Behaviorismo Radical. Crítica e Metacrítica - Carrara, k

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Crítica e metacritica

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FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP

Presidente do Conselho Curador Marcos Macari

Diretor-PresidenteJosé Castilho Marques Neto

Editor ExecutivoJézio Hernani Bomfim Gutierre

Assessor Editorial João Luís C. T. Ceccantini

Conselho Editorial Acadêmico Alberto Ikeda

Alfredo Pereira Junior

Antonio Carlos Carrera de Souza

Elizabeth Berwerlh Stucchi

Kester Carrara

Lourdes A. M. dos Santos Pinto

M aria Heloísa Martins Dias

Paulo José Brando Santilli

Ruben Aldrovandi

Tania Regina de Luca

Editora Assistente Denise Katchuian Dognini

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Creio que vale a pena ajudar as pessoas e, se for necessário, protegê-las da nossa ajuda, mas

não devemos nos enganar, pensando que temos algo assim como a resposta final para todos os problemas.

(Ulrich, 1975, p.141)

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Sumário

Palavras iniciais 9

1 D elim itando d im ensões e estra tég ias de análise do behaviorism o e de sua crítica: um a in trodução ao p rob lem a 13

2 O rigens do behaviorism o: um cenário crítico para o m an ifesto de 1913 29

3 H ull e T olm an: discrepâncias p roem inen tes ao behaviorism o w atson iano 75

4 D im ensões p relim inares do p en sam en to sk inneriano

5 O percurso polêm ico do behaviorism o radical 119

6 C rítica e m etacrítica: tem áticas e con tex tos relevantes

Á rea conceitual-filosófica 152

Á rea cien tífico-m etodológ ica 214

Á rea ético-social 28 0

M iscelânea: o u tra s críticas e tem as polêm icos 329

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7 O s efeitos da audiência crítica: novas tendências para o program a behav io rista radical? 363

Palavras finais 379

R eferências bibliográficas 411

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Palavras iniciais

E ste livro tem p re tensões m oderadas. O cuga-se, p rinc ipal­m en te , em oferecer ao le ito r um a idéia bastan te geral da lite ra ­tu ra crítica acerca do behaviorism o. N esse sen tido , deve ser v is­to com o não m ais que um ensaio in tro d u tó rio que se preocupa em facilitar o trabalho dos in teressados em m elho r en ten d er al­gum as das principais polêm icas que envolvem essa abordagem , ten h am elas com o fundo preceitos éticos, d im ensões m eto d o ló ­gicas, alegações filosóficas ou d issensões conceituais. Procura caracterizar a crítica recuperando parte significativa da lite ra tu ­ra científica publicada e reun indo-a sob critérios p rev iam ente enunciados. A p resen ta algum as respostas de behav io ristas a parte dessas críticas e acrescenta novas considerações sobre seu conteúdo e im plicações a partir de alicerces in ternos do behavio­rism o - daí um esboço de m etacrítica. Todavia, in sisto em que o leitor deve considerar o tex to com o ensaio incip ien te d en tro do con tex to ex trem am en te am plo da busca (in térm ina) por um a Psicologia que dê con ta in teg ra lm en te do ser hum ano . N essa perspectiva, não encon trará ap ro fundam en to em várias ques-

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tões que o m ereceriam , fossem ou tro s, que não in trod u tó rio s , os p ropósito s do livro.

Por con ta dos objetivos m encionados, que p riorizam revisi­ta r a lite ra tu ra crítica, o le ito r deparará com núm ero significati­vo de citações, consideradas abso lu tam en te necessárias para ca­racterizar cada tem a polêm ico sob análise; even tualm ente , aqueles fam iliarizados com a A nálise do C om p o rtam en to pode­rão se queixar da ausência de m enção a a lguns artigos e au to res que consideram im portan tes; as referências bibliográficas, n es­se sen tido , a ludem apenas a um a am o stra razoável do quadro teórico-crítico possível.

F u n d am en ta lm en te , a redação deste ensaio o rien to u -se por d iferen tes características e objetivos, de m odo que o tex to ora tem to m descritivo (com o quando procura iden tificar a ex is tên ­cia de controvérsias de fundo e superficiais), o ra com pilatório (com o q u ando tra ta de aproxim ar-se, em v irtude dos critérios explicitados, de um perfil da crítica), o ra analítico (com o q u an ­do te n ta co tejar lite ra tu ra crítica e behaviorism o, sugerindo en ­cam in h am en to s). N o todo, en tre tan to , a inda que c ien te dos ris­cos dos a ssu n to s polêm icos, alm eja ser m in im am en te provoca­tivo: de sua le itu ra , espera-se que resu lte crescente in teresse, p esqu isa e publicações acerca dos tem as a que faz alusão.

O livro, a tese que o orig inou e os com p o rtam en to s que p e r­m earam sua elaboração têm com o característica a m u ltide te r- m inação. O pro je to inicial teve lugar no p rogram a de dou to rado na U nicam p, onde recebeu inestim ável apoio e sugestões do prof. dr. Sérgio V asconcelos de Luna e, com várias m odifica­ções, acabou transfo rm ando-se em tese (C arrara, 1996) na UNESP, sob o rien tação da dra. M aria de L ourdes M orales H ori- guela. N essa fase, foram valiosas as análises e sugestões da dra. A na M aria M usiello (U N ESP, Rio P reto), do prof. dr. Sadao O m ote (U N ESP, M arília), da p ro P dra. Je ru sa V ieira G om es (USP, São Paulo) e do prof. dr. Jú lio C ésar C oelho de Rose (U FSC ar, São C arlos); nem a todas as sugestões, em bora p e r ti­

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nen tes, fui capaz de a tender. Por últim o, a transform ação em li­vro decorreu do incentivo da banca e de m eus pares analistas do com portam en to . A p rim eira edição, apoiada pela Fapesp (pro­cesso 9 8 /0 4 7 5 9 -0 ), publicada pela M arília U N ESP Publicações, esgotou-se. E sta nova edição resu lta da utilização do livro em vários con tex tos acadêm icos e profissionais, con tem pla suges­tões de le ito res acolhidas pelo au tor, a tualiza e am plia in fo rm a­ções sobre novas d im ensões conceituais e de pesqu isa da A náli­se do C om p o rtam en to e do behaviorism o radical.

F inalm ente, cabe acau telar o le ito r para um fato que se to r­na evidente a p a rtir das considerações an terio res: este trabalho não am biciona conclusões; crê im p o rtan tes as conjecturas e o am plo debate , desde que apoiado em argum en tos bem e s tru tu ­rados, vez que são fontes inesgotáveis de inspiração para a pes­quisa e a conseqüen te am pliação do conhecim ento na área. A lém disso, convida-se à le itu ra sob o p ropó sito final de co n tri­b u ir para a edificação de um a ciência do co m portam en to com ­p rom etida com os ideais de construção de um a sociedade ju sta e am parada n o m elho r conceito de cidadania.

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Delimitando dimensões e estratégias de análise do behaviorismo e de sua crítica:

uma introdução ao problema

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D esde a publicação do m anifesto behav io rista de W atson(1913), o behaviorism o, nas suas d iversas variantes, tem convi­vido com em pecilhos diversos à sua aceitação, q u er no âm bito da com unidade acadêm ica, quer no das d iscussões públicas so ­bre a Psicologia. A lite ra tu ra crítica, científica ou leiga, acu m u ­lou-se d u ran te esse longo período e ag lu tinou -se em to rn o de tem as específicos, os quais apenas em algum as poucas o p o rtu ­nidades os behavioristas m ais conhecidos se detiveram em exa­m inar e, sob re tudo , em even tualm en te incorporar os benefícios de algum as análises re levantes publicadas.

A inda que sem generalizar, pode-se d izer que as respostas dos behavioristas têm priorizado o sen tido quase exclusivo de ten ta r rechaçar toda e q u a lquer análise que apon te carac terísti­cas negativas na abordagem . O u seja, a idéia de avaliar teo rica­m en te proposições críticas ou de viabilizar te s te s em píricos pela form ulação de pesqu isas alternativas ao m odelo de delinea­m ento de su je ito único tem sido im possib ilitada na m aioria das oportun idades.

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Tal p o stu ra - supõe-se - tem levado o behaviorism o (anali­sa-se aqui p rio rita riam en te o período W atson-S k inner, de 1913 a 1990, acrescido de algum as publicações re levantes até 2004) a m an te r um a a titu d e científica p ragm ática (e, p o r vezes, dogm á­tica) com respeito às questões básicas da objetividade, filosofia de ciência e m etodologia de pesqu isa que diversas subordens behavioristas ap resen taram . Esse p ragm atism o, em bora ten h a p roduzido m u ito s fru tos no cam po do dizer, do fazer e do escrever científico (se essa adjetivação for possível), tem resu ltad o em a traso no cam po do ouvir científico (e isso é o que se p re tende aqui desvelar q u ando se anuncia um exam e m ais d e tido das p u ­blicações críticas).

C om esse p roced im ento , en q u an to estra tég ias de avanço de um program a científico com plexo, foram conservadas algum as linhas gerais do behaviorism o clássico e a lguns resquícios do behaviorism o m etodológico, m an ten d o um padrão de p esq u i­sas e a rgum en tos que ten ta ram preservar um núcleo d u ro ine­gociável que, po r essa razão, depara-se agora com q uestões de com plexa superação, especialm ente após o desaparecim ento de seu ú ltim o m aior renovador, B. F. Skinner (1904-1990).

O paradigm a, a té p o r esses de te rm in an tes , tem convivido, nos ú ltim os anos, com a inadiável incum bência de reorganizar e a tualizar um a parte significativa de seus p ressu p o sto s e co n d u ­tas sem , con tudo , descaracterizar-se ou descaracterizar a parce­la valiosa de suas conqu istas a tre lada à possib ilidade de um a ciência objetiva do com portam en to hum ano . Essa fase faz cons­ta ta r a necessidade de u m a revisão da lite ra tu ra crítica acerca do behaviorism o (a princípio , de m aneira m ais geral - com o é viá­vel, po r exem plo, num trabalho incip ien te com o este - , m as que deve, com o tem po, ganhar especificidade e ap ro fundar-se). Esse tipo de p roced im en to pode pe rm itir gradativa verticaliza- ção da análise crítica en tre todos os que com partilham de p o s tu ­ras de sim patia, an tip a tia ou m esm o de apenas velada em patia com a abordagem . C om essa am pliação de abrangência en tre

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profissionais, supõe-se possível um p re lim inar en ten d im en to (m as não um consenso) a respeito de novas estratégias behavio- ristas de ação destinadas a consolidar-se com o alternativas cien­tíficas que podem com partilhar ainda m u ito m ais dos principais valores de u m a sociedade ju s ta e igualitária.

Ressalvas q u an to à pertinência crítica im portam m uito , na m edida em que não se tra ta de ignorar noven ta anos de p esq u i­sas, trabalhos publicados, conjecturas, afirm ações, técnicas e m étodos, m as de red im ensionar algum as ênfases behavioristas onde couber. E, para reform ular, a negação do ex is ten te precisa ser apenas parcial; assim , parte significativa da esp inha dorsal behaviorista deve perm anecer, sob risco de que, de m odo diver­so, fiquem fora de con tro le algum as iniciativas parabehavioris- tas, com o parcela de alguns segm entos designados cogniti- vo -com portam entais, que po r vezes resvalam para a aceitação de es tru tu ra s cognitivo-m entais in te rnas com o eventps causais do com portam en to . N atu ra lm en te , a superação ou a busca do aperfeiçoam ento do atual m odelo teórico não se pode d ar por sim ples substitu ição : parece falsa a idéia de um fu tu ro que p res­cinda do passado. N essa m edida, veicula-se aqui, sob re tudo , a idéia do tran sfo rm ar (m elhorando) o behaviorism o radical a p a rtir de um a das fontes m ais férteis e (con trad ito riam en te) m ais freq ü en tem en te deploradas de p rogresso científico, que é a lite ra tu ra crítica. T om e-se tran sp aren te , já n estas considera­ções p relim inares, que - em h ipó tese algum a - es te trabalho tem a insó lita p re ten são de p roceder a um redimensionamento do behaviorism o radical; m u ito m enos que isso, apenas conduz sua argum entação no sen tido de indicar que tal d iscussão é p os­sível e necessária, podendo insp irar-se em análise crite riosa da lite ra tu ra crítica p ertin en te . Avaliar, reco n stru ir ou revisar, n e s ­te caso, é tarefa de am plo espectro , que exige a contribu ição teó ­rica e de pesqu isa de m u ito s profissionais e de program as de pesquisa bem -estabelecidos. A té pelas razões expostas, an teci- pe-se aqui que, em bora este ensaio ouse algum as sugestões, não

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responderá com q u a isq u er fórm ulas definitivas, m otivo pelo qual não deve su rp reender que alguns capítulos, trechos ou episódios sejam fechados pelo au to r sem enunciar exp lic itam ente soluções ev en tua lm en te esperadas.

M ais que sim ples exclusões, serão priorizadas incorpora­ções im p o rtan tes , p o r vezes orig inadas da boa crítica. Por essa razão, ado ta -se aqui, p o r p ressu p o sto , q u e e n tre os críticos h a ­b itam m u ito s p ro fissiona is sérios, co m p e ten te s e capazes de rep resen ta r o rien tações teóricas rigorosas e cien tificam ente profícuas, a inda que d ivergentes do behaviorism o. O bviam ente, em b o ra não se te n h a aqui a p re ten são de com p etên c ia para in te rp o r ju ízos prévios sobre a validade de cada crítica, criticas- tro s de p lan tão não serão levados em conta.

C om certa freqüência, repelir-se m u tu am en te constitu iu p rática co rren te en tre behavioristas e seus críticos. C om o lem ­bra Banaco (1997, p .547-8) no posfácio de um dos vo lum es de Sobre comportamento e cognição:

Incapazes de proceder a uma análise funcional daquilo que es­tava acontecendo, os próprios behavioristas, também privados de seus reforçadores, que nesse caso seriam o reconhecimento de que suas práticas pudessem ter algum valor prático na solução de pro­blemas, passaram igualmente a agredir quem os agredia através de rejeições de tudo o que se parecesse com mentalismo, fazen­do críticas às outras teorias ... Assim, somos incapazes de perce­ber que comportando-nos dessa forma só acirraremos a rejeição que naturalm ente já deveria existir pela frustração que causa­mos a nível teórico. Quando desrespeitam os os outros por não pensarem /trabalharem /estudarem /agirem como nós fazemos, comportamo-nos exatamente como eles ... Talvez também como decorrência dessas rejeições, agimos como se fôssemos auto-suficientes. O conhecimento por nós produzido é por nós respeitado e o produzido pelos outros é desprezado. Aqui cabe uma ressalva: produzimos muito, é verdade, e muitas vezes não procuramos o conhecimento produzido por outras áreas única e

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exclusivam en te p o rque não tem o s tem p o de co n su m ir o que p ro ­duzim os, q u an to m ais a p rodução alheia. E stou referindo-m e aqui às o p o rtu n id ad es de troca de experiências que ev en tu a lm en te se nos ap resen tam e que deixam os de ap rove ita r p o r p reconceito .

Por certo , com o já se frisou, o trabalho de reavaliação de tendências no behaviorism o radical deve ser precedido de um a análise da crítica a través da h istó ria da Psicologia, m as, so b re tu ­do, deve passar po r um a p o stu ra tran sp a ren te e m aleável do p róprio behaviorista: e s ta r disponível para ouvir a crítica e ex- por-se ao deba te é condição p re lim inar da tarefa. U m a tal análi­se exige es tu d o cu idadoso de cada publicação e de cada observa­ção feita n essa publicação. Exige, ainda, que m ais de u tn analis­ta seja consu ltado sobre tal observação, po rque esse trabalho é certam en te um a tarefa a respeito da qual n inguém , por m ais ex ­perien te , tem o condão de dar a palavra final sobre a ju steza ou não da crítica, bem com o sobre a propriedade ou não da afirm a­ção ou a respe ito da correção ou não de algum a proposição. Para am pliar garan tias da fidedignidade das proposições sob análise, será necessária, com freqüência, a reprodução literal das afirm a­ções dos diversos au to res. N ão deve su rp reen d er o leitor, p o r­tan to , o d efron tar-se in térm ino com referências e trechos de tex tos da lite ra tu ra crítica analisada, p o rq u a n to esse p ro ced i­m en to co n stitu i recu rso q u e se elegeu ap rop riado para to rn a r m ais efetiva a con tex tua lização da análise . N em sem p re foi possível, d e sa fo rtu n ad am en te , levar em co n ta as publicações o rig inais, a in d a q u e na m aio r p arte dos casos isso ten h a sido conseguido; p o r vezes, a lgum cotejo e n tre ob ra o rig inal e tra ­dução foi realizado .

Além disso , em bora fique reservado o espaço para a p esq u i­sa em que se te s tam afirm ações gerais, não se tra ta aqui de um pro jeto do tipo " te s te de teoria" aplicado ao behaviorism o, na acepção em pregada po r Bachrach (1969), a té po rque tal teste se ­ria im possível de viabilizar-se "de um a vez por to d as”. A pes-

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quisa das afirm ações críticas deve ocorrer, sim , a princíp io de form a fragm entada, com ten ta tivas setorizadas, por abso lu ta q u estão prática. M ais ad ian te , to rna-se em ergencial um trab a ­lho de articu lação dos resu ltados, para garan tir que nen h u m an a lista se p recip ite em in ten to reducionista , fadado na crítica a d em olir posições apenas m om en taneam en te , sem significação con tex tual m aior.

E ntre tan to , re tom ando o em preend im ento presen te de cons­tan te avaliação dos rum os da abordagem behaviorista, não basta o trabalho (valioso) de testagem em pírica das afirm ações por m eio da pesquisa . Faz-se im prescindível o traçado, m esm o que prov isoriam ente im preciso , po rque incip ien te , dos tipos gerais ou en foques da crítica an tibehav io rista : a qu a is aspec tos ela se d irige p rio rita riam en te? N este livro, essa ca tegorização das críticas foi feita de m odo a se te r um e sq u e le to q u e oferecesse fo rm a ao corpo das su p o sta s deficiências ap re sen tad as pelo behaviorism o, em todas as suas verten tes. Tal ag ru p am en to de análises, feito de conform idade com o p ressuposto , área e /o u tem a a que cada qual se circunscrevia, v isou facilitar um a ap re­ciação co n ju n ta da densidade da crítica: ou ela é m ais incidente sobre d e te rm in ad o assun to , exigindo que esse p o n to seja m ais d e tid am en te exam inado, ou ela é m ais condescenden te com al­gum a questão , de m aneira que em te rm os de prio ridades esta poderá ser postergada na análise, e assim por d ian te .

E n tre tan to , agrupadas as críticas em tem as e sub tem as, com o cuidado m etodológico pre lim inar e im prescindível, confi- gurou-se a necessidade de um esforço em in en tem en te teórico e não exclusivam ente de pesquisa, a té po rque esta ú ltim a nem sem pre será possível por con ta das próprias condições técnicas e m esm o práticas do assu n to tra tado . A ssim , es te livro m o stra o resu ltad o de um es tu d o que foi sem pre an tev isto com o em in en ­tem en te (e necessariam ente) polêm ico, em razão de que seus fru tos revelariam parcialm ente o repertório teórico (com diversas deficiências e raras v irtudes) do au to r, a inda que este ten ta sse

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se valer de parc im ôn ia e isenção ou m esm o bom senso in d is­pensáveis em q u a lq u e r trab a lh o do gênero .

N essa perspectiva de análise, pode-se declinar com o sabido que o behaviorism o, abarcando todas as form as que já possu iu , tem hoje m ais de noven ta anos de ex istência e que sua convi­vência com a crítica, nesse tem po todo , sem pre foi difícil, p o r­que en trem eada po r análises ásperas e co n tu n d en tes . Parece, agora, se r chegado o m om en to inadiável de se e fe tuar um a co n ­sideração m ais aguda da lite ra tu ra crítica desse período e, p o ssi­velm ente, da absorção de um a parcela im p o rtan te das restrições procedentes, com vistas ao traçado de novos delineam en tos para o behaviorism o atual. Tal situação to rnou-se opo rtuna pelo desaparecim ento dos grandes nom es do behaviorism o e pela necessidade explícita de novos rum os a serem seguidos d ian te das exigências m u n d ia lm en te requeridas de um novo tipo de vida com unitária . 1

C ertam en te , especu lar sobre novas tendências behavioris- tas em função da crítica exige um traba lho prévio, criterioso , de encarte e descarte das considerações avaliativas produzidas até aqui. Esse proced im ento , para os efeitos deste estudo , su s te n ­tou sua factibilidade em prem issas cruciais: prim eiro , que seria possível identificar, no con jun to das críticas, um a parcela que não se co n fig u re c ircu n stan c ia l, n em fo rtu ita , n em ca ren te de a rg u m en tação su s te n ta d o ra ; seg u n d o , q u e as fo n tes e a n a tu ­reza da c rítica são im e n sa m e n te variadas, m as se m a n tê m c ro n o lo g icam en te s is tem á tica s d u ra n te to d a a ex is tên c ia do b ehav io rism o .

Em razão da ausência de critérios ex ternos que assegu ras­sem precisão com pleta e isenção ab so lu ta para qua lq u er escolha de particu lares (en tre inúm eros) tipos de crítica em função de sua relevância, os p arâm etros para tal esco lha carregaram n e ­cessariam ente algum a espécie e freqüência de erro. Essa p ossi­bilidade, no en tan to , se reduziu na m edida em que dois cu ida­dos fundam enta is foram adotados:

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1) as críticas u tilizadas para análise foram coletadas em fu n ­ção de sua incidência m aior ou m en o r nos periódicos da lite ra ­tu ra especializada na área (ainda que não se ten h a procedido a um levan tam en to esta tís tico de publicações, priorizaram -se obras de referência e bases de dados de freqüen te acesso em Psi­cologia, além das citações de articu listas que levam a novos a rti­gos: Psychological Abstracts, Current Contents, PsycLlT, o bo letim Sumários de Periódicos em Psicologia (USP), ERIC e sim ilares);

2) foram apreciados os problem as de que o behaviorism o dá ou não conta, cobre ou não, m as todos vistos (form alm ente) em separado, em função, essencialm ente, de aspectos relativos ao m étodo , à filosofia de ciência, a p roced im en tos e a q uestões de cará ter ético, com o ad ian te se especificará.

A pesar desses cu idados com a redução de even tuais im p re ­cisões a que um es tu d o com o este e s tá su jeito , não se m ostrou possível, nem se p re tendeu , q u a lquer aproxim ação com o que se convenciona designar com o neu tra lidade científica. Ao con­trário , possíveis vieses de análise devem se r sem pre e necessa ­riam en te consid erad o s q u an d o de q u a lq u e r le itu ra d es te m a te ­rial. Por paradoxal que possa parecer, não se p re ten d e que seja possível n em um a redação neu tra , nem um a le itu ra ab so lu ta ­m en te isen ta deste ensaio: pela sua p róp ria na tu reza polêm ica e em decorrência da liberdade de adoção de alguns p ressupostos teóricos po r quem se aven tu re a escrever ou ler sobre o assun to , não há com o se eleger m ais que parcim ônia e bom acervo b iblio­gráfico com o critérios su sten tad o res do trabalho . A ratio essendi deste ensaio , em sum a, é apenas apontar novas tendências e p os­sib ilidades para um a ciência renovada do com portam en to , m ais que sugerir q u a lquer p re ten sa solução isen ta , n eu tra ou d es­com prom etida de parad igm a teórico.

P ortan to , é fato que a p rópria na tu reza do trabalho inclui, nas críticas exam inadas, a té m esm o a p róp ria conceituação de ciência, a q u es tão m esm a das técnicas de observação e coleta de dados, de análise de resu ltados de pesquisa , de m étodo e m e to ­

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dologia, de epistem ologia, teo ria do conhecim ento e filosofia de ciência. O u tra razão para acau telar o le ito r para a relativização de even tuais conclusões é o fato de que o au to r está óbvia e n e ­cessariam en te ligado ao enfoque que analisa (em bora a ele faça reparos) e ao qual sugere, parcialm en te em razão da p róp ria crí­tica p ertin en te , reorien tações de ênfase e even tuais incorpora­ções e novas tendências. Por esse m otivo, não há com o dissociar a au to ria e o resu ltad o do estudo: não se tra ta de um a crítica por pares ex ternos, seq u er próxim a de um a tendência neu tra lizan- te, m as de um a crítica in te rna que ap reende o con teúdo da c ríti­ca ex te rn a e avalia novas tendências conceituais e de pesqu isa à e s tru tu ra v igente da abordagem .

Tal caracterização do traba lho não deve, en tre tan to , se r p re ­m atu ram en te en ten d id a com o um a declaração de voto, na m e­dida em que o reag rupam en to de tendências - que se supõe e s ti­m ulado em decorrência da execução do p ro jeto que orig inou este livro - não se co nstitu i exclusivam ente em m era expressão de pon to s de v ista ou da form ação profissional do au to r, em bora inegavelm ente tais com ponen tes devam se p ressu p o r com o fontes de variação n este com o em q u alquer ensaio do gênero. P ressupor rad icalm ente o inverso co n stitu iria defesa desneces­sária e inaplicável ao caso, m ascarando resu ltados do p roced i­m en to analítico.

N ecessário se faz esclarecer q u e se deu po r sabido que o re ­su ltado final da tese que orig inou este tex to , pela sua natu reza, im plicaria polêm ica, com o de resto é polêm ico o behaviorism o e a p rópria crítica acerca dele. Por essa razão, m exer nesse vespeiro não deve an im ar o le ito r a po n to de passar a esperar p ropostas que abriguem consenso po r con ta da absorção de parte da lite ra ­tu ra crítica. Ao contrário, não foram pretendidas, desde o projeto, q ua isquer so luções con tem porizadoras dos problem as p ro fu n ­dos que se an tepõem a quem q u er que p re ten d a m elho rar a com preensão do co m portam en to hum ano . C om o co n seq ü ên ­cia, supõe-se apenas que novos ângulos de in terp re tação sejam

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v islum brados a p a rtir do d esn u d ar o behaviorism o tradicional e seus críticos de algum as (por vezes, p reconceituosas) defesas teóricas.

D essa m aneira , é im portan te ficar claro que, em bora se p ri­vilegie o cuidado m etodológico da análise, não é ainda seu resu l­tado su bstan tivo que se p re ten d eu im portan te . Im portou , sim , com o objetivo fundam enta l deste estudo , que ficassem clara­m en te apon tadas, ao final:

1) a ex istência da situação conflitiva pe rm an en te na relação behaviorism o-crítica; 2) a grande e variada ex tensão do cam po onde pro liferam as m aiores controvérsias; 3) a possib ilidade de delim itação (por tem as, áreas, p ressupostos, assu n to s) de um perfil básico dos tem as sob crítica, para facilitar a atuação dos analistas; 4) a indicação de algum as direções prelim inares para onde poderá ser conduzida a análise do em p reen d im en to beha- v iorista; 5) a clara necessidade e possib ilidade de redireciona- m en to de tendências do behaviorism o pós-sk inneriano .

C om esses objetivos, que se p rocura a ting ir de m odo parci­m onioso e com patível com o m ateria l analisado, supôs-se p ro ­du tivo que se in iciasse com um a descrição e d iscussão da tra je ­tó ria do desenvolv im ento do behaviorism o en tre 1913 e 1990, de m odo que, to rnado razoavelm ente elucidado esse q uad ro re­ferencial, em erg isse clara a p lataform a de onde o au to r se coloca p ara fazer um a análise que considere razoavelm ente os dois lados da q u estão : o in te rn o (d eco rren te da p ró p ria d inâm ica evolu tiva do parad igm a) e o ex te rn o (re su lta n te da lite ra tu ra crítica exam inada). Daí, c rítica e m etacrítica do e no behav io ­rism o radical.

O percurso h istó rico da crítica ao p en sam en to behaviorista sem pre foi rep leto de oscilações, m arcadas pelo aparecim ento de novos e destacados estud iosos, novas escolas psicológicas e, a té por isso, sem pre esteve envolvido em acirradas polêm icas, cuja ocorrência é visível em periódicos científicos, livros e con­ferências em universidades. Para se saber com o com eçaram a

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aparecer, é im prescindível re to m ar a h istó ria do behaviorism o, que teve no manifesto de 1913 sua p rim eira fonte oficial de con­trovérsias. O artigo, assinado po r W atson no periódico Psycholo- gical Record sob o títu lo "Psychology as th e behav io rist view s it", postu lava rum os com pletam en te d iferen tes para o cam po que en tão se considerava com o Psicologia. Reivindicava o abandono da in trospecção com o m étodo oficial de coleta de dados sobre as ações h u m an as e p ro p u n h a sua substitu ição im ediata pela ob ­servação, com o form a única de o b te r inform ação segura acerca não m ais dos fenôm enos da m en te , m as do com portam ento . D efendia que este deveria to rnar-se o verdadeiro ob jeto da com ­preensão dos estud iosos, de m odo que o elegeu com o pon to central da nova ciência cuja filosofia cham ou oficialm ente de behaviorism o.

A solução w atson iana não con tinha, para os padrões da épo­ca, con to rnos de m oderação. A tingia fron talm ente um a tradição que m antinha a m ente com o pedra angular da Psicologia vigente. E a m udança brusca, ao m esm o tem po que a rrastou seguidores e criou g rupos de estu d o s com características com pletam ente novas para a ocasião, p roduziu um grande n ú m ero de p ro testo s e de resistências, in iciando oficialm ente o que se pode designar com o percurso h istó rico polêm ico do behaviorism o.

Esse cará ter polêm ico recebeu, ao longo do tem po , co n to r­nos os m ais d iversos, com acirram ento ou ab ran d am en to em d i­ferentes situações e épocas. Todavia, por variadas razões, p er­m anece até hoje dando um cunho dinâm ico e exigindo co n stan ­te aperfeiçoam ento às proposições teóricas e práticas do p ró ­prio behaviorism o, sejam quais forem suas acepções.

Essa d inâm ica do behaviorism o e da sua crítica faz ver a quem lê o am plo acervo de publicações sobre o a ssun to , que os behavioristas de todas as épocas, m as especialm ente os adeptos do behaviorism o radical personalizado por Skinner, procuraram sis tem aticam en te reba te r as críticas que receberam , raras vezes adm itindo absorver even tuais indicações constru tivas e su b s­

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tan tivas que poderiam servir com o pon to de partida para um trabalho constan te de aperfeiçoam ento. N esses m ais de noventa anos, parte significativa dos p rofissionais da área foi inflexível con tra m udanças e adaptações deco rren tes da crítica. M esm o m udanças de pequena intensidade, com o adm itidas na concepção de ciência norm al de K uhn (1975), sem pre foram razões para fortes resistências no con tex to h istó rico citado.

C ontudo , não se cogita aqui, ev iden tem ente , um a devassa nos p ressu p o sto s da A nálise E xperim ental do C om portam ento , nem de seus princíp ios básicos nem de sua filosofia subjacente, o behav io rism o radical. Por certo , isso não só a descaracteriza­ria po r com pleto , com o de resto , além de não ser com petência de um a só pessoa e de um es tu d o apenas, não produziria efeitos favoráveis a um redelineam ento funcional no contexto das ciên­cias do com portam ento . Para exem plo, serão vistos, m ais ad ian­te, a lguns tem as tra tados em artigos h istó ricos, que ten ta ram p lan tar, em épocas d iferen tes, m arcos acenando com a queda defin itiva do behaviorism o (com o em H arrell & H arrison, 1938, e em W yatt, H aw kins & Davis, 1986), sem que isso acabasse se consum ando .

C om o já se inform ou, vários escritos behavioristas te n ta ­ram resp o n d er (na verdade, rebater) a crítica. M esm o Skinner, em About Behaviorism (1974), obra em que se ocupou das v in te princ ipais re s triçõ es que co m u m en te lhe foram feitas, acabou se c ircunscrevendo às críticas d esa rticu lad as e que revelam , para ele, fa lta de con h ec im en to . Fica fa ltando aí, porém , an a li­sar ou m o s tra r m ais c la ram en te como, e fe tivam en te , su a a b o r­dagem trab a lh a ria com diversos dos p rob lem as ap o n tad o s nas críticas m ais bem e s tru tu ra d a s , a lgum as das quais a té co m ­põem p a rte das v in te a que ele resp o n d e . A inda que su c in ta ­m en te , sem q u e essa adjetivação consiga a tin g ir s in o n ím ia com clareza.

M as a questão , aqui, envolve ainda o u tro s aspectos: não se p re ten d e estabelecer, po r exem plo, ligações ou m esm o com pa­

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rações sistem áticas en tre os diversos tipos de enfoques, ab o rd a­gens, s istem as teóricos ou escolas (o que deveria com eçar por um a caracterização destas q u a tro ú ltim as expressões). P re ten ­deu-se - e isto constitu i a s ín tese dos objetivos já expressos - a p a rtir de u m m apeam en to h istó rico da crítica, levantado após exam e de ex tensa bibliografia consu ltada, colher os indicativos que perm itiram propor sugestões para assegurar o início de um a renovação de tendências no behaviorism o con tem porâneo .

O m o m en to h istó rico para tal p ro p o situ ra configurou-se o m ais apropriado , na m edida em que os nom es seculares da área desapareceram (o ú ltim o deles foi Skinner, em 1990) e os m ais p roem inen tes p rofissionais behavioristas têm freq ü en tem en te se perg u n tad o sobre quais deveriam ser as p rjo rid ad es nas p e s ­q u isas , no e n s in o e na ap licação p rá tica geral e sp e rad a p ara as p ró x im as décadas. As te n ta tiv a s de m o d ern ização na ap lica­ção tecnológica e o fo rta lecim ento de com prom issos políti- co-ideológicos, com cada vez m aior vinculação da abordagem à realidade social v igente precedem o desaparecim ento de Skin­ner. Por exem plo, vieram à to n a m ais de qu inze anos an tes d is­so, com as con tribu ições de H olland (1974). Todavia, tal esfor­ço teve tím idas repercussões nos d epartam en tos de en sin o e nos cen tros de pesqu isa behavioristas m ais p roem inen tes, em ­bora ten h am se con stitu íd o em fator im portan te no m ovim ento em que se in sere este ensaio.

O m om en to atual foi considerado oportuno , p o rtan to , por cobrar exatam en te o d elineam en to de fu tu ras tendências, ou seja, convida a investigar sobre se o behaviorism o se en c lausu ­rará com o filosofia de ciência que não vai se a tualizar com a u r­gência exigida pela d inâm ica crescen te da sociedade atual; se o behaviorism o radical de Skinner, tal com o ele o concebeu, é o que perm anecerá , não abrindo m ão dos req u is ito s fu n d a m e n ­ta is p ro p o s to s pelo seu p rin c ip a l m en to r; se a a m p litu d e do cam po de análise deve ser ou não m ais m aleável, passando a in ­corporar m ais decisivam ente, na prática, especialm ente ao te r ­

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ceiro te rm o das trad icionais tríp lices relações de contingência ou aos m ais am plos paradigm as (cf. Todorov, 1987), dados da h is tó ria socioeconôm ico-cultural do indivíduo ou grupo que es tá sendo ob jeto de análise; se o behaviorism o pode ou não, afinal, ap resen ta r p ropostas concretas de com o colocar suas descobertas e a tecnologia que lhe sobreveio à d isposição, ago­ra, da m aioria dom inada e /o u das m inorias m arginalizadas; em o u tra s palavras, p e rg u n ta -se se es ta rão p rep arad o s os behavio- ris tas, depo is de S kinner, p ara ad ap ta r o co n h ec im en to p ro d u ­zido à rea lidade co n tem p o rân ea , de m odo a su p e ra r su a o r i­gem anco rada nas d im en sõ es econôm ico-sociais favorecidas do berço cap ita lis ta n o rte -am erican o para colocá-lo, agora por novos p rism as, in te iram en te d ispon ível a to d o e q u a lq u e r tipo de condição social.

A ntes de um envolv im ento m ais am plo com o trabalho em i­n en tem en te descritivo do cenário h istó rico do behaviorism o, p ropósito do próx im o capítulo, é p e rtin en te re ite ra r palavras de cautela, ainda que possam exigir fôlego ex tra do leitor. É certo que um a incursão sistem ática pelo cam po dos tem as polêm icos do behaviorism o co n stitu i tarefa que pode ser apenas parcial­m en te com pletada. Essa aventura esbarra, no m ínim o, na com ple­xidade e na ex tensão das controvérsias que, com o já se an tec i­pou, estão sem pre p resen tes na lite ra tu ra p e rtin en te ao assu n to desde que o próprio behaviorism o se orig inou e especialm ente q u ando esse p arad igm a m arcou p resença na h is tó ria da Psico­logia com o um a abo rdagem ofic ia lm en te m an ifestada , com o adven to do artigo fundam enta l de W atson (1913). A com plexi­dade do a ssu n to é facilm en te identificável a to d o s q u e se p ro ­ponham ocupar-se com m ais do que um sim ples levan tam ento bibliográfico, ou seja, p re ten d am cotejar afirm ações teóricas dos behavioristas e afirm ações (d ivergentes) dos seus críticos. Existem , por exem plo, tem as que se repe tem d u ran te todo o tem po, com variações diversas, com o é o caso do próprio objeto de estu d o da Psicologia. H á tem as que se to rnam m ais relevan­

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tes a partir de determ inada ocasião ou a p artir de circunstâncias específicas, com o é o caso do d e lineam en to cu ltural, que só foi p ro fundam en te tocado com o adven to do behaviorism o radical de Skinner: m ais particularm ente, tal assun to começou a gerar po­lêmica in tensa a partir da novela utópica Walden Two (1948), toda­via recrudescendo nas décadas de 1960 e 1970 a partir de "novas leituras" do livro de Skinner feitas pelo público em geral e pelos especialistas, caracterizando um tem a que vai e volta conform e a dinâm ica da história e as circunstâncias sociopolíticas que tecem o pano de fundo para as discussões.

Por o u tro lado, a im ensa ex tensão das controvérsias, em b o ­ra possa ser de lim itada pelo n ú m ero de publicações em perió d i­cos especializados e por artigos em jo rnais, rev is ta s£ livros que atingem a com unidade de c ien tistas e o grande público, é certa ­m en te reconhecível, na m edida em que se to rn a inalcançável o p ropósito de cobrir, num trabalho incip ien te , todo o im enso acervo sobre o assu n to . A té po rque este se encontra , a tu a lm en ­te, espalhado pelo m undo in teiro , um a vez que há periódicos especializados nas A m éricas, na Ásia, na Europa, na O ceania. A lém disso, a com plexidade e vastidão do tem a são te s te m u ­nhadas pela inex istência de trabalhos que ten h am com pilado p ressuposto s behavioristas num con jun to que pudesse ser ca­racterizado com o um estado da arte . Q u an to ao behaviorism o radical de Skinner, particu larm ente, bom trabalho foi publicado em 1984 nos Cannonical Papers (com o tem sido habitual no The Behavioral and Brain Sciences), m as, com o aí se frisou, não inclui os behaviorism os clássico e m etodológico.

N ão é conhecido, tam bém , traba lho inform atizado de ca ta­logação que pe rm ita acesso fácil a todo o m ateria l d isponível. As bases de dados têm coberto períodos m ais recen tes de im p o r­tan tes obras de referência, com o é o caso do Psychological Abstracts. E m bora a tecnologia necessária já esteja disponível, parte significativa dos artigos ainda está para ser com pilada nas bases de dados.

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E n tre tan to , a necessidade de com por um q uadro razoavel­m en te sis tem ático do con teúdo crítico e con troverso que cerca as teses behav io ristas se faz sen tir em todos os q u ad ran tes aca­dêm icos da pesqu isa com portam enta l, en tre o u tro s m otivos, po rque o d irec ionam ento dos grupos de pesqu isa e es tu d o so ­bre o a ssu n to d en o ta a im portância a tual de se com eçar a viabi­lizar novas tendências teóricas e de pesqu isa para o behav io ris­m o, pelas razões prev iam ente expostas n este trabalho .

O u seja, um a revisão da lite ra tu ra , um a contex tualização h istó rica e um a análise da direção que tom am as controvérsias su s ten tam sua relevância no fato de que, se é possível u m red i­m ensio n am en to de tendências de pesqu isa e de priorização de certos tem as em d etrim en to de ou tros, este deve apoiar-se tan to no esforço para um esm ero técn ico-teórico com o no com p o rta ­m en to da audiência crítica que se debruçou sobre o assu n to nesses anos todos. A lém disso, deve pau tar-se po r estabelecer, com o parâm etro de construção e reconstrução do conhecim ento científico em Psicologia, um a preocupação em ex trapo lar as d i­m ensões econôm ico-sociais privilegiadas do cap ita lism o norte- am ericano e co locar-se, de m an eira p ro g re ss is ta e dem ocrática, a serviço de toda e q u a lquer população, especialm en te sob as condições atuais da vida h u m an a no Terceiro M undo.

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Origens do behaviorismo: um cenário crítico para o manifesto de 1913

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O p en sam en to w atsoniano , quando oficialijiente conhecido através de "Psychology as the behaviorist views it’’(1913), reves- tiu -se de im p o rtan te característica, qual seja, a de funcionar com o a resolução natu ra l de um conflito de cará ter teórico no qual se encon travam os estud iosos das ações hum anas desde o final do século XVIII. C om o apon to u Boring (1950), W atson acabou sendo o “agente dos tem pos", inc iden ta lm en te rep re ­sen tando , p o r seu artigo e posterio res m anifestações, as asp ira­ções de m udança no pensam en to psicológico da época.

N a verdade, po r essa ocasião os E stados U nidos da A m érica já haviam aderido ao funcionalism o de W illiam Jam es, o que era um passo decisivo p ara bancar u m a gu inada ainda m ais acen ­tuada em direção à defesa da objetividade. Por essa razão, to r ­nou-se im inen te a m udança explícita nas tendências teóri- co-m etodológicas da Psicologia am ericana, cabendo en tão a John Broadus W atson (1878-1958) a tarefa de condensar e ao m esm o tem po d e lim ita r os parâm etros fundam enta is da nova visão da Psicologia com o um ram o das ciências naturais.

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Incond icionalm ente fadado a m udar, esse cam po científico passou a ser considerado - com o o próprio W atson (1913a, p. 158) escreveu no m anifesto behaviorista - perfe itam en te p as­sível de objetividade:

A Psicologia, ta l com o o behav io rista a vê, é um ram o p u ra ­

m en te objetivo e ex perim en ta l da ciência na tu ra l. A sua finalidade teórica é a prev isão e o con tro le do co m p o rtam en to . A in tro sp ec ­ção não co n stitu i p arte essencial dos seus m étodos e o valor c ien tí­fico dos seu s dados não depende do fato de se p res ta rem a um a fá­cil in te rp re tação em te rm o s de c o n sc iên c ia ... a Psicologia te rá que

d escarta r qu a lq u er referência à co n sc iên c ia ... ela já não p recisa ilu ­

d ir-se crendo que seu ob je to de observação são os estados m en ta is .

N o in te iro teo r do tex to citado, que tem v in te páginas, fica clara a objeção de W atson ao uso de técnicas de in trospecção com o form a de ob tenção de dados passíveis de análise do com ­p o rtam en to hum ano . N essa época - e p articu la rm en te den tro do con tex to cu ltu ra l no rte-am ericano - , p rocurar a fórm ula para um a Psicologia objetiva parecia ser exa tam en te o Zeitgeist: m u i­tos es tu d io so s ten ta ram , an tes de W atson , en co n tra r a m elhor m aneira de exp ressar o exato sen tido de um a in terp re tação o b ­je tiva da conduta . O artigo de W atson , assim , consolida a con­vergência de um a série de posições que ansiavam por essa m u ­dança, m as não tinham encon trado o m odo com que operá-la. W atson , com as lim itações pessoais que seus biógrafos citariam m ais tarde, acabou se to rn an d o o agente a po larizar a questão: seu artigo foi ex a tam en te ao encon tro da expectativa p resen te no m eio científico da época. Todavia, nem a todos con ten tava a solução w atsoniana. Ao longo de décadas, os críticos do behavio- rism o, e - en tão - de W atson em especial, antecipavam ou p ro ­curavam an tever a queda da abordagem .

Já em 1938, H arrell & H arrison ten ta ram ap resen tar, no seu im portan te The rise and fali o f behaviorism, um levan tam ento cri­te rioso das origens h istóricas, bem com o um a análise das in ­

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fluências filosófico-científicas que recebeu a abordagem , con­clu indo que poderia ser considerada com o u m a nova fo rm a de m a te ria lism o sob in fluência , q u ase sem p re in d ire ta m e n te , de filósofos e e s tud iosos (m a te ria lis ta s /m o n is ta s /p o s itiv is ta s , grosso modo e ao ver dos au to res m encionados) ta is com o H ob- bes, H um e, D idero t, La M ettrie , Condillac, H elvétius, Vogt, C om te, C abanis, C ourno t, M oleschott, B uchner, M ach, Lewes, de Tracy, H erder, Haeckel e Huxley.

A pesar da citação pre lim inar desses nom es com influência genérica e su p o stam en te certa no aparecim ento do behav io ris­mo, H arrell & H arrison (1938) enfatizam alguns com especial cuidado. N o referido artigo lem bram , por exem plo, La M ettrie , em cujo Man a machine (1912) ten ta ria estabelecer a noção de que o ser h u m an o te ria suas ações to ta lm en te governadas por um a instância fisiológica au tom ática. C abanis tam bém é lem ­brado po r p ro d u z ir um a análise elaborada d a ln e n te em term os neurológicos, sendo considerado o pai da Psicologia fisiológica. O utro nom e d e tid am en te citado por H arrell & H arrison (1938) é o de C om te, que (ca. 1830) recrim inava severam ente a in tro s­pecção e o m entalism o, advogando a investigação das funções psíquicas com o m udanças cerebrais e dep lo rando a considera­ção da Psicologia com o um a ú ltim a fase da Teologia. Aí, sem dúvida, C om te se referia à aplicação da sua lei dos três estados, que especificava que todas as ciências e o esp írito hum an o d e ­senvolvem -se em três fases d istin tas: a teológica, a metafísica e a positiva. A fase teológica, pela revelação dos au to res recém - m encionados, m ostrava o hom em ten tan d o explicar o m u n d o a p a rtir da in te rvenção dos seres so b ren a tu ra is . Sua divisão se fazia em fetichism o, po lite ísm o e m onote ísm o. Já a fase m etafí­sica concebia forças para explicar os d iferen tes fenôm enos, em substitu ição às d iversas divindades: n esse ponto , C om te fala de

força quím ica", "força vital", "força física” (é nessa acepção que por vezes se configura o conceito freudiano de "energ ia p sí­qu ica”). F inalm ente (e foi o que, segundo o já citado artigo de

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H arrell & H arrison , influenciou m arcadam en te a configuração da ciência de m odo geral e, particu larm ente, assegurou o lança­m en to das bases do behaviorism o na época), ex iste o estado po ­sitivo, que se caracteriza pela subord inação da im aginação e da argum entação à observação.

Seria essa tendência a privilegiar a observação, o objetivo, o físico, o positivo, que teria m arcado a com unidade científica da Psicologia na época e que teria tam bém m otivado W atson a ex­plicitar, no m anifesto behaviorista de 1913, um a defesa veem en­te da inclusão da Psicologia com o ram o das ciências naturais.

M uito m ais ta rde , G ianotti (1983), ao descrever o positiv is­m o, explicaria que cada proposição enunciada de m aneira posi­tiva deve co rresponder a um fato, seja ele particu lar, seja un iver­sal. Todavia, não parece ser possível d ep reen d er desse tex to que C om te defendesse um em pirism o puro , ou seja, a redução de todo conhecim en to à apreensão exclusiva de fatos isolados, aliás, in terp re tação p o r vezes ainda encon trada na lite ra tu ra de Filosofia e Psicologia. A visão positiva parecia abandonar a p ro ­cura de causas rem otas para os fenôm enos, ou seja, causas su ­po stam en te localizadas em passado d is tan te eram desclassifi­cadas, em razão do fato de que não apenas tin h am m en o r p ro ­bab ilidade de ligar-se a um even to p resen te , m as 'q u e , fu n d a­m en ta lm en te , a am p litu d e tem pora l reduz ia ex trem am en te as chances de q u a lq u e r relação causa-efeito , p a rticu la rm en te no cam po da Física, da Q uím ica e de q u a isq u e r áreas que se e n ­qu ad rassem n o cam po das ciências n a tu ra is , com o agora seria o caso da Psicologia.

De o u tro lado, ainda segundo H arrell & H arrison (1938), a filosofia positiva considerava im possível a redução causal de to ­dos os fenôm enos da na tu reza a um princíp io único, tal com o D eus ou a N atureza. Ao contrário , en ten d ia que a experiência nunca m o stra m ais do que um a lim itada in terconexão en tre d e ­te rm inados fenôm enos, cada ciência ocupando-se apenas de um certo grupo deles, irredutíveis uns aos ou tro s . O "ver para p re ­

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ver”, lem a básico do positiv ism o da época, ev id en tem en te in ­fluenciou o p en sam en to psicológico q u e estava para se firm ar brevem ente.

É em parte ancorada nessa garan tia (inform ada na lite ra tu ra da ocasião) de influência com tiana no p en sam en to behaviorista que m u ito s críticos ainda hoje afirm am ser o positiv ism o a m ar­ca reg istrada do behaviorism o, considerado aqui o positiv ism o com o sinôn im o de estre iteza científica e filosófica, que lim ita e reduz q u a lq u er ob jeto de estudo . N a tu ra lm en te , em bora o p osi­tiv ism o de C om te tenha, inegavelm ente, inebriado os objetivis- tas do com eço do século XX, ao longo de noven ta anos sua in ­fluência foi bem d issipada e suas idéias fo rtem en te depuradas, de m odo que hoje, p o r exem plo, as relações de contingência já alargam g randem en te os horizon tes para que o psicólogo b eh a­viorista p rocure o u tro s fatores além dos objetivos en tre aqueles que in fluenciam na determ inação do com portam ento .

E n tre tan to , vo ltando a H arrell & H arrison (1938) e seu m odo de ver o su rg im en to do behaviorism o no com eço do sécu­lo XX, novas influências são listadas, com o a de C ourno t, que rejeitava o es tu d o do processo conscien te em troca de um a apre­ciação do que cham ava de "necessidades hum anas", lançando luzes sobre a influência dos aspectos m otivacionais no com por­tam ento , considerados m ais im p o rtan tes do que os cam inhos tam bém su p o stam en te obscuros das conjecturas sobre o que se passava naqu ilo que en ten d ia po r consciência hum ana.

N a m esm a época, Lewes, segundo Harrell & H arrison (1938), estava convencido de que a Psicologia podia reduzir todos os fe- nom enos m en ta is a correlatos orgânicos, o que era encarado, igualm ente, com o um a tendência objetiv ista , em bora invertida em term os de prioridades: W atson viria a prio rizar os eventos ex ternos com o d e te rm in an tes fundam enta is da condu ta h u m a ­na e não a subjacente neurofisiologia.

Esses nom es, en tre inúm eros o u tro s predecessores de W at­son, são alguns dos quais a influência para o aparecim ento do

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behaviorism o pode te r sido exercida de p ianeira ind ire ta . Pai­ram dúvidas, todavia, sobre q u an to W atson te ria bebido nessas fontes. Q uan tificar essa influência é im possível, m as sabe-se po r H arrell & H arrison (1938) que W atson te ria reconhecido que, na sua form ação básica, pesou m ais o e s tu d o da Filosofia do que da p rópria Psicologia, ou seja, seu traba lho de 1913 teria tido bases filosóficas a su p o rta r um a Psicologia objetiva. Com essas in fluências, d ire ta s e in d ire tas, c riou -se um esp írito de época d iverso do a té en tão v igente , q u e no final do século XIX ainda priv ilegiava os cam inhos da in trospecção . Isso se deu a p o n to de os au to re s m encionados assin a la rem q u e o su rg i­m en to do behav io rism o foi um desvio à e sq u e rd a em relação ao funcionalism o am ericano , que p o r seu tu rn o já havia sido u m a gu inada im p o rta n te em relação à in fluência do p en sa ­m en to alem ão.

U m a análise atual da m esm a qu estão (se o behaviorism o - suposição im praticável - surg isse hoje) d iferiria obviam ente, a té po rque o m odelo tradicional de W atson nasceria já sob um réqu iem d e te rm in ad o po r sua exacerbação p u ris ta q u an to à n eu tra lidade e à objetiv idade científica abso lu tas que sonhava para o estu d o do com portam en to . Porém , há que se considerar o aspecto h istórico: na época, vigoravam o m enta lism o, a co n s­ciência e a psique com o objetos de estu d o da Psicologia, bem com o a in trospecção en q u an to m étodo oficial para viabilizar o conhecim ento do in te rio r hum ano .

A inda na perspectiva de ob tenção de um q uadro que escla­reça o con tex to d e n tro do qual surg iu o m an ifesto behaviorista de 1913, devem ser lem brados m ais fatos q u e ocorreram no fim do século passado e no com eço deste . N a França, po r exem plo, P ierón, já em 1904 e anos próxim os, advogava o uso de in s tru ­m enta l técnico m ais objetivo de investigação. N o m esm o ano, no C ongresso de A rtes e C iências de Saint Louis, C attell a n u n ­ciava a necessidade de objetivação em Psicologia com o um fato devidam ente consum ado.

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A ntes deles, em 1899, W o o d w o rth já hou v era defend ido a im po rtân c ia da ex ten são dos m éto d o s ob jetivos à Psicologia, o q ue foi m ais ta rd e severam en te condenado p o r T itch en er. Em 1911 surg iu The fundamental laws o f human behavior, in fluen te publicação de M ax M eyer, freq ü en tem en te c itado com o um dos p recu rso res m ais d ire to s do behav io rism o, inclusive por Skinner. C om as c itações an te rio res , aco m p an h an d o H arrell & H arrison (em publicação de época), é possível n o ta r m ais que a in fluência pessoal e d ire ta de cada e s tu d io so em cada área (N eurologia, F isiologia, Filosofia): to d o s ju n to s foram , inci- d en ta lm en te , capazes de - co n sc ien tem en te p o r vezes e sem in tenção prec ípua , em o u tras - c riar o Zeitgeist a que já se fez alusão. W atso n te ria aparecido com o a pesso a capaz de reu n ir de form a d in âm ica - co n q u an to conviesse à ob je tiv idade p re ­tend ida no b eh av io rism o - as in fluências a té e n tão d ispersas.

H arrell & H arriso n invocam com o te s te m u n h o s da p assa ­gem n a tu ra l do funcionalism o ao b eh av io rism o ta n to G. H. M ead com o J. R. K an to r (este na su a fase inicial, an te s de se lançar de fin itiv am en te às concepções in te rb eh av io ris ta s que o celebrizaram ). Esses au to res , em b o ra tivessem seus escritos principais publicados depois do lançam ento do m anifesto beha- viorista, en u n c ia ram m u ito cedo seu reco n h ec im en to à im p o r­tância defin itiva da ob jetiv idade c ien tífica em Psicologia. Em bora fossem de difícil categorização na época (já q u e m u i­tos perm aneciam em transição de um a com posição teó rica a ou tra ), esses e o u tro s estud iosos m an tin h am de início o e n te n ­d im en to fu n c io n a lis ta dos seres vivos, q u e seriam e s tru tu ­rados com o o rgan ism os psicofísicos, em que as funções do psíquico e do físico estavam in ter-relacionadas, sem inicial­m en te u m a d iscu ssão m ais ap ro fu n d ad a so b re o e s to fo (se •gual ou d ife ren te ) de que se co nstitu iriam o psíquico e o físico nem da p o ssib ilid ad e ou im p o ss ib ilid ad e .d e d u as d im en sõ es d ivergen tes m a n te re m q u a lq u e r re lação de d ep en d ên c ia oucausalidade.

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K antor, tan to q u an to W atson , p rocedeu à separação, ou m ais c laram ente ao iso lam ento do físico para efeito de estudo científico, negligenciando o psíqu ico en ten d id o com o parte in ­te rn a e en tran h ad a , po r assim d izer (e que no fim do século XIX era ob jeto da análise psíquica, m ed ian te a in trospecção). Em o u tras palavras, p re ten d eram (K antor e W atso n ), de início, a re ­dução de todo o estofo psicológico à condição física, excluindo o psíqu ico (en tend ido no p re lim inar e rú stico sen tido de animae q ue com andaria o físico).

Q u an to à orig inalidade, indicam H arrell & H arrison que pa­recia ser tôn ica dos trabalhos de W atson , no seu início, ex trair ou to m ar em p restad as idéias de o u tro s es tu d io so s e dar a elas u m a expressão vigorosa, ao m esm o tem po que as cercava de u m a lógica fortem ente ancorada nos parâm etros de seu beha- v iorism o clássico. C om isso, H arrell & H arrison não parecem p re ten d er desm erecer W atson po r falta de orig inalidade. Ao m esm o tem po que anunciam que W atson abraçava um con jun ­to de idéias quase p ron tas e as reun ia de form a bem organizada, in form am que ele era a pessoa rea lm ente m ais indicada a fazê-lo - e o fazia com natu ra lidade , um a vez que efetivam ente com par­tilhava das citadas idéias.

C onform e a inda H arre ll & H arrison (1938), D iehl, em e n ­saio pub licado no p rim eiro q u a rto do sécu lo XX, reg is tra um m o m en to d essa passagem do funcionalism o ao behav io rism o e da co n seq ü en te in fluência n os esc rito s w a tso n ian o s. Lem ­b ran d o um a p o n ta de in fluência decisiva de W illiam Jam es na nova ab o rd ag em , d iz q u e ele era um dos líd e res e n tre os p e n ­sad o re s am erican o s da época e e n te n d ia de m o d o claro q u e o b eh av io rism o e ra tip ic a m e n te um p ro d u to am erican o e que Jam es já d iscu tia a lguns de seus fu tu ro s p re ssu p o s to s no m eio u n iv e rs itá rio da época. A ssim , em 1904, ele publicava seu co ­n hecido a rtig o Does consciousness exist?, q u e era , su g e s tiv a ­m en te , a ú ltim a negação da con sc iên c ia an te s do m an ifes to d e W atso n .

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A lém do exposto , alguns dos p roposito res das co rren tes p ragm atistas da Filosofia norte-am ericana, con tem porâneos de W atson , m an tin h am um a tendência a a rg u m en ta r que psyche e somma eram duas faces da m esm a realidade fundam ental. Em o u tras palavras, o estofo de que eram feitas as duas supostas rea­lidades seria p ra ticam en te o m esm o, ou seja, o q u e esses filó­sofos da ciência estariam propondo é que am bas as faces se com punham da m esm a realidade palpável, que poderia, com m etodologia apropriada, ficar à m ão de quem ousasse propor técnicas de investigação coeren tes com os ob jetos de pesqu isa alm ejados. De certo m odo, seus pon to s de v ista estavam em perfeita consonância com o m on ism o m ateria lis ta de W atson , em bora não fossem tão radicais no expressar-se em artigos cien­tíficos e conferências com o este o era.

C om partilhando a idéia da possib ilidade d« análise dos fe­nôm enos mentais conform e as proposições w atson ianas, já em 1911 Singer (apud H arrell & H arrison, 1938) analisava a q u e s ­tão da m en te d en tro de um a antevisão behaviorista, sem , c o n tu ­do, te r sido confirm ada pela au tobiografia de W atson um a a u ­tên tica influência sobre seus escritos posterio res.

E sabido q u e W atson , no manifesto e em algum as publica­ções iniciais - ou por desconhecer, ou po r convencer-se, p re li­m inarm ente , ou por qua lq u er o u tra razão - , v islum brava a p o s­sibilidade de que grande p arte dos fenôm enos do com porta ­m ento pudesse ser reduzida à Fisiologia. D ito de o u tra form a, o funcionam ento biológico do corpo, em ú ltim a instância, p ode­ria ser responsável p o r am pla configuração de com portam entos. Todavia, W atson , con trad ito riam en te, viria m ais ta rde a exp res­sar sua insatisfação com a h ipó tese de q u a lq u er reducionism o neurofisiológico que pudesse ex trapo lar sua proposição de com portam ento com o unidade de análise.

N o en tan to , parece te r sido m an tid a um a convicção inicial acerca de que o funcionam ento biológico do corpo, em ú ltim a analise, poderia ser responsável por am pla gam a de ações, sen ­

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do que q u an to a essa posição W atson te ria m an tido déb ito fun­dam enta l para com Loeb, D onaldson e Sherring ton . Loeb foi professor de W atso n e seu o rien tad o r nos prim eiros trabalhos, o que, por si, é fato esclarecedor da reconhecida influência. Loeb m an tin h a um m ateria lism o m ecanicista e ridicularizava as velhas concepções teleológicas de in stin to , ou seja, recusava a idéia a té certo p o n to fatalista, m as certam en te d iretiva, de in s ­tin to s decid indo a orien tação do com portam en to . De certo m odo, Loeb reduzia grande parte dos co m portam en tos h u m a­nos a um a na tu ra lidade sim plista quando lhes a tribu ía causa as­sen tad a p rio rita riam en te em feixes de reflexos, con trad ito ria ­m en te n u m a lógica de determinismo fatalista tão recusável qu an to a dos in stin to s.

A origem da concepção reflexológica de Jacques Loeb é fre­q ü en tem en te cred itada a E rnst M ach, que teria , p o rtan to e ind i­re tam en te , exercido influência sobre W atson (é certo , por ou tro lado, que S kinner declinaria sua apreciação pela obra de M ach na qu estão das relações funcionais, m as no caso de W atson fal­tam dados m ais precisos). A lém disso , e s tá fora de dúvida que o agente causal m ais im p o rtan te para o nasc im en to do behavio- rism o foi o fascínio de W atson pela experim en tação em Psicolo­gia anim al, um cam po cultivado igualm ente por Lloyd M organ e Edw ard Lee T horndike.

Foi em um cenário que re tra tava a expectativa un iform e e u nân im e de m udanças que, po r volta de 1903, W atson teria in i­ciado a form ulação de suas concepções, in icialm ente versando apenas sobre observação anim al, m as não Psicologia hum ana. Ele divulgou alguns de seus resu ltados n u m a conferência reali­zada no d ep artam en to de Psicologia da Yale U niversity, em 1908, quan d o já desposava um a form a m oderada de behavioris- m o, ou seja, a concepção de que o behaviorism o ex istiria apenas para descrever co m portam en tos (tese parcialm en te absorvida por S kinner m ais tarde, na tu ra lm en te acrescen tando os ob je ti­vos da predição e co n tro le ) .

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D epois do manifesto, o artigo segu in te de seu incip ien te m o ­vim ento foi "Im age and affection in behavior”, publicado no m esm o ano. Já em 1914 ele escrevia sobre o behaviorism o com o um princípio m etodológico definitivo e que deveria ser seguido pela com unidade científica com o nova escola psicológica.

C om o já se frisou, a consciência hum ana, e s tudada pela téc­nica da in trospecção , era na época o ob je to de es tu d o da Psicolo­gia. M uita g en te já consagrara sua posição no cenário científico e profissional fundam entando-se n esse m ecanism o de acesso às ações hum anas: a in terp re tação baseada na incursão à consciên­cia por m eio da ferram enta da introspecção. Era natu ra l, en tão , que q u a lquer um que viesse a q u eb ra r lanças con tra essa p osi­ção encon tra ria resistências. Parece ter sido o caso de W atson. Q uando pub licou o manifesto, ao m esm o tem po quç teve a trás de si um significativo n úm ero de seguidores, ob teve à sua fren te a resistência daqueles que já tinham suas posições consolidadas em função da sim patia à introspecção.

O cará ter polêm ico do behaviorism o nasce com o próprio manifesto e com eça a in tensificar-se - assim com o o n ú m ero de seguidores - com a publicação de novos artigos e a realização de debates e conferências. Ao m enos, to rna-se im praticável ficar ind iferen te à nova proposta: con tra ou a favor, todos são com pe­lidos a m anifestar-se . O s velhos psicólogos se perguntavam qual era o verdadeiro p ropósito da Psicologia, a que ela levaria, de vez que não se usaria m ais a m etodo log ia in trospeccion ista para e s tu d ar a consciência. E tam bém o q u estio n am en to sobre o que se convencionava cham ar de Psicologia anim al decorria do particu lar gosto de W atson pelos experim en tos de lab o ra tó ­rio, onde su p u n h a poder con tro lar m elh o r as variáveis em jogo. Q uanto m ais explicava tratar-se de passo prelim inar à com preen­são do com portam en to hum ano , m ais as resistências dos psicó­logos trad icionais se lhe an tepunham .

Mas W atson , por seu tu rno , tam bém perguntava, em confe­rencias, debates e artigos, qual era o verdadeiro objetivo da ve­

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lha Psicologia. Castigava du ram en te os m étodos in trospectivos, no que foi parc ia lm en te in te rp re tad o com o defensivo. O u seja, esta ria con tra-a tacando para defender-se.

O cenário do com eço do século XX, que serviu de fundo ao su rg im en to e desenvolv im ento do behaviorism o, teve ainda m ais um a característica m arcante que pode ser útil à com preen­são do ac irram en to da crítica ao longo do tem p o . O corre que os e s tu d io so s do c o m p o rtam en to an im al tin h am severas lim ita ­ções e d ificuldades para adap tar-se ao novo m odelo, recém -saí- dos do in trospeccion ism o com o eram . A m aioria, em bora agora ten tan d o u tilizar técnicas e m étodos da nova ciência, não conse­guia perm anecer no âm bito descritivo ou in te rp re ta r os re su lta ­dos de pesqu isa respeitando a lim itação dos dados. N ão conse­guia fu rtar-se a inferências feitas sem base de dados adequada. Em ou tras palavras, perm anecia, m esm o nos experim entos com anim ais, tendo dificuldade de explicitar suas descobertas em te r­m os com portam entais, sem apelar ao conceito de consciência para entendê-las; na verdade, a m aioria acabava ten tando insis­ten tem en te relacionar seus achados com os conceitos vigentes de consciência hum ana: eram sinais de um a tendência para a antro- pom orfização explicativa do com portam ento anim al.

C on tra essa situação - e aí se vai v islum brando com o é ine­ren te ao behaviorism o o cará ter polêm ico - W atson passa a re- belar-se e a rg u m en ta que o e s tu d o do co m portam en to anim al era legítim o em si próprio . P rovavelm ente o fez com o um a for­m a de defesa daquela área de estu d o s e acabou causando ex tre ­m a sensação negativa, ou seja, descen tra lizar da cena a figura do hom em e pe rm itir que a Psicologia anim al fosse relevante em si m esm a era, p ara a época, um a revolução inaceitável (com o, de resto , m u ita crítica no m esm o sen tid o a té recen tem en te era veicu lada c o n tra a E to logia an im al, ao m enos a té q u e se to ­m asse consciência da im po rtân c ia q u e e s ta adqu iriria , no m í­n im o p o r p rover inovações m etodo lóg icas valiosas para a E to ­logia h u m an a).

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A produção lite rária w atson iana prosseguia. Sua próxim a (e am biciosa) exposição sistem ática sobre o behaviorism o saiu com a edição, em 1919, dePsychologyfrom the standpoint o fa beha- viorist. In stau rou defin itivam ente a era desse m odelo com seu Behaviorism (1925), seguido de The ways ofbehaviorism (1928a) e Psychological care o f the infant and child (1928b).

Foi p o r essas publicações e sob essas condições que W atson acabou sendo considerado un an im em en te com o o fundador do behaviorism o, em bora seja consenso que as idéias da nova escola já estavam no ar m esm o antes do manifesto. A té a idéia da concei- tuação da Psicologia com o “ciência do co m portam en to h u m a ­no" já te ria sido antecipada, de certa m aneira , po r M cDougall, por volta de 1905, em bora esse au to r não p re tendesse exata­m ente o m esm o significado que o dado por W atson . T am bém ou tro au to r, P illsbury, segundo H arrell & H arrison*(1938), te ­ria usado m esm o conceito em 1911. N inguém , todavia, a té en ­tão (1913) houvera p reparado um su p o rte conceituai tão bem arranjado q u an to W atson , especialm ente exclu indo os dados e a te rm inologia in trospeccionista.

