BRANDALISE C Europes Patries Historico Da Extrema Direita Na Europa

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EUROPES DES PATRIES: HISTÓRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPÉIA Carla Brandalise* 1 . Introdução Quando o Front National (Frente Nacional- FN) francês, formação liderada por Jean-Marie Le Pen e classificada como de extrema direita no spectrum partidário, obteve uma surpreendente votação nas eleições de junho de 1984 – mais de 2 milhões de eleitores concederam seu voto ao slogan “Europes des patries” –, muitos analistas políticos minimizaram o fato. 1 Na ocasião, o sucesso do FN foi considerado efêmero, um alarme falso, dado que o passado histórico da França, com os resquícios ainda latentes do regime de Vichy, havia deixado clara a sua lição. A lembrança mesma da barbárie nazista selaria uma espécie de consenso de refutação à extrema direita. A República francesa estaria, assim, imune a esse gênero do político. 2 Depois, todas as consultas eleitorais confirmaram a implantação do FN na sociedade francesa. 3 Subestimado outrora, soube adquirir uma estatura nacional e se difundiu no país como uma força política consistente, capaz de renovar e diversificar suas bases sociais. No princípio de 1998, parcela da direita “clássica” considerava mesmo plausível uma associação eleitoral com o FN 4 , momento em que o então Presidente da França, Jacques Chirac, viu-se constrangido a repudiar esse tipo de acordo, lembrando os “verdadeiros valores da República francesa.” 5 Longe estavam os primeiros ensaios do partido, quando era impossível ao FN reunir, por exemplo, as quinhentas assinaturas de eleitos locais, necessárias para a apresentação de um candidato à eleição presidencial de 1981. Rev. Cena Int. 7 (1): 50-82 [2005] * Doutora em História Política, Institut d’Études Politiques de Paris. Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Resumo Em meados dos anos de 1980, mostra-se visível, na Europa ocidental, a ascensão de movimentos e de partidos situados à extrema direita do quadro político, entre os quais torna-se emblemático o Front National francês de Jean-Marie Le Pen. Este artigo pretende, primeiro, oferecer um arcabouço conceitual de tal processo político, aplicando-o, em seguida, à periodização e à análise do extremismo de direita europeu no pós-Segunda Guerra; segundo, demonstrar que esse tipo de manifestação política jamais desapareceu por completo do cenário europeu do pós-Segunda Guerra, revelando evidentes, embora episódicos, sinais de vitalidade. Abstract By the middle of 1980’s, the rise in Western Europe of far-right political parties and movements was visible, with Jean-Marie Le Pen’s Front National being emblematic. This article is meant, on the one hand, to conceptualize this political branch and explore some elements capable of explaining its presence in the current European juncture; on the other hand, to demonstrate that, historically, this variety of politics has never completely vanished from the European post-World War II scene, revealing evident and episodic signs of vitality throughout the decades.

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    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DAEXTREMA DIREITA EUROPIA

    Carla Brandalise*

    1 . Introduo

    Quando o Front National (Frente Nacional-

    FN) francs, formao liderada por Jean-Marie

    Le Pen e classificada como de extrema direita no

    spectrum partidrio, obteve uma surpreendente

    votao nas eleies de junho de 1984 mais de

    2 milhes de eleitores concederam seu voto ao

    slogan Europes des patries , muitos analistas

    polticos minimizaram o fato.1 Na ocasio, o

    sucesso do FN foi considerado efmero, um

    alarme falso, dado que o passado histrico da

    Frana, com os resqucios ainda latentes do

    regime de Vichy, havia deixado clara a sua lio.

    A lembrana mesma da barbrie nazista selaria

    uma espcie de consenso de refutao extrema

    direita. A Repblica francesa estaria, assim,

    imune a esse gnero do poltico.2

    Depois, todas as consultas eleitorais

    confirmaram a implantao do FN na sociedade

    francesa.3 Subestimado outrora, soube adquirir

    uma estatura nacional e se difundiu no pas como

    uma fora poltica consistente, capaz de renovar

    e diversificar suas bases sociais. No princpio

    de 1998, parcela da direita clssica considerava

    mesmo plausvel uma associao eleitoral com o FN4, momento em que o ento Presidente

    da Frana, Jacques Chirac, viu-se constrangido a repudiar esse tipo de acordo, lembrando os

    verdadeiros valores da Repblica francesa.5 Longe estavam os primeiros ensaios do partido,

    quando era impossvel ao FN reunir, por exemplo, as quinhentas assinaturas de eleitos

    locais, necessrias para a apresentao de um candidato eleio presidencial de 1981.

    Rev. Cena Int. 7 (1): 50-82 [2005]* Doutora em Histria Poltica, Institut dtudes Politiques de Paris. Professora do Departamento de Histria daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

    Resumo

    Em meados dos anos de 1980, mostra-se

    visvel, na Europa ocidental, a ascenso

    de movimentos e de partidos situados

    extrema direita do quadro poltico, entre

    os quais torna-se emblemtico o Front

    National francs de Jean-Marie Le Pen.

    Este artigo pretende, primeiro, oferecer

    um arcabouo conceitual de tal processo

    poltico, aplicando-o, em seguida,

    periodizao e anlise do extremismo

    de direita europeu no ps-Segunda

    Guerra; segundo, demonstrar que esse

    tipo de manifestao poltica jamais

    desapareceu por completo do cenrio

    europeu do ps-Segunda Guerra,

    revelando evidentes, embora episdicos,

    sinais de vitalidade.

    Abstract

    By the middle of 1980s, the rise in

    Western Europe of far-right political

    parties and movements was visible, with

    Jean-Marie Le Pens Front National being

    emblematic. This article is meant, on the

    one hand, to conceptualize this political

    branch and explore some elements

    capable of explaining its presence in the

    current European juncture; on the other

    hand, to demonstrate that, historically,

    this variety of politics has never

    completely vanished from the European

    post-World War II scene, revealing evident

    and episodic signs of vitality throughout

    the decades.

  • 5151 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    Inesperadamente, o movimento se autoconsumiu em dezembro de 1998 quando o

    FN desencadeia o seu aparente suicdio poltico com o violento confronto interno entre

    Jean-Marie Le Pen e o seu at ento sucessor natural, Bruno Mgret. Este ltimo, com seu

    estilo nacional-tecnocrtico, defendia a efetiva conquista do poder pelo deslocamento do

    FN para o espao das direitas tradicionais com a inoculao de uma temtica de extrema

    direita quelas. Os partidrios de Mgret consideravam que a velha guarda composta

    fundamentalmente dos ex-Indochina, os monarquistas e os catlicos tradicionais

    representavam um freio respeitabilidade e modernidade. O partido, ento, se divide e

    Mgret (o Nabot-Lon, segundo o apelido dado por Le Pen) funda a sua prpria agremiao,

    o Mouvement National-Front National (MNFN). A sano popular se manifesta por ocasio

    das eleies europias de junho de 1999 FN: 5,7%; MNFN: 3,3%. Mesmo com 9% do

    eleitorado francs persistindo em seu voto a formaes de extrema direita, a imprensa

    francesa comemorou o episdio como o fim da era Front National, tentando ignorar que as

    idias de Le Pen estavam, de fato, acima do prprio Le Pen6, dado que os fatores de propulso

    e interpelao desses movimentos extremistas no haviam de forma alguma desaparecido,

    como, por exemplo, a xenofobia, o desemprego e as tenses sociais de conotao tnica.

    Beneficiado por uma campanha partidria particularmente virulenta e por uma

    especial diviso esquerda, que se apresenta com cinco candidatos, Jean-Marie Le Pen

    conquista sua passagem ao segundo turno das eleies presidenciais francesas de 2002,

    junto com Jacques Chirac. Lionel Jospin, deixado para trs, anuncia a sua retirada da vida

    poltica. Mesmo sofrendo uma esmagadora derrota no pleito final das eleies presidenciais,

    a extrema direita demonstrou claramente que as potencialidades polticas dessa corrente

    foram enterradas rpido demais pelos analistas. Mais do que isso: Le Pen comprovou ter

    ultrapassado os limites sociolgicos tradicionais da extrema direita.7

    Essa presena eleitoral no se restringe Frana, reproduzindo-se em vrios pases

    europeus, em alguns de forma ainda marginal, em outros com real representatividade. Em

    uma Europa ocidental exasperada pelos problemas de suas periferias urbanas, crescimento

    da insegurana, crise de desestruturao industrial e interrogao de identidades regionais,

    em que o descrdito da f universal no progresso das sociedades varreu certezas adquiridas,

    o FN no constitui uma mera exceo francesa. Entretanto, ela representou at ento o modelo

    mais bem sucedido, servindo como referencial s manifestaes congneres em outras

    naes. Em nenhum outro pas da Europa uma fora atual de extrema direita conseguiu se

    estabelecer em um tal nvel de representao eleitoral por tanto tempo. Com o FN, assiste-

    se, pela primeira vez em um sistema democrtico a um verdadeiro enraizamento eleitoral

    de durao prolongada para um partido com esse perfil doutrinrio.

    Em tal conjuntura, em que o FN aparece no seu pice, a proposta central deste artigo

    recuperar, pelo seu evidente valor explicativo, a latente e episdica trajetria histrica da

    extrema direita a partir do ps-Segunda Guerra Mundial europeu, considerada em suas

    mltiplas variaes enquanto formaes partidrias relativamente distintas. Uma primeira

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    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    parte do artigo destina-se a uma pequena reflexo conceitual a propsito dessa variante do

    poltico; uma segunda parte, observa os momentos mais intensos de suas manifestaes,

    dirigindo o enfoque para a fase mais recente, que se magnifica nas duas ltimas dcadas.

    De fato, essa vertente poltica jamais desapareceu por completo com a derrocada do

    nazi-fascismo. Muito pelo contrrio, j nos primrdios da reestruturao europia, tambm

    o extremismo de direita, com maior ou menor sucesso, recongregava as sua foras.

    Confrontada com as turbulncias que pontualmente sacudiram o continente europeu, a

    extrema direita mostrou-se atenta e capaz de instrumentalizar tais tenses sciopolticas

    em favor de seu futuro poltico. Em meio a distrbios da representao poltica, quando o

    sistema em vigor no se mostrava apto a sustentar um bom funcionamento das instituies

    democrticas, ela revivia ressentimentos e dios. Prosperava em relao direta com a

    incapacidade dos partidos tradicionais de propor solues eficientes s dificuldades dos

    deserdados. Certo tambm que, a partir da metade dos anos 1980, a extrema direita

    obteve um indito reconhecimento pblico.

