona que a ação moralmente boa é aquela em que a lei moral é tomada como móbil supremo ou suficiente do agir (ou seja, aquele que é condição), enfatizando que o valor moral não é avaliado em dependência do tipo de móbil (lei moral ou inclinações) que é acolhido pelo agente, mas tomando como referência o valor a ele concedido em termos de uma ordem ou hierarquia moral. O que Kant pretende chamar atenção é que os móbiles advindos das inclinações forçosamente se impõem ao humano (dada a sua constituição finita) de modo que o valor moral da ação reside propriamente no status que tais móbiles desempenham, dado que a sua presença é inevitável. No contexto das obras de fundamentação, Kant põe o leitor, exausto de tanto ler, que a ação moralmente boa é aquela em que a lei moral é o único móbil impulsor do agir, o que não destoa de todo com a argumentação do escrito sobre a religião na medida em que aí é afirmado que a lei moral tem de ser o móbil suficiente ou supremo da ação. A questão é que, na medida em que insere a noção de móbil supremo e enfatiza a presença dos móbiles advindos das inclinações, Kant, no mínimo, passa a destacar um aspecto que não era corrente nas obras de fundamentação da moralidade, a saber, que, embora secundariamente (ou seja, não como princípio determinante, pois nesse caso seria “móbil supremo”), no âmbito da ação por dever, as inclinações também atuam como móbiles. Daí, porque a necessidade de pensar o valor moral da ação não em dependência do móbil que é acolhido (pois tanto a lei quanto as inclinações estão presentes como influências), mas em referência à ordem moral a que esses móbiles estão submetidos, qual é o principal, supremo e condição, e qual é o secundário e condicionado.

ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Ligia Pavan Baptista (UnB) [email protected]

Desde seu marco fundamental, representado pelo princípio constitucional da moralidade, exposto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 e da criação da Comissão de Ética Pública da Presidência da República em 1999, são significativos os avanços na promoção da ética na administração pública brasileira. É importante ressaltar os demais princípios éticos presentes na nossa legislação, tais como, o

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princípio da dignidade humana, o princípio da boa fé, o princípio da honestidade, o princípio da integridade, o princípio da probidade e o princípio da urbanidade. É nossa intenção abordar o tema do papel da ética, sobretudo, em sua mais moderna perpectiva, como um instrumento de prevenção à corrupção, hoje entendida como um tema da agenda global, como exposto no capítulo segundo da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, analisar as conclusões da Pesquisa sobre Valores Éticos publicada em 2008 e as principais recomendações dos participantes dos Seminários Ética na Gestão, realizados de 2009 a 2011. Como resultado, o trabalho pretende apontar práticas de boa governança, tais como, transparência, integridade, participação social, sustentabilidade, criação de códigos de ética e de conduta, prestação de contas, promoção de educação política, governo eletrônico, livre acesso à informação e a redução da burocracia, que deverão ser promovidas, tanto no âmbito da esfera pública, quanto privada. Considerando ainda o contínuo aprimoramento do processo democrático, faz-se necessário promover o fortalecimento da participação e do controle social no exercício da cidadania. Sobretudo, deve-se promover o princípio da supremacia do bem público sobre o bem privado e a conscientização de que todo poder emana do povo, conforme a premissa rousseauniana inspiradora dos ideários do iluminismo, exposta na obra Do Contrato Social e refletida no artigo primeiro da nossa Constituição Federal de 1988.

A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE DE JONAS: ÉTICA NORMATIVA OU UMA ÉTICA APLICADA?

Lilian Simone Godoy Fonseca (UFMG)[email protected]

Hans Jonas (1903-1993), autor de O Princípio Responsabilidade (1979), gradativamente, vem conquistando, no meio filosófico brasileiro, o merecido reconhecimento. Não obstante, tal obra, que o tornou mundialmente conhecido, tem muito ainda a nos ensinar com sua “ética para [nossa] civilização tecnológica”. Afinal, entre outras coisas, coube a Jonas o mérito de ter sido um dos primeiros a propor uma reflexão ética no âmbito da tecnologia e da técnica moderna. Grande prova desse esforço é seu trabalho posterior intitulado Técnica, Medicina e Ética, publicado em língua alemã em 1985, reunindo uma série de ensaios sobre questões de ética prática no âmbito das ciências naturais, notadamente no campo das pesquisas envolvendo seres humanos, abordando temas mais candentes como a responsabilidade médica, a aplicação de novas biotecnologias - entre as quais a clonagem e a eugenia. Adicionado a isso, abordou questões altamente polêmicas, tais como o conceito de morte cerebral e sua relação com os transplantes de órgãos e a eutanásia. Por sua atualidade e importância, essa obra tornou-se bastante conhecida nos meios acadêmicos, inclusive, nos departamentos das Ciências Médicas, e foi uma importante fonte em meu trabalho doutoral. Essa importante obra foi definida por Jonas como uma “aplicação do princípio responsabilidade”, o que levanta a questão de saber se a ética jonasiana poderia ser compreendida como uma ética normativa ou como uma ética aplicada. Tal pergunta serve de mote à presente proposta que tentará respondê-la com base em breves argumentos do próprio Jonas.

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ANATOMIA DO SENSO MORAL OU HISTÓRIA DE UMA TENTATIVA DE “DISSECÇÃO” FILOSÓFICA POR DAVID HUME DO CONCEITO DE FRANCIS

HUTCHESON

Lisa Broussois (UFMG)[email protected]

O que é o senso moral de David Hume? Qual é seu significado? Podemos afirmar, como amiúde ouvimos, que o senso moral soe ser, para nosso filósofo, uma expressão desprovida de conteúdo? Mas por que motivo(s), então, decide ele mencioná-lo, senão por alguma boa razão? Sabemos que Hume inicia a terceira parte do seu Tratado da natureza humana, com a afirmação da existência de um senso moral. Porém, após a descoberta do mecanismo de simpatia, poderíamos imaginar que não seria mais admissível falar de “senso” moral. É escorreito? O presente artigo defende que NÃO. A solução, aqui, poderia ser considerada surpreendentemente simples. Consiste em partir de dois pontos de vista diferentes, em relação à distinção entre senso moral e simpatia. Como tornar isso possível? A evocação do senso moral na terceira parte do Tratado, lembra os sentimentalistas morais, como Shaftesbury ou Francis Hutcheson. Com efeito, Hume, seguindo Hutcheson, já afirma que a motivação da ação é sempre passional e que o julgamento moral é ligado a sentimentos. Para Hutcheson, o senso moral é a base natural de nossa aprovação ou condenação moral. Com o senso moral, recebemos a percepção, aparente ou real, do caráter vicioso ou virtuoso de uma ação ou de uma pessoa. Hume parte de uma constatação geral da observação da natureza humana, segundo a qual temos um senso moral. Esse senso é um princípio de aprovação ou desaprovação natural. No entanto, ao contrário de Hutcheson, Hume tenta investigar a origem de tal senso. Assim, ele descobre um mecanismo complexo relacionado à simpatia. A partir daqui, supomos que a aprovação ou condenação moral pode ser explicitada de duas formas. De um primeiro ponto de vista, consideramos um mecanismo oculto, mecanismo do qual sequer temos consciência no momento da ação, no cotidiano. Falamos, dessa maneira, de simpatia. Pelo flanco contrário, de outro ponto de vista, podemos nos concentrar no resultado, sobre a percepção que temos no momento da ação, na vida prática. Desse segundo ponto de vista, falamos de senso moral. Por quê? Porque é sob esta última forma que a experiência moral se manifesta a nós. A simpatia é o princípio que está na origem do senso moral. Porém, a força do hábito na experiência, faz desse mecanismo uma segunda natureza, a tal ponto que nunca é sob a forma de simpatia que se manifesta o mecanismo de "julgamento moral". É sim sob a forma de um "senso". Em conclusão, a relação entre senso moral e simpatia seria uma verdadeira chave da filosofia moral de Hume. Aqui nos propomos explicitar tal relação na terceira parte do Tratado, a partir da análise aprofundada da “dissecção” que Hume efetua sobre o próprio conceito de senso moral de Hutcheson. Sob essa lógica, pretendemos visualizar como a articulação entre simpatia e senso moral seria uma aplicação direta da famosa distinção de Hume entre anatomia e pintura, distinção essa que ele próprio usa, justamente na sua correspondência com Hutcheson. Afinal, o que é o senso moral de Hume? Quiçá seja, nada mais, nada menos, que nossa própria manifestação da experiência moral na prática: seja, um conceito de importância considerável.