N ão é fácil traçar o que seria um po n to de v ista estável ou definitivo de W atson acerca da q u estão da consciência, já que seus escritos ap resen ta ram m udanças su tis de tem pos em te m ­pos e o fizeram especialm ente em relação a algum as questões delicadas, essa en tre elas. Em 1913, a consciência e a in tro sp ec­ção foram criticadas por serem su p o stam en te não científicas, não verificáveis, inverossím eis, intangíveis. D ian te desses a rgu ­m entos, deveriam perm anecer fora de um a ciência na tu ra l, que lidaria exclusivam ente com o observável, o palpável, o tangível. A penas o co m p o rtam en to hum ano poderia ser objeto de estudo do novo m odelo de ciência (e, ao excluir o que m ais tarde pode- n a ser conhecido com o co m portam en to im plícito e /o u eventos pnvados, W atson estava p ra ticam ente - e ap ressadam en te - ex­cluindo o conceito de mente, nesse sen tido , do behaviorism o). D ito de o u tra form a, W atson , ao excluir parte das ações h u m a­

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nas (aquelas que não "via”, não "observava”, não "tocava”), e s ­tava priv ilegiando o método acim a do objeto de estudo. W atson com o que “cortava" um a parte do próprio com portam ento : o q ue não é d ire tam en te observável não faz p arte da ciência do com portam en to . C om o se verá em o u tra parte do livro, ainda hoje a lguns "b ehav io ristas”, lam entavelm ente, p rocedem de m odo análogo: res ta m u ito m al-en tend ido sobre o que seja o behaviorism o radical e o que o d istingue de o u tras acepções, com o o behaviorism o m etodológico.

De m odo geral, ao longo do tem po W atson rejeitava o estudo da consciência, m as faltavam -lhe à obra p o stu lados c laram ente d e fin id o s so b re su a p o s tu ra teó rica . Suas co n sid e raçõ es a re sp e ito sem p re foram julgadas incom pletas, ou no m ínim o rela­tivam ente mal desenvolvidas. Com o W atson - ao que su p o sta ­m en te se sabe - tivesse se valido de m u ita s idéias já p revale­centes ao seu behaviorism o, isto é, idéias que não seriam de sua p rópria criação, m as bem aproveitadas po r ele, era de esperar que, ao te n ta r d ar corpo teórico sistem ático ao behaviorism o, encon trasse algum a dificuldade. A ssim o in form am H arrell & H arrison (1938).

W atson foi, pelas razões expostas, acusado de te r removido a consciência com o ob jeto central do e s tu d o científico, sem colo­car no m esm o lugar a lgum a form a de análise daquelas ações h u ­m anas não visíveis a o lho nu, m as de cuja ex istência e relevância n inguém duvida (o pensam en to , sen tim en to s e algum as em o ­ções m ais su tis , p o r exem plo). W atson não tin h a um a resposta clara a essas questões, em bora especulasse sobre elas. E studos m ais sérios e ap ro fundados só vieram m u ito m ais tarde, no que se poderia conso lidar com o um a "segunda fase” de Skinner (de­pois de 1945, grosso modo).

C om o form a de defesa d ian te da situação, W atson teria, ao rem over a consciência do seu sistem a, m an ifestado o desejo de "não en tra r em d isp u tas m etafísicas", o que um a vez m ais con­solidava o que viria co n stitu ir um a das d istinções fundam entais

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do seu traba lho (um behaviorism o clássico com preend ido por a lguns c ríticos com o um behav io rism o o rto d o x o com p re n ú n ­cios enfáticos de behaviorism o m etodológico) em relação ao de Skinner (o behaviorism o radical).

Por causa de sua resistência em clarificar partes significati­vas de sua posição, W atson foi po r vezes m al-en tend ido e a té ri­dicularizado: há, ainda, que se po n d erar que a guinada dada pelo behaviorism o era extrem a, considerada a época. W atson sem pre resistiu às ten tativas de retrocesso ao m odelo m entalista anterior, negando a ex istência de qua lq u er estofo não-corpóreo. Aliás, um a de suas afirm ações cen trais, subscrita po r m u ito s hom ens de ciência da época, era a de que a pesqu isa psicológica deveria lidar, em ú ltim a análise, com a descrição em te rm o s b io ­quím icos ou físico-quím icos de todos os cham ados fenôm enos na tu ra is . E ra ex a tam en te a aplicação à Psicologia do m a te ria ­lism o reduc io n is ta da ú ltim a m etade do século XIX o que estava acontecendo: u m a vez m ais, a briga em to rn o da inc lusão ou exclusão da consciência com o ob jeto de es tu d o da Psicologia era a questão .

Era difícil aceitar que as técnicas de cond ic ionam ento u sa ­das por Jo h n B roadus W atson p udessem su p lan ta r a in tro sp ec­ção com o m étodo central da Psicologia. M ais que isso, era ex­trem am en te com plexo até m esm o im aginar com o isso poderia ser feito na prática. O s reflexos condicionados, en tre tan to , já eram um fértil cam po de a tuação u m a década an tes do lança­m ento oficial do behav io rism o. Isso se dava na U nião S oviéti­ca, m as os psicó logos am ericanos p o ssu íam um rare fe ito co ­nhec im en to do an d am en to de ta is p esq u isas , espec ia lm en te em razão das d ificu ldades lingü ísticas e de com unicação e n tre os dois países.

Com certeza, Ivan Petrovich Pavlov foi a m ais im portan te fi­gura en tre os p ioneiros do condic ionam ento reflexo, m as W at­son cita te r conhecido m ais de p e rto os trabalhos de Bechterev, o que é reconhecido até po rque os behavioristas em pregavam

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m ais o cond ic ionam ento de reações m o to ras do que os reflexos salivares investigados po r Pavlov. Todavia, essa asserção parece válida apenas an tes do reconhecim ento ao traba lho de Skinner; este , ce rtam en te , foi quem efetivam ente dem arcou a divisão o p eran te -resp o n d en te e conhecia de perto a obra de Pavlov.

W atson , en tre tan to , m esm o to m ando conhecim en to dela, negava a lin h am en to com a escola reflexológica de Bechterev, assim com o negara an tes a linham en to com o objetiv ism o a le­mão: am bos estariam , segundo ele, sob o dom ín io do parale lis­m o psicofísico, o que certam en te contrariava sua posição, a de um m onism o m ateria lis ta que, todavia, excluía eventos priva­dos (aos quais se a tribu ía , en tão , a designação de consciência).

Q uan to à qu estão canden te dos in s tin to s hum anos, bem ta rd e W atson escreveu re je itando sua ex istência defin itivam en­te. O behaviorism o inicial que p ropôs não lidava bem com o as­su n to , em bora o u tro s au to res já tivessem duvidado de sua n e ­cessidade ou de sua p rópria ex istência duas décadas an tes do lançam ento do manifesto. Loeb já havia reduzido os in stin to s a m eros feixes de reflexos. C ondillac, quan d o p e rgun tado sobre um a definição de in stin to s , te ria respondido: "L’in stinc t n ’est r ien ”. M as te ria sido D unlap, cerca de 1919, com seu Are there any instincts?, quem te ria iniciado um verdadeiro trabalho a re s­peito en tre os psicólogos. N os seus escritos posterio res, W at­son passou a condenar veem en tem en te - a seu estilo - o uso de in s tin to s com o explicação do com portam en to . A penas a p artir daí passou a se r m ais radical e geral: denunciava a herança de capacidades, tendências, tem peram en tos, caracteres m en ta is e o u tro s conceitos que considerava g rosseiras superstições.

Um o u tro conceito im portan te , que pode ser citado po r p ro ­duz ir a té hoje en ten d im en to polêm ico, é a noção w atson iana de pensam en to rep resen tad o pela fala subvocal. Esse conceito, tam bém freq ü en tem en te m encionado com o sendo de au to ria de W atson e encontrado não raro nos tex tos de h istó ria da Psico­logia, parece ser de duvidosa autoria. N o International Congress

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ofPsychology (1920), W atson se defendia dos seus críticos afir­m ando que, se alguém tivesse reg istrado essa posição com o pensam en to seu, esta ria enganado. A firm ava que só poderia te r d ito isso com o m era retórica para um a clarificação conceituai a estudantes, para explicar que o pensar ocorreria “com o se” e sti­véssem os falando subvocalm ente . Em esc rito s d iversos, com o Psychology from the standpoint o f a behaviorist (1919), ele te n ta explicar o m ecan ism o final do co m p o rtam en to de pensar com o incluindo perform ance de m usculaturas corporais, m as ressal­vando que o processo de pensar, obviam ente, não se restringia à laringe, o que constitu ía um en tend im ento tendencioso.

A ntes, em Behavior, an introduction to Comparative Psychology(1914), ele chegara a listar não m enos do que nove tipos de in s ­tin to , o q u e m o s tra as m udanças de p o s tu ra que in te rm ite n te ­m en te te ria ado tado . T ida com o p ro ced en te essa inform ação, alguns su p õ em possível que W atso n , m esm o que em algum a conferência ou aula, ten h a deixado escapar u m a convicção in i­cial (depois corrigida) acerca da qu estão da fala subvocal.

Por con ta das possíveis influências que W atson te ria recebi­do, alguns críticos colocaram em dúvida sua orig inalidade em relação a m u ito s conceitos. E n tre tan to , essa é um a considera­ção que deve se r cau te losam ente analisada. E ncontra-se na lite ­ratura que os escrito res an tiin stin tiv is tas incluíam Loeb, D un- lap e M iiller e que estes teriam lançado as sem en tes da teo ria m uscular do p ensam en to , an tes que W atson escrevesse sobre a fala subvocal. A resp o sta condicionada, todavia, em erg iu nos la­boratórios de B echterev e Pavlov. A descrença na in trospecção como técnica científica já fora apon tada p o r C om te, Bechterev e tan tos ou tros. C oube a W atson o m érito de reu n ir ap rop riada­m ente, sob a ó tica do behaviorism o, tan to s indicativos de que m udanças significativas eram im inentes.

Q uan to às fon tes em que bebeu W atson , parece que a lite ra ­tu ra apon ta D unlap com o quem talvez ten h a sido um daqueles cientistas com quem W atson teria m aio r débito . C on tribu iu

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para o behaviorism o com a análise de q u estõ es com o a das im a­gens, lim itações q u an to à in trospecção e in stin to s , além da te o ­ria m o to ra da linguagem .

D unlap e W atson trabalharam ju n to s na Johns H opkins U niversity e provavelm ente p erm u taram influências. D unlap, a té po r essa influência, chegou a ser considerado com o "pai espiritual" do behaviorism o. Mas com o originalidade de idéias, em bora im portan te , não é suficiente para o desenvolvim ento científico, W atso n é reconhecido tam bém por o u tro tipo de co­laboração: seu traba lho experim ental em laborató rio foi ex ten ­so, bem com o a sistem atização das idéias que - se recebeu de o u tro s com o enfatizam H arrell & H arrison - ap resen tou com o postu lados básicos do behaviorism o de 1913 com reconhecível com petência d ian te das contingências da época.

R eitera-se que W atson , ao longo de toda sua con tu rbada carreira, sofreu m u itas críticas. Para a lgum as delas, com o as de D unlap e Kuo, a respeito de sua p re lim inar lista de in stin to s (que depois aboliu), de início deu de om bros, m as aos poucos foi incorporando. E com o aconteceu em seu Behavior, an intro- duction to Comparative Psychology (1914), em relação à aceitação do m étodo pavloviano: ele o rejeitou , m as em 1916 passou a aceitar as reações condicionadas no seu sistem a. C om a Psica­nálise, q u e sem pre negou, houve apenas am ainam ento : a p r in ­cípio, chegou a considerá-la puro voduísmo ou "feitiçaria m édica”, para m ais ta rd e ab randar as considerações e - m esm o rejeitando fo rtem en te a teo ria acerca da estru tu ração da personalidade em Id, Ego e Superego - ainda colocar fortes objeções, a té po rque o behaviorism o e a Psicanálise sem pre ap resen ta ram profundas d iferenças teóricas. A pesar dessas divergências, as co n trib u i­ções à Psicologia dadas pela Psicanálise certam en te devem ser p ro n tam en te reconhecidas po r q u a lq u er behaviorista. Aliás, a im portância dos desenvolv im entos psicanalíticos independe desse reconhec im en to particu lar para e s ta r garantida: m ais que isso, te s tem u n h am a seu favor a im ensa lite ra tu ra e a influência

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prática q u e p e rd u ra a té ho je e n tre os psicólogos de to d o o m undo . P aradoxalm en te , n e s ta ob ra o le ito r não en co n tra refe­rências su fic ien tes e um a discussão m ais am pla de to d a a d i­m ensão da Psicanálise, apesar da cen tra lidade da q uestão da consciência. N aturalm ente , isso se dá po r duas razões principais: por um lado, em decorrência dos lim ites im postos a um tex to in trodu tó rio ; po r ou tro , pelo fato de que a contraposição beha- v iorism o-Psicanálise certam en te m ereceria ocupar sozinha um estudo particular. Mais adiante, neste livro, ao m enos se m encio­na a d ivergência Freud-Skinner acerca dos eventos causais das ações hum anas. U m com eço sugerido ao le ito r in te ressado no assun to pode dar-se a p a rtir da le itu ra de um tex to de Skinner (1954) criticando conceitos psicanalíticos. B asicam ente, por um a questão cronológica (Freud viveu de 1856 a 1939), regis­tre-se que a crítica freudiana acerca do behaviorism o dá-se em d i­reção à versão w atsoniana, um a vez que Skinner, em bora tivesse com eçado a publicar em 1930, configuraria de m odo m ais sólido seu behaviorism o radical a p artir do tex to de 1945 (Terms).

R etom ando W atson , tam bém sua personalidade foi objeto de análise na lite ra tu ra . A lguns o consideravam um revoltado que m an tin h a um m ovim ento de um só hom em . Ele te ria m an i­festado, a princíp io , o desejo de segu ir a carreira de c ien tis ta na área m édica, o que, even tualm ente , poderia explicar um pouco sua tendência pre lim inar aos escritos com to m fisiológico. A tri- buiu-se a W atson , tam bém , um certo " tem p eram en to ob je ti­vo”, considerando-o hom em de a titu d es p ráticas e d ire tas, m e­nos que conjecturais. Todavia, ju lgaram -no po r vezes sim plista diante de algum as questões, especialm ente a da consciência h u ­mana, para todos tão com plexa e tão polêm ica sem pre, m as e s ­pecialm ente inacessível no com eço do século XX.

Além disso, W atson era considerado com o in transigen te em relação a algum as querelas, com o a da influência da h e red i­tariedade no com portam ento . Recebeu tam bém sérias re s tr i­ções por suas profecias exageradas e seus apelos às "glórias da

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redenção através do recondicionam ento" (apud H arrell & Harri- son, 1938, p .388). Essas convicções exacerbadas teriam excluí­do W atson m u ito cedo da vida acadêm ica, para além do inciden­tal rom ance com Rosalie Raynor, reprovado pela m oral acadê­m ica da época. A lém disso , acusavam -no de m an te r algum as h i­pó teses não verificadas e m esm o inverificáveis, apenas pelo fato de serem su p o stam en te com patíveis com algum as convicções pessoais que m an tin h a obcecadam ente.

Essa sua obsessão fazia o behaviorism o soar com o a p ropo­sição de um a vida nova para os norte-am ericanos, ansiosos por m udanças dem ocráticas: W atson , por in term éd io do condicio­n am en to e do recondicionam ento , pensava poder m u d ar os h o ­m ens e suas relações in terpessoais, o que ating iria até m esm o o se to r econôm ico do país. O auge dessa perspectiva aconteceu por volta de 1929, quando a crise econôm ica era a m aior da h is ­tória: o son h o não se realizou e a A m érica sofreu pesadas p er­das, apesar do behaviorism o, que nada consegu iu realizar para m u d ar a d ireção dos fatos.

Q uando H arrell & H arrison escreveram seu artigo (1938), já anunciavam - a té pelas razões agora expostas - a derrocada defin itiva do behaviorism o e a desilusão dos psicólogos da épo­ca com suas proposições. M ais que isso, perm aneciam todos com um grande n ú m ero de indagações acerca das ações h u m a­nas que não haviam ainda sido respond idas pelo em p reen d i­m en to w atson iano . N ão se davam conta, m as viria no m esm o ano um a im p o rtan te publicação, cujo teo r só seria valorizado m ais tarde: The behavior o f organisms: an experimental analysis (1938), de B urrhus Frederic Skinner.

A su sp e ita de H arrell & H arrison acerca da queda behavio- ris ta no final dos anos 1930 não se confirm ou e o behaviorism o, apesar das lim itações da p roposta w atson iana, con tinuou flo­rescendo. Sofreu, porém , p rofundas m udanças ao longo de sua evolução. Essas m odificações são freq ü en tem en te m u ito sutis, m as o tom ar conhecim en to dos principais p o stu lados w atsonia-

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nos perm ite com preendê-las um pouco. M arx & Hillix (1976), au to res de bem -cuidado trabalho de descrição e abreviada análi­se do desenvolv im ento h istórico das escolas psicológicas, for­necem q u a tro p ressu p o sto s p rim ários que em oldurariam o q u a ­dro teórico behav io rista clássico, ou seja: 1. e lem en tos de re s­posta com põem o com portam ento , que pode ser analisado por m étodos científicos, n a tu ra is e objetivos; 2. o co m portam en to é redutível a p rocessos físico-quím icos, ou seja, com põe-se de se ­creções g landulares e m ovim entos m usculares; 3. o com porta ­m ento é m an tid o p o r rigoroso d eterm in ism o , isto é, toda res­posta ocorre em função de algum estím u lo an teceden te; 4. os p rocessos conscien tes, caso existam , não podem ser cientifica­m ente estudados.

É so b re tu d o com base nesses p re ssu p o s to s que M arx & Hillix (1976) d ep reendem da posição de W atson um a tendência associacionista que incorpora os conceitos de freqüência e re- centicidade. N ão te ria se sensib ilizado com a lei do efeito de Thorndike, já que voltava sua atenção m ais aos m ecanism os an ­tecedentes de estim ulação que produziriam respostas do que às conseqüências destas. N esse sen tido , em te rm os de paradigm a, W atson esta ria m u ito m ais próxim o de Pavlov e Bechterev, en ­fatizando e reconhecendo o que em p arte se to rn a ria o condicio­nam ento clássico, n u m a perspectiva associacionista de grande parcela da aprendizagem . Todavia, em bora a influência de T horndike sobre o behaviorism o não se tivesse procedido tan to via W atson , certam en te ela aconteceu por m eio de o u tro s a u to ­res, com o Skinner, T olm an e Hull. A Psicologia sistem ática de estim ulo-reação de T hornd ike (m ais con tem porâneo de W at­son que de Skinner, pois viveu en tre 1874 e 1949) rep resen tou um a aproxim ação às idéias originais do associacionism o inglês. Sua lei do efeito, criticada parcialm ente por suas referências ao binôm io agradável-desagradável das conseqüências, será base de im portan tes d iscussões nas versões neobehav io ristas, com o se Verá em o u tra p arte deste livro.

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C onfirm an d o a au toconfiança de W atso n a tr ib u íd a por H arrell & H arrison , tem -se em Behaviorism (1925, p. 13) talvez seu m ais fo rte exem plo de co nvencim en to da efetiv idade do co n d ic io n am en to d ian te da com plex idade do co m p o rtam en to hum ano :

U m dos prob lem as do behav io rism o é o que poderíam os cha­

m ar de am p litu d e cada vez m aio r de e stím u lo s a que um indivíduo

responde. De fato, isso é tão no tável que, à p rim eira vista, podería ­

m os duv idar da form ulação que ap resen tam o s an tes , a saber, de

que a re sp o sta pode se r prev ista . Se observarm os o c resc im en to e o

desenvo lv im en to do com p o rtam en to no se r hu m an o , verificare­

m os que, en q u an to um a grande q u an tid ad e de e stím u lo s provoca

re sp o stas no recém -nascido , m u ito s o u tro s estím u lo s não o fazem . Em to d o caso, não provocam a m esm a re sp o sta que susc itarão

m ais ta rde . P or exem plo , não o b te rem o s a re sp o sta esperada e não

irem os m u ito longe se m o stra rm o s a um bebê recém -nascido um

lápis, um a folha de papel ou u m a p a rtitu ra im pressa de um a sin fo ­

n ia de B eethoven...

D ado que o cond ic ionam en to tem lugar m u ito cedo na in fân ­

cia, o p ro b lem a de p rever um a d e te rm in ad a re sp o s ta será su m a­

m en te difícil para o behaviorista .

M as a declaração m ais co n tu n d en te de W atson , que M arx e H illix a trib u em a u m a conferência, ao passo que o u tro s acham que era parte do tex to original de Behaviorism, indo além do que p erm item os fatos, seria de 1925 ou 1926, conform e a fonte. A inda hoje suas afirm ações segu in tes chocam algum as pessoas (especialm ente as que pensam que elas são m an tidas pelo beha­v iorism o atual):

G ostaria de avançar m ais um passo e s ta n o ite e dizer: dêem - m e u m a dú z ia de crianças saudáveis, bem fo rm adas, e um am bien­

te para criá-las q u e eu p ró p rio especificarei e eu g a ran to que, to m an d o q u a lq u e r delas ao acaso, p repará-la-ei para to rnar-se qu a lq u e r tipo de especia lista que eu selecione - um m édico, advo­

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gado, a rtis ta , com ercian te e, sim , a té um p ed in te ou ladrão, in d e ­p en d en te m en te de seus ta len to s , pendores , tendênc ias, ap tidões, vocações e raça de seus ancestra is ... E favor n o ta r que, q u an d o esse ex p erim en to for realizado, e sta re i au to rizad o a especificar o m odo com o elas se rão criadas e o tip o de m u n d o em que terão que v i­

ver... (apud M arx & Hillix, 1976, p .244-5)

N a verdade, a crítica sobreveio sob re tu d o porque W atson foi tom ado ao pé da letra. N ão lhe abrigaram a m etáfora usada para m o stra r a im portância das circunstâncias, do con tex to que cerca os com portam entos. As reações foram inúm eras e v io len­tas, especialm en te po r conta do que m ais ta rde se configuraria com o as clássicas acusações de objetificação e m anipulação de li­berada do com portam ento .

Ao ten ta r m o stra r o valor das condições am bien tais que cer­cam o com portam en to , W atson acabou desp ertan d o a idéia de um m ago p re ten sio so que poderia m an ipu la r com o qu isesse toda a sociedade. Recebeu a crítica de sim plista , por um a facção, bem com o a de m anipulador, por ou tra . O ac irram ento da c ríti­ca a que se a lud iu p re lim inarm ente , po rtan to , fica aqui d em o n s­trada in totum.

Um ano an tes dessa conferência, W atson (1925, p .258) já escrevera em seu Behaviorism um trecho que com binava com o gosto do am ericano m édio da época, o que um a vez m ais m o s­trava a oscilação en tre apoio e rejeição de que ele e sua linha teórica desfru tavam . Afirm ava, deixando en trever o u tóp ico que há em todo estu d io so da Psicologia:

P enso que o behaviorism o estabelece as bases para u m a ex is­tência m ais sã. Deve ser um a ciência que p repara h om ens e m u lh e ­

res para a com preensão dos p rincíp ios fundam en ta is de seu p ró ­

prio co m p o rtam en to . Deve fazer que h o m en s e m u lh e res desejem

reo rgan izar su as p róp rias vidas e, especia lm en te , p reparar-se para criar seu s filhos de um m odo m ais saudável. G ostaria de te r tem po para descrever is to de um m odo m ais com pleto , para re tra ta r-lh e a

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espécie de ind iv íduo m arav ilhoso e fecundo que faríam os de toda e qu a lq u e r criança saudável, se apenas lhe perm itíssem o s que se

m odelasse ap ro p riad am en te a si m esm a e, depois, lhe p rop ic iásse­m os um un iverso que não estivesse ag rilhoado ao folclore lendário

de acon tec im en tos de m ilhares de anos atrás; que não seja esto rv a­do por u m a vergonhosa h is tó ria política; livre dos co stu m es e con ­venções im becis que não têm , em si m esm os, q u a lq u e r espécie de significação, m as que cercam o ind iv íduo com o um apertado c in tu ­rão de aço.

A qui se m o stra m ais veem ente a revolta de W atson para com as eno rm es resistências que encon trava en tre os que p re ­tend iam m an te r as tradições, em todos os se to res, e que acaba­vam transferindo essa resistência para a área da Psicologia. D ei­xar os velhos m étodos era, para m uitos, u m pesadelo: se a A m é­rica estava vivendo bem assim , por que m udar?

Com o já se disse, o caráter polêm ico do behaviorism o jam ais se d issipou . Em todas as épocas, m an teve-se o m esm o tipo de d iscussão n u m nível de análise no qual o que está fundam en­ta lm en te em jogo é um a q u estão m u ito cara à hum anidade: a qu estão m ilenar que envolve a díade m en te-corpo e que foi as­sum ida com essa denom inação específica apenas em 1640 por D escartes.

Com o in te resse desta d iscussão v inculada à sugestão final de algum as indicações passíveis de reorien tação de tendências do behaviorism o radical, a p a rtir de um a análise h istó rica da p o ­lêm ica e da crítica, a revisão das origens do parad igm a que aqui se faz é considerada essencial. Tal revisão contex tualizada p e r­m ite m aior clareza às a tuais objeções, po rque por vezes assegu ­ra iden tificar sua origem . A ssegura ainda, para as finalidades do ensaio, v islum brar quais restrições já foram respondidas, quais nunca foram sequer tocadas, quais podem resu lta r em efetivas sugestões de m udanças teóricas e e s tru tu ra is no p róprio b eh a­viorism o, quais im plicam m udanças necessárias no m odo de apresen tação do con teúdo da abordagem em tex tos didáticos,

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na lite ra tu ra científica ou no m eio acadêm ico em geral. Por e s ­sas razões, pelo m enos, em bora se re itere o elogio ao tex to de H arrell & H arrison , é im portan te conhecer o u tro s críticos.

B urnham (1968), po r exem plo, resum e dados im p o rtan tes acerca do advento do behaviorism o e analisa seu significado h is tó rico para a Psicologia. R etom a as possíveis in fluências de o u tro s e s tu d io so s sobre a escola w a tso n ian a . Q u an to a Loeb, inform a que o relacionam ento deste com W atson foi p ro fissio ­na lm en te in tenso , m as que as idéias que são a tribu ídas orig ina­riam ente ao velho p rofessor na verdade são sim ilares apenas na retórica.

Em janeiro de 1914, W atson escreveu ao professor Loeb fri­sando diferenças en tre os dois pon tos de vista: "Eu s in to que o seu esquem a é um pouco sim ples tal com o hoje é colocado” . E teria acrescentado: "N ão vejo q u a lquer o u tro m odo de analisar o fenôm eno do com portam ento , exceto áte considerá-lo com o sim ples reflexos. E stou certo de que o nosso pon to de vista é d i­feren te” (apud B urnham , 1968, p. 147). W atson , d iferen tem ente de Loeb, acreditava que era possível investigar unidades com ple­xas de com portam ento sem a necessidade de descobrir seus equivalentes físicos ou quím icos im ediatam ente (ainda que pare­cesse pensar que, em últim a análise, essa era um a possibilidade).

No caso de D unlap, este te ria escrito na sua au tobiografia reclam ando créd ito pela fundação do behaviorism o. D izia que essa escola era, na verdade, um a versão w atson iana ex trem ada de suas próprias idéias, que teriam influenciado p ro fundam en te J. B. W atson . D unlap argum entava te r sido quem dirig iu a a ten- Çao de W atson ao estu d o do co m portam en to com o tal.

Segundo B urnham , é verdade que os dois hom ens (D unlap e W atson) não apenas trabalharam ju n to s , m as eram com patíveis em term os de personalidade. As asserções de D unlap têm peso Porque na autobiografia de W atson este endossa os reclam os Por crédito do prim eiro . E m bora algum a sim ilaridade de idéias realm ente exista, há dificuldades sérias q u an to à sistem atização

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de postu lados - o que não foi feito po r D unlap - que d ire tam en ­te pudesse fazer desem bocar seu trabalho in tenc iona lm en te no que foi depois cham ado de behaviorism o.

O u tro dado im p o rtan te é o que diz respeito à da ta de criação do behaviorism o: B urnham (1968) explica por que ele não veio defin itivam ente à to n a em 1909, com a publicação de “A po in t o f view in C om parative Psychology”. É que W atson não teria, en tão , resolvido com pletam en te a q uestão dos processos m en ­tais superio res. Já em 1912, quando das conferências, e em 1913, q u ando do manifesto, ele teria desenvolvido um m odelo defin ido de estím u lo -resp o sta para os m ecanism os da fala im ­plícita e da m em ória associativa.

Seria essa contribuição de W atson um dos e lem entos básicos do paradigm a, tão básico que, segundo Burnham , o behavioris­m o não teria existido sem ela. Mas a evidência m ais im portan te indicada p o r B u rn h am q u a n to à su p o sição de q u e o b eh av io ­rism o não te ria sido possível an tes de 1913 seria a repercussão na co m un idade psicológica de en tão . S egundo ele, os p ro n u n ­c iam en tos de W atso n ao longo de vários anos haviam criado en tre seus colegas um a exaltação de ân im os de grande d im en ­são e que se m axim izou nas suas conferências no inverno de 1912-1913, p roduzindo reações v iolentas.

E valioso, neste ponto , colocar-se a salvo, com Kuhn (1975), sobre a tam b ém polêm ica q u estão de q u ando e com o um a nova descoberta científica passa rea lm en te a existir: se no m om en to em que ela ecoa na com unidade científica e na sociedade ou se no m o m en to em que o desenvolv im ento teó rico e experim ental se registra. K uhn sugere que a significância real de um a inova­ção científica reside no efeito que ela p roduz sobre a audiência. D esse p o n to de v ista , o b eh av io rism o foi c riado e fe tiv am en te em 1912-1913 p o r um clim a psico lóg ico e x is te n te n a ocasião , em q u e foi o p o r tu n o o trab a lh o de W atso n , ao final tra n sp o s ­to p ara o p apel no seu em b lem ático "P sychology as th e beha- v io ris t view s it" .

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E ntre tan to , a inda com K uhn, há que se separar concreta- m en te revolução científica e o que ele cham a de ciência norm al, ou seja, m esm o nas m udanças m ais su tis há o desenvolv im ento científico e, assim , o período de transição de um a posição teó ri­ca a o u tra pode ser efetivam ente o m o m en to de inauguração de um a nova posição. N esse caso, a fermentação do behaviorism o já ex istiria havia m ais tem po, desde o final do século an terio r, quando o clam or pela objetividade e as dúvidas acerca da in tro s ­pecção passaram a ser m ais freqüentes.

Todavia, para os objetivos deste ensaio , não é o m ais im p o r­tan te a localização tem poral exata do nascedouro do behav io ris­mo. Seu aparecim ento deve te r tid o o con tex to especial que já se descreveu e é exatam en te essa situação que pode lançar luzes à com preensão do po rquê de te r nascido já sob o $igno da c o n tro ­vérsia e da polêm ica, tem as que polarizam o in teresse final d es­te estudo.

1

W atson , em in en tem en te polêm ico em v irtude de todas as suas d issensões, m as ind iscu tivelm ente o in iciador de um a re ­volução no p en sam en to psicológico, ganha a tu a lm en te re strita biografia en tre os enciclopedistas brasile iros e de boa parte do m undo. E citado, apenas, com o um psicólogo norte-am ericano nascido em Greenville, em 9.1 .1878 e desaparecido em N ova York em 25.11 .1958, tendo estu d ad o na U niversidade de Fur- m an, em sua cidade natal, e concluído seu d o u to rado na U niver­sidade de Chicago. A Johns H opkins U niversity aparece com o o lugar onde lecionou e citam -se "p rob lem as p articu la res” com o causa de seu abandono da Psicologia e da sua especialidade (tra ­ta-se do casam ento com Rosalie Raynor, já apon tado n es te tex ­to) . Aparece não m ais que com o um dos fundadores do behavio- n sm o ("um a psicologia do com portam ento”), doutrina para a qual teria con tribu ído tan to no cam po teórico com o no prático, com experim entos sobre a psicologia anim al e a psicologia infantil. ^ C om o trabalho an te rio r de destaq u e à investida no cam po

que m ais ta rde acabou denom inado de behaviorism o, cita-se

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o envolv im ento de W atson com sua tese, in titu lad a de Animal education, defendida em 1903. De todo m odo, W atson passa às enciclopédias do re s tan te do m undo , com natu ra l exceção para as norte-am ericanas, s im p lesm en te com o um dos psicólogos preocupados com o com portam ento . Seu ex tenso trabalho , por vezes analisado de form a reducion ista e superficial, em geral no in teresse sin te tizad o r das ed ito ras de enciclopédias, acaba nos verbetes p erdendo (pela ausência de alguns de ta lhes h istóricos fundam enta is) to d a sua plasticidade e con tex tualizada riqueza, o que não significa elid ir da retórica w atso n ian a a condição de p lenam en te criticável.

C om o se vê pelo exposto , a ex istência do behaviorism o não se deve exclusivam ente à habilidade de qu em prim eiro o veicu­lou oficialm ente, J. B. W atson . Essa abordagem é resu ltan te de várias influências, que precisam ser descritas e ao m enos su p e r­fic ia lm ente ana lisadas, para q u e po ssam p rover m ateria l que to rn e com preensível o te rnário crítico p ro p o s to no livro. Sem ao m enos u m a com preensão m ais clara d esse panoram a, que p o r si já é com plexo, to rn a -se im praticável desvelar alguns m asca ram en to s que cobrem a verd ad e ira face dos fatos. D es­vendar esses fa tos a juda a asseg u ra r as razões essencia is do p ercu rso da crítica e p e rm ite m e lh o r aná lise de ten d ên c ias com base em u m a efetiva consideração h is tó rica do perfil a tu a l­m en te v igente .

Q u em descreve su c in tam en te algum as das in fluências que te ria p ro d u zid o o behav io rism o são os h is to riad o re s da Psico­logia M arx & H illix (1976), q u e con d en sam em trê s as p rin c i­pais fon tes a p a r tir das quais o b eh av io rism o w a tso n ian o se desenvolveu . São elas a tradição filosófica do objetivismo psicoló­gico, o florescimento da Psicologia animal e a lg u n s aspectos do fu n ­cionalismo.

A trad ição do objetiv ism o, com o já se descreveu pelas c ita­ções de H arrell & H arrison (1938), tem em La M ettrie fonte sig­nificativa, ce rtam en te com a cu lm inância no trabalho de C om te,

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fundador do positiv ism o, que enfatizava a busca do positum, o conhecim ento indiscutível. Paradoxalm ente , em bora seja hoje certo que a ob tenção de conhecim ento de tal o rdem é sem pre discutível, p o r exem plo, em razão de que as técnicas em uso ge­ralm ente não evidenciam com pleta objetividade, desde C om te (ca. 1830) houve um a rejeição à introspecção, por depender de um a consciência privada, porque, “para poder observar, nosso in telecto deveria fazer um a pausa em sua atividade e, no e n ta n ­to, é essa m esm a atividade que querem os observar”. A diante, prossegue: "Se não puderm os e fe tuar a pausa, não poderem os observar; se a efetuarm os, nada haverá para observar. O s resu l­tados de sem elh an te m étodo estão em proporção ao seu ab su r­do" (apud M arx & Hillix, 1976, p .221). +

Ficava aí reg istrada a efetiva rejeição de C om te à in tro sp ec­ção, de resto u m a influência decisiva - q u an to ao objetiv ism o - à poste rio r posição de W atson . E n tenda-se que a p a rtir daí tam ­bém resu lta rá a crítica ao behaviorism o de que se em basa na remoção da m en te po r W atson , em seu behaviorism o o rtodoxo- m etodológico: ao ten ta r isen ta r de subjetiv idade o es tu d o da Psicologia, rem ove a auto-observação, n u m certo sen tido elim i­nando com isso a possib ilidade do olhar-para-dentro, com o na introspecção.

T am bém esse fato é um a das variáveis que passará a influ ir na existência da crítica conhecida m ais tarde com o o m ito da neu­tralidade científica. O u seja, a crítica de que, por m ais cuidado que se possa em pregar para que um a observação, um proced i­m ento de co leta - e, m ais ainda, um a in terp re tação de dados - sejam isen tos, e s te s estão fadados a te r a contam inação da perso­nalidade do cien tista , nesse sen tido jam ais se podendo a ting ir qualquer neu tra lidade . N os cap ítu los referen tes à análise das criticas, essas qu estõ es serão re tom adas com o ap ro fu n d am en ­to necessário.

A segunda fon te explícita de influência foi o flo rescim ento da Psicologia anim al. E sta se to rn o u não só possível com o efeti-

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vãm ente viável com o advento da teo ria evolucionária de C har­les D arw in. Inform am M arx & H illix (1976, p .221):

A Psicologia animal nasceu mais ou menos diretamente da teo­ria evolucionária. A teoria de Darwin exerceu uma grande in­fluência entre os intelectuais britânicos, mas suscitou também uma forte oposição, sobretudo no clero e entre os teólogos. Uma objeção primordial foi ao pressuposto darwiniano da continuidade mental entre o homem e os animais inferiores. A resposta mais efi­caz a essa objeção era demonstrar tal continuidade mental, de um modo algo semelhante às provas que Darwin já apresentara para demonstrar a continuidade física. Essa demonstração necessitava de uma Psicologia animal. Portanto, um modo de efetuar a defesa da teoria de Darwin consistiu em mostrar a presença da mente em or­ganismos infra-humanos (contrariamente à tradição cartesiana) e expor a sua continuidade com a mente humana, [grifos nossos]

Fica aí c laram en te dem o n strad a a perspectiva em que a Psi­cologia anim al se fortalece, com apoio da herança evolucionária darw iniana. Para acrescen tar m ais um capítu lo à construção da h is tó ria polêm ica do behaviorism o, não é difícil identificar essa situação com o a o rig inadora da crítica à idéia da con tinu idade en tre as espécies. O behaviorism o é acusado de privilegiar um continuísmo in terespécies, p a rticu la rm en te no sen tido filogené- tico, possib ilidade da qual m u ito s críticos d iscordam , alegando ab so lu ta d ico tom ia en tre o racional (hum ano) e o irracional (subum ano). A questão , obviam ente, te rá análise m ais vertical nos cap ítu los su b seqüen tes.

C om o - su p o stam en te , a acom panhar D arw in (Expression of emotions in man and animais, 1872) - há um a longa h is tó ria de evolução filogenética que m o stra as m udanças de com porta­m en to ao longo do tem po, um eventual elo en tre hom ens e an i­m ais tam bém ex istiria no que concerne à in teligência. É assim que se com eça a falar em um a "in teligência an im al”, provavel­m en te responsável pela im plantação de um cará ter an tropo-

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m orfizador hoje tão g randem ente reprovado no estu d o da Psi­cologia com parada.

T am bém é época do su rg im en to de Animal intelligence (com R om anes, em 1886) e vários o u tro s com pêndios sequiosos por dem o n stra r um a con tinu idade efetiva en tre hom ens e anim ais em todos os sen tidos. A antropom orfização, a trib u in d o capaci­dades h u m an as ao com portam en to anim al, gerou a necessidade de testagem em pírica, laboratorial, da Psicologia anim al, que de resto con tribu iu decisivam ente para o desenvolv im ento de um a m etodologia experim ental, po ste rio rm en te im prescindível no trabalho de W atson e, m ais tarde, no de Skinner, em sua A náli­se Experim ental do C om portam ento .

Foi no con tex to da Psicologia anim al que se inseíriu Jacques Loeb, um biólogo alem ão que foi para os E stados U nidos em 1891. Loeb, de certo m odo, influenciou a Psicojogia com porta- m ental, m esm o que ind ire tam en te , no sen tid o da adoção do pressuposto do de te rm in ism o científico. M ais que isso, quase de um certo fatalism o (um pressuposto que nunca ex istiu no be­haviorism o, m as que po r vezes foi assim in te rp re tad o pela c ríti­ca) na determ inação de algum as respostas.

A errônea in terp re tação procedeu da defesa geral que Loeb fez do conceito de tropismo, en tend ido com o um a reação força­da, inevitável, en tre os anim ais. N esse sen tido , o trop ism o é um a resposta que ocorre d ire tam en te em função de um e s tím u ­lo, to rnando-se inevitável, fatal. Loeb, aí e rroneam en te , su s te n ­tava que todo com portam en to das form as an im ais inferiores ocorria por tro p ism o e, m ais generalizadam ente, acreditava que alguns co m portam en tos das form as superiores tam bém ocorriam dessa m aneira. Para exem plificar o trop ism o, tem os o m ovi­m ento a p a ren tem en te m ecânico e irresistíve l de certo s in se to s em direção à luz (fo to tro p ism o positivo ), m esm o que o vôo d i­reto para a cham a d e s tru a o an im al. N esse p articu la r, o tro p is ­m o seria um a form a de co m p o rtam en to in ev itavelm en te m al- adaptativa.

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A defesa de Loeb era, ev iden tem ente , u m a posição que in ­vertia o an tropom orfism o. D ito de o u tro m odo, procurava en ­co n tra r no co m p o rtam en to hum an o iguais reações às en co n tra ­das em o u tro s anim ais. De certa m aneira , no fim do tú n e l da h istó ria , foi um a sem en te que m ais ta rde eclodiu na tendência à generalização m al elaborada de resu ltados de certos experim en­tos de labora tó rio para o co m p o rtam en to hum ano . Em bora todo o cu idado que alguns psicólogos (Skinner, po r exem plo) tiveram com a eventual extrapolação de resu ltados do labora tó ­rio anim al para a vida real (questão do artificial versus natural) e do experim en to com o u tro s anim ais para seres h u m an o s (ques­tão da igualdade versus desigualdade e con tinu idade versus des- con tinu idade en tre h um anos e os dem ais an im ais), alguns se descu idaram ao publicar e defender ex trapolações precipitadas, o que será analisado adiante.

U m a terceira fon te de influência que levou ao aparecim ento do behaviorism o de W atson foi o funcionalism o. N as duas d é ­cadas que an tecederam o manifesto de W atson , a lguns funciona- listas com eçaram a revelar p ropensões à nova linha. Um caso t í ­pico é o de Angell, possivelm ente um pseudobehav io rista , que te ria d ito em reun ião da APA em 1930 (apud M arx & Hillix, 1976, p .223):

Mas, em minha opinião, é perfeitamente possível que o termo "consciência" caia num desuso tão completo quanto o termo “alma", no que diz respeito a todos os propósitos cotidianos da Psicologia. Isso não significará o desaparecimento dos fenômenos que chamamos "conscientes" mas, outrossim, que o interesse da Psicologia deslocar-se-á para outros fenômenos ou fases dos mes­mos, para os quais um termo como “comportamento" proporcio­naria uma indicação mais útil.

Q uem resum iria com propriedade o resu ltado do conjunto de influências que culm inaram com o aparecim ento do behavio­rism o seria E. G. Boring (1950, p.642), um psicólogo que dedicou grande parte de sua carreira profissional à h istória da Psicologia:

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A América tinha reagido à tutela alemã e fizera-se funcionalis- ta... O behaviorismo, simplesmente, tomou do funcionalismo uma parte, mas não toda a tradição parental... Os tempos estavam pro­pícios à maior objetividade em Psicologia e Watson acabou sendo o agente dos tempos.

O advento do behaviorism o, po r te r v indo oficialm ente p e ­las m ãos de W atson , acabou n a tu ra lm en te trazendo m uito de sua form ação pessoal. W atson - e aqui se re ite ra a inform ação de H arrell & H arrison (1938, p.274) - esclarecia em 1936:

Aproveitei algo da escola britânica de filósofos - principal­mente de Hume, um pouco de Locke, um pouco de Hartley, nada de Kant e, por estranho que pareça, ainda muito m^nos de John Dewey. Nunca entendi sobre o que é que ele estava então falando e, infelizmente para mim, continuo sem saber.

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C om o se no ta , W atson era rea lm en te m u ito du ro em seus p ronunciam en tos. N ão foi d iferen te na sua cu rta carreira acadê­m ica (1908 a 1920), da qual se desligou po r p roblem as abso lu ­tam en te pessoais já referidos: d ivorciando-se, casou-se com Ro- salie Raynor, com ele co -au to ra de um conhecido trabalho expe­rim ental de condic ionam ento e extinção do m edo em crianças. D esgostoso com a publicidade sensacionalista em to rn o do caso, W atson desligou-se (após pressão instituc ional) da cá te­d ra e perm aneceu grande parte do re s tan te de sua vida ativa li­gado ao ram o da publicidade, em bora na velhice ten h a se reco­lh ido à vida no cam po. Sua crítica ácida perm aneceu nos escri­tos posterio res, com o em 1929, sobre o que julgava um a im ­prescindível tarefa da Psicologia en q u an to disciplina:

A Psicologia teve uma partida em falso com W u n d t... porque não enterrou o seu passado. Tratou de apegar-se à tradição com uma das mãos, enquanto, com a outra, puxava para o lado da ciên­cia. Antes que a Astronomia pudesse progredir, foi preciso enter­rar a Astrologia; a Neurologia teve de enterrar a Frenologia; e a

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Química teve de enterrar a Alquimia. Mas as Ciências Sociais, a Psicologia, a Sociologia, as Ciências Políticas e a Economia, não quiseram enterrar os seus “bruxos e curandeiros". (Watson & MacDougall, 1929, p.3)

Sobre a q u es tão m ente-corpo , ainda hoje polêm ica central en tre o behaviorism o e seus oposito res, W atson (1913b, p. 174) p ronunc iou -se assim :

Será postergado, em Psicologia, um mundo de puro psiquis­mo, para usar o termo de Yerkes? Confesso que não sei. Os planos que eu mais defendo para a Psicologia levam, praticamente, a igno­rar a consciência, no sentido em que o termo é usado hoje pelos psicólogos. Virtualmente, neguei que esse reino do psíquico esteja aberto à investigação experimental. De momento, não desejo ir mais além, pois cairia, inevitavelmente, na metafísica. Se ao beha- viorista for concedido o direito de usar a consciência, tal como os outros cientistas naturais a empregam - isto é, sem fazer da cons­ciência um objeto especial de observação -, terá sido concedido tudo o que a minha tese requer.

Esse ignorar a consciência, anunciado por W atson , era com ­p artilhado po r o u tro s behavioristas, com o W eiss (1917). T ra ta ­va-se de considerar a consciência (en tend ida pela crítica com o a to ta lidade de sensações, im agens e afetos) com o experiência única e pessoal, sem qualquer valor de dado científico. Só pos­su ía valor científico o que pudesse de algum a form a ser enuncia­do em te rm o s de fatos físicos: os correla tos mentais careciam de estofo que lhes perm itisse esse status.

Foi essa posição, que coincidia com a d isposição de elim inar a m en te com o ob je to de estudo , que fez que m ais à fren te fosse considerada a possib ilidade de um behaviorism o m etodológico. A liás, com ela fica o behaviorista em posição algo em baraçosa, po rque precisa ad m itir que a experiência su p o stam en te consta­tada pela consciência existe, m as de um m odo im preciso, não

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sendo suscetível de ser analisada por in s tru m en to s científicos. D ito de o u tro m odo, seria com o ad m itir a ex istência da m en te com o fenôm eno, m as não adm iti-la com o ob jeto de estu d o por parte de um a ciência do com portam en to , devido ao seu estofo não-físico e sua conseqüen te inacessibilidade.

O u tra possib ilidade freq ü en tem en te debatida, e com a qual W atson m ais sim patizaria , negava exp lic itam ente a existência de quaisquer correlatos conscien tes para as inform ações in tro s ­pectivas. A essa conclusão ele efetivam ente chega em 1929 (W atson & M cDougall, p. 14-6, passim ):

A consciência nunca foi vista, tocada, cheirada ou movida. É uma suposição pura e simples, tão indemonstrável quanto o velho conceito de alma... Assim, aquele que introduzir a consciência, quer como epifenômeno ou como uma força ativa que interfere nos acontecimentos físicos e químicos do corpo, fá-lo-á por causa de suas inclinações espiritualistas e vitalistas. O behaviorista não pode encontrar a consciência no tubo de ensaio de sua ciência. NIo encontra, em parte alguma, provas de uma abordagem da consciência, nem mesmo de uma tão convincente quanto a que foi descrita por William James. Ele encontrará, entretanto, provas convincentes de uma abordagem de comportamento em contínua expansão.

C orroborando W atson na rejeição à consciência e à m ente, mas com ênfase acen tuada no fisiológico, Lashley (1923, p.352) afirmava que:

Os atributos da mente, tal como definíveis com base em pro­vas introspectivas, são precisamente os atributos da complexa or­ganização fisiológica do corpo humano; e um enunciado desta últi­ma constitui uma descrição da consciência tão completa e adequa­da quanto a que seria possível, ao que parece, por qualquer tipo de análise introspectiva.

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Para M arx & H illix (1976), essa afirm ação de Lashley, red u ­zindo sistem aticam en te a m en te a funções fisiológicas, rep re­sen ta defin itivam ente um a posição behav io rista radical. N este ponto , é im p o rtan te que o le ito r fique a ten to à re tom ada da d is­cussão do significado dos term os metodológico e radical, quando aplicados ao behaviorism o, que podem te r sido d iferen tes em épocas d iferen tes e assum idos po r au to res d iversos (Skinner, p or exem plo, m esm o não com partilhando a posição de Lashley, adm ite com o filosofia p ream bu lar à A nálise Experim ental do C om p o rtam en to o que cham a de behaviorism o radical). O as­sunto , m ais um a tonificar o caráter polêm ico em jogo, será re to ­m ado quando da análise das críticas, nos capítulos subseqüentes deste estudo. Para o m om ento , é suficiente com preender que o sen tido a tribu ído às convicções radicais de Lashley indica intransi­gência, enquan to o sen tido de radical no behaviorism o skinneria- no equivale à atribuição de im portância ao com portam ento como raiz para a com preensão das ações hum anas e à rejeição aos even­tos m entais enquan to causas do com portam ento .

Sobre a qu estão da hered itariedade tam bém sem pre pairou polêm ica en tre behavioristas e seus críticos. D esde W atson , o prob lem a de quanto os caracteres hereditários podem influenciar um repertório atual de com portam ento é um a questão candente e que m erece atenção. Existem , ainda hoje, aqueles que estabele­cem duvidosos lim ites para a im portância da hered itariedade assegurando algo com o "c inqüen ta por cen to para o m eio, cin­q ü en ta por cen to para a hered ita riedade” . C ertam en te , essa não é um a solução parcim oniosa. M ais ainda, p rovavelm ente essa não é um a posição verdadeira, em bora possa se r um a posição que p re ten d e co n ten ta r ina tistas e am b ien ta listas. O problem a, todavia, é m u ito m ais com plexo e tem con to rn o s que não pas­sam pelo po rcen tua l que cada con jun to de variáveis pode ter na d e term inação do com portam ento .

Ao rechaçar in stin to s (nos seus escritos posterio res a 1913 )

e privilegiar a influência do m eio, W atson desde cedo não exclu iu

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(como às vezes se escreve) a im portância relativa das e s tru tu ra s herdadas. D eu-lhes im portância e vinculou-as a de term inadas características oferecidas pelo m eio. C om o é visível nas suas afirm ações segu in tes, citadas p o rM arx & H illix (1976, p .244), tom adas de W atson (1926a, p .2):

O behaviorista não diria: “Ele herdou a capacidade ou talento de seu pai para ser um grande esgrimista". O behaviorista dirá: "Esta criança tem, certamente, a compleição esguia de seu pai, o mesmo tipo de olhos, a mesma agilidade... Também tem a complei­ção de um esgrimista". E dirá ainda: "... e seu pai tem pelo filho um grande carinho. Colocou-lhe na mão uma pequena espada, quando ele tinha apenas um ano de idade, e em todos os passeios que dão juntos fala-lhe sobre a arte de esgrimir, ataque e defesa, o código do duelo e coisas parecidas”. Um certo tipo de estrutura mais um adestramento desde muito cedo - inclinação - explicam o desem­penho do adulto.

C ertam en te , a defesa w atson iana da prevalência do am bien ­te gerou reações diversas. A lguns a en tenderam , pela in tran s i­gência de W atson em publicações e conferências, com o sendo um a proposição exclusivista, que elim inava o hered itário de consideração. O u tro s en tenderam sim p lesm en te com o exacer­bado o valor dado ao am biente, supondo que com am biente, meio, W atson estivesse se referindo u n icam en te ao m eio físico externo ao organ ism o sob análise. N a verdade, o conceito de am biente precisava de m elhor definição, que viria com Skinner, anos m ais tarde, inclu indo as condições físicas, quím icas, b io ló ­gicas e, sob re tudo , sociais que com poriam o con tex to externo e interno ao organism o que se com porta. N os capítulos seguintes as criticas e a posição behaviorista serão retom adas com detalhes.

U m a questão a que ninguém conseguiu colocar te rm o e a que todo c ien tis ta concorre foi tam bém pun g en te no início do seculoXX, após o lançam ento do artigo de W atson (1913). Tra- ta ' se d ° problem a do de te rm in ism o científico associado à q u e s­

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tão da responsab ilidade pessoal pelas ações praticadas e, ade­m ais, à su a fon te causal. Essa q u estão é conhecida com o o p ro ­blem a do livre-arbítrio.

Essa divergência provém de longa da ta na ciência, m u ito an ­tes do lançam ento do manifesto. Todavia, o behaviorism o havia que ado ta r um a posição a respeito . T endo em v ista sua ten d ên ­cia à de term inação n a tu ra l do co m p o rtam en to por eventos que em ú ltim a instância se reduziriam ao físico, o behaviorism o aca­bou, com W atson , se opondo se riam en te à Teologia e a alguns ram os da Filosofia, en tão enfa ticam ente defensores do li­vre-arbítrio . Para M arx & H illix (1976, p .245),

W atson opôs-se fortemente ao pressuposto de que os indiví­duos são pessoalmente responsáveis por suas ações, no sentido do livre-arbítrio. As implicações dessa convicção têm particular im­portância em relação a problemas sociais como a criminalidade. O behaviorista aceitava a punição dos criminosos como parte de um sistema geral de controle social, mas não na base de uma teoria da retribuição. Em vez de um tratamento retributivo pelo qual um in­divíduo desviado da lei tem que pagar por suas violações, Watson defendia um tratamento baseado na necessidade de reeducação do indivíduo. Admitia que, se os criminosos não pudessem ser recu­perados para a sociedade - isto é, se não pudesse ser realizado um satisfatório recondicionamento -, então eles deviam ser mantidos sob reclusão ou destruídos. O próprio Watson desenvolveu um programa visionário de progresso social - uma ética experimental, por assim dizer, baseada no seu behaviorismo.

A ética w a tson iana não seria - se esse con fron to tivesse sido possível - m ais ta rd e aprovada po r Skinner, defensor da reedu­cação, m as co n trá rio fron ta lm en te à efetiv idade da punição (conform e d em o n stro u em inúm eros artigos, q u ando argum en­tava pela recuperação espontânea deco rren te do período de ausência m o m en tân ea do evento aversivo e p o r um a série de o u tro s in co n v en ien tes). M as essa era um a qu estão ético-técnica que o tem po e as pesqu isas resolveriam . O corolário m ais con­

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tu n d en te da posição w atson iana era o de que, se q u a lquer p ro ­gram a de reeducação não fosse possível, ele ev en tualm en te con­cordaria com a eliminação do infrator; em o u tras palavras, com a pena de m o rte hoje v igente em alguns lugares do m undo civili­zado. N ão é difícil v islum brar qu an to um a posição com o essa pode te r rom pido relações en tre o que se cham ou de ciência n a ­tural e a Teologia, no com eço do século XX.

O utro en ten d im en to dúb io do d e te rm in ism o é o de que ele representaria, even tualm ente , a afirm ação de que todo com por­tam ento é fa ta lm ente produzido, ou seja, " te ria que acontecer assim ". Esse não foi ce rtam en te o sen tid o atribu ído por W at- son, nem por T olm an, nem por Hull, nem por Skinner à questão do determ in ism o: sua afirm ação é apenas a de qije todo com ­portam ento possu i um a causa, conhecida ou não, identificável ou não pelas técnicas e proced im entos usuais, m as certam en te existente. C onquan to a causa não pudesse sei’ por vezes, clara­m ente identificada, a aceitação do dete rm in ism o postou-se como p ressuposto , aceito a priori, segundo o qual a todo efeito corresponde um a causa, o co m portam en to en tend ido aqui como efeito, em bora se saiba que ele é, nu m a prim eira ap rox i­mação, tam bém en ten d id o com o causa (evento an teceden te a outro com portam ento , po r exem plo). Talvez a questão do de­term inism o e do livre-arbítrio seja um a das m ais im portan tes, polêmicas e in te ressan tes jam ais postas ao behaviorism o. Por isso m esm o, seus desdobram en tos são sem pre re tom ados nas reavaliações que se faz do behaviorism o pós-sk inneriano .

Os ataques da crítica desfechados con tra o behaviorism o clássico atingem pra ticam en te todos os aspectos do sistem a. Uma questão con tu n d en te , por exem plo, foi a inescrupu losa - segundo os críticos de W atson - utilização que fez dos dados re ­sultantes de rela tos verbais. W oodw orth (1924, p .84), por exemplo, teria condenado W atson p o r ocupar-se dos fenôm e-

° S ^ as P°s-im agens den tro do que p ro p u n h a ser um quadro ri­gorosam ente objetivo:

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Os "fenômenos" que Watson acha tão interessantes e de valor no experimento de pós-imagem são as próprias pós-imagens e não os movimentos vocais do sujeito. Podemos concluir que o relato verbal não é um método behaviorista e que o seu uso por Watson é, praticamente, uma confissão da derrota do behaviorismo meto­dológico.

N um franco debate , inserido em The battle o f behaviorism (W atson & M cD ougall, 1929, p .63), este ú ltim o au to r faz aber­tas críticas ao parad igm a behaviorista, c itando exem plos do que foi denom inado po r M arx & Hillix com o requ in tadas situações do cotid iano. Segue, a p ropósito , um trecho:

Chego a este salão e vejo um homem sobre uma plataforma, arranhando as tripas de um gato com os pêlos do rabo de um cava­lo e, sentados silenciosamente, em atitude de atenção estática, es­tão milhares de pessoas que, daí a pouco, irrompem em aplausos desenfreados. Como é que o behaviorista explicará esses estra­nhos incidentes? Como explicará o fato de que as vibrações emiti­das pelas tripas de um gato estimulam esses milhares de pessoas a permanecerem em absoluto silêncio e imobilidade? E também o fato de que a cessação do estímulo parece agir como estímulo para a mais frenética atividade? O senso comum e a Psicologia concor­dam em aceitar a explicação de que o auditório escutava a música com intenso prazer e deu rédea solta à sua gratidão e admiração pelo artista, com gritos e palmas. Mas o behaviorista nada sabe so­bre prazer e dor, sobre admiração e gratidão. Ele relegou todas es­sas "entidades metafísicas” à lata do lixo e tem de procurar alguma outra explicação. Deixemos que a procure. Isso o manterá inofen­sivamente ocupado durante mais alguns séculos.

W atson defendia-se explicando que M cD ougall precisava ocupar-se de dados e não a rg u m en tar em cim a da m etafísica: a qu estão era u sa r ou não a consciência, um a dádiva há m uito tem po cara à Psicologia, com o dado básico para a in terpretação do com portam ento .

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Mas os problem as da in trospecção e da aceitação ou não re ­su ltan tes de re la tos verbais são indissociáveis da q uestão da consciência e, po r si sós, não se separam do âm ago da crítica ao behaviorism o. N ovo exem plo do q u an to foi estra teg icam en te prejudicial ao p rogram a behaviorista a adm issão (ainda que parcial) do rela to verbal foi dado po r Boring (1950). Esse au to r inform a que, q u ando W atson fez a concessão de aceitar parcial­m ente os re la tos verbais, criou um dilem a in te rn o para o b eh a­

viorismo.W atson adm itia o relato verbal quando se referisse a um fe­

nôm eno verificável (por exem plo, quando consistia de um en u n ­ciado referente à d istinção en tre tons diferentes), m as o rejeitava quando se referisse à natureza de qualquer sen tim en to , conside­rado de conteúdo não palpável. A q uestão dos re latos verbais perm anece hoje com o fon te de dúvidas. H á tratíalhos recen tes, de behavioristas, u tilizando-se de rela tos verbais, na m aioria das opo rtun idades sendo im praticável a ob tenção do co rresp o n ­dente físico do fenôm eno. A ex tensão da crítica será um a vez mais avaliada nos cap ítu los finais deste livro.

O utra queixa freqüen te con tra o behaviorism o inicial de W atson é a de que, em grande parte, ele nada m ais fez do que traduzir para um a linguagem objetiva os m esm os conceitos que supunha poderem ser pejo rativam ente cham ados de mentalistas. Embora ten h a sido atacado q u an to a isso, pouco eco se p ro d u ­ziu, um a vez que W atso n en ten d ia que essas traduções não p re ­tendiam ser um a explicação do com portam en to , m as prec isa­vam ser feitas com o form a de estabelec im ento de um pon to de partida para a definição dos fenôm enos sob estu d o e das técn i­cas e m étodos u tilizados.

A lguns o u tro s críticos se queixavam de que, se W atson por Um *a<̂ ° estava p re ten d en d o ser pu ram en te objetivo, por o u tro acabava em seus tex tos anunciando conclusões que tinham um a ponta de inspiração subjetiva, pois não apresen tava dados que am parassem tais afirm ações. Isso foi rebatido por M arx &

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H illix (1976, p .254), que julgavam im prescindível adm itir a possib ilidade de que cada estud io so não faça tudo , não seja in ­d iscu tive lm ente coerente. R eiterando, to rn a-se claro que W at- son fez ten ta tivas para observar respostas im plícitas, u tilizan ­do-se de m ecan ism os ind iretos, com o os m ovim entos da língua, boca e faringe e a lguns po tenciais m usculares. As ten ta tivas de relacionar fenôm enos físicos periféricos e respostas im plícitas não eram , na prática, suficientes para suporta r as afirm ações de W atson vislum brando o que ele acreditava acontecer no in terior do indivíduo. Para os au to res m encionados,

Sem dúvida, Watson, em seu entusiasmo impaciente por che­gar a uma nova Psicologia, inteiramente objetiva, foi além dos da­dos disponíveis ao extrair conclusões e não iniciou toda a pesquisa necessária para corroborar seus pressupostos. Entretanto, não existe uma necessária incompatibilidade entre a suposição de ten­dências implícitas de comportamento e a manutenção de um qua­dro sistemático e experimental estritamente objetivo, (p.254-5)

O c ien tis ta experim en ta l, e n q u an to c ien tis ta , obriga-se a

se a te r aos dados. T odavia, com o pesso a em in e n te m e n te liga­da a um cam po in fin itam en te m ais am plo do que q u a isquer m eras equações e co n ju n to s de dados, co m u m en te alça vôos teó ricos e acaba, aí m esm o, consegu indo to rn a r fértil su a obra. Q u an d o S k inner, no seu "A re th eo rie s o f lea rn ing necessary?"(1950), rejeitava a construção de teo rias (certo tipo de teorias), ele não negava su a p rópria tendência a ser ou to rnar-se um teo- rizador, p o r exem plo, do d e lineam en to de cu ltu ras. Entendia com o próprio da n a tu reza hum ana con jec tu rar acerca da reali­dade. N o en tan to , considerava im próprio o teo rizar com base em m ecanism os proven ien tes de o u tro estofo que não o da mes­ma realidade acerca da qual se conjectura. C erto d eta lh a m en to

das convicções sk innerianas acerca do papel da teo ria e da p e s ­

quisa na A nálise do C om portam en to pode ser en co n tra d o em

artigo deste au to r (C arrara, 1994).

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A lém da explicação de que o con jec tu rar sobre os fenôm e­nos não era falar no vazio e fazer inferências indevidas, W atson aduzia que falava de eventos po tencia lm en te observáveis, ou seja, deduzia dos fatos já observados sobre algum fenôm eno a m aior ou m en o r probabilidade de que perm anecessem ou não observáveis no fu turo .

Por certo , não foi un icam ente - em bora o ten h a sido p red o ­m inan tem en te - a figura de W atson a c o n stru ir e perm itir a po- lem ização em to rn o do behaviorism o. A inda que não in tencio ­nalm ente, diversos au to res de trabalhos significativos tiveram participação efetiva no que poderia ap rop riadam en te ser d en o ­m inado, com o o foi po r W atson e M cD ougall (1929), “a bata lha do behav io rism o”. U m breve resum o dos principais partic ipan ­tes desse cenário h istó rico é ap resen tado po r M arx e H illix e consta do quad ro 1, em adaptação feita ao final deste capítulo. A ntes de encerrá-lo , supondo que apon tou suficiente núm ero de inform ações para um balanço da crítica que rondou o lança­m ento das bases behavioristas, no com eço do século XX, é valio­so recolocar dois m om en tos da fala de W atson sobre sua forte convicção nos postu lados da obra que teve o m érito de conden­sar/constru ir. A p rim eira citação, a seguir, é de 1913 (p. 175):

C oncluindo, suponho que devo confessar uma profunda pre­dileção por essas questões. Dediquei cerca de doze anos à experi­mentação com anim ais. E natural que tenha chegado a uma posi­ção teórica em harmonia com meu trabalho experim ental. Possi­velm ente, enfrentei-m e com um espantalho e estive lutando com ele. Pode não haver uma absoluta harmonia entre a posição aqui

delineada e a Psicologia funcional. Entretanto, estou inclinado a pensar que as duas posições não podem m esm o ser facilm ente har­monizadas. Fora de dúvida, a posição que defendo é bastante frágil e P°de ser atacada de m uitos ângulos. Mas, ainda adm itindo tudo isso, continuo acreditando que as considerações por mim apresen­tadas devem ter uma grande influência sobre o tipo de Psicologia que será desenvolvido no futuro.

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V inte e três anos depois, W atson p ra ticam en te reed ita sua p o stu ra em relação ao behaviorism o e suas relações com ou tras áreas do conhecim ento . Em 1936 afirm aria, conform e rep ro d u ­zido por M arx & H illix (1976, p .281):

Continuo acreditando, tão firmemente como sempre, na posi­ção behaviorista geral que adotei abertamente em 1912. Por estra­nho que pareça, também penso que ela provocou um temporário abrandamento da marcha da Psicologia, porque os professores mais velhos não a aceitaram sinceramente e, por conseguinte, não puderam apresentá-la de forma convincente em suas aulas. Os jo­vens não receberam uma apresentação justa e por isso não envere­daram com franco entusiasmo por uma carreira behaviorista; mas, de qualquer modo, já não aceitam mais os ensinamentos de James, Titchener e Angell. Creio, sinceramente, que a Psicologia tem sido estéril por muitos anos. Precisamos de professores mais jovens que ensinem a Psicologia objetiva, sem referência à mitologia que foi inculcada à grande maioria dos psicólogos atuais. Quando che­gar esse dia, a Psicologia terá um renascimento maior do que ocor­reu na ciência ao findar a Idade Média. Creio tão firmemente como sempre no futuro do behaviorismo - um behaviorismo companhei­ro da Zoologia, da Fisiologia, da Psiquiatria e da Físico-Química.

C om W atson , re tom a-se na origem a qu estão da construção behaviorista , cujas influências e nom es destacados pode-se acom panhar pelo q uad ro 1. N ele, é possível visualizar as in­fluências m ais com uns que recebeu o behaviorism o, num a divi­são d idaticam en te sim plificada e adap tada a p a rtir de Marx & Hillix. C itam -se trê s fon tes de influência sobre o behaviorism o, que n a tu ra lm e n te passaram , conform e a época e os au tores, por longas e p ro fundas m udanças, o que se pode dep reender do corpo do tex to d este livro.