    2. Reflexes conceituais acerca da extrema direita

    Antes de mapear a trajetria mais visvel dessa manifestao poltica na Europa

    ocidental nos ltimos cinqenta anos, seria interessante precisar um pouco mais esse vago

    e intensamente mediatizado conceito extrema direita. Objetivo rduo, pois alm de fazer

    parte desses termos polissmicos de difcil apreenso8, a prpria definio clssica de

    direita e esquerda tendeu progressivamente a uma relativa homogeneizao, a uma

    convergncia ideolgica. Em funo de uma certa expectativa comum, na contraposio,

    entre outros fatores, ao prprio fascismo, os grandes partidos social-democratas e seus

    adversrios da direita liberal ou conservadora acabaram por defender, de formas variadas e

    com solues alternativas, valores semelhantes. H mais de trs dcadas, junto ao

    afrouxamento e descaracterizao dos princpios de oposio, o que se observa em meio s

    agremiaes partidrias clssicas o estabelecimento de um conjunto bastante prximo de

    polticas pblicas e de eleio de prioridades: o desenvolvimento da proteo social; a

    afirmao das classes mdias; a universalizao das oportunidades; a redistribuio das

    riquezas pela via de impostos; a promoo do setor tercirio; a aceitao das lgicas de

    mercado, do desaparecimento das medidas protecionistas e do enfraquecimento das margens

    nacionais de regulamentaes econmica e social. Os grandes partidos de governo europeus

    migraram para o centro do quadro partidrio e a esquerda tradicional acabou perdendo

    terreno de interlocuo junto ao operariado, abandonado a uma esquerda mais radical ou

    extrema direita.9 Da mesma forma, o deslocamento da direita ao centro abriu espao s

    direitas perifricas. Nessas circunstncias, em um movimento perverso, coube de fato aos

    extremismos marcar a diferena nos momentos, to freqentes, de dilacerao do corpo

    poltico-social. Assim, parece ser evidente que o sucesso eleitoral recente da extrema direita

    encontra respaldo em uma aparentemente durvel crise dos sistemas polticos tradicionais.

  • 5353 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    H algum tempo, ao analisar a emergncia de novos atores na cena poltica, os

    estudiosos tm procurado levar em considerao as disfunes dos prprios sistemas de

    partidos enquanto condio essencial apario desses competidores recm-chegados. E

    isso para evitar que a compreenso dos fatores que possibilitam o surgimento e o sucesso

    de partidos perifricos se mantenha restrita ao quadro de valores ou o universo de atitudes

    dos eleitores. Nesse ponto, torna-se necessrio verificar se os eleitores encontram, em

    determinado momento, alternativas, escolhas credveis, satisfatrias e, sobretudo, renovadas

    em meio s ofertas eleitorais normalmente em cena.10

    Ora, a histria recente dos sistemas de partidos europeus ocidentais revela justamente

    certa carncia de renovao, marcada em especial pela tendncia de cooperao entre os

    partidos dominantes, com base em um modelo de democracia consensual. Nesse ltimo

    quadro encontram-se pases como a Noruega, a Dinamarca, a ustria, a Blgica, os Pases

    Baixos. No longo perodo de desenvolvimento econmico e estabilidade social do ps-1945

    (os Trinta Gloriosos), a busca de compromissos e a formao de coalizes (a exemplo da

    Proporzdemokratie austraca e do Consociativismo italiano) entre os partidos moderados,

    com vistas governabilidade e ao controle da excessiva fragmentao poltica, gerou um

    certo grau de equilbrio do sistema. Mas isso se fez s custas de uma saudvel alternncia.

    Ainda, a gradual tomada em monoplio do poder em escala nacional, regional e local pelos

    partidos tradicionais praticamente aboliu a distncia necessria entre partido e Estado de

    governos. Ao popularizar a crtica inrcia dos partidos clssicos e ao se pretender apresentar

    como a real alternativa, a extrema direita soube se beneficiar dessa situao.11 A letargia

    dos partidos dominantes aparece reforada aos olhos da opinio pblica medida que as

    respostas em matria econmica, poltica e social formuladas por essas mesmas formaes

    partidrias no se revelam necessariamente convincentes e eficazes. justamente nesse

    espao que a extrema direita procura se imiscuir ao julgar propor um projeto baseado em

    um novo pacto de solidariedade em torno da nao e do nacionalismo, com forte

    exclusivismo scio-cultural e protecionismo econmico. Torna-se recorrente para a extrema

    direita o slogan da preferncia nacional; por meio de propostas demaggicas e simplistas

    difunde-se a idia de um modelo alternativo de redistribuio da renda e riqueza internas.

    Em ltima instncia, o critrio de acesso aos recursos nacionais seria ditado pela xenofobia.

    As dificuldades quanto determinao de um conjunto de caractersticas consensuais

    na construo do conceito de extrema direita se manifestam j no contedo emocional negativo

    que envolve o fenmeno. A maioria dos partidos e organizaes resiste sua classificao

    nessa rea do poltico. O prprio FN se intitula direita nacional, social e popular, recusando

    a definio de extrema direita, pois esse termo a associaria abusivamente ao nazismo e ao

    colaboracionismo.12 Desde a sua fundao em outubro de 1972, alis, a organizao se define

    como a nica verdadeira detentora dos valores da direita, afirmando o desprezo formal de

    toda a relao com a ideologia adversria; ser de direita, escreve Le Pen, significa antes de

    tudo se recusar a ser de esquerda.13

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    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    Na evoluo do cenrio poltico, alm do mais, existe no uma, mas vrias extremas

    direitas na medida em que o termo engloba formaes que respondem a exigncias

    contextuais, com inspiraes e objetivos diversos, seno contraditrios. Cada expresso

    extrema direita contm novidades, mas tambm um fundo histrico cumulativo.

    Tomando o caso da Frana, J. C. Petitfils esclarece que historicamente, a extrema direita

    aparece em 1789, ao mesmo tempo que a diviso direita-esquerda. Ela ento constituda

    de todos que, rejeitando em bloco a Revoluo, desejam um retorno praticamente completo

    ao Antigo Regime.14 Essa ordem contra-revolucionria, anti-1789, considera a Revoluo

    como uma punio de Deus, dado que o povo francs falhara na preservao da verdadeira

    f crist. Durante todo o sculo XIX, com o apoio da igreja catlica, ela manteve uma crtica

    acirrada ao liberalismo republicano, defendendo os liames monarquistas. No fim do sculo

    XIX, por ocasio do Affaire Dreyfus e o lanamento da Ao Francesa de Charles Maurras

    que era antes de tudo um nacionalista , essa mesma velha direita contra-revolucionria

    passa por um rejuvenescimento. Por sua vez, os herdeiros da escola maurrasiana serviro

    em 1940 a um regime que lhes convm, a Revoluo Nacional do Marechal Ptain.

    Nos anos de 1880, surge uma segunda tradio de extrema direita, vinculada a era de

    massas. O violento ataque ao regime em vigor se faz atravs de um chefe carismtico, o

    general Boulanger. A inteno no mais a restaurao monrquica, mas a criao de um

    governo forte baseado no apelo ao povo, fonte de toda a autoridade. Nesse mesmo contexto,

    sob a tutela de Edouard Drumond, desenvolve-se uma corrente anti-semita, que encontra o

    seu pblico preferencial nas fileiras de um catolicismo popular e nos militantes do

    anticapitalismo provenientes das classes mdias urbanas. Acusava-se, ento, a Repblica

    parlamentar de judeu-manica.

    A partir de 1920, uma terceira tendncia se define, o fascismo. O Estado totalitrio

    havia sido esboado por Mussolini e seus colaboradores. Alguns pequenos grupos franceses

    o tomam como modelo; os lderes, a exemplo de Pierre Drieu La Rochelle e Robert Brasillach,

    atacam a democracia na defesa dos regimes autoritrios. Nas dcadas de 1930-40, por sua

    vez, a extrema direita francesa torna-se um mosaico complexo, envolvendo contra-

    revolucionrios da Action Franaise, integristas catlicos, populistas das Ligas, obcecados

    com o anti-semitismo, campees da Frana dos franceses ou anticomunistas antes de tudo.15

    Aps a Segunda Guerra Mundial, a extrema direita encontrar na perpetuao e readaptao

    dessas idias a maior parte de sua inspirao.16

    Na conjugao de um substrato histrico comum, na anlise doutrinal e na

    compreenso do papel desses movimentos no sistema poltico possvel a identificao de

    certos traos semelhantes, passveis de englobar o conjunto dspare numa definio. Sem

    dvida, importante ressaltar que essas formaes extremistas apresentam um corpo

    ideolgico fludo e adaptvel s circunstncias do momento, o que, alis, garante a sua

    perpetuao ao longo da histria.

    A extrema direita no um mero prolongamento radicalizado da direita dita clssica,

    com cuja viso de mundo rompe, rejeitando os valores fundamentais da clivagem direita-

  • 5555 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    esquerda democrticos, vistos como ideais decadentes. Aspira, ao invs, o desmantelamento

    do sistema em vigor e a edificao de uma nova ordem com base em seus princpios.17 No

    se reconhecendo necessariamente na sociedade aberta e em suas instituies, deseja um

    regime autoritrio e hierarquizado, com um executivo forte e um chefe carismtico. Imagina

    uma organizao social fundada na considerada bvia e natural desigualdade entre os grupos

    tnicos,18 dando origem instaurao do governo dos melhores, com o estrito controle da

    sociedade. Nega os direitos da oposio, as reorientaes advindas da vontade da maioria,

    o debate de idias. Em busca da homogeneizao de comportamentos, cria a figura mtica do

    inimigo pblico, ora o judeu, ora o imigrante estrangeiro. Fundamenta, assim, no discurso

    identitrio, no ethnos, contra o multiculturalismo, grande parte da sua interpelao ideolgica

    coletividade. Mostrava-se anticomunista e mais recentemente ataca o materialismo

    capitalista simbolizado pelos Estados Unidos; critica a globalizao e a formao da

    Comunidade Europia.

    O extremismo de direita objetiva criar uma sociedade orgnica, supostamente

    harmnica, distante dos conflitos de classe, promovendo a restaurao dos costumes, da

    famlia, da autoridade paternal e masculina.19 Concebendo a nao como entidade suprema,

    a compreenso do que seria o interesse superior dessa ltima necessariamente anterior ao

    exerccio das liberdades. O patriotismo transformado num nacionalismo exacerbado.

    Apresentando-se em geral como revolucionria, entende assegurar uma identidade perdida

    no passado, a continuidade com uma poca urea. Ela no se reduz a uma classe ou categoria

    social, mas atinge um alvo privilegiado, as classes mdias baixas, com freqncia atingida

    sobremaneira em perodos de desestruturao social. Atualmente, seu pblico ainda mais

    vasto. Engloba, inclusive, camadas populares que votavam geralmente esquerda. possvel

    ainda fazer uma dupla distino: a extrema direita, na qual os representantes aceitam a

    competio eleitoral, mesmo que apenas taticamente; a ultradireita, que congrega os grupos

    avessos a qualquer participao poltica democrtica.