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A MORALIDADE DA MENTIRA

Lisiane Sabala Blans (UFSM) [email protected]

A condenação moral da mentira é um princípio ético tradicional na cultura cristã. Na tradição católica, Santo Agostinho rejeitou todo e qualquer tipo de mentira, não aceitando nenhuma justificativa para tal coisa. Nessa questão, ao contrário de tantas outras, ele não seguiu os ensinamentos de Platão. Para ele, Deus proíbe a mentira e considera que os mentirosos põem em perigo suas almas imortais. O problema ético da mentira recebeu diferentes tratamentos no pensamento ocidental. Ao examinar a mentira no âmbito da ética de princípios, podemos mencionar dois importantes autores: Santo Agostinho e Kant. Agostinho afirma que usar a palavra para enganar outros homens através da mentira e não para transmitir seus pensamentos é um uso condenável do dom da palavra, enquanto Kant vai além, dizendo que a mentira leva ao aniquilamento da dignidade humana. Tais teorias levantam uma série de questões, tais como: o princípio moral de dizer a verdade deve ser tomado de forma absoluta? Esses autores sustentam, sem exceções, o dever de veracidade? Existem situações em que se permitem o exercício do chamado direito de mentir? Quais os argumentos que têm sido apresentados para justificar a mentira como exceção ao princípio ético de dizer a verdade? Afinal, dizer a verdade não requer explicação, mas dizer uma mentira exige justificação. Se, por um lado, Santo Agostinho e Kant rejeitam todo e qualquer tipo de mentira considerando-as como uma prática imoral, Platão e Benjamin Constant aceitaram certos tipos de mentira como algo podendo e requerendo ser justificado. Isso significa dizer que, mesmo aqueles que se mostraram dispostos a aceitar determinadas exceções à prática de dizer a verdade, procuraram oferecer boas razões para as referidas exceções. Como prescrevem os juristas, existem inúmeras dificuldades para a vigência plena de uma ética de princípios, verifica-se com base na experiência que na prática não há princípio que não esteja sujeito à exceção na sua aplicação em casos concretos. Agostinho reconhece que há casos em que é muito difícil manter a verdade acima de tudo, por causa da nossa condição humana. Embora exista uma obrigação de dizer a verdade porque não é lícito mentir, há uma interferência de nossos sentimentos que podem nos causar uma dificuldade no cumprimento dessa obrigação. A mentira necessária é outro ponto crítico para o filósofo moral, uma vez que as situações indeterminadas oriundas de emergência muitas vezes dependem de outros fatores também não determinados para a sua solução. Pode alguém roubar, matar  ou enganar  por necessidade, ou o  caso de emergência subverte de igual forma toda a moral. A partir disso, serão analisados através de casos práticos em seus diferentes graus de complexidade a moralidade da mentira.

HORIZONTES REFLEXIVOS ÉTICOS: O CONCEITO HEIDEGGERIANO DE CUIDADO

Luciana Soares de Mello (UCS)[email protected]

A comunicação a ser apresentada, no 5° Colóquio Internacional de Ética e Ética Aplicada, no Departamento de Filosofia na UFSM, possui o objetivo de estabelecer reflexões, que demonstrem a importância, em estudos éticos

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contemporâneos, do conceito Heideggeriano de Cuidado, presente em suas obras Ser e Tempo (19271) e Carta sobre o Humanismo (1949)2. Diante do esclarecimento conceitual de Cuidado, que é interpretado pelo pensador no sentido de cura, capaz de inspirar um novo acordo entre os seres humanos, em que a base é afetividade, que distingue nossa atitude para com o mundo como primariamente cognitiva e teórica, como nos argumentava Descartes, estabeleceremos a seguinte hipótese argumentativa: existe a presença de horizontes reflexivos éticos, nas averiguações feitas por Heidegger acerca do Ser. A base argumentativa terá o seu pressuposto teórico, em duas obras de filósofos que estudam as obras de Heidegger: Ernindo Stein, com sua obra, Seis Estudos sobre Ser e Tempo (2002) e Zeljko Loparic em sua obra Ética e Finitude (2004). Também a base argumentativa de nossa hipótese será justificada, com as influências das reflexões feitas por Heidegger, nas obras de Hans Jonas: O Princípio Vida: Fundamentos de uma Biologia Filosófica e o Princípio Responsabilidade: Ensaio de uma Ética para a Civilização Tecnológica. Com as argumentações feitas, há o percebimento reflexivo de que; quando Heidegger refletiu acerca do ser, nos possibilitou horizontes interpretativos éticos, que se tornaram a base, de muitas, teorizações éticas contemporâneas. Isso surgiu em decorrência, do pensador averiguar que: a filosofia não pode ser compartimental, ou seja, questões filosóficas levam a outras questões filosóficas. Em termos de prática argumentativa, a comunicação será feita em Power Point, com os seguintes tópicos: Heidegger e Obras: breve contextualização histórica, tendo a justificativa de um melhor entendimento da temática; Conceitualização Heideggeriana de Cuidado e Influências Teóricas de Heidegger em Teorias Éticas Contemporâneas. As referências bibliográficas, traduzidas da obra Heideggeriana alemão, cujo título original é Sein um Zeit serão: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 15.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. 2 v. (Pensamento humano) e HEIDEGGER, Martin. El ser y el tiempo. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1986. 471 p. (Sección de obras de filosofía). A tradução da obra Carta sobre o Humanismo (1949) a ser utilizada será: HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. 2.ed. rev. São Paulo: Centauro, 2005 9 p.

DA DISTINÇÃO ENTRE ESFERA TEÓRICA E ESFERA PRÁTICA A PARTIR DA DISTINÇÃO ENTRE ERSCHEINUNGEN E DINGE AN SICH SELBST NA

INVESTIGAÇÃO CRÍTICA KANTIANA

Luciano Duarte da Silveira (UFSM)[email protected]

Na passagem B XXV do prefácio à segunda edição da  Kritik der reinen Vernunft 1787 (KrV) Immanuel Kant (1724-1804) questiona acerca de qual seria o tesouro (Schatz) que “...tencionamos legar à posteridade nesta Metafísica depurada pela crítica e, por isso mesmo, colocada num estado duradouro” (KrV, B XXV, KSW, Bd.III. S.29). A questão formulada por Kant parece ter visado exatamente chamar a atenção para a inversão do método crítico em relação à Metafísica que segundo a passagem B XXII transformou-a, “...operando assim nela uma revolução completa, segundo o exemplo dos geômetras e dos físicos” (KSW, Bd.III. S.28). Esta revolução nomeadamente copernicana promoveu uma nova abordagem acerca dos objetos da própria Metafísica a partir da delimitação do que pode ser conhecido pela razão em seu uso teórico, ou seja, aquilo que respeita ao campo da experiência (Erfahrung). Essa limitação do uso teórico da razão num primeiro momento apresenta a crítica como tendo uma utilidade negativa, em decorrência da restrição (Verengung) do

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uso da razão no campo teórico que ela estabelece. Ademais, ainda na passagem B XXV, Kant esclarece que é exatamente em decorrência dessa crítica restringir o uso da razão que facilmente tende a uma  extensão  (Erweiterung) de seu uso teórico para além de seus limites, ameaçando reduzir consideravelmente, quando não totalmente, a necessidade de um uso prático da razão, que ela assume neste momento uma utilidade positiva. Entretanto, ao mesmo tempo em que a crítica estabelece uma restrição teórica do uso da razão, por outro lado, abre espaço para uma extensão do uso de um ponto de vista prático. A partir da reconstrução de algumas premissas da argumentação kantiana na KrV, bem como em outras obras, a presente comunicação pretende esclarecer em que sentido se torna importante a noção de que a investigação Metafísica da natureza, levada a cabo por Kant na KrV, assume uma utilidade positiva enquanto opera uma distinção mais exata entre o campo teórico e o campo prático em grande parte favorecido também pela distinção entre os  fenômenos (Erscheinungen), objetos de uma intuição sensível, cognoscíveis a nós pela experiência, e as  coisas em si mesmas  (Dinge an sich selbst), que, na perspectiva da Metafísica da natureza, ainda são tão somente pensáveis, sem que se possa alcançar um conhecimento teórico a respeito das mesmas.

REFLEXÕES SOBRE A PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADES ATRAVÉS DO UNIVERSO DE HARRY POTTER

Márcio Felipe Salles Medeiros (UFSM)[email protected]

A interação entre universos “virtuais” e “físicos” apresenta-se como uma

realidade para muitos indivíduos dentro do atual contexto de globalização, no qual a interação com as tecnologias de informação e comunicação (TICS) apresenta-se como uma realidade cotidiana. Alguns espaços virtuais, como é o caso dos ambientes construídos ao redor do universo de Harry Potter, possuem parâmetros constituídos sobre um imaginário fantástico, no qual os indivíduos que interagem com esse universo podem se apropriar e continuar histórias, criando novos personagens, produzindo novos parâmetros de ação para os indivíduos dentro desse universo, tal qual acontece em fan-sites específicos encontrados em abundância pela internet. Tomando esse universo como parâmetro, este trabalho tem por objetivo refletir sobre o conceito de articulated bodies, tendo como referencia as obras de Donna Haraway, para pensar o processo de interação entre universos fantásticos e mundo real, tomando como parâmetro reflexivo o universo de Harry Potter através da obra de Henry Jenkins. Assim, espera-se produzir reflexões sobre o processo de interação entre universo virtual e universo real, tomando o universo virtual como um potencial produtor de valores que podem ser instrumentalizados na forma de pensar o universo real, e desse modo, tornado questionável à distância entre universo físico e virtual do ponto de vista da construção da subjetividade.