De q u a lq u er m aneira, influ íram decisivam ente na edifica­ção do behaviorism o: 1. a qu estão da evolução tal com o explicada por C harles D arw in e a Psicologia anim al, da m aneira ressaltada

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por M organ e Loeb e enfaticam ente abraçada por W atson em re ­lação ao com portam en to , respeitadas as diferenças de p re ssu ­postos; 2. a qu estão da am pliação das explicações m ecanicistas, na verdade um a adaptação que m ais especificam ente co rres­ponde a um determinismo científico (que atribu i a todo fenôm eno com portam ental um a lei natural de ocorrência, ou seja, um a cau­sa natu ral), desem bocando, com m aior correção, num a postu ra m uito d iferen te do m ecanicism o de que in ic ialm ente se revestiu a abordagem estím u lo -resp o sta w atsoniana; 3. a questão filosó­fica do positiv ism o, cuja influência foi m ais significativa na b u s­ca do objetivismo psicológico, por m eio do “ver para p rever”, lem a que sofreu m u itas adaptações com o p róp rio desenvolvi­m ento da m etodologia de pesqu isa na Psicologia em geral.

É im portan te n o ta r que, em bora no quadro 1 os au to res e s ­tejam colocados com o que num a linha re ta qufe poderia ser in ­terpretada com o u m a influência linear d ire ta , nem sem pre esse foi o caso. Por vezes, os con tinuadores, por exem plo, tiveram um cam po m ais am plo de influência recebida e um p roced im en­to diferente e m ais am plo de p rocessam en to de inform ação que o fundador. E o típico exem plo das p ro fundas e, po r vezes, re le­gadas diferenças en tre W atson e Skinner.

Quadro 1 - Im p o rtan tes personalidades do behaviorism o

Influências h istó ricas Behavioristas- __ Pioneiros F undadores C ontinuadores

Evolução e co m portam en to anim alC. Darwin (1809-1882)

J. M. CattelColúmbia(1860-1944)

J. B. WatsonHopkins(1878-1958)

A. P. Weiss Ohio State (1879-1931)

C. L. Morgan (1852-1936)

E. L. Thorndike (1874-1949)

W. S. HunterBrown(1880-1953)

J- Loeb (1859-1924)

K. S. LashleyChicago(1890-1958)

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C ontinuação

Influências h istóricas B ehavioristasP ioneiros Fundadores C ontinuadoresAm Dliação das explicações m ecanicistas

Descartes(1596-1650)

I. P. PavlovS.Petersburgo(1849-1936)

E. C. TolmanCalifórnia(1886-1961)

La Mettrie (1709-1756)

V. M. BechterevS.Petersburgo(1857-1927)

E. R. GuthrieWashington(1886-1959)

Cabanis(1757-1808)

J. R. AngellChicago(1869-1949)

Positivismo A. Comte (1798-1857)

M. MeyerMissouri(1873-1967)

C. L. Hull Yale(1884-1952)

B. F. SkinnerHarvard(1904-1990)

Adaptado de Marx & Hillix, 1976, p.218.

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Hull e Tolman: discrepâncias proeminentes ao behaviorismo watsoniano

3

C ertam ente, W atson foi o segundo m ais im pdrtante behavio- rista envolvido n o cenário po lêm ico o b je to de análise d este trabalho. O prim eiro , pela a tualidade, pela influência e pela ex­tensão de seu behaviorism o, segu ram en te foi Skinner. E n tre ­tanto, ou tras figuras in term ediaram o espaço W atson-S k inner com influência significativa na construção e reconstrução h is tó ­rica da abordagem , e justificam te r ao m enos b revem ente d es­critas suas posições e trabalhos. Ressalve-se, ainda, que a d i­m ensão m en o r do cap ítu lo aqui conferido à ob ra desses au to res não m an tém correspondência com a quan tid ad e e qualidade da produção destes, especialm ente nos casos de H ull e Tolm an. A sua época, tiveram grande significação no cenário da Psicologia e certam ente a análise do que fizeram escapa às lim itadas possib i­lidades desta breve descrição e discussão.

T olm an (1886-1959), po r exem plo, d en tro de sua co n tu rb a ­da carreira acadêm ica, teve sua obra-p rim a publicada em 1932 (Purposive behavior in animais and man), preocupando-se em carac­terizar um tip o d ife ren te de behav io rism o, em q u e a in tenção ,

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o propósito , era peça im p o rtan te para a com preensão do com ­po rtam en to . De p ron to , pode-se identificar clara discrepância em relação à posição w atsoniana, na qual a in tencionalidade é pre lim inar e p reven tivam ente rejeitada.

A teo ria de T olm an é, segundo au to res com o Sahakian (1980), um a abordagem essencia lm ente cognitiva e às vezes é encon trada com denom inações d is tin tas, com o T eoria de Sinal- G estalt, T eoria da A prendizagem Social, T eoria da Expectativa e T eoria do Sinal-Significado. O sistem a repousa sobre um tipo de behaviorism o que não se aproxim a nem do de W atson nem do de Skinner, p o rque inclui p ropósito s cognitivos e explica­ções fisiológicas do com portam en to . D efende que os organ is­m os perseguem finalidades, o que envolve a colocação da dico­tom ia in tenção-objetivo com o e lem en to cen tral à com preensão do desenvo lv im ento com portam enta l hum ano .

Com T olm an, ter-se-ia a im agem de que os o rganism os ela­borariam mapas cognitivos e se o rien tariam po r eles em direção a seus objetivos. Talvez por essa razão, pelo m enos, sua corren te foi d enom inada tam b ém de T eoria C ognitiva de C am po.

E ntre os behavioristas, talvez tenha sido Tolm an o que ob te­ve um a receptividade m aior en tre os não-behavioristas em todos os tem pos (nem por isso deixando de inclu ir-se em polêm icas), p rovavelm ente devido à sua posição de ad m itir a in tencionali­dade e se r m aleável à influência cognitivista. T an to que, quando os e s tud iosos da h is tó ria dos sistem as ou da h is tó ria da Psicolo­gia o classificam , acabam tendo dificuldades: deve ser colocado en tre os behav io ristas que receberam no tada influência cogniti­vista ou o inverso: tra ta -se de um caso de cognitiv ista que rece­beu influência behaviorista?

A dificuldade se acen tua e se identifica pelo p róprio term o- chave behaviorismo cognitivo, pelo qual sua teo ria é conhecida. E as controvérsias crescem a p a rtir daí: ex iste rea lm en te essa pos­sibilidade, is to é, a de um behaviorism o cognitivo, m ais tarde encon trado com o au to -in titu lação em alguns au to res m ais re­centes? (Cf. análises em Banaco, 1997.)

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O próprio T olm an, em 1922 (p.44), destacava em im p o rtan ­te artigo, escrito para a Psychological Review, algum as das carac­terísticas de sua obra. Dizia, na abertura:

A idéia do behaviorismo é muito ampla. Nos diversos quadran­tes os seus dialetos, se não sua substância, espalham-se rapida­mente. Por quê? Em primeiro lugar, pode-se constatar que, desde a época dos experimentos de Ebbinghaus sobre memória, a inade­quação dos métodos meramente introspectivos tornou-se mais e mais óbvia. E o trabalho recente em testes mentais e Psicologia animal veio a fortalecer essa convicção. Em segundo lugar... o uso do método introspectivo para análise do conteúdo privado cons­ciente tem sido envolto em dificuldades de ordem lógica... Em ter­ceiro lugar, o método introspectivo é cansativo na prática e gera re­sultados infrutíferos. São esses três fatores, portanto, que parecem ser primariamente responsáveis pela disseminação e pela atração produzida pelas idéias behavioristas.

1

Com facilidade, depreende-se de T olm an a rejeição à m oeda tradicional da in trospecção e sua defesa de m étodos m ais ob je ti­vos de coleta de inform ações. M as não se deve incid ir na ilusão de que a in terp re tação dos resu ltados siga o m esm o cam inho de W atson, ou seja, que procure a ausência de inferências que su ­perem os dados frios. T olm an p ropugnaria - ver-se-á m ais à frente - pela in tencionalidade das ações hum anas, de m odo que algum objetivo prévio estaria subjacen te ao com portam ento , o que o aproxim ava da visão cognitiv ista em Psicologia.

Mas T olm an segue pergun tando , no m esm o artigo (1922), sobre o que o behaviorista tem a oferecer em substitu ição à in ­trospecção. E, inicialm ente, clam a po r um re to rno a W atson , que ele denom ina arqu ibehav io rista e a quem atribu i a concep­ção de que o behaviorism o é o estu d o da relação estím ulo-res- P°sta, tal com o quando se tom a um estím u lo e se prediz um aresPosta ou se to m a de te rm inada resp o sta e se infere um e s tí­mulo.

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Diz em d e te rm in ad o trecho: “M uito bem! M as com o fazer para defin ir es tím u lo e resposta?”. E se rep o rta de novo a W at­son, in fo rm ando que este responderia que estím u los são coisas ta is com o raios de luz de d iferen tes in tensidades, sons de dife­ren tes am plitudes, partícu las de gases de d iferen tes tam anhos, que afetam as m em branas de nosso nariz etc., e que respostas são coisas tais com o contrações m usculares e secreções glandula­res. Isso é o que d iria W atson. Mas T olm an se diz atôn ito diante do que leu em Psychology from the standpoint o f a behaviorist, no seu capítulo final, quando W atson (1919, p.239) assegura que

É perfeitamente possível para o estudioso do comportamen­to ignorar inteiramente o sistema nervoso simpático e as glându­las e músculos lisos ou mesmo o sistema nervoso central como um todo, e passar a escrever um estudo compreensível e acurado das emoções.

Ao que T olm an (1922, p .45), de novo, pergunta:

Mas como é possível fazê-lo, se, por definição, o comporta­mento é matéria de "contrações musculares" e "percepções glan­dulares"? Como, com base nessa definição, pode uma pessoa igno­rante de glândulas e músculos escrever um tratado behaviorista sobre qualquer coisa? Que ele possa escrever um tratado nós ad­mitimos. A única diferença entre o nosso ponto de vista e o de Watson é que nós insistimos em um tratado considerando verda­deiramente comportamentos e que um tratado levando em conta apenas contrações musculares e secreções glandulares não seria behaviorismo, mas mera Fisiologia.

A o ap o n tar a su p o sta incoerência de W atson (afirm ar que o co m p o rtam en to se reduz a ações de glândulas e m úsculos, em ú ltim a análise, e, p o r o u tro lado, assegurar ser possível ignorar o sis tem a nervoso, glândulas e m úsculos lisos com o fonte expli­cativa do co m p o rtam en to ), T olm an está se m ostran d o o mais

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novo dissidente de W atson e começa, a partir daí, a delim itar sua posição teórica que culm inará na adm issão da intencionalidade.

Tolm an segue acrescentando que a possib ilidade de um be­haviorism o que não seja m era Fisiologia já ocorrera a um certo núm ero de estud iosos. E cita H olt, que esclarecera que os fenô­m enos a serem estu d ad o s não deveriam ser m era excitação n e r­vosa ou con trações m usculares. E stes seriam fundam enta is para os fenôm enos em questão , m as são m eram en te seus com ­ponentes e não sua com pleição in teira . Inform a, finalm ente, que as ciências biológicas de há m u ito “já reconheceram essa coisa nova e a cham aram com portam ento".

Em resum o, T olm an acaba conduzindo a ap resen tação d es­se seu artigo ("A new form ula for behav io rism ”, 1922) para a idéia de que: 1. é rea lm en te possível um behaviorisA io não fisio­lógico, con tra riam en te à m aneira com o W atso n adm itia a p o ssí­vel redução de co m portam en to a m úscu los e glândulas; 2. esse novo behav io rism o poderia ser capaz de cob rir não so m en te os resu ltados dos te s te s m en ta is , das m en su raçõ es ob jetivas da m em ória e da Psicologia anim al, m as tam b ém tu d o o que fora validado pela velha Psicologia in tro spectiva , agora n u m a p e rs ­pectiva que priv ileg iasse o teleo lógico e, com o conseqüência , o cognitivo.

D ezesseis anos depois dessa im p o rtan te publicação, T o l­man era descrito p o r H arrell & H arrison (1938) com o um beha- viorista de quem se dizia te r “ating ido a m aio ridade”: defendia um eclético behaviorism o in tencional que incluía ênfase na Psi­cologia da G estalt, m as ao m esm o tem po pautava-se pela ob je ti­vidade da tradição w atsoniana. D istingu ia en tre co m p o rtam en ­to m olar e m olecular, ligando-os, de um lado às esferas psico ló­gicas e de o u tro aos elem entos físicos e b ioquím icos m ais sim - ples. Descreveu a consciência com o tendo "significado com por- tam enta l” e concebeu a aprendizagem com o um processo dinâ- mico podia ser ating ido por reação condicionada, ten ta tiva e erro ou até p o r "a ju stam en to inventivo”. A in tenção ou p ro p ó ­

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sito co n stitu ía p ilar sub jacen te ao com portam en to , m as não era en ten d id a com o en tidade m ental com funcionam ento especial.

O sistem a de T olm an era ex trem am en te com plexo e, espe­c ialm ente em su a n o m en c la tu ra , às vezes a té confuso , no sen ­tid o de que nem sem pre a tend ia às características de parcim ô­nia exigidas nas explicações efetivam ente científicas. Tolm an fez uso de um n ú m ero significativo de esquem as para explicar o com portam en to . A lguns deles são descritos po r Sahakian (1980), m as não cabe aqui análise porm enorizada, um a vez que o que se p re ten d e é un icam ente caracterizar o aspecto dinâm ico do percurso h istó rico do behaviorism o e de sua crítica, no que T olm an tem im p o rtan te papel, que se verá consolidado nos tre ­chos subseqüen tes.

U m inconfundível to m da teo ria de T olm an é a sua p reocu­pação com o d iscern im en to en tre o aspecto molar e o molecular do com portam en to . Ao fazer essa d istinção, T o lm an acabava po r adm itir a in tencionalidade no co m p o rtam en to m anifesto, posição não adm itida por W atson . N o seu artigo de 1932 (p.7), suc in tam en te , indicou:

Em resumo, devemos concluir que Watson utilizou, na realida­de, duas noções diferentes de comportamento, embora ele próprio não tenha enxergado claramente até que ponto eram diferentes. Por um lado, definiu o comportamento em função de seus rigorosos detalhes físicos e fisiológicos subjacentes ... Designaremos isto como a definição molecular do comportamento. E, por outro lado, acabou reconhecendo ... que o comportamento, como tal, é mais do que (e diferente de) a soma de suas partes fisiológicas. O com­portamento, como tal, é um fenômeno “emergente” que tem pro­priedades descritivas e definidoras próprias. E a isto daremos o nome de definição molar do comportamento.

Essa expectativa de T olm an q u an to à ex istência de dois as­pectos fundam en ta is do com portam ento , o segundo dos quais valorizava, de certo m odo ajudaria a acen tu ar a crítica fu tu ra ao

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behaviorism o, segundo a qual essa linha tem um a tendência re- ducionista. Isto é, o behaviorism o, por ficar dividindo o com por­tam ento em um n ú m ero am plo de un idades de resposta, perde­ria a visão do todo, ou seja, p roporcionaria apenas um a visão de recorte da realidade, um a visão dicotôm ica, um a visão parcial. Essa questão , que será re tom ada em te rm os críticos capítu los adiante, foi abordada m ais ta rde por Skinner.

R eto rnando a Tolm an, na sua d iscrepância su p o sta com W atson, é possível que essa discordância ten h a sido m ais de vo­cabulário do que p rop riam en te um a divergência teórica, segun­do M arx & Hillix. Senão, observe-se o tex to desses au to res na obra já citada:

A Psicologia de Tolman é uma prova de que ele prefere a defi­nição molar de comportamento, de que está convencido da neces­sidade de introdução da intencionalidade par^ que se possa ter uma Psicologia útil. De modo geral, a intenção refere-se, nos ter­mos usados por Tolman, a alguma influência do comportamento animal sobre o meio; por exemplo, podemos dizer que a intenção do comportamento animal consiste em soltar uma ração de comida quando aciona uma barra ou aperta um botão... Tolman afirma que é mais útil definir as respostas em termos de compor­tamento molar do que fazê-lo em termos fisiológicos molecula­res. Watson, tal como a maioria dos psicólogos anteriores a ele, concordava na prática com esse ponto de vista. O que ele desejava era acrescentar a isso que o comportamento intencional é, em princípio, redutível ao nível fisiológico, se bem que, na prática experimental, não tivesse trabalhado nesse nível. (Marx & Hillix, 1976, p.254, grifo nosso)

Em sua análise posterio r, M arx & H illix parecem concordar com que se o p rob lem a da Psicologia e ra explicar o com porta ­m ento (anim al, p o r exem plo) em seu m eio e se a in tenção fosse definida com o influência exercida (pelo anim al, no caso) sobre 0 meio, ficava evidente que W atson seria um in tencionalista .

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E n tre tan to , não parece que a in tencionalidade reivindicada por T olm an se restring isse à m era influência, no sen tid o de in te ra ­ção com o m eio, m as ao prob lem a do com portar-se em função de p ropósito s p reex is ten tes e não em função de conseqüências, de m odo q u e isto se converte em m ais um a con trovérsia visível in trabehaviorism o.

O pen sam en to cen tral de T olm an en q u an to in tencionalista e sim pático à cognição era o de que o organism o, em suas ativi­dades co m p o rtam en ta is adap ta tivas, u tiliza ria os ob je tos am ­b ien ta is e desenvolveria um a capacidade de p ro n tid ão (um a espécie de "m apa cognitivo” da situação encon trada) que lhe perm itiria in terag ir apropriadam ente .

N a proposição de Tolm an, identifica-se um a sem elhança, ainda que superficial, com o sistem a de H ull, tom ado po r suas prim eiras obras (1943, 1951, 1952), especia lm en te no esforço de produzir um a sistem atização, até pela sim bologia e fórm ulas de aprendizagem . D esafortunadam ente, o sistem a explicativo de Tolm an nunca chegou a ser to ta lm en te viabilizado em term os d idáticos. M esm o seus esforços finais, com o o con tido em um de seus m ais im p o rtan tes trabalhos (1959, p .113-4), denotam algum a utilização ind iscrim inada e repetitiva de term inologia que os ob jetiv istas considerariam com o não factual e que, até po r isso, geraria certa confusão explanatória:

Uma capacidade de prontidão meios-fim é, tal como eu a con­cebo, uma condição do organismo, a qual é equivalente ao que, na linguagem coloquial, chamamos uma “crença" (uma prontidão ou disposição), para efeito de que, se a um caso desse tipo de situação de estímulo se reage com um caso desse tipo de resposta, isto con­duzirá a um caso desse tipo de situação de estímulo ulterior, ou, então, que um caso desse tipo de situação de estímulo será sim­plesmente acompanhado, ou seguido, por um caso desse tipo de situação de estímulos. Além disso, suponho que as diferentes prontidões ou crenças (disposições) estão armazenadas juntas (no sistema nervoso). Quando são concretamente ativadas na forma

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de expectativas, elas tendem a interatuar e (ou) consolidar-se en­tre si. E eu afirmaria ainda que o "pensamento", tal como o conhe­cemos nos seres humanos, nada mais é, em essência, do que a inte­ração ativada entre expectativas resultantes dessas disposições previamente adquiridas, as quais, por sua vez, resultam em novas expectativas e novas prontidões meios-fim.

T udo indica que a explicação de T olm an só poderia te r p ro ­duzido negativa repercussão , especia lm ente en tre os objetivis- tas que desejavam soluções teóricas parcim oniosas para todas as questões, em vez de aparen te confusão conceituai com o a apresen tada nesse exem plo. N o m ínim o, restavam ainda em jogo as definições claras e em píricas do que fosse interação ativa­da (com o se ex istisse algum a in teração não ativada), do como se adquiririam essas disposições e em que consistiriam as novas pron­tidões meios-fim. Sua explicação, na verdade, ?nais se confundia com o que se pode cham ar de ficção explanatória.

O m odelo de T olm an (1951) con tinha essencia lm ente três constru tos principais: um sistema de necessidades, in tim am en te relacionado com as noções o rtodoxas de im pulso; um espaço comportamental, e s tre itam en te relacionado ao espaço vital de Kurt Lewin, e um a matriz de crença-valores, que seria consisten te com a existência de hierarquias de expectativas aprendidas a res­peito de objetos am bientais e os seus papéis em relação ao com ­portam ento. Esse esboço sucinto da abordagem parece indicar a natureza essencialm ente conjectural e p relim inar de seu sistem a.

O próprio T olm an, na sua derradeira publicação (1959, P-94), escreveu:

Penso que os dias de tais sistemas grandiosos e abrangentes, em Psicologia, como o meu tentou ser, estão contados, pelo menos no presente... Tenho uma inveterada tendência para complicar de­mais as minhas idéias, para querer que elas voem alto demais, de modo que se tornam cada vez menos suscetíveis de verificação empírica...

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E m bora as críticas a T olm an pudessem te r sido inúm eras e su fic ien tem en te relevantes, com o a de que te ria p restad o pouca a tenção à relação co m portam en to m anifesto-cognição e ou tros estados cen tra is sem elhan tes, é o próprio T olm an quem m ani­festa ponderada au tocrítica (1959, p.95):

Embora me formasse no objetivismo e behaviorismo como o método da Psicologia, as únicas categorias que eu tinha à mão eram mentalistas. Assim, quando comecei as minhas tentativas para desenvolver um sistema behaviorista de minha própria lavra, o que eu realmente estava fazendo era tentar reescrever uma Psi­cologia mentalista de senso comum... em termos behavioristas operacionais.

E n tre tan to , T olm an deixou excelen tes contribu ições tan to para a experim entação anim al em laboratório com o para a Psico­logia de m odo geral, especialm ente se analisados os seus experi­m entos com anim ais em labirinto, em que defende, ao contrário de o u tro s behavioristas, um a espécie de aprendizagem laten te pelo sim ples acesso do anim al à caixa-m eta onde posteriorm ente se ofereceria com ida.

A lém disso , T o lm an acabou, m esm o que ind ire tam ente , con trib u in d o para a idéia, m ais tarde incorporada pela cibernéti­ca, de que um a intenção pode vir a ser operacionalm ente defin i­da, descritos os seus p arâm etros e referenciais p recisam ente. N as áreas de Inform ática e de In teligência A rtificial, essa inten­ção na m áquina co n tin u a sendo fonte de in ten sa especulação.

T olm an foi, inciden ta lm en te , um psicólogo que, po r facili­dade de m anejo experim ental, realizou quase todos os seus tra ­balhos de labora tó rio u tilizando ratos alb inos wister nas suas pesqu isas. Foi po r essa época que se ten to u consagrar (negati­vam ente) o que se cham ou de "psicologia do rato", um a expres­são que p re ten d eu sem pre a invectiva de que o behaviorism o era reducion ista e igualava hom ens e an im ais à m esm a e sim ­plista condição. Em d e te rm in ad o m om en to da sua carreira, Tol-

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man, sem pre bem -hum orado e irônico tal com o a te s ta sua b io ­grafia, teria d ito (1945, p .166), conform e rela tam os h is to riad o ­res M arx & H illix (1976, p .452):

Em resumo, o que podemos dizer agora sobre as contribuições que damos, nós, psicólogos de roedores, para o comportamento humano? Com o que poderemos nós, os perseguidores de ratos, contribuir ainda para a compreensão dos feitos e malfeitorias, dos absurdos e tragédias do nosso amigo e nosso inimigo, o homo sa- piens? A resposta é que, conquanto os êxitos, persistências e diva­gações socialmente inaceitáveis do homem - isto é, sua inteligência, suas motivações e suas instabilidades - estejam, em última análi­se, moldadas e materializadas por culturas específicas, não é me­nos verdade que a maioria das leis formais subjacentes da inteli­gência, da motivação e da instabilidade pode ser tão bem estudada - e mais facilmente - nos ratos que nos homens. E, como perora­ção final, permitam-me que assinale que os ratos vivem em gaio­las; que não vão da farra da noite anterior a um experimento pro­gramado; que não se matam uns aos outros nas guerras; que não inventam engenhos de destruição e, se os inventassem, não seriam tão ineptos quanto os homens para controlar tais engenhos; não sabem o que seja conflito de classes ou raças; evitam a política, a economia e os ensaios sobre Psicologia. São animais maravilhosos, puros e delicados. E, assim que puder, vou retornar de novo a esse bom e velho ramo filogenético e aí me sentarei, desta vez do lado certo e sem me envergonhar, cofiando meus bigodes ante o espetá­culo oferecido pelos espécimes de homo sapiens, tão tolos e, ao mes­mo tempo, tão complicados, a quem verei então se pavoneando, brigando, baralhando tudo, num terreno lá bem abaixo de mim.

Em bora freq ü en tem en te indignado com as críticas, Tolm an nunca deixou de p roduzir, ainda que seus resu ltados tenham gerado polêm ica aguçada m u itas vezes. U m a de suas co n trib u i­ções particu lares foi q u an to à sua invenção (em 1936) do para­digma da variável interveniente, depois m ais co m pletam en te im ­plem entado por H ull. Para Tolm an, a variável in terven ien te era

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postu lad a (com o a fom e, a sede, os eventos d isposicionais em geral) para explicar um tipo particu lar de co m portam en to (co­m er, beber, m ovim entar-se) num a certa situação am biental. T am bém foi T olm an quem prim eiro preocupou-se com a q u es­tão da diferença en tre aprendizagem e desem penho , assinalan­do que a p rim eira não é condição sufic ien te para p roduz ir e ex­plicar o segundo e que este, m u itas vezes, não ocorre, em bora aprendizagem ten h a acontecido.

T olm an descreveu, em ob ra ed itad a p o r M elvin M arx (1951, p .74 ), seu s is tem a psicológico, o n d e inclu i explicações sob re seu e n te n d im e n to a re sp e ito da variável in tervenien te. Diz Tolm an:

Vou apresentar um breve relato de minha visão da Psicologia. Vou chamá-la aqui de behaviorismo operacional. E tentarei mos­trar que os princípios desse behaviorismo operacional ajudarão a esclarecer as inter-relações entre os diversos tipos de experimento psicológico em curso atualmente. Antes de começar a apresenta­ção detalhada do meu sistema, quero observar que o termo "opera­cional" foi escolhido tendo-se em vista dois significados diferen­tes. Em primeiro lugar, eu o escolhi para indicar uma certa atitude positivista geral que está sendo tomada agora por muitos físicos e filósofos modernos e para a qual o professor Bridgman selecionou esta palavra, “operacional". Nesse sentido, uma Psicologia opera­cional será aquela que procura definir seus conceitos de uma manei­ra tal que possam ser colocados e testados em termos de operações concretas que sejam repetidas por observadores independentes... Em segundo lugar, também escolhi essa designação “operacional” por causa do que me parece ser uma segunda conotação que tende a possuir, em conexão com a palavra “behavior”. Ou seja, o com­portamento, como a coisa observada, também se torna essencial­mente uma atitude por meio da qual o organismo em questão “opera”... um organismo “tenciona” e com mais ou menos sucesso “conquista” o seu ambiente. Ele opera em seu ambiente por meio de tais intenções e conquistas.

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Esse cará te r operacional viria, m ais tarde, a influenciar ta m ­bém a abordagem sk inneriana, todavia com Skinner u tilizando a proposta de B ridgm an de operacional ização dos te rm os refe­rentes a eventos p lenam en te constatáveis, em co n trapartida a Tolm an, que em especial se referia aos term os co rresponden tes a eventos (ainda que de com plexa constatação) que com pu­nham a variável in terven ien te de suas equações explicativas. Tolm an esforça-se para clarificar esses te rm os das equações usadas e acaba por aceitar indiretam ente os processos mentais, infor­mando que "sejam os de o u tro s ou de nós m esm os, irão figurar apenas à guisa de variáveis in terven ien tes ob jetivam ente defin í­veis...” (1951, p .76). O segundo sen tido do operacional a tribu ído por Tolm an, de que o organism o "opera em seu am bien te por meio de suas in ten çõ es”, não é, abso lu tam en te , cam partilhado por Skinner. E nquan to T olm an defende, aí, a in tencionalidade nas interações, Skinner falará da h is tó ria de jefo rçam en to que determ ina a probabilidade de responder de um m odo particu lar diante das condições am bientais: seu co m portam en to operan te , nesse sentido, não depende das intenções, m as da h istória de in te ­rações o rganism o-am bien te .

A explicação de T olm an para a ocorrência do co m p o rtam en ­to era a de que "os organism os com dada hered itariedade, dado tipo e quan tidade de tre ino prévio e dada m atu ridade são im er­sos em am bien tes específicos e são d irig idos por condições de desequilíbrio fisiológico. Por con ta desses desequilíb rios, se com portam ..." (1951, p .77). A dm ite T o lm an q u e os p rocessos m entais não são m ais do q u e variáveis intervenientes e n tre as cinco variáveis independentes de e s tím u lo s am b ien ta is , im pu lsos fisiológicos, hered ita ried ad e , tre in o prév io e m a tu rid ad e e a variável dependente final, o co m p o rtam en to .

E a partir desse raciocínio que T olm an oferece sua equação geral do com portam ento , quase um paradigm a, em que S rep re­senta a condição estim u ladora am biental, P as condições exter- nas e ‘n ternas onde os drives fisiológicos são definidos, H a h ere­

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d itariedade, T o tre in o prévio e A a idade cronológica ou a m a tu ­ridade do organism o. C om essa sim bologia, T olm an propõe sua fórm ula:B = F1 (S, P, H, T, A )... onde B (behavior) é um a função de S, P, H, T, A .

M as é a p artir daí, fundam en ta lm en te , que T olm an se com ­plica: p ropõe que, dada essa equação,

os processos mentais são conceitos que surgem quando se tenta mais tarde elaborar a natureza dessa função FJ, pois ela é uma fun­ção muito complexa, pelo menos para a maioria dos casos, exceto, talvez, aqueles de um comportamento muito rudimentar, como reflexos e tropismos. E de fato tão complicada que presentemente parece que não somos capazes de manipulá-la concebendo-a como quebrada em sucessivos conjuntos de funções componentes... (Tolman, 1951, p.85)

T olm an discu te , no artigo inserido na co letânea de M. Marx(1951), um a dup la possibilidade: a de um behaviorism o opera­cional psicológico, em que as variáveis in te rven ien tes teriam a com posição tônica do am biente ex terno e um behaviorism o ope­racional fisiológico, em que as variáveis in tervenien tes seriam concebidas e defin idas "com o tais ou quais d isfunções centrais do reflexo condicionado, reações an tec ipató rias do objetivo, g rad ien tes de po tencial cerebral, secreções g landulares e assim po r d ian te” (p.87).

A o recap itu lar sua p roposta , no final do artigo , T olm an ad­verte que: 1. ten to u ap resen ta r um behaviorism o operacional; 2. que esse behaviorism o com preende dois princíp ios funda­m entais, ou seja: a) assegura que o ú ltim o in te resse da Psicolo­gia é apenas a predição e o contro le do co m portam en to e b) as­segura que os conceitos psicológicos, ou seja, as capacidades m en ta is e os eventos m en tais, podem ser concebidos com o va­riáveis in te rven ien tes ob jetivam ente definíveis; 3. apresenta um a ten ta tiv a de esquem atização e equacionam en to para tais

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variáveis in te rv en ien tes; 4. nega a p roposição de que os d ife­ren tes se to res da Psicologia da época p u d essem escapar desse esquem a; e 5. nega que "o c o m p o rtam en to in tro sp ec tiv o o fe­reça q u a lq u e r tip o sui generis de in fo rm ação a resp e ito das variáveis in te rv en ien tes . A in tro specção é apenas um co m p o r­tam en to a m ais que, em a lguns casos, o ferecerá (m as em o u ­tros ta n to s ce rtam en te não) um bom arran jo exp erim en ta l pa­drão para a d esco b erta e o e s tu d o de tipos específicos in te rv e ­n ien te s” (p .89).

Exem plos da organização e sistem atização de T olm an em torno de seus experim en tos, particu la rm en te u sando ra to a lb i­no em situação de lab irin to , são dados no seu artigo sobre “m a­pas cognitivos em ra tos e hom ens" (Tolm an, 1948), sem , con­tudo, convencer q u an to à sim ilaridade na form a cqm que am bas as espécies desenvolveriam sua aprendizagem em situações para as quais convergem variáveis certam en te m u ito d iferen tes e de com plexidade igualm ente diversa. T olm an, que deixa ex­tensa obra e a lguns seguidores-renovadores, assinalou, em suas idéias, a restas im p o rtan tes a serem aparadas m ed ian te re su lta ­dos de pesquisas e de d iscussões de p ressu p o sto s epistem ológi- cos da ciência do com portam ento .

N em todos os dem ais behavioristas tiveram grande d es ta ­que ou provocaram im pacto significativo idêntico en tre os be­havioristas su b seqüen tes. M as alguns o fizeram de form a bom ­bástica, m orm en te pelas análises inéd itas sobre a lguns dos mais caros conceitos da sociedade con tem porânea. Foi o caso de B- F. Skinner, cuja obra exigirá m aio r de ta lham en to . Todavia, outros percorreram o cam inho delicado da polêm ica e p artic ipa­ram de m odo dinâm ico na h istó ria da Psicologia. E n tre eles, Clark Leonard H ull (1894-1952), p ro p o sito r de um sistem a teorico que se su s ten to u sobre a idéia do reflexo condicionado, porem d iferen te de com o Pavlov o concebeu. H ull considerava o reflexo um a espécie de situação sim plificada de aprendizagem ^ Ue servia adm iravelm ente às análises experim en tais.

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A m parado pela ferram enta da lógica dedu tiva e da m atem á­tica, elaborou um a teo ria do co m portam en to que, ao m esm o tem po que p re ten d ia a precisão de poder rep resen ta r as leis da in teração com sím bolos arran jados em fórm ulas, tam bém se via obrigada a ad m itir a ex istência de variáveis in terven ien tes, no ­to riam en te organísm icas, que funcionavam com o constru tos explicativos das relações estím ulo-resposta .

Todavia, segundo M arx & H illix (1976), poucos psicólogos en fren ta ram críticas tão veem entes e freqüen tes com o Hull (em bora por cu rto período), porque este herdou, com o líder neo- behaviorista, g rande parte das críticas an tes feitas a W atson. Para si, fez convergir especialm en te a crítica de particularista , ou seja, teve sem pre sua teo ria acusada de to rn a r ex trem am ente singulares todas as definições em relação a conceitos técnicos. Por exem plo , em 1951 (p .100), q u an d o defin iu wat (h o m en a­geando, com o term o, a J. B. W atson ), to rn o u visível a im proba­bilidade de generalização do conceito para o u tras situações que não a descrita:

O wat é o desvio-padrão médio do potencial de reação momen­tâneo (E C R) de ratos albinos típicos, de noventa dias de idade, em situação de aprendizagem de um simples ato de manipulação que requer uma pressão de dez gramas, mediante ensaios distribuí­dos ao longo de 24 horas, após 23 horas de fome (e dieta de água), com a recompensa na forma de uma ração de 2,5 gramas do u s u a l

alimento, sendo a média tomada de todos os ensaios de reforço que produzam uma força de hábito de 0,75 até 0,85 habs, inclusive.

N ão é preciso d izer que a crítica em razão do particu larism o era por vezes fundada, ou seja, sua teo ria acabou, ao longo do tem po, perdendo no grau de generalidade, apesar de poder en ­gendrar algum a consistência in terna . O u seja, os conceitos de que d isp u n h a eram , não raro, apenas aplicáveis à situação espe­cífica em estudo . Q uando o le ito r de H ull levanta os olhos para o re stan te da realidade da ciência do com portam en to , não ve

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como cada exem plo u tilizado pode alcançar a necessária ab ran ­gência de que u m sistem a coeso necessita.

Sob a influência de Pavlov, o reflexo condicionado acabou sendo o cerne do p en sam en to teórico hulliano . H ull considera­va o reflexo com o que um a situação sim plificada de ap rend iza­gem que p erm itia o acesso po r m eio de análises experim entais. Fazia a suposição de que os achados sim ples derivados dessa si­tuação m ín im a poderiam , com propriedade, ser tran sp o sto s a outras situações e fenôm enos m ais com plexos. H ull efetivou essa transposição com base nos axiom as do seu sistem a teórico e tendo em vista os resultados de seus experim entos de condicio­nam ento, especia lm ente usando ratos alb inos em situação típ i­ca de labirin to . O s proced im entos de Hull foram form alm ente conhecidos, d u ra n te a década de 1930, com a publicação de um a série de en sa io s teóricos, v isando m o stra r com o pod iam am pliar-se os princíp ios básicos do cond ic iánam en to aos p ro ­cessos com plexos do com portam ento .

A lite ra tu ra crítica, no m ais das vezes, designa H ull com o um behaviorista m etodológico e, às vezes, m etafísico, por adm i­tir a existência de fenôm enos m entais. E n tend ia que os fenôm e­nos m entais necessitavam de prévia explicação, para serem úteis como recu rsos explicativos do co m p o rtam en to . P ropôs-se a fazer um rela to tão com pleto qu an to possível das ações e espe­rava que tal descrição ajudasse, algum dia, a explicar a consciên­cia. Por essa tendênc ia é considerado pelos h isto riado res um behaviorista m etodológico . Todavia, volta-se aqui a enfatizar os desencontros ex isten tes a respeito do uso dos denom inativos m etodológico, clássico, m etafísico, o rtodoxo, radical, quando em associação com o te rm o behaviorism o. A q uestão será re to ­m ada o p o rtunam en te .

Hull se converteu num líder indiscutível da pesquisa sobre aprendizagem nos Estados Unidos, à sua época, e um a das figu­ras mais controvertidas nesse cam po. Em Principies o f behavior (1943), ten tou estabelecer a e s tru tu ra de um a teoria abrangente

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de to d o o co m p o rtam en to m am ífero. D elineou um con jun to de postu lados, bem com o de corolários, log icam ente interligados no estilo h ipo tético -dedu tivo , que tin h a acabado po r considerar m odelo da teorização científica. Sobre H ull, aduzem os h is to ria ­dores M arx e H illix (1976, p .376):

Se bem que, para muitos psicólogos, o livro não tivesse cum­prido a grande promessa implícita nos primeiros estudos teóricos de Hull, o fato é que Principies of Behavior exerceu, não obstante, uma influência enorme sobre as pesquisas na área de aprendiza­gem. Hull tornou-se de longe o autor mais citado nesse campo. Uma quantidade inumerável de teses e dissertações pôs à prova as várias implicações do sistema teórico de Hull. Até a data de sua morte, em 1952, Hull continuou sendo a figura dominante no campo da teoria da aprendizagem... Na década de 40, Hull foi con­siderado um arquiobjetivista tanto pelos seus seguidores, que se deleitavam nessa identificação, como pelos seus adversários, que escolheram isso como um ponto de ataque. Ao dar seguimento ao seu programa behaviorista, Hull tentou utilizar conceitos que, pelo menos a princípio, fossem redutíveis a termos físicos.

C ertam en te por essa razão, Hull acabou sendo caracterizado com o um behaviorista fisicalista, o que é visível desde sua defini­ção de wat, já m encionada, até a de estím u lo e resposta . Dizia, em relação ao estím ulo : "É um a energ ia estim u lan te , em geral; po r exem plo, a energ ia do som , da luz ou das ondas térm icas, p ressão etc.". E visível, desde já, sua divergência fundam ental com Skinner, que define estím ulo e resposta pelas conseqüências que produzem (ou seja, um a definição funcional e relacional), o que con stitu i posição não m enos polêm ica e já d iscu tida em vá­rios trabalhos (Abib, 1985, por exem plo).

C onform e M arx & Hillix, a teo ria de H ull con tém um a quan tid ad e de variáveis in te rven ien tes explícitas, ao passo que a teorização de W atso n envolvia, no m áxim o, variáveis in terve­n ien tes im plícitas. As variáveis in terven ien tes de H ull foram

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função de condições an teced en tes , ta is com o o n ú m ero de e n ­saios de reforço, in tensidade do estím u lo e horas de duração. Uma im plicação ev iden tem en te m ais objetiva que a proposição mais sim ples de T olm an. Este en ten d ia a in te rven ien te com o m ecanism o m ediador com cará ter m ais subjetivo. H ull fazia uso de in terven ien tes descritíveis, em geral, com o as q u e foram aci­m a citadas. C om isso, de certo m odo influenciou Skinner, que em bora se desfazendo de variáveis in terven ien tes, am pliava, no seu experim en to psicológico típico, o n úm ero de variáveis inde­pendentes que poderiam con trib u ir à determ inação fenom enal.

A quela pequena brecha, a inda dada po r H ull a algum as variá­veis in te rven ien tes que não podiam ser d ire tam en te envolvidas, causou-lhe p rob lem as teóricos. Ele recom endava que quando isso acontecesse (de não poderem ser d ire tam en te observadas) dever-se-iam ado tar decisões racionais, o que im plicava um ele­m ento de m era con jectu ra e sem o necessário cp rresponden te em pírico no seu sis tem a teórico. N essa questão , M arx & Hillix (1976, p .384) indagam a teo ria de Hull sobre as m edidas de re s ­posta u tilizadas, q u an to à sua legitim idade:

E preciso decidir, o mais cedo possível, que variáveis indepen­dentes e dependentes serão discriminadas pelo teorizador e utili­zadas na teoria. Algumas diretrizes serão fornecidas pela prática experimental, mas ainda ficam por tomar muitas decisões. Por exemplo, será proveitoso tentar prever todas as variáveis de res­posta, a partir da mesma teoria? Hull enfatizou a previsão de latên- cia, amplitude, número de respostas até a extinção e probabilidade de resposta. Skinner acredita que o regime de resposta é a melhor medida a usar; estuda, primeiramente, os operantes livres, respos­tas que o animal tem a liberdade de repetir "à sua vontade". Hull preferiu estudar primeiramente os operantes controlados, em cujo caso o experimentador controla as oportunidades de emissão da resposta, como numa pista de corrida. A sua decisão de relacionar a sua variável interveniente final - o potencial de reação líquida ge­neralizada - com quatro medidas de resposta tornou legítimo in-

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dagar se essas medidas estavam realmente correlacionadas, como a teoria diz que deveriam estar. Hull poderia ter evitado questões embaraçosas desse gênero se formulasse previsões de apenas uma medida de resposta, mas, se o fizesse, teria perdido uma boa dose de generalidade.

E m bora fosse um em in en te experim en tador, H ull foi mais efetivam ente um teórico , na m edida em que m o n to u um sis te ­m a com plexo e p re ten d eu cobrir inúm eros se to res do com por­tam en to . E n tre tan to , sua sim patia à teo ria trouxe problem as e s tru tu ra is com o o citado, já que os vôos teóricos alçados por vezes deixavam atrás de si um vácuo constatável em relação a dados que su s ten ta ssem as afirm ações. E m bora isso fosse críti­co, certam en te angariou m éritos, com o ressa ltou Logan (1959), ao fornecer um exem plo conciso do m étodo geral pelo qual Hull tra to u de com binar observações em píricas com as suas conjec­tu ra s racionais, a fim de p roduzir sua versão de um a teoria q u an tita tiv a do com portam ento .

C lark H ull buscou elegância form al em sua teoria, num pra­zo de tem po m u ito in ferior ao requerido por nom es com o Eucli- des e N ew ton , em seus cam pos e guardadas as devidas p ro p o r­ções, os quais ap resen ta ram sistem as form ais in teg rados de m aneira quase perfeita . A concisão e a elegância do p ro d u to fi­nal de H ull esconderiam suas vacilações e sob ressa lto s no de­senvolv im ento real, com a am bição elevada no p o n to de partida trancafiando os cam inhos in term ediários que poderiam levar a um a teorização leve e consisten te , tan to ao gosto da parcim ônia científica. O sistem a hu lliano parecia carecer de um a certa con­sistência lógica in terna , m otivo fundam enta l do a taque crítico da sua época:

Provavelmente, o ataque crítico mais eficaz à teoria de Hull envolve a demonstração de que seu sistema não é, em absoluto, o sistema lógico solidamente construído que pretendia ser e que muitos, por largo tempo depois da sua publicação, acreditavam

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ser. Por vezes, Hull não foi capaz de estabelecer conexões logica­mente necessárias entre os seus construtos. Surgiram então al­guns ataques críticos cuidadosamente formulados. A crítica de Koch (1954) é particularmente devastadora, em virtude de sua do­cumentação extremamente pormenorizada e sofisticação lógica (apesar da sua atitude desfavorável e, por vezes, injusta). Hoje está comprovado que a fácil testabilidade das relações de construto, que Hull previra, é largamente ilusória. Cotton (1955) fornece-nos uma demonstração persuasiva e magnificamente elaborada da im­possibilidade de realizar previsões com base na teoria de Hull, tal como foi apresentada... Há duas reações típicas à crescente com­preensão de que a teorização de Hull peca por inadequação lógica: a primeira consiste num acentuado deslocamento para um tipo de positivismo puramente descritivo, como o que Skinner nos oferece; e a segunda é uma intensificação da atenção prestada aos chamados sistemas miniaturais, mediante os quais se abordam mais comple­tamente certas áreas mais limitadas de problerftas. (Marx & Hillix, 1976, p.388, grifo nosso)

O que conclui a m aioria dos críticos é que a posição de Hull era, de certa m aneira, paradoxal: seu sis tem a tin h a aparência, m as não realidade. N esse sen tido , H ull acabou se to rnando mais teo rizador q u e p rop riam en te um c ien tis ta de laboratório (se isso é possível). Para M arx & Hillix (1976), "desta m aneira um tan to peculiar, ele gravou seu nom e n u m dos n ichos da h is ­toria, ladeado pelos sistem atizadores an te rio res e pelos segu i­dores que constru irão teorias m ais d u radouras do com p o rta ­m ento" (p .391).

D epois de H ull - ou con tem porâneas - as acepções do beha­viorism o fo ram d iversas, desd e o m an ife s to de 1913. A lém dos c itados a té aqu i, v ieram os seg u id o res de H ull (K enneth W. Spence, Frank Logan, Neal E. M iller e John D ollard) e ainda os behavioristas que tenderam , a seu m odo, para um a aprox i­mação ao co g n itiv ism o (M artin E. P. S eligm an e A lb ert Ban- dura) ou m esm o ao aspecto da origem social do com portam ento

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individual (A rthur W . S taats), ou a um a explicitação apropriada dos conteúdos sim bólicos das relações sociais (G. H. Mead 1922). T odavia, a concepção m ais po lêm ica e q u e m ais seguido­res e oponentes fez, ao m esm o tem p o , foi o behav io rism o radical de Skinner.

E n tre o u tro s fatores, pela ex tensão de seu traba lho (foram sessen ta anos de publicações, de 1930 a 1990) e pela influência de suas idéias (m ais de q u a ren ta anos de p redom ínio , en tre os behavioristas, a p a rtir de 1960), bem com o pelo fato de te r p ro ­duzido um a lite ra tu ra conjectural crítica incom paravelm ente m aio r que a dos dem ais behavioristas, suas posições serão mais d e ta lh ad am en te descritas, bem com o as controvérsias geradas m ais po rm enorizadam en te indicadas. O s p rim órd ios da obra sk inneriana e sua contex tualização serão explorados a partir do p róx im o capítulo.

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Dimensões preliminares do pensamento skinneriano

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O cen tenário de nasc im ento de Skinner foi íe leb rad o com vários eventos científicos, inclusive um enco n tro da ABA In te r­nacional no Brasil. E m bora a d istância, seu cenário fam iliar e seu percurso acadêm ico podem dar p istas de suas escolhas p ro ­fissionais; não fora por isso, restam in teressantes alguns dados idiossincráticos; Burrhus Frederic Skinner nasceu em 20.03.1904, filho de um advogado (W illiam ) cuja esposa (Grace) era m ili­tan te de organizações cívicas em S usquehannna, Pennsylvania. Teve um irm ão, Edw ard, que faleceu aos dezesseis anos de ida­de. Em sua autobiografia, diz nunca te r recebido punição física de seu pai. D e su a m ãe, ap en as um a vez: ela lavou su a boca

com água e sabão porque ele disse um palavrão... Seu pai, en tre ­tanto, não p e rd ia a o p o rtu n id a d e de a le rtá -lo de q u e qu em tivesse um a mente criminosa seria pun ido . Levou-o, até, a conhe­cer a lgum as p risões; Skinner, p o r isso, " tin h a m edo da polícia e com prava ing ressos para todos os seus bailes de fim de a n o ” . Sua avó lhe passava conceitos m orais e religiosos. Ele conta, em sua au tob iografia , q u e ela teve certeza de que ele havia e n te n ­

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d ido o conceito de Inferno "quando lhe m o stro u um a cam ada de carvão incandescen te no fogão de len h a”. Q uando adolescente tin h a fascinação po r invenções m ecânicas. Sem pre gostou de es tu d a r e fazia experim en tos de física e qu ím ica em casa. Nas invenções juvenis, é clássico o exem plo que ele con ta sobre o fato de que esquecia sem pre de guardar os pijam as e que sua m ãe lhe cham ava a atenção. Ele resolveu o p rob lem a insta lando um a ro ldana p resa a um cabide em seu guarda-roupa. Se o pija­m a não estivesse guardado, um aviso aparecia pendurado logo q u e ele abria a p o rta do quarto : "G uarde seu p ijam a!”.

Skinner tin h a em casa um a grande b iblio teca e leu m uitos clássicos du ran te a adolescência e a juventude. Leu m uito de Sha- kespeare e G oethe, poesia rom ântica e lite ra tu ra anglo-saxônica quan d o fazia o cu rso de Letras. Q uando cursou Psicologia, leu tam bém m u ita Filosofia, o que pode ser no tado na le itu ra de seus tex tos. Seu in te resse inicial pela Psicologia não era m eto ­dológico, m as filosófico. Q uando estava no colegial, escreveu um trabalho (que ele m esm o criticou com o p re tensioso) in t i tu ­lado Nova principia orbis terrarum. C om eçava m ais ou m enos assim : "N ossa alm a consiste de nossa m ente, nosso poder racio­nal, pensam en to , im aginação, avaliação, nosso poder em rece­ber im pressões e a ação e stim u lan te de nosso corpo; e nossa consciência, n ossa capacidade ina ta de escrever”. O que, conve­nham os, é um an titex to , se pensado sob os princíp ios do beha- v iorism o radical que ele próprio viria a criar.

S k inner reconheceu a influência recebida dos tex tos de Jac- ques Loeb (F isiologia do C érebro e Psicologia C om parada), de B ertrand Russell, Jo h n B roadus W atson , Ivan Petrovich Pavlov, Edw ard L eeT hornd ike , Percy Bridgm an e E rnst M ach, en tre ou ­tro s . Em 1922, concluiu o curso m édio em sua cidade natal. C ursou o H am ilton College, de N ova York, onde se graduou em L iteratu ra Inglesa. Em 1927, publicou alguns artigos literários - foi o que cham ou de darkyear na sua carreira profissional; Skin­n e r d izia que escrevia m al e que "não tin h a nada im portan te a

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dizer” em seus tex to s literários. A inda em 1927, trabalhou com o balconista em um a livraria de Nova York, onde com eçou a ler Pavlov e W atson e passou a in teressar-se pela Psicologia. Em 1928, voltou à un iversidade, agora em H arvard, onde fez o cu r­so de graduação em Psicologia. Em 1931, defendeu seu d o u to ­rado em H arvard, sob o rien tação de E. G. Boring. De 1931 a 1936, a tuou com o pesqu isado r em H arvard, es tu d an d o p roces­sos básicos (e b astan te fisiologia) na Faculdade de M edicina. Em 1937, foi convidado e ingressou com o pro fessor na U niver­sidade de M ineso tta , M inneapolis. Em 1936, havia casado com Ivonne Blue, com qu em viria a te r duas filhas, Ju lie e D eborah. Julie S. V argas é a tu a lm e n te psicó loga e es tev e no Brasil no encon tro da ABPMC (A ssociação B rasileira de P sico terap ia e M edicina C om portam en ta l) de 2004. D eborah reside hoje em Londres e a tua com o a rtis ta p lástica (ela foi m otivo .de in ú m e­ros co m en tário s e especu lações na im p ren sa sob re se te ria fica­do traum atizada na infância por Skinner te r criado para ela um air crib - um a espécie de baby box - , berço con tendo diversos re­cursos tecnológicos para cuidado infantil).

O s desafios teóricos e práticos para Skinner na Psicologia foram co nstan tes e o levaram a p roduz ir um a obra am pla e abrangente, que com eçou com publicações essencialm en te técnicas, no Journal o f General Psychology (1930, 1931). Seguiu vá­rias direções: cobriu o conceito de reflexo (1930); procedim entos para sua extinção (1933); a discrim inação (1934); a natu reza ge­nérica dos conceitos de estím u lo e resposta (1935); d iferenças no padrão de respostas, cond icionam ento e extinção (1937, com H eron); a idéia de com portam en to operan te , em co n tra ­partida ao responden te , que com eçou a aparecer num artigo que e um a réplica a do is fisiólogos po loneses, K onorski e M iller (1937), em bora o conceito de operan te viesse a se consolidar apenas no fam oso Terms, de 1945; questões gerais sobre o com ­portam en to dos o rganism os (no seu prim eiro livro, em 1938); o desenvolvim ento de aparatos, com o um a câm ara experim ental

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especial para o e s tu d o do co m portam en to anim al sob condições con tro ladas (1939, com H eron); a questão da aliteração em so­netos de Shakespeare (1939); estim ações de certos tipos de pa­drões sonoros em poesia (1941); sua fam osa análise (o Terms), q u e m arcou época, sobre a visão operan te dos term os psicológi­cos (1945); reforçam ento diferencial baseado no tem po (1946); inúm eros estu d o s sobre com portam en to superstic io so (por exem plo, 1948a); sua controvertida novela Walden Two (1948b); a d iscussão sobre a necessidade de teo rias de aprendizagem (1950); seu segundo e preferido livro Ciência e comportamento hu­mano (1953); d iscussões sobre a q u estão do contro le (1955); su a con trovertida e m ais densa obra, Comportamento verbal (1957b); o ex tenso trabalho laboratoria l com F erste r sobre Es­quemas de reforçamento (1957); as idéias sobre as m áquinas dè en sin ar (1958); e s tu d o s sobre em oções (1959); a in strução p ro ­gram ada (1960a); seu p ro je to de tre in am en to de pom bos para dirigir m ísseis (1960b); o d e lineam en to de cu ltu ras (1961); sua análise das relações behav io rism o/fenom enolog ia (1964); a qu estão da filogênese e da on togênese (1966a); seu in teresse pelas contingências de reforçam ento com o possib ilidade para o d e lineam en to cu ltu ral (1966b); suas projeções sobre a questão da u top ia (1967); a d iscussão, com Blanshard, sobre o conceito de consciência (1967); su a análise sobre a criativ idade (1970); a q u estão do h u m an ism o no behaviorism o (1971a); seu discuti- d íssim o O mito da liberdade (1971b); suas respostas form ais às v in te principais críticas em Sobre o behaviorismo (1974); sua ex­ten sa e curiosa au tobiografia (1976); seu decisivo artigo m o s­tran d o po r que não se considerava um psicólogo cognitivista (1977a); seu livro-program a para idosos (1983, com V aughan); a d istinção/com plem entação de regras de contingências (1984); seu ú ltim o livro Questões recentes na Análise do Comportamento (1989a) e seu ú ltim o artigo, "C an Psychology be a Science of m ind?", escrito aos 86 anos de idade e conclu ído na véspera de su a m orte (18 .9 .1990), com ajuda da filha Ju lie e am igos.

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Sua atenção, po r essa am ostra que in teg ra as aprox im ada­m ente 257 publicações (en tre as quais v in te livros) já listadas de S kinner (C arrara, 1992), foi a m ais diversificada possível, quan to aos tem as e a ssu n to s pelos quais se in te ressou e e s tu ­dou. Todavia, sua análise das d iferen tes qu estõ es sem pre se via­bilizou p o r u m a concepção psicológica, q u e se to rn o u carac te ­rística e encam pou a filosofia de ciência q u e d en o m in o u b e h a ­viorism o radical.

Foi p rinc ipalm ente depois de 1945 que a influência de Skin­ner no cenário da Psicologia se intensificou. Passaram a ficar m ais evidentes as suas proposições concernen tes à m etodologia de análise dos fenôm enos com portam enta is, ou seja, sua A náli­se Experim ental do C om portam ento . Seus princíp ios básicos foram en tão largam ente divulgados e aplicados em d iferen tes circunstâncias e áreas de in te resse da Psicologia. E sses p rin c í­pios, derivados in icialm ente da ex tensa pesq iysa de Skinner e colaboradores em situações típicas de laboratório , foram te s ta ­dos em d iferen tes cam pos e abrangem os principais conceitos expostos no d eco rrer deste capítulo.

Recensões breves sobre Skinner, hom em e obra, podem ser encontradas em W eber (1992) e Hall (1967). Para este ú ltim o, na form a de en trev ista , Skinner declarou que, a p a rtir de suas pesquisas sobre o processo de aprendizagem com anim ais, co n ­venceu-se de que o estu d o do co m portam en to h u m an o é parte de um a ciência na tu ra l e que alguns dos im p o rtan tes processos do com portam en to ap resen tam generalidades filogenéticas e, portan to , podem ser estudados sim ilarm en te no hom em , o que, apenas a títu lo de exem plo, p roduziu lendárias d iscussões e controvérsias.

A A nálise do C om portam en to constitu i-se de um corpo de conhecim entos e um a m etodologia, apoiados em um a filosofia de ciência específica, o behaviorism o radical. C o nstitu i-se em m aneira sistem ática de ver o m undo psicológico, u tiliza-se da observação e da análise de contingências que con tex tualizam o

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c o m p o rta m e n to , m a n te n d o u m a te n d ê n c ia a fo ca lizar o am ­b ie n te físico, quím ico, orgânico e social, não descartando a h is­tó ria genética do organism o. A análise se su s te n ta no conceito de tríp lice relação de contingências, em que o com portam en to e suas cond ições an teced en te s e suas conseqüências são co n sti­tu in te s im prescindíveis (em bora esse parad igm a de tríplices in stâncias te n h a so frid o ad ições em re lação a m a io r n ú m ero d e te rm o s , parece sem p re possível u m a red u ção ao conceito sk in n e ria n o original).

Via de regra, te s te s psicológicos não são usuais no d iagnós­tico de repertó rio s com portam en ta is , bem com o não se faz uso de esta tís tica inferencial para in terp re tação dos dados de pes­quisas. E m prega-se um d e lineam en to de pesqu isas típico, que é o d e lineam en to de su je ito único, descartando , p o rtan to , os m o­delos que se baseiam na com paração de grupos de sujeitos am ostrados esta tis ticam en te . O su je ito funciona com o seu p ró ­p rio con tro le e as com parações en tre dados são feitas usando-se variações de m edidas an te rio res e poste rio res ao em prego de um d e te rm in ad o proced im ento . São sem pre fundam en ta is para essa concepção psicológica conceitos com o os de com p o rta ­m en to , e s tím u los reforçadores (positivo, negativo, prim ário, secundário , d iscrim inativo), reforçam ento , punição, extinção, m odelagem , aproxim ações sucessivas e esquem as de reforça­m en to , en tre ou tro s.

O behaviorism o radical ado ta um a concepção m on ista de ciência, em con trapartida a um a concepção dualista . A dota o de­te rm in ism o probabilístico . A dota o p ressu p o sto de um a n a tu re ­za in tera tiva nas relações o rganism o-am biente: para exem plo, S kinner com eça seu Verbal Behavior d izendo que "os hom ens agem sobre o m undo , m odificam -no e, por sua vez, são m odifi­cados pelas conseqüências de sua ação”. S ubstitu i o m odelo de causalidade tradicional pelo m odelo de relações funcionais, à la M ach. P ressupõe um m odelo científico de seleção pelas conse­qüências. P ressupõe a influência de variáveis de d im ensões filo-

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genéticas, on togenéticas e cu ltu rais para a de term inação do com portam ento . N ega status de causalidade aos cham ados eventos m enta is (ver C arrara, 2004b, p .43) e p ressupõe o com ­portam ento com o verdadeira raiz para se en ten d e r as atividades hum anas, daí a expressão radical, freq ü en tem en te (m al) e n te n ­dida com o sinôn im o de in transigen te . P ressupõe con tinu idade en tre as espécies. R ejeita a verdade por consenso , ado tando um pragm atism o m o d erad o (talvez re su lta n te das le itu ras sk inne- rianas de C harles Peirce, W illiam jam es e John D ew ey). A dota a prevalência de dados sobre argum entos (daí a confusão da crítica em torno da idéia de que Skinner, por isso, seria um an titeó rico ). Rejeita as explicações teleológicas. A dota um a visão m olar das ciências do com portam ento , em contrapartida a um a visão m ole­cular. Esse o quadro sinóp tico do behaviorism o radical. ,Como conseqüência prática, a A nálise do C om portam en to caracteri- za-se: por um a concepção n om otética de explicação do com por­tam ento; pe la gen era lização de re su lta d o s p o r m eio da rep li- cação s is tem ática ; pelo u so do d e lin e a m e n to de su je ito ún ico e n q u an to design p rio ritá rio de pesquisa; pelo uso do m étodo teórico inform al em pesquisa; pela secundarização dos m odelos de com paração in te rg rupos m ed ian te uso de m édias e s ta tís ti­cas; pela priorização estra tég ica de descrição dos eventos a n te ­cedentes, do co m portam en to e dos eventos conseqüen tes na busca de relações funcionais.

Em bora sem pre a ltam en te polêm ico e criticado, a seu m odo Skinner, em diversas ocasiões, m anifestou sua expectativa so ­bre o avanço científico behaviorista e suas even tuais con tribu i- çoes para um a sociedade progressista . C om o em Reflections on behaviorism and society (1978, p .126), tam bém m encionado por Los H orcones (2001, p .l 17): “C reio que um a form ulação cien ­tífica do com portam en to hum an o pode a judar-nos a m axim izar ° s sen tim en tos de liberdade e d ign idade”.

Não cabe no p resen te trabalho, n a tu ra lm en te , en tra r em descrições porm enorizadas a respeito de princípios básicos da

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AEC, m as arro lar as críticas que se faz à concepção behaviorista geral e, em particu lar, ao behaviorism o radical de Skinner, para cujo conhecim en to d e ta lhado ex iste farto m ateria l na literatura Todavia, alguns aspectos essenciais dos conceitos utilizados p or S kinner serão destacados, em v irtude do eventual corpo crí­tico ex is ten te a respeito desses conceitos. U m a característica fundam enta l na abordagem sk inneriana é a sua ênfase descriti­va dos fenôm enos. A ntes de incu rsionar pelo cam po da in te r­pretação, S kinner en ten d e ser necessária am pla coleta de dados, ob tidos segundo um a m etodologia e técnicas de observação tan to q u an to possível isen tas de vieses de p rocedim ento .

Em virtude dessa característica é que a ciência do com porta­m en to viu desenvolverem -se refinam entos m etodológicos de to d a so rte , publicados nos periódicos especializados e hoje co­nhecidos nos bons m anuais de m étodos e técnicas de pesquisa, com os quais se pode ev itar a m aioria das encruzilhadas e engo­dos que a observação do co m portam en to e as qu estõ es m eto d o ­lógicas reservam aos pesqu isado res neófitos. Bons exem plos são dados p o rS id m an (1976), C am pbell & Stanley (1979), Ker- linger (1980) e Cozby (2001), que elucidam cu idados m etodo ­lógicos com os necessários de ta lhes, não apenas q u an to à ob­servação, m as com inúm eras qu estõ es práticas; po r exem plo, encon tra-se bom m ateria l q u an to aos vários de lineam en tos do tip o básico A-B-A e u m a análise de tida da aplicabilidade do deli­n eam en to de su jeito ún ico em H ersen & Barlow (1982).

Se é certo q u e a A nálise do C o m p o rtam en to é co n stitu íd a po r u m corpo de co n h ec im en to s e um a m etodo log ia su p o rta ­das pe la filosofia b eh av io ris ta radical, é ig u a lm en te certo que cada u m desses aspectos gerou um grande n ú m ero de artigos em periód icos, livros, rev istas, que p ro d u z iram inum eráveis d iscussões.

Q uan to à particu lar m aneira de ver a Psicologia, o que é ro ­tin e iram en te cham ado de abordagem, corrente ou enfoque psicolo- gico, s in te tizam Ferster, C u lbertson & Boren (1977, p. 17-8):

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constitui uma maneira sistemática de ver o mundo psicológico e conta com um conjunto de princípios úteis para análise e compreen­são do com portam ento observável. Embora os aspectos m eto­dológicos e filosóficos possam surgir na leitura do texto, nossa preocupação é que o leitor possa compreender de que modo os princípios podem ser aplicados ao estudo das complexas intera­ções humanas. Portanto, a Psicologia do comportamento, como um corpo de conhecimentos, constitui, de fato, uma parte inte­grante do conhecimento geral derivado da investigação de fenô­menos psicológicos. O estudante de Psicologia pode esperar, com razão, que o estudo da Análise Experimental do Comportamento o ajude a compreender os problemas da conduta humana que o interessam e que são importantes para sua vida.

A Psicologia do comportamento tem como objetivo principal a observação e a análise do comportamento individual e nãô os tes­tes ou as estatísticas. Embora o psicólogo do comportamento te­nha a tendência a focalizar prioritariamente o ambiente, ele não descarta a história genética do organismo, como muitos acredi­tam. Esta última constitui, de fato, um outro campo da Psicologia e é reconhecida como tal.

Em geral, o psicólogo comportamentalista tem como enfoque principal o que se denomina a análise funcional do comportamento [grifo nosso]. E o que constitui a relação entre estímulos, compor­tamento e as conseqüências do comportamento no ambiente. Há uma falsa concepção, comum entre estudantes, de que a Psicologia do comportamento não se preocupa com o sentido que atribuímos a nossa vida mental - isto é, àquela parte de nossa atividade que ocorre no interior de nós mesmos e que não é diretamente obser­vável por outra pessoa. Obviamente nossa vida mental é constituí­da por reações pessoais particulares e privadas que se referem a nossa própria existência.

Mas quando alguém diz: "sinto-me deprimido, zangado, só, abandonado, amedrontado, etc.", tais afirmações constituem ocor­rências reais, com as quais a Psicologia do comportamento deve se

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ocupar. Como veremos mais adiante... a compreensão daquelas afir­mações está particularmente ligada ao comportamento verbal, área extensamente analisada na Psicologia do comportamento.

O problema da Psicologia do comportamento é compreender o que está ocorrendo quando as pessoas têm sentimentos, impulsos, ímpetos, compulsões, idéias, pensamentos, fantasias, medo, dese­jos. Descobriremos que, embora a análise seja extremamente com­plexa, a observação dos processos comportamentais e dos eventos objetivos disponíveis nos ajudará a compreender a complexidade, a sutileza e a delicadeza desses aspectos básicos e fundamentais do comportamento humano. Embora na Análise do Comportamento não se considere produtivo e eficiente referir-se ao comportamento humano empregando termos como sensação, idéias, desejos, esta­mos preparados para usá-los como ponto de partida, a fim de com­preender os problemas cuja análise é importante...

São co n ce ito s fu n d a m e n ta is na co m p reen são da A nálise do C o m p o rta m e n to os q u e re ssa ltam a d ife ren ça e n tre com ­p o r ta m e n to o p e ra n te e re sp o n d e n te . D iscu te -se o conceito de eliciação de re sp o sta , em c o n tra p a r tid a à emissão p ró p ria do o p e ra n te . M o stra -se a s itu ação ex p e rim en ta l típ ica pavlovia- n a do c o n d ic io n a m e n to reflexo (elic iação de re sp o s ta s ) e a s i­tu ação e x p e rim e n ta l típ ica do c o n d ic io n a m e n to o p e ran te (em issão de respostas, m ed ian te re fo rçam en to ). Faz-se d is tin ­ção en tre reforço positivo e negativo (este ú ltim o freqüen te­m en te confund ido com o p roced im ento de punição). D iscu­tem -se os fa tores que afetam a velocidade e efetividade do con­d icionam ento . R essalta-se o caso especial das contingências acidentais e do co m p o rtam en to superstic ioso . Em prega-se o princíp io da m odelagem com o p roced im en to básico de instala­ção de com p o rtam en to s e am plia-se a d iscussão para incluir os p roced im entos de manutenção e alteração de repertó rio s com por­tam en ta is ex isten tes. E n tram aí os conceitos de reforço con tí­n u o e in te rm iten te , es te ú ltim o com inúm eras possíveis c o m b i­

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nações en tre os q u a tro tipos básicos: razão fixa, razão variável, intervalo fixo, in tervalo variável. C onceitos m ais polêm icos, evidentem ente, o rig inam -se da área de co m portam en to verbal e sobretudo, resu ltam das análises de eventos privados. T oda­via há trabalhos, m esm o em português, que abordam d e ta lh a ­dam ente cada qual dos conceitos: é o caso de N ico (2001), que explora exaustivam ente a noção de au toconceito , especialm en­te tendo em v ista a possib ilidade de suas aplicações e im plica­ções na área educacional.

