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    REPENSANDO A BRUXARIA NRDICA MEDIEVAL

    Johnni LangerUniversidade Federal do Maranho UFMA

    [email protected]

    Bruxas e bruxaria. Definitivamente, um dos temas historiogrficos maispolmicos e repletos de concepes tericas.1 Mas a maior parte dos estudos tem se

    concentrado no perodo moderno, onde as acusaes e os processos de execuo so

    mais quantitativos e politicamente importantes. No imaginrio popular, porm,

    predomina a associao das bruxas com a Idade das Trevas, esse perodo obscuro

    inventado pelos renascentistas. De qualquer modo, a origem e difuso das

    representaes sobre bruxaria provem da Idade Mdia Central, e so repletas de lacunas,

    problemticas e desafios para os historiadores contemporneos.

    Neste sentido, muito mais do que dar respostas, o recente lanamento do livro

    Witchcraft and Magic in the Nordic Middle Ages2 prope a alargar os horizontes

    investigativos sobre o tema. Mitchell professor de estudos escandinavos da

    Universidade de Harvard e j havia publicado diversos estudos nesta rea.3

    Primeiramente realizaremos uma sntese crtica das diversas partes do livro, para em

    Ps-Doutor em Histria Medieval pela USP. Coordenador do NEVE, Ncleo de Estudos Vikings eEscandinavos (www.nevevikings.tk). Bolsista da FAPEMA.1 Sobre historiografia da bruxaria medieval e moderna, consultar: SOUZA, Laura de Mello e. A

    feitiaria na Europa Moderna. So Paulo: tica, 1987, p. 38-52; NOGUEIRA, Carlos RobertoFigueiredo. Bruxaria e histria: as prticas mgicas no Ocidente cristo. So Paulo: Edusc, 2004, p.41-71; RUSSEL, Jeffrey & ALEXANDER, Brooks. Histria da bruxaria. So Paulo: Aleph, 2008,p. 47-61.

    2 MITCHELL, Stephen. Witchcraft and Magic in the Nordic Middle Ages. Philadelphia: Universityof Pennsylvania Press, 2011. 368 p.

    3 Os principais estudos do autor so respectivamente: MITCHELL, Stephen A. Learning magic in thesagas. In: BARNES, Geraldine & ROSS, Margaret Clunie. (Ed.) Old Norse Myths: literature andsociety. Sydney: Centre for Medieval Studies, p. 335-345, 2000; MITCHELL, Stephen A. Blkullaand its antecedents: transvection and conventicles in nordic witchcraft. lvisml, n. 7, p. 81-100,1997.

    mailto:[email protected]:[email protected]://www.nevevikings.tk/http://www.nevevikings.tk/http://www.nevevikings.tk/http://www.nevevikings.tk/mailto:[email protected]
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    Fnix Revista de Histria e Estudos CulturaisMaio/ Junho/ Julho/ Agosto de 2012 Vol. 9 Ano IX n 2

    ISSN: 1807-6971Disponvel em: www.revistafenix.pro.br

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    seguida debater suas idias dentro da Escandinavstica e da historiografia europia sobre

    bruxaria.

    Em sua Introduction, Mitchell esboa referenciais tericos, situando suas fontes

    dentro dos estudos escandinavos. A obra

    procura analisar o fenmeno da magia e

    suas implicaes no perodo que vai de

    1100 a 1525, particularmente

    preocupando-se com as construes

    ideolgicas da bruxaria enquanto heresia

    diablica, a partir de fins do sculo XIII.

    Apesar de no ser um estudo sobre magia

    da Era Viking, suas conexes so

    inevitveis uma das fontes essenciais

    para esse recorte so as sagas islandesas,

    compostas entre os sculos XIII e XIV. As

    atividades descritas nestes registros

    literrios, afinal, foram produtos diretos de

    uma tradio oral dos tempos vikings? Ouforam influenciados por concepes crists

    de diabolismo e bruxaria, advindas do continente? As opinies divergem. Mitchell

    procura sintetizar algumas das pesquisas mais importantes neste sentido: de um lado