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MEDO E CRÍTICA DOS COSTUMES NOS ENSAIOS DE MONTAIGNE

Marden Müller (UFRGS)[email protected]

Proponho, mediante apreciação da imagem de Sócrates fixada pelo no capítulo III.12 (“Da fisionomia”), uma via de compatibilização de aspectos atinentes às dimensões individual e coletiva de questões levantadas pelo pensamento moral de Montaigne. Indico certas consequências da adoção de uma abordagem caracterológica dos Ensaios – baseada na presunção de que, se é que considerações morais podem, para o ensaísta, resultar em alguma espécie de aperfeiçoamento, esse se aplica terapeuticamente apenas a indivíduos singulares. Examino uma dificuldade apresentada por essa leitura, a qual admite o seguinte: assumida como atividade moral, a condução da vida é marcada por uma busca contínua pelos meios mais adequados de neutralização, via auto-persuasão, dos objetos intencionais de temor. Quando situações se apresentam aos agentes e portam determinado relevo moral, e quando as referidas emoções assumem uma proporção dominante sobre a vontade, essas últimas tendem a interferir tanto em apreensões situacionais quanto em crenças mais gerais – enviesando assim suas ações e, em última análise, deteriorando o caráter dos agentes, a sociabilidade e a ordem pública. A leitura problemática confere posição prioritária às alterações emocionais possíveis sobre o caráter e ação individuais e, no quadro mais amplo, reserva aos efeitos possíveis sobre as configurações social e política um papel meramente derivado. Ela, todavia, não contempla a função que a crítica montaigniana dos valores e costumes coletivos desempenha em seu tratamento do medo. Afinal, os costumes respondem pela consolidação e conservação de um estado duradouro de conflitos civis, nos quais o medo grassa. O encaminhamento do problema se apoia na tese segundo a qual tanto a atividade individual quanto a comunitária sujeitam-se à mesma espécie de fragilidade: a possibilidade permanente de um desajuste entre crenças e prática.

OS DIREITOS INDIVIDUAIS FRENTE ÀS QUESTÕES PASSÍVEIS DE CRIMINALIZAÇÃO, COMO ABORTO E EUTANÁSIA, NA OBRA DE RONALD

DWORKIN.

Maribel Moraes Felippe (UFPEL) [email protected]

O presente artigo apresenta algumas considerações sobre os direitos individuais, frente às questões de aborto e eutanásia, na visão do filósofo Ronald Dworkin. Tais reflexões são importantes, vez que os assuntos que envolvem a bioética tem sido uma constante na modernidade, e o direito precisa tomar parte nessa discussão. Por discutir questões caras ao Direito, à Filosofia e à Religião, a Bioética sempre motiva acirrados debates. É sobre esses ânimos tão sanguíneos que cercam os temas de aborto e eutanásia que se debruça Dworkin em sua vivência na sociedade americana e na análise profunda e crítica de seus tribunais. Para desenvolver o estudo que originou o artigo ora apresentado, foram utilizadas, principalmente, as obras Domínio da Vida e O Direito da Liberdade, além das emendas à Constituição norte-americana. A leitura das obras permitiu concluir que, para Dworkin, filósofo forjado sob a égide da doutrina liberal, os casos difíceis devem ser decididos pelo judiciário levando-se em consideração princípios do

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direito, como os de liberdade e igualdade, entendendo-se o direito como integridade, garantindo as liberdades individuais do cidadão dentro dos ideais liberais e democráticos.

BEM-ESTARISMO, JUSTIÇA E AS TECNOLOGIAS DE APRIMORAMENTO HUMANO

Mateus Stein (UFSM)[email protected]

As chamadas Enhancement Technologies, ou Tecnologias de Aprimoramento Humano, são, como o nome já sugere, tecnologias voltadas para o aprimoramento da espécie humana. Consideram-se Tecnologias de Aprimoramento Humano todas aquelas que alteram o rendimento físico ou intelectual dos seus usuários. Desse modo, podem ser consideradas Tecnologias de Aprimoramento Humano desde medicamentos como a Ritalina, o Prozac, o Viagra e os esteróides, até a manipulação genética, procedimentos cirúrgicos, tratamentos psiquiátricos e inclusive o uso de aparatos eletrônicos. No artigo intitulado Justice, Fairness, and Enhancement, Julian Savulescu argumenta que o aprimoramento humano geralmente está relacionado na literatura filosófica a conceitos como injustiça e desigualdade, isto é, o uso indevido dessas tecnologias pode acabar favorecendo algumas pessoas em decorrência de fatores sócio-econômicos e culturais. Essa ideia parte do pressuposto de que as Tecnologias de Aprimoramento Humano estão necessariamente ligadas ao interesse das pessoas ricas e inteligentes em ficarem ainda mais ricas e inteligentes, uma vez que só elas seriam capazes de buscar o seu aprimoramento (pessoas com poucos recursos não seriam capazes de arcar com os gastos decorrentes do aprimoramento das suas habilidades físicas e intelectuais). Para Savulescu, no entanto, a ideia de que o aprimoramento humano possa causar mais malefícios do que benefícios está completamente equivocada. Buscando justificar a sua opinião, Savulescu apropria-se do exemplo dos esportes para demonstrar que concepções contrárias ao aprimoramento humano apoiam-se em ideais que, segundo ele, estão na base da injustiça e desigualdade das relações humanas. Apenas para ilustrar um desses ideais, a maioria dos esportes supervaloriza as aptidões físicas dos seus representantes, sem com isso levar em consideração que ser mais forte ou mais rápido do que um determinado oponente está relacionado aos genes que constituem a informação genética recebida aleatoriamente por cada um dos desportistas envolvidos numa atividade específica. Mesmo que se admita existir esse tipo de desigualdade nos esportes, a utilização de Tecnologias de Aprimoramento Humano geralmente é proibida ou desencorajada nas competições desportivas. Em outras palavras, aceita-se que existam desigualdades determinísticas (biológicas) entre os competidores, mas o uso de tecnologias para aumentar o rendimento dos mesmos e reduzir a desigualdade existente entre suas aptidões naturais é proibida, e até mesmo demonizada. Os critérios utilizados na discriminação das Tecnologias de Aprimoramento Humano para outros motivos que não o esporte, conforme Savulescu, carecem tanto quanto o último de boas justificativas. Dizer que elas possam causar desigualdade não é de todo errado ao considerar-se uma distribuição voltada apenas para quem já dispõe de boas condições sócio-econômicas, o que não significa que a distribuição dessas tecnologias deva ser necessariamente desse modo e não de maneira a proporcionar a maior quantidade de bem possível entre a população. Savulescu acredita que, ao invés de trazerem injustiça e desigualdade, as Tecnologias de Aprimoramento

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Humano, quando bem distribuídas e aplicadas, podem até mesmo auxiliar no aumento da justiça e a diminuição das desigualdades entre as pessoas. Se todos dispusessem dos meios para melhor adequarem-se às demandas da sociedade contemporânea, as diferenças entre os mais e os menos favorecidos seriam atenuadas. O argumento de Savulescu é claramente bem-estarista, uma vez que parte do pressuposto de que o aprimoramento humano pode melhorar a condição de vida das pessoas. Tendo como ponto de partida o argumento bem-estarista de Savulescu para justificar que as Tecnologias de Aprimoramento Humano podem ser utilizadas para tornar a sociedade mais justa, entre outras coisas, buscarei apresentar, na apresentação que se seguirá do presente resumo, argumentos favoráveis, bem como desfavoráveis a essa perspectiva, visando verificar até que ponto ela pode ser sustentada.

A DEMOCRACIA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ENSAIO PARA FUNDAMENTAR UMA EPISTEMOLOGIA INTEGRADA EM TEMPO DE

GLOBALIZAÇÃO

Neuro José Zambam (PUC-RS)[email protected]

Este artigo propõe um debate sobre a relação entre o desenvolvimento sustentável e a democracia, e justifica essa interdependência sem a qual a sustentabilidade não possui legitimidade moral. A democracia carece de justificativas quando os dirigentes de uma sociedade instrumentalizam valores, princípios e instituições em favor de interesses corporativos, individualistas ou burocráticos. Embora a origem da democracia esteja na antiguidade, a sua estruturação, com as características mais importantes e as respectivas instituições, ocorreu nos últimos 200 anos, tornando-se, assim, a maior conquista da humanidade no século XX. Essa afirmação é decisiva e vem acompanhada com a convicção de que isso é um sistema de organização social possível para todas as sociedades, independente de exigências prévias e com as condições de equalizar e ordenar as demandas, os recursos, as formas de participação, as instituições, o sistema legal, o exercício da liberdade, a convivência entre as diferenças e as concepções políticas existentes em seu interior. Desde a segunda metade do século passado muitas pessoas, organismos e instituições importantes no mundo perceberam grandes limites e ameaças do atual modelo de desenvolvimento baseado, especialmente, no aumento da produção e do consumo, na busca desenfreada pela inovação tecnológica e no aprimoramento do comércio internacional. Esses objetivos são representativos dos métodos e interesses que estruturam a sua dinâmica. Para a sua efetivação, se faz necessário que os empreendedores utilizem os recursos e meios que têm à disposição para atingir tal fim. Esse modelo de desenvolvimento baseia-se teórica e política na busca pelo progresso econômico. A crise das democracias contemporâneas e do atual modelo de desenvolvimento está na insuficiência da sua fundamentação, das justificativas e consequências das suas proposições. As democracias, porque têm suas instituições, história, princípios e valores desvirtuados em favor dos interesses citados. As políticas de desenvolvimento, porque instrumentalizam as pessoas, os recursos naturais e ambientais e as instituições para efetivar suas metas. A construção de uma nova epistemologia que contemple uma relação sistêmica do conjunto dos atores sociais, a superação das gritantes desigualdades, a administração dos recursos disponíveis, a integração da pessoa como ator principal e sujeito de direitos, a satisfação das necessidades mais