O utros conceitos fundam enta is são os de generalização e discrim inação de estím u los e o conceito de encadeam ento de respostas, considerados ind ispensáveis para a com preensão do que os skinnerianos cham am de controle de estímulos, questão cen­tral da A nálise do C om portam ento . T rata-se com os conceitos de privação e saciação e são analisadas as diferençaè e im plicações dos conceitos de fuga e esquiva. N ada m enos do que cen tenas de m anuais já foram publicados expondo»os princípios bási­cos da A nálise do C om portam en to . E ntre os traduzidos para o português, encon tram -se clássicos com o Keller & Schoenfeld (1968), H olland & Skinner (1974), Ferster, C u lbertson & Bo- ren (1977) e C atan ia (1999), po r exem plo.

Q uan to à ênfase m etodológica de Skinner, um a das q u es­tões que en tram em jogo é a sua posição q u an to à necessidade e conveniência da teorização em Psicologia (C arrara, 1994). B. F. Skinner não é defin itivam ente con tra a teorização, m as faz espe­cificas restrições a certos tipos de teo ria que su s ten tam seus conceitos em base de estofo d iferen te daquele do objeto de e s ­tudo a que se referem . C onform e M arx & H illix (1976), há um a ou tra questão , de o rdem m etodológica, que se refere ao uso de grandes grupos e es ta tís tica inferencial versus uso de su jeito ú n i­co e esta tís tica descritiva, quando for o caso:

Um segundo ponto metodológico importante de Skinner foisua insistência numa completa Análise do Comportamento de um

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único organismo e sua relutância em usar grupos numerosos de sujeitos. Com excessiva freqüência, afirmou ele, são usadas gran­des quantidades de sujeitos para encobrir a falta de controles expe­rimentais; com adequados controles, deve ser suficiente um único sujeito ou um número muito reduzido de sujeitos. O emprego de numerosos sujeitos, diz Skinner, também conduz, indiretamente, a outras dificuldades. Quando é usado um grande grupo, o experi­mentador fica atento, primordial e exclusivamente, a certas pro­priedades estatísticas do grupo, em vez de atentar para os com­portamentos dos indivíduos que o compõem. Assim, as variações individuais podem se perder e as medidas estatísticas talvez não revelem as características de nenhum indivíduo em particular den­tro do grupo. (p.398-9)

U m a terceira q uestão m etodológica im p o rtan te é o descarte q u e S kinner faz da Fisiologia. Em toda a sua obra, ele procura, ao con trá rio do que m u ito s o u tro s behavioristas às vezes fize­ram , co n stru ir sua abordagem , tan to q u an to possível, sem te n ­ta r explicações para a ocorrência de com portam en tos com base em m ecanism os neurofisio lógicos. Essa posição, na verdade, foi freq ü en tem en te confundida pela crítica com o um a recusa de S k inner em ad m itir não apenas a influência, m as a p rópria exis­tência da Fisiologia, o que resu lta em análise com pletam ente equivocada. Segundo o p róp rio Skinner (1968), em declaração para Evans:

Jamais falei contra o estudo da Fisiologia e creio que fiz tudo o que estava a meu alcance para facilitá-lo, esclarecendo os proble­mas com que a Fisiologia deve lidar. Ao mesmo tempo, não pre­tendo pedir o apoio da Fisiologia quando a minha formulação des­morona... (p.22)

O que S kinner p re tende inform ar é que a F isiologia é ex tre­m am en te im portan te , m o stra com o funcionam certas e s tru tu ­ras e sistem as de su sten tação necessários à p rópria existência do organism o e suas ações, m as a referência a ela com o condi­

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ção para explicação do com portam en to pode ser d ispensável na m aioria das ocasiões em que se es tá es tu d an d o as relações en tre com portam ento e am bien te , em função do seu paradigm a, e sp e ­cialm ente en q u an to não se dá um avanço tecnológico suficiente na área. A ssim , o que ele descarta é a sua influência na q uestão m etodológica e não a ex istência substan tiva dos m ecanism os fi­siológicos em geral. C orrobora o pon to de v ista sk inneriano de evidente reconhecim ento à im portância da Biologia, o d esen ­volvim ento recente da abordagem b iocom portam enta l, que tem avançado em descobertas auspiciosas para a explicação dos m e­canism os biológicos do reforçam ento , encam inhando para um reconhecim ento deste com o princíp io universal indiscutível

(Galvão, 1999).Todavia, essa posição de Skinner lhe valeu a pecha de e s tu ­

dar um organism o vazio, o que seria um con tra-senso , pois o próprio conceito de organ ism o não lhe perm ite q y a lq u er vácuo interno. Skinner, acusado de valorizar um a caixa preta sem meca­nismos in ternos, rebateu inúm eras vezes essa crítica re iterando que o organism o perm anece com plexo, com posto po r inúm eras estru tu ras in terligadas que su sten tam sua possib ilidade de existência; todavia, po r localizar no co m portam en to seu in te ­resse, é possível d escartar não a existência dos mecanismos fisio­lógicos, obviam ente, m as um a explicação fisiológica in te rn a de causalidade do com portam en to , em troca de um a explicação das relações funcionais o rganism o-am biente .

O u tra q u estão canden te na abordagem behaviorista de Skinner é sua d istinção o p eran te -responden te , já referida, e a que ele dedica p arte significativa de sua obra. D esde seus p re li­m inares estudos com o operan te livre na “caixa de S k inner” (que ele prefere designar com o câm ara experim en ta l), a té suas diversas análises em obras posterio res, que ficam m ais no âm b i­to conjectural (Skinner, 1971, 1974, 1989), esse au to r lida com ° que in titu lou de co m portam en to o p eran te (que para o leigo traduz a idéia - im precisa - de ação voluntária), ce rtam en te co n s­

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t itu in te de grande p arte das atividades hum anas. N atu ra lm en ­te, em alguns casos (especialm ente naqueles de com portam en­tos designados emocionais), a in tegração que o organ ism o faz de operan tes e re sp o n d en tes é am plam ente identificável. N a ver­dade, a divisão se dá a p a rtir da form a de con tro le e conseqüen te in teração com o am bien te . C on tudo , não há que se pensar no organ ism o com o algo em si subdividido nessas duas facetas, m as com o um ser que está , a um só tem po, expressando-se por d iferen tes vias.

O p ro b lem a da d ico to m ia o p e ran te -resp o n d en te e, m ais especificam ente , um bem cuidado estu d o dos tex to s (período 1930-1938) que m o stram a transição de Skinner do conceito de reflexo ao conceito de operante (Sério, 1990) revelam in teressan­tes facetas e problem as com o uso até certo pon to indiscrim inado de conceitos para designação do com portam en to , com que S kinner conviveu n essa fase de su a obra. C om relação à u tiliza­ção, no período, dos term os reflexo e resposta , diz a autora:

A freqüência com a qual o termo reflexo é utilizado nos textos publicados de Skinner pode ilustrar as mudanças que o papel des­te conceito foi sofrendo no decorrer do processo de elaboração de seu sistema explicativo. A partir da leitura dos textos publicados, no período entre 1930e 1938, parece haver uma inversão na utili­zação dos termos reflexo e resposta - parece que à medida que di­minui a freqüência de utilização do primeiro, aumenta a do segun­do. (p.387)

Skinner, a té pela ex tensão de sua obra publicada (1930 a 1990), n a tu ra lm en te ap resen ta alterações term inológicas em algum as de suas concepções ao longo do tem po, a m aior parte delas de cu n h o m eram en te sem ântico , m as algum as de real im ­plicação q u an to à valoração teórica de alguns conceitos. T oda­via, o refinam ento técnico e m etodológico o faz, ao longo das publicações, ir ap rim orando a term inologia e pode aparen tar, ao neófito , a idéia de que se tem um a confusão conceituai.

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Os passos iniciais de Skinner, en q u an to pessoa que se desli­ga do cam po da lite ra tu ra e que envereda pela Psicologia no co­meço da década de 1930, constitu em recolocação im p o rtan te para com preender o su rg im en to de sua form a de pensar e o co n ­texto de suas proposições iniciais. C olem an (1985) revela a de­cisão de Skinner de fazer Psicologia com o de te rm in ad a po r um a vocação de refo rm ador social, que encon tra ria respaldo na Psi­cologia. N o com peten te trabalho de A ndery (1990):

A decisão de se tornar um behaviorista pode também indicar uma preocupação nesta direção, obviamente que somada a outras extremamente importantes. A proposta watsoniana de ciência, que era tudo que Skinner conhecia em termos de t^haviorismo, caracteriza-se também pela confiança de Watson, e mesmo por sua insistência, de que a Psicologia, ou melhor, o behaviorismo, deveria ser ciência que permitisse o controle cfo comportamento humano com vistas à melhoria da vida humana...

Mesmo as condições que levaram Skinner a percorrer um ca­minho que aparentemente se enquadra no que Bakan (1980) cha­ma de "uma perspectiva científica de dois passos" (desenvolvi­mento de uma ciência básica, seguido, como subproduto, de uma ciência aplicada) apontam, ainda que não exclusivamente, para condições externas como um dos fatores que teria levado a esta aparente ênfase.

Assim, a escolha - ao acaso - de Harvard como universidade onde fazer o doutorado inadvertidamente coloca Skinner na cena de um departamento de Psicologia comandado por Boring, que se­ria um ferrenho adepto da Psicologia como ciência experimental, que nada deveria ter a ver com aplicação tecnológica.

As próprias influências mais propriamente filosóficas de Skin­ner, entretanto, também apontam para a interpretação, de um lado, de que não se trataria de uma típica posição de “ciência de dois passos” e, de outro, do importante papel que deveria desem­penhar em sua formulação de ciência, não apenas a preocupação com o homem, mas também com a sociedade, e mais, com a ciên­cia aplicada como parte integrante da ciência básica. ... De qual­

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quer modo, esta concepção de ciência não excluiria, mas, pelo con­trário, enfatizaria, as possibilidades de intervenção no mundo a partir do conhecimento científico, (p.23-4)

A constatação acim a se confirm a na análise da obra integral de Skinner, m esm o que po r vezes dividida em fases. A ssim , a in­da com A ndery (1990), no período de 1930 a 1953, S kinner te ­ria p roduzido dois m om en tos decisivos e d istin to s: um primeiro, que se poderia den o m in ar de constitu ição do sistem a, en tre 1930 e 1938, e outro, que se poderia caracterizar com o proposta s is tem ática para o hom em , que abrangeria os anos de 1947 a 1953. E n tre 1938 e 1947, reg istra-se um m o m en to de transição. V ista a obra com pleta de S kinner a té 1990, destacam -se ainda períodos de veem ente preocupação com as aplicações práticas dos resu ltados da A nálise do C om portam en to , bem com o com o ensino program ado, um período em que o a u to r envereda pelas proposições de um a reform a social (com o em Beyond freedom and dignity, 1971) e finalm ente um a fase em que Skinner passa a q u estõ es ep istem ológicas que considera fundam enta is, cu lm i­nando com seu "C an Psychology be a Science o fm in d ? " (1990), em que nega d errad e iram en te a possib ilidade de um a aproxi­m ação ao cognitivism o, ao m enos nos term os em que se veicu­lara na ocasião, especialm ente através do behaviorismo cognitivo.

D em onstração da preocupação de Skinner com o caráter de reform a social que poderia ser, even tualm ente , decorren te da utilização dos p roced im entos que desenvolveu ju n tam en te com seus co laboradores e adeptos, já era m otivo de particu lar alerta, con tido no seu livro m ais conhecido, Science and human behavior (1953). N o capítu lo XXIX, Skinner tra ta do prob lem a do co n tro ­

le de m odo b astan te ético: q u estio n a quem u tilizará e com o u ti­lizará as form as de con tro le p roduzidas pela ciência do com por­tam en to e an tecipa alguns m ecanism os do que se poderia cha­m ar de con tracon tro le, an tevendo o uso despó tico de um a nova tecnologia com portam enta l.

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Com relação ao aspecto ep istem ológico do traba lho de Skinner, em bora freq ü en tem en te a crítica discorde, os behavio- ristas ju lgam necessário d istin g u ir en tre o S kinner behaviorista radical e o Skinner analista do com portam en to . U m ap resen ta sua postu ra filosófica p eran te o m undo, com patível com o últi­mo W ittgenste in e com M ach, en q u an to o o u tro propõe um p ro ­gram a de pesqu isa com o qual a Psicologia possa desvendar seu objeto de estudo . Q u an to a esse ob jeto de estudo , para M atos

(1990, p.F-7):

Skinner vê a Psicologia como uma ciência biológica (embora seja avesso ao reducionismo fisiológico) que estuda o comporta­mento dos organismos dentro de coordenadas espaço-temporais, e na sua interação com o ambiente. Na verdade, propõe o estudo da interação comportamento-ambiente, posto que sua unidade de análise é a relação resposta-conseqüência (e não a resposta isolada), cujos termos são classes funcionais e não entidades estruturais. Ao contrário do que muitos julgam, não é uma Psicologia voltada nem para o ambiente nem para o organismo, e sim para o estudo das contingências que contatam os dois, e, para os efeitos desse conta­to, sobre o modo de agir e proceder dos organismos.

Para Skinner, o comportamento tem lugar no mundo físico e social fora do organismo (ou melhor, somente aquelas interações que por aí têm lugar se constituem em eventos observáveis e são legitimamente objetos de estudo). Quando uma pessoa descreve seus pensamentos, sentimentos ou suposições, tudo isso é com­portamento. Entender os pensamentos e sentimentos de uma pes­soa é conhecer as condições em que ela expressa esses sentimen­tos e pensamentos bem como as relações funcionais entre essas condições e aquelas expressões.

Por ou tro lado, apesar das características sk innerianas m ar­cantes, algum as d iferenças de difícil d iscern im en to acabaram sendo detectadas e n tre a p ro p o sta de Skinner e as de T olm an e Hull, por exem plo. Mas algum as discrepâncias, de certo m odo consolidadas, podem ser v istas acom panhando um a adaptação

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do resum o de Sm ith (1986), apresen tado no quadro 2, que mos tra características p resen tes ou ausen tes em cada abordagem :

Q uadro 2 - D iferenças m arcan tes en tre abordagens

Q u e s tã o T o lm a n H u ll S k in n e r

C o n s tru to s in feridos + + -

C onceitos cognitivos + - -

M étodos dedu tivos - + -

Os sinais + e - no quadro acima indicam, respectivamente, características pre­sentes e características ausentes em cada abordagem.

As diferenças, aí abreviadas, ce rtam en te têm desdobram en­tos inúm eros, o que não cabe analisar aqui. Todavia, nota-se, desde já, a convicção de S kinner em reje itar generalizadam ente inferência, conceitos cognitivos com o o da in tencionalidade e o u so da dedução en q u an to lógica para ex tra ir corolários de qual­q u e r teoria.

As diferenças do behaviorism o de S kinner para com as de­m ais corren tes behavioristas, inclu indo W atson , T olm an e Hull p rincipalm ente , têm sido, grosso modo, incluídas no padrão bidi­m ensional, ou seja, reconhece-se S kinner com o behaviorista ra­dical (tal com o ele p róp rio se intitu lava) e reúnem -se ind iscri­m in ad am en te os dem ais sob o ró tu lo de behavioristas m eto d o ­lógicos (em bora, conform e a característica sob análise, se fale ocasional e m ais p rec isam ente em behaviorism o clássico, o rto ­doxo, m etafísico, operacional, cognitivo, filosófico e social, en ­tre o u tras varian tes já citadas na lite ra tu ra ).

E n tre as características do behaviorism o radical, está um a clara rejeição ao positiv ism o lógico. N esse sen tido , o behavio­rism o radical, en q u an to filosofia da ciência do com portam ento , represen taria , segundo O liveira (1982, p .15),

um elo de ligação ou ... um e lem en to re s ta u ra d o r do equ ilíb rio

e n tre as posições filosóficas ex trem as d efend idas pelos m en ta lis- tas , com o W u n d t e T itch en e r, e as posições aca tadas pelos beha-

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v io ris tas m etodo lóg icos, os qua is defen d em o q u e S k in n er carac­te rizou com o u m a versão psico lóg ica do positiv ism o lógico e do operacion ism o.

Para O liveira (1982), Skinner designa m en ta lis ta a perspec­tiva segundo a qual todas as abordagens não-behavioristas, va­riando de e s tru tu ra lis ta s a cognitiv istas, analisam o com p o rta ­m ento com o conseqüência de atividade m ental. O behavioris­mo radical privilegia a linguagem (no sen tido m ais corriqueiro que essa expressão possa ter) com o característica n a tu ra l e p ró ­pria do ser hum an o e, nesse sen tido , parcela significativa dos eventos privados são algum a form a de co m portam en to verbal, cujo estudo é considerado necessário e im prescindível, sendo suas causas do m esm o estofo m aterial que com põe os d e te rm i­nantes do co m portam en to verbal aberto . U m terceiro aspecto do behaviorism o radical de S kinner é a concepção de hom em quan to às razões d e te rm in an tes do seu C om portam ento. O m esm o au to r re itera (p .25):

o m ais orig inal aspecto do B ehaviorism o Radical em relação a to ­das as psicologias é a inversão da in te rp re tação sob re a causalidade

do co m p o rtam en to h um ano . Em todas as análises p receden tes ao

Behaviorism o Radical o am b ien te ex te rn o era dado com o co n tro la ­

do ou a té m esm o, nas concepções idealis tas m ais ex trem adas, cria­

dos pelo hom em . N o B ehaviorism o Radical o h om em é o re su ltad o

da evolução do m u n d o e é um a p arte dele. O u seja, o h om em é o

resu ltado da evolução e não é algo separado do m undo : é p arte dele e com o ta l seu co m p o rtam en to é p ro d u to das co n tin g ên c ias am ­

b ien ta is e de sobrevivência da espécie d u ran te o processo evolutivo on to e filogenético.

N esse sen tido , con testa-se a concepção de au to n o m ia do hom em na direção de que seu com portam en to não é livre, m as determ inado p o r um a série de fatores, m o rm en te por in flu ên ­cias do am bien te ex terno , m as não exclusivam ente por estas. E

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essa é um a das p o stu ras de Skinner que têm produzido um con­tin g en te crítico im ensurável. C om O liveira (1982, p. 17):

A von tade deixa de se r um a to to ta lm en te livre. A p róp ria von­tade h u m an a é p ro d u to co n seq ü en te da in teração en tre as necessi­

dades fixadas filogeneticam ente, sejam co m p o rtam en ta is ou fisio­lógicas, e as in fluências am bien ta is.

O querer, nesse sen tido , não é um ato de von tade ineren te à espécie, m as explicável m ed ian te a com preensão de que é um fenôm eno que possu i causa real, detectável por um a análise fun­cional do com portam en to . N esse sen tido , configura-se um a das d iferenças fundam enta is en tre o behaviorism o radical e as ver­sões cognitivistas: a von tade deixa de causar o com portam ento , ou seja, este perde a configuração de fato produzido teleologica- m ente . Essa é um a das principais concepções a separar, hoje, o m u n d o behav io rista do cognitivista, com o se verá adiante.

U m q u arto po n to no p en sam en to sk inneriano que gera con­trovérsias é o que diz respeito à concepção de um a sociedade passível de ser p lanejada levando em con ta a con tribu ição p rá ti­ca de um a engenharia com portam enta l, já que a sociedade é um a realidade natu ra l e suscetível, p o rtan to , à organização de contingências com preensível a p a rtir dos conhecim entos deri­vados da A nálise do C om portam en to . N ão é preciso d izer que essa idéia, que em te rm os ficcionais foi ap resen tad a in icia lm en­te em Walden Two (1948b), gerou sem -núm ero de contestações.

Porm enores das características do behaviorism o radical não serão tocados n este m o m en to do estudo , u m a vez que serão re­cuperados em m ais de três ocasiões oportunas: no próxim o ca­p ítu lo , quando será ap resen tad a um a visão geral de Skinner e de su a oposição, no cap ítu lo 6, no qual serão rastreadas as princ i­pais críticas às concepções sk innerianas, m ed ian te um a catego- rização p o r áreas e assun tos; e m ais ad ian te , q u ando se fará re­ferência a essas críticas quan d o da discussão de even tuais reali- n h am en to s da abordagem .

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A lém disso, recolocar um a palavra de cau tela se faz necessá­rio: o ag rupam en to das críticas segundo critérios perfe itam ente definidos seria p re tensio so , tendo em vista que as publicações raram ente objetivaram , ao longo da h is tó ria (e a té não há razão para que o fizessem ), circunscrever-se a aspectos específicos de qualquer questão . E m bora tem as gerais este jam sendo selecio­nados para análise e discussão, é fundam ental considerar que todos eles, in d is tin tam en te , estão ligados ao corpo teórico do behaviorism o e, com o tal, perderiam m uito do seu sen tido se analisados sem im plicações m ú tuas. A ssim , na descrição e an á ­lise do con tingen te crítico que se ap resen ta no cap ítu lo su b ­seqüen te , serão u tilizad o s a lguns títu lo s que p re ten d em , em vez de separar d id a ticam en te , apenas destacar a lguns p o n to s que têm im plicações reconhecidas pela co m un idade cien tífica com o fu n d am en ta is n u m a apreciação do em p reen d im en to be- haviorista . Ao final de cada su b títu lo serão ap resen tad o s, à m aneira de resum o , as idéias fu n d am en ta is q i e rep re sen tam a crítica em questão .

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O percurso polêmico do behaviorismo radical

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Em bora abreviadas, algum as considerações p relim inares que perm itam antever um quadro constitu tivo de origens, p res­supostos e tendências recentes da crítica, em especial q u an to ao behaviorism o radical, são im prescindíveis neste m om ento , an ­tes que se incursione pelas críticas específicas que assegurarão a m ontagem de um perfil da oposição a Skinner. E ste livro se le­ciona análises subscritas po r seus au to res e veiculadas na lite ra ­tura crítica publicada acerca do behaviorism o. G eralm ente são artigos de oposito res, m as não estão incluídos, via de regra, a u ­tores secundários, que veiculam conceitos da A nálise do C om ­portam ento e do behaviorism o radical, po r exem plo, em livros didáticos para os cursos de licenciatura. Se isso fosse feito, cer­tam ente os equívocos de com preensão conceituai ap resen tados seriam m uito m ais freqüen tes do que o que se aborda n este e n ­saio, com o pôde co n sta ta r G ióia (2002) ao analisar 25 livros de Psicologia cujos títu lo s con tinham os te rm os educação, aprendi­zagem ou ensino e necessariam ente apresen tavam , pelo m enos, duas abordagens.

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Parcialm ente lido e ra ram en te com preend ido (m uitas vezes m esm o en tre aqueles que se supõem seus segu idores), Skinner ap resen ta nas suas publicações de 1930 a 1990 um a com plexi­dade crescente de proposições, p arte apenas das quais acom pa­nh ad a pelo seu program a de pesqu isa em A nálise Experim ental do C om portam en to . O quadro de conjecturas que coloca à d is­posição do le ito r a ten to é incom paravelm ente m aior que o con­ju n to de pesqu isas acerca de p ressu p o sto s de sua ciência, em bo­ra estas não sejam poucas.

A com panhando De Rose (1990, p.E-6):

Skinner escreveu um livro, Sobre o Behaviorismo, procurando mostrar que são falsas as afirmações mais difundidas a respeito do seu pensamento, como por exemplo as seguintes:

1) ele ignora a consciência e os estados mentais; 2) formula o comportamento simplesmente como um conjunto de respostas a estímulos, representando assim a pessoa como um autômato, robô, boneco ou máquina; 3) não dá lugar para intenção ou pro­pósito.

O maior e mais persistente destes erros é considerar que Skin­ner é um dos teóricos que representam a conduta como uma su­cessão de estímulos e respostas. De fato, ele foi o primeiro psicó­logo experimental a dem onstrar que mesmo com animais a maior parte dos comportamentos não são uma reação a estímulos do ambiente.

Skinner deu o nome de "operantes" a esses comportamentos, chamando a atenção para o fato de que eles operam sobre o meio. Essa rejeição da teoria do estímulo e resposta está clara na frase que abre seu livro O comportamento verbal: "Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas con­seqüências de sua ação". Aqui fica delineada uma relação de im­portância fundamental para o estudo do comportamento: a relação entre o comportamento e os efeitos que este comportamento pro­duz sobre o ambiente.

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Esse tipo de relação, en tre organism o e am biente , d e te rm i­na ao c ien tista do com portam ento , se q u ise r en ten d e r com o se processam as in terações en tre as duas partes (e, p o rtan to , para saber com o os o rganism os se com portam ), reportar-se , com prioridade, ao es tu d o das características do am biente , seja ele in terno ou ex terno , co n stitu ído de d im ensões quím icas, físicas, biológicas ou sociais. De que m aneira, efetivam ente, no aspecto verbal, se processam tais in terações está descrito em vários a rti­gos e livros (cf. Hayes & Hayes, 1992).

De Rose (1990) segue reconhecendo q u e to d a a teo ria de Skinner "es tá baseada na noção de que o co m p o rtam en to de um ind iv íduo é a fe tado pelas conseqüênc ias q u e co m p o rta ­m entos sim ilares tiveram no p assad o ” (p .E -6). É nesse p o n to que se faz referência às conseqüências positivas ou negativas, represen tadas pelos reforçadores positivos e eventos aversivos, que podem se r ap resen tad o s ou re tirad o s c o n tin g en tem en te à ocorrência dos co m p o rtam en to s, m u d an d o para m a io r ou para m enor a p robab ilidade de q u e co m p o rtam en to s sim ilares (m orfológica e func iona lm en te) a esses venham a acon tecer p o ste rio rm en te .

Do p o n to de v ista ético e a té em relação à sua eficácia, Skin­ner sem pre deu preferência ao con tro le do co m portam en to m e­diante contingências positivas. A lega (e já se d em o n stro u isso em inúm eros experim en tos) que a punição gera su b p ro d u to s indesejáveis e que, além disso, o con tro le positivo é m u ito m ais eficaz, em todas as situações em que é possível ou adm itido usa-lo. Por isso, descarta para um ú ltim o degrau, no qual a lte r­nativas de p roced im ento não sejam possíveis, a utilização da punição. Para um a análise de ta lhada das im plicações sociais do uso da punição, ver Sidm an (1995).

Um tipo de q u estão ex trem am en te com plexa pela qual Skinner (no seu O comportamento verbal) se in teressou foi o das i la ç õ e s en tre verbalizações, linguagem e eventos privados. Com De Rose (1990, p.E-6):

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U tilizam os o exem plo da fala, para m encionar a g rande po lê­m ica a re sp e ito da aplicação das idéias de S k inner à linguagem . Vá­rios lingü is tas têm a rg u m en tad o q u e os processos de cond iciona­m en to o p e ran te não podem explicar a e s tru tu ra da linguagem h u ­m ana, e nem a capacidade que um se r h u m an o tem de falar e en ­ten d e r frases que nu n ca te n h a falado ou ouvido an tes . O s psicólo­gos in fluenciados p o r S k inner consideram , no en tan to , que tam ­bém na q u estão da linguagem , com o em m u ito s o u tro s dom ín ios

do co m p o rtam en to h um ano , há evidências cien tíficas sufic ien tes de que o co m p o rtam en to p resen te de um ind iv íduo é afe tado pelas

conseqüências de seu co m p o rtam en to passado .

E ntre as d istinções que Skinner faz acerca dos fatores que d ete rm in am a ocorrência de com portam en tos, es tá a que diz respeito ao co m p o rtam en to governado p o r regras e ao com por­tam en to con tro lado pelas contingências. As regras constituem - se de conselhos, m áxim as, o rdens, in struções ou quaisquer form ulações cu ltu ra lm en te elaboradas acerca de com o se com ­p o rta r n u m a dada circunstância. As contingências, de resto com o já se viu, descrevem a form a com que são arran jadas as conseqüências, reforçadoras ou aversivas, do com portam ento .

N o m esm o artigo, De Rose ad ian ta que S kinner "in troduziu a noção de co m portam en to governado por regras em seu livro Contingências de reforço, u tilizando-a para analisar os processos de p en sam en to e solução de p rob lem as” (p.E-6). De fato, por vezes S kinner ad ian ta que não rejeita os processos m en ta is su ­periores no sen tid o de que o fenôm eno do pensam en to , o fenô­m eno do evento privado, o fenôm eno do co m p o rtam en to priva­do, sob a pele, são inegáveis.

R eserva-se Skinner, todavia, o d ire ito de fazer a ressalva de que aceitar a existência do fenôm eno não significa a tribu ir ao m esm o o status de evento causador do co m p o rtam en to nem a condição de apara to ou processo mental. N a verdade, a tribu i - u m a vez m ais se enfatiza - a condição de evento privado como resu ltan te , possivelm ente , de variáveis d e te rm in an tes iguais ou

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s im ila re s à s c a u s a d o r a s d e c o m p o r ta m e n to s a b e r to s e q u e s ã o

id e n tif ic a d a s p e lo q u e a té a d m i te c h a m a r d e in t ro s p e c ç ã o , c o m o

“c o n d iç õ e s c o rp o r a is s e n t id a s p e lo o rg a n is m o " . A in d a c o m D e

R o se (1 9 9 0 , p .E -6 ) :

Como o indivíduo pode obter consciência de seu mundo pri­vado e também do seu comportamento e das condições que o de­terminam? Skinner sustenta que para isso é necessária a mediação da comunidade, que estabelece as contingências de reforço para os comportamentos de auto-observação e autodescrição. Como a Análise do Comportamento possibilita um conhecimento das con­tingências de reforço mais eficazes, Skinner afirma que ela pode ajudar na construção de uma autoconsciência: “uma ciência do comportamento não ignora, como se diz freqüentemente, a cons­ciência. Pelo contrário, ela vai muito além das psicologias menta- listas ao analisar o comportamento autodescritiVo. Ela tem sugeri­do maneiras melhores de ensinar o autoconhecimento e também o autocontrole, que depende do autoconhecimento".

Subjacente à teoria behaviorista está a idéia de que todo o comportamento humano é determinado, sendo, portanto, contro­lado por causas específicas. Ao afirmar as implicações desta causa­lidade, Skinner é visto como um defensor do controle do compor­tamento e um inimigo da liberdade humana. Suas idéias podem, no entanto, ser vistas de uma maneira mais positiva: o homem não pode mudar a natureza e não pode impedir que o ambiente exerça algum tipo de controle sobre seu comportamento. Se ele recu­sar-se a conhecer os processos que controlam seu comportamento, será sempre uma presa inconsciente das "agências controladoras". Conhecendo os determinantes do comportamento o homem esta­ria mais capacitado a assumir o controle do próprio destino.

Para com preender o behaviorism o radical de S k inner, saber no que ele se d iferencia espec ia lm en te das o u tra s form as de behaviorism o, m is te r se faz re to m ar, a inda q u e abrev iadam en- te . a h is tó ria de in fluências no cenário h is tó rico da F ilosofia e da Psicologia do século XX. Segundo Day (1980), deveríam os

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com eçar a perceber que um significativo con tingen te de term os que se relacionam a behaviorism o (em geral) acabou po r apare­cer e p ro d u z ir confusão com a idéia de behaviorism o radical (sk inneriano).

A lgum as d en o m in açõ es são m eros derivativos do behav io ­rism o de S k inner ou form as an teced en tes , com o é o caso do behav io rism o cognitivo, ligado à m odificação de co m p o rta ­m en to (M eichenbaum , 1974), do behav io rism o social (Staats, 1975), da T eoria B ehaviorista da A u topercepção (Bem, 1972) e, com o m ais recente, um a A nálise C om portam ental C ontex tua- lis ta (e, incipiente, um behaviorism o con tex tualista?) (M orris, 1988).

N a verdade, todas essas versões têm com o característica co­m u m prio rizar o co m portam en to en q u an to dado fundam ental para a com preensão hum ana, bem com o privilegiar a objetiv ida­de e o m étodo da observação com o in s tru m en to s para a conse­cução de suas finalidades. Todavia, cada um a delas - e não será o caso de esm iuçá-las ainda, p o rq u an to fora do foco de in teresse deste m om en to da análise - tem seu próprio alcance atual ou passado.

A lém dessas, o u tras denom inações para o behaviorism o são encon tradas. Segundo Day (1980), certas visões d en tro da Filo­sofia têm sido freq ü en tem en te cham adas de behaviorismo filosófi­co, no sen tido de que todas elas se com patib ilizam em função de u m a característica única, rep resen tad a pela sua oposição co­m um ao dualism o cartesiano e por u m a crença geral em que as condições psicológicas e mentais são passíveis de análise em te r­m os com portam enta is .

A lguns au to res, n u m sen tid o m ais es trito , en ten d em com o significado do te rm o behaviorismo s im p lesm en te o privilegiar o u so de m étodos de pesqu isa objetivos com o um a q uestão cen­tra l nos p roced im en tos experim en ta is em Psicologia.

Q uando (conform e Day, 1980) o que está em p au ta é a u tili­zação de certos p roced im entos experim enta is específicos, p rin ­

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cipalm ente com a testagem de h ipó teses psicológicas pela expe­rim entação contro lada (a que S kinner se referirá em sua obra como grupos de con tro le e grupos experim en ta is), se esta rá fa­lando estritam en te em behaviorism o m etodológico, em o p o si­ção ao behaviorism o radical (que, para Skinner, privilegia o uso de delineam ento de su je ito único, com replicação).

M esm o com relação a supostos estágios pelos quais teria passado o behaviorism o a té a chegada do behaviorism o radical, alguns au to res a tribuem -lhes d is tin tas denom inações. E o caso de Koch (1976), que fala na evolução do behaviorism o ao neo- behaviorism o, com passagens pelo behaviorism o reducionista , behaviorism o pós-reducion ista e behaviorism o am pliado.

Em relação a períodos pelos quais teria passado o behavio­rismo, com K antor (1968), d istinguem -se seis m odalidades:1. behaviorism o arcaico ou ingênuo; 2. an tibehaviorism o; 3. Pré-behaviorism o; 4. protobehaviorism o; 5. behaviorism o w at- soniano e 6. behaviorism o au tên tico ou interbefyaviorism o (do próprio K antor), ou, ainda, behaviorism o de cam po.

E in te ressan te o m odo com que K antor vê o desenvolv im en­to do paradigm a, a té chegar a S kinner e a ele próprio (enquan to líder do in terbehav io rism o). K antor te n ta m o stra r que o b eh a­viorism o w atson iano não passou de um inciden te na longa h is­tória de evolução do behaviorism o psicológico (o que confirm a a descrição e análise já ap resen tada an te rio rm en te de que W at- son foi o "agen te dos tem p o s”), m as que os ares do objetiv ism o respirados no com eço do século XX já encam inhavam para seu descobrimento. A ntecipa que, em prim eiro lugar, é preciso com ­preender com o surgiu a idéia em to rn o da palavra. O u seja, por behaviorismo "en tendem os o estu d o do co m portam en to de q u a l­quer processo ou coisa verificável; assim , o term o behaviorismo seria equivalen te ao te rm o ciência" (p. 155). C om isso, K antor quer e stender a idéia de behaviorism o a q u a lquer ciência em Particular, isto é, poder-se-ia falar num behaviorism o da A stro- n °m ia, por exem plo, que se co n stitu iria no es tu d o da in teração

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de estre las, sóis, p lanetas, galáxias e radiação celestial (em suas próprias palavras). A crescenta (p. 152):

N a Física, behav io rism o é o e s tu d o de várias a tiv idades, obje­to s ou p ropriedades de objetos; por exem plo, m ovim ento dos cor­pos, energia, radiação, atração m agnética, á tom os e suas m udanças de cargas elé tricas. N a Biologia, o behav io rism o significa as o b ser­

vações do co m p o rtam en to de ácidos nucléicos, células, órgãos e

o rgan ism os, bem com o vários p rocessos orgânicos com o fotossín- tese, m etabo lism o e... reprodução.

D entro da Psicologia, K antor reserva ao behaviorism o a função de estu d o das in terações de organism os com o u tros o r­ganism os ou objetos. D ito de o u tro m odo, o objeto da Psicolo­gia consistiria de eventos defin itivam ente confrontáveis (verifi­cáveis), tais com o os ob jetos verificáveis das o u tras ciências. A ssim , o behaviorism o psicológico seria a investigação de cam ­pos de ação que ocorrem na m esm a e s tru tu ra espaço-tem poral em que os ob jetos de es tu d o das dem ais ciências ocorrem , o que to rn a a Psicologia, nesse sen tido , idên tica às dem ais ciências (ou seja, caracterizando-se com o o que S kinner claram ente for­m ularia com o ciência natural).

É n essa d ireção que K antor propõe um a h ipo té tica descri­ção da evolução do behaviorism o na h is tó ria da Psicologia. Ele sugere que dois fatores são im prescindíveis nessa análise: trad i­ção e cientificidade, a té po rque esses dois conceitos, para ele, d esafo rtu n ad am en te nunca estiveram com pletam en te separa­dos, ou seja, a trad ição filosófica não se separou defin itivam en­te, em m om en to nenhum , da trad ição não naturalística , no m esm o sen tido em que a A stronom ia nunca esteve to ta lm en te desligada da A stro logia em grande p arte da sua história.

N a sua su p o sta divisão, o behaviorismo arcaico se constitu iria das ingênuas (para ele) proposições ligadas à Psicologia aristo- télica, que p re ten d iam um enfoque natu ra lístico ex trem am ente

sim ples e em basado no senso com um .

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Seu antibehaviorismo constitu iria um a fase negativa em que a ciência teria sido su b s titu íd a pelas especu lações re lig iosas, e n ­tre o século II a. C. e o sécu lo V d. C. N essa era, seg u n d o Kan- tor, prevalecia a T eo log ia e as cogitações supercósmicas. O s in te ­resses in te lec tu a is d iz iam resp e ito ex clusivam en te a p ro b le ­m as de cu n h o m oral ou relig ioso . O co n h ec im en to do m u n d o natu ra l deu lugar a um in te re sse m u n d an o no d es tin o do h o ­m em , que acabou d iv id ido n u m a p a rte n a tu ra l e o u tra so b ren a ­tural, a ú ltim a das quais seria ru d im en ta r base para os a tuais conceitos de mentalismo, consciência, experiência, sensações e o u tro s term os usados para referência a processos psíquicos. Diz ainda K antor (1968, p. 154):

É m elancólico observar com o a lguns psicólogos desenvolvem

seu m odelo com um a in te rp re tação psicológica de even tos que são d ire tam en te derivados da era an tibehav io rista . Isso não é apenas

verdade para os m en ta lis tas , m as a té m esm o para alguns behavio- ristas com uns, que exibem tendênc ias an tibehav io ris tas p rinc ipa l­

m en te em casos com o os de processos senso ria is e percep tuais ,

com o nos casos dos háb ito s e aprendizagem .

A inda para Kantor, a fase do pré-behaviorismo, encarada com o mais um m om en to p receden te ao que ele cham a de “au tên tico behaviorism o”, pode ser dividida em três e tapas d is tin tas e in- ter-relacionadas:

1) R epresenta a a tenção pa rticu la r à na tu ra lização do esp í­rito e da alm a e aparece com os p o stu lad o s de p ensado res com o D escartes, H obbes, Leibniz e E spinosa, resp ec tiv am en te com seu interacionismo, materialismo, paralelismo e a doutrina da identidade.

2) C onsiste n u m a m udança defin ida do in teresse cósm ico e teológico para os conceitos de hom em e epistem ologia. N os sé ­culos XVIII e XIX, pensadores com o Locke, Berkeley e H um e in i­ciaram a m udança de in teresse dos problem as m enta is em dire- Çao ao conhecim ento do com portam en to hum ano , por m eio do

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conhecim ento em pírico (o em pírico, aqui, en ten d id o com o re­su ltan te da experiência).

3) D esignada tam bém com o “a era do h o m em ”, rep resen ta ­da pelas revoluções sociais nos Estados U nidos e na França. Os aspectos m en ta is do hom em teriam sido aí encarados com o subserv ien tes às necessidades corporais, nu m a tendência n iti­d am en te m ateria lis ta que exerceu forte influência no behavio- rism o w atsoniano . Inform a K antor (p. 157):

S um ariando o período p ro tobehav io ris ta do desenvolv im ento científico da Psicologia, n o tam o s no prim eiro estág io a a titu d e se­

gundo a qual as coisas do esp írito podiam ser m o strad as em ju s ta ­

posição com as coisas na tu ra is. Esse foi um passo ad ian te do anti-

behaviorism o, que inev itavelm en te incorporava o e sp írito e a T eo­

logia à com preensão da realidade. N o caso da ex is tência hum ana. D escartes asseverava que a a lm a pod ia in te rag ir com a g lândula pi-

neal. A qui, igualm en te , podem os reconhecer a an tec ipação de

E sp inosa em relação à visão de Jam es sobre a p roem inência das ações co rpora is no C om portam ento em ocional, bem com o as afir­

m ativas de H obbes de que o m en ta l é m ov im en to ... O s ú ltim os pe­

ríodos d essa fase m in im izaram o m en ta l e o to rn a ram dependen te do corpo. N essa época, já se p reparava a em ergência do m ateria lis­

m o francês.

A fase segu in te foi a do protobehaviorismo, p ara K antor um a p reparação defin itiva para o su rg im ento do au tên tico behavio- rism o d en tro do ro te iro de evolução da Psicologia. U m estágio im p o rtan te d en tro d essa fase deu-se com o su rg im en to dos tra ­balhos em Fisiologia e Psicologia E xperim ental, ligados a pes­soas com o W eber, Fechner, W u n d t e Ebbinghaus. K antor cha­m a esse período de proto em v irtude de ele não in te rrom per a con tinu idade da trad ição esp iritua lista , em bora já m o stre m uito envolvim ento com os trabalhos de m anipulação experim ental. A pesar dessas m anipulações, con tudo , o hom em desse período acreditava traba lhar com aspectos psíquicos das ações hum a­

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nas A consciência e a m en te passavam a ser es tudadas com o re ­cebendo in terferências dos m ovim entos e processos corporais. As técnicas operacionais na experim entação com eçaram a su r­gir em bora a in terp re tação dos dados ainda perm anecesse m entalista . O u tro aspecto d istin tivo do período pro tobehavio- rista foi o su rg im en to do que se convencionou cham ar de b eh a­viorism o evolutivo, com o form a de m arcar a influência da Biolo­gia e do evolucionism o de D arw in sobre a Psicologia.

A q u in ta fase do desenvolv im ento behaviorista , para Kan- tor, foi o behaviorismo watsoniano, já descrito em seção an terio r. W atson represen taria , no m anifesto de 1913, a insatisfação de m uitos estud iosos com a falta de objetiv idade da ciência, m as estaria longe, segundo os historiadores, de ser o au to r individual da brusca m udança. N a verdade, os sintomas do behaviorism o já teriam sido detec tados desde os escritos de C atte ll em 1904.

A sex ta fase é descrita por K antor (1968, p. 160-3, passim ) com o a do interbehaviorismo ou behaviorismo de campo:

Do m esm o m odo que os estág ios na evolução da Psicologia

natu ra lística , o behaviorism o w atso n ian o e o behav io rism o de

cam po se opõem a todas as form as de m en ta lism o , m as há um a

grande d iferença en tre eles. E m bora o B ehaviorism o w atso n ian o

objete à consciência e ao m en ta lism o , ele não abandona a in fluên ­

cia da trad ição du a lis ta m en te-co rpo . O behav io rism o w atso n ian o

sim p lesm en te considera fora de necessidade um a in tervenção n e s­

ses níveis. A versão de Lashley, p o r exem plo, s im p lesm en te ignora a ex istência da consciência e da m ente ...

Em co n traste , o behav io rism o de cam po segue um cam inho

com ple tam en te d iferen te . Ele abo rda os estu d o s psicológicos de

um p o n to de v is ta de ciência na tu ra l. O behav io rista de cam po está

in te ressado no in te rco m p o rtam en to dos o rgan ism os sob co n d i­

ções am b ien ta is defin idas e investiga em condição n a tu ra l com os

m eios tecnológicos d isponíveis. Ele o faz in d ep en d e n tem en te dos

postu lados tran scen d en ta is que d o m inaram a Psicologia desde a extinção d o behav io rism o ingênuo dos gregos.

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Uma outra grande diferença entre o behaviorismo watsoniano e o behaviorismo de campo é que, para o primeiro, o estímulo é qualquer coisa que elicie a resposta. O estímulo pode ser qualquer forma de energia ou um objeto. Em correspondência à estimulação simples, a resposta é reduzida a um movimento ou uma secreção. O psicólogo interbehaviorista, por outro lado, diferencia entre o objeto estímulo e a função estímulo. A última é desenvolvida em correspondência com uma função resposta resultante do contato do organismo com o objeto. O dado básico da Psicologia é, então, a ocorrência de funções de estímulo e resposta em campos complexos organizados nos contatos entre organismos e objetos ou condi­ções. Desse modo, pode ser considerada toda sorte de comporta­mentos complexos; o psicólogo não fica restrito a reflexos elemen­tares, nem circunscrito a estreitas interpretações usando reflexos como modelos.

K antor resum e sua análise m ostran d o que os passos evolu­tivos do behaviorism o aconteceram : 1. com um a gradual sepa­ração da espgculação teológica; 2. com o p o stu la r que os aspec­tos m entais do hom em podem ser vistos com o eventos naturais;3. com o desenvolv im ento de m anipulações experim enta is e 4. com a insistência em que os eventos in te rcom portam en ta is são os dados a serem estudados.

N ão su rp reen d e que K antor, nesse m om en to , não faça ne­n h u m a referência ao su rg im en to do behaviorism o radical de Skinner. O s do is au to res , em b o ra p róx im os q u an to à conside­ração da Psicologia com o ciência n a tu ra l e q u an to a parte da consideração em relação aos eventos privados, desfru taram par­cela significativa de suas carreiras em lados opostos do behavio­rism o. A m bos se consideravam , en tão , líderes do q u e seria o autêntico behaviorism o: o in terbehav io rism o ou o behaviorism o radical. Em o u tro s estudos, com o os de Boring (1950) ou Marx & Hillix (1976), po r exem plo, a seqüência p ro p o sta po r K antor p ara o desenvolv im ento da Psicologia en q u an to ciência estaria correta , com exceção de que, na ú ltim a fase, inclu iriam , com ab so lu ta segurança, o behaviorism o radical sk inneriano .

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Day (1980), por exem plo, ce rtam en te inclu iria Skinner, até pelas características que, na época, a trib u iu ao que en ten d e que verdadeiram ente poderia ser denom inado behaviorism o: 1. um foco de in teresse especial no comportamento com o ob jeto de e s ­tudo- 2. um com prom etim en to com o evolucionismo biológico; 3. um com prom etim en to com o determinismo materialista.

D essas características partilharia Skinner, m as a qu estão e s ­pecial da rejeição ao m en ta lism o e da explicação dos eventos m entais é ex trem am en te com plexa e exigirá m u ito do behavio­rism o. C om o teria afirm ado R ingen (1976, p .250):

O behaviorism o radical aparece com o a ún ica a lte rn a tiv a séria

ex is ten te ao m entalism o de senso com um e u m a análise conceituai

séria de seus term os técnicos irá con tribu ir para a nossa com preen­são das a lternativas ex is ten tes. Se as co rren tes descobertas sobre o

caráter revolucionário do behaviorism o operan te estiverem corre­

tas, tal clarificação não será um a questão m enor. Ela irá rep resen ta r algo da m agnitude da crítica de G alileu à Física aristo té lica .

D escartada a possivelm ente in justificada em polgação de Ringen, a q u estão do dualism o é tem a reco rren te na Psicologia e, para m u ito s, um a qu estão de com prom isso p re lim inar ao em ­p reend im ento científico, não um ob jeto de e s tu d o em si m es­mo. Todavia, assum ida, com o para Skinner, um a posição m o- n ista em relação ao estofo físico do m undo com portam enta l, apenas as re trospectivas h istó ricas p erm item ver com o e por que a escolha dessa a lternativa se justifica.

A ssim , na sua re to m ad a dos an teced en te s h is tó rico s do b e ­haviorism o co n tem p o rân eo , Day (1980) se rep o rta a trê s a s ­pectos fu n d am en ta is da F ilosofia m ais recen te que sign ifica­ram tendências rep resen ta tiv as de in fluências d ire ta s no apa­rec im ento e m an u ten ção do behaviorism o: 1. o m ov im en to doemP,rismo crítico; 2. a trad ição associacionista e 3. o materialismo científico.

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C om relação à prim eira influência, Day especifica a questão do atomismo (encarado com o a análise de um conceito ou fato subdiv id ido em e lem en tos d is tin to s) com o um a das práticas cen tra is que rep resen tam a herança em p iris ta do behaviorism o e um a orien tação que, de certa form a, ele partilha com sua arqui- inim iga, a introspecção. Para Peters (1962, p .697),

Tal como os introspeccionistas, a quem atacavam, os primei­ros behavioristas acreditavam que o problema do cientista con­sistia em analisar os dados experimentais em unidades atômicas e então encontrar certos princípios gerais determinados pelo es­tudo de seqüências regulares construídas com a reunião dessas unidades.

A qu estão do mentalismo e do naturalismo são postas po r Day (1980) nas suas origens m ais rem otas com o orig inadas no idea­lismo de P latão e no naturalismo emergente de A ristó te les, respec­tivam ente. De m odo até sim plista , o idealism o é conceituado com o q u a lq u er teo ria que afirm e a im portância cen tral do papel do m ental, do esp iritua l e do ideal na realidade. O natu ra lism o é colocado com o um a teo ria que concebe as ciências na tu ra is na visão de m u n d o que rejeita q u a lquer realidade sobrenatu ra l e que não possa ser conhecida pelos m eios disponíveis na n a tu re ­za física. N esse sen tido , para Day, o behaviorism o cam inha na d ireção de um naturalismo intelectual e de um conseqüen te anti- m en talism o.

D essa perspectiva de influência, Platão tem sido encarado com o um dos prim eiros m en ta listas e, de certo m odo, como quem , guardadas as devidas d im ensões tem porais, influenciou p rim ord ia lm en te o cognitivismo, a fenomenologia e os behavioris- mos não-radicais. P latão re la ta te r descoberto a m ente . N esse sen ti­do, a m en te rea lm ente existiria , em seu sen tido literal. N ão é a op in ião de S kinner (1974), que faz q uestão de deixar claro que Platão inventou a m ente , ou seja, esse conceito , para ele, é mais um a ficção exp lanató ria a respeito do com portam ento . Essa,

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como ou tras afirm ações, lhe renderam o fo rta lecim ento da críti­ca quan to à particu lar qu estão da determ inação com portam en-

tal e suas relações com a teleologia.No seu trabalho (1980) sobre os an teceden tes h istó ricos do

behaviorism o, Day reporta-se à Filosofia m oderna, lis tando e s ­pecialm ente com o fundam entais:

1. D escartes, im portan te po rque reafirm ou sis tem atica­m ente o dualism o, isto é, a noção de que a m en te e o corpo são d iferentes em sua na tu reza e, por isso, o prob lem a m en te-co rpo con tinua sendo um a fonte de influência na Psicologia hoje.

2. Locke, pela sua rejeição à crença de que nossas m en tes se ­riam equipadas com idéias inatas de espécies d iversas, o que fez pela asserção de que nossas idéias resu ltam da experiência; essa tradição do associacionism o e do em pirism o teria tido grande influência na Psicologia.

A m bas as posições (D escartes e Locke) são apenas exem ­plares de dois tipos de d iferen tes influências, que Day sugere estarem em jogo d u ran te todo o tem po an teceden te à conso lida­ção behaviorista.

Por exem plo, Day cita C hom sky com o um dos m aio res crí­ticos do behav io rism o radical, d izendo q u e ele se in su rg e co n ­tra o que considera um a pern ic io sa in fluência do em p irism o sobre o behaviorism o, advogando m esm o um explícito re to rn o ao dualism o cartesiano , que daria con ta das capacidades cogni­tivas inatas.

E com esse re to rn o à h is tó ria da ciência co m portam en ta l que au to res com o K antor e Day, en tre ou tro s , ten tam m o stra r que as questões fundam entais, passíveis de a taque pela crítica, acabam sendo problem as que têm su a origem rem ota no p assa­do filosófico do behaviorism o. É exatam en te em função dessa possibilidade que, n este estudo , ap resen ta-se am pla incursão bibliográfica, especialm ente referen te a ep isódios h istó ricos niarcantes da origem do behaviorism o e da p rópria Psicologia. A partir daí to rnam -se m ais com preensíveis (e passíveis de an á ­

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lise) as razões e raízes da lite ra tu ra crítica e, m ais im portan te , q u an to dela pode se r ú til em q u a lquer ten ta tiv a de análise do parad igm a sk inneriano , m esm o com o auxílio da crítica dessas críticas (m etacrítica). N atu ra lm en te , está longe a p re tensão de se te r aqui um a m etacrítica devidam ente autorizável ou sancio- nável pela com unidade profissional da área, m as não há com o deixar de lado, ao m enos, um a provocação m ín im a à reanálise da abordagem e de sua crítica, através do p rism a de um a nova realidade: essa é eviden te função e risco de quem se propõe a expor p o n to s de vista.

R etom ando: a com preensão de rem otas origens do paradig­m a é assegurada, inciden ta lm en te , em alguns episódios à p ri­m eira v ista fortu itos, m as que ilum inam o cam inho de volta às prelim inares dissidências, inclusive pré-behavioristas. Por exem ­plo, re b u sc a r u m a an tig a p en d ên c ia e n tre W u n d t e S tu m p f parece ser im portan te , conform e Day assinala, para o esclareci­m en to de certas concepções do behaviorism o en q u an to privile­g iando a análise funcional, com o o faria m ais ta rde Skinner. Diz Day (1980, p .215):

Sem dúvida, a fam osa con trovérsia W und t-S tum pf... ilu stra

bem a n a tu reza da oposição en tre certo s psicólogos germ ânicos na

direção do su rg im en to da "nova Psicologia" sob a liderança de

W u n d t. E ssa con trovérsia , que foi ex trem am en te acrim oniosa, é

descrita b revem en te por Boring. N o cen tro da d isp u ta estavam a

in s is tênc ia de W u n d t em que os valores p rim ário s a serem avalia­

dos são os resu ltad o s do traba lho experim en ta l, com a análise da

experiência em seus elementos sensoriais, e a igual in sistência de

S tu m p f de que deveriam se r valorizados os re la tos de experiência

d ire tam en te dados pela percepção...

De um lado, a visão de S tu m p f seria rep resen ta tiv a da visão fe-

nomenológica, em oposição à abordagem reducionista ou atomista de

p esqu isa em que se encon trava a Psicologia germ ânica no século

XIX. D ois dos d iscípu los de S tu m p f eram K öhler e Koffka, am bos in fluen tes no desenvo lv im en to da Psicologia da G estalt, que in sis­

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tia v igo rosam en te em que "o todo é m aio r que a som a de suas p a r­

tes" o que rep resen tava um a crítica ao reducion ism o do behav io ­

rism o clássico.

A an tip a tia en tre os in te re sses fenom enológicos e a ab o rd a­

gem analítica de W u n d t levaram ao e s tabe lec im en to da Escola de W ürzburg , sistem a ticam en te em oposição à trad ição de Leipzig, o

que p roporc ionou à ú ltim a pa rte do sécu lo o co n tra s te en tre as p s i­

cologias do a to (funcional) e do co n teú d o (estrutural).

M as estou in te ressad o em cham ar atenção aqui à oposição e n ­

tre ... (fenom enologia e e s tru tu ra lism o ) p o r causa do conceito cen ­tral no behav io rism o co n tem porâneo relativo à análise funcional do com portam en to ... C o inc iden tem en te , ex is te ho je um certo in te ­

resse p rofissional nas relações en tre o behav io rism o co n tem p o râ ­

neo e a fenom enolog ia . [grifos do au to r]

É re to m an d o essa d ivergência in te s tin a à escola alem ã, e n ­tre W u n d t e S tum pf, que podem os chegar à co m p reen são do clim a p ro fissional e c ien tífico em que se deu o su rg im en to da fenom enologia. O corre que o b rilh an te fundador da fenom eno­logia, H usserl, foi a luno de S tum pf, e por sua vez foi professor de Franz B rentano, ce rtam en te o u tro o p o n en te da Psicologia w undtiana . Sua idéia cen tra l era a ten ta tiv a de co m p reen d er o conceito de intencionalidade, ho je q u es tão cen tra l a d iv id ir a c rí­tica en tre o behav io rism o radical e o u tra s abo rdagens p sico ló ­gicas. R essalve-se, de passagem , que a m enção tão breve, n este trabalho, a nom es im p o rtan te s com o os de H u sse rl e W u n d t, por exem plo, ce rtam en te não faz ju s à grandeza de su a ob ra no cenário da Psicologia. T odavia, com o d ito no início, es te livro é tao -so m en te um tex to que p re ten d e carac terizar áreas concei­tuais sob litígio.

B rentano m an tin h a um grande respeito aos resu ltados ex ­perim entais de pesquisa , m as alegava que eles ficavam na su ­perfície dos fatos, ou seja, faltava com preender m elho r a q u e s­tão da relação dos fenôm enos com as c ircunstâncias em que ocorriam . Para B rentano, todos os conceitos psicológicos eram

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in e ren tem en te d iferen tes em na tu reza dos conceitos usados nas ciências na tu ra is . O s conceitos psicológicos, d iferen tem en te dos conceitos da Física, eram intencionais no sen tido de que eles se to rn a m in te lig ív e is so m e n te p o rq u e re lac ionam o objeto , in tr in se c a m e n te , a algum ato psicológico. Assim , n inguém sim ­plesm ente pensa. Som ente é possível p en sar e m /so b re algum a coisa. N inguém s im p lesm en te acred ita , m as acred ita em algu­m a coisa. N inguém sim p lesm en te vê, m as vê algo.

Esse sen tid o de in ten c io n a lid ad e a trib u íd o p o r B ren tano é ce rtam en te d ife ren te da te leo log ia trad ic ional, em que o o rga­n ism o se co m p o rta porque in trin secam en te já possu i um obje­tivo a a ting ir, u m a m e ta p red e te rm in ad a . T an to que Baum, an a lis ta do co m p o rtam en to , em com unicação pessoal m encio ­n ad a p o r Day, te r ia te n ta d o es tab e lecer a lgum as relações en tre os trab a lh o s de B ren tano e Skinner. Diz, segundo in fo rm a Day

(1980, p .207):

parece que Skinner é claramente um psicólogo do ato, à la Brenta­no, embora ele discorde dos papéis do experimento e da introspec­ção e da importância do objeto de estudo. Todavia, eu argumento que, para Skinner, o objeto intencional está sempre presente na conceptualização de unidades de comportamento.

O u seja, o q u e Baum (conferir tam b ém sua ob ra de 1999) e s tá afirm ando diz re sp e ito à ex is tên c ia relacional dos objetos am b ien ta is e do co m p o rtam en to , que para S k inner estão liga­dos não p o r um a in ten ção no sen tid o de expectativa, m as no sen tid o de um elo funcional d ep en d en te das con tingências

p resen tes .A inda para ca rac te riza r h is to r ic a m e n te o d e sen v o lv im en ­

to d a s itu ação sk in n e r ia n a a tu a l, D ay (1980) se re p o rta à in ­fluênc ia da te o r ia da seleção n a tu ra l e aos in te resses no com ­p o rtam en to anim al, que são reconhecidos em A b o u t behavionsm ,

quando o au to r assum e a im portância não apenas das co n tin ­

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gências de reforçam ento , m as das contingências de sobrevivên­cia. Skinner com a palavra (1974, p.35):

D arw in s im p lesm en te descobriu o papel da seleção, um tipo

de causalidade m u ito d ife ren te dos m ecan ism os da ciência daquele tem po. A o rigem de um a fan tástica variedade de coisas vivas pode­ria ser explicada pela con tribu ição feita po r traços novos, possivel­m en te de p roveniência fo rtu ita , para a sobrevivência. As ciências físicas e b iológicas não ap resen tavam nada ou quase nada que p re ­

nunciasse a seleção com o princíp io causal... As con tingências de sobrevivência são freq ü en tem en te descritas em te rm o s que su g e­

rem um tipo d ife ren te de ação causal. A "p ressão de seleção” é um

exem plo. A seleção é p ro p riam en te rep resen tad a com o um a força de p ressão . D izer que "nos m am íferos não há um a p ressão seletiva

óbvia que exp lique o a lto nível de in teligência alcançada pelos p r i­

m aras” é s im p lesm en te d ize r que é difícil im ag inar condições em que os m em bros lige iram en te m ais in te ligen tes de u m a espécie t i ­

vessem m aio r p robab ilidade de sobreviver.

Para Skinner, dois tipos de processos evolucionários estão em jogo na explicação do com portam ento : o cultural e o biológico, sendo que tais processos se com plem entam no seu m odelo de análise, já que no plano biológico a un idade de análise é o com ­portam ento , en q u an to no cu ltu ral a un idade são as práticas so ­ciais (em ú ltim a análise, um con jun to de co m portam en tos e s ta ­belecidos por regras sociais).

Hm adição, para os p ropósito s deste trabalho , im porta um conceito criticam ente d iscu tido e hoje cen tro de polêm icas in ­term ináveis. T rata-se da q u estão da continuidade en tre espécies. Mais precisam ente, o que desde D arw in vem sendo m u ito d is­cutido é a questão da con tinu idade da vida mental en tre hom ens

anim ais. Sk inner é acusado de se r signatário da co rren te que adm ite essa continuidade. Mais que isso, seus experim entos com ratos albinos wister têm sido tom ados com o m em oráveis exem ­plos (negativos) de que p re te n d e essa co n tin u id a d e e de que

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faz friam ente a tra n sfe rê n c ia de re su lta d o s o b tid o s com o u tro s o rg an ism o s da escala filogené tica p ara o rgan ism os hum anos.

Mas tam bém essa polêm ica tem h istó ria . Ela se iniciou a p a rtir dos traba lhos de G eorge R om anes. E ste teria sido o p ri­m eiro a u tilizar a expressão Psicologia C om parativa (ou Psico­logia C om parada), a rg um en tando a favor da ex istência da con ti­nu idade da vida m en ta l en tre hom ens e an im ais e ju n tan d o um a série de rela tos anedóticos com o prova de sua convicção. Mas isso acendeu o u tra forte polêm ica.

As provas de R om anes foram não apenas co n testadas por Lloyd M organ, além disso, R om anes foi apon tado com o alguém que estava ten tan d o antropomorfizar o co m portam en to e as ex­plicações para o co m portam en to anim al. Segundo M organ, Ro­m anes “lia o co m portam en to anim al d en tro da concepção de es­tados m en ta is que era en tão u tilizada com um en te para explicar com p o rtam en to s h u m a n o s”. Foi q u ando surg iu o fam oso câno­ne de Morgan, que estabelecia que, quando se p re ten d esse a ex­plicação de um fenôm eno psicológico, e tendo-se em m ãos duas possíveis e p o tencia lm en te equ ivalen tes explicações desse fe­nôm eno , dever-se-ia esco lher a m ais sim ples (na verdade, o cânone tem um a abrangência maior, porque alcança toda explica­ção científica, em qualquer área do conhecim ento, sendo tam bém conhecido com o o princípio da parcimônia). E preciso lem brar aqui que em bora S kinner tivesse p o r vezes priv ileg iado dados ex p erim en ta is em co n trap a rtid a a a rg u m en to s , e teorizações sim p les (no m elh o r sen tid o , já q u e não sim p lis ta ) a teorização reb u scad a (no p io r sen tid o , já q u e não apenas com plexa), essa é m ais u m a q u estão áspera . B asta lem brar, com Lõwy (1996), "u m a tese ep istem ológica bem conhecida, o teo rem a de Du- hem -Q uine: para um con jun to dado de inform ações em píricas podem ex istir vários sistem as teóricos capazes de com preen­dê-las” (p .200).

E n trem en tes, o prob lem a da con tinu idade m ental e o pro­blem a conseqüen te da an tropom orfização co n tin u am sendo

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pedras no cam inho do behav io rism o radical, m esm o que Skin- ner já ten h a d ito q u e não se tra ta de igualar espécies, m as de experim entar, po r qu estão de com odidade laboratorial e ética, com organism os não hum anos, de m odo a o b te r inform ações pream bulares que poderão servir à com preensão do com p o rta ­

m ento hum ano.N o rastro da h is tó ria da crítica investiga-se o u tra q uestão

geradora de d iscussões, qual seja, a que se refere às concepções de recom pensa e de reforço. As dúvidas com eçaram com as in ­terpretações de sim ilaridade en tre a lei do efeito de T hornd ike e o conceito de reforçam ento operan te . A p rática de igualar os dois conceitos é, para Day, desafortunada. O que T hornd ike p le i­teava era o grau de prazer ou satisfação, ou seja, privilegiava a natureza de um objetivo conseguido, o que difere m u ito do co n ­ceito de reforço, defin ido não in trin secam en te (por exem plo, pelo grau de satisfação do o rganism o), m as d ire tam en te pelas suas conseqüências sobre o co m portam en to (em geral m edidas pela freqüência de ocorrência de am ostras sim ilares ao com por­tam en to orig inalm ente reforçado).

É nessa direção que vêm cabendo d iscussões q u an to ao as­pecto do que seja bom ou agradável para o organism o, relacio­nando esse caráter ao reforço positivo e o aspecto de mau ou de­sagradável ao organism o sendo ligado ao estím u lo aversivo. Para alguns críticos, defin ir pelas conseqüências e, p o rtan to , pela a l­teração do grau de probabilidade de ocorrência de com p o rta ­m entos sim ilares faz desem bocar na q u estão da circularidade dos conceitos de estím u lo e resp o sta e suas relações, o que será um dos tem as da crítica, no cap ítu lo seguinte.

N a trilha h istó rica dessas críticas ao behaviorism o em geral, e ao behaviorism o radical em particular, po r sua relevância n e s­te estudo, está a q u estão do mecanicismo. N essa busca encon­tra-se a influência, por vezes declinada pelo próprio Skinner, dos trabalhos de E rnst M ach, já citado an te rio rm en te . Segundo

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Baum (apud Day, 1980, p.214), a compreensão de Mach é extre­mamente relevante para a compreensão de Skinner:

E xistem aspectos controvertidos e ao m esm o tem po m isterio ­sos no pensam en to de S kinner que podem com eçar a ser entend idos com a le itu ra de Mach: seu m étodo de in terpre tação na ausência de dados (por exem plo, seu livro Verbal behavior), sua indiferença à cir­cularidade da lei do efeito, sua abordagem à seleção de unidades de m edida, su a in to lerância com o m en ta lism o ... e sua posição "anti-

teó rica”, que ho je diz respe ito so m en te a a lgum as espécies de teo ­ria ... S k inner seguiu M ach, em que: descrever é explicar e em que o

real valor do conhec im en to científico reside no p oder derivado do descrever, [grifo do au to r]

M ach foi um positiv ista significativam ente d iferen te dos de­m ais positiv istas lógicos do C írculo de Viena, que tiveram p o ­derosa influência sobre o behaviorism o m etodológico dos anos 1940 e segu in tes, com o já se reg istrou . Para M icheletto (1997, p .34), em bora sejam positiv istas os critérios sk innerianos de e s tu d o do com portam en to , po rque S kinner a tém -se aos dados e afasta-se da m etafísica, é necessário lem brar a ex istência de cer­ta rejeição ao m ecanicism o. A m esm a au to ra lem bra m ais um po n to de aproxim ação com Mach:

a noção de explicação. Para Skinner, o conhec im en to suficiente

p ara um a ciência não pode ser a descrição de um even to em si m es­

m o... D eve-se re lac ionar o even to a o u tro s even tos. O com porta ­

m en to só pode ser com preend ido a p a rtir do in tercâm b io do orga­

n ism o com o am b ien te . U m a relação que não expresse um a causa, e

sim que descreva u m a função. Para Skinner, com o para M ach, a ex­

plicação é u m a ativ idade idên tica à descrição, [grifos nossos]

A tese característica do positiv ism o é a de que a ciência e o único co n h ec im en to válido e os fatos são os ún icos ob je tos do co n h ec im en to . D esde C om te, com tod as as m odificações sofri­das, o positiv ism o e n q u an to filosofia não po ssu ía m étodo

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diferen te do da ciência. Sua m eta principal era a de que p rincíp i­os gerais com uns a todas as ciências pudessem ser ú te is para guiar o co m portam en to hum an o para um a m elho r organização

social.O positivism o, assim , negava a existência de forças m en ta is

e se o p unha substanc ia lm en te à m etafísica, aceitando apenas os fatos investigados cientificam ente. M ach era um positiv ista no sen tido de que privilegiava a redução dos fatos a percepções tais com o observadas, o que acabou sendo considerado com o um a form a especial de fenom enism o.