    Observando ainda o FN como exemplo dentro da pluralidade da extrema direita deve-se

    acrescentar que, no fim dos anos 1980, o partido rompeu com as bases mais radicais, importantes

    em sua organizao inicial. Buscando a respeitabilidade, Le Pen se declara democrata, afirma o

    valor da instituio parlamentar e a designao do chefe do executivo pela nao. Pretende

    regenerar o pas com base na Constituio de 1958, revisando-a em termos de um regime

    presidencialista. Hostiliza, porm, a classe poltica; busca a recuperao e a purificao da

    identidade francesa, o que fomenta sua xenofobia. Exalta o culto ao chefe, ordem e fora;

    enaltece a vitalidade do corpo. Sustenta a formao de uma elite governativa e de um sindicato

    nacional despolitizado. Almeja o Estado forte, mas rejeita o estatismo em matria econmica.20

    3. Fases histricas da extrema direita

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial, tendncias de extrema direita comeam a se

    redelinear, em um contexto histrico naturalmente diferenciado. No desenvolvimento das

  • 5656

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    novas manifestaes, observam-se alguns estgios de evoluo, os quais podem ser

    constatados na anlise de pases onde a presena das mesmas revelou-se especialmente

    significativa, como na Alemanha, na Itlia e, em certa medida, na Frana. Para acompanhar

    esse fenmeno, a periodizao proposta por Klaus Von Beyme21 parece mostrar-se

    operacional. Esta prope trs etapas: a fase do imediato ps-guerra; a fase caracterizada por

    um extremismo de direita do tipo pujadista; a fase marcada por ampla crise scio-econmica,

    cujos efeitos preponderantes so o desemprego e a xenofobia.

    3.1. O imediato ps-guerra

    Nos primeiros anos do ps-guerra, o reagrupamento da extrema direita foi mais

    intenso na Alemanha e na Itlia. O controle exercido pelos Aliados na regio alem; a

    reconstruo e estabilizao econmica gerenciada a partir dos anos de 1950; a depurao

    realizada na Itlia pelo prprio governo antifascista italiano e pelo movimento de Resistncia

    sob controle do PCI; a tomada de conscincia de boa parcela da populao sobre os horrores

    da guerra dificultara, seno obstaculizara, qualquer possvel ameaa de restaurao fascista.

    No entanto, esses acontecimentos no impediram que certa movimentao de um

    extremismo de direita de relativa importncia se fizesse presente, a exemplo do Deutsche

    Rechtspartei (DRP), na Alemanha, e do Uomo Qualunque e do Movimento Social Italiano

    (MSI), na Itlia.

    A desastrosa situao scio-econmica alem aps a derrota, marcada pela falta de

    alimentos e de moradia, com um alto ndice de desemprego, revela-se um poderoso fomentador

    das organizaes extremistas de direita novamente fundadas.22 Ignorando os acordos de

    Postdam, em se estabelecera que a Alemanha ser tratada como uma entidade econmica

    nica e ter tanto quanto possvel uniformidade de tratamento23, rapidamente chega-se a

    uma gesto regionalizada, sob o controle individual das potncias ocupantes. A nao alem

    vivencia uma ampla desorganizao em seus parmetros. Acrescenta-se o descontentamento

    com a punio dos colaboradores do nacional-socialismo, criticada por aplicar-se duramente

    sobre os pequenos funcionrios, enquanto os escales mais graduados escapam a

    condenaes pesadas. Uma srie de abusos e erros cometida, a despeito das medidas

    dspares adotadas nas quatro zonas de ocupao. Os membros das instituies de ensino,

    por exemplo, sofrem perseguies, enquanto muitos empresrios ou quadros do Estado

    no so interpelados. A insatisfao com o processo geral de desnazificao e reeducao

    para a democracia conduzido pelos Aliados manifestada numa sondagem realizada em

    agosto de 1948 pelos americanos nas zonas ocidentais: 9% das pessoas interrogadas julgam

    a desnazificao uma chicana dos vencedores, 31% a consideram intil e mal dirigida,

    39% afirmam ser ela necessria mas mal feita, enfim somente 4% a estimam justa e eficaz.24

    A questo dos refugiados agrava o problema. Com a delimitao da nova Alemanha

    pelos Aliados, algumas regies povoadas h sculos quase que exclusivamente por alemes,

  • 5757 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    como a Pomernia e a Prssia oriental, passam ao domnio da Polnia e da Unio Sovitica.

    A populao alem expulsa em condies particularmente difceis, centenas de milhares

    fogem para finalmente se instalar no lado oeste. Em meio a perdas de referncias territoriais,

    ideolgicas e de mal-estar social, as formaes radicais de direita inspiram sua propaganda

    na afirmao dos valores nacionalistas, lembrando o sucesso econmico do regime nazista

    e colocando em dvida a sua verdadeira culpa no conflito mundial. Atravs da poltica de

    licenas dos Aliados, isto , de uma certa liberdade de reorganizao poltica, multiplicam-

    se os pequenos grupos. Entre estes, o Deutsch Rechtspartei, fundado em 1946, obteve alguns

    bons resultados nas primeiras eleies ao Bundestag, com 5 de seus representantes no

    parlamento federal. Agindo com prudncia, o novo partido procura demonstrar um

    conservadorismo respeitoso democracia, mas, na realidade, suas concepes se distanciam

    muito pouco da doutrina nazista, inclusive no que diz respeito ao anti-semitismo.

    Nesses mesmos anos, incentivados pela prpria tenso Leste-Oeste, medidas para

    sanear a economia alem so tomadas pelos Aliados, a exemplo do Plano Marshall, em

    1947, e da reforma monetria, em 1948, que retiram o pas da grave crise j no incio dos

    anos 1950. As excepcionais condies econmicas que se seguiram tornam possvel a

    crescente satisfao dos interesses de parte substancial da comunidade alem, a exemplo

    da ajuda financeira e estrutural s classes mdias e do aperfeioamento e expanso do sistema

    de benefcios sociais. De 1950 a 1956, a Repblica Federal v seu produto nacional bruto

    progredir a uma cadncia de 9% ao ano.25 A situao criou uma ampla legitimidade em

    torno do poder constitudo e a integrao de foras crticas ao sistema, onde a maioria

    daqueles que haviam trabalhado para a mquina estatal nazista voltaram aos seus empregos

    pblicos em melhores condies de trabalho. As prprias elites dirigentes do Terceiro Reich

    retomaram, desde 1955, os postos de comando. Nesse ano, 100% dos generais, 50% dos

    altos funcionrios, 33% dos responsveis econmicos ocupam as mesmas funes que

    ocupavam entre 1940 e 1944. Na nova dcada, o nmero dos que ainda se consideravam

    vtimas da desnazificao se restringiu a menos de 5% e se manteve nesse patamar at o

    comeo dos anos 1960.

    Outro fator fundamental para o descrdito da extrema direita foi a consolidao

    poltica da coligao conservadora CDU (Christliche Demokratische Union)-CSU (Christliche

    Soziale Union), qual em 1949 confiada a direo do governo federal. A CDU fora formada

    ainda no perodo da resistncia. Como diretriz, um certo nmero de seus militantes assumira

    o compromisso de constituir na Alemanha liberada uma organizao que seria reservada

    no mais estritamente aos catlicos, mas interconfessional. Por sua vez, a CSU era um partido

    independente ligado defesa da autonomia da Baviera. Na prosperidade agora instaurada,

    os valores defendidos pela extrema direita mostram-se desacreditados, como a apologia do

    Reich, do princpio do lder carismtico e absoluto, da nao militarizada e do senso de

    sacrifcio. J a coligao, com suas figuras de integrao (como o pai do Milagre Econmico,

    Ludwig Erhard26) e seu pragmatismo (prioridade reconstruo, busca do bem-estar coletivo

  • 5858

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    pelo aumento dos bens materiais e de consumo), encontra grande receptividade junto

    populao. Em 1957, a extrema direita deixa de ser representada no Budestag, dissuadida

    pela lei eleitoral de julho que estabelecia uma margem mnima de 5 % dos votos para a

    obteno de uma vaga de deputado.27

    Ao contrrio da Alemanha, subjugada em termos polticos, a Itlia manteve o essencial

    de sua soberania interna graas inverso de alianas de 1943. Em seguida, a Resistncia

    uma das mais combativas e reprimidas da Europa permitiu um distanciamento suficiente

    do nazi-fascismo, bem como garantiu o estatuto da Itlia nas negociaes de paz. A prpria

    depurao no foi, como no caso alemo, efetuada pelos Aliados e sim pelos antifascistas

    italianos, o que a revestiu de maior eficcia e tambm de exacerbada violncia. O pas

    encontrava-se, porm, devastado. A indstria, obsoleta aps anos de protecionismo fascista,

    enfrentava problemas para se adaptar aos tempos de paz. Mesmo assim, as circunstncias

    mostraram-se favorveis reconstruo italiana. Como nos anos crticos do primeiro ps-

    guerra, a Itlia faz largo uso do capital americano. Contribuem ainda os enormes recursos

    de mo-de-obra do sul que se deslocam em massa s industrias do norte, e a descoberta de

    uma fonte de energia a preo reduzido. A despeito dos pesados desequilbrios regionais, o

    crescimento econmico do pas atinge um ritmo jamais registrado. Politicamente, a Itlia

    atinge uma fase de estabilidade com a era Gaspari, que expulsa os comunistas do governo

    em 1947 e fixa eleies para abril de 1948. Chamado a escolher entre a Democracia Crist

    (Dc) e uma aliana social-comunista, o pas concede ampla margem ao partido catlico

    (48,5 % dos votos). A Dc atravessa em diagonal toda a sociedade italiana. Como afirma

    Srgio Romano, nas suas fileiras ela rene moderados de origem liberal, oportunistas,

    catlicos democrticos, catlicos integristas e, enfim, massas populares que respondem

    docilmente s indicaes da Igreja.28 Desde o fim dos anos 1940, Gaspari no hesita em

    fazer do anticomunismo o elemento primordial de solidariedade em torno ao seu governo.

    A Dc se manter sem maiores sobressaltos no poder at meados de 1960.

    De qualquer forma, tais condies no impediram o reagrupamento dos herdeiros

    espirituais da Repblica de Sal. Em dezembro de 1946, foi fundado o Movimento Social

    Italiano (MSI) por iniciativa de jovens ex-combatentes da fase final do governo Mussolini,

    a exemplo de Giorgio Almirante, que atuara como editor do dirio fascista Tevere. Nessa

    iniciativa, foram sustentados pelos antigos dignatrios do regime deposto. O MSI apresenta-

    se como o nico movimento a conservar os princpios do fascismo segundo a verso

    elaborada no manifesto-programa de 1944, por ocasio do I Congresso do Partido Fascista

    Republicano, ou seja, a recuperar as concepes do fascismo movimento:29 a tendncia

    revolucionria, a defesa da socializao, o desprezo pelo leque democracia, comunismo,

    capitalismo, burguesia. A negao do iderio do fascismo regime, ocorre a partir da leitura

    feita pelos jovens fundadores. Segundo esta, a ltima forma de fascismo, enquanto uma

    impostao burguesa, clerical, moderada e conservadora, seria responsvel pela sua prpria

    destruio.30

  • 5959 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    Em seus primeiros tempos, o MSI viu-se obrigado a dividir espao com outras

    organizaes temporariamente fortalecidas, como a Uomo Qualunque, criada pelo jornalista

    Guglielmo Giannini, que obteve 5,3% dos votos em 1946 para a Assemblia Constituinte,

    ou seja, 30 cadeiras em 556. Subsidiada por certos meios bancrios inquietos com a ascenso

    da esquerda e reagrupando sobretudo funcionrios do sul, o movimento fazia apelo ao

    ressentimento das vtimas da depurao e ao desejo da pequena burguesia em obter melhores

    condies de vida. Atravs de campanhas difamatrias, classificava o Estado democrtico

    como decadente. Sucesso de curta durao. Melhor estruturado, logo em seguida o MSI

    praticamente monopoliza as inclinaes extremistas. Mantendo at meados de 1951 uma

    postura intransigente, o MSI beneficia-se da indulgncia dos elementos reacionrios da

    Democracia Crist, os quais acreditavam ser necessria a presena de uma fora de interveno

    anticomunista no oficialmente reconhecida.