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importantes no presente e em relação ao futuro, os direitos das culturas e as condições de existência das futuras gerações, assim como, a opção pela democracia como o sistema de organização social mais justo e equitativo se impõem como um imperativo irrevogável para as condições de justiça. Uma democracia madura considera a vida das pessoas, as condições reais de existência, o exercício das liberdades, os direitos e obrigações, a alternância do poder, o funcionamento das instituições, a atuação do mercado, as políticas de Estado, entre outros, em profunda imbricação e interdependência com as políticas de desenvolvimento. Deve-se se observar que o dinamismo de uma democracia está em permanente evolução pressionada e atenta aos novos atores, necessidades e desafios que se apresentam. Atualmente, é fundamental destacar a emergência e afirmação das culturas, os direitos sociais, o direito dos animais não-humanos, as futuras gerações e a utilização equilibrada dos recursos naturais e ambientais. Segundo essa convicção, pode-se afirmar que a proposição de um modelo de desenvolvimento sustentável é possível, apenas, numa sociedade democrática dinâmica e sistêmica. A sua legitimidade moral se constrói numa relação caracterizada por tensões e interesses normalmente divergentes e, outras vezes, contraditórios e complementares que impulsionam a efetivação das condições de justiça.

A ÉTICA DA AUTENTICIDADE EM CHARLES TAYLOR

Odair Camati (UCS)[email protected]

O presente trabalho tem por objetivo apresentar o intento de Charles Taylor, que não consiste em construir uma nova teoria ética. Seu objetivo é resgatar o ideal moral da autenticidade na cultura da autenticidade. Por cultura da autenticidade, entende-se a sociedade contemporânea que no entender do filósofo canadense não pode ser condenada, mas também não pode ser enaltecida como afirma no capítulo primeiro da obra A ética da autenticidade “reivindicarei que o caminho correto a ser tomado não é nem o recomendado por incentivadores convictos nem o favorecido pelos totalmente críticos” (TAYLOR, 2010, p.20). Portanto, existe uma estreita ligação entre os aspectos positivos e os negativos do nosso tempo, que nos impelem a buscar direcionar os desenvolvimentos para a sua melhor realização, evitando, com isso, seus possíveis deslizes. A busca de Taylor é apresentar o ideal moral que está por trás dessa cultura, ideal esse desviado pela própria cultura que gerou três grandes males, o individualismo exacerbado, a instrumentalidade da razão e a descrença na política. O propósito original é combater a visão de que saber o certo e o errado é uma questão de apenas calcular os resultados, para os românticos modernos “a moralidade tem, em certo sentido, uma voz interna” (TAYLOR, 2010, p.35). Ser moral depende do meu contato comigo mesmo e de como escuto a voz moral dentro de mim, só isso nos capacita a sermos seres verdadeiros e completos. Numa analogia com visões morais anteriores podemos ver que há uma mudança na fonte moral – não é mais a Ideia de Bem ou Deus – agora ela está em nosso interior. Porém, o ser humano só pode definir a si mesmo, ou seja, buscar sua originalidade e sua identidade, pela linguagem, elemento esse que é dado ao homem pela troca com os demais. Não há como adquirir linguagem sozinho; ela é sempre um elemento comum, por isso alcançada no intercâmbio com os outros. O ser humano só encontra sua identidade no diálogo com outras identidades, ou até mesmo no conflito com as outras identidades que são diferentes

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à minha. Portanto, o ideal de autenticidade precisa passar por um trabalho de recuperação a fim de que possa dar sua contribuição para a discussão ética.

REVOLUÇÃO KANT-COPERNICANA: UMA PROVA METODOLÓGICA DA MORALIDADE?

Patricia Kemerich de Andrade (UFSM)[email protected]

A doutrina do Idealismo Crítico (ou transcendental) de Kant constitui mais do que a abertura de um espaço de tolerância para se discutir o supra sensível, de modo que argumentaremos, neste trabalho, que a revolução Kantiana no modo de pensar pode ser entendida como uma prova metodológica do supra sensível. O que resume a ideia de uma utilidade positiva do empreendimento da razão em conhecer-se, o qual também pode chamar-se de crítica da razão; que por se tratar de uma investigação voltada para as possibilidades da razão num uso “a priori” em sentido estrito, i.é, completamente “livre” dos dados sensíveis, melhor chamamos de crítica da razão pura. Assim, em vista do que nos propomos investigar, é preciso ter em mente os princípios básicos dessa doutrina, sejam eles que: Na determinação dos limites do conhecimento, chegamos, através da postura crítica, a conclusão de que: em primeiro lugar não estamos justificados a esperar conhecer mais de um objeto do que aquilo que pertence a uma experiência possível do mesmo (o que se dá mediante a aplicação das formas puras da sensibilidade e as do entendimento, “basicamente”); segundo, se admitimos que uma coisa não seja parte de uma experiência possível, então não podemos esperar determiná-la segundo sua constituição; terceiro, temos que admitir uma coisa em si mesma justamente porque só possuímos conhecimento de objetos da experiência como simples fenômenos (ou seja, conforme as leis próprias da nossa razão). Conquanto, não admitir isso é pretender que nossa intuição seja a única possível, o que por sua vez não poderia estar de acordo com as determinações expressas pela crítica, pois implicaria que os princípios da possibilidade da experiência fossem condições universais das coisas em si. Porém, nota-se que a coisa em si é afirmada apenas enquanto elemento sistemático, trata-se de um conceito-limite; como se sabe, Kant propõe que não é possível afirmar com evidencia empírica o que for com respeito ao supra sensível. Essa restrição do conhecimento no domínio da sensibilidade tem uma importante implicação positiva para os conceitos do supra sensível, a saber, a abertura de um “espaço” para se pensar tais conceitos sem o constrangimento de objeções que se apoiem na experiência,mediante uma argumentação Socrática, que termina sempre por se beneficiar da ignorância do oponente, nesse caso, ignorância com relação ao que não tem mais a experiência como “pedra de toque”. Por essa razão, o supra sensível e, com ele, os conceitos relativos à moral, tal como a Liberdade, embora não possam ser provados em sentido estrito, i.é, a objetividade deles não consiste em poder aplica-los na experiência, diferente da dupla “intuição-conceito” que encontram validade justamente por, não só encontrar apoio empírico,mas por serem condições do conhecimento empírico; já os conceitos da razão (as ideias), carecem de outro tipo de prova. Eis o que pretendemos mostrar, a saber, uma “prova metodológica”, pois, os teoremas básicos do idealismo transcendental, como vimos, tem implicações positivas para a metafísica, i.é, a abertura de um espaço legítimo pra se pensar o supras sensível.

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A QUESTÃO DA INTENCIONALIDADE E O AGENTE MORAL

Paulo Sérgio de Jesus Costa (UFSM)[email protected]

O artigo investiga a questão da intencionalidade, partindo da hipótese de que, a despeito das inúmeras críticas e reformulações (tanto no âmbito interno da tradição fenomenológica: Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty, Emmanuel Levinas, Michel Henry entre outros; como no contexto externo das recentes investigações na área da ciência cognitiva, inteligência artificial e a neurociência: John Searle, Ray Kurzweil, Igor Aleksander, Daniel Dennett, Arthur C. Clarke, Stanislaw Lem entre outros.) esse conceito fundamental da fenomenologia de Husserl deve ser renovado pelas seguintes razões: não apenas teorias morais, que supõem agentes morais, não podem prescindir da intencionalidade para caracterizar uma ação moral, mas também agentes estéticos imaginativos que produzem obras de arte literárias, assim como qualquer teoria das emoções fica sem efeito, ao se ignorar esse conceito fenomenológico central. No sentido de renovar a noção de intencionalidade e mostrar seu caráter fundante para a filosofia contemporânea, assim, este trabalho objetiva: 1) mostrar a inconsistência das investigações cognitivas e neuro-científicas, em particular o programa “Strong AI”, no que dizem respeito à caracterização, por analogia, da consciência humana como máquina; 2) argumentar a favor da noção de intencionalidade como intrínseca e necessária para a compreensão de um agente moral.