O fenomenismo, reitera-se, defende a idéia de que todos os eventos podem ser reduzidos a com binações físicas e quím icas e há um a preocupação em conhecer d ire tam en te , m ed ian te ob ­servação, o p róp rio fenôm eno em vez de eventos d e te rm in an tes subjacentes (in te rnos). Aí fica clara a influência de M ach sobre Skinner, quase sem pre, nesse sen tido , considerado um monista fisicalista: o m undo é com posto apenas de um estofo e esse e s to ­fo é físico. O tem a do fisicalism o, na este ira da d iscussão das ex­plicações (causais/funcionais) para o com portam ento , é anali­sado em Laurenti (2004), articu lando h isto ricam en te conceitos m etodológicos e epistem ológicos enunciados por H um e, M ach e Skinner.

Além de ado ta r a ciência descritivo-funcional de M ach (e até por isso), Sk inner privilegia a replicabilidade em pesqu isa e, particu larm ente, o caráter público do conhecim ento . A respeito do perfil do behaviorista radical, diz Sério (1997): "O cam inho que o c ien tista percorre ao p roduzir conhecim ento deve ser subm etido a um a única norm a: deve ser público. N ão cabe res- tnngi-lo por n en h u m o u tro tipo de padronização... e po r n e ­nhum tipo de form alização" (p.70).

Para caracterizar q uestões filosóficas e h istó ricas que sub ja­zem a com preensão do behaviorism o con tem porâneo , Day (1980), nas suas considerações, coloca dez aspectos que e n te n ­de relevantes:

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1. O desafio do behaviorism o con tem porâneo ao conceito grego da m en te , freq ü en tem en te citado na cu ltu ra ocidental com o rep resen ta tivo do senso com um acerca dos assu n to s h u ­m anos.

2. O p rob lem a do reducionism o, ou a análise em elem entos, m u ito associada ao behaviorism o no passado e a sua relativa irre­levância para o behaviorism o radical sk inneriano .

3. A im portância do conceito filosófico de in tencionalidade e suas im plicações na possib ilidade de descrição do com porta­m en to em linguagem apenas física.

4. A significância do fato de que o conceito de conseqüências reforçadoras faz m ediação apropriada com a intencionalidade.

5. A im portância dos padrões sk innerianos de explicação do conceito darw in iano de adaptação ao am biente.

6. A eno rm e influência de M ach ao dar um a e s tru tu ra ao en ­ten d im en to sk inneriano de ciência, que é d iferen te do assum i­do pelos o u tro s psicólogos.

7. A relevância do p ragm atism o filosófico para a com preen­são do conceito sk inneriano de conhecim ento .

8. A diferença en tre os prim eiros e sistem áticos conceitos de funcionalism o e behaviorism o com o escolas clássicas da Psi­cologia, em con trapartida à em ergência, com o behaviorism o, de um foco de in te resse na objetividade com o valor de orientação cen tral na p esqu isa do behaviorism o contem porâneo .

9. A grande diferença en tre a concepção behaviorista de de­finição operacional en q u an to m ecanism o para a análise funcio­nal da linguagem e a com preensão clássica do operacionism o para a m aioria dos o u tro s psicólogos, p a rticu la rm en te para os behav io ristas m etodológicos, com o descrição de operações n e ­cessárias à ob tenção do conceito .

10. A ênfase revolucionária do behaviorism o radical en ­q u an to epistem ologia , na análise funcional do com portam ento , em particu lar com a priorização, pela análise, do responder d is­crim inativo.

M 2

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Por seu tu rno , ao fazer considerações sobre quais traços efe­tivam ente caracterizam o behaviorism o, an tes que o traba lho de Skinner despon tasse singu larm ente , Koch (1954a) - para que aqui se possa te r algum te rm o de com paração - m anifestava-se da seguin te forma:

É elegan te ro tu la r H ull com o um neobehav io ris ta , m as, para

com preender su as principais idéias o rien tado ras, to rna-se n eces­

sário d e te rm in a r em que H ull é um “behav io rista" e em que é

"neo”. O behav io rism o "clássico" de W atson , W eiss, H o lt etc.,

que chegou ao p ico de sua in fluência na m etade dos anos 1920, foi

pouco m ais que um co n ju n to de a titu d es o rien tado ras. O behav io ­

rism o foi um enérg ico m ov im en to na d ireção de u m a teo ria , m as

nen h u m esc rito r behav io rista conseguiu fazê-lo um a teo ria co n ­

cre ta ... O s behav io ristas estiveram freq ü en tem en te iso lados das

q u es tõ e s em p íricas. O coração do m o v im en to foi um co n ju n to

com um de a ti tu d e s o rien tad o ra s , a m a io r p a rte {ias q u a is são as

segu in tes:

1) A in s is tênc ia em técn icas in te rsub je tivas (objetivas) para

assegurar a expressão de dados em píricos. Isso foi considerado in ­

com patível com a con tinuação do u so dos m éto d o s " in tro sp ec ti­

vo”, "sub jetivo" e "an tropom órfico".

2) A reiv indicação das variáveis estím u lo e re sp o sta com o as

únicas e leg ítim as variáveis in d ep en d en tes e d ep en d en tes em que

era possível exp ressar os resu ltad o s da p esqu isa psicológica, vi­

sando fo rm u lar u m a teoria . N esse sen tido , o objetivo da Psicologia

foi rep resen tad o (por W atson e o u tro s) por: "dado um estím u lo ,

p red izer a re sp o sta e dada u m a resposta , in ferir um estím u lo".

3) A consideração dos p rincíp ios da re sp o sta cond icionada ou

ou tro s re lacionados à form a S-R de associacion ism o, com o lei bá­

sica de explicação da aprendizagem .

4) U m a grande ênfase no “perife ra lism o” com o d e te rm in an te

do co m portam en to . Essa ênfase, é claro, fica relacionada à o rien ta ­

ção S-R, a plausib ilidade da qual os behavioristas ten tam freqüen te ­

m ente m o stra r pela análise de processos envolvendo term os S-R...

5) U m a ênfase ex trem ada no am bien ta lism o . (p. 168)

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Day (1980) faz q u estão de assinalar que há m u ita confusão da crítica ao sim p lesm en te equalizar a visão sk inneriana com esses cinco postu lados de Koch. Ele vê significativas diferenças. O bserva que essas diferenças encon tram -se na epistem ologia funcional de Skinner, “na sua concepção m achiana de ciência e grandes d iscrepâncias no clim a profissional co rren te em relação ao dos anos 1920”.

R ecapitu ladas as origens do p en sam en to behaviorista e co­nhecido, ao m enos de m odo superficial (até po rque a lite ra tu ra a respe ito não é sistem ática, m as d ispersa), o curso h istóri- co-crítico do ram o behaviorista m ais p ro em in en te (o behavio- rism o radical de Skinner), é em relação a este, evidentem ente , q ue se passará, n este trabalho , a concen tra r as referências. Ao behaviorism o radical se referirá a m aioria das críticas, com o tam b ém com base nele surg irão eventuais sugestões de redeli- n eam en to . Por certo , se esta é a trilh a possível, a posição do p ró ­prio S kinner acerca de algum as características de sua obra preci­saram ser colocadas, bem com o a dos h isto riadores. Para to rnar m ais vertical a apreciação das considerações dos críticos, que vi­rão a seguir, recoloca-se a posição do behaviorism o radical - perm itin d o m elho r com preendê-lo - com afirm ações finais im ­p o rtan tes de S kinner (1974):

Pode-se d ize r que o behav io rism o m etodológ ico e certas ver­sões do positiv ism o lógico ignoram a consciência, os sen tim en to s

e os e stad o s m en ta is , m as o behav io rism o radical não “decapita o

o rgan ism o" com isso; não "varre o p rob lem a da sub jetiv idade para debaixo do tapete"; não "m an tém u m a m etodo log ia e s tritam en te

co m p o rtam en ta l ao tra ta r os in fo rm es da in trospecção sim p les­

m en te com o co m p o rtam en to verbal” e não visa a "p e rm itir que a

consciência se atro fie".O q u e o beh av io rism o radical tem a d ize r sob re a c o n s c i ê n c ia

é isto:a) a estim u lação que se o rig ina no in te rio r do corpo rep resen ­

ta papel im p o rtan te no com portam en to ;

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b) os s is tem as nervosos po r m eio dos quais ela se to rn a efetiva desenvolveram -se p o r causa do seu papel na econom ia in te rn a e ex te rna do organism o;

c) no sen tid o em que d izem os e s ta r um a pessoa consc ien te da ­qu ilo que a cerca, ela tem consciência dos e stados ou acon tec im en­

tos de seu corpo; está sob o con tro le deles e n q u an to e stím u los. U m lu tad o r q u e " ten h a sido po sto inconscien te" não está re sp o n ­d endo aos e s tím u lo s a tua is q u e r d en tro , q u e r fora de su a pele; e

um a pessoa pode co n tin u a r a falar “inconscien te do efeito de suas palavras sobre os o u v in tes” se esse efeito não estiver exercendo con tro le sobre seu co m portam en to . Longe de ignorar a consc iên ­

cia n esse sen tido , u m a ciência do c o m p o rtam en to desenvolveu n o ­

vos m eios de estudá-la ;

d) um a pessoa to rn a-se conscien te num d ife ren te sen tid o

q uando u m a com un idade verbal organ iza con tingências em que

não apenas a pessoa vê um objeto , m as tam b ém identifica o que

está vendo. N este sen tid o especial, a consciência ou percepção é um p ro d u to social;

e) o conhec im en to in tro spec tivo que a pessoa tem de seu cor­

po - o au to co n h ec im en to - é defic ien te po r duas razões: a co m u n i­

dade verbal não pode p ô r o c o m p o rta m e n to a u to d esc ritiv o sob o

co n tro le p rec iso de e s tím u lo s p rivados e não houve o p o rtu n id a d e para a evo lução de um s is tem a nervoso que p u se sse a lgum as p a r­

tes m u ito im p o rtan te s do corpo sob to ta l contro le;

0 d e n tro desses lim ites , o au to co n h e c im en to é ú til. A co m u ­n idade verbal faz p e rg u n ta s acerca dos aco n te c im en to s p rivados

p o rque e les são p ro d u to s co la te ra is de causas am b ien ta is , acerca

das quais e la pode, com isso , fazer in ferências ú te is e o au to co ­

nhec im en to to rna-se útil para o ind iv íduo por razões sem elhan tes;

g) não se p re ssu p õ e n e n h u m tip o especial de m a té ria m en ta l.

O m u n d o físico gera ta n to a ação física q u a n to as cond ições físi­cas no in te r io r do co rpo às qua is u m a p esso a re sp o n d e q u an d o

um a co m u n id ad e verbal o rgan iza as contingências necessárias...

N inguém pode dar um a explicação adequada de grande parte do pen sam en to hum ano . Afinal de con tas, ele é provavelmente o mais complexo assunto jam ais submetido a análise [grifo nosso ]. As g randes

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Kester C arrara

realizações de artis tas , com posito res, escritores, matemáticos e cien­tistas estão , sem dúvida, a inda fora de alcance (em parte , com o já

sa lien tei, p o rque os h o m en s que se destacaram n esses cam pos fo­ram levados pelo m en ta lism o a dar e rro n eam en te inform ações in ú te is de suas ativ idades). Por m ais defic ien te que possa ser um a

explicação co m portam en ta l, devem os lem brar que as explicações m en ta lis ta s não explicam nada. (p. 180-5, passim )

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Crítica e metacrítica: temáticas e contextos relevantes

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C om o anunciado an te rio rm en te , esie cap ítu lo p re tende agrupar o co n jun to das principais críticas ao enfoque behavio- rista. Para tan to , foi ado tado um con jun to de critérios, a rb itrá ­rios e certam en te não-consensuais, que visam un icam ente dar algum a uniform idade à ap resen tação geral do conteúdo . Foram definidas três áreas básicas de concentração da crítica, em que se supõe ser possível abrigar as p rincipais q u estõ es enfocadas. Essas áreas receberam as denom inações de conceituai-filosófica, ético-social e científico-metodológica. N o en tan to , em bora tenha sido essa a m elho r alternativa de ag rupam en to encon trada, pelo m enos dois tipos de prob lem a foram identificados e to rna-se necessária - po r é tica - u m a ressalva antecipada.

Em primeiro lugar, sobraram tem as, ou seja, as categorias p ro ­postas, em bora sugestivas, não puderam con ter todo o conteúdo critico: não há categorias passíveis de adoção sem que se corra o nsco de que falhem por não con tem plarem todo tipo de crítica encontrado na lite ra tu ra . H á a lguns tem as q u e são, p o r isso, apresentados num a q u arta área, um a espécie de m iscelânea ou

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m osaico de tem as polêm icos de n a tu reza m u ito específica, que em bora com partilhem se to res das três p rim eiras categorias acom odam -se m elh o r nessa q u a rta área.

Em segundo lugar, os tem as enquadrados nas três áreas p rio ­ritá rias p o ssuem e lem en tos com uns. Por exem plo, quando se es tá d iscu tindo um a qu estão de cunho científico-m etodológico é quase natu ral que ela con tenha im plicações conceituais-filosó- ficas ou éticas. R eitere-se, as categorias escolhidas não são m u tu a m e n te exclusivas, em v irtu d e da p ró p ria n a tu reza do trab a lh o , a lém do fato de que, freq ü en tem en te , os au to res não escrevem p ara c ircunscrever-se apenas a um d e te rm in ad o ângu lo da questão .

A penas se p re tendeu , com a divisão p roposta , assegurar ao le ito r um co n ta to facilitado e razoavelm ente un iform izado com o m ateria l, que é b astan te com plexo e e s tá d is trib u íd o na lite ra­tu ra científica p e rtin en te de m odo aleatório , sem um a seqüên­cia cronológica e lógica tem ática visível. H á a ssu n to s que têm u m a incidência na época da publicação da lite ra tu ra behavio- ris ta (por exem plo, a crítica em to rn o da q uestão da liberdade e da d ign idade foi acentuada, com o se poderia esperar, logo em seguida à publicação de Beyond freedom and dignity - dezenas de revisões aconteceram no m esm o ano ou no ano seguin te). T odavia ex istem tem as que são recidivos: vão e vo ltam à tona conform e algum evento provocativo ocorra - e não há regras explícitas para que isso aconteça.

O u tra an tecipação necessária ao le ito r é a de que, poste rio r­m en te à descrição e análise das críticas, será feito um resum o de cada questão , com o ún ico objetivo de to rn a r m ais fácil a iden ti­ficação da polêm ica apontada. Tais resum os, por vezes, poderão não ser u m a am o stra especialm ente rep resen ta tiva de todo o con tex to da crítica, até p o rque esta se configura, por sua própria na tu reza , com o resis ten te a ser sum ariada, em razão de algu­m as su tilezas que não podem deixar de ser levadas em conta. Todavia, um sum ário ten ta tivo visa, fundam en ta lm en te, asse­

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Behaviorismo radical

gurar a construção de um perfil que perm ita ao le ito r visualizar ao m enos um a parte da situação vigente da crítica ao behaviorism o radical. Isto se fará porque, com um a avaliação crítica, p re te n ­de-se - concedida vênia do le ito r para os vieses próprios de um au to r que se en co n tra necessariam ente no in te rio r da polêm ica em razão de sua form ação teórica - iden tificar subsíd ios não valorizados até aqui pelo behaviorism o radical e que podem ser úteis para o seu aperfeiçoam ento , reform ulação ou conso lida­ção. Se este não for o caso - o que ficará tran sp a ren te q u an to a um a parcela significativa da crítica - , ce rtam en te esta será u tili­zada com o in s tru m en to a pe rm itir um a d iscrim inação de áreas que devem ser m ais bem pesquisadas, de a ssu n to s que devem ser aprofundados, de técnicas que devem ser priorizadas e assim por d ian te.

R esta pontificar que um a avaliação crítica jam ais poderá p re tender status de palavra decisiva, até po rque ç ob jeto de estudo em pau ta não perm ite essa pre tensão . A ssim , o p resen te ensaio tem apenas, e em ú ltim a análise, o objetivo de a lertar para o fato de que um a revisão da crítica pode ser útil para o aperfeiçoam ento de qua lq u er abordagem : é esse sen tido e essa perspectiva que se reivindica ao le ito r criterioso ado ta r ao en trar em co n ta to com estas ponderações.

A seguir, no quad ro 3, é ap resen tado , de m odo esq u em á­tico, o con jun to de categorias e títu lo s de tem as selecionados den tro da lite ra tu ra revista, seguindo-se um a s ín tese do con­texto crítico respectivo. N a seqüência, já se en tra rá au to m atica ­m ente no con teúdo de cada assun to , seguindo-se o m odelo esquem ático desse quadro .

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Kesler C arrara

Q uadro 3

A re a 1 (C onceitual-filosófica)

Contexto crítico 1.1. Supersimplificação e superficialidade na explicação do comportamento enquanto objeto de estudo: o behaviorismo radical seria reducionista.

Contexto crítico 1.2. Generalização da pesquisa animal para os seres humanos: o behaviorismo radical se­ria continuísta.

Contexto crítico 1.3. Rigidez na explicação das relações estímu- lo-resposta, considerando o interior do ho­mem como cerne da metáfora da “caixa preta": o behaviorismo radical como meca- nicista.

Contexto crítico 1.4. Influência positivista como determinante da filosofia behaviorista: o behaviorismo radi­cal como instrumento que leva à objetifica- ção da pessoa humana.

Á re a 2 (C ientífico-m etodológica)

Contexto crítico 2.1. As noções de estímulo e resposta como conceitos pseudo-objetivos: o behavioris­mo radical é circular na sua suposta lingua­gem operacional.

Contexto crítico 2.2. A análise (formal/funcional) do comporta­mento verbal e as questões da teleologia, inten­cionalidade e propósito em debate.

Contexto crítico 2.3. As aplicações clínicas da Análise do Com­portamento e os efeitos da filosofia behavio­rista: a substituição de sintomas como su­posto exemplo da ineficácia e im propriedade

de métodos, técnicas e procedimentos.

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continuação

Behoviorismo radical

Contexto crítico 2.4. O método de pesquisa e os procedimentos utilizados na Análise do Comportamento não dão conta do caráter interno e privado: o behaviorismo radical explica apenas uma fração superficial das ações humanas.

Á re a 3 (Ético-social)

Contexto crítico 3.1. A prática do controle gera relação de mani­pulação unilateral: a questão dos valores e o behaviorismo radical como reacionário e anti­democrático.

Contexto crítico 3.2. O campo da Análise Aplicada do Comporta­mento: o behaviorismo radical, quando pre­sente na prática clínica, educacional e de re­lações humanas, baseia-se em análise super­ficial e é necessariamente antiético.

Contexto crítico 3.3. O behaviorismo negligenciaria instintos, sentimentos, motivos, emoções, dons ina­tos e criatividade: o behaviorismo radical seria desumanizante.

Contexto crítico 3.4. Ao negligenciar a dignidade e o livre-arbí- trio, o behaviorismo radical seria uma ameaça aos ideais libertários.

“Á rea 4 ” (O utras criticas e tem as polêm icos)

Contexto crítico 4.1. Algumas dimensões da divergência Freud x Skinner.

Contexto crítico 4.2. Behaviorismo e pressupostos neurológicos sob suspeição.

Contexto crítico 4.3. As relações entre behaviorismo e etologia.

Contexto crítico 4.4. Behaviorismo e espiritualidade: considera­ções sobre alguns apontamentos da crítica.

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Kester C arrara

continuação

C o n tex to crítico 4.5.

C o n tex to crítico 4.

C o n tex to crítico 4.

C o n tex to crítico 4.

C o n tex to crítico 4.

C o n tex to crítico 4

C o n tex to crítico 4

B ehaviorism o, situacion ism o , am bien ta lis- m o, con tex tualism o .

6. As relações (im )possíveis en tre behav io ris­m o e fenom enologia.

7. As relações en tre behav io rism o e h u m an is­m o: aproxim ação e d is tanc iam en to .

8. B ehaviorism o social e behav io rism o radical.

9. O papel da teo ria no behav io rism o radical: polêm ica perene.

.10. As relações en tre behav io rism o e cogn itivis- m o: do an tagon ism o explíc ito à p rox im ida­de possível.

.11. C ríticas ao behaviorism o radical e confusões de endereço: os d iferen tes behaviorism os.

Área 1 (Conceitual-filosófica)

Supersimplificação e superficialidade na explicação do comportamento enquanto objeto de estudo: o behaviorismo radical seria reducionista

O a rc a b o u ç o h is tó r i c o d o b e h a v io r is m o d e s c r i to n a s p r im e i­

ra s p á g in a s d e s te e n s a io f r is o u v á r ia s v e z e s o a m b ie n te a c a d ê ­

m ic o e m e b u liç ã o d e s d e o la n ç a m e n to d o m a n i f e s to , e m 1 913 ,

p r o p o n d o m u d a n ç a s q u a n to a o o b je to d e e s tu d o d a P s ico lo g ia .

O c e n á r io d e d e s c o n te n ta m e n to c o m a s u b je t iv id a d e a s s e g u ro u

lu g a r p a r a u m a a te n ç ã o e sp e c ia l d o m u n d o a c a d ê m ic o s o b re o e s tu d o d o c o m p o r ta m e n to , e m c o n t r a p a r t id a a o e s tu d o d a c o n s ­

c iê n c ia . A a l t e r n a t iv a b e h a v io r is ta d a e s c o lh a d o c o m p o r ta ­

m e n to c o m o o b je to d e e s tu d o p ro d u z iu a té m e s m o u m a te n ­

d ê n c ia a a b a n d o n a r o p ró p r io te r m o P sicologia, o r ig in a lm e n te

r e f e r e n te a o e s tu d o d a alm a e , n e s s e s e n t id o , u m a d is c ip l in a

p re o c u p a d a c o m o s c o n te ú d o s s u b je t iv o s d a consciência e /o u

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Behaviorismo radical

da m en te hum ana. A té po r con ta dessas razões, a lguns behavio- ristas, cu lm inando com Skinner, acabaram por preferir exp res­sões que, segundo eles, refle tissem m elho r o seu cam po de estudo: passou-se a falar em ciência do co m portam en to com o designação geral e, m ais especificam ente, em A nálise E xperi­m ental do C om portam en to , em vez de Psicologia.

O clim a no final do século XIX e no com eço XX, em bora en tre os acadêm icos se resp irasse algum a h ipo té tica m udança, m an tinha-se receoso e conservadorista . Por essa razão, a su s ­tentação teórica do dualism o, que levou ao desenvolv im ento da in trospecção com o m étodo eleito pela Psicologia, estribado nas defesas do m enta l con tra o corpóreo, do in te rn o con tra o externo, do proposita l con tra o reflexo, estava de tal m odo arra i­gada na época do lançam ento po r W atson das bases do behavio­rism o que a reação ao m anifesto foi im ed iata e ru idosa. U m a prim eira e forte o nda de rejeição ao m odelo teórico , q u an to ao seu objeto de estudo , apareceu com o p róprio’artigo behavio- rista inaugural, p o r considerar-se que W atson bania a m en te do cam po de análise de sua teoria. Essa sem en te am p u tad o ra do conceito de hom em levou a ex trem os do que m ais tarde viria a ser considerada um a form a reducion ista de análise, ou seja, o behaviorism o m etodológico. Era a q uestão do dualism o rec ru ­descendo, sem pre viva, com o te ria explicado Boring (1953a) em sua análise: "A crença na existência da m en te conscien te é m uito antiga, tão an tiga q u an to a Filosofia e tão an tiga q u an to a crença na im ortalidade da alm a” (p. 175). N a verdade, Boring faz referência à su sten tação da tradição, em Psicologia, do velho dualismo corpo-mente, que levou seu ob jeto de es tu d o a p erm an e­cer por tan to tem po sendo a referida e su p o sta segunda d im en ­são do hom em , ou seja, a sua vida m ental.

O s re f le x o s d a c r í t ic a e m fu n ç ã o d a p o s iç ã o b e h a v io r is ta

m flex ív e l c o m a q u e s tã o d o d u a l i s m o r e p e r c u t i r a m lo g o n o

c o m e ç o d o s é c u lo XX. P a ra s e t e r u m a id é ia d o a lc a n c e d a s re a -

Çoes ao b e h a v io r is m o w a ts o n ia n o in ic ia l , r e g is t r e - s e q u e a s r e s ­

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trições behav io ristas de en tão à inclusão da m en te com o finali­dade de um a ciência psicológica criaram dificuldades à com preen­são de m u ito s estud iosos, acostum ados a pensar as questões h u m an as ten d o a consciência com o referencial. De tal m odo se te n to u consertar essa situação que certos au to res (Kostyleff, 1928, por exem plo) se referiam à possib ilidade de que se fizesse o e s tu d o do com portam en to , m as que se in troduz isse a noção de esp írito (com o sinôn im o de m en te) com as particu laridades qu e fossem necessárias à com preensão do indivíduo, que, na sua opinião , não poderia ser v isto com o au tô m ato e reduzido in te iram en te ao sistem a nervoso. A visão objetiv ista do com ­p o rtam en to e o eventual lugar da consciência d en tro do sistem a behav io rista já haviam sido d iscu tidos po r Lashley (1923), em cujos traba lhos se colhiam indicações de que a descrição e explanação com pletas do co m portam en to podiam se r consegu i­das em te rm o s de um a psicoquímica da ativ idade corporal.

E n tre tan to , as trê s principais versões behavioristas da época, segundo Lashley, diferiam q u an to ao papel da mente no sistem a. A ssim , a lguns en ten d iam que os fatos da experiência conscien te ex istiam e eram passíveis de estudo , com m étodos d is tin to s dos u tilizados para o com portam en to . O behaviorista não esta ria in te ressado neles, em bora adm itisse sua existência; deixá-los-ia para os in trospeccion istas ou para os filósofos. Essa posição é caracterizada po r Lashley com o fundada num puro parale lism o psicofísico, com ênfase no físico, tal com o a visão de B echterev e o u tro s ob jetiv istas prim evos. O u seja, n essa ver­são, o behaviorism o esta ria adm itindo sua com preensão parcial do ser hum ano , ao possib ilita r apenas p roced im entos objetivos de acesso a tu d o o m ais que não fosse mente ou consciência: estas seriam analisadas a p a rtir de técnicas convencionais, en tre as quais a in trospecção configurava excelência.

U m a segunda versão behaviorista apon tada po r Lashley em relação ao ob jeto de es tu d o m ostrava que os fatos da experiên ­cia conscien te ex istiam , m as não eram passíveis de qualquer

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tra tam en to científico: essa seria a form ulação m ais com um en tre os behav io ristas da época e refletia parc ia lm en te os p ri­m eiros escritos de W atson . Essa posição, p o rque não acreditava poder lidar com os fatos da consciência u tilizando sua m eto d o ­logia, se recusava a aceitar que q u a lquer o u tro sis tem a com em basam en to de causação física pudesse ser desenvolvido de m odo a pe rm itir um a explicação fisicalista dos fatos da cons­ciência. Tal acepção já era considerada por Lashley com o um a form a de behaviorism o m etodológico. N este caso, não só o behaviorism o (m etodológico) não tin h a acesso à mente e à cons­ciência, m as as excluía de consideração: com o que decapitava o o rgan ism o por insuficiência técn ico-m etodológica para d escre­vê-lo com pletam ente .

U m a terceira e ú ltim a posição acerca do ob jeto de estu d o do behaviorism o era a que to rnava p ressu p o sto q u e os fatos da consciência s im p lesm en te acabam sendo fatos com portam en- tais. Em o u tras palavras, com o dizia o próprio Lashley: “M ente é co m p o rtam en to e nada m ais”. M ais tarde, com m u ito s rep a­ros, veio a ser defin itivam ente conceptualizada por Skinner com o o behaviorism o radical, que não nega a ex istência da vida mental, a que cham a de eventos privados, negando a estes, to d a ­via, a condição de causa do com portam ento .

T odas essas a lternativas, que de um m odo ou o u tro acabam conduzindo o objetivo do behaviorism o para o com portam en to , geraram e con tin u am gerando in term ináveis críticas (com o em Locke, 1972). Esse é o fenôm eno que in te ressa aqui: ao desven- cilhar-se da qu estão da consciência, p rocurando a lternativas que lhe perm itissem , com o é o caso de Skinner, assegu rar que não negligencia os “fatos da vida m en ta l”, o behaviorism o em geral, e o behaviorism o radical em particular, acabam sendo a ta ­cados com o estigm a do reducionismo. N este caso específico, isso ocorre exa tam en te em função da concepção de que o co m p o rta ­m en to não é tu d o e de que, em con trapartida, nem tu d o é com ­p o rtam en to . O behaviorism o, ao te n ta r tran sfo rm ar grande

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p arte de todos os fenôm enos associados à ação hum ana em com portam en to , esta ria a ssum indo posição n itid am en te redu- c ion ista , segundo a crítica.

Porém , an tes que se possa avaliar a p ropriedade ou im pro­priedade da observação, to rna-se in te ressan te visualizar m elhor algum as concepções e tipos de reducion ism o já d iscu tidos na lite ra tu ra . N esse em preend im en to , a h is tó ria m o stra in te res­san te traba lho de Sloane, já em 1945. De m odo sucinto , para ele, reducion ism o pode se r defin ido "com o a ten ta tiva de expli­car um todo com plexo de in ter-relações em te rm os de seus ele­m en to s sim ples ou de e lem entos com ponen tes de um nível in ferio r do fenôm eno" (p .217). C onsiderando-se a época, é bas­tan te ausp iciosa a p roposição de Sloane. Já nos p erm ite v isuali­zar a idéia p ro p riam en te da redução, is to é, a idéia de d im inu ir o evento ou fenôm eno, em te rm o s explicativos, de m aneira a supersim plificar sua com preensão . Essa supersim plificação não pode ser confund ida com a parcim ônia. E n o to riam en te sabido que a parcim ônia nas explicações científicas é um a virtude: en tre explicações d iversas, deve-se esco lher a m ais sim ples (desde que provavelm ente a m ais co rre ta ) . Isso não se deve con­fund ir com supersim plificação ou reducionism o. Este acaba ignorando p artes fundam enta is do fenôm eno ao ten ta r explici­tá-lo, com o será visto em seguida. A ssim , a sim plificação to rn a ­ria artificial e parcial a com preensão do fenôm eno, no sen tido de que, ao reduzi-lo , ficariam de fora da explicação m uitos aspectos im p o rtan tes do m esm o. E, considerada de fora da explicação qualquer p arte do fenôm eno, m esm o que descartada sua m aio r im portância , a verdade é que o fenôm eno todo não esta rá explicado.

Mas pode-se, a p a rtir de Sloane (1945), enco n tra r m elhor ilustração de alguns tipos de falácias típ icas de um a posição reducionista:

1. Falácia do isolamento - Essa falácia consiste em isolar um a parte de u m todo e e s tu d a r sua e s tru tu ra ou função sem consi­

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derar su fic ien tem en te suas relações de dependência com o todo de que faz parte . E ssa parte é es tu d ad a com o se fosse u m todo fenom ênico em si. M uito do traba lho com a célula, no cam po da Biologia; do reflexo, na Psicologia; da liderança, na Sociologia e na H istória, tem sido viciado po r essa espécie de abordagem reducionista. Esse tipo de falácia serviu de m odelo a u m a p a r­cela da crítica ao behaviorism o, no sen tido de que este, ao p rio ­rizar o co m portam en to com o via ún ica de acesso à com preensão das ações hum anas, deixaria de olhar criteriosamente para todo o contexto restan te . Em o u tras palavras, o behaviorista recortaria a realidade com a justificativa m etodológica de m elho r e stu - dá-la, m as não conseguiria com preender, com isso, o todo de onde isolou aquele co m p o rtam en to específico.

2. Falácia do somatório matemático - S loane m o stra que essa falácia, in teg ra lm en te relacionada à prim eira, consiste em p en ­sar que po r ser verdadeiro , em m atem ática , que o todo é a som a das partes, tam bém isso seja verdade na na tu reza em geral; o todo é m u ito m ais que a som a das partes, com o a G estalt viria a enfatizar. P ensadores respeitáveis, quando em proced im entos de análise teórica, en tre tan to , têm incorrido nessa falácia. Eles acreditam que é possível analisar o todo em seus e lem entos ou partes e, com isso, m esm o sem um a costura sistem ática, é p o ssí­vel te r idéia exata do todo. Para Sloane, falham em não perceber que anatom izar e a tom izar o hom em não é o m esm o que revelar sua existência integral, m as apenas re ta lh a r o organism o. N o final deste livro, q u ando se esta rá especulando sobre um p ara­digm a de A nálise C om portam en ta l C o n tex tu a lis ta com o a lte r­nativa ao m odelo vigente, esse aspecto esta rá sendo destacado, se não apon tado com o su b stra to teórico e filosófico básico para um behaviorism o redelineado.

3. Falácia das constantes - E ssa falácia envolve p en sa r em ter- m «s está ticos, em co n trapartida a te rm os dinâm icos. N atu reza e sociedade são consideradas com o um conglom erado de u n id a ­des fixas, á tom os, indivíduos. N ão se levam em con ta as m u ­

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danças e o d inam ism o que cada um a dessas un idades possu i em si m esm a. De certo m odo, a visão sociológica positiv ista de D urkheim padeceria desse tipo de problem a, ao adm itir com o próprio da na tu reza social um certo con jun to de desigualdades in traclasse, o que com prom eteria po r princíp io q u a lquer ciência que buscasse co n trib u ir decisivam ente para transform ações sociais im p ortan tes.

4. Falácia da origem - Para com preender essa falácia, é p re­ciso levar em con ta q u e um efeito não difere de sua causa em te rm o s de estofo. D esde que o hom em em origem é anim al, en tão tu d o o m ais nele seria anim al: as leis da aprendizagem , po r exem plo, guardariam sim ilaridade para anim ais e hom ens. E n tram aí, m ais tarde, as q u estõ es da con tinu idade in terespé- cies e da d ico tom ia m o n ism o /d u a lism o (respectivam ente, q u estõ es com o: em que m edida o que é válido para o u tras espé­cies é válido para a espécie hum ana? Pode um a e s tru tu ra de estofo físico - o cé reb ro - p ro d u z ir algo de esto fo não-físico - o p en sam en to?).

5. Falácia da metáfora ou da analogia - Ligada à an terio r, repre­sen ta-se por um a tendência a u sar analogia an tropom órfica para com preender níveis não-hum anos. A qui, a qu estão do propósito é um exem plo: não é a m esm a coisa para hom ens e o u tro s an i­m ais e m esm o p lan tas. N esse sentido, é falacioso analisar o com ­portam en to anim al (e vice-versa) usando parâm etros hum anos: que estará pensando o anim al? O que ele sente nessa condição?

6. Falácia dos modelos- A com paração m etafórica das explica­ções a p a rtir de m odelos é o que ocorre aqui: com parar o sis­tem a nervoso com um sistem a telefônico ou elétrico ou com pa­rar o funcionam en to cerebral com o funcionam ento do com pu­

tad o r são exem plos.Em bora as elucidações de Sloane sejam valiosas, nem sem ­

pre elas se referem ao sen tido de reducion ism o tal com o hoje e en con trado na lite ra tu ra : ex trapolam o conceito atual que se fixa na idéia de supersim plificação e e lem entarism o. Os cn te-

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rios de Sloane, sob re tudo , nem sem pre foram seguidos de m odo integral pela crítica nem necessariam ente guardam toda a coe­rência que se poderia exigir. Todavia conseguem caracterizar sufic ien tem ente o tip o de restrições com freqüência a tribu ídas ao behaviorism o em geral.

U m a o u tra form a de rep resen ta r a questão do reducionism o é dada p o r je s so r (1958), que ressa lta que o in te resse nos d e te r­m inantes fisiológicos e nos m odelos físicos do com portam en to reabriu algum as qu estõ es fundam enta is a respeito do status da Psicologia com o discip lina au tô n o m a en tre as ciências. Diz que algum as das d iscussões em to rn o do assu n to podem ser su m a­riadas pela concepção de que conceitos físicos e fisiológicos são de na tu reza m ais básica do que os psicológicos e que, por causa disso, a explicação do co m portam en to pode ser, em ú ltim a in s ­tância, realizada nesses term os. N a opin ião de Jessor, essa te n ­dência abriga tam bém um a form a incon testável de reducio ­nism o, já que, a co n tinuar essa m etáfo ra de transfo rm ação de um elem ento em ou tro , acabaríam os tendo o á tom o (ou suas subdivisões) com o a un idade básica de explicação de tu d o o mais (inclusive do com portam en to ).

N essa perspectiva, a dou trina do reducionism o, em essência, poderia ser com preendida considerando as diversas disciplinas na ciência com o hierarquizadas: por exem plo, com a Física sendo a base para a Q uím ica, a Biologia e a Psicologia e esta, po r sua vez, com o base para as d isciplinas h istóricas e sociais. N esse sentido, os p ressupostos de um a disciplina menos básica poderiam ser com preendidos nos te rm os de um a discip lina mais básica. Com isso, Jessor acaba deixando entrever, tam bém , ou tra qu es­tão complexa, que é a do com portam ento m olar versus m olecular, no sentido já d iscutido no livro (em T olm an), em que o m olecu­lar representa um a posição atom ista e necessariam ente reducio- nista, podendo ser rep resen tad a pelo behaviorism o ao estu d ar seccionadam ente o ser hum ano num a série de com portam en tos °lue constitu iriam seu repertório . Já para Ribes (1978, p.9):

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A carênc ia de u m a te o r ia basead a na co nsideração de d ife ren ­te s n íveis qu a lita tiv o s de com plex idade e o rgan ização do co m p o r­

ta m e n to tem co n d u z id o a do is tip o s de desv ios red u c io n is tas: a) um co n s is te em su p o r q u e as espéc ies su p e rio re s com o o hom em

são co n tro lad as c o m p o rta m e n ta lm e n te pelos m esm o s processos q u e as espéc ies in fe rio res (com o ra to s , p o m b o s e tc .), de acordo com os parad ig m as do co n d ic io n am en to o p e ran te ; b) o u tro co n ­

s is te em im p o r às e sp éc ie s in fe r io re s o s p ro c e s so s e m e c a n is ­

m o s id e n tif ic a d o s n a s e sp é c ie s s u p e r io re s (m a m ífe ro s e aves), co m o su ced e na b u sca de e fe ito s de c o n d ic io n a m e n to nos in v e r­teb rad o s .

O tra b a lh o recen te na A nálise C o m p o rtam en ta l A plicada exem plifica o caso a) de m an e ira p rec isa com o u m a fo rm a ex tre ­m a de ex trap o lação co nce itua i d o c o m p o rta m e n to an im al para

o c o m p o rta m e n to h u m an o . A pesar do seu p ro p ó s ito ob je tiv ista , ta l an á lise tem m o s tra d o se r reducionista e te r pouco êx ito no d e ­sen v o lv im en to de u m a ab o rd ag em teó rica do co m p o rtam en to

h u m an o .

Prossegue R ibes (1978, p .9-10):

A A nálise do C o m p o rtam en to não tem consegu ido tra ta r ade­

q u ad am e n te do co m p o rtam en to hu m an o , ta n to no âm b ito teórico

q u a n to no âm b ito experim en ta l. Por consegu in te , um problem a p rim ário da teo ria do co m p o rtam en to deveria se r a d is tinção en tre o co m p o rtam en to an im al e o co m p o rtam en to h um ano . A d iferen­

ça en tre o co m p o rtam en to an im al e o h u m an o não pode ser so­m en te de o rd em m orfológica ou quan tita tiv a . É ev iden te que a lin ­

guagem e a possib ilidade de re sp o n d er aos re fe ren tes dos eventos

confo rm e as convenções e a h is tó ria dos g rupos sociais rep resen ta

inequ ivocam en te um co rte qua lita tivo en tre os h u m an o s e os nao hu m an o s ... Sem d iscussão , a linguagem estabelece um a diferença

fundam en ta l en tre os an im ais su b h u m an o s e o hom em , e parece lógico co nsidera r que os parad igm as e conceitos form ulados para tra ta r dos fenôm enos lingü ísticos ten h am que ser insuficientes

para co n te r as carac terísticas qua lita tivas da linguagem com o com

p o rtam en to .

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C om o se vê pelos au to res citados, o behaviorism o em geral com partilharia de alguns pon tos de v ista que poderiam d em ar­cá-lo com o um a visão parcial, s im p lista e superficial do seu objeto de estudo , o com portam ento , em si só um a representação redutiva de tudo que pode se passar no organism o enquan to age.

Por definitivo, em bora a precisão dos te rm os careça de m elhor especificação no âm bito da ciência, sim plism o e superfi­cialidade são conceitos com um en te encon trados na lite ra tu ra crítica acerca das teses behavioristas, desde W atson . N em sem ­pre as referências u tilizam exa tam en te essa term inologia, m as este ensaio alude ao contexto da crítica, m ais que à circunstância específica dos term os. N essa direção, o próprio Skinner se incum be de um a resp o sta p re lim inar (1974, p. 191-2) sobre a alegada superficialidade da A nálise do C om portam ento :

Se exclu irm os o significado pejorativo de "superficia l" com o caren te de pene tração e o sen tid o honorífico d« “p ro fu n d o ” com o

perspicaz e en tran h ad o , en tão há um a p o n ta de verdade na alega­ção de que a análise behav io rista é superficial e não a tinge as p ro ­

fundezas da m en te ou da personalidade . O im pulso de um a tal

análise é q u es tio n a r o papel causal daqu ilo que é sen tid o ou in tro s-

pectivam en te observado d en tro da pele, vo ltando-se, em vez d isso , para a h is tó ria genética e am biental, bem com o para o cenário atual,

todos os quais e stão no lado de fora. Se o behav io rism o ad o tasse a

linha de um es tru tu ra lism o puro , aban d o n an d o o papel causal da

m en te sem nada colocar-lhe no lugar, seria superficial n u m se n ti­

do criticável, m as e s ta é um a concepção m u ito superficial daqu ilo

que e fe tivam ente ocorre.

O utro a u to r (Rakover, 1986) vê a qu estão com o um p ro ­blem a cen trado na in terp retação . C ita a Psicologia cognitiva com o freq ü en tem en te ten d o feito uso da m etodologia experi­m ental aplicada pelos behavioristas, m as u tilizando um sistem a m terpretativo de na tu reza d iferen te , um a vez que os p re ssu p o s­tos acerca de im plicações básicas com o aparato mental e estados

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internos são v irtu a lm en te d iferen tes. N esse sen tido , um even­tua l reducion ism o não se localizaria especificam ente no modo experim enta l de abo rdar o ob jeto de estudo , m as na interpretação feita a p a rtir dos dados dessa realidade. Esse a u to r ten ta m os­tra r que, na Psicologia, existem sérias dificuldades de com preen­são en tre os es tu d io so s de am bas as linhas, especialm ente em v irtu d e da ausência de um a linguagem apropriada e com um a diversas concepções, corroborando afirm ação genérica atribuída a W ittg e n s te in (1953): "N a P sico log ia há m é to d o s ex p e ri­m e n ta is e... confusão conceituai".

Para as finalidades desta análise, com O liveira (1982), con- siderar-se-á q u e o behaviorism o radical de S kinner tem com o p rem issa fundam enta l que os o rganism os h um anos fazem parte da natureza e, com o parte desta , podem ser estu d ad o s cientifica­m en te com o auxílio de um a ciência na tu ra l. E por essa razão que S kinner inclui a A nálise do C om portam en to , enq u an to ciência cuja filosofia é o behaviorism o radical, en tre as ciências biológicas. Todavia, cham a atenção para que não se a confunda com um a espécie de fisiologia do com portam en to , a té porque deve tra ta r apenas dos aspectos com portam en ta is para os quais a Fisiologia a tual não tem resposta , m as que podem ser analisa­dos em te rm o s de an teceden tes e conseqüen tes.

Para O liveira (1982), considerar a Psicologia com o ciência da na tu reza im plica: a) aceitar que o co m p o rtam en to é um a rea­lidade n a tu ra l sem elh an te aos fatos estu d ad o s pela Física, Q u í­m ica, Biologia etc.; b) aceitar que o co m p o rtam en to tem causas m ateria is quantificáveis (em bora m u itas vezes ainda não q u an ­tificadas), com o ocorre com as o u tras ciências n a tu ra is já m en ­cionadas; c) te r que se restrin g ir aos m étodos próprios das ciên­cias n a tu ra is usando a observação e experim entação em pírica de fatos públicos.

A inda para O liveira (1982, p .34-6), Sk inner m ostra-se con­trad itó rio q u an to a essa na tu reza e ob jeto da ciência. P rincipal­m en te quando , em About behaviorism (1974), defenderia posi­ções com o as q u e seguem :

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a) nega a redução do co m p o rtam en to a o u tro s níveis de o b se r­vação p regando que o m esm o deve se r observado m o la rm en te e não m o lecu larm en te , sem reduzi-lo (pelo m enos no a tua l estág io de desenvo lv im en to das c iências biológicas) a o u tro s aspec to s que não sejam o u tro s co m p o rtam en to s ou even tos an teced en tes ou

conseqüen tes;

b) nega que as causas an tecedam e sejam in d ep en d en tes dos

fenôm enos que se lhes seguem com o ocorre com as ou tras ciências, ou seja, para o behav io rism o radical a causa dos co m p o rtam en to s

são os efeitos que se lhes seguem e, p o r o u tro lado, m esm o q u an d o é identificável um a causa ou "es tím u lo" ex terno , e s te só age em consonância com os e stad o s ind iv iduais específicos; p o r exem plo,

a com ida não é iso ladam en te a causa do co m p o rtam en to comer. E preciso que o ind iv íduo este ja privado de com ida ou "com fom e”

para que ele com a;

c) o behav io rism o radical, ao aceitar a in trospecção com o m é­

todo, nega q u e a observação do co m p o rtam en to deva se r realizada

nos m oldes do que é feito nas dem ais ciêflcias n a tu ra is , as quais negam a possib ilidade de análise subjetiva.

C om o conseqüência da con trad ição ex is ten te en tre o que p ressupõem as ciências n a tu ra is com o m éto d o e o que p o stu la o

behaviorism o radical, conclu i-se que o m esm o não pode se r consi­derado coeren te com o desid e ra to de S k inner de q u e re r fazer da Psicologia u m a ciência n a tu r a l ... D esta form a M cCall (1972) afir­

m a que “S k inner p rincip ia com o um reduc ion ista m etodo lóg ico

para co le tar dados, m as rap id am en te se converte em reduc ion is ta

m etafísico, que to rn an d o -se dogm ático , p assa a ap reciar os dados que este jam de acordo com a sua concepção viesada".

Na nossa visão, no en tan to , é apenas parcialm en te p roce­dente a in terp re tação con tida em b) e c), com o se segue. Q u an to ao contido em c), cabe ressalvar que Skinner, ao reconhecer o valor dos relatos verbais, não sinonim iza tal aceitação (parcial) com sua adoção (enquan to m étodo privilegiado de acesso ao p si­cológico); além disso, é óbvia sua ten ta tiva freqüen te de ap rox i­mação a um m odelo de ciência na tu ra l, de m odo que um a parci-

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m oniosa relativização de suas afirm ações sobre o valor da in trospecção , especialm en te em About behaviorism, to rna-se im prescindível. Q u an to ao con tido em b), a ressalva dá-se pela segu in te razão: quando o behaviorism o radical de S kinner d es­carta o status an teceden te de causa, não o faz afastando-se da sim ilar explicação das ciências n a tu ra is . O que S kinner es tá p ri­vilegiando é o co m portam en to o p eran te em relação ao respon- d en te . N o operan te , apenas ap aren ta à crítica que as causas este jam ocorrendo depois do evento causado, o que seria um absu rdo m etodológico , além de um p o stu lado abso lu tam en te con trário a tu d o o que se depreende do dete rm in ism o científico, a inda que probabilístico . O que ocorre é que a conseqüência p roduzida por um co m portam en to (o que vem obviam ente depois deste) tem seus efeitos não sobre esse com portam en to já ocorrido, m as sobre os co m portam en tos que ten h am função e m orfologia similares (iguais, im possível) a este e que passam a te r m aior probabilidade de em issão no fu tu ro , em condições sem elhan tes à p resen te . E stá aí im plícita a noção fundam ental da A nálise do C om portam en to que envolve classe de respostas. Todavia, decid ir (pelas conseqüências) se o evento é reforçador positivo ou não, é o u tra q uestão e está ligada ao prob lem a da p ropalada circularidade do conceito de reforço, a ser v isto m ais adiante.

N o m o m en to , cabe a ressalva q u an to a um eventual afasta­m en to das proposições de S kinner do que se convencionou cha­m ar de ciências na tu ra is , em razão u n icam en te do privilegiar o operan te . N a verdade, Skinner, ao lidar com con tro le de e s tím u ­los, está clarificando exatam ente essa vinculação en tre SD-R-SR, relação tríp lice básica da qual parte para analisar as relações

funcionais en tre co m p o rtam en to e am biente .Seguindo por partes, pode-se dep reender do exposto que o

behaviorism o radical faz rea lm en te um a ten ta tiv a de explicaçao do co m portam en to que seja a m ais parcim oniosa, isto é, que se am pare nas concepções m ais simples e naturais que se possa dar

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ao fenôm eno. Todavia, en tre o sim ples e o sim p lista há um enorm e vácuo teórico . A grande densidade de publicações c ríti­cas em pregando equivocadam ente vários conceitos sk inneria- nos m o stra que não é ab so lu tam en te sim ples en ten d er a p ro p o ­sição behav io rista radical.

N o con tex to ap resen tado , to rna-se claro que as pechas de supersim plificação e superficialidade não se aplicam à e s tru tu ra teórica do behaviorism o radical tal com o p ro p o sta por Skinner. Tais críticas resu ltam de le itu ras ap ressadas e conseq ü en te d e s­consideração do corpo teórico in tegral da sua obra, bem com o de aplicações com pletam en te inapropriadas da A nálise do C om portam ento . Se, por um lado, u m a un idade m ín im a de an á ­lise é necessária - a resp o sta - , por o u tro o alinhavo que o b eh a­viorism o radical faz da rede de relações in tra e in tercom porta- m entais é a inda deficiente. Tal deficiência, porém , ap a ren ta ser mais um a q u estão do estágio recente de, desenvolv im ento da Análise do C om portam en to do que p rop riam en te u m prob lem a no nível conceitual-filosófico do paradigm a.

E n tre tan to ficam claras três q u estõ es ainda não com pleta­m ente resolvidas no m odelo: as duas p rim eiras referem -se a um a com binação das falácias do iso lam ento e do som ató rio m atem ático (Sloane, 1945). O u seja, em bora a com preensão das relações co m portam en to -am bien te se encon tre hoje num nível p lenam ente satisfatório , a com preensão contextuai do con­ju n to dos com portam en tos que form am o repertó rio do indiví­duo ainda sofre da restrição de se e s ta r fazendo sem pre um a análise de um recorte da realidade.

Pelo visto, essa con tinuará sendo um a q u estão p enden te , um a vez que a alegação behaviorista é a de que n en h u m a ciên­cia, m uito m enos um a do com portam en to , conseguirá v isuali­zar o todo, com o queria a G estalt, po r não haver in s tru m en to de pesquisa ou de análise factível que p erm ita essa façanha. Toda- V1a, há que ser levada em conta, aqui, um a certa tendênc ia de alguns seguidores das grandes linhas da Psicologia em exacerbar

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as e s tru tu ra s teóricas originais, a tal pon to e de tal m aneira que acabam po r fazer parecer verdadeiras ao grande público suas ex trapolações. O u seja, acabam não apenas m ascarando a verda­deira teo ria com seus vieses particu lares, com o tam bém super- d im ensionando as afirm ações orig inais dos au to res, em com ­p o rtam en to ético radical (aqui, sim , com o significado de in tran sig en te ). E o que acontece com diversas linhas e não é d iferen te com o behaviorism o radical. E nquan to Skinner, no original, não raro relativiza suas afirm ações, a lguns seguidores (com o em todas as o u tras linhas, em acepção m ais próxim a à de militantes do que de estudiosos ou pesquisadores) acabam por trans- form á-las em absolutas. E o caso da su p o sta rejeição de Skinner à m ente: na verdade, ele defende a im portância e necessidade de apro fundar-se a concepção do que d enom ina eventos privados, sem u tiliza r o in s tru m en ta l m en ta lis ta de explanação causal. N o en tan to , seguidores há que levam ao ex trem o suas (dele e deles) concepções, defendendo (e d ifundindo) a idéia de que o behaviorism o radical decre ta o ban im en to da consciência hum ana. E claro que nada m ais insó lito poderia ser pensado em Psicologia, de resto exata e p rio rita riam en te p reocupada com essa m u ltian g u la r característica hum ana, apesar de sua po lê­m ica natu reza . C ertam en te , tais observações não isen tam a abordagem sk inneriana de reparos ou tro s , de diversa ordem , que co n tinuarão sendo aqui analisados.

A o u tra qu estão p e rtin en te e que a tribu i reducion ism o ao behaviorism o radical é a apon tada por Ribes (1978), supondo possível a explicação do co m p o rtam en to h u m an o com os m es­m os parad igm as que os usados na pesqu isa anim al. Em bora S kinner ten h a falado po r diversas vezes e esteja perfeitam ente claro que a A nálise Experim ental não p re ten d e ex trapo lar nesse sen tid o e que a experim en tação com o u tras espécies é pratica com um em todas as ciências e áreas (vide Farm acologia, Fisio­logia, A natom ia), u m a vez m ais se reflete no behaviorism o rad i­cal um pouco da razão da lite ra tu ra crítica. N ão po rque esse edi-

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Pejo teórico esteja equalizando hom ens e pom bos ou hom ens e ratos - crítica ingênua e deno tadora de desconhecim ento das res­trições de procedim ento e dos cuidados na generalização de resultados - ou p re ten d a um a m etodologia igual para todas as espécies, m as porque, na prática, sua ênfase ta rd o u a m u d ar de direção do anim al ao hum ano . C om isso, generalizações das descobertas com anim ais têm sido feitas ap ressad am en te para hum anos, no passado às vezes gerando p roced im entos acríticos e aéticos de “m odificação de com portam en to", po r exem plo.

De qualquer m aneira, nesse sen tido pode-se conceder à crí­tica certa razão em que há algum resquício de reducionismo no behaviorism o radical. N o en tan to , cabe a ressalva de q u e não parece ser reducion ism o por princípio, m as reducion ism o decor­rente de incorre ta prática. E é a p a rtir daqui que este trabalho pretende reafirm ar a im portância da crítica: o behaviorism o, em geral, fez ouvidos m oucos às restrições que recebeu na lite ra ­tura, quando, ao contrário , ouvida a crítica, a eventual d isfu n ­ção do reducion ism o é perfe itam en te corrigível, até po rque não se pode esquecer a ex istência precavida do conceito de classe de respostas, em si m esm o an ti-reducionista e antia tom ista , respei­tadas as d im ensões lim itadas desses conceitos (cf. Lamal, 1990).

Reiterando: em bora a e s tru tu ra teórica original perm ita esquiva ao reducion ism o, o behaviorism o radical (na verdade, os behavioristas, e não o behaviorism o) acaba por aparen tar-se supersim plificador, e lem en taris ta ou a to m ista em alguns d is­cursos e instâncias (especialm ente em alguns tex to s de in tro d u ­ção à Psicologia). N a situação educacional, com o se verá, às vezes transparece tal p rática quan d o da análise e con seq ü en te intervenção. N ão tem sido incom um , especialm ente nas cond i­ções do seu berço cap ita lista (econom icam ente privilegiado), identificar análises que levam em con ta apenas parciais fontes de determ inação do fenôm eno educacional em estudo: apenas o m étodo de ensino e não as condições socioeconôm icas da fam í­lia, por exem plo. Sem em bargo, tal não se dá po r recom endação

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teó rica do behaviorism o radical (vide, desde 1953 - há m ais de c inqüen ta anos - , com Skinner, p reocupação com u m a análise das in stitu içõ es en q u an to fon tes de con tro le social), m as por im propriedade profissional na análise. O assu n to será o p o rtu ­n am en te re tom ado , conquan to valha para este espaço, po r ora, o reg istro de que a pecha de reduc ion ista a trib u íd a ao behavio­rism o, em bora nem sem pre ju stificada no sistema teórico, é com ­preensível e valiosa porque, n u m a ten ta tiv a de red im ensiona­m en to , aponta , po r exem plo, para cuidados que devem ser am pliados na form ação teórico-prática dos novos profissionais em Psicologia (em con trapartida, para c itar apenas um caso, à form ação com um em discip linas ligadas à p rática laboratorial em A nálise E xperim ental do C om portam en to , em que o trab a ­lhar com anim ais em experim entos básicos nem sem pre cos­tu m a vir acom panhado de m aiores explicações sobre o contex to teórico em que estes se inserem e o alcance visível - e possível - com hu m an o s). Exceções valiosas, felizm ente, podem ser encon tradas em dois tex tos in tro d u tó rio s às p ráticas experi­m en tais: L om bard-P latet, W atanabe & C assetari (1998) e M atos & T om anari ( 2002).

Generalização da pesquisa animal para os seres humanos: o behaviorismo radical seria continuísta

T erm in ad a a le itu ra da subseção an te iro r, com prova-se um a vez m ais o que já se anunciou antes: os tem as são apenas d idati­cam ente separados, m as con tex tu a lm en te inextricáveis. Todos estão ligados en tre si, a té po rque não é possível definir-se um a q uestão com o sendo ab so lu tam en te conceitual-filosófica e com nada a ver com a q uestão ético-social, po r exem plo. As áreas são n ecessariam en te in terligadas. A ssim , a exem plo deste, tem as com uns reaparecerão em o u tras subdivisões. N o con tex to cri­tico an te rio r estava em pau ta a qu estão do reducionismo; nesse sen tido , procurava-se identificar se havia tal tendência no beha-

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viorism o radical enq u an to filosofia de um a ciência que lidou, na m aior parte de sua experim entação em laboratório , com com ­portam en tos de o u tras espécies. Se o behaviorism o aceitasse tal princípio, en tão seria reducion ista en q u an to filosofia p ream b u ­lar à ciência psicológica. V iu-se que não é esse o caso, m as que há, en tre o u tro s problem as, um a prática de apressar a aplicação a hum anos dos resu ltados por vezes só ob tidos com anim ais, além de im propriedades em tal aplicação. E o caso típico dos program as de contingenciação em hosp ita is p siqu iátricos, que até recen tem en te renderam ações inden iza tó rias na Justiça am ericana, po r exem plo.

A qui, a q uestão é um a das levantadas po r Pierce & Epling (1991), ou seja: a eventual inaplicabilidade da generalização an im al-hum ano no sen tido analógico, igualm ente problem a- cerne da teo ria evolucionista abraçada por Skinner, requer um a análise m ais acurada da qu estão da con tinu idade filogenética e ontogenética.

A crítica sobre a im propriedade da generalização é ex trem a­m ente com um : pode ser v ista nos bancos escolares incip ien tes das faculdades de Filosofia, Psicologia, C iências Sociais, Peda­gogia e sim ilares, sem que a m aioria ten h a real conhecim ento do que represen ta; ou pode ser co nsta tada en tre teóricos d iver­sos que q uestionam o prob lem a da con tinu idade mental ou racio­nal en tre as espécies. Para estes, incide em erro o behaviorism o radical ao ad m itir con tinu idade, a rgum en tando que as ações hum anas são abso lu tam ente incom paráveis às de o u tro s a n i­m ais na escala evolutiva. E a e s te ú ltim o tip o de crítica que tem sen tido reservar m aio r espaço.

A idéia principal, sub jacente a essa crítica, diz respeito à im praticabilidade das generalizações das descobertas ob tidas a partir de experim en tos com o u tras espécies para as ações h u ­m anas em geral. O a rgum en to fundam enta l é o de que os seres hum anos, d ife ren tem en te de o u tras espécies, possuem um cará- ter rac‘onal que os d istingue co m pletam en te e, a té por isso, as

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relações en tre variáveis que são válidas para o u tras espécies não poderiam ser em pregadas na análise do ato hum ano .

A lguns críticos (Baron, 1971, para exem plificar) chegam a a rg u m e n ta r q u e os gastos com fin an c iam en to de pesq u isa ex­p e rim en ta l não deveriam se r p rio rizados, esp ec ia lm en te q u an ­do se tra ta de p esq u isa básica envolvendo o u tra s espécies, com o fito de ocasional generalização p ara o c o m p o rtam en to h u ­m ano.

W atson e o u tro s behavioristas clássicos, bem com o Tol- m an, H ull e tan to s que se seguiram , desenvolveram seus s is te ­m as fu n d am en ta lm en te baseados em resu ltados de experim en­tos desse gênero . Todavia, por causa, especialm ente, dos seus vôos ficcionistas em Walden Two e em Beyond freedom and dignity (1948 e 1971), Sk inner tem sido o alvo principal da crítica. Sua Psicologia tem sido considerada pela crítica leiga com o um a psi­cologia de ratos (conform e inform a Silva, 1990) e pela crítica especializada, em razão do im enso tem po que dedicou à pes­qu isa em laboratório , especialm ente com ra tos e pom bos (com C. B. F erster, p o r exem plo, analisou cerca de 25 m ilhões de re s­p ostas com anim ais no desenvolv im ento de esquem as de refor- çam en to ), com o um a espécie de psicologia do irracional. Além disso , g rande p a rte da obra de Skinner com põe-se de ten tativas de análise de c ircunstâncias várias onde o com portam en to se in sere (contex tos com o os das institu ições, por exem plo), a p a r tir de dados in ic ia lm en te o b tid o s em experim en tação an i­m al. M as é o p ró p rio S k inner q u em se posic iona a respeito (1956, p .225):

E stu d am o s o co m p o rtam en to de an im ais p o rque é m ais sim ­ples. O s processos básicos são revelados m ais facilm ente e podem

ser reg is trad o s p o r períodos de tem p o m ais longos. N ossas obser­vações não são com plicadas pelas relações sociais en tre o su jeito e o ex perim en tado r. As condições podem se r m ais bem contro ladas.

Podem os arran jar h is tó rias genéticas para con tro lar certas variaveis

e h is tó ria s de v ida especiais para con tro la r o u tra s - por e x e m p lo .

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se estam o s in te ressados em saber com o um organ ism o ap ren d e a ver, podem os criar um an im al no escu ro a té que o ex p erim en to co­mece. T am bém podem os co n tro la r c ircunstâncias co rren tes n u m a m agn itude nem sem pre fácil de realizar no com p o rtam en to h u m a ­no; po r exem plo, podem os variar os e stados de privação nu m a

grande variedade de m odos. E stas são van tagens que não deveriam ser re jeitadas an te a afirm ação a priori de que o co m p o rtam en to

hum ano é inev itavelm ente um co n ju n to à parte , um cam po sepa­

rado... Seria tem erá rio afirm ar, n es te p o n to , q u e não ex is te d ife­rença essencial en tre o com p o rtam en to h u m an o e o co m p o rta ­

m en to das espécies inferiores: m as a té que se te n h a feito um a te n ­ta tiva para lidar com am bos nos m esm os term os, seria igualm en te

tem erário afirm ar que ela existe .

Q uem confirm a a visão sk inneriana, explicando que um a razão fundam ental para a pesqu isa com anim ais é a exeqüibili- dade para se conduzir com estes pesqu isas q*e não poderiam realizar-se com h um anos é Bachrach (1969), exem plificando que grande parte do trabalho realizado no es tu d o do funciona­m ento do cérebro foi feito com anim ais cujas áreas cerebrais foram rem ovidas, estim uladas com corren te elétrica ou su b m e­tidas a lesões qu ím icas e cirúrgicas, ten d o em vista encon trar respostas para a e s tru tu ra e funções do cérebro e do sistem a nervoso central.

E ntrem entes, Bachrach a lerta para o fato de que o pesq u isa­dor precisa te r m u ito claro em que áreas pode valer-se de experi­m entação anim al, quais são m ais ap ropriadas para ex p erim en ta­ção hum ana e, ainda, e s ta r b astan te conscien te da ex istência ou não de comparabilidade naquilo que está es tudando . Bachrach alerta para o erro de analogia que ocorre quando se su s te n ta a posição de que ex iste relação biunívoca nas descobertas com anim ais e com h um anos (reúnem -se, aqui, os conceitos de conti­nuidade en tre espécies e a q uestão do reducionismo filosófico e m etodológico). Lem bra que não se deve ficar ten tan d o en co n ­trar nos anim ais com portam en tos que se supõe sejam caracte-

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ris ticam en te h u m an o s (antropomorfização) e assegura que é isso que Skinner p re ten d e evitar.

C ertam en te as d iferenças en tre o co m p o rtam en to hum ano e o de o u tro s an im ais possuem d im ensão abissal. Sem dúvida, o co m p o rtam en to hum an o é verticalm ente m ais com plexo e pode ser exem plificado por um a m ultip lic idade de situações: a m úsica, o cinem a, a filosofia, a linguagem , a religiosidade e ta n ­tas o u tras. Em todas e q u a isq u er situações, ressalta-se um cará­te r d istin tivo especial, que envolve criativ idade-plasticidade- cu ltu ra e que não se en co n tra em n en h u m a o u tra espécie do m esm o m odo. O u seja, em ú ltim a análise, apenas os seres h u m an o s tran sm item sistem aticam en te o padrão de m udança feita no am b ien te en tre gerações (para exem plo raso, tom e-se o padrão a rq u ite tôn ico plástico das residências ao longo da h is tó ­ria do Homo sapiens versus o padrão de construção fixo do Furna- rius badius (o pássaro joão-de-barro), não sem lem brar que um a vez m ais e - inev itavelm ente - a com paração tem com o p arâm e­tro de análise o critério h u m an o de p lastic idade). A com plexi­dade do co m portam en to hum an o é tal que, à p rim eira vista, to r­na-se inaceitável a idéia de que possa haver q u a lquer tipo de con tinu idade en tre espécies: a vantagem dada pelo que se con­vencionou cham ar de co m portam en to in te ligen te ou racional é efetivam ente im pressionan te e faz que se seja ten tad o a elim i­n a r q u a lq u er gradação en tre o hom em e a próxim a espécie mais inteligente.

Esse é um tem a que não cap itu la an te o tem po, a pesquisa e as conjecturas. H isto ricam ente , tem sido alvo das m ais acirra­das d iscussões. Já W hite (1949), na sua form ação an tro p o ló ­gica, su sten tav a que, co n tra riam en te ao p ro posto por Darwin (diferenças seriam de grau), haveria um a diferença de gênero. A Biologia, en tre tan to , defende a idéia de filo, de espécie, de n a tu ­reza: o hom em se insere no re ino anim al e, po r m aiores que sejam as diferenças in terespécies, todas elas obedeceriam ao princíp io de funcionam ento dos organism os vivos.