    A sobrevivncia do MSI no sistema poltico do ps-guerra exigia, no entanto, a legtima

    adeso participao partidria, longe de comportamentos clandestinos e violentos. O

    movimento passa ento a invocar o passado com cautela. A presena territorial do partido

    j permitia a apresentao de candidatos prprios em todas as circunscries eleitorais. A

    inteno era consolidar o MSI na arena parlamentar, aliando-se aos monarquistas e aos

    liberais para formar um governo de Unio Nacional. Tal estratgia provoca um sensvel

    crescimento nas eleies de maio de 1953 (1.500.000 de votos e 29 deputados).31 Por fim, as

    alas mais radicais, inconformadas com os rumos da organizao, provocam algumas cises

    que deterioram a potencialidade do partido.

    Por sua vez, na Frana, onde a extrema direita ocupou uma posio no desprezvel

    na fase da Ocupao, essa vertente poltica sofre, no imediato ps-guerra, uma forte retrao.

    Fenmeno devido, sobretudo, depurao extrajudiciria, perda de seus lderes maiores

    e hostilidade pblica quanto aos seus princpios. O fato de a Frana ter sado dividida,

    porm vitoriosa, da guerra, permitiu uma crtica contundente extrema.direita, condenada

    por ter se instalado em Vichy, proporcionado a esse regime uma tonalidade especfica e

    fornecido inmeros colaboradores aos inimigos. Tendo a aventura autoritria terminado, as

    lideranas da extrema direita foram julgadas como traidoras e punidas.32 Reduzida a seus

    prprios crculos clandestinos, a extrema direita toma como bandeira de unio e

    sobrevivncia a memria acusatria da depurao, com a apologia de seus mrtires. O culto

    derrota era capaz no somente, segundo Jean-Pierre Rioux, de reunir fervorosamente

    vichystas mal inocentados, fanticos retardatrios da nova ordem e tradicionalistas

    desorientados, mas tambm provocar a adeso, nessa piedade cultivada, de jovens que

    substituam seus pais com toda a impunidade ideolgica e sem nenhuma sano histrica.33

    Os novos ideais ultrapassam a defesa dos velhos temas, como o culto ao chefe, o

    corporativismo pr-industrial, a xenofobia, o anticomunismo. Trata-se agora de promover a

    renovao nacional, a ao clandestina, as operaes fsicas e intelectuais de comando.

    A ao concreta resta, no entanto, marginal e minoritria.

  • 6060

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    3.2 Extremismo de direita do tipo pujadista

    A segunda fase de emergncia da extrema direita, retomando a periodizao

    estabelecida por Klaus Von Beyme, caracteriza-se por um recrudescimento momentneo

    dessa vertente sob a predominncia de um modelo especifico, o pujadismo francs.

    Genericamente, o mesmo representa uma reao contra a possvel perda de status dos

    grupos da pequena burguesia e, como tal, era latente em muitos pases europeus.34

    A acelerao das mudanas econmicas e o aumento da presso fiscal desencadeiam

    na Frana, no princpio dos anos de 1950, um vasto movimento de contestao das classes

    mdias, sobretudo entre arteses, pequenos comerciantes e pequenos produtores agrcolas.

    Para agrupar os descontentes, foi fundada, em 1953, a Unio de Defesa dos Comerciantes e

    Arteses (UDCA) sob a liderana de Pierre Poujade.35 A rpida difuso da UDCA, bem como

    o seu carter antifiscal, respondem a uma situao conjuntural especfica. Durante os anos

    de penria e inflao da guerra e do imediato ps-guerra expandira-se o nmero de pequenos

    negcios comerciais. A partir de 1950-52, com a retomada do desenvolvimento econmico,

    se faz sentir a concorrncia das grandes lojas de departamentos com sucursais mltiplas. O

    prprio sistema fiscal, alm de se tornar mais pesado, aperfeioa seus mtodos de controle

    e de represso a fraudes. As zonas rurais arcaicas e suas cidadelas so especialmente afetadas,

    constituindo o pblico preferencial da Unio. J. P. Rioux analisa a natureza da nova

    organizao: preciso interpret-la como uma dessas irrupes da velha revolta dos

    pequenos contra os grandes que se exprime em gritos violentos (...), a mobilizao dos

    retardatrios e dos rejeitados que sonham em manter a estrutura tradicional da economia

    francesa.36 Longe, portanto, dos investimentos macios, da concentrao de capital e do

    consumo em larga escala e do lucro rpido. Em sua cruzada, Poujade defende a perspectiva

    corporativista e exprime uma viso dual do mundo. De um lado, os franceses honestos e

    solidamente enraizados que almejam apenas viver dos frutos do seu trabalho; de outro, os

    trustes aptridas e os polticos corruptos que no reconhecem os interesses do pas.

    Lanando-se politicamente na campanha eleitoral de 1955, seu momento de apogeu,

    a Unio acusa a esquerda de utilizar a misria do povo para fins polticos e a direita de

    pactuar com os grandes grupos financeiros e com o patronato explorador. Por fim, o governo

    em vigor responsabilizado por pilhar os fundos pblicos e por liquidar com o Imprio

    francs. A formao assume-se como anticapitalista, antiparlamentar e contra o dirigismo

    burocrtico. Parcela dos militantes no hesita em utilizar a violncia e a perturbar as reunies

    pblicas dos adversrios. Mesmo sem um programa coerente, a UDCA ataca as instituies

    da IV Republica e apia a Arglia francesa; seu discurso incorpora um acirrado

    anticomunismo e anti-semitismo. A Unio alarga as suas bases, atrai nostlgicos da

    colaborao e novos nacionalistas radicais como o jovem Jean-Marie Le Pen.37 Ao mesmo

    tempo, estreita relaes com os reacionrios de Alger. Poujade assume o papel temporrio

    de congregador das tendncias de extrema direita.

  • 6161 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    Em janeiro de 1956, os candidatos UDCA esto presentes em 82 departamentos,

    conquistando 2.600.000 eleitores e 51 deputados, 65% dos quais so arteses e comerciantes.

    Revelando seu carter, o movimento obtm um fraco desempenho nas grandes cidades e

    nas regies em expanso no norte e leste da Frana. Servidores pblicos, profissionais

    liberais, empresrios, operrios ignoram a Unio. A votao concentra-se nas zonas do Midi

    e do interior do oeste. Aps o episdico sucesso, o pujadismo no sobrevive s divises e

    rupturas que se seguem. Da mesma forma, o advento de Charles De Gaulle, em 1958, capta

    a seu favor o nacionalismo e as tendncias autoritrias de parte da opinio pblica francesa.

    A concluso da guerra da Arglia, enfim, marca o refluxo da extrema direita francesa.38

    Na Alemanha dos anos 1960, as bases poltico-ideolgicas estabelecidas pela coalizo

    no poder sob a liderana do chanceler Adenauer (CDU-CSU) sofrem forte contestao. A

    dura fase consagrada inteiramente reconstruo do pas havia sido superada de forma

    favorvel. Um quadro diferenciado de aspiraes sociais se faz sentir. Novas liberdades e

    novos direitos vinham de encontro aos valores baseados na austeridade e no esquecimento

    consentido do regime nazista. Era preciso enfrentar o passado. Os jovens esperam se

    desembaraar do moralismo da gerao precedente pelo alargamento da democracia e pela

    afirmao resoluta contra os estigmas do sistema totalitrio. A crise de confiana em relao

    Democracia Crist, que provoca enfim a demisso de Adenauer em 1963, trazia consigo a

    exigncia da reconquista ou da redescoberta de uma identidade nacional sadia. A extrema

    direita encontra justamente no debate sobre a questo nacional um alento de expanso.

    A potencialidade da extrema direita alem recuara a partir da segunda metade dos

    anos 1950. Nesses novos tempos, intelectuais extremistas elaboram uma estratgia moral e

    ideolgica alternativa, estabelecendo as bases para construir um outro partido. A ocasio

    apresenta-se na viva controvrsia surgida com a publicao em 1962 do livro de David L.

    Hoggan, A Guerra Forada (Der Erzwungene Krieg), obra revisionista, na qual o autor

    rejeita a tese da culpa exclusiva da Alemanha nacional-socialista no desencadeamento da

    Segunda Guerra Mundial, denunciando a Polnia e a Gr-Bretanha como as principais

    responsveis. A nova avaliao das causas da guerra provoca a reabilitao de certos valores,

    como a defesa da ordem e da organizao militar enquanto modelos para a sociedade, a

    rejeio do liberalismo transnacional, a procura da identidade nacional nos diversos Reich

    e o violento anticomunismo. Em torno da popularidade de Hoggan, congregam-se crculos,

    partidos e organizaes fundando o Nationaldemokratische Partei Deutschlands (NPD),

    tendo o veterano Deutsche Rechtspartei (DRP) atuao decisiva. A direo do partido recm-

    criado amplamente composta de antigos membros do DRP. Nesse conglomerado, as diversas

    formaes julgam manter sua autonomia e tomam como objetivo imediato as eleies ao

    Bundestag de 1965. No programa partidrio reivindica-se o retorno Alemanha dos

    territrios perdidos a leste; o restabelecimento da honra do soldado alemo; a construo

    de um Estado forte; o primado do coletivo sobre o individual; a reviso da Histria; a

    imposio de ideais educativos novos juventude.39 Tentando manter uma certa moderao

  • 6262

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    discursiva a fim de evitar a clandestinidade, o NPD procura aumentar suas bases eleitorais

    envolvendo uma clientela pequeno-burguesa. Profisses de racismo e de anti-semitismo

    so eliminadas, mas incorpora-se a defesa do esquecimento do passado e a anistia geral, a

    eliminao da luta de classes, o apoio aos interesses das classes mdias, a limitao da

    imigrao estrangeira. Em 1967, o partido dispe de 30 mil adeptos.

    Dois outros decisivos fatores atuam na nova propulso da direita extremista na

    Alemanha. Primeiro, com o fim da era Adenauer, os democrata-cristos reagem formando

    uma coalizo com os social-democratas do SPD. O espao poltico de contestao se reduz

    e transfere-se para fora da arena parlamentar, favorecendo os extremos.40 Segundo, a economia

    alem enfrenta um perodo de refluxo em meados dos anos 60, elemento conjuntural que

    fornece a tnica dos adeptos de ltima hora extrema direita. Conforme Pierre Milza,

    encontra-se neste partido, em maioria, os representantes dos pequenos proprietrios rurais,

    membros das classes mdias e profissionais liberais, operrios qualificados e pequenos

    empresrios, em outros termos, indivduos ameaados pelas transformaes recentes da

    economia alem. 41 Aps a expanso, entre 1953 e 1963, a RFA entrara em uma fase de

    crescimento moderado. A indstria no pode mais dispor da ampla reserva de mo-de-

    obra, tendo o movimento de refugiados se esgotado e o crescimento natural da populao

    diminudo. Torna-se premente a convocao de trabalhadores estrangeiros. Turcos, italianos,

    iugoslavos e gregos formam a grande maioria. A figura ameaadora do imigrante

    prontamente incorporada no discurso da direita extremista.