DOUTRINA DO DUPLO EFEITO: A FORMULAÇÃO DE WARREN S. QUINN

Rafael Chiminte (UFSM)[email protected]

O presente trabalho tem como objetivo investigar a proposta do filósofo Warren S. Quinn em reformular a Doutrina do Duplo Efeito (DDE). A DDE, em suas formulações mais tradicionais, estabelece que uma ação moral tem seu valor através da intenção do sujeito e não pelos efeitos que podem ser previstos dessa. Com isso, ela tem o papel de salvaguardar um posicionamento absolutista em situações conflitante nas quais seus princípios como, por exemplo, o valor absoluto da vida humana, não seriam respeitados, seja qual fosse a escolha do sujeito envolvido. Dessa forma, admite-se que um ato pode ter em si dois efeitos, um bom e outro ruim, sendo que esse último só pode ser previsto e não intencionando para que o ato em questão possa ser permissível. Contudo, existe uma grande dúvida se a distinção entre intenção e previsão, que é inerente a doutrina, pode realmente ser realmente inteligível. Como será visto, na literatura acerca da DDE existem inúmeros pares de exemplos pelos quais os filósofos tentam demonstrar que tal distinção é ou não efetiva. Muitos alegam que um mesmo ato pode ter duas ou mais descrições. Desse modo, uma ação originalmente considerada condenável por intencionar o mau efeito pode ser descrita como apenas prevendo esse. Sendo assim, segundo Quinn, pode ser que não nos reste nada, além de nossas intuições morais para determinar que algumas ações são essencialmente más e outras não. A DDE, dessa forma, em nada contribuiria para o juízo moral. Para tentar escapar desse problema, Quinn elabora uma versão da doutrina de modo a preservar as prescrições habituais sem que seja necessário definir as ações as quais se intenciona ou não o mau efeito. Nessa versão, a noção de intenção é enfraquecida não levando em conta se

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o agente pretende ou não certo efeito, mas somente envolvimento das vítimas em seu pensamento estratégico. Para tal, Quinn vê a necessidade de indicar um desrespeito peculiar nas ações definidas como diretas, onde as pessoas atingidas são essencialmente parte do plano, em contraste com as ações indiretas, onde tais pessoas são envolvidas meramente ao acaso. Desse modo, segundo o próprio autor, isso em certa medida demonstraria que a doutrina tem “ecos kantianos” por não permitir que as pessoas sejam usadas como meio para o fim do agente. Ainda assim, essa formulação de Quinn está longe de ser uma alternativa definitiva frente ao problema que ela tenta evitar. Primeiramente, porque o próprio filósofo admite que essa formulação da doutrina só tem uma validade prima facie, o que gera conflito com algumas versões tradicionais em casos como o de eutanásia, por exemplo. Também é notável que ele não consegue fugir completamente de um apelo a intuição e, até mesmo, o caráter kantiano em sua formulação pode ser questionado, como Quinn mesmo reconhece.

LIBERDADE E RECONSTRUÇÃO DA RAZÃO NA SEÇÃO III DA FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES: UMA INTERPRETAÇÃO

À LUZ DE ONORA O´NEILL.

Rafael da Silva Cortes (UFRGS)[email protected]

É bem sabido que a Seção III da Fundamentação da metafísica dos costumes (1785) tem feito com que renomados pesquisadores da filosofia kantiana debrucem-se sobre a argumentação que Kant ali desenvolve na tentativa de esclarecer, ou até solucionar, questões caras ao seu projeto crítico. Sabe-se também que, dentre tais questões, aquelas que mais se destacam envolvem a realização de uma suposta dedução da moralidade pelo filósofo e sobre o status do conceito de liberdade. Diante disso, neste trabalho nos concentraremos na análise do conceito de liberdade. Para tanto, tomaremos como ponto de partida a própria argumentação de Kant na Fundamentação da metafísica dos costumes, sobretudo na Seção III. Haja vista que naquela seção da Fundamentação Kant visa, declaradamente, empreender uma efetiva “Transição da Metafísica dos Costumes para a Crítica da Razão Prática” (FMC, BA 97/98), então é decisiva para tal empresa uma resposta clara e consistente à seguinte pergunta: seres racionais humanos são livres? Para tentar esclarecer sob quais termos Kant responde essa pergunta, pautaremos essa discussão na proposta interpretativa da Seção III da Fundamentação elaborada por O`Neill, na seção III do capítulo I de seu livro Constructions of reason: explorations of Kant`s practical philosophy (1989), intitulada “Reason and autonomy in Grundlegung III”. Segundo ela, a chave para a compreensão da liberdade, e assim da passagem da Metafísica dos Costumes para a Crítica da razão prática, é a distinção que Kant realiza entre duas perspectivas humanas, a saber: enquanto partícipes de dois mundos, o inteligível e o empírico. A alegação de Kant, diz O´Neill (1989, págs. 59, 60) é de que “[...]os agentes humanos [...] não só podem, mas devem adotar ambos os pontos de vistas [...]”, pois, como afirma o filósofo (FMC, BA 110/ 111), “[...] quando nos pensamos livres, nos transpomos para o mundo inteligível como seus membros e reconhecemos a autonomia da vontade justamente com a sua consequência – a moralidade; mas quando nos pensamos como obrigados, consideramo-nos como pertencentes ao mundo sensível e contudo ao mesmo tempo também ao mundo inteligível”. Por fim, argumentaremos, seguindo ainda a proposta de O´Neill, no sentido de compreender em que medida a solução

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kantiana ao problema da liberdade – na visão da autora – é fundamental para uma “reconstrução da razão” com vistas à fundamentação de uma razão prática pura. A identificação dos seres racionais como participantes de dois mundos que Kant estabelece, permite-nos abrir caminho para entendermos melhor a relação entre os diferentes usos da razão, pois, segundo O´Neill (1989, pág. 61), “Ele [Kant] alega que ambos os pontos de vista [dos mundos inteligível e empírico] são indispensáveis; que o ponto de vista teórico, e o conhecimento da natureza que ele possibilita, são indisponíveis sem o ponto de vista prático; e que os dois são compatíveis”.

O SILÊNCIO ÉTICO DE WITTGENSTEIN NO TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS

Ricardo Lavalhos Dal Forno (PUC-RS)[email protected]

O Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein incita dois caminhos de leitura que, à primeira vista, parecem distintos. O primeiro é o lógico-matemático, que representa o lado racional da obra. O segundo diz respeito a questões ligadas à ética, à estética, à religião e à vida, e foi chamado pelo próprio autor de “místico”. Porém, priorizar apenas um lado da obra seria uma leitura parcial. Em Wittgenstein, a lógica e o místico são verso e reverso da mesma questão. Aqui partimos da ideia de que a análise significativa da linguagem e a lógica foram também ferramentas utilizadas pelo autor para levar a cabo seu objetivo moral. Isso implica que devemos conhecer a estrutura da linguagem; seus limites, sua função, suas relações – expressas na “teoria pictórica” de Wittgenstein. Após se conhecer a estrutura da linguagem e suas relações, podemos pensar a ética e sua relação com o mundo. O mundo, em si mesmo, não comporta nenhum valor, por isso não pode haver nada que corresponda às proposições éticas e por isso elas são contra-sensos (unsinnig). A ética, assim, pertence ao campo do indizível. Suas proposições nada dizem sobre o mundo por afirmarem a existência de estados de coisas que a realidade não comporta. O sentido ético não é posto em palavras, mas se identifica com o sentido do mundo e vai se iluminando na medida em que a lógica traça os contornos do mundo. Portando, da lógica como possibilidade de pela linguagem se fazer referência ao mundo, podemos chegar à necessidade de nos calarmos diante dos limites do mundo. Desse silêncio, resulta um “ato volitivo” no qual se “mostra” aquilo que não se pode “dizer”. Compreender os limites do que pode ser dito e os limites do que apenas pode ser mostrado é central para a compreensão das ideias éticas presentes no livro. Após o cuidadoso trabalho de delimitar no interior da linguagem o que pode ser dito, algo fica de fora. E esse algo “fora” da linguagem e do mundo é a vontade ética. Mesmo que o Tractatus não seja um livro sobre ética, ele nos deixa vislumbrar a possibilidade de uma vontade ética. Afinal, o empreendimento lógico possui também o objetivo ético de possibilitar a vivência do sentido da vida e do mundo pela vontade ética. A ética, enquanto transcendental ao mundo, se revela na medida em que a lógica delineia os limites do mundo-linguagem. O que fica fora dessa delimitação são a vontade ética e seus valores inexpressáveis e pertencentes à esfera do místico. Na medida em que os limites do que pode ser dito são descobertos abre-se espaço para aquilo que não pode ser dito, mas apenas mostrado: esse é o místico (a partir de onde se pode pensar o sentido ético do Tractatus).