    Franois Xavier Dillmann e Neil Price, que argumentam positivamente pelo valor

    histrico das sagas, e de outro, autores como Catherine Raudvere, que questionam as

    mesmas. O posicionamento de Stephen Mitchell, como veremos, envereda por um meio

    termo, apresentando ao mesmo tempo uma concepo original.Quanto aos mtodos, o captulo Witchcraft and the pastapresenta o principal

    argumento do autor: descartar o tradicional modelo de elite versus populao, to

    comum nos estudos de religiosidade popular. A viso de mundo da magia atingiria tanto

    sacerdotes, prncipes e mercadores, quanto a camponeses, prostitutas e trabalhadores

    urbanos. No ocorreria uma oposio entre elite soberana e campesinato iletrado, por

    exemplo. E novamente Mitchell penetra no campo da veracidade das fontes literrias

    para o estudo da magia dos tempos pr-cristos: quanto do pensamento pago foipreservado aps a converso? As concepes mgicas escandinavas da Idade Mdia

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    Central representavam uma continuidade com a viso de mundo pag ou foram apenas

    representaes idealizadas do passado? Influenciado pelos estudos de metalinguagem,

    Mitchell explora a magia enquanto um discurso, um sistema especial de signos que era

    central na vida diria das pessoas. Por exemplo, no famoso episdio do confronto entre

    o missionrio Thangbrand e um berserker (citado na Kristin saga e Njls saga),4

    utilizam essencialmente as mesmas tcnicas (mas invocando a Deus e afetando o

    resultado da luta). A magia neste caso foi a base de um sistema de comunicao entre

    cristianismo e paganismo, empregado pelo escritor da saga como um caminho para

    elogiar o primeiro e rebaixar o segundo. A historiografia tradicional percebia o

    cristianismo como triunfante de forma completa, uniforme e hegemnica na

    Escandinvia. Mas ao contrrio, com o referencial da magia enquanto signo

    comunicativo, averiguamos que no perodo de transio e de converso ocorreram

    reinterpretaes das prticas pags. Assim, mais que falar de sobrevivncia do

    paganismo, percebemos a ocorrncia de um sincretismo pago-cristo, mas de tipos

    diferentes: de um lado, o nvel onde os elementos individuais do paganismo so

    acomodados na nova f; e de outro, o nvel de sistemas, onde os segmentos e ideologias

    so transferidos entre as religiosidades. Com isso, pensar em sobrevivncia de

    elementos pagos no autoriza a se pensar em uma venerao oculta, em cultos secretosmantidos aps o perodo de converso. E nem em um triunfo total do cristianismo, onde

    todos os vestgios pagos foram eliminados.

    O captulo seguinte (Magic and Withcraft in Daily life) explora os usos

    cotidianos das prticas mgicas. Aqui temos tambm outra inovao do autor, ao tratar

    o cristianismo no apenas como uma religio institucionalizada, mas tambm com um

    vasto repertrio mgico e mitolgico.5 Que se modificou e foi transformado com a

    converso nrdica. Os espaos mais bvios desse sincretismo foram a sade e a

    4 Para uma abordagem deste episdio, consultar: LANGER, Johnni. Pagos e cristos na Escandinviada Era Viking: uma anlise do episdio de converso da Njls saga. Revista Brasileira de Histriadas Religies, n. 10, p. 3-22, 2011. Disponvel em: Acesso em:05/01/2011.

    5 Uma bvia influncia do historiador britnico THOMAS, Keith. Religio e o declnio da magia. SoPaulo: Cia das Letras, 1991, p. 155-214. No Brasil, tambm temos algumas pesquisas que tratam deuma mitologia advinda do cristianismo: o cristianismo medieval era um vasto sistema de

    representaes mentais, verbais, gestuais e imagsticas, atravs do qual os homens de ento atribuamcerta ordenao e certo sentido ao universo, era exatamente porque ele era uma mitologia. FRANCO

    JNIOR, Hilrio. Cristianismo medieval e mitologia. In: FRANCO JNIOR, ______ (Org.) A Evabarbada: ensaios de mitologia medieval. So Paulo: Edusp, 1996, p. 53.