    Ao mesmo tempo, as empresas devem adaptar-se entrada em vigor do Mercado

    Comum. A implantao de grandes empresas americanas modifica as condies de

    concorrncia. O processo de concentrao desbanca os pequenos negcios. Alguns setores

    superam as dificuldades, outras enfrentam grave crise, como a minerao, a siderurgia, a

    construo naval, o setor txtil. As medidas visando o saneamento da economia provocam

    recesso, baixam a produo e triplicam o desemprego em 1966. Os camponeses, por sua

    vez, insistem na manuteno dos privilgios e das subvenes. A economia social de

    mercado de Erhard abandonada em favor de uma planificao de despesas e investimentos

    j em 1965-66. A partir de 1968 ocorre uma vigorosa retomada industrial e agrcola, a extrema

    direita observa uma parte considervel do seu pblico recentemente adquirido abandonar

    suas fileiras. A prpria coalizo dos partidos democratas se desloca de forma preferencial

    direita do spectrum poltico. Nas eleies de setembro de 1969, o NPD obtm menos de 4%

    dos votos, insuficientes para uma representao no Bundestag.42

    Na Itlia, por mais de uma dcada, o MSI encontrara-se dividido em vrias faces,

    pautado por uma rivalidade que enfraquecia irremediavelmente o partido. Durante esses

    anos, a organizao permanece margem do sistema poltico, malgrado os esforos para

    creditar-se como uma organizao responsvel, nacionalista e pr-sistema.43 Aps a derrota

    de 1960, o MSI perdera, inclusive, o monoplio da representao de extrema direita, com o

    desenvolvimento de grupos independentes, de jovens radicais.

  • 6363 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    Entre 1968 e 1974, o MSI alcana uma nova e passageira fase de sucesso eleitoral, em

    que a crise da Democracia Crist, as dificuldades econmicas de algumas reas do pas, as

    tenses sociais e a violncia poltica parecem fornecer possibilidades e iniciativas ao

    partido.44 Alm disso, o impasse em que se encontra o MSI comea a ser superado com a

    mudana de liderana ocorrida no princpio de 1969. Atravs de um plebiscito, Giorgio

    Almirante reconduzido direo do movimento. Eleio significativa, pois o novo lder

    era o mais forte oposicionista antiga administrao conservadora e adversrio tenaz da

    estratgia ento dominante de aproximao com a Democracia Crist. Almirante realiza

    uma srie de inovaes, como a reestruturao interna do partido, a renovao dos quadros

    e, sobretudo, a reafirmao ideolgica. Aspira-se hegemonizao de toda a rea da direita

    moderada e radical. Para tanto, atenuam-se os contornos discursivos mais nostlgicos com

    declaraes favorveis aos mtodos democrticos. O MSI se apresenta no momento das

    eleies como o partido da ordem e da disciplina, nica opo sria s instituies partidrias

    governamentais. Ao mesmo tempo, em uma estratgia dupla, o movimento refora seu ncleo

    duro ideolgico, assumindo o papel de grande defensor da sociedade italiana contra o inimigo

    mximo, o comunismo. Opta-se pelo uso da violncia, sob a justificativa da defesa dos

    valores morais do Ocidente. Trata-se de uma ofensiva contra-revolucionria baseada na

    utilizao de milcias com sentido missionrio.

    Os acontecimentos so, ento, benficos ao MSI. Aps uma certa estabilidade poltica

    entre 1963 e 1968, a Democracia Crist confrontada a um movimento contestatrio, onde

    se questiona a prpria organizao da sociedade em seu conjunto. Durante sua vigncia, o

    governo de Aldo Moro fora obrigado a enfrentar, sem grandes sucessos, dois obstculos de

    peso: em primeiro lugar, a desacelerao do crescimento da economia; em segundo, as crises

    sociais engendradas pelas rpidas transformaes da Itlia. A poca do milagre econmico

    foi tambm o perodo em que o pas sofreu profundas desfiguraes. Especulao imobiliria

    desenfreada, aumento excessivo das migraes internas, transferncia da mo-de-obra da

    agricultura para a indstria, do Sul para o Norte. Crescimento desigual, onde a poro

    meridional do pas permanece pouco desenvolvida; declnio do papel da agricultura na

    economia em favor da nova vaga de concentrao industrial. Constituio de um novo

    proletariado, ainda marcado pela origem rural e receptivo ao discurso da extrema esquerda.

    Nessa situao conturbada, um espao abre-se aos grupos que assumem a defesa da ordem

    tradicional. O MSI torna-se, momentaneamente, o intrprete daqueles setores afetados de

    alguma forma pela mobilizao e pela contestao social. Nas eleies gerais de 1972, o

    movimento obtm 8,7% (3 milhes de votos, 56 deputados e 26 senadores) do sufrgio nacional,

    com forte representao em Roma (18%) e nas regies do sul mais abandonadas pelo poder

    pblico. A maioria do eleitorado compe-se de empregados do comrcio e pequenos funcionrios.

    O triunfo poltico no ameniza, no entanto, as verdadeiras dificuldades do partido.

    O MSI vtima de sua prpria duplicidade, qual seja, a tentativa de conciliar a atenuao da

    identidade fascista atravs da insero partidria democrtica e a manuteno do contato

  • 6464

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    com as bases militantes radicais. Logo a direo do MSI perde o controle dessas alas

    extremistas. Com a formao de um Governo de Solidariedade Nacional, entre 1976 e 1979,

    e a definio do arco constitucional de partidos, o MSI excludo das relaes polticas

    parlamentares. A organizao entra em refluxo, seu eleitorado estabiliza-se em torno de 5 a

    6% (5,1% nas legislativas de 1979 e 6,4% nas europias de 1984).45

    3.3. Os tempos recentes

    Por fim, conforme a periodizao de Von Beyme, uma terceira fase de ascenso de

    um extremismo de direita na Europa ocidental foi causado pelo desemprego e a xenofobia

    no fim de um longo perodo de prosperidade46 O autor aponta o FN de Le Pen como o

    exemplo mais significativo desse fenmeno.

    Em meados de 1980 assiste-se a uma nova onda de propagao da direita extrema.

    De fato, na Frana o fenmeno assumiu contornos mais definidos, mas esteve tambm

    presente com maior ou menor intensidade em vrios pases. Todos esses movimentos, a

    despeito das importantes especificidades nacionais e, mesmo regionais, apresentam em

    comum a hostilidade aos estrangeiros e respondem a uma deteriorao das relaes scio-

    econmicas. Mesmo na Sua, s vezes apresentada como modelo de tolerncia social, alguns

    partidos basearam suas campanhas no cego combate imigrao, como os Democratas suos

    de Rudolf Keller e o Partido da Liberdade. Ambos se opuseram s leis anti-racistas votadas

    em 1994. At a Unio Democrtica de Christoph Blocher, que no se enquadra na extrema

    direita, sustenta um discurso xenfobo.47 Nos pases escandinavos, tidos historicamente

    como voltados integrao dos imigrantes, surgem organizaes com esse perfil. O Partido

    Progressista noruegus (Fremskrittspartiet), dirigido por Carl I. Hagen, atingiu 12% e 6 eleitos

    nas municipais de 1995;48 em 1997 obteve 20% nas eleies legislativas, combatendo os

    direitos concedidos aos Lapons. Nas eleies de setembro de 2001, conquista 14,7% dos

    votos e se impe como terceira grande fora nacional atrs dos Trabalhistas e Conservadores.

    Na Dinamarca, o lder Pia Kjaersgaard soube aproveitar a insatisfao crescente em relao

    ao governo social-democrata, no poder desde 1993, e obteve para o seu partido, o Dansk

    Folkeparti, 12% dos votos nas legislativas de novembro de 2001.49

    A Blgica, marcada por suas fronteiras lingsticas, observou o agravamento da

    rivalidade entre flamands e wallons. O Vlaams Blok (VB), partido de extrema direita fundado

    em 1978, fez dessa ciso o argumento central de sua campanha. Segundo o presidente da

    formao, Franck Vanhecke, os wallons roubam a nossa prosperidade e os nossos empregos,

    nos sabotam deliberadamente, vivem s nossas custas e mordem em seguida a mo que os

    alimentou; eles no merecem mais a nossa solidariedade.50 Como soluo, o lder prega a

    independncia da regio de Flandres, fixando a capital em Bruxelas. O VB ataca com a

    mesma ferocidade os cerca de 780.000 no-europeus que vivem no pas, provenientes

    sobretudo do Marrocos, da Turquia e da frica meridional. Utiliza para tanto a formula

  • 6565 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    clssica imigrao/desemprego/insegurana. O programa do partido prev a expulso dos

    clandestinos, dos criminosos e dos imigrantes no-europeus desempregados h mais de

    trs meses. J os imigrantes que trabalham legalmente seriam desencorajados a permanecer

    no pas atravs de medidas como a diminuio da assistncia social e familiar. Em paralelo,

    seria criada uma separao em matria de ensino nas escolas, objetivando uma melhor

    adaptao das crianas no seu retorno ptria de origem. Quanto liberdade de culto, o Isl

    deveria ser excludo por ser antagnico cultura da Blgica e da Europa.

    A partir das eleies de novembro de 1991, o VB entra para o Parlamento e torna-se

    um coadjuvante no equilbrio poltico do pas. O partido progride de 2% dos votos em 1987

    para 8% em 1991. Seus eleitores so essencialmente indivduos das classes mdias, sobretudo

    pequenos comerciantes; tambm atrai operrios. Nas legislativas de maio de 1995, a formao

    obtm 12%, em especial na regio flamande, onde, alis, o nmero de imigrantes bem

    menor em relao ao conjunto da populao belga. Em Anturpia, seu grande reduto, a

    votao atinge 28%, cidade que elegia como deputado desde 1978, o antigo lder do VB,

    Karel Dillen.51 Em maro de 2000, o Vlaams Blok obtm uma nova e no negligencivel

    vitria nas eleies municipais da cidade de Anturpia, com 33% dos votos. Demonstrando

    sua consolidao, em maio de 2003, nas eleies gerais o VB contemplado com 11,6% do

    sufrgio e 18 cadeiras no Kamer, tendo na regio de Flandres obtido 18,1% dos votos. Nas

    eleies europias de 2004, o VB atinge 14,3% dos votos.52

    A Inglaterra, por sua vez, foi o primeiro pas da Europa do ps-guerra a testemunhar

    atos de xenofobia. J em 1958, a violncia racial passa a ser uma questo poltica em decorrncia

    dos ataques de alguns jovens em Londres e em Nottingham contra trabalhadores de Trinidade.

    Essa primazia se reproduz no desenvolvimento prematuro de uma formao de extrema

    direita empregando um discurso e um programa abertamente racistas. Criado em 1967, o

    National Front (NF) no chega, entretanto, a se impor plenamente nem mesmo ao longo de

    vrios anos. Nas eleies de 1976, sua votao total atinge menos de 1%, mas em algumas

    localidades o partido supera essa marca: Leicester (18,5%); Bradfort (12,3%). Em 1978, o NF

    se desestrutura e, por dcadas, nenhuma organizao pareceu alcanar algum sucesso eleitoral.