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UM ESTUDO EM TORNO DAS POSIÇÕES METAÉTICAS DE JEREMY BENTHAM

Rogério Antonio Picoli (UFSJ)[email protected]

Neste trabalho, gostaria de retomar algumas das negligenciadas reflexões - que hoje em dia poderiam ser descritas como metaéticas - apresentadas em três escritos pouco estudados de Jeremy Bentham: Bentham's theory of fictions (editado e comentado por Ogden), Chrestomathia e Deontology Together A Table of Springs of Actions. A importância do retorno a esses textos, deve-se ao fato de que: por um lado, boa parte das questões e problemas da metaética contemporânea, de algum modo, estão associadas às reflexões de Hume acerca da moral ou às ditas teses humeanas (a passagem do é para o deve, a relação crença/desejo, a passividade da razão especulativa, a base volitiva da motivação moral); por outro lado, Hume não desenvolveu a contento nem uma semântica dos termos morais, nem uma ontologia da moral, tampouco uma teoria acerca do papel da razão na moral (e, em parte, ao que parece, essa é a origem das polêmicas interpretativas em torno da sua filosofia moral). Bentham, para além dos estereótipos de um hedonista ingênuo e de um calculista insensato, foi assumidamente um humeano e empreendeu um grande esforço em desenvolver as teses humianas nesses três campos metaéticos. Embora a leitura tradicional de Bentham, ignorando parte dessas especulações, esteja orientada no sentido de aproximá-lo de um realismo naturalista do tipo reducionista, um primeiro exame das suas posições metaéticas revela afinidades tanto com o que poderíamos chamar de sentimentalismo não-cognitivista, quanto com o ficcionalismo, como, aliás, tem sido destacado recentemente. Assim, asssumindo um Bentham comprometido com as teses humianas, procuro caracterizar as suas posições dentro dos três campos metaéticos mencionados, destacando, por um lado, aquilo que para ele seriam as insuficiências da filosofia moral de Hume e, por outro, o tratamento particular que oferece às teses humanas.

O SI MESMO EM EMMANUEL LEVINAS

Silvestre Grzibowski (UFSM)[email protected]

A presente comunicação que tem como título O si mesmo: sujeito ético em Emmanuel Levinas tem por finalidade apresentar um estudo sobre o pensamento levinasiano, tendo como principal referencial parte de um dos capítulos mais importantes da obra Autrement qu’être ou au-delà de l’essence. Me refiro ao capítulo sobre a substituição. Nesse, o nosso filósofo aborda diversos temas, no entanto, todos giram em torno do tópico central que é a substituição. Aqui, não explorarei essa temática, mas estarei centrado na questão do si mesmo e do sujeito ético, assuntos constitucionais no pensamento levinasiano. Levinas concentra sua reflexão em torno de uma sentença breve, mas densa - “o sujeito é refém”. A tese que permeará o nosso estudo será justamente a de mostrar como Levinas articula o tema do si mesmo e como ele apresenta o sujeito “refém”, ou seja, a subjetividade na constituição do sujeito ético. Divido o trabalho em três partes. Inicialmente farei uma introdução do pensamento de Levinas, sobretudo estarei centrado na questão da linguagem e do seu telos filosófico. Levinas erigiu grandes críticas à racionalidade humana porque reduziu o Outro ao mesmo. Mais ainda, criticou a

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forma como a identidade do homem foi sendo definida, ou seja, a partir do formalismo lógico e das estruturas matemáticas. Que uma ciência, nascida para abarcar o mundo, o lança a desintegração; que uma política e uma administração, guiadas pelo ideal humanista, mantenham a exploração do homem pelo homem e a guerra. Segundo o filósofo, todas elas não são nada mais do que inversões dos projetos pensados e que desqualificam a causalidade humana, e a subjetividade humana entendida como espontaneidade e ato. Para Levinas, a interioridade do eu idêntico a si mesmo se dissolve na totalidade sem guarda nem segredos. Para o pensamento ocidental, de modo especial para o materialismo, todo humano é exterior e condena a interioridade. Nesse sentido, o projeto do si mesmo, sujeito, será a defesa da subjetividade. Por conseguinte, a concepção levinasiana do si mesmo pelo outro dá ao seu pensamento um caráter particular. Isso porque, no seu pensamento, a dialética não culmina num retorno do sujeito a si mesmo, como se A retornasse a A, numa coincidência absoluta do Si consigo mesmo. O para-si é convertido em ser-para-o-outro. O Si mesmo, arquitetado na sua passividade radical, à margem de toda consciência substancial. A única coincidência possível seria a que se daria na recorrência irremissível: o si mesmo, na sua impossibilidade de retorno e na sua obsessão pelo outro é ordenado apenas à responsabilidade radical e originária pelo outro: outro é um ser em mim, como se fosse o ter-o-outro-na-sua-pele. Por fim, o padecimento que o sujeito sofre, não equivale à dominação da consciência, como pensava o idealismo. Para Levinas, a unicidade do sujeito é constituída dentro de um jogo duro de perseguição e de aplacamento de si: o psiquismo é o outro dentro do mesmo sem alienar o mesmo. Eu sou para o outro, acuado, sem recursos de fuga, acusado, concernido; tendo o outro como na pele, padeço do outro, da sua ação e da sua necessidade.

ÉTICA EM PESQUISA E CONFLITO DE INTERESSES

Tania C. M. Fleig e Rosana J. Candeloro (UNISC)[email protected]

A ética em pesquisa é um novo campo de conhecimento que se localiza na interface de diferentes saberes, cujo objetivo é aproximar ciência e ética. Hoje, a ética em pesquisa é a afirmação da cultura dos direitos humanos na prática da pesquisa científica em todas as áreas do conhecimento. Frequentemente, os conceitos éticos aprendidos durante o processo de formação são questionados com maior rigor durante a realização das pesquisas, principalmente quando diante das exigências dos Comitês de Éticas em Pesquisas com Seres Humanos, em que são revisitados os procedimentos e protocolos estabelecidos frente às práticas que evidenciem a relação risco versus benefício, bem como conflitos de interesse, além de estabelecer limites metodológicos claros e embasados nas evidências científicas comunicadas. A Resolução 196, do Conselho Nacional de Saúde, de 1996, refere que a proteção dos indivíduos e grupos legalmente incapazes e vulneráveis constitui parâmetro de eticidade da pesquisa e que a investigação nos grupos vulneráveis só deve ser realizada quando houver previsão de benefícios diretos aos mesmos. Essa resolução define vulnerabilidade como o estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere à concessão do consentimento livre e esclarecido. No campo nuclear da ética em pesquisa, o conflito de interesses pode impor vieses às investigações nas suas diversas etapas: durante o desenho do estudo ou durante o processo de recrutamento, seleção e inclusão dos sujeitos; ao

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longo da coleta de dados ou no momento da análise dos dados e na publicação. É preciso, portanto, diferenciar os interesses primários e secundários das partes envolvidas em uma pesquisa com seres humanos, pois um conflito de interesses, como usualmente tratado na pesquisa clínica, existe quando interesses secundários têm o potencial para influenciar os juízos, ações e opiniões dos médicos quanto aos interesses primários em relação ao paciente. A gravidade do conflito de interesses dependerá do quanto o julgamento profissional foi influenciado, ou mesmo parecer influenciado pelo interesse secundário e da gravidade do dano ou erro que pode resultar de tal influência ou de sua simples aparência. No Brasil, a Resolução 196, já mencionada, determina como tarefa dos comitês de ética em pesquisa (CEPs) avaliar o conflito de interesses, a fim de reduzi-lo, evitando, por exemplo, formas de remuneração do pesquisador, por parte de indústrias farmacêuticas, por exemplo, que interfiram na liberdade de retirada do sujeito de pesquisa do estudo.

EQUILÍBRIO REFLEXIVO EM RAWLS: UM MÉTODO EM PRIMEIRA PESSOA OU UM PROCEDIMENTO EM TERCEIRA PESSOA?

Tiaraju Molina Andreazza (UFPEL)[email protected]

O equilíbrio reflexivo é um método de justificação utilizado por John Rawls para defender a sua concepção de justiça ao longo das suas obras. Rawls defendeu que os seus dois princípios de justiça seriam justificados porque eles seriam resultado de um processo reflexivo ideal em que juízos morais ponderados, de um lado, e teoria moral, de outro, coincidem. Neste trabalho, eu pretendo analisar se o esse dispositivo efetivamente opera (i) na primeira pessoa, como um conjunto de diretrizes designadas para orientar a reflexão moral de um indivíduo, ou na (ii) terceira pessoa, assim entendido enquanto um tipo de procedimento que o teórico moral utiliza para descobrir e formular princípios. Não é óbvio qual das posições é a de Rawls, havendo fortes evidências textuais tanto para (i) quanto para (ii), assim como uma significativa divergência na literatura. Recentemente, Mikhail (2011) defendeu extensivamente que o equilíbrio reflexivo funciona na terceira pessoa. Contra essa leitura, defenderei que uma leitura como (ii) não captura o internalismo epistemológico evidente a partir da característica construtivista da teoria de Rawls. Ao apresentar o equilíbrio reflexivo Scanlon (1992) adota uma posição oposta a de Mikhail, defendendo que o equilíbrio reflexivo deve ser alinhado à leitura (i). Argumentarei que tampouco uma leitura (i) faz jus ao forte papel que Rawls concede à teoria moral. A minha conclusão será que o equilíbrio reflexivo assume uma posição mista, em que a reflexão moral individual deve ser fortemente orientada por uma teoria moral. Espero mostrar por que Rawls recusaria uma posição anti-teórica em ética.