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    sexualidade, centros da vida domstica, mas tambm atingindo mesmo a hagiografia e a

    medicina clerical. E muitas vezes, temos a magia utilizada para fins individuais,

    recebendo noes de bruxaria diablica. Particularmente, o autor concede o campo da

    magia amorosa como tendo uma tradio arcaica nativa, especialmente materializada no

    poema ddico Skrnisml, entre a giganta Gerd e o deus Freyr. E as profecias, de forma

    semelhante ao universo sexual, mesclaram tradies pr-crists e tiveram papel

    importante no momento da converso. O clima tambm no ficou margem, pois o

    cotidiano da colheita, navegao e pesca dependia totalmente dele: em diversas sagas

    islandesas, temos o envolvimento de bruxos acusados de provocar tempestades, mas

    tambm santos nrdicos criavam interferncias mgicas no clima. De todas as prticas,

    a performance da maldio a que recebeu maior tratamento analtico de Stephen

    Mitchell, especialmente nos poemas Skrnisml,Buslubnda Bsa saga,6Egill saga,

    entre outras fontes, demonstrando uma longa tradio do maldizer nrdico, talvez

    conectada ao mundo anglo-saxnico.

    Pintura retratando uma bruxa e um diabo em jornada para Blkulla, em frente a Sat. Igreja de Knutbykyrka, Sucia, 1490. Fonte: MITCHELL, Stephen. Witchcraft and Magic in the Nordic Middle Ages.

    Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2011, p. 128.A retratao de temas diablicos e bruxescos no interior das Igrejas medievais, alm do carter

    pedaggico, reforavam a crena em temas tanto do folclore popular quanto de representaes teolgicase eruditas.

    6 Para uma anlise deste poema e seu contexto na prtica da feitiaria escandinava, consultar:LANGER, Johnni. Galdr e feitiaria nas sagas islandesas: uma anlise do poema Buslubn. Brathair,vol. 9, n. 1, p. 66-90, 2009. Disponvel em: Acesso em: 05 Jan. 2011.

    http://www.brathair.com/http://www.brathair.com/http://www.brathair.com/
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    Os aspectos narrativos so aprofundados no captulo Narrating Magic, sorcery

    and witchcraft, concentrando-se em quatro fontes literrias: as Eddas, as sagas

    islandesas, as narrativas eclesisticas e a literatura de corte. Na mitologia, a deidade quemais recebeu conexes com magia foi Odin, considerado o chefe dos magos,

    relacionado morte, metamorfose animal, ao controle climtico, s runas e ao seir.7

    Algumas narrativas das Fornaldarsgur, as sagas lendrias, foram analisadas tendo

    relao direta com ormur, poesia islandesa tardia. A principal concluso de Mitchell

    que a feitiaria e a bruxaria foram tratadas como paganismo nas sagas, dentro da

    perspectiva do sculo XIII. A figura de Odin, neste caso, foi representada associada ao

    demnio pela interpretatio Christiana.Um dos momentos mais marcantes da obra o captulo Medieval Mythologies,

    onde percebemos que tanto o cristianismo quanto o paganismo mesclaram-se para criar

    uma tradio mitolgica sincrtica um ponto de vista inovador aos estudos

    escandinavsticos. Ao estudar a questo da jornada ao outro mundo, um tema tpico da

    literatura escandinava, o autor se depara com a possvel influncia de temas advindos do

    continente, como o vo das bruxas para o sab. A primeira meno na rea nrdica

    deste tema a jornada paraBlkulla, e o autor tenta reconstituir a evoluo do conceitopara esta regioo gandrei, literalmente, vo com basto.8Blkulla o nome de uma

    montanha sueca, onde o diabo apareceria durante a conveno das bruxas.9 Assim, a

    jornada para outro mundo, na Njls saga, seria mais nativa do que a presente na Ketil

    saga. Neste caso, o autor questiona: o tema da transgresso social dos praticantes de

    magia e da assemblia de magos, teriam sido importados como parte de uma viso da

    7 Prtica mgica para diversas finalidades e de carter essencialmente feminino, ocorrida na

    Escandinvia da Era viking. A respeito do seire de seus vnculos com as sagas islandesas, consultar:LANGER, Johnni. Seir e magia na Escandinvia medieval: reflexes sobre o episdio de orbiorg naEriks saga. Signum, vol. 11, n. 1, p. 177-202, 2010. Disponvel em: < www.revistasignum.com>Acesso em: 05/01/2011. Sobre mitologia escandinava, verificar: LANGER, Johnni. Deuses,monstros, heris: ensaios de mitologia e religio viking. Braslia: Editora da UNB, 2009.