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A inda na linha de a rgum entação das d iferenças en tre o Homo sapiens e o u tras espécies, insere-se a q u estão p u n g en te do qualitativo versus quan tita tivo . D iz-se que a diferença não é um a questão de grau, m as de gênero, ou seja, de qualidade e não de quantidade: aquilo de que o ser hum an o é capaz rep resen ta ria um a distância qualita tiva p ro funda com relação às dem ais espé­cies. A inda m ais se afunila a qu estão quando se ou sa raciocinar em term os de qualidade e quan tid ad e com o pólos e instâncias de um m esm o con tínuo (exem plifica-se com os estados sólido, líquido e gasoso, todos con tidos na água, is to é, p erten cen tes ao m esm o estofo físico-quím ico). Em ú ltim a instância, em Psico­logia, sem pre o que tem sen tido em si é apenas o qualitativo . O núm ero (que aparece nas m edidas de freqüência, duração, in tensidade) não tem sen tido em si m esm o, por óbvio. A ssim , quantificar (tam bém no behaviorism o radical) funciona com o instrum enta l in term ediário e p re lim inar à interpretação dos dados. Q ualquer m edida, q u ando assum e d e te rm inado valor (a princípio um a q u an tidade), to rna-se qualidade (bom , m au, cheio, vazio, agradável, desagradável, alto, baixo), ou seja, um a qualidade rep resen ta ria quan tidades variadas de certo tip o p a r­ticular. N a frase "havia muita gen te na passea ta”, a adjetivação decorre de um a d iscrim inação in ic ialm ente q u an tita tiv a feita por alguém ou a p a rtir de algum critério , o que acaba to rn an d o possível a a tribu ição de um a qualidade disso decorren te:

Houve grande participação p o p u la r” . P o rtan to , no cam po das interações sociais, po r exem plo, a descrição de padrões específi­cos de com portam en tos en tre as pessoas to rn a visível um c o n tí­nuo (m ais que um a dicotom ia) qua lidade-quan tidade . D iscus­são in teressan te dessa questão , no âm bito da pesquisa educacio­nal, encontra-se em G am boa (1995).

Em bora ex trapo lando o p rob lem a da con tinu idade filogené- tica, abrem -se aqui p arên teses para d izer que o p rob lem a de quantidade e qualidade tem sido ob jeto de inum eráveis c o n tro ­vérsias e d istinções. Para C arrara (1995a, p.9):

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N o en tan to , é re levante saber que, p reservada a iden tidade p articu la r de cada concepção teórica, a possib ilidade de tran sfo r­

m ação de q u an tid ad e em qualidade tem sido alvo de tra tam en to si­m ila r em co rren tes teóricas a p rinc íp io incom patíveis. Pode causar e s tran h eza a q u a lq u er p u ris ta teórico , m as é no m ín im o in te res­

san te n o ta r que, com o em algum as o u tra s concepções, o m ateria ­lism o d ialético m enciona a transfo rm ação de n a tu reza das coisas,

u san d o freq ü en tem en te , en tre o u tro s, o exem plo, em bora tan g en ­cial, da passagem da q u an tid ad e a qualidade no caso do aum en to gradativo da tem p e ra tu ra da água, que, chegando a 100 graus cen ­

tíg rados, tran sfo rm a-se em vapor. N os p rocessos d ialéticos m ais

com plexos (os sim bólicos e sociais) do m a teria lism o histórico , conceb ido en q u a n to "ciência filosófica sob re a sociedade e parte in teg ran te da filosofia m arx is ta -len in is ta” (B erbéchkina, Z érkine

& Jákovleva, 1987), as tran sfo rm ações se p rocessam q u e r q u a n ti­

tativa, q u e r qua lita tivam en te .

D e re to rn o às su p o stam en te fugazes sem elhanças en tre co m p o rtam en to h u m an o e anim al, o que se pode dep reender do q ue a rg u m en ta o behaviorism o radical é que, n u m a análise com portam en ta l, o foco central não são as características topo­gráficas ou morfológicas do com portam en to , m as as carac terísti­cas funcionais. Para Skinner, não existiria nenhum a pretensão de equivalência descritiva sobre em que os com portam entos se asse­m elham , m as sobre como eles acontecem (funcionam ) nas suas relações com o am biente (in tern o /ex te rn o ao organism o). Nesse sentido , Skinner pre tende justificar o em preend im ento de pes­quisa laboratorial prévio com anim ais enquan to form a de apri­m oram ento tecnológico prelim inar à pesquisa com hum anos.

Explicando m elh o r esse proceder, au to res de m anual de reconhecido valor q u an to a princíp ios básicos de A nálise do C om p o rtam en to (Ferster, C u lbertson & Boren, 1977) infor­m am que as pesqu isas de Skinner acerca do processo de ap ren­dizagem com anim ais convenceram -no de que “o estudo do co m p o rtam en to h u m an o é p arte de um a ciência n a tu ra l” e que

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processos im p o rtan tes do co m portam en to m ostram genera li­dades filogenéticas e, po rtan to , podem ser estu d ad o s tan to nos anim ais com o no hom em . É o p róp rio S kinner que com ple­m enta essa inform ação (1956, p .228):

O bviam ente, não podem os p red izer ou co n tro la r o co m p o rta ­

m en to h u m an o na vida d iária com a prec isão alcançada no labora­tó rio , m as podem os, no en tan to , u sa r resu ltad o s o b tidos no lab o ­

ra tó rio para in te rp re ta r o co m p o rtam en to a lhu res... De m aneira sem elhan te , os p rincíp ios su rg idos de u m a A nálise E xperim en tal têm sido ap licados no p lane jam en to da Educação, na psico terap ia , em sistem as de incen tivo na indústria , na penologia e em m u ito s

ou tro s cam pos.

O s problem as éticos com o uso dos seres h u m an o s em p es­quisa, além disso, funcionaram , n u m passado ' não m u ito d is­tante, com o razão adicional para rem ete r m u ito s c ien tistas para o trabalho laboratorial com anim ais. E m bora essa justificativa seja considerada apenas prática e não exim a o pesqu isado r das críticas teóricas (é o caso do behaviorism o radical), Berg (1954) enuncia um rol de pelo m enos dez razões pelas quais a pesqu isa com hum anos é com plexa e precisa m uitas vezes ser substitu ída por pesquisa com anim ais, em bora esse au to r en ten d a haver perda de precisão e qualidade.

Em con trapartida a essa su p o sta perda, o u tro s au to res (Epling & Pierce, 1983) a lertam para os benefícios que a p es­quisa em laboratório vem trazendo para a A nálise A plicada do C om portam ento , in fo rm ando que ainda resta a essa área com e­çar a e s tu d ar m elho r as descobertas da pesqu isa básica, m u itas das quais perm anecem inexploradas. C on tudo , nada m elho r do que acom panhar o raciocínio esclarecedor do próprio Skinner (1974, p. 190-3), explic itando de an tem ão que as frases en tre aspas, na citação, foram enunciadas com o rep resen tan d o a op i­nião de seus críticos:

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U m a resen h a de um livro recen te , feita po r um behaviorista inglês e d ivulgada n u m a conhecida publicação inglesa, com enta

que, "d ife ren tem en te dos behav io ristas am ericanos, o au to r não

trab a lh a com ra to s, m as com pessoas". O re inado do ra to -branco

no labo ra tó rio de Psicologia te rm in o u há pelo m enos um quarto

de século . Q u a lq u er coisa que se ap rox im e de u m a am ostragem

adequada das espécies do m u n d o está fora de cogitação, m esm o

para um e to lo g is ta de cam po, m as a A nálise E xperim ental do

C o m p o rtam en to foi e s ten d id a a um grande n ú m ero de espécies,

en tre as qua is o Homo sapiens.

H á excelen tes razões para com eçar com casos sim ples e só

p assar ad ian te q u an d o o p oder da análise o p e rm itir. Se isso signi­

fica, com o parece significar, q u e se com eça com anim ais, a ênfase é

ind u b itav e lm en te dada àqueles traços que an im ais e pessoas pos­

suem em com um . Todavia, algo se lucra, de vez que só d esta m a­

neira podem os te r certeza daqu ilo que é u n icam en te hum ano.

C om o su s te n ta um au to r, não é um erro " te n ta r aplicar um sis te ­

m a, desenvolv ido a p a rtir de trab a lh o lim itado , à sociedade h u m a­

na e, em verdade, ao d o m ín io todo da experiência h u m a n a ”.

E sta é a d ireção - do sim ples ao com plexo - em que a ciência

segue. M as aplica-se o s is tem a rem ovendo os lim ites tão depressa

q u a n to possível e trab a lh an d o d ire tam en te com o com portam en to

h um ano . É fato sab ido que não chegam os, com o de re s to n inguém

ainda chegou, a u m a explicação adequada da sociedade hu m an a ou

do d o m ín io to d o da experiência hum ana; é verdade tam bém que “a

esco lha a rb itrá ria de u sa r ra to s e pom bos para o b te r dados, neces­

sa riam en te exclui a liberdade e a d ign idade h u m anas"; isso ocorre

p o r definição, u m a vez que ra to s e pom bos não são hum anos . Mas,

se fo rm os analisar as q u estõ es su sc itadas pela liberdade e d ign ida­

de, se rá m elh o r u sa r q u a lq u er fon te im aginativa de inform ações

acerca dos p rocessos sub jacen tes .

M esm o com su je ito s hum anos, a m aio r p arte dos p rim eiros

ex p erim en to s foi feita em situações em que o am b ien te poderia ser

m u ito facilm ente con tro lado , com o com psicó ticos e re tardados

(os êx ito s o b tidos n essas condições foram ad m itidos com bastan te re lu tância: "com base em pesqu isas feitas com an im ais, funciona

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sa tisfa to riam en te com aqueles que são m en ta lm en te lim itad o s”).

M as logo se com eçaram a e s tu d a r crianças no rm ais e depois ad u l­

tos norm ais.Naturalmente, problemas especiais surgiram da relação do su­

jeito com o experimentador e da longa e complexa história do sujei­to, anterior ao experimento; já se fez o suficiente, porém, para su­gerir que os mesmos processos básicos ocorrem tanto no homem quanto nos animais, assim como o mesmo tipo de sistema nervoso deve ser encontrado em ambos. E claro que existem enormes dife­renças na complexidade [grifo nosso] de seus repertórios.

C urio sam en te , p o r vezes se afirm a que a relação en tre com ­

po rtam en to h u m an o e anim al ap o n ta n o u tra d ireção. O e s tu d o do co m p o rtam en to an im al é ún ico en tre as ciências p o rque ele com e­

ça h is tó rica e m etodo log icam en te com o co m p o rtam en to hum ano , p rescinde da experiência hu m an a e p ro je ta e ssa experiência em

o u tro s an im ais . Se e s te fosse o caso, te ríam o s de d izer que, na p es­

qu isa an im al, estam o s lim itados àqueles tóp icos que podem ser a tr ibu ídos à experiência h u m an a e p ro je tados em an im ais.

O behav io rista am ericano E dw ard C hace T o lm an d isse que,

de fato, p lanejava seu s ex perim en tos com an im ais exam inando o

que ele p róp rio faria n u m a dada situação; e n tre tan to , a A nálise E xperim ental do C o m p o rtam en to está m u ito além do p o n to em

que a in trospecção p ro je ta algum a luz sobre os p rocessos em e s tu ­

do. Q uem fosse capaz de p rever seu co m p o rtam en to nas co n tin ­gências o rganizadas n u m labo ra tó rio m o d ern o seria um a pessoa notável.

A q u estão to d a da generalização en tre espécies tem com o fulcro a existência de um possível salto qualitativo en tre o hom em , de u m lado, e todos os o u tro s anim ais, do ou tro . A té por conta dessa convicção é que, para o leigo, há um a divisão entre anim ais inferiores e anim al (is) superior (es). Sob convicção que a lite ra tu ra assegura, pode-se afirm ar que o behaviorism o teve sua h istó ria básica fundada na pesqu isa de laborató rio com organism os vivos não h um anos da escala filogenética. Essa não e a discussão, m as é um dado. Por com odidade ou por razões

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éticas, esse foi o fato a té m u ito recen tem ente , em bora Skinner (em 1974) ten h a d ito que o rato-branco te rm in ara seu reinado há 25 anos. Skinner deixou esse tipo de experim entação e passou à especulação literária nessa fase, m as m uitos laboratórios do m undo in teiro ainda pesquisam sistem aticam ente com anim ais.

Todavia, parece que o cen tro da qu estão é o que está grifado na declaração de S kinner recém -citada: há um evidente p ro ­blem a de complexidade d iferen te in terespécies, apenas parcial­m en te resolvido. Parcia lm ente porque, na prática, nem sequer se conseguiu , com as devidas adaptações (é evidente, não se coloca um ser h u m an o n u m a câm ara experim ental do tipo caixa de Skinner), um arrem edo de replicação da m aioria das descober­tas feitas com anim ais.

A ssim , nas declarações do próprio Skinner, perm anece aceita pelo behaviorism o radical u m a continuidade en tre espécies, não apenas no sen tid o filogenético puro , m as q u an to a um a possível on to log ia do raciocinar, do pensar. Em term os evolucionários, o que tem sido sugerido é a ocorrência de m u tações excepcional­m en te diferenciadas quan to à capacidade de sobrevivência, de m odo que o ser hum ano distancia-se de tal m aneira de outras espécies que se configura um efetivo e largo vácuo qualitativo a separá-lo do restan te dos organism os vivos. N aturalm ente , res- salve-se que quem se d ispuser a olhar, através da h istória na tu ­ral, para o hom em pré-histórico (e com pará-lo com o hom em atual ou com outros anim ais) não terá a m esm a im pressão em relação a esse vazio interespécies: com certeza, aí ficam mais claras as sem elhanças (ou diferenças) entre o hom em e outras espécies.

De q u a lq u er m odo, o próprio Skinner é claro (e, com o quase sem pre, irônico) ao in form ar que reconhece a existência de grandes diferenças (em com plexidade) en tre a natureza h u m an a e a anim al. C ertam en te essa é um a das razões pelas quais m u ito do sucesso do program a behaviorista laboratorial não pode ser até aqui repetido sem justificadas restrições éticas,

na vida diária.

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Continuísmo, en q u an to te rm o depreciativo , ouvidas as pa la­vras de Skinner, não se aplicaria ao behaviorism o radical, até porque este se ocuparia em a lertar para os riscos de generaliza­ção descuidada. Continuidade en tre espécies, com o form a de validar parte dos seus resu ltados, é, certam ente , adm itida e

enfatizada.De qualquer m aneira, à guisa do que se tem cham ado, neste

trabalho, de um rea linham en to do parad igm a atual, ou, ao m enos, da p rática profissional derivada da A nálise do C om por­tam ento , fica evidente a necessidade de o behaviorista , um a vez m ais (em bora filosoficam ente possa confron tar-se com ela), ouvir c rite rio sam en te a lite ra tu ra crítica. O u seja, o behavio­rism o precisa expand ir seu cam po de pesquisas, inclu indo sig ­nificativam ente partic ipan tes hum anos, tendo em vista a d e s­crição e análise de processos típicos da espécie, especialm ente nas áreas onde o com ponen te cu ltu ra l este ja en \ jogo.

Parece claro que o p rogram a behaviorista de S kinner estava essencialm ente co rre to em suas etapas. Seu início com o p es­quisar básico, u tilizando anim ais, não poderia te r sido ab so lu ta ­m ente invertido: esse equívoco já houvera gerado dividendos negativos, com o à época da in tro sp ecção e da consc iênc ia en q u an to m é to d o e o b je to de e s tu d o da Psicologia, re sp e c ti­vam ente.

Só para se te r um a idéia dos p lanos pessoais de Skinner, tom a-se em prestada do excelente traba lho de Sério (1990) um a tradução do que ele te ria deixado escrito em 17 de novem bro de 1932 (com o pro jeto de vida profissional), a títu lo de "P lano de cam panha para os anos 30-60” (Skinner, 1979):

1. Descrição experimental do comportamento. C o n tin u a r com as li­nhas a tuais. P ropriedades do cond ic ionam en to , extinção, drives, em oções etc. N ão se su b m e te r à F isiologia do s is tem a nervoso central. Publicar.

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2. Behaviorismo v ersu s Psicologia. E m basar (support) com p leta­m en te a m etodo log ia behaviorista . D efin ições operacionais de to ­dos os conceitos psicológicos. N ão publicar m u ito .

3. Teorias do conhecimento (só científico). D efin ições de concei­to s em te rm o s de co m p o rtam en to . U m a ciência descritiva do que acontece q u an d o as p essoas pensam . R elacionar a traba lho experi­m en ta l. Inclu ir um a teo ria do significado. Publicar tarde.

4. Teorias do conhecimento (não científico). C rítica lite rária . T eo­

ria behav io rista da criação. Se publicar, fazê-lo b a s tan te tarde.

E stes e s tão em o rd em de su a im p o rtân c ia , em b o ra 2 e 3 se ­jam q u ase iguais. De longe o m a io r vo lum e de te m p o deveria con ­tin u a r em 1.

P lano para os anos 60- ?

(E stes e stão além de m eu con tro le a tu a l), (p. 115)

N ada m ais claro do q u e esse p ro je to pessoal de Skinner, tão lu c id am en te d e lin ead o q u a n to a su a in ten c io n a l ênfase na descrição do co m p o rtam en to e na p esq u isa básica, que in ev ita ­ve lm en te procederia da utilização de an im ais em laboratório . Seu (coeren te) p lano era to rn a r g radualm en te com plexo seu deba te e sua p ro p o sta teórica para a com preensão do com porta ­m ento .

C om segurança, p o rtan to , o behaviorism o radical não faz um a psicologia de ratos, nem - em princíp io - conclam a à tran sfe­rência p u ra e sim ples de princíp ios ob tidos em o u tra instância filogenética para o ser hum ano . E n tre tan to , a lguns behavioris- tas ad ian taram -se na d issem inação ind iscrim inada de princípios e pressupostos básicos an tes que um program a efetivo de pesquisa com su jeitos h u m an o s pudesse refu tar ou confirm ar a m aior parte dos dados ob tidos com anim ais. Isso re su lto u em equívo­cos especialm ente éticos com os quais se deba te ainda hoje a A nálise A plicada do C om portam en to . N ão são raros os casos em que, um a vez m ais perm anecendo apenas na superfície da teoria, alguns profissionais (o que ocorre em quaisquer áreas da Psicolo­gia e tam b ém em o u tra s profissões) lançam m ão de procedi-

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m en to s e x tra íd o s d ire ta m e n te da ex p e rim en tação com an i­mais. C om esse proceder, subm etem -se (e aos seus clientes) à utilização de p roced im entos an tié ticos de m anipulação de com ­portam en to que direcionam terap ias, conduzem ações educa ti­vas e de te rm inam relações de traba lho (por exem plo) freqüen ­tem en te em direção o posta à desejada pelos usuários. C om isso, o contex to da co n tin u id ad e /co n tin u ísm o in terespécies é com ­partilhado tam bém pelo problem a da ética no uso da tecnologia derivada da A nálise do C om portam ento , com o será v isto em ou tro m om ento . De qua lq u er m aneira, re ite ra-se aqui que, em bora seja reconhecível a con tinu idade en tre espécies e um eventual salto qualita tivo im enso das dem ais para o ser hum ano, é de esperar que m u ita replicação (com adaptações, por óbvio) precisa ser feita. E e ssa é m ais u m a c o n trib u ição - inadvertida , ta lvez - q u e se p rec isa tira r da le itu ra da lite ra ­tu ra crítica: to rn a -se necessá rio , p ara um ad eq u ad o rea lin h a- m en to p ro g ram á tico do b eh av io rism o rad ical, q u e se in c e n ti­vem m ais p ro je to s de p esq u isa com h u m an o s . E xem plo de área e x tre m a m e n te fru tífe ra e s tá no c o m p o rta m e n to verbal e adjacências.

Rigidez na explicação das relações estímulo-resposta, considerando o interior do homem como cerne da metáfora da "caixa preta": o behaviorismo radical como mecanicista

H istoricam ente, a idéia do m ecanicism o o rig inou-se com D escartes e Leibniz no século XVIII, q u ando se ten tava viabili­zar a concepção segundo a qual o processo da vida esta ria su b o r­dinado às leis da m ecânica, em bora a alm a, separadam ente , se constitu ísse em princípio superio r ex ternalizado através do Pensam ento. A ssim , o mental seria a expressão de um a o u tra dim ensão, que não a física, onde se s ituaria a alm a.

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N a Biologia, em particular, o m ecanicism o passou a opor-se sistem aticam en te às noções do v italism o (que, por sua vez, rejeitava reduzir a vida a princípios físico-quím icos, an tepondo a esse estofo u m a ênfase an im ista) e do organicism o (defen­dendo o papel de coordenação en tre os d iversos órgãos com o responsável pela vida), com defesa da tese de que o organism o se assem elharia a u m a m áquina (e suas peças-órgãos devida­m en te arran jadas), em bora com m uito m aio r com plexidade. Para D escartes, en tão , a Biologia se enquadraria perfeitam ente no cam po da m ecânica. Sua concepção de h om em -au tôm ato evoluiu com a teo ria de D arw in e desem bocou no behaviorism o clássico de W atson , que considerava a relação S-R paradigm a fundam enta l de de term inação causal do com portam ento .

E n tre tan to , a idéia p rim eira do m ecanicism o esbarrou, desde logo, n u m con tra -senso visível: se a explicação das ações ex ternalizadas pelo hom em podia ser aceita a p a rtir da m etáfora da com paração a u m a m áqu ina (um au tô m ato ), en tão com o explicar a parte d essa m áqu ina (a m en te) que lhe era in te rna e que se su p u n h a mover a m esm a m áquina? N a in terp re tação de M iles (1957), para com plicar, com o poderia um a instância de de te rm in ad o estofo (a m ente) m an te r relações de causa-efeito com ou tra , de esto fo d iferen te (o corpo físico)?

C om o passar do tem po, o conceito de m ecanicism o passou a rep resen tar, para o leigo, a idéia de sim ples com paração do hom em à m áquina, no sen tido de que se ignora, nessa concep­ção, o que ocorre d en tro da m áquina. E n tend ido desse m odo o m ecanicism o, a prá tica da crítica passou a se r a trib u ir ao beha­v iorism o o cará ter de filosofia que explica superfic ia lm ente as ações hum anas, já que, equalizando hom em e m áquina, vê ape­nas o que ocorre an tes (e fora) e o que ocorre depois (tam bem fora) da m áquina. São cam inhos para o su rg im en to do "m ito da caixa p re ta”: o behaviorism o em geral não levaria em considera­ção o que ocorre in te rn am en te ao ser h u m an o no m om en to em que este se com porta.

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Já se frisou an te rio rm en te a influência (confirm ada pelo próprio Skinner) de E rnst M ach (The Science ofMechanics) no las- tream en to filosófico do behaviorism o radical. M ach, um p o s iti­vista até certo po n to d issiden te das principais idéias do C írculo de V iena (em bora tivesse sido in sp irado r de vários dos seus m em bros), ce rtam en te influiu na disposição de Skinner em objetivizar o es tu d o do com portam en to . A influência de E rnst Mach, po rtan to , é crucial no behaviorism o sk inneriano . C om o explicita Barba (2003, p .226), S k inner assum e a lógica da con­junção freqüen te ou constan te en tre os eventos, p rio rizando a funcionalidade relacional da mudança na variável independente e mudança na variável dependente. M ach, com o frisa C hiesa (1992), rejeita a noção de força (m otriz, causal, iniciadora) e a su b stitu i pela de relações funcionais en tre eventos; de m odo sim plificado, no sistem a sk inneriano , isso fica rep resen tado pela causa e n te n ­dida com o m udança na variável independen te , cujp efeito é cons­titu ído pela m udança na variável d ependen te . A tendência do behaviorism o radical, a té por essa influência, acabou sendo a de estabelecer um a série de relações funcionais en tre o com porta ­m ento e o am bien te , tom ando em prestado , en tão , o caráter em inen tem en te descritivo do positiv ism o m achiano (nisso, o Skinner de The behavior o f organisms é d iferen te do de Science and human behavior - 1938 e 1953, respectivam ente - , na m edida em que no prim eiro a ssum e um a posição de descarte a esforços para encon trar explicações aos eventos privados). Para o Skin­ner recente (1974), o behaviorism o radical questio n a a n a tu ­reza daquilo que é sen tid o ou observado, sem , con tudo , negar a possibilidade da auto-observação ou do au toconhec im en to e sua possível u tilidade. R estaura a introspecção, m as não exata­m ente aquilo que os filósofos e os psicólogos in trospeccion istas privilegiavam com o m étodo, e susc ita o p rob lem a de q u an to do m terior do nosso corpo podem os rea lm en te observar. A dm ite os eventos privados e, po rtan to , rejeita in limine a crítica m etafó- nca da caixa p re ta”. A A nálise do C om portam en to , m an tendo

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o m esm o p roced im en to de análise das relações funcionais do organ ism o com o am bien te , passa a considerar co m p o rtam en ­tos privados, com o o pensar, en q u an to resu ltan tes do m esm o tipo de determ inação . Para M oxley (1992), a significação funda­m enta l do trabalho de Skinner reside ju s tam en te na sua m udança de perspectiva de análise: propõe um behaviorism o funcional, em co n trap artid a ao funcionalism o mecanicista do tra ­dicional parad igm a S-R.

A ssim , com Lamal (1990), há que se d is tin g u ir en tre dois tipos de conceito de mecanicismo: caso se use m ecanicism o para significar que os processos biológicos (e, aí, tam b ém o com por­tam en to ), em ú ltim a análise, podem ser descritos em term os físico-quím icos, en tão o uso do te rm o com o descrição do beha­v iorism o é tido com o um a espécie de ró tu lo para caracterizar esse tipo de filosofia da Psicologia, que é considerado um a form a de monismo fisicalista. Em o u tras palavras, o behaviorism o radical não adm ite o dualism o e, nesse sen tido , tu d o o que se passa no que se refere ao co m portam en to (seja ele aberto ou privado) pode te r apenas um a dim ensão: a física.

Por o u tro lado, se p o r m ecanicism o se p re ten d e rep resen ta r um a visão não n a tu ra lística e, po rtan to , dua lis ta e que rem ete a in terações en tre co m p o rtam en to e e s tru tu ra s m en ta is (físico e não-físico, respectivam ente), em que, re iterando , o com porta­m en to poderia ser causado po r algo de d im ensão ou estofo dife­ren te do físico, en tão esse tipo de m ecânica é reje itado pelo

behaviorism o radical.A ssim , é recom endável a ten ta r para o sen tido da crítica: se

filosófico e nos te rm os an terio res, ou se leigo e sim plista , com o se explicará em seguida. A crítica leiga tem usado o te rm o meca­nicista num sen tid o d iferen te do filosófico e com cunho m era­m en te pejorativo. P retende, com isso, a trib u ir ao behaviorism o radical a pecha de insensível aos p ressu p o sto s fundam enta is do hum an ism o . T em os aqui, provavelm ente, m ais um problem a sem ântico . O te rm o humanismo tem sido com preend ido em fun­

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ção de dois significados básicos. O p rim eiro refere-se à idéia de um hum an ism o que rep resen ta com partilhar com os ideais da liberdade, da dignidade, da vida p rodu tiva e igualitária, da p re ­servação ecológica, da preservação dos d ire ito s hum anos. O segundo, aqui sim de in teresse teórico no es tu d o da causalidade em Psicologia, diz respeito à abordagem h u m an is ta que priv ile­gia o próprio indiv íduo com o in iciador da ação, no sen tido de um a teleologia que define o locus da ativ idade in te rn am en te ao organism o e p artin d o deste.

Da p rim eira conceituação de h u m an ism o com partilha o behaviorism o radical, ap esar das críticas acerca dos meios pelos quais S k inner p ropõe que se a tin jam as condições referidas. N o e n tan to , q u a n to ao segundo sen tid o - o de causalidade in terna , p ro p ó sito , te leo log ia - , h á severas d iscordâncias, em razão da d efesa sk in n erian a de u m sistema interativo em q u e não há prevalência do organism o ou do am bienfe na iniciação da inter-relação: S kinner é con trário à idéia da in tencionalidade causal do com portam en to , que troca pela concepção de h is tó ria de interações. A té m esm o o sím bolo parad igm ático por vezes veiculado pelo behaviorism o radical configura-se p o r re ticên ­cias iniciais: ...R-Sr (ou m esm o finais, se se pensa no encadea­m ento de re sp o s ta s ) . A té por con ta dessa d ico tom ia nos concei­tos de hum anism o, houve polêm ica m esm o na d iscussão do ângulo pelo qual S kinner foi agraciado com o títu lo de “H u m a­n ista do A no", em m aio de 1972 (cf. M oore, 1992).

Grosso modo, a crítica leiga en ten d e que o behaviorism o é m ecanicista em pelo m enos dois sen tidos:

1. ao explicar o com portam en to no parad igm a que supõe ser o tradicional S-R, esquece o que há no m iolo dessa relação, com toda a sua com plexidade genética, fisiológica e anatôm ica;

2. ao a ter-se às relações do organ ism o com o am bien te , obehaviorism o com para o hom em a q u a lquer ser inan im ado que,sem ser do tado do livre-arbítrio , to rn a-se co m pletam en te m an i­pulável.

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À prim eira crítica, faz-se o lem brete de que o parad igm a p ri­vilegiado p o r S kinner é ou tro , no qual o o p eran te p roduz um a conseqüência , que pode co n stitu ir-se em estím u lo d iscrim ina­tivo para o u tra resposta , num esquem a encadeado com plexo. E m bora haja um po rcen tu a l (pequeno) de re sp o stas filogeneti- cam en te d e te rm in ad as , qu ase to d o o co m p o rtam en to dos o rg an ism o s vivos (e o h u m an o , em especial) opera sobre o am b ien te , p ro d u z in d o conseqüênc ias q u e m u d am a su a p ro b a­b ilidade de ocorrência, sob pad rões m orfo lógicos e funcionais s im ila re s . A crítica até caberia ao behaviorism o clássico de 1913 e ao m etodológico dos anos 1930. C on tudo , se esse é um sen ­tido de m ecanicism o, com o na m etáfo ra da "caixa p re ta”, não é o sen tid o com que Skinner concordaria, a té porque, se ele lega aos fisiologistas a tarefa de descrever os m ecanism os neuro lóg i­cos dos com portam en tos, não abre m ão de es tu d a r com o estes, quando encobertos, m an têm relação de dependência com os eventos do m eio. A dificuldade em explicar os eventos não pode ser confund ida com um a recusa em explicá-los. R eiterando um trecho já c itado (Skinner, 1974, p. 190): “N inguém pode dar u m a explicação adequada de g rande parte do pensam en to h um ano . A final de contas, ele é provavelm ente o m ais com ­plexo assu n to jam ais su bm etido à análise".

Q u an to à segunda crítica, todas as projeções no sen tido do d e lineam en to cu ltu ra l feitas por Skinner são te s tem u n h o de sua concepção segundo a qual a q u estão do liv re-arb ítrio é um p ro ­b lem a que, se desp ido de sua condição de m ito , pode perfeita­m en te ser es tu d ad o em term os das relações do o rganism o com seu am b ien te am plo (físico, quím ico, biológico e social). A té m esm o o fenôm eno do escolher, num d e te rm inado m om ento , o que fazer. Essa escolha, para Skinner, es tá condicionada a um a série de variáveis, num con tex to específico, que asseguram a d ireção em que será feita. A ssim , o que o behaviorism o radical es tá descartando não é a ex istência de todo um sistem a proces­sual a m ed iar as relações organ ism o-am bien te , m as o fato de

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que esse sis tem a funcione com o causa de qualquer ação, tal com o algum as orien tações e s tru tu ra lis ta s o asseguram .

N esse sen tido , assevera S kinner que todas as ações são necessariam ente determ inadas, en ten d id o o determinismo, aqui, fundam en ta lm en te com o um a d o u trin a a assegu rar causa a todo e qualquer fenôm eno. Mais do que isso, vincula-se a um de te rm i­nism o probabilístico, em que não se pode prever o fato exato do próxim o acontecim ento, m as a probabilidade de que ele ocorra, em razão da h istó ria das in terações do organism o com o am bien­te. Por essa ótica, tal determ in ism o lida com um a expectativa de ocorrência e não com um a predição certa, m as probabilística. Na in terpretação russelliana (1991, original de 1935):

[se lançarm os u m a m oeda] ... cuando llegam os a n ú m ero s m ayo- res la rareza de una co n tinua caída de cara se hace m ás grande. Si a rro jam os u n a m oneda 1 .000,000.000,000.000,000.000,000.000,000 veces, ten d ríam o s m ucha su e rte si ob tuv iéram os u n a serie de cien

caras. Tal al m enos es la teoria , p e ro la vida es dem asiado co rta para verificado em piricam en te , (p. 109)

N esse pon to , a crítica do m ecanicism o req u er algum as d is ­tinções. C aso se p re ten d a a trib u ir um a influência m ecanicista ao behaviorism o no sen tido p rim eiro em que Lamal (1990) e s ti­pula, parece haver tal influência. Caso se p re ten d a aplicar a pecha de abordagem sim p lista d isp licen te para com o funciona­m ento in terno , certam en te não é o behaviorism o radical a ser atingido, m as o behaviorism o m etodológico , por te n ta r abolir a vida mental do foco de análise científica, em razão de suas d im ensões nebulosas.

Um m ovim ento recente d en tro da A nálise do C o m p o rta ­m ento (Hayes, 1988; M orris, 1988; C arrara & G onzalez, 1996) reporta-se - para elucidar as vias pelas quais algum as v erten tes da Psicologia são consideradas m ecanicistas - ao m odelo das m etáforas de Pepper (1942), do qual se ex traem paralelos re le ­vantes. A p a rtir desse m odelo, que orig inalm ente não p re te n ­

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deu dirig ir-se à Psicologia, m as a parte da Filosofia, a lguns au to ­res p ropõem u m a d ico tom ia en tre os conceitos de contex tua- lism o e m ecanicism o. Para as finalidades m om entâneas, basta ficar com a caracterização do m ecanicism o. A com panhando Hayes (1988), o m ecanicism o que se am para na m etáfo ra da m áqu ina atinge parcelas do behaviorism o e do cognitivism o. C onform e C arrara & G onzalez (1996, p .205-6):

no p rim eiro , exem plifica-se com clareza no behav io rism o o rto d o ­xo de W a tso n e o u tro s behav io ristas p ré -sk innerianos; no segun ­do, em todas as v e rten te s que de algum m odo u tilizam a m etáfora do co m p u tad o r (e os conceitos co rre sp o n d en tes de input, output, hardware, software e o s d iversos tipos de m em ória) para te n ta r com ­p reen d er o q u e se convencionou cham ar de fu n c ionam en to m en­tal. Fica claro que a m etáfo ra da m áq u in a não é aplicável a todo C ognitiv ism o e nem a todo B ehaviorism o. N o p resen te caso, o in ­te resse reside p a rticu la rm en te na o rien tação m ais m oderna da A nálise do C om p o rtam en to , su s ten tad a pelo B ehaviorism o R adi­cal sk inneriano , no qual a lite ra tu ra recen te tem iden tificado carac­terís ticas co n tex tua lis tas .

R e tom ando a d ico tom ia con tex tualism o-m ecan ic ism o , em er­gem com o características d es te ú ltim o , na Psicologia, as ten ta tivas de defin ir e s tím u lo e resposta , en tre o u tro s conceitos, m edian te u m a perspectiva a tom is ta , e lem en taris ta , reducion ista , em d e tr i­m en to de u m a visão funcional; tam b ém é típ ica a concepção de que as p a rte s ("peças") envolvidas na co n d u ta h u m an a têm sign i­ficado em si m esm as, a inda que analisadas separadam en te do todo , de m odo q u e a idéia da análise particu la rizada do com porta ­m en to acaba prevalecendo; o conceito de justaposição , contigüida-

de ou associação de estím u lo s, q u ando apenas obedecidas relações de linearidade, com o no caso das cham adas teo rias S-R, segura­m en te im plica u m a espécie de m ecanicism o, so b re tu d o sob in ­fluência da p ressuposição de um a certa passiv idade do organism o (d ife ren tem en te da A nálise do C o m p o rtam en to , onde se p ressu ­põe in teração o rgan ism o-am b ien te e não sim ples sujeição do orga­n ism o, com o p o r vezes se veicula); no m ecanicism o, as p artes nao são e stu d ad as e n q u an to p resen tes e em func ionam en to no todo

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com portam en ta l, e sim iso ladas para análise sob o a rg u m en to da m aio r facilidade de com preensão . Todavia, é im p o rtan te q u e se ressalvem , aqu i, os riscos de se d en o m in ar de m odo ab so lu to q u a l­q u e r o rien tação teó rica em Psicologia: a tribu ída , po r exem plo, a designação de m ecan ic is ta (m esm o) ao B ehaviorism o w atson iano , corre-se o risco de in c lu ir aí p a r te s de su a o b ra q u e foram e s s e n ­c ia lm en te descritivo-funcionais e que , resp e itad o o co n tex to h is ­tó rico do seu trabalho , poderiam se r d isp en sad as desse e de o u tro s ró tu los. T ais riscos se derivam da im possib ilidade de relativ ização que q u a lq u e r designação taxativa im põe (especia lm en te as n eg a ti­vas, com o a de m ecan ic is ta). M ais p ru d en te será falar, sem pre , em características m ecanicistas ou carac terísticas con tex tua lis tas .

De q u a lq u er m aneira, res ta claro que, em bora a A nálise do C om portam ento , reavaliada, possa p resta r-se am plam en te ao em preend im en to con tex tualista , su a práxis, para alguns, tem dem onstrado a partição do organ ism o em tan tas peças q uan tas (supostam en te) facilitem a sua com preensão . N a verdade, essa com preensão recortada do organ ism o é exa tam en te con trária ao que m ove a visão con tex tualista , a qual este trabalho p re ­tende con jec tu rar en q u an to contribu ição para a A nálise do C om portam ento . Para o m om ento , re itera-se um paradoxo: por um lado, é im possível (no m ín im o, dada a sua com plexidade) fazer um a “Psicologia do todo psicológico", gestáltica n o seu sen tido m ais agudo, a té po rque não há possib ilidade (nem m esm o teórica) de se acessar o ser h u m an o na sua m ais vee­m ente in tegralidade; po r o u tro lado, é igualm ente im possível a com preensão do todo a p a rtir do sim ples exam e de suas partes (com portam entais, no caso), até por con ta de que estas, em grande m edida, ou só fazem sen tid o em conjunto , ou fazem sentido d iferen te quando tom adas em con jun to ou iso lada­m ente. E no rastro desse con tra-senso que se d iscu tirá a p ro ­posta contex tualista , que não p re ten d e resolver o paradoxo, todavia parte dele para encam inhar h ip ó teses e p roced im entos Para, ao m enos, alcançar parcim onioso acesso ao psicológico.

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Influência positivista como determinante da filosofia behaviorista: o behaviorismo radical como instrumento que leva à objetificação da pessoa humana

Para avaliar, ainda que superficialm ente, algum as questões polêm icas relacionadas aos derivativos teóricos do cientificismo, do positivism o e do behaviorism o, torna-se necessário ao m enos um breve histórico e algum as considerações prelim inares em to rno desses term os, hoje tidos com o de uso corren te e indiscri­m inado em Psicologia e no âm bito de áreas de estudo afins.

O cientificism o, p o r exem plo, inegavelm ente cunhou , com o ca rac terís tica irre to rqu íve l, o fato de q u e n ão há dup lic idade de na tu reza que separe os eventos do m undo: os valores, o dever-ser, são cabalm ente redutíveis à realidade, ao ser (Barros, 1959). D ito de o u tra form a, n o cientificism o, um a só natu reza explica os dois planos, o da realidade e o dos valores. O m undo h u m an o é co m pletam en te de n a tu reza física e apenas com o conhecim ento m ais porm enorizado , pelos m étodos da ciência, poder-se-iam ap render ob jetivam ente as relações funcionais e possivelm ente até as relações causais d e te rm in an tes da conduta hum ana.

O cientificism o sofreu, n a tu ra lm en te , de algum as en to n a ­ções d iferen tes ao longo do tem po. De u m a ênfase prim itiva, um tan to m ais ingênua, no in te lec tualism o e no conhecim ento puro e sim ples dos fatos da vida diária, sem preocupação exces­siva com a p rópria m etodologia (o que seria a té decorrência do incip ien te - e in sip ien te - estado em que se encon trava o desen ­volv im ento tecnológico), o cientificism o passa gradativam ente a um a tal confiança nas luzes da descoberta científica que os filósofos com eçam a c red itar à ciência a tarefa de estipu lar, mais que os critérios m etodológicos, os p róprios objetivos da vida hum ana. Por certo , desde o Novum Organon, de Bacon, m uitas variações do que seja a linha dem arcató ria en tre o que é e o que não é ciência já foram produzidas. R ecentem ente, o verificacio-

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nism o, a refu tab ilidade, a cientificidade paradigm ática, a ep iste- m ologia da verdade consensual e o anarqu ism o ep istem ológico (incluindo na d iscussão grandes nom es do C írculo de Viena, acrescidos de d issiden tes com o P opper ou de o u tro s com o Kuhn, H aberm as, L akatos e Feyeraband) têm co n s titu íd o osc i­lações f re q ü e n te m en te radicais acerca da concepção científica. A rtigos e lucidativos de várias dessas posições podem ser encon trados em O liva (1990). R e tom ando , porém , um p o n to que jam ais de ixou de m arcar a análise da d ico to m ia c iên c ia / não-ciência, qual seja, o positiv ism o, ficam os d ian te de um cap ítu lo m arcan te da filosofia da H istó ria (e da p ró p ria h is tó ­ria da F ilosofia), o positiv ism o.

Para s itu a r m elh o r esse positiv ism o, vale rem o n tar a um breve traçado das principais tendências filosóficas, tal com o em Trivinos (1987). Esse au to r coloca a Filosofia com o um a con­cepção do m u n d o que p rocura explicar a na tu reza e,a sociedade m edian te o estabelec im ento das leis de seu desenvolv im ento e a busca das form as pelas quais conhecê-las. O m esm o au to r traça um esboço que divide a Filosofia, com o trad ic ionalm ente , em idealism o e m ateria lism o filosóficos.

O idealism o te ria vivido duas tendências fundam entais, quais sejam , o idealism o subjetivo e o idealism o objetivo. O p ri­m eiro destacaria o hom em com o incapaz de conhecer os fenô­m enos em si m esm os, sendo a consciência individual a única realidade possível; teve com o rep resen tan tes H um e e Berkeley. Mais à frente, esse tipo de idealism o te ria in fluenciado na con­cepção do positiv ism o lógico, do em pirism o lógico e da filosofia analítica. O segundo, a p artir da idéia de esp írito abso lu to , teria gerado a concepção hegeliana de idealism o dialético.

A segunda co rren te filosófica, o m ateria lism o, ainda com Trivinos (1987), divide-se em ingênuo (a realidade é tal qual a percebem os), espontâneo (a realidade está fora do nível da cons­ciência), mecanicista (para esse au to r, negaria as fontes in te rnas

m ovim ento p róprias do dualism o) e dialético (apóia-se na

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ciência, sendo a m atéria an te rio r à consciência: enfatiza a m a té ­ria, a consciência e a p rática social).

C onform e C arrara (1988, 1989), em bora haja querelas sobre as exatas influências no aparecim ento do positiv ism o com tiano, o fato é que C om te, desde a publicação de seus “p la­nos científicos necessários à reorganização da sociedade”, dem onstrava acred itar que apenas a reform ulação dos m ecanis­m os de conhecim en to do m u n d o físico é que chegaria a perm i­tir, em algum a época, m udanças na sociedade tal com o en tão organizada. O s p o n to s de especial in te resse para a adm issão ou con testação da crítica, aqui, podem ser ra streados a p a rtir de G iano tti (1983), que explicita a influência do positiv ism o sobre três aspectos fundam en ta is da vida hum ana: um , o científico, no sen tid o do privilégio à objetiv idade e quantificação; ou tro , o religioso, e afinal o político, indicando o que era prim ordial para C om te en q u an to m udanças sociais.

N as palavras de G ianotti (1983), o sis tem a com tiano e s tru ­tu ro u -se em to rn o de três tem as básicos, que com preendiam um a filosofia da H istó ria com o objetivo de m o stra r as razões pelas quais a filosofia positiva deveria im perar en tre os hom ens, um a fundam entação e classificação das ciências baseada nessa filosofia e, finalm ente, um a sociologia que perm itisse a reform a p rática das institu ições. A lém desses aspectos, C om te acrescen­to u um a concepção religiosa, por m eio do A posto lado Positi­vista, que p ropôs nos seus ú ltim os anos de vida e que até e s ta ­beleceu ex tensão no Brasil.

E v iden tem ente, tem im portância fundam enta l, para as fina­lidades d e s te trab a lh o , u m a re to m ad a do p o sitiv ism o p rim o r­d ia lm en te no plano científico e no p lano político: aí se d iscu ti­rão os fu n dam en tos m etodológicos e filosóficos do behavio- rism o radical, en q u an to filosofia objetiv ista , bem com o as d im ensões político-sociais do m esm o, a p a rtir das p ropostas de d e lineam en to cu ltu ra l de Skinner.

V oltando a C om te, sua filosofia da H istó ria é sin te tizada na lei dos três estados, que especifica que todas as ciências desen-

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volvem -se em três fases d istin tas: a teológica, a metafísica e a posi­tiva. A p rim eira m o stra os hom ens ten tan d o explicar o m undo a partir da in tervenção de seres sob ren a tu ra is (vai do fetichism o ao m onoteísm o, passando pelo po lite ísm o). A segunda concebe forças para explicar os d iferen tes fenôm enos, em substitu ição às divindades; convencionam -se energ ias e fala-se de força quí­mica, força vital e força física. F inalm ente, o estado positivo carac- teriza-se pela subord inação da im aginação e da argum entação à observação e is to é um p o n to ex trem am en te im p o rtan te para os psicólogos. C ada proposição enunciada de m odo positivo deve corresponder a um fato, isso não significando, porém , que C om te defendesse um em pirism o p u ro que rep resen tasse red u ­ção de todo conhecim ento à ap reensão de fatos isolados. A visão positiva dos fatos abandona a consideração de causas teo­lógicas ou metafísicas e to rna-se pesqu isa de leis en tend idas com o relações co n stan tes en tre fenôm enos observávei^ Por isso, com relação à Psicologia, vale acom panhar a análise de Jap iassu (1982) sobre o p en sa r de C om te. Jap iassu adm ite que C om te instau ra a era da positividade e, iden tificando um con tex to em que em ergiriam dois possíveis tipos de Psicologia (psychologia rationalis e psychologia empirica), o p ta pela exclusão do p rim eiro tipo desde a p rim eira lição do seu Curso de filosofia positiva. Ali, C om te diz não haver lugar para "esta psicologia ilusória, ú ltim a transform ação da teologia - que se te n ta de m odo ab so lu ta ­m ente vão rean im ar hoje em d i a ... p re ten d e chegar à descoberta de leis fundam enta is do esp írito hum ano , con tem plando-o em si m esm o” (apud Jap iassu , p .77). C om te vê e nega nesse tipo de Psicologia o seu cará ter d ualista e a ausência de objetiv idade na proposição de explicações; crê que a in te rp re tação desprovida de observação se equaliza a um a a titu d e contem pla tiva que não pode constitu ir-se em a titu d e científica.

A in d a u m a re s s a lv a é n e c e s s á r ia : ta m b é m o p o s i t iv is m o

p re c is a s e r m a is b e m c o m p r e e n d id o e m s u a s d iv e r s a s a c e p ç õ e s ,

a n te s q u e q u a lq u e r c r í t ic a q u e ta c h e d e p o s i t iv is ta o b e h a v io -

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rism o (qual dos tipos deste?) possa ser analisada. A ssim , para T rivinos (1987), o positiv ism o co rresponderia a diversos gêne­ros filosóficos, que inclu iriam o positivismo lógico e o empirismo lógico (n itid am en te ligados ao C írculo de Viena, onde se d esta ­caram Schlick, N eu ra th , C arnap e Popper); o atomismo lógico (R ussell e W ittg en ste in , es te na sua p rim eira fase); a filosofia analítica (W ittgenste in , na sua segunda fase, de quem se anali­sam sim ilaridades com S kinner (cf. Day, 1969; W ittgenste in , 1953) e Ayer, (tam bém defensor do behaviorism o lingüístico com o form a possível de análise da realidade); o behaviorismo (do tipo clássico, de W atson) e o neobehaviorismo (ú ltim a form a do neopositiv ism o, com H ull, G uthrie, T olm an e, p o r últim o, Skin­ner, es te sob a influência positiv ista específica de M ach, com o já se frisou). A nosso ver, em bora os ró tu los designativos m encio­nados sejam de u so corren te , haveria que d is tin g u ir aqueles que se referem m ais em particu lar à Filosofia daqueles referen tes à Psicologia. N ão dá no m esm o falar n u m behaviorism o psicoló­gico (no sen tid o de W atson , po r exem plo) e n u m behaviorism o filosófico (no sen tid o já m encionado por K antor, por exem plo).

A par dessa gam a am pla de tipos de positiv ism o ou de influência positiv ista , ocorrem (segundo T riv inos, 1987) duas características que estarão p resen tes na m aioria dos subtipos: u m a seria o fato de que o positiv ism o consideraria a realidade form ada de p artes isoladas, fatos a tôm icos, o que se oporia à concepção dialética desde Hegel. Isso te ria perm itido , no exem ­plo de T rivinos, o aparecim ento de pesqu isas sobre o fracasso escolar desv inculadas de um a d inâm ica am pla e subm etidas a relações m u ito sim plificadas, sem ap ro fundam en to qu an to às causas h istó ricas e sociais do fato: perder-se-ia a idéia de con­texto, seja ele h istórico-social ou h istórico-individual.

O u tro prob lem a seria o de que o positiv ism o não considera­ria o u tra realidade que não fossem os even tos observáveis (M ackenzie, 1972, 1977). Surge aí a qu estão dos fatos m entais, com todas as d iscussões sobre a validade da introspecção,

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rechaçada pelo behaviorism o m etodológico, po r exem plo, com o form a de ob tenção de dados sobre a na tu reza dos fenôm enos hum anos. É onde, um a vez m ais, to rna-se necessário d iscern ir en tre posições. Q uando se a tribu i essa crítica ao behaviorism o radical, com ete-se um erro, reparável a té pelo sim ples conferir das declarações de Skinner, nas suas ú ltim as obras, quando m ostra que o re lato verbal, se m etodo log icam ente bem cui­dado, pode trazer luzes im p o rtan tes para a com preensão do com portam en to encoberto . O que ele não concebe é o status da m ente en q u an to m ecanism o ou co n stru c to suficiente para explanação causal do com portam ento .

C om efeito, é a té hoje incom pleta a tecnologia que pode via­bilizar a utilização dos re latos verbais com o dados confiáveis na A nálise E xperim ental do C om portam en to , a inda que seja p ro ­m issor seu estudo . M artinez (1995) revisa os aspectos concei­tuais e m etodológicos relacionados ao es tu d o dos relatos v er­bais e reconhece que um a m etodologia adequafla para tra tá-los cientificam ente ainda está a cam inho. Seus resu ltados parecem sugerir que as descrições feitas pelos su je ito s acerca de um a regra ou co m portam en to qualquer prev iam ente executados tendem a m an te r com patib ilidade com eles ou referir-se am pla­m ente a eles. Todavia, quando a análise cam inha no sen tido inverso - do relato descritivo intencional à ação a ser executada - , nem sem pre é o caso. O que confirm a, por certo , um a série de estudos em Psicologia Social, que m o stram a incongruência não raro encon trada en tre in tencionalidade e co m p o rtam en to ab er­to: sem dúvida, razão extra para confirm ar a rejeição do behavio­rism o radical à condição de estado causai a tribu ído por parcela do cognitivism o à in tencionalidade.

O u tra q u estão polêm ica o riunda do positiv ism o é a sua p re ­dileção à investigação do como em vez do por que, o que não sa tis ­faz, em absolu to , à m aioria das teo rias sobre com portam en to hum ano e problem as educacionais. O u tras polêm icas surgem do princípio da verificação (casos confirm adores fortaleceriam

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u m a lei, idéia que foi m ais ta rde posta em dúvida po r Popper, u m defensor da refutabilidade com o crité rio de dem arcação en tre o que é ou não é c iência). A inda ou tra qu estão polêm ica é a a tr i­buição de un idade m etodológica para investigação tan to de fenôm enos n a tu ra is com o sociais (essa un idade é m antida com o ind ispensável no behaviorism o radical de Skinner, até por considerar a na tu reza h u m an a com o ten d o com posição igual - ou seja, física - à dos dem ais eventos e fenôm enos da natu reza em geral).

A p a rtir das colocações positiv istas, a que se contrapõem ou tras linhas filosóficas, um dos principais p roblem as relacio­nados à ob tenção do conhecim ento é o da quantificação. Segundo Bruyne, H erm an & S chou theete (1977), ela constitu i um a ligação en tre a operacionalização das h ipó teses e a coleta das inform ações, su b m eten d o a pesqu isa a suas exigências m etodológicas. Im põe um a ordem ao universo sem ântico do d iscurso e o reduz a um universo sim bólico de núm eros. Aqui, na tu ra lm en te , se encaixariam ten ta tivas influenciadas pelo positiv ism o lógico, com o as de H ull e T olm an, po rque ten d en ­tes a expressar, ao final, em fórm ulas m atem áticas, as relações do co m p o rtam en to e do m eio (form ação de háb itos, por exem ­plo). N ão caberia a Skinner, no behaviorism o radical, absorver ta l influência.

Em seguida, há a necessidade de apreciação dos m étodos qualita tivos e quan tita tivos, que acen tuam discussões e grande polêm ica em to rn o de um cará ter su p o stam en te sim plista e reducion ista que te ria passado do positiv ism o ao behaviorism o. A ênfase na quantificação, nos ú ltim os noven ta anos, parece ter sido responsável po r u m a certa "desqualificação da qualidade”. Se, por u m lado, para G oode & H att (1973) a pesqu isa deve reje itar com o falsa a d ico tom ia en tre m étodos qualitativos e q u an tita tivos baseada exclusivam ente no uso ou não da E sta tís­tica, por o u tro lado, para D em o (1981) fica clara um a rejeição à possib ilidade de um conhecim ento pu ram en te objetivo. Demo

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opta pelo critério da objetivação, que su b stitu i a ten ta tiv a de rep roduzir a realidade assim com o ela é. A lerta en tão que, com o nunca conseguirem os rea lm en te reproduzi-la , devem os o p ta r pela objetivação, um a condu ta que com preende cam inhar em busca da objetividade, em bora alcançá-la de m odo defin itivo

seja utópico.T am bém R ichardson (1985) critica o uso dos m étodos

quan tita tivos derivados do positiv ism o, a lertando que não são esses m étodos em si que produzem as in justiças sociais, m as o uso que se faz deles. A concepção positiv ista de ciência, que insistiria na aplicação do m odelo das ciências na tu ra is às c iên ­cias sociais, te ria levado ao en fraquecim en to d estas ú ltim as, que são "os seres h u m anos com suas crenças e p ráticas", em troca de explicações de fenôm enos conform e de te rm inadas "leis científicas".

A inda sobre a q uestão da quantificação, conclui Nagel (1968) que é o desejo de dar explicações que sejam tan to s is te ­m áticas com o controláveis por elem entos de juízo fático o que dá origem e susten tação à ciência. P ronuncia-se na m esm a direção Bunge (1969), q u ando expõe o que en ten d e po r m ensuração . Ele m ostra que o que se pode observar d ire ta ou in d ire tam en te é um con jun to de fatos e que, para se r precisa, a observação tem que ser quantificável, já que sistem as concretos parecem neces­sariam ente do tados de propriedades quan tita tivas. T am bém Marx & H illix (1976) defendem a quantificação, especialm en te em Psicologia, ao argum en tarem que ela tem pelo m enos duas vantagens: a de precisar os enunciados e a de au m en ta r a nqueza das possib ilidades dedutivas. E n tre tan to , acau telam para o fato de que a quantificação, n essa área, parece "m ais d ifí­cil ’ que em o u tras áreas.

Parece ser exatam en te no sen tid o dessa popu larm en te conhecida expressão "m ais difícil" que se coloca a crítica ao behaviorism o em geral e ao behaviorism o radical em particular. E por essa via que se passa a su p o r que o behaviorism o, pela

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quantificação, não dá con ta de seu ob jeto de estudo . Fica do lado de fora da análise um a e tapa im p o rtan te dos relatos de pes­qu isa (sejam eles referen tes a dados ob tidos sob qua lq u er m eto ­dologia), que é a discussão. Aí cabe in te rp re ta r (tan to quan to perm itam os dados). Para o behaviorism o radical, o in te rp re ta r significa a tribu ir, a p a rtir de um con jun to de dados (quantifica­dos, p o rtan to ), a lgum as qualidades ou explicações probabilisticas para o fenôm eno em estudo . N esse sen tido , é necessário e pos­sível com preender que quantitativo e qualitativo constituem d im ensões ex trem as de um m esm o continuum e que se tocam , necessariam en te (ver C arrara, 2 0 0 4 a).

Para a lguns au to res (Ferrari, 1974; Cervo & Bervian, 1978), ex istem diversos tipos de conhecim ento : o em pírico (anedótico e assistem ático , ob tid o em função da experiência de vida), o teológico (m edian te reflexão acerca das origens e finalidades do h om em ), o filosófico (concebido com o in terrogação da reali­dade, feita d en tro de u m sis tem a de pensam en to previam ente adm itido) e o científico (m etódico e ob tido pela observação sis­tem ática dos fenôm enos natu ra is). Para R ichardson (1985), o m éto d o científico ap resen ta duas grandes tendências: a que ado ta m étodos quan tita tiv o s e a que ado ta m étodos qua lita ti­vos. A prim eira se caracterizaria pelo em prego da quantificação tan to na coleta de inform ações q u an to no tra tam en to das m es­m as por técnicas estatísticas, desde as m ais sim ples (como por- cen tual, m édia, m oda, desvio-padrão) às m ais com plexas, deco rren tes da esta tís tica inferencial (com o coeficientes de cor­relação, análise de regressão e ou tras). Essa m etodologia teria a in tenção de garan tir a precisão dos resu ltados, ev itar d istorções de análise e in terp re tação , possib ilitando m aio r m argem de segurança às influências. Seria freq ü en tem en te aplicada nos e stu d o s que p rocu ram descobrir e classificar a relação entre variáveis, bem com o nos que investigam relações de dependên ­cia ou causalidade en tre fenôm enos ou variáveis. Informa R ichardson que os estu d o s que p rocuram investigar a correla­

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ção en tre variáveis são fundam enta is para as d iversas ciências sociais, po rque perm item contro lar, s im u ltan eam en te , g rande núm ero de variáveis e, com o uso de técnicas es ta tís ticas de cor­relação, especificar o grau pelo qual d iferen tes variáveis estão relacionadas. Esse tipo de m etodologia qu an tita tiv a é no tó ria e sistem aticam ente criticada com o positiv ista , no sen tido de que pretende ver a realidade tal com o ela se ap resen ta nos seus ob je­tos, o que seria inviável po rque essa realidade seria po rtado ra da qualidade de incognoscível em seu estad o puro .

E n tre tan to , para os efeitos de consideração polêm ica e crí­tica com que se analisa a influência positiv ista sobre o behavio­rism o radical, cabe ao m enos um a im p o rtan te ressalva, qual seja, a de que S kinner abso lu tam en te não nega im portância ao uso da m etodologia qualitativa, m as sua form a de traba lhar contém m u ita quantificação, privilegiada em todos os estu d o s que em pregam m edidas de resposta com o freqüência, duração, força-peso, in tensidade e ou tras. N a perspectiva m etodológica skinneriana, m enciona-se o d elineam en to de p esqu isa com o sujeito com o seu p róp rio con tro le (por exem plo, exposto por N unes e N unes no que se refere a seu uso em educação especial, 1987). Esse tipo de m odelo abandona co m pletam en te a idéia de grupos de con tro le e g rupos experim en ta is e, m ais, desvenci­lha-se, com o o descreveu Sidm an (1976), do uso de m édias estatísticas e da p rópria esta tís tica inferencial. N a tu ra lm en te , o problem a da generalização dos resu ltados de investigações em que e em pregado esse d elineam en to pode ser resolvido ad eq u a­dam ente na m edida em que replicações sistem áticas sejam co n ­duzidas, o que significa repetições do experim en to u tilizan ­do-se d iferen tes su je ito s ou d iferen tes investigadores ou, ainda, no cam po educacional, d iferen tes in stitu ições de ensino.

Q uan to aos m étodos qualita tivos, segundo R ichardson (1985), estes, em geral, não em pregam in stru m en ta l e s ta tís tico com o base do processo de análise de um dado problem a; não pretende n u m era r ou m edir un idades ou características h o m o ­

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gêneas. R eiterando , para G oode & H att (1973, p .398-9), “a pes­qu isa m oderna deve reje itar com o falsa a d ico tom ia en tre m éto ­dos qu an tita tiv o s e qualita tivos... além disso, não im porta quão precisas sejam as m edidas, o que é m edido co n tin u a a ser um a qualidade".

O u tro p o n to criticado da alud ida influência positiv ista sobre o behaviorism o é a q uestão da neu tra lidade científica, ineren te ao m étodo e descartada pela m aioria dos estud iosos de teo ria da ciência en q u an to com ponen te dos m étodos q u an tita ­tivos. N atu ra lm en te , é desconhecido pela m aioria dos críticos que tam bém S kinner descarta a neu tra lidade científica. Isso se revela nas inúm eras vezes em que faz considerações acerca da influência do observador, não apenas no m o m en to da pesquisa, com o d u ran te o m o m en to da leitura dos dados. Isso se revela facilm ente na sua excepcional preocupação com o controle experim ental em d e trim en to de con tro le esta tís tico . Tal p reo ­cupação é s im ila r à busca do sen tid o da objetivação e é visível nos experim en tos sob condições contro ladas de laboratório , em bora se reserve, na in terp retação , u m a certa quan tidade de influência para variáveis não detectadas. O que corresponderia ao caso das variáveis estranhas, tão co m u m en te citadas e tão ao gosto dos e stud iosos de m etodologia da pesquisa.

V isceralm ente contra o "caráter anti-h istórico e antidialético dos procedim entos que pre tendem captar a realidade social a p artir de um a fotografia instan tânea da opinião pública e sem levar em conta as e stru tu ras e os m ovim entos sociais" é a posição de T hio llen t (1987, p .127), que, nesse m om ento , está se refe­rindo a procedim entos de coleta de dados (verbais) acerca de opi­nião pública. O au to r tam bém se opõe ao que designa concepção em piricista concebida em m oldes positivistas, que tenderia a desvalorizar a elaboração teórica e supervalorizar a observação.

Essa é, com segurança, um a posição rep resen ta tiva do setor da crítica que descen tra liza seu foco e p rocura a ting ir indiscri­m inadam en te q u a lq u er alvo, com um jogo de palavras que nao

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corresponde à realidade do que está sendo criticado, com o na últim a afirmação: não é, sim plesm ente, verdade que toda concep­ção objetivista to rne necessariam ente p re térita a elaboração de teorias, em bora realm ente (e sem qualquer incom patibilidade, na visão deste autor) valorize a observação. N o caso do behavio­rism o radical, por exem plo, Skinner descarta teorias no sen tido que aponta em seu artigo de 1950, m as é seguram ente um teó ­rico no sen tido de ficar conjecturando co nstan tem en te acerca de utopias culturais e questões relacionadas (cf. Carrara, 1994).

É no con tex to dessas in trincadas relações que se afunilam considerações para um en ten d im en to pre lim inar do que sejam , hoje, alguns dos postu lados vigentes no behaviorism o. N a rea li­dade, ficou claro em o u tro m om en to que se pode falar de beha- viorism os. Esse plural tem causado, em todas as áreas, m u ita confusão, p e rm an en tem en te con sta tad a nos livros de tex to , nos artigos publicados em periódicos e nas discussfees en tre p ro fis­sionais e a lunos ligados de algum m odo à área psicológica.

N o seu desenvolvim ento , o behaviorism o foi concebido de form as d iferen tes por vários estud iosos: pelo p róprio W atson , no seu behaviorism o clássico, en ten d en d o que a Psicologia já não necessitaria iludir-se acred itando que o seu ob jeto de observação são os estados m entais; po r M cDougall e T olm an, este ú ltim o tendo a tribu ído ao co m p o rtam en to m an ifesto um a in tencionalidade po r o u tro s não adm itida; e tam bém por H ull, Spence, Boring, W oodw orth , G uthrie, Kantor, Bandura, Krasner, U llm ann, Ferster, H olland, S taats, S idm an, S kinner e M orris, para exem plificar. Essas v erten tes todas, ao longo da h istó ria behaviorista, fizeram que o parad igm a recebesse denom inações d iferentes, algum as das quais já foram an te rio rm en te m encio ­nadas: behaviorism o clássico, behaviorism o m etodológico, behaviorism o cognitivo, behaviorism o social e behaviorism o radical, en tre o u tras. Todavia, para os in te resses m om en tâneos acerca da influência positiv ista , im porta p rinc ipalm ente um a linha d ivisória en tre o behaviorism o m etodológico e o radical.

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Skinner, em bora não ten h a escrito n en h u m artigo, en tre suas m ais de du zen tas publicações (C arrara, 1992),em que ana­lise exaustiva e exclusivam ente a questão , indica, en tre tan to , seu pon to de v ista em diversos escritos, de form a evolutiva (1938, 1945, 1953, 1963, 1966, 1969, 1974, 1984, po r exem ­plo). D efende que u m a ciência do co m p o rtam en to deve consi­de ra r o lugar dos e stím u los privados com o even tos físicos, com isso delineando sua explicação a lternativa para a vida mental (1974). Privilegia c laram ente a necessidade de se buscar expli­cações para o m u n d o que está "sob a pe le”, qu estão que consi­dera cen tral para o behaviorism o radical (1974).

R eun indo artigos e ten tan d o caracterizar a d iferença en tre behaviorism o radical e m etodológico, Creel (1980) m ostra , p ri­m eiro , que o radical não nega, com o m u ito s im aginam , a exis­tência dos eventos privados, do que B lanshard acusa Skinner, em debate h istó rico (1967b). Em segundo lugar, explica que ex iste u m a n ítid a d is tin ção e n tre o que é público e o que é pri­vado e en tre aquilo que é físico e o que é mental: são duas q u es­tões com pletam ente diferentes. O behaviorista m etodológico não aceita dados privados, en q u an to o radical o faz, com o exem pli­fica Skinner:

M inha d o r de d en tes é tão física com o m in h a m áqu ina de es­

crever, em b o ra não pública, e eu não vejo razão pela qual um a ciência ob jetiva e operacional não possa con sid e ra r p rocessos m e­

d ian te os quais o vocabulário descritivo sob re a d o r de d en tes é ad ­

qu irid o e m an tido . (1945, p .273)

N esse p on to , Skinner está enfatizando com prioridade a funcionalidade dos eventos, m ais que p rop riam en te sua e s tru ­tu ra e na tu reza . Sobre a e s tru tu ra , S kinner (1963) explica que tan to os eventos públicos com o os privados são da m esm a espé­cie de d im ensões físicas, adm itindo que o m undo é feito de ape­nas um tipo de estofo , m aterial, de cuja na tu reza é tan to o subs­tra to dos even tos privados q u an to o dos públicos. Por essa

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razão, segundo Creel, S kinner reafirm a um a tendência para o m ateria lism o filosófico, o que não parece in te iram en te tácito na

análise que faz A bib (1985).O s eventos privados, para Creel, podem ser divididos em

eventos acessíveis ou inacessíveis (ou subjetivos) à observação, ainda que ind ireta. O p rim eiro tipo se com põe daqueles eventos com o as batidas do coração, as sinapses dos neurôn ios, que p e r­m item observação d ire ta ou ind ireta, po r m eio de sinais de in s ­trum en tos, m as que de qualquer m aneira estão sob a pele, to r ­nando-se, po r isso, privados em princípio. O s eventos inacessí­veis seriam aqueles que, em bora experienciais em na tu reza e ocorrendo no corpo, são inatingíveis (d ire tam ente) em princí­pio, com o os sonhos, as sensações de prazer e dor etc. Para Skinner, esses são eventos físicos em sua natu reza , m as inaces­síveis em princípio, de m odo que a investigação fisiológica não os detectaria, agora ou a qua lq u er tem po . t

É n essa perspectiva que S kinner se incluiria na tese do m onism o m ateria lis ta e, po r vezes, n u m a discutível tese epife- nom ênica (em que os fenôm enos com portam en ta is privados seriam acessórios aos acon tec im entos fisiológicos e sem p a rti­cipação na causação de o u tro s com portam en tos). E nesse sen ­tido que o mentalismo alud ido com o inimigo de Skinner por D en- n e tt (1978) fica en tend ido d en tro do con tex to de um epifeno- m enalism o radical, que não dá a esse co nstruc to a d im ensão de entidade explicativa do com portam en to . Essa posição, no en ­tend im en to de M oore (1981) e Day (1983), desem penha papel decisivo no desenvolv im ento do conhecim en to científico: de li­m ita o rol de proced im entos que m arca a A nálise E xperim ental do C om portam ento .