FOUCAULT E O CUIDADO DE SI

Ubiratan Trindade (Unisinos)[email protected]

Diferentes teóricos da cultura contemporânea (Deleuze 2009, Marcuse 1998, Adorno 2002, Agamben 2010) tem enfatizado que a ampliação da cultura do consumo e os ideais de um sujeito cada vez mais submetido ao domínio da

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racionalidade tecnológica (Heidegger 2008) e econômica, (Marx 1978) tendem a neutralizar ou pôr em risco o ideal iluminista de um sujeito autônomo, livre e racional. Somos cada vez mais escravizados por forças que se quer conhecemos. Estamos inseridos em uma sociedade normalizada e disciplinada. Os dispositivos de controle encontram-se nas fábricas, nos escritórios, no quartel, nas escolas e demais instituições públicas ou privadas. Novas formas de controle surgem com o avanço das tecnologias. Trabalhar no conforto do lar e a educação à distancia são exemplos das novas formas de dispositivos de poder. Para Foucault, o homem moderno é produto de processos de objetivação e sujeição. Um objeto dócil e útil, manipulado pelas relações de poder e saber. Dispositivos de controle que vão fazer uma intervenção sobre o ser humano. O poder se exerce sobre cada indivíduo, do mesmo modo que é exercido sobre as massas, impondo a todos e a cada um de nós uma identidade. A precariedade da constituição do sujeito contemporâneo, contrasta profundamente com as abordagens do sujeito, desenvolvidas nas culturas greco-romanas. As técnicas do cuidado de si, trazidas à luz por Foucault, colaboram para o nosso entendimento sobre a formação ética e moral das civilizações grega, helenística e romana. Apresenta uma compreensão da formação das subjetividades, ou seja, como e em que medida um sujeito é chamado a se constituir como um sujeito ético e moral. Um sujeito capaz de controlar suas paixões, tendo como tarefa, a busca de uma existência significativa e boa (eudaimonia), levando em conta a presença do outro. Exemplos dessas práticas encontram-se nos textos platônicos (Foucault 2004) quando Sócrates diz ao jovem Alcibíades que para governar a cidade é necessário antes, governar a si mesmo. O tema do cuidado de si, (epimeleia heautou do grego e cura sui do latim) foi fundamental na constituição do sujeito na antiguidade. O cuidado de si, vai aparecer na formação moral estóica, epicurista e nos primórdios do cristianismo. São formas de viver que levam em conta práticas, procedimentos, atividades, regras e condutas. Exercícios físicos e mentais que objetivam a formação do corpo e da alma. A questão que queremos propor, é se nas sociedades complexas contemporâneas, com uma cultura orientada para a noção de felicidade exterior (hedonismo de massa) haveria a possibilidade da constituição de um sujeito ético, autônomo e livre. Nosso objetivo é mostrar que é possível recuperar as técnicas do cuidado de si dos antigos e, através de uma ontologia do presente, colaborar com a criação de uma nova ética que leve em conta os problemas atuais e cruciais da humanidade.

A ÉTICA ECOLÓGICA NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

Vanessa Steigleder Neubauer e Odete Teresa Sutili Capelesso (UNISINOS e UPF)[email protected] e [email protected]

A ética aparece no movimento do viver e impõe a necessidade de refletir sobre nossas formas de existir/coexistir na comunidade de vida. Com o avanço da globalização, grandes temas ocupam um campo mais amplo e global. Nesse contexto, o debate ecológico levanta questões fundamentais para ética, sendo necessário discutir a abrangência dos sujeitos de consideração da ética, assim como discutir o conceito de co-responsabilidade para a sobrevivência humana, a qual estabelece a necessidade de uma ética ambiental como educação. Compreende-se que a ética é a construção de princípios e valores, os quais exigem mudança de ações e atitudes de toda uma sociedade. Esse estudo para melhor elucidar a questão se organiza em dois momentos: o primeiro apresenta uma Reflexão filosófica: Ética/Moral, referindo-se a possibilidade da ética como um conjunto de

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princípios ou comportamento moral dos homens em sociedade. Já o segundo aponta questões sobre os aspectos éticos na economia, esse se volta a pensar a economia como as necessidades humanas ilimitadas e os recursos físicos ou sociais limitados. No entanto, a racionalização entre oferta e procura traz desafios éticos como toda ação que tem objetivos e conseqüências para o próprio ser humano. No entanto, a moral busca contribuir para a formação do caráter, das relações do homem entre si, com a natureza e para o desenvolvimento da sociedade. Este artigo examina tal processo, enfatizando as discussões do surgimento de uma nova ética ambiental ou ecológica como paradigma econômico, social e político em uma nova consciência cosmológica. EsSe estudo tem caráter bibliográfico de cunho investigativo e toma como base, principalmente, as reflexões dos autores SUNG e SILVA, BOFF, BARROCO, JONAS e MORIN.

DEVERES INDIRETOS PARA COM OS ANIMAIS EM JOHN RAWLS E A ÉTICA DEONTOLÓGICA DE TOM REGAN: O RECONHECIMENTO DE DIREITOS

MORAIS AOS ANIMAIS.

Waleska Mendes Cardoso (UFSM)[email protected]

É aceitável, na maioria das teorias morais modernas e contemporâneas, que não devemos tratar os animais ao nosso bel prazer e lhes infligir sofrimento desnecessário. Todavia, muitos divergem acerca de que tipo de deveres os agentes morais tem perante os animais. Tom Regan propõe uma teoria moral deontológica fundada em direitos morais básicos para seres portadores de valor inerente. A tais seres, que possuem interesses moralmente relevantes, são reconhecidos direitos morais para resguardá-los. Em suas obras, Regan critica posições teóricas que advogam deveres indiretos dos agentes morais para com pacientes morais (e para com os animais), porquanto tais abordagens não garantem o respeito ideal aos seus interesses. Dentre as teorias morais que Regan se propõe a impugnar, encontra-se o contratualismo de John Rawls. Segundo Regan, o contratualismo poderia ser uma perspectiva de difícil refutação, se fosse uma abordagem teórica adequada do estatuto moral de seres humanos. O presente trabalho intenta enfrentar uma importante questão levantada por Tom Regan sobre o contratualismo de John Rawls: haveria espaço em sua ‘Teoria da Justiça’ para resguardar os interesses básicos dos animais não-humanos de forma robusta e eficiente? Na primeira secção do artigo, apresenta-se de forma breve a teoria moral de Rawls e o problema da personalidade ética como condição para ter direitos. Na segunda secção, aborda-se a problemática enfrentada por Regan sobre as teorias que defendem deveres indiretos e algumas noções importantes para o desenvolvimento de uma teoria moralmente satisfatória. A terceira secção traz a crítica de Regan – corroborada por outros autores – sobre o contratualismo rawlsiano. À guisa de considerações finais, apresenta-se a solução de Regan ao propor uma teoria moral baseada em direitos, com princípios gerais universais e que pretende incluir todos os seres humanos e alguns animais no âmbito da consideração moral, sem estar fundada em preconceitos de qualquer natureza.

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O UTILITARISMO E O PRINCÍPIO DA NÃO MALEFICÊNCIA NA OBRA LIBERTAÇÃO ANIMAL DE PETER SINGER

Wesley Felipe de Oliveira (UFSC)[email protected]

O presente trabalho tem como objetivo analisar a interpretação de Renzo Llorente da obra Libertação Animal, de Peter Singer. Em seu artigo The Moral Framework of Peter Singer’s Animal Liberation: an altertative to utilitarianism, Llorente defende que os argumentos que constituem a estrutura moral dessa obra não podem ser corretamente interpretados a partir do utilitarismo, conforme comumente se entende, mas antes, a partir do princípio de não maleficência, resumida pela sentença não causar danos. Quando interpretada dessa maneira, as principais inconsistências e críticas dirigidas à tese de Singer na referida obra deixam de fazer sentido. Interpretarei, no entanto, que ambos os princípios, o utilitarismo e o da não maleficência, constituem conjuntamente a estrutura moral da obra, o que significa, portanto, defender que além de não causar danos, também devemos maximizar o bem. O trabalho é dividido em dois momentos. Primeiramente analisarei as razões apontadas por Llorente que conduzem a uma interpretação utilitarista dos argumentos. Essas razões se devem primeiramente ao fato de Singer ser defensor do utilitarismo, ainda que em Libertação Animal, sua primeira obra, não haja referências significativas e diretas ao utilitarismo, tal como ocorre em Ética Prática e outros escritos posteriores. Não obstante, Singer usa conceitos que caracterizam seus argumentos como utilitarista, como os de prazer, dor e igual consideração. Além disso, Llorente observa, também, que Singer tem se colocado para responder as críticas aos seus argumentos que apenas fazem sentido na medida em que forem interpretados como sendo utilitaristas. Em um segundo momento, analisarei as implicações oriundas dessa interpretação utilitarista, e em que medida as principais objeções levantadas contra seus argumentos, algumas delas demonstrando até mesmo uma tendência especista por parte de Singer, surgem apenas quando o livro é interpretado (erroneamente) dessa maneira. As objeções classificam-se em cinco tipos: 1) uso da violência contra humanos em defesa dos animais; 2) o argumento da substituição; 3) o argumento da ineficiência; 4) a intervenção na Natureza (predação) e 5) consequências em evitar o especismo. Segundo Llorente, esses problemas apontados na argumentação de Singer desaparecem quando se interpreta seus argumentos a partir do princípio da não maleficência. Analisarei, portanto, essa interpretação de Llorente, buscando demonstrar que, se por um lado Singer não faz referências diretas ao utilitarismo, ainda que seus argumentos tenham características utilitaristas, o mesmo ocorre em relação ao princípio da não maleficência. A ausência dessas referências diretas, no entanto, dão margens a se identificar os dois princípios atuando em conjunto na obra. O fato de haver características da não maleficência em seus argumentos não exclui totalmente o seu caráter utilitarista, e vice-versa. Se a ausência de indicações diretas ao utilitarismo é uma evidência para Llorente não interpretá-lo dessa forma, o mesmo ocorre, portanto, em relação ao princípio da não maleficência, uma vez que também não há referências diretas para afirmar que a estrutura moral de Libertação Animal esteja única e exclusivamente fundamentada na não maleficência.