    8 O basto (gandr) foi um importante elemento simblico e cultural nas prticas mgicas escandinavasdurante a Era Viking (sc. VIII-XI), aparecendo constantemente nas sagas islandesas e poemasddicos. Tambm a arqueologia encontrou vrias evidncias de bastes mgicos em sepulturasfemininas do perodo viking. Cf. PRICE, Neil. Lesprit viking em avence sur son temps. In: BOYER,Rgis (org). Les vikings, premiers europens: les nouvelles dcouvertes de larchologie. Paris:ditions Autrement, 2005, p. 210-212.

    9 Mas a primeira evidncia narrativo-textual de um sab na Escandinvia de 1555, durante o sculoXIV. Cf. MITCHELL, Stephen. Witchcraft and Magic in the Nordic Middle Ages . Philadelphia:University of Pennsylvania Press, 2011, p. 136.

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    elite sobre bruxaria? Mitchell prefere perceber mais a emergncia de uma tradio

    nativa rearticulada com elementos externos, ou seja, uma inovao com continuidade no

    imaginrio. Outro tema mitolgico investigado o roubo de leite e gado por bruxas e

    demnios, um tema tambm comum na Europa continental do baixo medievo.

    Novamente o autor inova, apresentando o imaginrio no somente como produto

    intelectual dos telogos, mas como uma srie de representaes derivadas do cotidiano

    dos camponeses.10 Neste sentido, existem muitas outras possibilidades investigativas

    ainda no exploradas pelos pesquisadores, como as conexes entre banquetes,

    festividades e alimentao associadas a questes religiosas e mgicas na Escandinvia

    Medieval.

    Uma interessante discusso sobre a relao entre a tradio oral e a escrita,

    durante a transio do paganismo para o cristianismo, o ponto central do captulo

    Witchcraft, Magic and the Law. Tambm examinando os cdices jurdicos, o autor

    percebe algumas diferenas regionais, por exemplo, a bruxaria e a magia em geral tem

    maior papel nas leis crists da Noruega e Islndia. Nas leis da Dinamarca e Sucia, a

    feitiaria praticamente no mencionada. Mitchell no chega aprofundar com mais

    detalhes essas variaes locais, abrindo espao para trabalhos futuros.

    O ltimo captulo, Witchcraft, sorcery and gender, examina as representaesdas praticantes de bruxaria, sendo influenciado por pesquisadores como Jenny Jochens,

    que percebem a figura da feiticeira como um reflexo da realidade social do perodo. 11

    Na realidade, essas imagens so devedoras de toda uma longa tradio que retratavam

    as figuras femininas atreladas essencialmente a questes como viso do futuro, curas,

    manipulao dos mortos, poderes mgicos, que foram transformados em esteretipos

    literrios como as valqurias, as gigantas e as incitadoras de conflitos das sagas

    islandesas. Mitchell se debrua em analisar vrias personagens da literatura,especialmente Freyds, a rainha Gunnhildr, Sko-Ella, entre outras, percebendo como

    concepes misginas e a idia do pecado de Eva foi atrelada a essa tradio arcaica dos

    nrdicos. No caso das bruxas das sagas, elas so interconectadas aos protagonistas,

    10 For the medieval everyman, witchcraft is not merely a theological issue but a practical problemrequiring practical solutions. MITCHELL, Stephen. Witchcraft and Magic in the Nordic MiddleAges. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2011, p. 144.

    11 Dois trabalhos desta autora so especialmente importantes para essa questo: JOCHENS, Jenny. OldNorse Magic and gender. Scandinavian Studies n. 63, p. 305-315, 1991; JOCHENS, Jenny. Reviewof Franois-Xavier Dillman, Les magiciens dans lIslande ancienne. Scandinavian Studies n. 78, p.488-492, 2006.

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    tanto em aspectos marciais quanto sexuais, e quase sempre como obstculos ao percurso

    herico da narrativa.