Em geral (e d esafo rtunadam en te) g rande p arte da crítica faz confusões conceituais en tre o behaviorism o radical e o m e to d o ­lógico (e, po r diversas vezes, inclui na confusão o behaviorism o clássico de W atson , de tan to s anos a trás). Essa confusão concei­tuai tem levado os críticos à conotação positiv ista pejorativa

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para com o behaviorism o radical. P articu larm en te na errônea concepção de que esse m odelo teórico rejeita a possib ilidade de es tu d a r o mental, o in terno , o que está sob a pele. N os seus tra ­balhos dos ú ltim os anos, S kinner c laram ente rejeita o estigm a de reducion ista a trib u íd o ao parad igm a behav io rista po r conta de um a eventual influência positivista.

N as suas p rim eiras publicações (1938), S k inner adm ite que "o sistem a, na m edida em que envolve o m éto d o científico ... é positiv ista" (p .44). C on tudo , ao longo de sua atividade, ten tou fazer en ten d e r que estava se referindo, aí, à qu estão da preva­lência do estado positivo, no sen tido com tiano de que a "im agi­nação e a a rgum entação subord inam -se à observação” e que os prim eiros só podem derivar da últim a. E n tretan to , isso não con­fere à afirm ação sk inneriana a condição de subm issão ao conceito ap resen tad o por H anson (1975), segundo o qual no positiv ism o a observação descreveria propriedades da n a tu reza das coisas e não propriedades in eren tes às teo rias ou in terp re tações que os observadores elaboram acerca da natureza. E seguro, no behavio­rism o radical, que o observador tem en tre si e o dado de reali­dade todo um an tep aro rep resen tado pela sua h is tó ria com por- tam enta l. N ão fosse assim e não se investiria tan to , no behavio­rism o, em p esqu isar cuidados m etodológicos que possam redu ­zir a incidência dos erros experim entais devidos à influência do pesqu isado r nos re su ltados das pesqu isas. Esse investim ento , con tudo , já foi celebrado com o podendo, apenas, to rnar-se um ideal relativo, de vez que o viés com pleto não pode ser elim i­nado, por con ta de que o ser hum an o acaba sendo parte ineren te da na tu reza que observa e estuda . M as perm anece valendo, tan to para o behaviorism o radical q u an to para o m etodológico, a caracterização de positiv ista na m edida em que não levariam in teg ra lm en te em con ta a h is tó ria de vida das pessoas para ana­lisar as causas de suas condu tas. A ssim , não se considerariam com suficien te ênfase as variáveis h istóricas, sociais e po líti­co-econôm icas que percorrem toda a form ação do repertorio

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com portam ental das pessoas e que d e te rm in am , inegavel­m ente, seu m odo p re sen te de agir. É co n tra a p rá tica d escu i­dada em algum as in tervenções que u tilizam a A nálise do C o m ­p o rtam en to em situações clínicas, educacionais e do traba lho , ao não a te n ta r p ara a necessidade de um a apreciação m ais p ro ­funda dessas variáveis h is tó ricas da v ida in te rp esso a l, que reclam am alguns au to re s (C arrara, 1984), ou m esm o é a p a rtir de onde a lguns têm red irec ionado to d a a su a perspectiva beha- v iorista (H olland , 1974, 1976, 1978a, 1978b), levando em conta trab a lh o s críticos de peso (B erm an, 1978; K rasner, 1962, 1978; A udi, 1976). P articu la rm en te , o re le v a n te q u e s ­tio n a m e n to de H olland fica p a te n te no co n teú d o desses seus qu a tro artigos, in titu lad o s , respec tivam en te : "S ervirán los princíp ios con d u c tu a les para los rev o luc ionário s?”; "E th ical considera tions on behav io r m odification"; "B ehaviorism : p a rt o f th e p rob lem o r p a rt o f th e so lu tio n ?" e ‘" ío C uba w ith th e V encerem os B rigade” .

A ú ltim a crítica c itada é um pon to em que, se a deficiência referida pu d er ser apon tada com o resu ltan te de um a influência positivista, o behaviorism o radical deve redim ir-se. O corre que a m aioria dos experim en tos feitos em laboratório , sob cond i­ções rigorosam ente contro ladas, acabou não sendo am ostra represen tativa das condições encon tradas na vida real de su jei­tos hum anos. N o caso de ou tras espécies, não havia parâm etros experim entais com patíveis com seu habitat natu ral: a rgum en- ta-se, com isso, que os resu ltados, em o u tras condições, não seriam os m esm os.

No caso da clínica, por exem plo, su sten ta -se que grande p a n e dos resu ltados ob tidos en tre q u a tro paredes carece de um a força de generalização, dado que as condições de m a n u te n ­ção do com portam en to aprendido na clínica não serão as m es­mas na vida natu ra l. A lém dessa q u estão prática, no âm bito da teoria conjectura-se que as in terp re tações de resu ltados são fei­tas tom ando-se em con ta um indivíduo em situação ideal, a p ar­

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tir do que as generalizações seriam apenas igualm ente suposi­ções não susten táveis.

N o caso aplicado (clínica, educacional, organizacional), u m a qu estão fica clara: na realidade am ericana, po r exem plo, as condições econôm icas dos usuário s da análise aplicada eram com freqüência negligenciadas, a té po rque a g rande m aioria da população não vivia esse tipo de dificuldade. É sabido (vide rea­lidade la tino-am ericana) que essa variável tem excepcional influência sobre o arranjo de contingências que d e te rm in a for­m as de com portam en to , em q ua isquer das c ircunstâncias m en ­cionadas (clínica, educacional...). C om isso, o problema em q u estão acaba sendo apenas parcia lm ente tocado: não se tra ta aqui de ir a causas rem otas (h ipo téticas) do com portam ento , m as de trab a lh ar com variáveis que estão in flu indo no presen te , den tro m esm o de um arranjo que precisa ser destrinçado , caso se p re ten d a um a com preensão apropriada das relações organis- m o-am bien te . Só desse m odo um a in tervenção pode to rnar-se segura e garan tir generalização. E é nesse ra stro que o behavio- rism o radical acaba po r ser criticado en q u an to abordagem par­cial do ser hu m an o . O behaviorism o radical e a A nálise do C om ­p o rtam en to revelam ao m enos em p arte essa lim itação no exem plário aplicado (até po rque em teo ria não é essa a prática recom endada e tam b ém porque há behavioristas ten tan d o am ­p liar o ângulo de análise) e devem te n ta r corrigi-la investindo em pesquisas que am pliem o contexto da influência do am bien­te. O u seja, deve-se garan tir, na prática, de que o social, o polí­tico, o econôm ico, precisam ser efetivam ente incluídos no exam e das relações organ ism o-am bien te . E n tre tan to , entre adm iti-lo e ad m itir que isso decorre de um a su p o sta influência positiv ista , ex iste g rande d istância a percorrer. M uito provavel­m ente , tra ta -se de m ais um te rm o que, com o tran sco rre r do tem po e o m au uso , acabou por sinon im izar pecha reacionária.

O te rm o positivismo tem sido u tilizado, ao longo do tem po, com significados d iferen tes. A uto res com o Kolbe (1978) con­

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duzem sua apreciação ao que cham am de um o u tro tipo de posi­tivism o, rep resen tado pelas posições de M ach, A venarius e Pearson. N eles, o principal é a rejeição ao que é considerado inobservável (m etafísico, no sen tido de que seriam fatos que estariam fora do alcance da observação), certa ênfase no aspecto descritivo-funcion]al da descoberta científica e nada m ais. O próprio S kinner J- já se frisou - adm ite e ressa lta a influência recebida de M ach. N a qu estão dos eventos privados, no en tan to , age d ife ren tem en te dos behav io ristas m etodológicos (Boring e Stevens, no tad am en te), que p re tend iam elim inar da consideração da Psicologia en q u an to ciência tu d o o que não fosse in teg ra lm en te observável d ire tam en te , p o rq u an to e n ­tende que aprendem os a falar sobre eventos privados através de práticas de reforçam ento in stitu íd as pela com unidade verbal, sendo que a análise dessas práticas p erm ite com preender m elhor com o funciona o m undo sob a pele. *

Um o u tro tipo de positiv ism o é considerado por Kolbe (1978), ou seja, o positiv ism o lógico do C írculo de Viena, já referido. E n tende que esse grupo, liderado por C arnap, Feigl, N eura th e W ittg en ste in (m as que foi erig ido a p a rtir do mani­festo vienense assinado po r H ahn, N eu ra th e C arnap em 1929, escrito com o hom enagem a E rnst M ach e p re ten d en d o divulgar um a nova concepção científica do m undo - ver Pasquinelli, 1983), estava essencia lm en te preocupado com a linguagem científica, m ais do que com seu con teú d o factual, de m odo que eram analisadas as relações lógicas en tre os enunciados gram a­ticais com o referen tes do m undo físico.

Esse tipo de positivismo, com segurança, não é o que influen­ciou Skinner. Ele próprio o assevera no seu ú ltim o livro (1989a), quando faz referência à publicação de Sm ith (1987), Behaviorism and logical positivism. A ssim se m an ifesta S kinner (p. 139-41):

S m ith está certo em d izer q u e a "aliança com portam en ta l-

lógico-positiv ista, de m odo geral, foi m u ito m ais lim itada em seu

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escopo do que co m u m en te se acred ita" . N a verdade, eu não acred i­to, em abso lu to , que houve u m a aliança e, p o rtan to , não acred ito

em algo cham ado, de fo rm a ab so lu tam en te im precisa , de "aliança fra c a ssa d a " .... D en tre os trê s co m p o rtam en ta lis tas , H ull foi o que

m ais a tivam en te p rom oveu um a conexão com o positiv ism o lógi­co. C om o afirm a Sm ith , o a ssassina to de M oritz Schlick en fraque­ceu o C írculo, e o positiv ism o lógico vo ltou-se para o m ovim ento de un idade da ciência. H ull a ss is tiu ao T erceiro C ongresso In te r­

nacional da U n idade da C iência em Paris, em 1937, e foi um dos organ izadores do en co n tro de 1941, na U n iversidade de Chicago.

N essa com unicação, falava da "su rp reen d en te e sign ifican te s im i­

laridade en tre a d o u tr in a fisicalista dos positiv istas lógicos e o en ­foque carac terístico do co m p o rtam en ta lism o am ericano que orig i­

nou o trab a lh o de J. B. W atson ..."

N esse trecho , S kinner concorda com Sm ith acerca da even­tual influência do positiv ism o lógico sobre o behaviorism o m etodológico. Em seguida, descarta a idéia de que sobre si p ró ­prio houvesse o m esm o tipo de influência, quan d o m enciona que C arnap te ria susc itado a q uestão de que ele, H ull e T olm an estariam con jec tu rando sobre um au tô m ato que se com portava com o gente. Ele, p articu larm en te, m an tinha , segundo dizia (em 1989a), um tra tam en to d iscordan te em relação às idéias, sensa­ções, sen tim en to s e o u tro s "estados da m en te". C om plem en­tava (p. 139-41):

O s p ositiv is tas lógicos, a exem plo de a lguns behav io ristas m e­todológicos (inc lu indo B oring e S tevens), adm itiam a existência

de um a m en te , m as estabeleceram que ela estava fora do dom ín io

da ciência, v isto não poder ser confirm ada por um a segunda pessoa.

Eu preferi o behav io rism o radical que aceitava a ex istência de

even tos in te rnos, po rém com o estados corporais [grifo nosso ]; seu e s tu d o deveria ser deixado a cargo da F isiologia. D ados ob tidos

a través da in trospecção seriam insu fic ien tes para a ciência, um a vez que a p rivacidade to rn a im possível ap ren d er a o b se r v á -lo s de

m aneira precisa... com o m o stro u L aurence S m ith (1987), o po siti­

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vism o lógico veio m u ito ta rd e para in fluenciar d ire tam en te H ull, T olm an ou a m im , de qu a lq u e r m aneira m arcan te , m as isso e ra d e ­vido a um a figura an terio r, E rnst M ach. M inha tese de d o u to rad o já consignava m eu déb ito a The Science o f Mechanics (1915)...

Skinner teria m antido , apenas no início de sua carreira (o que se com prova p e lo ^ x a m e da lite ra tu ra prim eira que p u b li­cou), certo in te resse pelo operacionism o, o que d en o ta sua le i­tu ra do positiv ism o lógico. M anteve sem pre algum a p reocupa­ção (segundo M atos, 1990) com a verificabilidade, m as a ep iste- m ologia sk inneriana é m arcadam ente d iferen te daquela dos positivistas lógicos. Seu an tiform alism o, suas posições d ian te do problem a da construção de teorias, sua p o stu ra inabalavel­m ente em pírico-descritiva "revelam , an tes, a influência do físico E. M ach”. Esclarece M atos (1990, p.F-7):

M esm o en q u an to behaviorista , su a posição í m al co m p reen ­

dida. E um behav io rista na m ed ida em que p ropõe que o ob je to de

e stu d o da Psicologia deve ser o co m portam en to ; e é um radical na

m edida em que nega ao p s iqu ism o a função de causa [grifo nosso]

do co m portam en to , em bora não negue a possib ilidade de, através de um e s tu d o da linguagem do su jeito , e s tu d a r seu s estados in te r­

nos, com o seu p en sam en to e sen tim en to s.

Os desencon tros conceituais en tre os que a trib u em a cond i­ção de positiv ista ao behaviorism o são m uitos, no m ais das vezes baseados em m á com preensão do p róp rio conceito de positivism o. C upani (1990) ocupa-se de bem esclarecer a lgu­mas dessas in terp re tações enviesadas do term o, acercando-se da questão da objetiv idade científica e asseverando que existe hoje um a tendênc ia crescente nos m eios acadêm icos a denom i­nar positivista a convicção de que a ciência constitua esforço de conhecim ento cujos resultados devam ser válidos para todos os que possuírem a devida form ação específica (m atem ática, socio­lógica etc.), independen tem ente de peculiaridades individuais ou

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grupais dos seres hum anos. M ostra que a objetividade científica residiria nessa validade universal das afirm ações científicas e aduz q ue a denom inação de positivism o para essa concepção de ciên­cia tem sua razão de ser, porque ela m uito deve aos esforços do positivism o e do neopositivism o históricos para reconstitu ir a condu ta dos cien tistas naturais. A crescenta que foi característico do positivism o e do neopositivism o considerar que a objetivi­dade científica se baseava, principalm ente, na possibilidade de referir as afirm ações a dados puros, isen tos de interpretação. A ciência, segundo C upani (1990), era vista basicam ente com o tarefa de constatação, sendo que a pureza do positum perm itia a coincidência dos diversos pesquisadores que reconheciam o mesmo e que podiam , com isso, ser objetivos. A ssinala (p. 104-5):

O ra, há tem p o que os epistem ólogos das m ais d iversas o rien ta­ções têm m ostrado que é ilusório conceber a ciência com o investi­

gação que se serve de dados não in terp re tados. A pesar da enganosa

etim ologia, os dados são elaborados... resu ltam de um a in terp re ta­ção... são um a certa in terpre tação. O s críticos parecem presum ir, a

partir da defesa da subjetividade, a crença em dados pu ros e se sen­tem au to rizados a falar de "positivism o". E com o a crença em dados pu ro s encon tra-se desacreditada, os críticos parecem deduzir que se encon tra igualm ente desacreditada a p rópria noção de objetividade

científica. D esse m odo, "positivism o" acaba significando a aparen­

tem en te injustificada confiança na objetividade científica.

É exa tam en te este ú ltim o po n to um a fonte de confusão en tre os críticos a respe ito do behaviorism o. Se, de um lado, o positiv ism o d ifund ia a idéia da crença em dados puros, há m u ito tem po que as pesqu isas behavioristas se valem da in te r­pretação desses dados à luz de um certo corpo teórico. Talvez ten h a sido u m pouco d iferen te no início, quan d o Skinner, por exem plo, ten tava fo rm ular seus conceitos a p a rtir dos prim eiros experim en tos. A inda assim , com o já se frisou sobejam ente na grande m aioria dos m anuais de m etodologia da pesquisa, e

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impossível que se faça experim en to sem nenhum a idéia ou sup o si­ção - e, nesse sen tido - sem q u a lquer teo ria prévia. O u seja, a pesquisa não ocorre ao acaso. O pesqu isado r im agina um a d ire ­ção inicial e segue por ela (não se descartando um possível caso de serendip ity), arran ja as condições experim en ta is, colhe dados e os in te rp re ta , à luz de algum referencial. N esse sen tido , o behaviorism o radical nunca p re ten d eu a sup o sta im agem da crença na neu tra lid ad e científica do pesquisador. Em acrés­cimo, segue C upani (1990, p.141) acerca do positivism o:

De acordo com as considerações an te rio res , é inadequado d e ­n o m inar "p o s itiv is ta s” aos partid ário s da ob jetiv idade científica...

D enom inar “po sitiv is ta s” a pesq u isad o res e teó ricos que não o são pode ser u m a estra tég ia para desqualificar posições adversas à p ró ­

pria. A trib u in d o a um defenso r da ob jetiv idade a crença - hoje

abandonada - em dados puros, m o stra r-se -ia com o in su sten táv e l a

defesa da objetiv idade, to rn an d o -se p lausível a noção de q u e a ciência deva se r com prom etida .

C upani a inda esclarece que, com o os teóricos acusados de "positiv istas” (com aspas) são, às vezes, partidários da socie­dade liberal, em v irtude da ligação liberalism o-capitalism o to r­nam -se “inim igos na tu ra is" do m arx ism o que, fazendo do p osi­tivism o a ideologia oficial do capitalism o, en co n tra "fácil o p o r­tun idade para considerá-los ‘positiv is tas’. Encerra m ostran d o que é difícil en co n tra r hoje alguém que se considere d iscípulo ou con tinuador dos positiv istas ou neopositiv istas. N esse sen ­tido, d eba te r o positiv ism o (sem aspas) co n stitu iria in te resse histórico, en q u an to d eba te r "positiv ism o” (com aspas), ao co n ­trario, consistiria em a trib u ir a o u trem a crença (desacreditada) em dados puros.

C om o já se disse, g rande parte das q u estõ es relacionadas à acusação que se faz de que o behaviorism o é (com o esclareci­m ento de C upani) "positiv ista”, re su lta da m á com preensão de que o behaviorism o (ao m enos o radical - e este ú ltim o é um

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te rm o que se carrega, h isto ricam ente , de rejeição, po rque leva consigo a incorre ta s inon ím ia com in transigência, radicalism o e m esm o in to lerância) privilegia a objetividade, m as, nem por isso, adm ite ou traba lha com dados puros. Ao con trário , lida com dados que são in te rp re tad o s, po rque acabam sendo lidos pelo c ien tista e não sim p lesm en te colhidos.

Exem plo de com o a generalização ex trem ada do uso da deno­m inação "positivista" é feita encontra-se em Bergo (1983), onde são in terp retadas as form as e condições sob as quais se usa o te rm o em várias instâncias. O au to r não se restringe a descrever as form as de uso q u e encontra , senão, especialm ente, in te rp re ta essas form as, m as sua in terp re tação fica bem ao gosto das observações críticas de C upani. N o artigo de Bergo m ostra-se claro o m odo com que hoje a te rm inologia é em pregada, com o pecha aplicada a inúm eras situações e concepções. Exem plo de um trecho (p.48) é ilustrativo:

O d iscu rso positiv ista é, na sua e s tru tu ra , au to ritá rio . Isso não

significa que não es te ja p re se n te no d iscu rso liberal, po is libera ­

lism o não sign ifica liberdade para todos . F ala-se m u ito ho je em d em ocracia “governável", "relativa". Q ue is to q u e r d izer senão o au to rita rism o em cores liberais? E ntão , com o do m in ar as classes su b a lte rn a s? N ada m e lh o r q u e o p ro g resso c ien tífico e técnico, assu m in d o os lugares da religião n u m a era pré-científica...

A tribu tos de ciência m anipuladora, ev iden tem ente , perm a­necem (não g ra tu itam en te) endereçados ao behaviorism o, ainda que H olland e o u tro s behavioristas ten h am escrito direcio­nando, m ais recen tem en te , o behaviorism o radical para um a tendência de com prom isso social dem ocrático (cf. Botomé, 1982). A pesar dessas ten tativas, no âm bito brasileiro , nas u n i­versidades públicas, o behaviorism o tem sido inclu ído sob a conotação positiv ista , desgastada pelo fundo ideológico reacio­nário que perm eou a h is tó ria política b rasileira desde o fim do século XIX.

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É nessa d ireção que a audiência crítica pode e deve, um a vez mais, ser considerada pelos e s tud iosos a tuais . M esm o que no contexto teórico haja m u ita confusão acerca de "positiv ism o” e positivism o, m esm o que o behaviorism o radical adm ita sua influência apenas no sen tido do privilégio à objetividade, só há benefícios no fato de que seja dada um a ênfase cada vez m ais in tensa no engajam ento social da abordagem . Ao con trário , se esse engajam ento foi freqüen te em v irtude das origens e s ta d u ­nidenses (con tingen tem en te, cap ita listas) do behaviorism o (um con tex to socioeconôm ico raras vezes instável), isso não é verdade nem sem pre e nem para todas as sociedades. Para a b ra­sileira, de resto , nunca o foi, a té po rque com as crises socioeco- nôm ico-políticas co nstan tes o ram o brasile iro do behaviorism o radical (m as não exclusivam ente ele) deve investir m u ito no desenvolvim ento de pesqu isa e trabalho (ainda que para certos edifícios político-ideológicos is to nem sem pre seja in te re s ­sante) para colocar à d isposição da m aioria m arginalizada da população suas descobertas, técnicas e p roced im entos de con- tracontrole, tem a que será abordado ad ian te .

Por ú ltim o, há que se frisar o fato de que a pecha de positi­vista a tribu ída ao behaviorism o não é gra tu ita . N ão o é em v ir­tude de toda sua h is tó ria conhecida. A inda que Skinner ten tasse m ostrar que adm ite o cará ter in te rp re ta tivo exigido pelos dados, foi m u ito freqüen te u m a invisibilidade q u an to à p reocu ­pação do "a quem serv ir” com a tecnologia com portam enta l. N esse sen tido , em bora não se p re ten d a exigir um a ciência com ­prom etida com o social (até po rque decid ir sobre relevância, nessa área, é (fundam ental) q u estão de política científica, que envolve m ais que apenas o cien tista), é ev idente que as pressões por esse com prom etim en to são m u ito m ais fortes e justificadas num país que vive ainda sob um liberalism o p rog ressista que m ascara a verdadeira face da dem ocracia a que se asp ira co leti­vam ente. A ssim p o sta a q uestão do "positiv ism o” e do positi-

Sm°, tem -se que o behaviorism o acaba se configurando,

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en q u an to visão que privilegia os dados e a quan tidade , com o su p o stam en te an tagônico à in terp re tação e à qualidade. Se, por um lado, há m éritos ind iscu tíveis na tecnologia e na m e todo lo ­gia veiculadas pelo paradigm a, há correções de cu rso a fazer q uan d o se p re tende um m odelo que passe a privilegiar, en q u an to área de estudo , q uestões (com portam entais, sim ) que augurem a possib ilidade de reversão do quadro atual de dese­q u ilíb rio de fundo socioeconôm ico e político-ideológico das in terações hum anas. O behaviorism o radical, com o filosofia e teo ria que p ream bula a A nálise Experim ental do C om porta­m en to , pode fazer m u ito m ais (e m elhor) do que já ap resen tou n essa direção, m as seu redelineam en to programático é im pres­cindível para que se passe da condição de abominável perigo à de construção teórica promissora (am bos, em bora d icotôm icos, cons­titu em infundados ró tu los exacerbados pela crítica coloquial), v isando sob re tu d o ao bem -esta r social. Para tan to , m u ito m ais do que apenas a q uestão do positiv ism o precisará es ta r em jogo nas d iscussões deste e de o u tro s ensaios.

Área 2 (Científico-metodológica)

As noções de estímulo e resposta como conceitos pseudo-objetivos: o behaviorismo radical é circular na sua suposta linguagem operacional

A rtigos de G ibson (1960, 1967) in stau raram m ais a fundo a polêm ica acerca da qu estão da circularidade de a lguns conceitos da A nálise Experim ental do C om portam ento . A controvérsia se estabelece essencia lm en te q u an to à utilização de estím ulo , res­posta e reforço com o te rm o s de um a linguagem técnica conside­rada indispensável para um a sup o sta com preensão operacional dos conceitos usados. A preocupação de G ibson (que sofreu réplica de H ocu tt em 1967 e treplicou no m esm o ano) foi essen ­

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cialm ente com o conceito de estím u lo em geral na Psicologia. E n tretan to , faz especial referência (p.695) a Skinner:

Skinner tem n o tad o que nós freq ü en tem en te defin im os e s tí­

m ulo pelas suas duv idosas p ropriedades de eliciar de te rm in ad a

resposta , de p referência a algum a p rop riedade in d ep en d en te do próprio estím u lo . Ele não sugere solução, todavia, para esse com ­

p o rtam en to cien tífico am bíguo , e parece confessar um pecado a

cam inho da salvação. N a verdade, vários psicólogos u sam defin i­

ção circu lar de estím u lo . O p róp rio S k inner acred itava no seu p ri­

m eiro livro que os do is te rm o s básicos (es tím u lo e resposta ) não

podiam ser defin idos in d ep en d e n tem en te um do ou tro .

N a sua réplica, H o cu tt en ten d e que G ibson está errado ao reivindicar um a definição que seja un icam ente referida a certas propriedades físicas do estím u lo e acrescenta que o que Skinner está colocando é a definição de um a relação en tre do is eventos, o que é ap ropriado na su a visão funcional de análise do com por­tam ento .

Tam bém o conceito de reforçam ento está en tre os que p ro ­duzem polêm ica. Paniagua (1985) defende que a definição skin- neriana de refo rçam ento é necessariam ente circu lar po rque é relacional e q u a isq u er definições relacionais aparen tam neces­sariam ente ser tau to lógicas, de m odo que ele conclui que circu­laridade na definição não é um problem a que este ja esperando por solução (ou seja im ed ia tam en te passível de algum a), m as um acontecim ento de na tu reza parecida com a de o u tro s even­tos, encontrados q u an d o definições relacionais são em pregadas nas áreas de econom ia, teo ria evolucionária, genética, geom e­tria e outras.

Já Prado Jr. (1982) analisa a q u estão da circu laridade e da tem poralidade, m o stran d o que ela pode a ting ir do is níveis: o 'ógico e o em pírico. Explica que no cam po lógico um a definição é circular quando o definiendum e s tá p resen te no p róp rio definiens. Parêntese para esclarecer essa term ino log ia freq ü en tem en te

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p resen te na Lógica, m as incom um na Psicologia, talvez seja o p o rtu n o . Segundo Beckner (1975), insp irado em H em pel e O ppenheim , ex iste elucidação sim ilar para a qu estão da explica­ção. M uda a term inologia, m as, salvo ju ízo m ais habilitado, o raciocínio é sem elhan te . N o caso da explicação, o explanandum constitu i um a sentença que enuncia o fenôm eno a ser explicado, enquan to o explanans é um a sentença que enuncia inform ações reunidas para explicar o fenôm eno. N a hipótese de um a explica­ção legítim a, precisam ser satisfeitas as seguintes condições: o explanans é verdadeiro e contém pelo m enos um a lei geral, além do que o explanandum decorre efetivam ente do explanans. Em seguida, Prado Jr. re tom a M eehl (1950, p .55), que analisa a qu estão da circu laridade da lei do efeito, h is to ricam en te um m arco influen te no aparecim ento da noção de contingência:

D eve ser no tad o que há, no u so com um , do is sen tid o s para a

palavra "c ircu lar” . T em os, de um lado, c ircu laridade na definição,

onde um te rm o não fam iliar é defin ido pelo u so de o u tro s term os

que são defin idos (d ire ta ou in d ire tam en te) pelo p róprio term o em questão . N ão se pode falar nu m a circularidade, n esse sen tido ,

n u m a defin ição do tipo Skinner-Spence. A ceitam os a defin ição se ­gu in te com o form ulação p re lim inar: "um es tím u lo reforçador é

um estím u lo que au m en ta a força su b seq ü en te das re sp o stas que o

precedem im ed ia tam en te" . As palavras “e s tím u lo ”, "força", “au ­m en to " e "resposta" podem se r todas defin idas sem q u a lq u e r refe­

rência ao fato ou à teo ria do p róp rio reforço. As defin ições desses te rm os, p a rticu la rm en te o te rm o " re sp o sta”, ap resen tam terríveis

d ificuldades; m as não sei de n inguém que su s te n te q u e envolvam

rec ip rocam en te a p róp ria noção de reforço.

Prado Jr. (1982, p .5-7) explica que não é apenas um a even­tual circularidade lógica que preocupa, m as a circularidade em pírica. A nota, acom panhando Schick (1971):

(Schick) observa, com efeito, que o operan te é defin ido pelo reforço, que o re fo rç o ^ d e fin id o pela ap resen tação de estím u lo s reforçado-

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res que, po r su a vez, são defin idos pelo co m p o rtam en to operan te .

E já que é assim , vem o-nos na im possib ilidade de iden tificar um operan te sem iden tificar um estím u lo reforçador, com o não p o d e­

m os iden tificar um estím u lo reforçador sem iden tificar um ope­

ran te . ... C om efeito , se to m arm o s em consideração a classe de m a­

ridos, não serem os obrigados a defini-la na sua relação [grifo nosso]

com a classe de m ulheres...?

... É com um raciocín io sem elhan te que Schick vê d ificuldade

em defin ir o p e ran te e reforço na form a de um par, sem n ecessida­

de (ou, no caso, sem possib ilidade de defin ição independente de

cada um dos te rm o s ... O que S k inner não tem no tad o ... seria que

a m udança re su ltan te do reforço é u m a “m udança de probab ilida­

de de ocorrência de respostas que pertencem ao m esm o o p eran te

da resposta que foi refo rçada” , (p .416 de M eehl, 1950) D a m esm a

m aneira. Paul M eehl nada resolve ao defin ir o es tím u lo reforçador

com o aquele que au m en ta a força das re sp o stas im ed ia tam en te

p receden tes. O ra, que sen tid o poderia se r a tr ib u íd o à idéia de re ­

forço de u m a re sp o sta que já ocorreu?

Um esclarecim ento inicial p recisa ser re tom ado q u an to à questão m encionada po r M eehl (1950): S k inner não só faz o reconhecim ento , senão que in siste na idéia de classe de resp o s­tas operan tes (1974, 1984), a té po rque é o conceito de classe, que abriga sim ilaridade funcional (e, inc iden ta lm ente , m as não necessariam ente, m orfológica), que salva a idéia da tríp lice re la­ção de eventos an teceden tes-com portam en to -even tos conse­qüen tes (SD-R-SR). Em acréscim o a isso, com o se co n sta ta em Prado Jr., os p rob lem as com a circularidade de conceitos, espe­cialm ente com a qu estão do reforço, são de variada ordem : há com ponentes lógicos e em píricos. Todavia, o ú ltim o com po­nente citado, em pírico, m as tam bém epistêm ico, referen te aos supostos efeitos do reforço sobre a resp o sta que o produziu , tem causado especial confusão. A lguns p rofissionais têm con­testado um a su p o sta proposição de Skinner, ou seja, a de que o reforço produz au m en to na probabilidade de ocorrência dessa

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resposta específica. Se assim fosse, ev iden tem en te se estaria invertendo a p ro p o sta (aceita pelo behaviorism o radical) de que todo evento possu i a lgum a causa e, isso é o essencial, qualquer causa é su m ariam en te precedente. D ito de o u tra form a, p rim e­iro a causa e depois o efeito, por óbvio da própria conceituação dos te rm o s causa e efeito. N o m esm o sen tid o , se essa p ro p o si­ção de reforço a u m e n ta n d o a p robab ilidade de ocorrência da re sp o sta que o p roduziu fosse aceita pela A nálise do C om porta­m ento , haveria um ev iden te sinal de an tagon ism o a um d e te r­m in ism o igualm ente aceito, o que consolidaria um a grave con­tradição.

N o en tan to , o q u e propõe a A nálise do C om portam en to é um e n ten d im en to b astan te d iferen te . O u seja, o de que o reforço que segue de te rm in ad a resposta p roduz um aum en to na probabilidade de ocorrência de respostas similares (funcional e /o u m orfo logicam ente) à resposta que p roduziu o reforço. R eiterando, o que se reforça é um a classe de respostas, sendo que aquelas que são topográfica, m orfológica e funcionalm ente sem elhantes*(com destaq u e para o funcional) têm sua probabi­lidade de ocorrência aum en tad a tan to m ais q u an to m aior for sua sim ilaridade, n u m a espécie de g rad ien te de generalização in terclasses, p o rque duas classes de respostas podem guardar algum a sim ilitude física e /o u funcional. A lém disso , é preciso considerar, p articu larm en te , que o conceito de classes de res­postas não é um conceito fechado. N esse sen tido , as classes de respostas não abarcam um núm ero fixo de respostas, não abri­gam respostas com um núm ero exato de funções e não se des­vinculam de todo o re s tan te do com portam en to , m esm o que o elo de ligação en tre um a e o u tra classe tão ap a ren tem en te dife­ren tes seja apenas um a tên u e linha.

O organ ism o ten d e a responder de m aneira sim ilar a e s tí­m ulos sim ilares e de m aneira d iferen te a estím u lo s d iferentes. M as é na su tileza (ou na obviedade?) d essa colocação que se descobre que generalização e d iscrim inação se com plem entam

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conceitualm ente, ainda que se an tagon izem d idaticam ente. O u seja supondo que discrim inação e generalização im pliquem dois con jun tos de co m portam en tos típ icos, deve-se im aginar um a área hachurada de in tersecção onde o organism o não sabe d iante do que está posto nem com o d ev e /p o d e /p rec isa re sp o n ­der. Mais: essa área será m aior ou m en o r na dependência de quão bem se estabeleceu a d iscrim inação e do tipo de co m p o rta ­m ento envolvido, que perm ite d iscrim inação m ais fina ou m ais grosseira. Para seguir, a inda por conjectura , m ais vertical­m ente, vale lem brar que co n stitu i exem plo o caso clássico de neurose experimental, criada p re lim in arm en te em situação con­trolada de labora tó rio com não-hum anos, onde um círculo transform ava-se pau la tin am en te em elipse e o su jeito era refo r­çado por resp o n d er apenas a um a das duas figuras: em d e te rm i­nado m om ento , esse d iscern im en to to rnava-se im possível (até pelo lim ite biológico) e o organ ism o passava a ap resen ta r o que, em in terp re tação an tropom órfica, poderia aqui ser cham ado de confusão conceituai.

C ontudo , essa é um a situação rep resen ta tiva m ín im a de onde e q u an to alcança o conceito de classe de respostas. M ais que isso, é necessário pensar que tal classe não é linear. O s o p e­rantes que a com põem m an têm ligações em todas as d ireções e sentidos: além disso , será sem pre incom pleta q u a lq u er concei- tuação m eram en te descritiva, p o rq u an to talvez aconteça de ser mais facilm ente com preendida, por exem plo, quando referen te ao repertó rio geral de respostas para o co m p o rtam en to de cam i­nhar. M as é certam en te m u ito d iferen te e m ais com plexa quando o exem plo for o com portam en to de gostar ou q u e re r ou identificar, em que os referen tes físicos são m ais difíceis de observar. N esse caso, talvez o behaviorista m etodológico fosse ten tado a p rom over um corte conceituai, onde a ausência (suposta) de esto fo físico identificável levaria a e lim inar de con­sideração o p rob lem a (com o na m etáfora da avestruz), ou a tra­duzi-lo para u m a linguagem convenien te. M as o behaviorista

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radical, em bora sem fundadas razões para ufanar-se de grande progresso na análise dos eventos privados (com o, de resto , toda a Psicologia), não pode d ar de om bros ao problem a. A com ple­xidade da situação não perm ite nem justifica não enfrentá-la.

A pesar do p rog resso in ten so feito pela A nálise E xperim en­tal n o e s tu d o de com portam en tos cada vez m ais com plexos, ainda há longo cam inho a percorrer até a com preensão m ais segura, p o r exem plo, do que convencionam os cham ar de imagi­nário hum an o e que esta ria v inculado à noção de com porta­m en to verbal sob con tro le de estím u los privados, incluídos aí vários casos de m ando, tac to e au toclítico . A dificuldade de com preender/p red izer/exp licar o com portam ento hum ano com ­plexo do tipo verbal encoberto é indiscutível. N ão é gratu ito breve exem plo de um a situação que bem m o stra a com plexi­dade causai d essa espécie de com portam ento , ex tra ído da obra de ficção de Chico B uarque de H ollanda (1995, p .13-5), na qual o au to r sem eia as dúvidas e suposições do personagem Benja­m im Z am braia, quan d o en tra no B ar-R estauran te Vasconcelos e, estando , de*fato, d ian te de Ariela M asé, co n sta ta e s ta r na p re­sença de alguém que o faz lem brar C astana Beatriz:

Benjam im lava as m ãos com o líqu ido d a sab o n e te ira fixa e

volta ao salão.

N a su a m esa en co n tra um pires com aze ito n as chochas e um a

tu lip a de chope cuja e sp u m a cedeu, e que parece sob ra de o u tro freguês. R epele as aze itonas, po is não p re ten d e pagar pelo couvert

que não so lic itou , e in te ressa -se pelo casal q u e to m a café três m e­sas ad ian te , ele o lhando para a fron te dela e e la para d e n tro da xíca­ra. É ev iden te que estiveram d iscu tindo . Ele acende um cigarro com um isque iro de cham a ex travagante , e B enjam im acha que tem je ito de ho m em que a tira gu im bas em m ijadouros. O filtro e

branco (D am ), e talvez a m u lh e r ten h a filado u m a tragada no in i­cio do alm oço. Se bem que ela não use batom , m as o ba tom pode te r se esm aecido d u ra n te o alm oço, seu carim bo pode te r se d es­gastado no copo de v inho , no guardanapo , nos cigarros do m arido e no bate-boca. E o bate-boca deve te r com eçado m esm o p o r causa

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de um cigarro q u e ela lhe roubou dos dedos sem pensar, po is o ci­

garro que é um a necessidade dele, e la fum aria p o r capricho, para en roscar fum aça. A gora ela ergue a cabeça e com eça a m u rm u ra r , e a tên u e an im ação da su a boca tran sfo rm a to d o um ro s to que, a té

en tão , a B enjam im parecia invulnerável. N ão o im press ionam os

lábios, nem a língua e os d en te s que m al se vêem , m as a lacuna, o

vão, o ab ism o d e n tro daquela boca, q u e com ple ta a superfície do ro s to pela su a negação, com o u m a pausa n o m eio da m úsica. Bocas

de m u lheres , B enjam im estudara-as , so b re tu d o no cinem a, onde

evoluem im u n es à contem plação .

... E q u an d o ela acaba de passar, o so rriso não é m ais dela, é de

o u tra m u lh e r q u e B enjam im fica aflito para recordar, com o um a palavra q u e tem o s na p o n ta da língua e nos escapa. O u com o um

nom e que de p ro n to b rilha n a m em ória , m as não podem os ler p o r­

que as le tras se m exem .

A inda que reste enorm e d istância en tre a tecnologia d isp o ­nível e o im aginário possível, a A nálise do C om portam ento plei­teia ser (po tencialm en te) capaz de analisar ta is tipos de relações não-lineares, valendo-se do auxílio conceituai das classes de respostas op eran tes e dos seus dem ais conceitos básicos. N um a dim ensão essencia lm ente teórica, en q u an to não se conseguir (tecnologicam ente) desenvolver a co n ten to um behaviorism o am plam ente contextuai, isto é, cuja tecnologia derivada perm ita levar em conta, a um só tem po, as inúm eras variáveis d ire ta ­m ente d e te rm in an tes sob as quais dado co m portam en to acon­tece, res tam os esforços de com preensão das ligações in te r- classes, já que são essas in ter-relações que dão a idéia m ín im a de um todo orgânico.

R etom ando a qu estão da circularidade, agora a p artir de H ocutt, vem os um en ten d im en to na defesa de Skinner. Diz H ocutt (1967, p .530):

T em sido d ito , em crítica a Sk inner, que defin ir o e s tím u lo em te rm o s de su a eliciação de um a re sp o sta co n sis te em defin i-lo de form a circu lar e q u e o estím u lo deveria se r defin ido so m en te em

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te rm o s de p rop riedades físicas. E xistem duas falácias n esse tipo de crítica. P rim eiro , n inguém define algo, m as define algum as proprie­

dades de algum a coisa, ou define algum a coisa com resp e ito a algu­m a classificação. Segundo, n inguém pode defin ir p rop riedades re­

lacionais - d is tin tam en te de propriedades in trínsecas - de algum a

coisa independen tem en te das relações dessas coisas com ou tras coi­sas. N esse sen tido , o estím u lo possui p ropriedades relacionais.

N o caso do estím u lo discrim inativo , o que S kinner inform a é que ele efetivam ente pode ser conceituado em te rm o s de um a propriedade relacional, ou seja, em razão dos paream en tos que m an ten h a com u m evento reforçador, toda vez que um a res­posta for em itida, um estím u lo q u a lquer (na verdade, um a classe de estím ulos) p resen te nesse m om en to to rna-se e stí­m ulo discrim inativo: d ian te dele, m ais que na sua ausência, am plia-se a probabilidade de ocorrência de um a resposta , que aparecerá com (gradativam ente) m enor in tensidade , quan to m enos parecida fpr com a o rig inalm ente reforçada.

N ão há com o separar a idéia de estím u lo d iscrim inativo da idéia de reforço, is to é, e stím u lo d iscrim inativo (SD) e reforço (SR) são parte da clássica tríp lice relação de contingências. Para m uitos, esse tipo de definição relacional é s im p lesm en te tau to ­lógica, po rque um te rm o da definição depende necessariam ente do ou tro , e vice-versa, n u m a circularidade visível para Paniagua (1985, p .193-9, passim ), que pondera:

E ste traba lho a rg u m en ta que a defin ição de refo rçam en to de S k inner é in e ren tem en te circular, p o rque é relacionai e todas as

defin ições relacionais são circu lares ... conceitos re lacionais exis­tem em todas as á reas ... o que é um reconhec im en to em pírico de que a c ircu laridade d a defin ição relacional não é um im ped im en to para a descoberta e p ara a análise experim en ta l de fato res que são

cruciais para o en ten d im en to de certos aspectos da n a tu r e z a ... Os te rm o s relacionais podem ser pa rte do nosso co m p o rtam en to ver­bal d iário po rque nós podem os e s ta r expostos a ce rtas relações en ­tre even to s na na tu reza . ... E ntão , q u an d o ap ren d em o s a defin ir

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termos relacionais na classe, no laboratório, nos nossos contatos com certos aspectos do dia-a-dia, não aplicamos essas definições aos próprios termos, mas às relações [grifo nosso] das quais esses termos emergem.

Nesse sentido, a questão de definir conceitos relacionais é simplesmente matéria de definir tais relações. Desse modo, a questão da circularidade na definição de conceitos relacionais não diz respeito aos conceitos em si mesmos, mas às relações (entre eventos) das quais os conceitos derivam. O fato de uma definição de termos relacionais ser inerentemente circular não restringe seu uso nos campos da Economia, Genética, Geometria, Física e Esta­tística, por exemplo. O uso de tais termos nessas disciplinas é o re­conhecimento de que os termos relacionais são relevantes para uma linguagem científica. Sem dúvida, a utilidade e a relevância dos conceitos relacionais freqüentemente (senão sempre) vão além do fato da circularidade. Isso provavelmente explica por que os cien­tistas fazem uso de termos relacionais todo o tempo que acham ne­cessário para nomear certos aspectos da natureza. Nós não pode­mos reivindicar o mesmo com relação ao conceito de reforçamento?

Se tom arm os a qu estão do relacional na definição de refor­çam ento, verem os que, de algum a form a, a in terdependência com a noção de estím u lo (d iscrim inativo) no co m portam en to operan te guarda rea lm en te algum a circularidade. O que se constata é m ais ou m enos o que se segue: o reforço é u m a con­seqüência que, p roduzida po r um a resposta , au m en ta a p roba­bilidade de em issão de respostas sim ilares na classe reforçada; assim , isso define como se processa o reforçam ento . Todavia, há com plicações em resp o n d er por que o reforço reforça; isso não seria possível fazer sem recorrer a a lgum a circularidade: que reforça é constatável pelas respostas sim ilares su b seq ü en tes do organism o, que dem onstram um aum ento da freqüência. C on­tudo, a A nálise do C om p o rtam en to não envereda pelo cam po do conjecturar sobre even tuais m udanças na hom eostase orgâ- n *ca, em m otivações in trín secas e drives, po r exem plo (em bora Skinner ten h a até m encionado este ú ltim o te rm o em seu prim e-

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iro livro, em 1938). R esum indo: a circu laridade tem residido em que o reforço reforça po rque m uda a p robabilidade de ocor­rência da resp o sta e e s ta probabilidade m uda po rque a resposta foi reforçada. E n esse especial sen tido que a definição dos te r­m os da relação (biunívoca, no caso) seria a form a de se afastar o cará ter tau to lógico das definições relacionais. E n tre tan to , não h á n en h u m in te resse empírico do analista do com portam en to n essa questão . M esm o um a definição que voltasse à lei do efeito, sinon im izada com reforço, com o quer A gatti (1987), apenas acrescentaria confusão ao problem a. Se - in trin secam en te - a água, a com ida, a a tenção possuem ou não cará ter reforçador (ou seja, seu p re ten d id o cará ter de agradabilidade ou desagra- dabilidade, com o viam T hornd ike e o u tro s), é q uestão de in te ­resse m ais prático que teórico; na A nálise do C om portam en to apenas os re su ltados poste rio res qu an to à m udança de freqüên­cia de ocorrência é que contam . O s exem plos são inúm eros: nem sem pre a com ida, a água e o sexo são reforçadores p o siti­vos, e as pesqu isas já d em o n stra ram isso. Essa definição pelas conseqüências, p o rtan to , é o que in triga os críticos. E essa é um a razão adicional para que transcrevam os, aqui, longo trecho con tido em Contingencies o f reinforcement: a theoretical analysis (1969, p. 1-4). T ra ta-se de parte do cap ítu lo I, que se com põe de u m a conferência ap resen tada por S kinner em 1968, em dois lugares, B ethesda (M aryland) e Paris, com poucas variações:

Há tempos, pensava-se o meio ambiente como o simples lugar onde animais e homens viviam e se comportavam. Poderiam se comportar de maneiras distintas, em lugares diversos, mas não se­ria porque os lugares fossem diferentes. O ambiente era cenano imprescindível, que talvez favorecesse ou dificultasse o comporta­mento, mas não era o que determinava a sua ocorrência ou a sua forma. Um papel mais ativo só foi sugerido no século XVI, quando Descartes antecipou a noção de reflexo, e não foi senão no século XIX que os reflexos foram isolados e estudados. Nessa época os fi- siólogos começaram a denominar de stimulus, termo latino para "aguilhão", a ação do meio ambiente. À medida que os reflexos fo-

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ram sendo descobertos e estudados, o termo adquiriu outras cono­tações, e seu uso foi ampliado quando Pavlov demonstrou de que maneira novos estímulos podiam ser condicionados. A descoberta dos tropismos veio apoiar, particularmente nos escritos de Jacques Loeb, o ponto de vista de que, de uma maneira ou de outra, o meio forçava o organismo a se comportar.

Tais foram os antecedentes dos quais nasceu a Psicologia do estímulo-resposta. John B. Watson usou o princípio do reflexo condicionado reunido com a noção anterior de hábito. Sustentava que animais e homens adquiriam novos comportamentos por meio do condicionamento e continuavam a se comportar enquan­to os estímulos apropriados estavam agindo. Essa posição científi­ca foi desenvolvida sistematicamente por Clark Hull. Holt sumari­ou-a assim: “Somos, de fato, cutucados ou aguilhoados pela vida afora". Não era fácil, entretanto, demonstrar que isso se aplicava a todos os comportamentos. Nem identificar, para todas as respos­tas, estímulos correspondentes. Algumas condições ambientais relevantes, tais como a falta de alimento, não agiam como se fos­sem estímulos. O conceito original foi sendo substituído por algo muito menos preciso, chamado "situação estimuladora global". De outro lado, igualmente perturbador era o fato de que vários es­tímulos pareciam não ter efeito, embora obviamente atingissem a superfície do organismo. Inventou-se, então, um novo tipo de estí­mulo, chamado "pista” ou "indício", e que tinha a curiosa proprie­dade de ser eficaz apenas quando o organismo necessitava dele (os etólogos resolvem um problema similar da mesma forma, quando atribuem o comportamento não aprendido a mecanismos “gati­lho”, estímulos que agem apenas quando o organismo está carre­gado ou pronto para responder).

Essa Psicologia ficou sendo uma colcha de retalhos, destinada a salvar a fórmula estímulo-resposta, e teve o efeito de levar a de­terminação do comportamento de volta para o interior do organis­mo. Quando não se podia encontrar estímulos externos, havia que inventar estímulos externos. Se a falta de alimento, no ambiente, não pode ser considerada um estímulo, era o caso de imaginar que, ao menos, gerava um "impulso" que espicaçasse o organismo por dentro (a descoberta dos espasmos de fome parecia confirmar essa

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visão, mas uma estimulação comparável pelas vesículas seminais dilatadas, que Watson pensou pudesse explicar o comportamento sexual, era menos plausível). Variáveis emocionais levaram à cria­ção de outros estímulos internos: o medo, por exemplo, tornou-se um impulso adquirido. Até mesmo os instintos tornaram-se estí­mulos, ponto de vista defendido, o que é muito curioso, por Freud.

Também tiveram que ser inventados processos e mecanismos interiores. Se um estímulo conspícuo parecesse não ter efeito, era porque um porteiro central - uma espécie de demônio de Maxwell - havia se recusado a deixá-lo entrar. Quando o organismo parecia comportar-se apropriadamente em relação a estímulos há muito desaparecidos, dizia-se que respondia a cópias desses estímulos que tinham ficado armazenados na memória. Muitas dessas ativi­dades centrais eram versões mal disfarçadas dos processos mentais que a Psicologia de estímulo-resposta tinha prometido exorcizar.

De fato, continuaram a ser chamadas mentais (ou, ao mudar a moda, cognitivas), numa formulação similar, derivada da teoria da informação. Substitua-se estímulo por entrada, e resposta por saí­da, e certos problemas dimensionais estarão simplificados. Isto promete, mas não promete o suficiente, porque processos centrais ainda são necessários. As saídas seguem-se às entradas só depois de a entrada ter sido "selecionada", "transformada", “armazena­da", “recuperada" etc.

Toda formulação dos comportamentos baseada em estímulo e resposta, ou em entrada e saída, sofre de uma séria omissão. Ne­nhuma descrição do intercâmbio entre organismo e meio ambien­te estará completa enquanto não incluir a ação do ambiente sobre o organismo depois da emissão da resposta. Que o comportamento pode ter conseqüências importantes, é fato que não passou des­percebido, é claro.

A filosofia do hedonismo insistia em que os homens traba­lham para conseguir prazer e evitar a dor, e os utilitaristas tenta­vam justificar o comportamento em termos de seus efeitos úteis. A teoria da evolução indicou a adaptação resultante ou o ajustamen­to do organismo ao meio. Todavia, o significado pleno das conse­qüências só foi reconhecido lentamente. Talvez houvesse alguma dificuldade em compreender causas finais (como poderia ter efeito

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sobre o comportamento algo que ocorre depois?), mas a maior estava nos fatos. Todas estas regras, ou leis, tinham embaraçosas exceções. Os homens, às vezes, se comportavam de maneira a pro­vocar dor e destruir o prazer ou, segundo formas de duvidosa utili­dade prática, trabalhariam contra a sobrevivência das espécies. Re­compensas e castigos nem sempre têm efeitos predizíveis. Mesmo sabendo que os pais de uma criança tratam-na com afeição e os de outra com medidas disciplinares de um sargento, não podemos an­tecipar qual a criança que vai se conformar e qual se rebelará.

Mesmo que possamos saber que um determinado governo é tirânico e outro benevolente, não poderemos predizer qual o povo que vai se submeter e qual se revoltará. Muitos esforços têm sido feitos para explicar falhas semelhantes - por exemplo, inventando outros tipos de prazeres e dores - mas nunca logrando preservar a confiança nos princípios básicos. Um estado de coisas menos con­traditório começou a emergir quando a relação temporal entre o comportamento e suas conseqüências foi submetida a escrutínio. No famoso experimento de Edward L. Thorndike, um gato famin­to, confinado numa gaiola, podia suspender uma tranca e abrir a porta; depois, escapar da gaiola e alcançar a comida que estava do lado de fora. Muitos aspectos desse arranjo merecem considera­ção. Fuga de uma gaiola e acesso à comida são conseqüências mais claramente especificadas do que qualquer ganho líquido ou vanta­gem última e seguem-se imediatamente ao comportamento de suspender a tranca. De fato, as conseqüências quase coincidem com a descrição da resposta, e neste caso a questão de causas finais pode ser evitada.

O que Thorndike observou foi que o comportamento de sus­pender a tranca ficava, como ele mesmo dizia, "estampado". À me­dida que o experimento ia sendo repetido, Thorndike pôde obser­var como o gato conseguia suspender a tranca cada vez mais de­pressa e registrar uma curva de aprendizagem. Não precisou supor que a própria resposta ficasse fortalecida de alguma forma. Podia estar ocorrendo mais rapidamente simplesmente porque outros comportamentos do gato, na gaiola, foram sendo "apagados”. Uma resposta bem-sucedida podia estar sendo selecionada por suas conseqüências, da maneira que, na teoria da evolução, as mu­

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tações teriam sido selecionadas por suas contribuições à sobrevi­vência da espécie em questão. (Esta interpretação do efeito seletivo das conseqüências continuou a ser mantida por Edwin R. Guthrie.)

Uma simplificação do experimento torna o processo ainda mais claro. O uso de uma gaiola na qual um rato faminto possa abaixar uma alavanca e, com isso, imediatamente obter alimento fica claramente dentro da tradição experimental de Thorndike. A resposta é mais simples, contudo, e a conseqüência é imediata­mente contingente, pelo menos se um reforço condicionado, tal como o som do alimentador, estiver presente.

Mas há um aspecto mais importante: ao adaptar bem o rato à gaiola, antes da instalação de uma barra ou alavanca, a maior parte dos comportamentos concorrentes pode ser "apagada” antes que a resposta a ser aprendida seja emitida. No registro do comporta­mento do rato, a curva de aprendizagem de Thorndike, mostrando o desaparecimento gradual dos comportamentos malsucedidos, desaparece. Em seu lugar fica uma mudança conspícua, na ocor­rência da própria resposta bem-sucedida: um aumento imediato de freqüência, quase sempre bastante abrupto, quando descrito em uma ciAva traçada sobre intervalos de tempo.

Usar a freqüência de resposta como variável dependente tor­nou possível observar mais adequadamente as interações entre um organismo e seu ambiente. Os tipos de conseqüência, que aumen­tam a freqüência ou o nível ("reforçadores”), podem ser positivas ou negativas, dependendo de serem reforçadores quando apare­cem ou quando desaparecem. A classe de respostas, em relação às quais o reforço é contingente (cuja freqüência de emissão depende de reforços), chama-se operante, para sugerir a ação sobre o ambiente [grifo nosso] seguida de reforço.

Construímos um operante ao tomarmos um reforço contin­gente a uma resposta, mas o fato importante, quanto à unidade re­sultante, não é a sua topografia, mas a sua probabilidade de ocor­rência, observada em nível de emissões. Os estímulos anteriores não são irrelevantes. Qualquer estímulo presente, quando um operante for reforçado, adquire o controle, no sentido de o nível de respostas ser superior na presença dele. Tal estímulo não age como aguilhão; não elicia a resposta, no sentido de forçá-la a ocor-

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rer É simplesmente um aspecto essencial da ocasião em que uma resposta, se for emitida, será reforçada. Para marcar a diferença, vamos chamá-lo estímulo discriminativo (ou SD).

Uma formulação das interações entre um organismo e o seu meio ambiente, para ser adequada, deve sempre especificar três coisas: 1. a ocasião na qual ocorreu a resposta; 2. a própria resposta e 3. as conseqüências reforçadoras.

As relações entre elas constituem as "contingências de refor­ço”. Esse conceito caracteriza as propriedades do ambiente que Tolman e Brunswik deviam estar tentando identificar quando fala­vam de "textura causal". As inter-relações são muito mais comple­xas do que as que ocorrem entre um estímulo e uma resposta e são muito mais produtivas tanto nas análises teóricas como nas expe­rimentais. O comportamento gerado por um conjunto dado de contingências pode ser considerado cientificamente, sem que se tenha que apelar a estados ou processos internos hipotéticos. Se um estímulo conspícuo não tiver efeito, não será porque o organis­mo não o notou, ou porque não foi isolado por algum porteiro cen­tral, mas porque o estímulo não teve um papel importante nas contingências que prevaleceram no momento da resposta. Os de­mais processos cognitivos invocados para salvar uma fórmula de entradas e saídas podem ser descartados da mesma forma.

A descrição feita po r Skinner clarifica su a concepção da re la ­ção en tre respostas e reforçam ento , o que satisfaz p lenam en te a argüição em pírica, em bora possa não satisfazer a crítica no sen ­tido lógico. A pesar de q u a lquer possível infringência aos p rinc í­pios lógicos ou a exigências filosóficas de variada espécie, certa regularidade e certa coerência são reconhecidas pelos críticos - form a geral - com o suficientes para que não se in te rro m p a o program a behav io rista radical de pesquisa.

A lém disso, esse relato descritivo de S kinner te n ta fazer um a rápida re trospectiva h istó rica das fon tes p rim eiras do atual conceito relacional estím u lo -resposta , desde as origens h ed o ­nistas, que ainda prevaleceram na lei do efeito de T horndike, passando pela sim ilaridade à estim ulação inescapável dos tro-

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pism os de Loeb, pela espécie de estam pagem de G uthrie e, an tes de referir-se ao próprio operan te , indo até a eliciação pav- loviana depois em p restad a a W atson e a inda im aginada com o p resen te no behaviorism o radical pelo m u n d o leigo. Essa p ro ­cura acaba m o stran d o razões para a m udança agora direcionada pelo behaviorism o radical à idéia c laram ente delim itada de rela­ções funcionais o rgan ism o-am bien te , am paradas na dim ensão relacional de re sp o sta e reforço.

C om Prado Jr. (1982, p .200):

Depois de girar em falso, dentro do conceito de operante, o movimento centrífugo parece expulsar-nos para fora dele: na dire­ção do restabelecimento do império do respondente ou na direção da teleologia da práxis. Trata-se, é claro, de impressão de um leigo, que não ignora que o destino desse conceito só pode ser decidido na prática de seu uso experimental, que sabe a pobreza da pura es­peculação, que transforma os conceitos em meras idéias. Mas nos­sa escassa frequentação da literatura da Análise Experimental do Comportamento nos convenceu de que os cientistas não têm uma clareza muito maior do que a nossa quando falam do conceito de operante, tão confusos como nós, filósofos ou sofistas. Teria razão W ittgenstein quando dizia que na Psicologia só há métodos expe­rimentais e confusão conceituai?

... A presente análise explica por que a questão da circularida­de na definição de reforçamento (e outros conceitos relacionais) não pode ser resolvida. Sem dúvida, essa análise trabalha com a conclusão de que não há solução para essa questão (no sentido de eliminação da circularidade na definição skinneriana de reforça­mento e de outros termos relacionais), (p.9-10)

Se a presente análise está correta, a definição skinneriana de reforçamento não é um problema que deve esperar grande solu­ção, mas ele é um fato. Se isso é correto, a discussão sobre a circu­laridade não deve enfatizar a resolução de um problema (para nos não há problema a ser resolvido), mas deve ser enfatizada a natu­reza do fato. Essa parece ter sido, precisamente, a estratégia que os pesquisadores operantes (na pesquisa básica e aplicada) tem se­guido nos últimos anos.

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A análise (formal/funcional) do comportamento verbal e as questões da teleologia, intencionalidade e propósito em debate

Um a das q u estõ es m u itas vezes subjacen tes à d iscussão sobre a existência ou não de um cará te r teleológico no com por­tam ento hum an o é a que se refere à na tu reza básica das ações hum anas: o indivíduo é considerado com o passivo, ativo ou inte- ragente em relação ao am biente? H á teo rias, de variada origem , que se d is trib u em en tre as três possíveis condições, o que pode ser constatado po r um a retrospectiva h istó rica da Psicologia.

Com relação ao behaviorism o em geral, a crítica tem com freqüência se referido a ele com o sendo um a abordagem que adota o cará ter passivo dessa relação, ou seja, o organism o fica­ria sim plesm ente à m ercê das influências am bien ta is. E m bora o behaviorism o clássico de W atson te n h a dado a en ten d e r essa posição, um a análise acurada m o stra que essa não é, de m odo nenhum , a com preensão de Skinner. Sua linha ado ta um m o ­delo in teragente , ou seja, de um in te r-re lacionam ento en tre organism o e am biente . De m odo sim plificado, tom e-se com o exem plo q u a lquer seqüência de relações de contingências, liga­das en tre si, e ver-se-á que a ocorrência de um co m p o rtam en to é seguida de um a conseqüência, d ian te de um estím u lo d iscrim i­nativo que au m en ta a probabilidade de ocorrência de um certo com portam ento . O co m portam en to m u d a as condições do m eio (ele opera a lte rando o am biente) e este , po r sua vez, a lte ra o com portam ento .

C om o já se disse, a g rande m aioria das definições dos p rin ­cípios caros à ciência que se su s te n ta na filosofia behaviorista radical (a A nálise do C om portam ento) é relacional, e, p o rtan to , tam bém as relações o rgan ism o-am bien te são biunívocas e recí­procas. O organism o, na visão do behaviorism o radical, não é, então, nem passivo, nem ativo. N em fica à espera de que algo aconteça sobre si, nem lhe é dado filogeneticam ente (com o em

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algum as versões cognitiv istas) a possib ilidade de um a espécie de herança de in tenções.

A q uestão da in tencionalidade, que aparece co n stan te ­m en te sob ró tu los equivalen tes, com o os da teleologia e o do p ropósito , vem m uitas vezes acom panhada das análises críticas que dizem respe ito à linguagem , ao p en sam en to e ao co m p o rta ­m en to verbal. Em geral, associa-se a d iscu ssõ es o u tras envol­vidas na análise acerca da ex istência (necessária?) de um a sim - bologia (linguagem ?) in te rn a que d e te rm in a a aproxim ação do o rgan ism o em relação ao seu am bien te . C om a m esm a fre­qüência , essa q u e s tã o aparece associada à p ro b lem ática do liv re-arb ítrio , de cu ja elim inação o behav io rism o é c o n tin u a ­m en te acusado . E com igual in ten sid ad e é tem ática relacio­nada ao c o n tex to teó rico da m otivação p ara a ação: d iscu te-se aí o ca rá te r in trín seco e ex trín seco d essa m otivação.

D essa m aneira , es te item abrange um con jun to de questões que certam en te têm ocupado a m aior parte dos artigos que dedicam suas preocupações à análise crítica das p ropostas beha- v ioristas. N a m edida em que o m anifesto behaviorista de 1913 apareceu com o a lternativa ao estu d o da consciência, propon- do-se a deixar de lado as concepções m en ta listas para dedicar-se ao estu d o do com portam en to , conceitos m u ito caros à m aioria dos e stud iosos en tra ram em jogo. E ntre esses conceitos, a idéia da in tencionalidade nas ações hum anas (p rocurando a tribu ir ao hom em , em seu p o n to m ais in te rn o e ín tim o , a capacidade de m over-se po r si p róp rio em direção aos ob jetos de seus desejos) foi um a das que m aiores restrições sofreram nas análises beha- v ioristas, especialm en te por parte do behaviorism o radical.

G erou-se n esse caso, aliás, um a série de m al-en tendidos acerca das proposições concernen tes às relações indivíduo-am - b iente. E n tendem m u ito s críticos que o behaviorism o deixa de lado a capacidade h u m an a de decisão sob re a d ireção do agir, para a tr ib u ir p apel m o d e lad o r do c o m p o rta m e n to e da perso­nalidade ao am bien te ex terno , por iniciativa deste. Todavia,

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Skinner, para exem plificar, freq ü en tem en te te n ta m o stra r que não está se pau tan d o por um a visão apenas reativa do ser h u m a­no no am biente; para su rp resa para m uitos, fala c laram ente de interacionismo. A té po rque a própria idéia de com portam en to operante im plica alterações am bien ta is realizadas pelo orga­nism o e vice-versa, num encadeam ento infinito d u ran te a vida.

O cerne de tal confusão pode esta r na ênfase ambientalista do behaviorism o radical. E fetivam ente, o que S kinner faz é a trib u ir excepcional im portância ao m eio am bien te na de term inação do com portam ento . Todavia, não o faz priv ilegiando um a relação unilateral, de m ão única, o que até inviabilizaria teo ricam ente o seu próprio projeto , pois fala das relações de contingência com o fundam entais na sua abordagem . O que ocorre é que as pessoas, via de regra, são levadas a pensar que S kinner este ja se re s tr in ­gindo a um am bien te que está n ecessariam en te fora do orga­nism o, ao m esm o tem po que (o que é a inda pior) excluiria o social com o p arte desse am bien te . A o con trário , é crucial para o behaviorism o radical a com preensão de que o m eio am bien te é tudo que de algum a form a seja contexto na ocorrência do com ­portam ento , sendo que esse con tex to pode se r de variada ordem (físico, quím ico, biológico, social) e ao m esm o tem po pode ser in te rn o ou ex te rno (estím ulos proprioceptivos gerados pelo organism o ou ex teroceptivos identificáveis fora dele, por exem plo).

Um aspecto fu n d am en ta l em to rn o do a ssu n to é o p ro ­blem a de com o o behav io rism o lida com es tad o s in te rn o s . A prim eira e a m ais c o n stan te avaliação dos críticos, ad extremum, tem sido a de en te n d e r que os e stad o s in te rn o s s im p lesm en te estão excluídos de qualquer consideração. S kinner (1969, 1989b) ten ta , sem pre, m o stra r que tal desconsideração foi ado­tada pelos behavioristas m etodológicos, m as que seu m odelo, ao tra ta r do que cham a de eventos privados, es tá exatam en te ten tando um acesso ao que os cognitiv istas e m en ta lis tas em geral den o m in am de estad o s in te rn o s . É ev iden te que não

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estão incluídos aí apenas os com portam en tos encobertos com o o pensam en to , m as q u a lquer tipo de co m p o rtam en to ou estado corporal que possa se r de algum m odo percebido, m as para cuja análise se enco n tram especiais d ificuldades m etodológicas de acesso, de m odo que apenas se podem lançar m ão, hoje, de m ecanism os in d ire to s de análise, com o os re la tos verbais.