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ANEXO

PROGRAMAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES DO V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE ÉTICA E ÉTICA APLICADA

18 a 20 de junho de 2011 – UFSM — Hotel Itaimbé, Santa Maria/RS

18 de Junho – Segunda-feira

Sala: Jacarandá – 19 h às 21 h e 30 min.Temática: Hume

Coordenação: Bruno Portela

Empatia e a perspectiva do outroClaudia PassosHume e a Senciência como critério moral Giovani Mendonça LunardiRaciocínio Prático moral e Raciocínio Prático não-moral: uma abordagem baseada em HumeItamar Soares VeigaAnatomia do senso moralLisa BroussoisUm estudo em torno das posições metaéticas de Jeremy BenthamRogério A. Picoli

Sala: Auditório – 19 h às 21 h.Temática: Direito dos animais

Coordenação: Gabriel Garmendia

Conservation Biology versus Compassionate BiologyDavid PearceAs críticas de Gary L. Francione à teoria dos direitos animais de Tom ReganGabriel GarmendiaDeveres indiretos para com os animais em John Rawls e a ética deontológica de Tom Regan: o reconhecimento de direitos morais aos animaisWalesca Mendes CardosoO utilitarismo e o princípio de não maleficiência na obra Libertação Animal de Peter SingerWesley Felipe de Oliveira

Sala: Plátano – 19 h às 22 h. Temática: Fenomenologia e Hermenêutica

Coordenação: Adriane da Silva Machado Möbbs

A articulação entre ética e moral no pensamento de Paul RicoeurAllan Josué Vieira e Ésio J. Corá

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Respeito e “casos difíceis” (hard cases) em Paul RicoeurAdriane da Silva Machado MöbbsInfluxos da Filosofia existencial na Hermenêutica: Sartre e RicoeurJefferson Luquini e Kátia Marian CorrêaHorizontes reflexivos Éticos: O Conceito Heideggeriano de CuidadoLuciana Soares de MelloA questão da intencionalidade e o agente moralPaulo S. J. CostaO si mesmo: sujeito ético em Emmanuel LevinasSilvestre Grzibowski

Sala: Acácia – 19 h às 22 h.Temática: Trabalhos Gerais

Coordenação: Cristina Nunes

Responsabilidade e sentimentos morais: uma proposta de naturalização da responsabilidade moralCristina NunesA produção da vida nua; em busca de uma nova ética: reflexão a partir do pensamento de Giorgio AgambenÉsio Francisco SalvettiO homem vazio: uma crítica sócio-antropológica do utilitarismoÉrico AndradeA Imparcialidade no Utilitarismo de John Stuart MillEverton MacielImaginação e simpatia: A psicologia moral de Adam SmithFábio CrederDa distinção entre esfera teórica e esfera prática a partir da distinção entre Erscheinungen e Dinge an Sich na investigação crítica kantianaLuciano Duarte da Silveira

19 de Junho – Terça-feira

Sala: Auditório – 19 h às 21 h e 30 min.Temática: Kant

Coordenação: Letícia Machado Pinheiro

Autonomia, obrigação e virtude: os pilares da filosofia moral kantianaAgnaldo Luiz MezzomoA boa vontade e do dever na gênese da fundamentação moral de KantGefferson Silva da SilveiraAção por dever, móbil supremo e inclinação em KantLetícia Machado Pinheiro

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A moralidade da mentiraLisiane Sabala BlansRevolução Kant-Copernicana: Uma prova metodológica da moralidade?Patrícia Kemerich de AndradeLiberdade e reconstrução da razão na Seção III da Fundamentação da metafísica dos costumes: uma interpretação à luz de Onora O´NeillRafael da Silva Cortes

Sala: Jacarandá – 19 h às 22 h.Temática: Ética Aplicada

Coordenação: Mateus Stein

Aspectos éticos do aperfeiçoamento cognitivoBruno Tenório CoelhoA ética da responsabilidade de Jonas: ética normativa ou uma ética aplicada?Lilian Simone Godoy FonsecaReflexões sobre a produção de subjetividades através do universo de Harry PotterMárcio Felipe Salles MedeirosOs direitos individuais frente às questões passíveis de criminalização, como aborto e eutanásia, na obra de Ronald DworkinMaribel Moraes FelippeBem-estarismo, justiça e as tecnologias de aprimoramento humanoMateus SteinÉtica em Pesquisa e Conflito de InteressesTánia C. M. Fleig e Rosana Jardim Candeloro

Sala: Plátano – 19 h às 22 h.Temática: Rawls e Ecologia

Coordenação: Cristina Nunes

Rawls e a teoria da justiça ambientalCharles Andrade FroehlichRawls: a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernosElnora GondimA liberdade e a justiça como indicadores de desenvolvimento sustentávelJosé Luis Sepúlveda FérrizA democracia e o desenvolvimento sustentável: ensaio para fundamentar uma epistemologia integrada em tempo de globalizaçãoNeuro José ZambamEquilíbrio Reflexivo em Rawls: um método em primeira pessoa ou um procedimento em terceiraTiaraju Andreazza

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A ética ecológica no contexto da globalizaçãoVanessa Neubauer e Odete T. S. Capelesso

Sala: Acácia – 19 h às 22 h.Temática: Ética Analítica

Coordenação: Kariel Giarolo

Sobre o estudo da informação e do valor para juízos moraisAna Gabriela ColantoniDilemas morais e dilemas jurídicos: plano do dever e plano das possibilidadesClodoveo GhidolinAmizade ou solidão – Cenários do perfeccionismo moralEduardo VicentiniO conceito de violência-poder e o caráter paradoxal do poder jurídico em Walter BenjaminGilardo CarvalhoCognitivismo Internalista: Novos Rumos para a MetaéticaIdia Laura FerreiraA teoria Metaética de H. P. GriceKariel Giarolo

20 de Junho – Quarta-feira

Sala: Auditório – 19 h às 22 h.Temática: Trabalhos Gerais

Coordenação: Édison Martinho da Silva Difante

Felicidade e virtude: o confronto crítico entre a ética aristotélica e a filosofia prática kantianaÉdison Martinho da Silva DifanteUma análise normativa do processo de desenvolvimento: a abordagem das capacitações em uma perspectiva históricaFabian Scholze DominguesO intelectualismo socráticoJosé Lourenço Pereira da SilvaÉtica na Administração PúblicaLigia Pavan BaptistaMedo e crítica dos costumes nos Ensaios de MontaigneMarden MüllerFoucault e o cuidado de siUbiratan Trindade

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Sala: Jacarandá – 19 h às 21 h.Temática: Ética Analítica

Coordenação: Lauren Lacerda Nunes

A aproximação entre sentimento moral e sentimento estético na teoria de Francis HutchesonCarla Milani DamiãoO intuicionismo reflexivo de C. Gowans na resolução de dilemas moraisLauren Lacerda NunesDoutrina do duplo efeito: a formulação de Warren S. QuinnRafael ChiminteO silêncio ético de Wittgenstein no Tractatus Logico-PhilosophicusRicardo Lavalhos Dal Forno

Sala: Plátano – 19 h às 22 h.Temática: Comunitarismo e Ética do Cuidado

Coordenação: Mateus Stein

A Lei da Burca na França: um debate sobre liberdade, bem-estar e dignidadeElena Schuck e Gabriel GoldmeierÉtica do Cuidado: essência do serIlíria François WahlbrinckDimensões políticas de uma ética do cuidadoIlze ZirbelRefletindo sobre a questão das transfusões de sangue para as testemunhas de Jeová a partir das perspectivas liberal, comunitarista e multiculturalistaGabriel Goldmeier e Elena SchuckResponsabilidade como princípio e virtude: uma leitura a partir de Hans Jonas e Alasdair MacIntyreHelder CarvalhoA Ética da Autenticidade em Charles TaylorOdair Camati

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Page 63: Caderno de Resumos (5)
Page 64: Caderno de Resumos (5)

Patrocínio:Apoio:

Ministério da EducaçãoUniversidade Federal de Santa Maria

Centro de Ciências Sociais e HumanasDepartamento de Filosofia

Programa de Pós-Graduação em FilosofiaPrédio 74A

Camobi, 97105-900Santa Maria, RS

Fone: (55) 3220 8132

Local:Hotel Itaimbé

Rua Venâncio Aires, 2741, CentroSanta Maria, RS - Brasil

18, 19, 20 e 21 de Junho de 2012(18, 19, 20 and 21 June 2012)

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