    Segundo argumentao de Didier Lapeyronnie, particularidades da Inglaterra

    inviabilizariam o desenvolvimento da extrema direita: sua insularidade permitiria um melhor

    controle de fronteiras, as leis de aquisio da cidadania e de permisso de residncia estariam

    entre as mais severas da Europa, o bipartidarismo com a alternncia monopolizada do poder

    entre conservadores e trabalhistas a protegeria de extremismos visveis, existiria um precoce

    consenso dos dois grandes partidos sobre a restrio da imigrao. Mas, para o autor, acima

    de tudo, estaria a relao que o governo estabelece com suas comunidades de imigrantes.

    Em territrio ingls no se teria por objetivo, como na Frana, a integrao, a insero

    individual sobre a base de uma privatizao de identidades culturais. A Inglaterra, ao

    contrrio, recusaria a assimilao. Ao contrrio, defende que a preservao da identidade

    cultural pode levar idia de igualdade na separao.53 No pretenderia, dessa maneira,

  • 6666

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    transformar forosamente os imigrantes em ingleses em nome do reconhecimento de

    diferenas identitrias irreconciliveis.

    Contrariando em certa medida essa perspectiva otimista, volta a aparecer na Inglaterra

    uma extrema direita com algum grau de visibilidade, o British National Party (BNP). Liderado

    por Nick Griffin, o partido obtm 3 conselheiros municipais na grande periferia de

    Manchester nas eleies locais de maio de 2002. Griffin adotou como estratgia a

    remodelagem de seu movimento afastando-o de conotaes e imagens de grupo neonazista,

    a fim de capitalizar as tenses raciais que eclodiram em 2001 na forma de violentos conflitos

    em Oldham e Burnley.54 Confirmando seu relativo apelo pblico, em junho de 2004, o BNP

    conquista 3 cadeiras em Epping Forest e 4 em Bradford. Na mesma ocasio, para o escrutnio

    europeu, garante 4,9% dos votos.55

    Na Itlia e na ustria uma etapa mais avanada foi atingida na medida em que as

    direitas extremistas chegaram participao de governo. Na ustria, Jrg Haider fez do

    Freiheitliche Partei sterreichs (FP) o mais importante partido de extrema direita da Europa

    em termos de votos proporcionais, ao atingir cerca de um milho de eleitores. Cultivando

    uma xenofobia virulenta, o lder no hesitava em classificar os ex-Waffen. SS de gente honesta,

    que d provas de carter e que tem a coragem de se manter fiis s suas convices at hoje,

    mesmo remando contra a mar.56 Haider denunciava os velhos partidos, a corrupo, a

    burocracia. Hostilizava os trabalhadores imigrados e as minorias no-austracas. Alm disso,

    seu discurso alimentava-se da reao de parcela da populao frente chegada dos refugiados

    do Leste europeu. Os resultados do FP surpreenderam. Em maio de 1989, Haider eleito

    governador da Carntia com 29% dos votos, liderando uma coalizo regional com o Partido

    Conservador Austraco (VP). O sucesso mantido no pas: 17% nas eleies legislativas

    de 1990; 23% nas legislativas de 1994; 27,6% nas europias de 1996; 26,7% nas legislativas

    de 1999. Em fevereiro de 2000, o partido participa na constituio da nova coalizo de

    governo schwarz-blau VP-FP sob a direo do chanceler conservador Wolfgang Schssel,

    obtendo ministrios. Frente s presses da opinio pblica interna como externa e aos

    prprios conflitos vividos pela coalizo, a aliana rompida em setembro de 2002. As eleies

    antecipadas, convocadas para novembro de 2002, anunciam o declnio nacional do FP,

    que obtm 10,2%.57

    No final dos anos 1980, aps dcadas de governo Democrata Cristo e Socialista, o

    sistema partidrio italiano degenerara em um conjunto clientelista, onde grande parte da

    riqueza nacional foi desviada para permitir aos partidos financiar suas organizaes e suas

    campanhas eleitorais, distribuir favores polticos, recompensar os amigos, estender e

    consolidar seus poderes.58 Reflexo da situao, a Itlia encontra dificuldades econmicas

    ainda maiores para enfrentar os novos desafios da concorrncia internacional. Como

    resultado do desejo de mudanas que se difunde no pas, criam-se ou reestruturam-se foras

    polticas alternativas ao quadro tradicional. Na Itlia do norte tomam forma movimentos

    regionais e autonomistas. A Liga Lombarda de Umberto Bossi elege, em 1987, dois

  • 6767 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    representantes ao parlamento. Em termos de propaganda, banaliza o sentimento xenfobo.

    A figura do outro, entretanto, a do prprio compatriota do Mezzogiorno, com quem se

    recusa a dividir dos recursos nacionais.59

    Por outro lado, o contexto criado permite que o Partido Comunista passe a desempenhar

    o papel de organizao partidria isenta. At aquele momento, se mantivera distante das

    instncias governamentais. Reconvertendo-se em Partido Democrtico da Esquerda (PDs),

    sua votao torna-se significativa, sobretudo na Itlia central e meridional. Na contraposio

    ao avano do PDs, toma novo flego o j veterano MSI, agora sob a direo de Gianfranco Fini.

    O partido far uma reestria fulgurante no cenrio poltico, demonstrando a sua fora latente.

    Nas eleies de 1993, atinge 16,4% dos votos nacionais; nas cidades de Roma e Npoles, Fini

    e Alessandra Mussolini (neta do Duce) obtm respectivamente 46,9% e 44,3% da votao.

    Na emergncia poltica do empresrio Silvio Berlusconi, forma-se a Forza Italiana,

    que inscreve nos seus quadros o MSI e a Liga do Norte. Eleito Berlusconi no pleito de

    maro de 1994, a Itlia torna-se o primeiro pas da Europa a contar com ministros neofascistas

    em um governo do ps-guerra (5 ministros e 12 secretrios de Estado). Essa ascenso ao

    poder permite tambm a participao nos Conselhos europeus. Em meio aos rumos

    favorveis, Fini transforma o MSI em Allianza Nazionale (AN). A pretenso era alterar a

    imagem pblica do partido atenuando a herana fascista. Para tanto, promove-se a excluso

    dos velhos dirigentes mais comprometidos do ponto de vista histrico-idelogico.60 Em

    suas declaraes, Fini tenta explicar o carter supostamente renovado do partido: Ns no

    somos fascistas, nem antifascistas, nem neofascistas, mas ps-fascistas.61 Por ocasio das

    eleies legislativas de 1996, obtm slidos 15,7% dos votos. Em maio de 2001, a AN rene

    12% dos votos e 99 cadeiras na Camera dei Deputati; nas eleies europias de junho de

    2004, o partido recolhe 11,5% do total da votao.62

    Aps alguns anos de atuao marginal, a extrema direita alem adquire uma sbita

    visibilidade com o Republikaner (REPs). O partido fora fundado em 1983, mas sua

    emergncia se deve tenacidade de Franz Schnhuber, um ex-SS que assume a presidncia

    da organizao em 1985. O lder afirma o respeito Constituio, renega a ideologia nazista

    e defende a Reunificao. Rejeita, entretanto, a CEE, pois esta desviaria a RFA da outra

    Alemanha, alm de favorecer a imigrao turca pela ao do Mercado Comum. O partido

    ainda condena a corrupo, as drogas, o isl turco, os refugiados do Leste.63 Nas eleies

    europias de 1989, o REPs atinge 7,1% dos votos, no mesmo ano conquista 7,5% no pleito

    para o Senado. O nvel de votao do partido se mantm at 1993 (8,3% nas municipais).

    Controlado pela polcia e reprimido em suas manifestaes racistas, o REPs perde espao

    para uma gama de formaes extremistas, reforadas ou surgidas em funo das srias

    dificuldades sociais de adaptao realidade ps-muro.

    O fosso econmico e psicolgico que dificulta a convivncia entre os alemes do

    leste e do oeste agrava a prvia escalada de violncia e faz aumentar a hostilidade contra os

    cerca de 7 milhes de estrangeiros que vivem na Alemanha. Em 1992, foram registrados

  • 6868

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    2.276 atentados, com 17 mortes. Contabilizou-se 82 organizaes de extrema direita, com

    um nmero provvel de militantes entre 40 a 65 mil, dentre os quais 3 mil neonazistas.64

    Tabus do ps-guerra so rompidos e temas banidos restaurados, como o da pureza do

    sangue alemo. Os responsveis pelos atentados, geralmente jovens entre 16 e 21 anos,

    parecem realizar na prtica o que parcela da populao incentiva pelo silncio. A pesquisa

    efetuada pelo Instituto Sinus Stadie, a partir da anlise de atitudes de longa durao, constata

    a permanncia, na Alemanha, de atitudes xenfobas e anti-semitas em 10 a 20% da sociedade.

    Por que esse sentimento no se traduz na consolidao interna de uma organizao partidria

    como o FN de Le Pen? O escritor Lothar Baier ensaia uma resposta : esses partidos existem

    e em certos momentos souberam atrair votos. Mas jamais conseguiram se unir para formar

    um movimento coerente. Nenhum dos lderes soube se impor como chefe e congregador,

    contrariamente ao que soube fazer Le Pen. Depois que seu movimento saiu da sombra, no

    comeo dos anos 1980, ele permaneceu como lder incontestado.65

    Perplexos, ao longo dos anos e com muita dificuldade, os analistas polticos franceses

    vm tentando chegar a um consenso sobre as circunstncias que teriam promovido o slido

    estabelecimento e o sucesso continuado do FN, tornando-o particular no contexto europeu.

    Para o cientista poltico, Pierre Martin, talvez a questo deva ser reportada ao fato de que na

    Frana, mas tambm na Blgica e na ustria, a criao de inimigos pblicos, como o judeu,

    obteve amplo apoio, sem jamais ter sido verdadeiramente deslegitimada, como o foi na

    Alemanha: desenvolveu-se, a partir de 1945, um discurso segundo o qual toda a

    responsabilidade da poltica racista francesa repousava sobre as autoridades alems. A

    figura de um novo alvo discriminatrio o trabalhador estrangeiro pode, assim, surgir

    com certa impunidade e alimentar o FN.66

    O historiador Ren Rmond considera que a singularidade do FN resulta em parte

    da diferena de sistemas polticos. O multipartidarismo francs incita cada tendncia a

    formar um partido independente, enquanto na maior parte dos outros pases o regime

    eleitoral restritivo, obrigando a coabitao: os extremos existem da mesma forma, mas a

    sua visibilidade ocultada pela integrao em uma coalizo.67 O que intriga Rmond ,

    antes, entender como a Frana pode produzir a perenizao do FN na medida em que no

    passado foi o pas europeu a receber e assimilar o maior nmero de estrangeiros,

    transformando-os rapidamente em cidados como os demais.68 Trata-se de tentar explicar

    a presena de uma forte direita na ptria dos direitos do homem. As respostas fornecidas

    pelo historiador so vrias. Primeira: como foi na Frana que surgiu uma organizao poltica

    inspirada no Iluminismo, nada mais normal que a prpria contra-revoluo se desenvolva

    no mesmo ambiente. Ao longo da histria esta bipolaridade teria se confirmado. Segunda:

    os franceses estariam menos imunizados contra movimentos autoritrios, pois no

    vivenciaram, como a Itlia e a Alemanha, regimes de ordem totalitria e de excluso

    sistemtica. A terceira e ltima explicao, no entanto, a que parece dar melhor margem

    de reflexo. A construo histrica da nao francesa teria sido feita pela violenta submisso

  • 6969 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    dos particularismos provinciais. Em decorrncia, a identidade nacional repousa desde

    sempre na slida unidade, mesmo na unicidade. No momento, a Frana estaria sendo

    chamada a confrontar justamente a reivindicao da diferena. Essa noo, para alguns,

    parece ameaar a cultura francesa. Promover o multiculturalismo, preservando a identidade

    cultural dos imigrados e das minorias, se revelaria de difcil discernimento.69

    O historiador Jacques Julliard concorda com Rmond de que ilusria a caracterizao

    do FN como uma mera exceo francesa, pois numa configurao poltica como a alem ou

    inglesa, o lepenismo seria menos aparente, integrado no aparato dos partidos tradicionais.