    No desfecho do livro, Epilogue, o historiador realiza um levantamento de

    dezoito problemticas de investigao, revelando um potencial muito rico para os

    futuros trabalhos na rea, especialmente conectados cultura popular e pensamento

    teolgico, do qual elencamos os mais importantes: o papel da magia no mundo pr-

    cristo; a relao entre magia crist e pag; as variedades de magia erudita, incluindo

    tradies judaicas e alqumicas; as tradies pan-europias e nativas para os encantos

    mgicos escandinavos; os aspectos operacionais da magia e suas representaes

    literrias; as diferenas da magia no mundo contemporneo das sagas e os do passado;

    como as leis seculares e os cdigos legais tiveram diferenas de registro e tratamento

    sobre bruxaria nas diferentes naes; como a idia da bruxa como mulher m esteve

    relacionada com o controle da vida social das comunidades; como a construo cultural

    da feitiaria afetou as atitudes nrdicas sobre gnero, poder, masculinidade e

    feminilidade.

    O livro de Stephen Mitchell pode ser refletido conjuntamente dentro de dois

    pontos historiogrficos, primeiro com os estudos escandinavsticos e em segundo, com

    as investigaes gerais sobre bruxaria europia. Tradicionalmente, os estudos dasprticas de magia na Escandinvia enfocavam basicamente dois perodos, a Era Viking

    (sculos VIII ao XI) e o perodo de reforma (sculos XVI ao XVII). Essa lacuna

    temporal e as devidas relaes de continuidade e inovao com as crenas da Alta Idade

    Mdia e Idade Mdia Central, o livro de Mitchell tenta em parte, sanar. Com relao ao

    material literrio produzido entre os sculos XIII e XIV, especialmente as sagas

    islandesas, o posicionamento atual se faz em dois segmentos: um influenciado pelos

    estudos culturais, antropolgicos e arqueolgicos, que percebe a fonte escrita como oregistro de dados etnogrficos de sua poca; e outro, influenciado pelos autores ps-

    modernos, que generalizam a magia nas sagas como produtos meramente estereotipados

    e ficcionais, no tendo nenhuma relao direta com a continuidade de crenas advindas

    da Era Viking ou mesmo do momento em que foram compostas. Apesar de perceber os

    temas mgicos como prticas discursivas, Mitchell tambm concorda com uma

    sobrevivncia direta e reformulada de material nativo: Much, indeed, changes over the

    interim, as the presumably socially approved, and even lauded, magic of the Vikingworld is transformed throughout the Middle Ages into Scandinavias Reformation-era

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    vision of witchcraft.12 Aqui temos uma perceptvel influncia dos estudos arqueo-

    histricos de Neil Price, scio-culturais de Eldar Heide e scio-literrios de Britt Solli e

    Clive Tolley.

    Quanto historiografia da bruxaria europia, a principal contribuio de

    Mitchell a de reverter o quadro diacrnico na construo dos esteretipos da bruxaria

    moderna. Em vez de perceber apenas as idias, imagens e representaes elaboradas

    pelo continente, penetrando no final do medievo pela Escandinvia, Mitchell pensa que

    elas tomaram um caminho inverso pelo menos algumas narrativas (como o vo das

    bruxas), podem ter origem nrdica. Assim, o multifacetado quadro apresentado por

    Carlo Ginzburg, no qual a imagem do sab durante o sculo XIV teria se originado do

    xamanismo asitico,13 se torna ainda mais complexo. Em outro aspecto, a publicao

    desta obra retoma aspectos essencialmente culturais na investigao da feitiaria,

    tentando compreender o papel e o espao assumidos pelas prticas mgicas na

    sociedade medieval, seguindo as reflexes de Keith Thomas e Alan Macfarlane.

    Desta maneira, o livro altamente recomendado no somente para os

    estudiosos da rea escandinava, da Idade Mdia em geral, da histria da magia e da

    bruxaria, mas tambm a todos os interessados no imaginrio europeu do momento da

    transio para os tempos modernos, que se revela muito rico em fontes histricas,repleto de possibilidades investigativas, mas ainda com pesquisas muito escassas.

    12 MITCHELL, Stephen. Witchcraft and Magic in the Nordic Middle Ages. Philadelphia: Universityof Pennsylvania Press, 2011, p. 206.

    13 GINZBURG, Carlo. Histria noturna: decifrando o sab. So Paulo: Cia. das Letras, 2001. Ginzburgreexamina algumas questes terico-metodolgicas desta perspectiva em outro trabalho mais recente,Feiticeiras e xams. (______. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictcio. So Paulo: Cia das Letras,2007.)