    Na Inglaterra, a parte mais extremista do Partido Conservador no estaria muito distante

    das idias do FN em relao imigrao e na Alemanha. Sobre esse tema, o Chanceler Kohl

    tomou posies que o enviariam na Frana ao inferno do Front National.70

    Pierre Bourdieu denuncia a poltica de alianas e de legitimao dos temas do FN,

    efetivada pelos lderes da direita parlamentar ao longo dos anos,71 mas tambm a incapacidade

    do conjunto dos partidos tradicionais de elaborar um acordo explcito sobre a imigrao e o

    racismo. Bourdieu lembra como a questo do estatuto que a Frana concede aos estrangeiros

    ou os projetos relativos situao dos mesmos foram assuntos praticamente excludos dos

    debates polticos entre os candidatos eleio presidencial de 1995: No necessrio ser

    grand clerc para descobrir nesse silncio, e mesmo nos discursos, que eles no tm grande

    coisa a opor ao discurso xenfobo, o qual, h anos, atua no sentido de transformar em dio

    a desesperana da sociedade.72

    Por fim, o cientista poltico Pascal Perrineau argumenta que a sociedade francesa,

    ao contrrio de suas vizinhas europias, tomou conscincia tardiamente, mas com forte

    intensidade, da durabilidade da crise econmica e social. Coadunaria-se o fato de que

    durante toda a dcada de 1970, os partidos tanto de esquerda quanto de direita no

    formularam nenhuma pedagogia da crise. Justamente nos anos 1982-1983, a opinio pblica

    teria despertado frente dimenso das mutaes estruturais em curso, quando h mais de

    dez anos o fenmeno estava presente. Ao mesmo tempo, a vitria da esquerda em 1981,

    baseada em um programa de transformaes radicais, suscitara grandes expectativas. O

    impasse do socialismo francesa provocara vivas reaes e frustraes. A direita clssica,

    mal recuperada da derrota, demoniza a esquerda, acusando-a de marxizao da sociedade.

    Esta mesma direita vai, ento, banalizar o binmio imigrao/insegurana. O caminho estaria

    aberto para a legitimao das idias e dos homens de extrema direita. Em 1984, assiste-se

    emergncia eleitoral do FN, conclui Perrineau.73

    Nos anos de reconstruo e de desenvolvimento da economia europia do ps-

    Segunda Guerra Mundial, a maior parte dos pases industrializados fez amplo uso de

    trabalhadores imigrados como soluo parcial para estimular o crescimento interno, visando

    a minimizar as presses inflacionrias e a controlar a flutuao conjuntural de emprego.

    Aps a crise do petrleo de 1973 e as dificuldades econmicas subseqentes, os governos

    reavaliaram a pertinncia de suas polticas de imigrao.74 No geral, pretendeu-se a no-

  • 7070

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    renovao do visto de trabalho. O objetivo era o de que os imigrados voltassem aos seus

    pases de origem. Dada a situao econmica ainda pior nesses pases, a maioria dos

    imigrantes resistiu ao repatriamento; ao mesmo tempo, os constrangimentos polticos

    tornavam sua expulso brutal impossvel. Para uma parte considervel foi concedida a

    possibilidade de permanncia, mas no de cidadania, ou seja, de legtima integrao no

    pas. Face a presses internas, esses imigrantes puderam, inclusive, trazer seus familiares.

    Entre 1945 e 1973, o tema da imigrao na Frana no assume maior relevncia no

    debate poltico. A partir de 1974, a questo torna-se recorrente e permeia as primeiras

    tentativas de estabelecer uma poltica de assimilao para alguns e de repatriamento para

    outros. Em 1977, um acordo negociado com a Arglia, que prev a volta de 500.000 argelianos

    em 5 anos.

    A chegada ao poder da esquerda, em 1981, marca uma virada na poltica de imigrao,

    menos hostil aos estrangeiros j presentes no pas: a idia de retorno abandonada;

    regulariza-se os clandestinos; associaes de imigrantes so autorizadas; instaura-se uma

    licena de permanncia nica.75 O FN, aps quase uma dcada de existncia minscula,

    passa a fazer forte oposio a essas medidas. Afirma seu crescimento impondo a idia da

    defesa da nao francesa contra a invaso estrangeira ou ainda os franceses antes de

    tudo. Alvo privilegiado, o imigrante da frica meridional e do Magreb, com sua cultura

    muulmana; s os estrangeiros de origem europia, geralmente catlicos, so assimilveis.

    Quanto ao judeu, este o inimigo interior que tem por objetivo dissolver a nao.76

    A Inglaterra, por sua vez, tem em torno de 3,2 milhes de pessoas pertencentes a

    minorias tnicas. Cerca de um milho so muulmanos, em geral indianos e paquistans.

    Chegados nos anos 1950 do sub-continente indiano, eles possuem a cidadania britnica.

    Pela lei de 1949, todos os indivduos da Commonwelth e das colnias eram considerados

    membros da Coroa. Aps um ano de residncia no Reino Unido, adquiria-se a nacionalidade,

    incluindo as vantagens sociais e o direito ao voto. O trmino da fcil prosperidade econmica

    provoca duras mudanas legislativas. Em 1971, o Partido Conservador introduz a noo de

    patriality: para dispor dos mesmos direitos do que os ingleses preciso nascer na Gr-

    Bretanha ou ter um dos progenitores nascido no pas. A grande Lei de 1981, votada no

    governo Thatcher e posta em vigor em 1983, consolidava e aprofundava as dificuldades. O

    direito de residncia era reservado agora aos patrials: somente aos que residiam ou haviam

    nascido em solo britnico antes de 1983.77 Hoje em dia, tarefa rdua transformar-se em

    cidado britnico ou mesmo obter um visto de longa durao.

    Na Alemanha Federal, suspendeu-se qualquer introduo de trabalhadores

    imigrados a partir de novembro de 1973. A relao com os estrangeiros residentes remete

    em muito prpria forma como o pas se concebe enquanto nao: o conjunto dos alemes

    forma um ethnos, um grupo fundado sobre critrios inatos, herdados, e no um demos,

    um grupo construdo sobre valores comuns adquiridos. Trata-se, bem entendido, de uma

    concepo tnica de nao, que nos seus desvios interpretativos pode patrocinar excessos

  • 7171 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    racistas. A aquisio da cidadania est diretamente vinculada ao direito de sangue e no

    ao direito de solo.

    Vtimas imediatas de tal pressuposto so os 1,8 milhes de turcos estabelecidos no

    oeste da Alemanha, que compem em Berlim a maior comunidade turca vivendo no exterior

    (cerca de 140 mil pessoas). Chamados nos anos 1960 por uma indstria florescente, apenas

    uma parcela nfima conseguiu se naturalizar. O problema torna-se mais grave quando se

    refere segunda gerao, nascida, escolarizada e que no conhece outra realidade alm da

    alem. Uma srie de pressupostos exigida na aquisio da cidadania: dez anos de

    permanncia no territrio, crena na ordem democrtico-liberal, honorabilidade nos seus

    princpios pessoais. Em todo o caso, a nacionalidade , enfim, concedida apenas se a

    candidatura for considerada interessante Alemanha. Na poro leste do pas, em 1991,

    residia 120 mil trabalhadores vietnamitas e moambicanos, vindos a ttulo de cooperao

    entre pases irmos. Atingidos em prioridade pela onda de desemprego e violncia, os

    mesmos desencadearam um amplo repatriamento.78

    Agravando a situao geral, em fins da dcada de 1970, o Terceiro Mundo enfrenta

    um movimento de refugiados sem precedentes, seja pelo agravamento dos seus conflitos

    internos, seja pela deteriorao de suas economias. Mesmo tendo a maior parte se acomodado

    nessa poro do planeta, os pases ricos da Europa Ocidental tambm foram atingidos pela

    migrao global, no momento exato em que os tempos difceis levam os pases de acolhida

    a fechar suas portas e onde as conseqncias da pesada utilizao de trabalhadores imigrados

    provocaram a ascenso da xenofobia.79

    Por outro lado, a queda do comunismo sovitico e a abertura do leste europeu alm

    de provocar uma crise quanto s solues poltico-ideolgicas de esquerda, contribuindo

    para a legitimao de frmulas extrema direita liberou um certo contingente populacional

    que at ento vivia confinado. O fator acentua a presso migratria e refora o temor dos

    europeus ocidentais de que, se aes governamentais enrgicas no fossem tomadas a fim

    de regularizar tais correntes de deslocamentos populacionais, o continente seria invadido

    por uma massa incontrolvel. Em termos de recepo desses contingentes, a Alemanha foi

    especialmente contemplada na medida em que possua, desde 1949, a mais liberal legislao

    europia sobre direito de asilo, reflexo das seqelas do regime nazista. A peculiaridade fez

    com que o pas recebesse um nmero considervel de indivduos proveniente de pases do

    Leste. Ao longo de 1992, por exemplo, foram acolhidas 110.943 vtimas da guerra da

    Iugoslvia, quatro vezes mais do que a Frana. Na totalidade, naquele mesmo ano, entraram

    450 mil pessoas na Alemanha em condio de exlio, quantidade semelhante ao conjunto

    recebido pelo restante da Europa. Aps longos meses de discusso, em novembro de 1992,

    um acordo poltico modificou a legislao, restringindo o direito de asilo.80

    Na verdade, respondendo, entre outros elementos, s prprias restries governamentais,

    o nmero de imigrantes no continente europeu, nas ltimas dcadas, manteve-se

    relativamente estvel. Em maio de 1974, avaliava-se em 8 milhes a populao ativa

  • 7272

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    estrangeira (CEE, Sua, ustria, Sucia, Noruega) e em 14 milhes o nmero de imigrantes,

    incluindo a famlia. Eram 9% na Alemanha Federal, 8% na Frana, 7,2% na Blgica, 3,2%

    nos Paises Baixos.81 Estudos realizados pela Eurostat para o ano de 1991, calculavam em 10

    milhes os estrangeiros ativos na CEE num conjunto de 343 milhes de habitantes.82

    Esses dados demonstram que os imigrantes, em geral na categoria dos mais desprovidos,

    sofrem sobremaneira os reflexos de uma Europa em recesso, pontuada por nveis relevantes

    de desemprego, pelo enfraquecimento sistemtico da legislao social e pelas constantes

    falhas do Estado-Nao em seu papel fundamental de regulador de conflitos e fomentador

    de compromissos polticos. Assiste-se, assim, ao ressurgimento de ideologias raciais.

    Como demonstra Pierre-Andr Taguieff em sua obra acerca da evoluo das idias

    racistas83, na base do sentimento xenfobo atual encontra-se uma nova interpretao do

    racismo. No sculo XIX, a discriminao racial se caracterizou na Europa a partir de dois

    plos de identificao: um racismo interior, basicamente contra os judeus; um racismo

    exterior, dirigido prioritariamente s populaes das colnias. Tratava-se de um racismo

    universalista, que no aceitava a diferena. No final do sculo XX, as manifestaes racistas

    visam, antes, os imigrados e seus descendentes. A novidade essencial estaria na emergncia

    do racismo diferencialista, aquele que absolutiza o valor intrnseco da diferena. Essa

    formulao encontraria suas origens justamente na deturpao de teorias antropolgicas e

    culturalistas elaboradas inclusive para combater o racismo. Tais anlises, a exemplo das

    reflexes de Lvis-Strauss, autorizam o relativismo cultural, a valorizao da diversidade

    de culturas sem hierarquiz-las. Para o novo racismo, a incomensurabilidade de culturas

    torna-se um fato evidente e uma norma positiva. A rejeio ao outro metamorfoseada em

    direito diferena intergrupal. No discurso da extrema direita, a oposio a assimilao

    dos imigrados se justifica na celebrao da disparidade cultural e de raas. Em nome do

    respeito s identidades nacionais, elabora-se um discurso eficaz de marginalizao social.

    As populaes de imigrantes, pelo bem comum, devem buscar suas origens no

    repatriamento. Nota-se como o argumento se traduz na retrica lepeniana, por exemplo:

    H uma multiplicidade de raas e de culturas no mundo e existe hoje uma espcie de

    corrente utpica...que defende uma globalizao visando a estabelecer sobre o nosso planeta um

    nivelamento pela base, uma mestiagem generalizada, destinada a reduzir definitivamente as

    diferenas que existem entre os homens e, em particular, as diferenas raciais. Isto de uma

    estupidez condenvel, porque as raas, na sua diversidade, foram criadas por Deus e por esse

    fato certamente tem sua razo de ser...Ento que cada entidade deseje naturalmente se perpetuar

    e marcar suas diferenas! verdade para os homens como o para os ces.84

    Esse racismo considera que o grupo alvo deve ser necessariamente segregado e

    excludo porque atua na dissoluo da homogeneidade cultural e social do conjunto

    privilegiado. Sobretudo, nega-se a miscigenao, vista como degradante e aviltante na medida

    em que destri a ordem natural das raas.85

  • 7373 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    4. Concluso

    Enfim, quando se observa a evoluo da extrema direita no Ps-Segunda Guerra

    europeu possvel detectar a regularidade de sua ascenso no cenrio poltico, mas tambm

    a relativa fraqueza de seus meios de perpetuao. At o momento, a gama dessas organizaes

    no conseguiu ditar suas leis sociedade, nem adquiriu uma vocao governamental

    continuada. Porm, elas atuaram no sentido de fomentar conflitos, sem fornecer qualquer

    soluo plausvel ou aceitvel.

    Mesmo que tributria de conjunturas poltico-econmicas especficas, a presena

    episdica da direita extremista na Europa revela algo mais profundo, isto , a sobrevivncia

    de uma cultura poltica fortemente autoritria, com suas frmulas intolerantes, sua bagagem

    de nacionalismo excessivo e seu discurso racista. Essa cultura, ainda que minoritria,

    perpassa as geraes e garante a fixao de seu ncleo duro. Elementos a favorecer sua

    continuidade encontram-se em vrios componentes da realidade social: o conservadorismo

    e os arcasmos sentimentais que parcela da sociedade cultiva como forma artificial de reforar

    sua prpria identidade; at h pouco, a visibilidade construda de um mundo comunista

    ameaando o Ocidente cristo; as aceleraes da modernidade descompassando um mais

    rgido modo de vida; o fascnio pelos homens providenciais; o esprito de revanche contra

    as decepes cotidianas.

    No existe, efetivamente, um fator nico de explicao para o intermitente sucesso

    da extrema direita. Talvez, no entanto, o medo possa sintetizar a questo fundamental que

    congrega seu pblico de base. Temor na percepo inquieta do avenir, no ceticismo quanto

    s respostas habituais da poltica tradicional, na recorrente sensao de anomia. A extrema

    direita consegue justamente criar o hiperbolismo desse mal-estar social. De qualquer forma,

    no se deve jamais subestimar os perigos que emanam desse tipo de movimento.

    Notas

    1 Uma interessante retrospectiva sobre a evoluo do FN pode ser acompanhada por meio dos vrios

    nmeros do DOSSIER THMATIQUE DE PRESSE: LEXTRME-DROITE EN EUROPE. Paris: Public

    INFO-Bibliothque Publique dInformation, Centre Georges Pompidou.2 A questo, porm, no deixava de provocar um certo desconforto, como demonstra a anlise de

    Alain-Grard Slama: La Rpublique, aujourdhui, na plus vingt ans. Il semble que rien ne puisse

    latteindre. Et pourtant, quand on repre, le nombre de groupuscules activistes voire franchement

    nazis, qui attendent leur heure dans lombre, on frmit la pense quun homme comme Jean-Marie Le

    Pen trouve encore les alibis moraux dont il a besoin pour runir quarante ans aprs, autant dintentions

    de vote. Navons-nous ce point rien appris? SLAMA, Alain-Grard, Le Point, 28/5/1984, p. 15.3 O FN, nas eleies regionais de fevereiro de 1998, obteve 15,19% dos votos na Frana metropolitana,

    mantendo a mdia dos ltimos pleitos. Nas eleies presidenciais de 1995, contou com 15,27% da

    votao, 4,5 milhes de eleitores (em Estrasburgo somaram-se 24% dos votos). Nas legislativas de

    maio de 1997 atingiu cerca de 15%, com 3,8 milhes de votos. Em meados de 1998, o partido se

    mantinha em praticamente um quarto das circunscries. Em face desses resultados, o FN dispunha

  • 7474

    Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    de certo grau de influncia poltica, chegando, em determinadas circunstncias, a ter ascendncia na

    vitria ou derrota da direita republicana. Cf. Le Monde e Le Nouvel Observateur, edies de fevereiro

    e de agosto de 1998.4 A direita republicana (encarnada nesse momento pelo Rassemblement pour la Rpublique RPR e

    a Union pour la dmocratie franaise UDF), em meio a dificuldades internas de renovao de sua

    estrutura e de seus quadros, bem como de atualizao de suas idias, confronta-se com cerca de 15%

    de votos transferidos implacavelmente para o FN. Processo este que transforma o RPR e a UDF em

    constantes candidatos derrota.5 O Presidente Jacques Chirac, que prudentemente resguardara-se na campanha das regionais de 1998,

    observando a derrota em seu prprio bastio eleitoral (a grande regio da capital do pas), dirigiu-se

    nao com o propsito de condenar o FN, classificando-o de racista e xenfobo.6 Jean-Marie Le Pen parece conhecer seu eleitorado: Les cinq mamelles lorigine de notre essor sont

    toujours l: le chmage, la corruption, le fiscalisme, limmigration et linscurit. Alors je ne marrterai

    quavec la mort. E acrescenta: Les peuples sont comme les chiens: ils ne vont pas vers ceux qui

    naiment queux-mmes. LE PEN, Jean-Marie, Le Nouvel Observateur, 12-18/3/1999, p. 84.7 LExpress en ligne: dossier prsidentiel 2002. No primeiro turno (21/4/2002), o FN obtm 16,9% dos

    votos e o Mouvement national rpublicain, de Mgret, 2,3%. Le Pen obtm 17,8% e 5.525.000 votos

    em 5/5/2002, quando da votao do segundo turno.7 Alguns especialistas preferem nem mesmo consider-la como uma expresso categorizante, como

    Pierre-Andr Taguieff: Elle a le sens que lui donne, en chaque occurrence, son utilisateur, en relation

    avec une intention polmique [...] Ltiquette dextrme droite sapplique la quasi-totalit des phnomne

    politiques et idologiques quil est convenable, selon le systme des valeurs partag par les libraux, les

    sociaux-dmocrates et les communistes, de stigmatiser et de condamner. Instrument dillgitimation

    dun adversaire [...] et non pas instrument de connaissance, terme polmique e non pas terme

    conceptuel. TAGUIEFF, Pierre-Andr. Sur la Nouvelle Droite: jalons dune analyse critique. Paris:

    Descartes et Cie, 1994, p. 314.8 VON BEYME, Klaus. The concept of political class: a new dimension of rechearch on elites?, West

    European Politics, v. 19, n. 1, jan. 1996, London, p. 68-87.9 Ver HAUSS, Charles; RAVSIDE, David. The Development of New Political Parties, In: MAISEL,

    Louis; COOPER, Joseph (org). Political Parties: Development and Decay. Beverly Hills: Sage, 1978;

    LIJPHART, Arendt. Typologies of Democratic Systems, Comparative Political Studies, v. 1, n. 1,

    Apr. 1968, Washington, p. 3-44; LIJPHART, Arendt. Changement et continuit dans la thorie

    consociative, Revue internationale de politique compare, v. 4, n. 3, Louvain-la-Neuve, p. 679-697.10 EVANS, Jocelyn A.; IVALDI, Gilles. Les dynamiques lectorales de lextrme-droite europenne,

    Revue politique et parlementaire, n. 1019, juil.-aot 2002, Lyon, p. 67-83. Segundo EVANS, J. A. e

    IVALDI, G. (Quand la crise du consensus profite lextrme-droite. Le Figaro, Paris, 18-19/5/2002):

    Lextrme-droite est un symptme da la crise des dmocraties de consensus en Europe. Cette crise est

    dautant plus accrue que le modle de coopration entre les lites politiques a t institutionnalis.11 Nas palavras de Le Pen , Lextrme-droite, le mot est quivoque dans la mesure o il comporte le mot

    extrme. Nos adversaires confondent volontairement, et dans lintention de tromper, une position

    gographique sur lchiquier politique avec une position dextrmisme politique. Or notre philosophie,

    notre principe daction et notre programme ne sont pas extrmistes et par consquent nous occupons

    la place qui est libre.. LE PEN, J.- M. Pour une vrai revolution franaise, National-Hebdo, n. 62, 29

    sept. 1985.

  • 7575 Carla Brandalise

    EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA

    12 Ibid. O National-Hebdo, semanrio oficial do FN, reproduz desde 1984 o ponto de vista oficial do

    partido. Com posies hostis comunidade judaica, sustentando te