R espondendo a Koch acerca de supo stas falhas ao lidar com a q uestão das causas, diz Skinner (1969, na no ta 8.11):

As obséquias de Sigmund Koch mostram uma pressa indeco­rosa. O behaviorismo, como conhecemos, eventualmente morrerá - não por ser um fracasso, mas porque é um sucesso. Como filosofia crítica da ciência, irá necessariamente mudar à medida que a ciên­cia do comportamento mudar e as questões correntes que definem o behaviorismo forem inteiramente resolvidas.

A questão básica é a utilidade dos conceitos mentalistas. Esforços têm sido feitos para responder a eles, de tempos em tem­pos, simplesmente por decreto: não estudaremos a natureza da alma, ma^ ações dos homens, com ojuan L. Vives colocou há mais de quatrocentos anos e como os behavioristas metodológicos e os psicólogos operacionistas colocam hoje. O comportamento é, por­tanto, definido como um campo que pode ser analisado com suces­so, separado do mundo da mente, mas a existência de um outro mundo é admitida, com ou sem implicação do que podemos saber a respeito de alguma outra forma. (p.373)

As críticas fundadas na q uestão da in tencionalidade, por certo , estão ligadas à d iscussão sobre a ex istência física dos esta­dos mentais. E n tre o u tras análises relevantes, destaca-se a de Searle (1995, p.IX-X), que assegura que as pessoas têm estados m en ta is in trin secam en te in tencionais:

Acredito que as pessoas tenham de fato estados mentais, al­guns conscientes e outros inconscientes, e que, pelo menos no que diz respeito aos estados mentais conscientes, tenham em larga me­dida as propriedades mentais que parecem ter. Rejeito toda forma

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de behaviorismo ou de funcionalismo, inclusive o funcionalismo baseado nos princípios da máquina de Turing... os fenômenos mentais possuem uma base biológica: são ao mesmo tempo causa­dos pelas operações do cérebro e realizados na estrutura do cére- bro. Segundo este ponto de vista, a consciência e a intencionalida­de são tão parte da biologia humana quanto a digestão ou a circula­ção sangüínea.

É in te ressan te n o ta r com o há d iferen tes en ten d im en to s da questão m en te-corpo e com o alguns deles podem com partilhar de certas peculiaridades, em bora haja d iscordância no restan te . O que Searle está apresen tando é um a convicção a respeito da natureza biológica do que cham a de estados m entais. N a ver­dade, em bora explicite rejeitar o behaviorism o, assum e, m om en­taneam ente, um a posição m o n ista ao equ iparar estados m en ta is a qualquer o u tro sis tem a biológico. M as a com plicação esta rá na discussão poste rio r sobre u m a equiparação possível en tre eventos privados e co m portam en to (que o behaviorism o radical aceita) e um a rejeição a qua lq u er explicação funcional que inclua co m portam en to encoberto com o equivalen te ou su b s ti­tu tivo para ta is estados m en ta is (do que a teo ria da in tenc iona­lidade de Searle se esquiva).

A influência m en ta lis ta é repu tada p o r M oore (1981) com o provavelm ente a m aior responsável pelas concepções teleológi- cas em Psicologia, na m edida em que am bos os conceitos estão geralm ente in terligados. Para ele, o m en ta lism o pode se r co n ­siderado u m a o rien tação qu e explica o c o m p o rtam en to a p a rtir de um a b ifurcação da experiência h u m an a em d im en sõ es p re -co m p o rtam en ta is e com portam enta is; usa term os psico ló­gicos para se referir a en tidades organocêntricas de d im ensão pre-com portam ental; e usa ta is en tidades com o an teceden tes efetivam ente causais na explicação do com portam ento .

Para M oore (1981), tal posição se caracteriza p o r um d u a­lism o m etafísico, no sen tido de que ele a tribu i à m en te um sta-

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tus causal, sendo ela p rópria de estofo d iferen te do restan te do cará ter físico do m u n d o com portam enta l. E na este ira da con­cepção m en ta lis ta que os teóricos ten tam assegu rar a existência da in tencionalidade pré-com portam enta l, ou seja, seria a m ente , um su b stra to im palpável, a en tidade responsável pela existência, conscien te ou inconsciente, de um a direção p red e te r­m inada para o com portam ento .

Esse conceito é obviam ente refu tado por Skinner, que, todavia, acaba sendo com preendido po r alguns críticos com o m eram en te castrad o r de conceitos im prescindíveis à com preen­são das ações h um anas. E o que se dá com S chnaitte r (1984), que vê inconsistência nas proposições de Skinner acerca de eventos privados p o rque este defenderia u m acesso redutivo à d im ensão da m en te . E tam bém o caso de D en n e tt (1978, p .56), que faz restrições à visão skinneriana:

O p rim eiro passo do arg u m en to de S k inner é o de caracterizar o “m en ta lism o" com o seu in im igo. Ele carac teriza com o visão tra ­

dicional falar sobre a explicação do co m p o rtam en to hu m an o em te rm o s m en ta lís tico s a resp e ito de desejos, idéias, esperanças, m e­dos, sen tim en to s , em oções; ele desqualifica essas expressões. E sse m odo de falar, ele acred ita , é desqualificado no sen tido de

que isso não é ciência: isso não pode to rn ar-se ciência nem ser u sa ­do em ciência; isso é conceituação in im iga da ciência e en tra em

conflito com a ciência genu ína do co m p o rtam en to h u m an o ... o

que é um grave engano.

Baum & H eath (1992) rechaçam os argum entos de D ennett, m ostrando vantagens das explicações com portam entais em rela­ção às explicações intencionais; en tendem que estas últim as so podem ser contidas den tro de um a tradição criacionista, e nunca num a perspectiva científica evolucionista, em que se enquadra o behaviorism o radical. A ntes, Skinner faz um a ten tativa (1957) de m ostrar com o sua rejeição à term inologia perm ite a substituição dos procedim entos de análise de questões com o o pensam ento , a

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linguagem e o au tocontro le (conform e Rachlin, 1974), pela u tili­zação de form as objetivas e de acesso d ire to aos dados do com ­portam ento verbal. E ntretan to , diverge das ten tativas já feitas de aproxim ação a um a abordagem que recebeu a denom inação de behaviorism o cognitivo. Esforços nessa direção, com o os de Jarem ko (1979), são consideráveis e se to rnam explicações in te ­ressantes quan to à questão da in tencionalidade num a aproxim a­ção cognitivo-com portam ental. Leituras oportunas são as de Lacey & Schw artz (1986) e Prem ack (1988).

No en tan to , provavelm ente o con ju n to m ais ex tenso , in tenso e severo de críticas relacionadas ao tra tam en to dado ao com portam ento verbal e os even tuais p rob lem as com in ten c io ­nalidade, p ropósito , linguagem , teleologia e m en ta lism o foi o apresentado a p a rtir da publicação da recensão crítica de Chom sky (1959), a que S kinner de início diz apenas te r com e­çado a ler e, consta tan d o grande incom preensão teórica, não prosseguiu. A ssim , em bora nunca ten h a elaborado u m a res­posta form al a Chom sky, S kinner acabou po r d is trib u ir suas respostas, m ais ta rde (em v irtude da repercussão do artigo de Chom sky), em en trev istas e artigos ind ire to s e livros. O debate C hom sky-Skinner to rnou-se , en tão , fam oso e recebeu adep tos das duas partes envolvidas. A nálises favoráveis a Skinner (Mac- Corquodale, 1970), restritivas a ele (Lacey, 1971), m an ten d o p ró se c o n tra s (Place, 1981a, 1981b) e análises form ais e funcio­nais (Richelle, 1976, e Schnaitter, 1980) podem ser en co n tra ­das na lite ra tu ra . Para Lacey (1971, p. 119):

tan to à Psicologia de S k inner q u an to à L ingüística de C hom sky ge­

ralm ente se a tr ib u i um a im ensa im portânc ia filosófica, em b o ra c e rtam en te os q u e co n sid e ram im p o rta n te um a delas ten d am a co nsiderar a o u tra in te ira m e n te d e s titu íd a de fu n d am en to .

De fato, na concepção sk inneriana o esp iritua l, o m en tal, é Praticam ente excluído (nesses termos, obviam ente) da visão cien ­tifica, sendo o c o m p o rtam en to conceb ido com o func io n a l­

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m en te d ep en d en te de variáveis am bientais; já na concepção de Chom sky, o esp írito é tra tad o em te rm os que lem bram o racio- nalism o clássico, chegando o au to r a afirm ar q u e o conteúdo do esp írito não pode ser reduzido a um p ro d u to da aprendizagem pela in teração com o m eio am biente , de m odo que acaba su s­ten tan d o um a varian te da d o u trin a das idéias inatas, variante essa encontrada, m ais tarde, nos seus escritos sobre linguagem .

Se a m aioria dos seguidores de C hom sky reje ita o behavio- rism o, de o u tro lado alguns d iscordam d essa visão do seu líder, às vezes ten tan d o chegar à com preensão do espírito baseando-se d ire tam en te na neurofisiologia, tal com o explica Lacey (1974). O s defensores de S kinner su sten tam que não é necessário ado­ta r posições m entalistas (ou cognitivistas), apenas os elem entos de um a teo ria behaviorista são suficientes para com preender a e s tru tu ra analítica do com portam en to verbal e da linguagem (Stem m er, 1980). R epetidas vezes, a q u es tão da cognição, do m en ta lism o e da in tencionalidade aparece so lidam en te en ra i­zada na perspectiva da crítica. As ligações en tre esses três aspectos da q u estão e o p ro je to dos eventos privados são claras e co nstan tes na bibliografia (M ahoney, 1970; A lston, 1974; A lcaraz, 1978; Creel, 1980; M oore, 1980; B urton, 1984; Rach- lin, 1984; Schnaitter, 1978).

M u ito s a u to r e s te n t a r a m u m a e x p lic a ç ã o ta lv e z c o n s e n s u a l

d a q u e s tã o d a in te n c io n a l id a d e , p o r v e z e s o c e n t r o d a p o lê m ic a

c o g n it iv is m o -b e h a v io r is m o . A lg u n s o f iz e ra m e v i ta n d o d e f in i t i ­

v a m e n te a a p ro x im a ç ã o e n t r e a s a b o rd a g e n s (c o m o S c h n a it te r ,

e m 1987, c o m s e u s u g e s t iv o Behaviorism is not cognitive and cogni- tivism is not behaviorial, b e m c o m o o p r ó p r io S k in n e r (1977a), c o m s e u Why I am not a cognitive psychologist), m o s t r a n d o q u ã o

c o n t r a s ta n te s s ã o a s v is õ e s p r io r i t a r i a m e n te o r g a n o c e n t r i s ta s

(d o c o g n it iv is m o ) e a m b ie n ta l is ta s (d o b e h a v io r is m o ) . E m b o ra

te n ta t iv a s d e a p ro x im a ç ã o te ó r ic a e n t r e a s a b o rd a g e n s te n h a m

s id o e n c o n t r a d a s ( W a s s e rm a n n , 1983), a m a io r ia se p o s ic io n a

d e u m la d o o u d e o u t r o d a l in h a d iv is ó r ia d a c r í t ic a (S p ie lb e rg e r ,

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1962- Kendler, 1971 ;T heophanous, 1975; C arvalho, 1976; Rin- gen, 1976; Segai, 1978; L ieberm an, 1979; Lacey, 1980; Pichardo, 1980; Lee, 1981; W essels, 1982; Landw ehr, 1983; Mills, 1984; Pierce & Epling, 1984; Shim p, 1984; W aller, 1984; Deitz, 1986; M arken, 1990; Penrose, 1990). E n tre as inúm eras análises, a de O liveira (1982, p .46) revela que

o otimismo mesológico do behaviorismo radical levou a que auto­res como Chomsky alegassem que a visão do homem como um ser exclusivamente maleável favorece a que sejam adotadas práticas manipulativas que retiram do homem sua característica essencial que é a sua capacidade intrínseca de pensar e decidir sobre seu pró­prio destino.

Segue explicando o raciocínio chom skyano, de que a consi­deração apriorística do hom em com o d estitu ído de propósito o levaria ao ex trem o de ficar ao sabor daqueles que tiverem o poder de m anipulá-lo; nesse argum ento fica clara a intersecção geral­m ente feita, e já referida, da figura do propósito com a figura do livre-arbítrio e do poder de au todefesa e de au todeterm inação .

A questão da teleologia, que p en e tra to d a a p rob lem ática do objeto de estu d o da Psicologia e que se configura com o tem a de crítica ao behaviorism o radical, pode se r en ten d id a a inda de ou tro m odo. Teleologia, assim , diz respe ito às razões finais para um fato, um com portam en to , m as, nem sem pre, à in tencionali­dade, à p rocu ra de u m a m eta q u e ju s tif iq u e u m a ação. A u to res existem que d iferenciam sign ifica tivam en te o conceito de teleo­logia do conceito de causa, ou seja, ao p rim e iro te rm o a trib u em sinoním ia com razão final ou objetivo a se r alcançado, en q u an ­to, cronologicam ente, causa, po r óbvio, ocorre tem p o ra lm en te antes do com portam en to . Exem plo desse tipo de en tend im en to e apresentado por Rachlin (1992), que m enciçna um a ciência psicológica que faz uso de m ecanism os in ternos para explicar o com portam ento aberto, em con trapartida a um a ciência psicoló­gica baseada em m odelo de causas finais, que u sa objetos e obje­

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tivos ex ternos para explicar o com portam ento aberto. Aí, de­fende a idéia de que parte do behaviorism o skinneriano inclui-se no prim eiro tipo, o que é rechaçado por m uitos. Propõe um a form a de “behaviorism o teleológico, que faz uso de causas finais” e argúi que "essa form a de behaviorism o provê um veículo para predição e contro le do com portam ento , bem com o um signifi­cado potencial para os term os m entalistas, ao m enos com o u tili­zados pela psicologia fisiológica ou cognitiva" (p. 1371).

Ao d iscu tir o conceito de classe de eventos interativos (que produzem m udanças nas circunstâncias em que ocorrem ), M atos (1997) bem coloca a im portância da natureza da m udança produ­zida pelo com portam ento , en tendido com o interação organis- m o-am biente, deixando claro com o o behaviorista radical deve en tender o sen tido de “efeito ou finalidade da ação. Este efeito é final, no sen tido de último (isto é, aquilo que encerra ou define o encerram ento da ação), não no sen tido de fim a ser atingido” (p.51). C onseqüências e h istória de reforçam ento são, nesse caso, ingredientes necessários à com preensão de com o um a cadeia de respostas, nessas condições, é m antida ou alterada.

De qua lq u er m odo, a lite ra tu ra ainda parece considerar p en ­den te , com o behaviorism o radical, a so lução final da questão da teleologia: tra ta -se de um a querela m iúda, de um problem a sem ântico ou de um em pecilho paradigm ático fundam ental à com preensão da causalidade do com portam ento?

C om A bib (1985, p .148), vem os que T olm an foi, provavel­m ente , um dos m ais destacados behavioristas a lidar com os prob lem as da in tencionalidade, do propósito , da teleologia:

A esta a ltu ra já deve e s ta r ev iden te que o o rgan ism o ou pessoa se com porta p o rque tem in tenções, desejos, crenças, expectativas.

Em o u tra s palavras, é a ex is tência de p rocessos m en ta is , objetiva­m en te defin idos, que explica po r que o com p o rtam en to ocorre.

M as tal explicação é causal e não teleológica [grifos nossos].

O s desejos e crenças causam o co m p o rtam en to . E sta tese basi-

ca de T o lm an se to rn a visível nos p rim eiro s in s tan te s da le itu ra de

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seus tex to s . O s processos m en ta is são variáveis in te rven ien tes.

E stão en tre as causas iniciais do co m p o rtam en to e o co m p o rta ­

m en to final re su ltan te . C ausas iniciais são condições fisiológicas e

estím u los am b ien ta is. Por esta rem en tre as causas iniciais do co m ­

p o rtam en to e o com p o rtam en to final e, além disso , esgo tarem seu

significado na relação com es te s do is tipos de ocorrências, os p ro ­

cessos m en ta is são cham ados de variáveis in te rven ien tes. Em

sum a, p ropósito s , crenças e sim ilares são nom es cujo significado

se esgo ta to ta lm en te na v isib ilidade da relação en tre as causas in i­

ciais do co m p o rtam en to e o co m p o rtam en to final re su ltan te ...

[Para T olm an] os d e te rm in an te s im an en tes - p ro p ó s ito e cog­

nição - in te rm edeiam a equação causal en tre as causas iniciais e o

com portam en to final re su ltan te .

Essa a posição de Tolm an, seguram ente um a abordagem fun­dam entalm ente diferente da de Skinner e seu behaviorism o rad i­cal. Este últim o não adm ite as funções das variáveis intervenientes e m uito m enos seu status causal em relação ao com portam ento .

Im porta re iterar, conform e A bib (1985), essa explicação al­ternativa que adm ite os processos m en ta is com o razões e não causas da ação hum ana. C olocando de o u tra form a, com preen ­der tais ações im plica pensar nos seus fins e não em seus a n te ­cedentes. N o prim eiro caso, tra ta -se de explicação teleológica; no segundo, causal. A bib prossegue em u m a análise bem elabo­rada das explicações causais do co m p o rtam en to com o ofereci­das pelo behaviorism o m olecular de W atson e pelo behavio- rism o m olar de T olm an, p reparando o ingresso na análise do behaviorism o radical de Skinner com algum te rm o de com para­ção plausível. E o que consegue, re to m an d o o S kinner inicial (1938) e chegando ao atual (1945, 1953), onde fica m ais clara sua Po sição q u an to ao prob lem a da causalidade do co m p o rta ­m ento. C om A bib (1985, p. 167-8):

Em 1953, em su a segunda form ulação, m ais sistem atizada , em n °sso en ten d im en to , sobre o co m p o rtam en to , no tex to de

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Ciência e Comportamento Humano, não utiliza mais a expressão “o es­tado intermediário afeta o comportamento". Pelo contrário, quan­do se refere a causas estritamente conceituais, observa: "As causas interiores mais comuns não têm absolutamente dimensões especí­ficas, sejam neurofisiológicas ou psíquicas. Quando dizemos que o homem come porque está faminto... parece que nos referimos a causas. Mas uma análise dessas frases prova que são meras descri­ções redundantes". (1953, p.31)

Se, em 1938, o conceito de fome, para Skinner, refere-se a um estado intermediário, em 1953 esse mesmo conceito, no interior de sua nova visão sobre o comportamento, demonstra característi­cas meramente redundantes. Isto é, o conceito de fome não é capaz de explicar o comportamento melhor do que as próprias relações que sumariza e, por isso, é redundante.

Skinner parece estar procurando alguma coisa. Na verdade, é algo que já tinha descoberto desde quando polemizou com Ko- norski e Miller sobre os dois tipos de reflexos condicionados, mas que relutou em aceitar de imediato. Desde 1931, Skinner buscava uma tercei/a variável que pudesse explicar as relações entre o estí­mulo e a resposta. Disse nessa época que a resposta é função do es­tímulo e de uma terceira variável. Quando formulou as leis estáti­cas e dinâmicas do reflexo, sustentou que a terceira variável era o tempo ou o número de vezes que a resposta era eliciada. Quando, em 1937, na polêmica com Konorski e Miller, diferencia o operan­te e o respondente, afirma que a contingência de reforço é a tercei­ra variável no caso do operante...

Já em textos posteriores, abandona a utilização dos estados in­termediários na explicação do comportamento e passa a assumir apenas a contingência do reforço como terceira variável...

Enfim, Skinner não está interessado em traduzir termos teóri­cos referidos a eventos subjetivos, através do fisicalismo metodo­lógico, em relações entre ambiente e comportamento. Nem tam­pouco em utilizar esses termos, seja na versão de construtos hipo­téticos, seja na versão de variáveis intervenientes, na explicação do comportamento. Sua terceira variável deve ser buscada nas contin­gências do reforço. Portanto, as contingências de reforço são cons­trutos empíricos e não termos teóricos.

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D iferentem ente de W atson (que varreu as categorias subjeti- vistas de sua Psicologia) e de Tolm an (que deu a elas o esta tu to de variáveis in tervenien tes na relação causal do com porta­m ento), Skinner não exclui do foco de análise os eventos sub jeti­vos nem lhes dá status causal. M antém essas categorias porque entende abso lu tam ente necessário conhecer a subjetividade, m as o faz atribu indo a essa subjetividade a condição de eventos priva­dos resu ltan tes dos m esm os tipos de causa (e do m esm o estofo físico) das o u tras variáveis que d e te rm in am o co m portam en to aberto. Skinner, desse m odo, ob jeta defin itivam ente à idéia de finalismo das ações, pau tando-se , u m a vez m ais, po r um natura­lismo filosófico e, conseqüen tem en te , científico. De certo m odo, a explicação sk inneriana para esse estofo físico dos eventos su b ­jetivos pode ser com preendida a p a rtir das considerações de Abib (1985, p .183):

os eventos subjetivos não têm, eles mesmos, dimensões espaciais e temporais; por outro [lado], são processos e propriedades que ocorrem exclusivamente como características de corpos situados no espaço e no tempo e, em decorrência, são eventos físicos. Em outras palavras, estamos diante de um fisicalismo no interior da doutrina naturalista, muito similar àqueles que encontramos no pensamento de Skinner quando dizemos, por exemplo, que o ato de sentir e os sentimentos são físicos, não como uma entidade au­tônoma, mas no sentido de um produto ou propriedade do com­portamento e de condições corporais.

Esclarece-se, en tão , que com S kinner a q uestão da in ten c io ­nalidade perm anece, no ser hum ano , com o p en sar (grosso modo, um operan te encoberto) ou o sen tir (idem ) acercjá da nossa em issão de um co m portam en to q u e tem alta probabilidade de ocorrer, com o resu ltan te da h is tó ria passada de relações com o am biente, pela recepção de con tingências reforçadoras após essa em issão. S kinner (1989a, p .27) esclarece:

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A condição corpora l associada com um a a lta p robabilidade de que venham os a nos co m p o rta r ou fazer algo é m ais difícil de ser reconhecida e, en tão , recorrem os à m etáfora . D ado que as coisas em geral caem na d ireção para a qual se inclinam , d izem os que so­m os inclinados a fazer a lgum a coisa ou que tem o s um a inclinação para fazê-lo. Se estam o s fo rtem en te inclinados, poderem os m es­m o d izer que estam o s propensos a fazê-lo. D ado que as coisas tam ­bém se m ovem na d ireção para a qual são em purradas, dizem os que tendemos a fazer coisas (do la tim tendere, estica r ou estender), ou que nosso co m p o rtam en to expressa um a intenção, um processo cognitivo la rgam en te aceito para os filósofos.

U sam os tam bém atitude para nos referir à probabilidade. A titu ­

de é a posição, postura ou pose que assum im os q u ando estam os p res­tes a fazer algo. Por exem plo, a pose dos a to res sugere algo em que estão envolvidos ou o que farão logo em seguida. O m esm o sentido

de pose é encon trado em dispor (dispose) e propor (propose) - "Estou dis­

posto a d a r um a cam inhada", “P roponho darm os um a cam inhada”.

O rig ina lm en te um sinôn im o de propor (propose), propósito (pur- pose) causava p u i t a confusão. A exem plo de o u tra s palavras que

sugerem ação provável, e s ta parece ap o n ta r para o fu tu ro . Todavia o fu tu ro não pode se r v ivenciado agora, e em q u a lq u e r o u tra parte,

em ciência, p ro p ó s ito deu lugar a palavras re fe ren tes a conseqüên ­

cias passadas. Q uando os filósofos falam de in tenção , p o r exem plo, quase sem pre e s tão falando de com p o rtam en to operan te . C om o a

A nálise E xperim en ta l tem d em onstrado , o co m p o rtam en to é m o­delado e m an tid o po r suas conseqüências, m as apenas pelas con­

seqüências que perm anecem no passado. N ós fazem os o que faze­m os por causa do que aconteceu e não do que acontecerá. Infelizm ente,

o que acon teceu deixa poucos traços observáveis e a razão pela qual fazem os o q u e fazem os, bem com o o quão d isp o sto s estam os a fazer algo, estão , conseq ü en tem en te , m u ito além do alcance da in trospecção . Talvez p o r isso, com o verem os m ais ta rde , o com ­p o rtam en to te n h a sido tão freqüentemente atribuído a um desejo inicia­dor, originário ou criativo [grifo nosso ].

De to d a a discussão, depreende-se, em primeiro lugar, o grau de d ificuldade que as qu estõ es relacionadas à in tencionalidade.

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à cognição e ao co m portam en to verbal p roduzem , o que se constata por con trovertida lite ra tu ra a que se deve aduzir Day (1969), C atania (1980), Costall (1980), S chnaitte r (1980), Lee (1984) e S tem m er (1990).

Em segundo lugar, ex exposids, conclui-se que d ificuldades e polêm ica resu ltam do an tim en ta lism o de Skinner, do seu n a tu ­ralismo, da sua an tiin tencionalidade causal. M as conclui-se, finalm ente, que o behaviorism o radical d istingue-se dos seus ancestrais pelo privilegiar, con tra riam en te aos dem ais behavio- rism os, a necessidade de considerar a im portância apon tada dos eventos privados. E n tre tan to , o p ro je to behav io rista não che­gou ao pon to esperado por Skinner e pelo behaviorism o radical, de dar um a explicação com pleta desses eventos. M uita pesqu isa precisa ser realizada na área. E o que resu lta do ouvir a crítica: a necessidade de reforçar a ênfase dos pro je tos behavioristas p ri­vilegiando o co m portam en to encoberto . D efin itivam ente um a teoria não-finalista (no sen tido da in tencionalidade com o causa), o behaviorism o radical parece, aos poucos, e s ta r ab an ­donando o d iscurso defensivo lim itado a crer im p o rtan te o que se passa sob a pele para, em seu desejável objetiv ism o, planejar e executar p ro jetos de pesqu isa que am pliem a com preensão do que se passa no âm bito in terno , que não precisa ser confundido, necessariam ente, com m ental. Essa parece ser, efetivam ente, um a saída científica viável e auspiciosa.

As aplicações clínicas da Análise do Comportamento e os efeitos da filosofia behaviorista: a substituição de sintomas como suposto exemplo da ineficácia e impropriedade de métodos, técnicas e procedimentos

C onform e já se explanou, o behaviorism o radical é um a filo­sofia da A nálise E xperim ental do C om p o rtam en to e não a pró- Pria c*ência. O que se p re ten d e neste livro é um a análise da crí- tlca acerca do con jun to de p ressu p o sto s que com põem essa filo-

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sofia, a p a rtir de um a perspectiva de reconstrução h istórica, de m odo que se possa te r clara a existência de cam inhos a serem privilegiados n u m em p reend im en to program ático orien tado po r um a filosofia c riticam en te revista. C om efeito, um a análise que ten h a com o referencial um a filosofia de ciência com o o behaviorism o radical necessariam ente precisa levar em conta os d esdobram en tos da ciência do co m p o rtam en to que lhe é ine­ren te . N en h u m a o u tra justificativa é necessária para que se tom e (en tre d iversos) um sim ples exem plo de su p o sta conse­qüência indesejável em prestada ao cam po que é com um ente cham ado de A nálise A plicada do C om portam en to , de m odo que se n o ta rá com o isso se reflete sobre o behaviorism o radical com o um todo.

É conveniente, de início, que fique clara a existência de um a linha dem arcató ria en tre duas perspectivas clínicas afetadas pelo behaviorism o em geral: a M odificação de C om portam ento e a T erap ia C om portam en ta l (ressalvando-se que, a tualm ente , a m elho r designação para o uso do operan te em situações p rá ti­cas está convencionada com o A nálise A plicada do C om porta­m en to ). De todo m odo, a p rim eira designação (M odificação do C o m portam en to ), sob influência p rio ritá ria do behaviorism o radical, p rocura valer-se exclusivam ente dos p ressupostos ope­ran tes do com portam en to . A segunda, sob influência dos des­d o bram en tos do behaviorism o m etodológico , m as valendo-se tam bém de algum as descobertas experim enta is de Skinner e colaboradores, d istingue-se especialm ente p o r certas práticas que incluem associação de estím u los (com o nos casos de des­sensibilização sistem ática e certas técnicas de re laxam ento).

N ão será o caso de deta lh ar p ro fu n d am en te as divergências e aproxim ações en tre os dois tipos de p rofissionais clínicos, na m edida em que não é objetivo deste ensaio lidar com essas dife­renças, pelo fato de que fazê-lo não acrescen taria m u ita coisa a d iscussão em jogo. E n tre tan to , ao analisar as im plicações de­corren tes da crítica relativa à substituição de sintomas, é im por­

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tan te que o le ito r ten h a em vista, ao m enos superficialm ente, essa d istinção, para a localização ap rop riada da crítica.

A q uestão da substitu ição de sin to m as é p receden te à p ró ­pria A nálise do C om portam en to . D a possib ilidade de sua efe­tiva ocorrência já suspeitavam p re lim in arm en te te rapeu tas com portam entais e teóricos da ap rendizagem pioneiros, com o Eysenck, M ow rer, W olpe e Yates. A suposição era a de que em tipos de terap ia em que não se tratasse das causas sub jacentes do com portam ento m al-adaptado novos s in tom as das m esm as causas em ergiriam . Para Yates (1958), a idéia de substitu ição de sin tom as era u m a ficção exp lanató ria su rg ida p o r proposição da Psicanálise, em sua na tu reza an tagôn ica à T erap ia C om por- tam ental. E n tre tan to , de certo m odo, a influência original p e r­tenceria ao cham ado modelo médico, o qual privilegia o tra ta ­m ento das causas de doenças, em vez de sin tom as: não tra tadas essas causas, os s in tom as reapareceriam em seguida a qualquer tra tam en to paliativo e superficial. A ssim , com o traba lhar com os com portam entos não equivaleria a trabalhar com as causas, os problem as perm aneceriam . O m esm o conceito associou-se (e às vezes essa m etáfo ra a inda é encon trada) à idéia de válvula de escape, ou seja: nada resolveria represar o p rob lem a tra tan d o dos sintom as, po rque sem pre o organ ism o responderia através de algum o u tro p o n to frágil de sua personalidade deficitária. O modelo m édico, no en tan to , guarda fundadas d iferenças em relação ao m odelo psicológico: no m ínim o, o tra tam en to m ed i­cam entoso - ou cirúrgico - pretende ir às variáveis causais atuais da doença, o nde o paciente (d ife ren tem en te do cliente na Psico­logia) é su b m e tid o a u m tra ta m e n to q u e acessa causas físicas p resen tes. A dificuldade, en tão , de tran sp o r tal m odelo à Psico­logia reside principalm ente em querer, d is tin tam en te , que nesta ú ltim a o te rap eu ta se repo rte às causas rem otas do com - portam ento-problem a. O u seja, com o o con jun to inicial de eventos orig inadores da seqüência de condições que d e te rm i­nam a atual con tex tualização de com p o rtam en to s pode estar

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num passado rem oto , supõe-se que apenas se resolva a questão atual m ed ian te in tervenção no passado. O que, obedecidas as d im en sõ es físicas de tem p o e espaço, é a b so lu tam en te im pos­sível. N a verdade, o q u e é possível é o acesso a even tos a tuais qu e se ligaram , em cadeia, a um m o m en to no passado que se re laciona ao p rob lem a atual. C om o in terv ir no passado (exceto po r ficção) não é possível, resta, sim , analisar os eventos passa­dos - convenciona lm en te, a "h is tó ria de re fo rçam en to" ou "h is tó ria de v ida” - para iden tificar ev en tos a tu a is co n tro lad o ­res do com portam ento e, m ediante a m anipulação destes, m udar tal com portam ento , se assim o deseja e concorda o cliente, por decisão pessoal d este ou de seus responsáveis (no caso de crian­ças a inda im possib ilitadas - a té legalm ente - de decidir por si m esm as). Essa quere la da substitu ição de sin tom as é assim configurada po r C ahoon (1968, p .149-50):

Um ponto de discordância que separa terapeutas comporta- mentais e terapeutas dinamicamente orientados envolve a hipóte­se da substituição de sintomas. Isto é, a remoção de "sintomas” sem atenção às "causas subjacentes" desses sintomas leva à forma­ção de novos sintomas? Um exame da literatura revela que rara­mente esses termos têm sido usados em sentidos que não envolvam inferências e construtos específicos de alguns sistemas teóricos. O presente trabalho tenta reformular a hipótese de substituição de sintomas na direção de uma investigação empírica. Nesse sentido, alguns procedimentos relevantes às terapias comportamentais são examinados com respeito à sua possível relevância para o desen­volvimento ou não de sintomas subseqüentes ao tratamento...

A maioria dos estudos de caso relatados por terapeutas com­portamentais não registram a ocorrência de substituição de sinto­mas no enfoque terapêutico descrito. Terapeutas dinamicamente orientados, de outro lado, freqüentemente fazem referência a es­sas condições nos tratamentos (não necessariamente com terapia comportamental). Holland (1968) cita um contingente de autori­dades que relatam substituição de sintomas como conseqüencia de tratamento com o uso de hipnose. Spiegel (1967) relata estudos

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de caso onde os sin to m as rem ovidos (po r h ipnose) podem resu lta r em sin tom as rea tivos se houver expecta tiva de falha pelo te rap eu ta

e pelo pacien te ... Fenichel (1945) re la ta que a su p ressão aversiva de sin tom as, p o r choque elétrico , pode se r segu ida da form ação de

novos s in to m as ... parece claro, p o r esses re la tos, en tão , que al­

guns efeitos p sico te rapêu tico s têm com o resu ltad o a aqu is ição de

novos sin tom as. M as isso não é exclusividade da te rap ia com o rien ­

tação de aprendizagem .

Para o u tro s au to res, não se tra ta de um fato consum ado e que abranja q u a lq u er tipo de terap ia, seja ela o rien tad a pelos princípios da aprendizagem operan te , seja o rien tad a d inam ica­m ente. T ratar-se-ia, isso sim , de um prob lem a conceituai d is­crepante en tre abordagens. U llm ann & K rasner (1965), por exem plo, explicam que alguns profissionais sim plesm ente rejei­tam o conceito de sintoma, na m ed ida em que a A nálise Aplicada do C om portam en to consideraria o co m p o rtam en to com o o p ró ­prio objeto de tra tam en to , ou seja, descarta q u a isq u er causas remotas com o inacessíveis à p rática clínica efetiva, v isto que, segundo ela, apesar das técnicas de recom posição do ou regres­são ao passado, esse re to rn o não é confiável e, m esm o que o fosse, não se poderia m udar a h istó ria pessoal. A lém disso, rejei­tam a idéia de causas subjacentes com o sendo um a expressão que pretende orig inalm ente significar a ex istência de causas in te r­nas do tipo drive e conflito, ev iden tem en te abolidas pelo behavio­rismo.

Para Kazdin (1982), a substitu ição de sin tom as seria, de acordo com as concepções psicodinâm icas, um resu ltado inevi­tável do tra tam en to de problem as com portam en ta is baseados na influência de variáveis ex ternas. M as a ausência de su b s titu i­ção de sin tom as em diversos re la tos re fu ta concepções psicodi- namicas. F req ü en tem en te se fala, ao contrário , em evidências de generalização dos benefícios te rapêu ticos para o u tras áreas. Conclui esse autor:

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A su b s titu ição de sin to m as tem ocupado im p o rtan te papel na d iscussão de conseqüências p o ten c ia lm en te dele térias que se­

guem certas fo rm as de tra tam en to . A noção tem servido prim aria­m en te com o p o n to cen tra l de deba tes conceitua is sobre a na tu reza

da psicopato log ia e a eficácia de tra tam en to s alternativos. P ropo­

n en te s das te rap ias psicod inâm ica e com p o rtam en ta l diferem no sen tid o em que acred itam p oder encarar o significado de su b s titu i­

ção de s in tom as. E xiste algum a concordância em que o conceito é

difícil de verificar e de que claras p red ições são difíceis, senão im ­possíveis de se fazer. (p .251)

Kazdin (1982) com pleta seu raciocínio propondo o conceito de covariação de respostas: quando, na terap ia , se reforça positi­vam ente (ou se suprim e) certa resposta , o u tras com caracterís­ticas parecidas sofrem , em m en o r grau, os m esm os efeitos, num a espécie de generalização (covariação) desses efeitos. No caso da elim inação de com portam en tos, p o r exem plo, o orga­n ism o te ria a elim inação das respostas-sintoma e de ou tras sim ila­res correlacionadas, de m odo que o organism o, se era orig inal­m en te reforçado por em itir um d e te rm in ad o com portam ento indesejável, acaba op tando , ainda que inconscientemente, po r ou tro co m p o rtam en to tam bém reforçador: a escolha pode recair sobre nova resp o sta m al-adaptada, configurando o que é cha­m ado de substituição de sintomas.

A con trovérsia da substituição de sintomas, todavia, pode ser m ais bem com preend ida num a perspectiva um pouco mais com plexa, m as coeren te com a filosofia do behaviorism o radical e as descobertas, até aqui, da A nálise do C om portam en to . Levando em co n ta o conceito de c lasse de resp o stas , tem -se q u e resp o stas de funcionalidades (e a lgum a m orfologia) sem e­lh an te s ag ru p am -se fo rm ando um co n ju n to que recebe essa deno m in ação de classe. Ao ap ren d e r a com porta r-se , o orga­n ism o p ro d u z a lgum a alteração n o am b ien te , ou seja, opera sob re esse am b ien te . Se seu c o m p o rtam en to au m en ta em fre­qüência, diz-se que foi reforçado positivam ente. Estão à disposi-

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fão do organism o, para p roduzirem reforçam ento , n respostas possíveis, sejam elas sancionadas ou vetadas pela sociedade. Segundo as norm as sociais, podem ser m al-adaptativas ou adaptativas. Por suposição, se o o rgan ism o p roduz seu reforço positivo em seguida à em issão de um co m portam en to indesejá­vel adquiriu não apenas um a resposta , m as um a classe de re s­postas que com porão os sintomas indesejáveis. N o m odelo m édico (con trariam ente à concepção behaviorista) esses sinto­mas co n stitu em a configuração ex te rn a de um processo in te rn o doentio (daí a idéia de causas subjacentes).

A segunda e tapa desse processo é a e tapa clínica (aqui em itálico po rque o processo é válido não apenas para a situação clí­nica p rop riam en te d ita, m as para to d a e qualquer m odificação de com portam ento , q u e r seja em psicoterapia, q u e r seja decor­rente do processo educacional, q u e r seja das relações no trab a ­lho). N essa etapa, q u ando se ado ta a lgum p roced im ento de modificação, por exem plo, v isando à elim inação de um com por­tam ento indesejável (ainda não se d iscu te aqui, po r precoce, a questão de quem decide e com o decide sobre a desejabilidade das ações), os efeitos do p roced im en to recaem sobre a classe e não sobre a resp o sta individual. A pessoa aprendeu um co n ­ju n to de respostas, por sim ilaridade, com que é possível o b te r tal reforçam ento positivo. E lim inada um a resposta , reduz-se, tam bém e em m en o r grau, a probabilidade de ocorrência de outra. Todavia, essa é um a faca de dois gum es: se o organism o estiver, novam ente, fren te a fren te com a possib ilidade de obtenção do alud ido reforço, ap resen ta rá inevitavelm ente algum com portam en to com o form a de obtê-lo . D ado que na classe de respostas as m ais sim ilares foram m ais eficazm ente elim inadas, m as as m enos sim ilares não (proporc ionalm ente), pode acontecer de qualquer d estas (agora com probabilidade de ocorrência elevada a um m aior pa tam ar h ierárquico) ser u tili­zada (ainda que inconscientemente) para p roduz ir o reforço. Se for bem -sucedida, insta la-se rap idam ente . Isso configuraria a subs­

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tituição de sintomas: na verdade, não se tra ta de sin tom as, m as de respostas m ovidas pela produção de conseqüências.

A ssim , em bora a polêm ica seja ex trem am en te com plexa e p ertin en te , não se supõe, aqui, ser o caso de perm anecer anos a fio po lem izando sobre a origem sem ân tica da questão . M ais que isso, os te ra p e u ta s prec isam p lanejar m e lh o r seus p roced i­m en to s. O u seja, ao p lanejar cada sessão , o an a lis ta precisa, em p rim e iro lugar, verificar se, ao e s ta r e lim in an d o um com ­p o rta m e n to com q u e o o rgan ism o, de fo rm a m al-adaptativa, consegue p ro d u zir reforço positivo, ele deixa algum a m argem para a ap rendizagem ou forta lecim ento de o u tro com porta­m en to q u e se ap resen ta rá no lugar do co m portam en to elim i­nado (cham e-se isso de substitu ição de sin tom as, se for o caso); se isso ocorrer, fica claro um erro de procedimento que precisa ser corrigido. O que o analista deve fazer é, ao p lanejar seu procedi­m en to (através da seqüência de sessões clínicas com seu cli­en te , através das e tapas n u m p roced im ento de cam po em escola ou nas açõês em situação das relações de trabalho , com o em qualquer o u tra situação), dar a seu clien te a opo rtun idade de esco lher (se ele for um adulto , por exem plo) u m o u tro com por­tam en to com o qual ganhe em funcionalidade social e ao m esm o tem po o b ten h a reforçam ento (grosso modo, o com porta­m en to de fu rta r p recisa ser su b stitu íd o po r trabalhar, m as, se não se e laborar um p roced im ento apropriado , pode ser su b sti­tu ído pela m endicância - não se tra ta , ev iden tem ente , de sinto­mas, m as de com portam en tos, sem pre). N esse pon to , o analista pode p rog ram ar a elim inação de um com portam ento , m as, ao m esm o tem po , deve prever sua troca p o r ou tro , socialm ente aceito, que p ro d u za conseqüências equivalentes.

Sem dúvida, essa program ação carece de alguns o u tro s cui­dados. Em p rim eiro lugar, não pode configurar-se au to ritan a , no sen tido de que o te rap eu ta decida, n u m a in stância ética, ape­nas p o r valores seus e com os quais não necessariam ente com ­partilhe o cliente. O u seja, ele tem sob seu con tro le o conjunto

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de técnicas e p roced im entos que to rn a acessíveis, p ro fissional­m ente, ao cliente: em essência, é esse aspecto técnico, sob seu dom ínio, que o coloca nas sessões terapêu ticas com o indivíduo d istin to do seu cliente. Em ú ltim a análise, deve ser dada o p o r­tunidade ao clien te de decid ir sobre a direção a seguir de acordo com suas aspirações particu lares. C asos excepcionais, ev id en te­m ente, exigem im inen te d iretiv idade p o r parte do te rap eu ta (ao cliente que anuncia suicídio não se pode assegurar a possib ili­dade im ediata de um a decisão pessoal do tipo sim /n ão : é óbvia a necessidade de in tervenção preventiva, em situação de crise, im pedindo a possib ilidade do sim; ao garo to de cinco anos que p retende q u eb ra r a vidraça do colégio, a in tervenção acaba se dando via pais ou professores, em geral). E claro que nesses casos - e sim ilares exem plos - , depois de contro lada a situação (de risco) inicial, um ap ro fundam en to no p rocesso que m otiva e m an tém o im in en te co m p o rtam en to é o q u e se recom enda, aí sim na d ireção de alcançar u m a co m p reen são - pelo p ró p rio cliente - de seu repertó rio com portam en ta l e das variáveis que o controlam . Em segundo lugar, a com petência teórico-técn ica deve acom panhar a boa form ação ética, no sen tido de que a ocorrência m ais ou m enos provável de com portam en tos (inade­quados) que sejam equivalen tes a novos sintomas pode em parte ser decorren te da m aior ou m enor habilidade do te rap eu ta em estabelecer contingências adequadas para a ob tenção de com ­portam entos adaptativos. C abe aqui u m a ressalva q u an to ao em prego d este ú ltim o term o: o fato de se falar freq ü en tem en te em com portam en tos adaptativos levou a um a o u tra d iscussão dentro da polêm ica m ais am pla do behaviorism o radical. Falar sobre o estabelec im ento de co m p o rtam en to s adaptativos não significa ajustar o indivíduo à sociedade, no sen tid o de atrelá-lo ao status quo, no sen tido de forçá-lo a fazer o que está estabele­cido, no sen tido de reproduzir o cenário de desigualdades sociais vigentes e inserir-se nele com o u m a peça que precisa funcionar

6 r110*̂0 determ inado . C om p o rtam en to s adaptativos, sem pre.

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fazem referência a um funcionam ento do indivíduo que o faz sen tir-se m elhor, que respeita a indiv idualidade das dem ais pessoas, m as que pode - em m uito s casos - rep resen ta r m u d an ­ças sociais. O u seja, é óbvio que o clien te pode e deve agir no sen tido da transfo rm ação social, se e s ta for a ação apropriada para o co m p o rtam en to adaptativo: ele, cliente, deve tom ar parte ativa nessa decisão. Mas tra ta-se de o u tra polêm ica que m antém elo com a p resen te discussão.

Em teoria, o behaviorism o radical ce rtam en te assegura p ressu p o sto s à A nálise do C om portam en to que perm item a esta desvencilhar-se de situações com o as típ icas da con trovér­sia da substituição de sintomas. E n tre tan to , por d iversas razões a análise aplicada não tem usado com propriedade todas as desco­bertas experim en ta is da A nálise E xperim ental do C om porta­m en to nem se tem valido com pletam en te de sua própria filoso­fia de ciência. M ais que isso, tem sido por vezes negligente com relação à sua p rópria capacitação para o desenvolv im ento do que ousou cham ar de engenharia comportamental.

A ssim , es te con tex to crítico p re tende, no âm bito m ais am plo do trabalho , não se circunscrever a ap o n ta r um a questão pon tual com o a da substitu ição de sin tom as, m as reiterar, com vistas a um redelineam ento , os desvios e a negligência, até em com p o rtam en to s de cunho ético (e que terão tra tam en to m ais de ta lhado em seguida), os quais foram apon tados pela lite ra ­tu ra crítica na área aplicada da ciência com portam enta l.

O método de pesquisa e os procedimentos utilizados na Análise do Comportamento não dão conta do caráter interno e privado: o behaviorismo radical explica apenas uma fração superficial das ações humanas

Prim ord ia lm en te , p re tende-se neste item que sejam revela­das algum as d im ensões das principais características polêm icas

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que circundam as dicotom ias privado-público e mental-físico. E spe­cialmente, serão recuperadas questões relativas ao behaviorism o enquanto filosofia de ciência que se defronta com esses proble­mas diante da crítica, m as tam bém se tocará de m odo superficial na questão da suposta incom petência do m étodo de pesquisa da Análise do C om portam ento para lidar com o problem a.

O behaviorism o de Skinner tem designado de mentalistas as correntes que p re ten d em analisar o co m portam en to com o con­seqüência d ire ta (em term os causais) da ex istência real de um aparelho mental. A m aioria dessas abordagens cham adas m e n ta ­listas tem , h isto ricam ente , priv ileg iado a u tilização da in tro s ­pecção com o fo rm a de co leta de dados p ara a in te rp re tação do curso das ações h u m an as e, nesse sen tid o , tem ap resen tado inconvenientes po r duas razões. São elas, conform e O liveira (1982, p .4-5):

1) A observação dos fenôm enos m en ta is era feita in d ire ta ­

m en te a través do re la to verbal dos in tro specc ion is tas, com paran-

do-o com os co rre la to s fisiológicos passíveis de serem co letados,

oferecidos ou reg istrados pela apare lhagem disponível;

2) N ão havia concordância en tre os re la to s verbais de do is ou

m ais observadores, e a té m esm o en tre os re la to s de um m esm o o b ­

servador q u an d o este fosse su b m etid o à m esm a situ ação -te ste em ocasiões d iferen tes.

O objetivo dos e s tru tu ra lis ta s e ra o de fazer da Psicologia um a

ciência na tu ra l, m as d iscrepâncias sem p re encon tráveis nas o b se r­

vações dos fenôm enos m en ta is a través do m éto d o in trospectivo

não eram com patíveis com as dem o n straçõ es experim en ta is rea li­

zadas em labo ra tó rio s de Física, Q uím ica e Fisiologia, onde os fe­

nôm enos d ire ta ou ind ire tam en te observados apresentavam resu l­

tados conform e as previsões estabelecidas pelos experim entadores.

A perspectiva teórica c itada co rresponde p a rticu la rm en te à m aneira com que os e s tru tu ra lis ta s p re tend iam analisar se n ti­m entos, que na term ino log ia de W u n d t se referiam aos aspec­

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tos subjacen tes às sensações. É nesse con tex to que acontece a in tervenção do operacionism o na Psicologia. O s operacionistas sugeriam que se passasse a e s tu d ar a d iscrim inação de im en si­dades de estím u lo s (nada a ver com a d iscrim inação tal com o vista n a A nálise E xperim ental do C om portam en to ) com o cam i­nho inicial exem plificador da busca de objetividade. Por certo, quem sofreu influência d ire ta desse operacionism o (som ado ao positiv ism o) foi W atson , que previa, no seu já citado m anifesto de 1913: 1. a negação da m ente; 2. a redução da experiência à fisiologia das secreções g landulares e aos m ovim entos dos m ú s­culos; 3. a a trib u ição do co m p o rtam en to à ap rend izagem m e­d ian te um parad igm a de cond icionam ento clássico; 4. a m inim i- zação das influências h ered itárias e fa tores biológicos prim á­rios; 5. que os processos conscientes, de cuja existência duvida, e stão além da pesqu isa científica.

Para O liveira (1982, p .6):

A o rto d o x ia inflexível dos p rim eiro s behav io ristas aliada a de­

clarações in tem pestivas de W atson com o seu fam oso dictum ... foi responsável p o r considerável parte das em otivas críticas deprecia­tivas endereçadas ao B ehaviorism o de en tão e im prop riam en te re­

pe tidas m ais de 50 anos após em relação ao B ehaviorism o Radical de n ossos d ias, que nada tem a ver com os p ressu p o sto s filosóficos

e m etodo lóg icos da escola clássica.

E prossegue Oliveira (p.7), ao referir-se ao behaviorism o m etodológico, quan to à m esm a questão dos fenôm enos m entais:

ao se liv rar de fo rm a - d igam os - cirúrgica, dos difíceis problem as q u e se levan tam q u an d o aceita-se trab a lh a r com fenôm enos priva­dos, a ting iu os seus p róp rio s objetivos, po is foi aceito po r conside­

rável parcela de m em bros da com un idade científica.

S ubseqüentem ente , surge o behaviorism o radical, que acei­ta a in trospecção, se bem que não na form ulação tradicional

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w undtiana, m as na form a dos re la to s verbais checáveis por outras observações ou dados correlatos do com portam ento (m as não dados fisiológicos, em geral). C om isso, o behaviorism o radical se opõe ostensivam en te à posição dos adep tos do b eh a­viorism o m etodológico, que negam , s im plesm ente , a existência dos fenôm enos privados e sua condição de passíveis de e s tu d o por um a ciência do com portam ento . C om O liveira (1982, p .8):

Skinner não os considera fictícios nem irrelevantes, entretan­to faz duas observações muito importantes quanto aos fenômenos privados: a primeira refere-se à sua natureza e a segunda é relativa à con fiab ilid a d e que pode ser outorgada aos dados coletados pelo mé­todo introspectivo. Em relação ao primeiro ponto Skinner diz que há uma grande diferença entre o que os behavioristas radicais ob­servam no mundo individual privado e o que os introspeccionistas acreditavam ou acreditam estar observando. O que os introspeccio­nistas crêem estar observando é um mundo imaterial, interno, um reflexo do mundo exterior. Quando nós realizamos a introspecção o que estamos observando é o nosso próprio comportamento. E o nosso comportamento é fruto da atividade orgânica; é o nosso pró­prio corpo realizando suas funções. O relato verbal relativo a um fenômeno observado introspectivamente é um comportamento verbal que expressa o que sentimos ocorrer com ou na parte do nos­so corpo que está sendo observada.

Com esse tipo de introspecção, S kinner não está q uerendo dizer que quan d o o indivíduo a realiza este ja fazendo um a esp é­cie de pesqu isa fisiológica nem que o que sen te in tro spec tiva­m ente sejam causas do com portam en to . Para acom panhar seu raciocínio, vale a pena retom á-lo n u m a de suas ú ltim as publica­ções (1989a, p .38-40):

A palavra de ordem na revolução cognitiva é: "A mente está de volta!". Nasce uma "grande nova ciência da mente”. O behavioris- mo rçuase destruiu nossos interesses pelo assunto, mas foi derro-

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tado e devemos retomar o fio da meada onde os filósofos e os pri­meiros psicólogos pararam.

Certamente, têm sido ditas coisas extraordinárias sobre a mente. As realizações mais sofisticadas da espécie foram a ela atri­buídas; diz-se que funciona a velocidades miraculosas. Porém o que é a mente e o que ela faz são coisas ainda longe de serem escla­recidas. Todos nós falamos da mente com pouca ou nenhuma hesi­tação, mas estacamos quando solicitados a dar uma definição. Os dicionários não ajudam em nada. Para entender o que significa mente, é preciso primeiro considerar percepção, idéia, sentimento, in­tenção e muitas outras já examinadas aqui, e devemos procurar de­finir cada uma delas com a ajuda das outras. Talvez seja a essência mesma da mente não poder ser definida. No entanto, podemos ve­rificar como a palavra é usada e o que as pessoas parecem dizer quando a empregam.

A mente é com freqüência mencionada como se fosse um lu­gar. Quando nos ocorre fazer algo, dizemos que nos “veio à mente". Se o fazemos, é porque "temos em mente” o que devemos fazer... E significativo que tendamos mais a dizer “use sua cabeça” ou "use seu cérebro” do que "use sua mente”, como se sentíssemos neces­sidade de^os referir a algo mais substancial... A mente que a revo­lução cognitiva colocou em evidência é igualmente a executora das coisas. E a executora dos processos cognitivos. Ela percebe o mun­do, organiza os dados sensoriais em todos os significantes e pro­cessa a informação. É o dublê da pessoa, sua réplica, seu represen­tante, seu sósia. Tome qualquer sentença em que a mente faça al­guma coisa e veja se o significado é substancialmente alterado se você substituir o sujeito. Diz-se, por exemplo, que "a mente não é capaz de compreender infinitamente”. Será que isso não significa que nenhuma pessoa é capaz de compreender infinitamente? Os processos cognitivos são processos comportamentais [grifo nosso]; são coisas que as pessoas fazem.

A velha e crucial confusão é imaginarmos que existe algo mais, ou que aquilo que sentimos quando nos comportamos e a causa do nosso comportamento. Desde o tempo dos antigos gre­gos, a investigação vem incidindo em determinantes internos. O coração, os pulmões, o fígado, o pâncreas, além dos humores e fi-

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nalm en te o cérebro têm sido cand ida tos p rom isso res. N a q ua lida­

de de órgãos, eles têm a van tagem de p oder se r observados de um a form a possivelm en te m ais confiável em cadáveres. Porém , os filó­

sofos logo perceberam que as percepções, sen tim en to s , in tenções e assem elhados têm ex istência in dependen te .

A té este ponto, fica parcialm ente clara a posição do behavio­rism o radical q u an to à q uestão do m ental, em alguns aspectos

im portantes.Em primeiro lugar, S kinner a lerta para o fato de que as defi­

nições com um en te encon tradas (em dicionários ou na lingua­gem coloquial) m ais a trapalham do que ajudam qualquer com ­preensão do que seja m ente.

Em segundo lugar, exem plifica esse uso ind iscrim inado do conceito com significados diversos conform e seja a situação ou o objetivo p re tend ido pelo usuário : por vezes o conceito sinoni- m iza um a in tenção ("tenho em m en te ..." ) , po r vezes indica sua localização num plano real (m en te referindo-se a cérebro).

Em terceiro lugar, S kinner refu ta a m etáfo ra da m en te com o sinônim o do homúnculo in te rn o que seria responsável pelas n o s­sas ações externas; nesse sentido, estas, em geral, são com preen­didas ou explicadas com o form as de rep resen tação do que se passa na m ente.

Em quarto lugar - e a té com o conseqüência inevitável de seu raciocínio - , Sk inner re je ita a função causal da m ente; o que observam os in te rn am en te são processos com portam en ta is (em outros tex tos se referirá, tam bém , a estados corporais, algo já apontado pelos críticos com o de pouca s in ton ia em relação à idéia de com portam en to ).

Em quinto lugar, no p rosseg u im en to da sua obra, Skinner lem bra que não observam os a m en te p rop riam en te , po r m eio da introspecção; o que fazem os é observar e re la tar estados co rpo ­rais e /o u com portam en tos, m as não u m a entidade; a m en te constitu i-se no que inferim os d essa observação.

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C om plem en ta Skinner (1989a, p .40-1):

Por sua vez, os psicólogos cognitivistas voltaram-se para a ciência do cérebro e a ciência da computação para confirmar suas teorias. A ciência do cérebro, dizem eles, eventualmente nos dirá o que processos cognitivos realmente são. Responderão de vez por todas as velhas questões sobre o monismo, o dualismo e o interacio- nismo. Ao construir máquinas que fazem o que as pessoas fazem, a ciência da computação demonstrará como a mente funciona. O que há de errado com tudo isso não é que os filósofos, psicólogos, cien­tistas do cérebro e cientistas da computação encontrarão; o erro reside na direção para a qual estão olhando. Nenhuma explicação sobre o que acontece dentro do corpo humano, por mais completa que seja, explicará as origens do comportamento hum ano... Pode­mos atribuir uma pequena parte do comportamento humano ... à seleção natural e à evolução das espécies, mas parte do comporta­mento humano deve ser atribuída às contingências sociais verda­deiramente complexas a que chamamos culturas.

Essa posição às vezes é caracterizada como a que lida com a pessoa^omo se ela fosse uma caixa preta, ignorando seu conteúdo ... Os analistas do comportamento deixam o que está dentro da caixa preta para aqueles que dispõem dos instrumentos e métodos necessários ao seu estudo apropriado. Existem duas lacunas inevi­táveis em qualquer ponto de vista comportamental: uma entre a ação estimuladora do ambiente e a resposta do organismo e outra entre as conseqüências e a mudança resultante no comportamen­to. Apenas a ciência do cérebro pode suprir essas deficiências. Ao fazê-lo, completa a descrição; não fornece uma explicação diferen­te. O comportamento humano eventualmente será explicado e só poderá ser explicado pela ação conjunta da Etologia, da ciência do cérebro e da análise do comportamento [grifo nosso],

A análise do comportamento não precisa esperar até que a ciência do cérebro tenha feito sua parte. Os fatos comportamentais não mudarão e serão suficientes tanto para a ciência como para a tecnologia. A ciência do cérebro pode descobrir outros tipos de va­riáveis que afetam o comportamento, mas terá de recorrer ao analis­ta comportamental para uma explicação mais clara de seus efeitos.

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Prosseguindo na listagem de pon to s essenciais da análise sk inneriana, fica claro, em sexto lugar, que o behaviorism o rad i­cal está c laram ente adm itindo que u m a parcela (re la tivam ente pequena) do com portam en to pode ser a tribu ída à determ inação filogenética; ou seja, adm ite (e d iscu te , em várias publicações) a im portan te influência que o processo evolutivo das espécies registra sobre os com portam entos, m as con tinua priv ilegiando as condições a tuais com o m odeladoras fundam enta is do rep e r­

tório individual.Em sétimo lugar, Sk inner to rn a claro que, ao re la tar o que

in trospectivam ente observa ou sente, o o rganism o está se refe­rindo necessariam ente a estados corporais e /o u co m p o rtam en ­tos, de m odo que, à ciência do co m p o rtam en to não é facultado (nem possível, ten d o em vista o a tual e lim itado desenvolv i­m ento tecnológico) v isualizar os m ecanism os subjacentes ao com portam ento . E xposto de o u tro m odo, ao o lhar para d en tro de si, o o rganism o não vê seu coração, seus nervos óticos, sua mente, seu cérebro, enquan to conjunto de estru tu ras que in ter- m edeiam as relações en tre com portam ento e am biente; ele ape­nas está consciente (na m edida em que pode relatá-las) das ações que realiza, estando estas, neste caso, em âm bito privado; nessa direção, Skinner en tende que a dissecação anatom ofisiológica dos m ecanism os envolvidos na execução do com portam ento é objeto de estudo de ou tras áreas preocupadas em tornar-se um a ciência do cérebro, m ais que de um a ciência do com portam ento .

N essa perspectiva, Skinner p rocura clarificar sua p reocupa­ção com os cham ados eventos m entais. C lassifica-os na cond i­ção de eventos privados que estão sob a pele e re je ita c lara­m ente alguns dos fundam entos básicos do dualism o cartesiano , tal com o listados por Ribes (1990, p .4): 1. o m en ta l se concebe com o o causal in terno; 2. a in teração do hom em e dos o rgan is­m os com seu m eio é redutível à ação m ecânica, passiva, refle- Xlya, 3. o m ental, en q u an to substância p rim ária in d ep en d en te do m aterial, obedece a princíp ios próprios.

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Fica ev iden te a rejeição definitiva do behaviorism o radical p ara com q u a lq u er concepção dualista . Esse dualism o de subs­tância sofreu ao longo do tem po diversas m odificações, m as fu n d am en ta lm en te é configurado na in terp re tação que Ryle (1949, p .l 1) faz da visão cartesiana:

C om as duv idosas exceções dos id io tas e dos bebês, cada ser

h u m an o tem um corpo e um a m en te ... os corpos hum an o s estão

no espaço e e stão sub m etid o s a leis m ecânicas que governam a to ­

dos os dem ais co rpos no espaço. O s p rocessos e estados corporais podem se r v is tos p o r observadores ex te rn o s ... po rém as m en tes

não estão n esse espaço e a ativ idade da m en te não é testem unhável

p o r o u tro s observadores; sua carre ira é privada. Som ente eu posso

te r conhec im en to d ire to dos processos e estados da m inha m ente. U m a pessoa, p o r consegu in te , vive através de duas h is tó rias cola­tera is, u m a co n sis ten te com o que se passa no seu corpo, o u tra

co n sis tin d o no que se p assa em su a m en te . A prim eira é pública; a segunda, privada.

E ssa d o u tr in a rep re sen ta o que Ryle d en o m in o u e acabou reconhecido com o o "m ito do fan tasm a da m á q u in a ”; afirm ava q u e im aginar um a dicotom ização m ente-corpo nesse sen tido co n stitu i erro de categorização, na m edida em que não há term os de com parabilidade en tre os dois conceitos (m ente e corpo) se, por suposição, não pertencem ao m esm o estofo estru tural.

Para o behaviorism o radical enquan to filosofia de ciência parece declaradam ente aceito um m onism o fisicalista. E, em bora nem todos na área concordem , m esm o os analistas da área apli­cada privilegiam o en ten d im en to de S kinner (1967) de que não há necessidade de su p o r que os eventos que acontecem sob a pele de um organ ism o tenham propriedades especiais. N a sua prática, têm com o líquido e certo que os co m portam en tos enco­bertos são ativ idades do organism o. N esse sen tido , sonhar, pensar, se n tir são com portam en tos e com o tais não precisam nem devem ser considerados com o eventos m en ta is ou cogniti­

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vos Para D elitti (1993), "considerá-los com o m en ta is ou m esm o de um a n atu reza d iferen te dos co m portam en tos o b se r­váveis p ressuporia a crença em um a m en te ou psique, o que não faz parte da p roposta behaviorista radical” (p .41).

Essa posição faz referência exclusiva ao behaviorism o rad i­cal - é bom que se frise um a vez m ais. N ão refle te o pen sam en to de ou tros behaviorism os, en q u an to no cam po da filosofia da ciência. A ssim com o não reflete as p referências de a lguns te ra ­peutas com portam enta is. Para identificar essas d iscrepâncias, Carvalho (1976), ao referir-se à d ico tom ia observável/não- observável, a lerta para a idéia básica em jogo, que im plicaria opor com portam ento , com o foco de in teresse e objeto central da Psicologia, a fenôm enos m en ta is ou psíquicos que alm ejem a m esm a condição. A lerta que a qu estão não rep resen ta d iscre­pâncias certam en te ex isten tes en tre u m a posição behav io rista e outras não-behavioristas. A ssegura:

Há aqui a lgum as su tilezas a considerar. D en tro do p róp rio Be­

haviorism o, o s ta tu s do co m p o rtam en to com o ob je to da Psicologia

não é invariável. Lacey (1973) classifica o B ehaviorism o em trê s t i ­pos: segundo o B ehaviorism o filosófico, não há dois tipos de fenô­

m enos, o m en ta l e o co m portam en ta l, onde o conhec im en to do

co m p o rtam en to forneça evidência para o m en tal, m as so m en te um tipo: os fenôm enos m en ta is são redu tíve is ao co m portam en to . Se­ria essa a posição de S k inner em Ciência e Comportamento Humano. O seg u n d o tipo , o B ehaviorism o metodológico, co n sis te n u m a te se sobre a m e todo log ia c ien tífica c o rre ta (o p o n to de p a rtid a ad e ­

q uado p ara a ciência psico lóg ica é a observação do c o m p o rta m e n ­to) e não p ressu p õ e nada sobre a ex is tência e a n a tu reza dos fenô­

m enos m entais : aceita a vida m en ta l com o pa rte de teo rias, m as não com o dado básico da Psicologia. N o terceiro tipo, o Behavio- rism o radical, rep resen tad o nos traba lhos m ais recen tes de S k in­ner, a q u estão da ex istência e n a tu reza da m en te não tem n en h u m in te resse para a Psicologia científica; o ob je to de pesqu isa e o co ­

n h ec im en to observável e a esco lha d esse ob je to se justifica com

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base na tese de que ela possib ilita u m a explicação com pleta do co m p o rtam en to , (p. 10)

Esclareça-se, po r fundam ental (para que não haja dub ie ­dade na in terp re tação do trecho acim a), que nas considerações e análise da lite ra tu ra behaviorista , assim com o nos escritos de Skinner, o behaviorism o radical está, sim , in teressado na mente, m as se ela estiver sendo en tend ida com o o con jun to dos even­tos privados, e não com o constructo ou apara to de o u tro estofo físico que o re s tan te da realidade.

R esolvidas, em tese, as d issensões in te rnas ao behavio­rism o acerca da consideração ou não dos eventos m enta is com o objetos de análise, é in te ressan te voltar, com Carvalho (1976), às raízes h istó rico-cu ltu ra is da divergência en tre o behavio­rism o radical, de um lado, e as do u trin as m en ta listas, de outro . Sua análise facilita a com preensão das razões (reitere-se, não teóricas, m as cu ltu rais) que levaram os psicólogos norte-am e- ricanos a* assu m ir p referencialm en te um a visão objetivista q u an to à qu estão do dualism o-m onism o. A au to ra supõe que as trad ições cu ltu ra is e ideológicas das sociedades que produzem pensadores têm função de te rm inadora no m odo com que estes ado tam teo ricam en te suas posições.

A dm ite C arvalho (1976) que as trad ições ideológicas e cul­tu ra is européias, com a valorização social do trabalho intelec­tual por oposição ao trabalho aplicado, im plicaram a valorização do conhecim en to puro e a colocação do m esm o com o objetivo tip icam ente hum an o e po r isso superior, ao m esm o tem po que favorável a um elitism o social que “o adven to das dem ocracias m odernas não conseguiu e lim inar”.

De o u tro lado, adm ite que essa trad ição filosófica europeia nunca perm itiria o abandono de concepções clássicas sobre o m undo , o hom em e o conhecim ento , m as m an teria acesas essas concepções, a inda que su jeitas a even tuais m odificações super­ficiais. E m bora haja tex tos acerca da h is tó ria norte-am ericana

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d iscordantes quanto à camada social/intelectual que mais influen­ciou o esp írito da en tão colônia, a au to ra referida, na sua análise, argum enta que a nova cu ltu ra ocidental inaugurada na A m érica se caracterizaria pela ausência dos p ressu p o sto s e preconceitos antes m encionados. Afirma:

Q uem criou a cu ltu ra am ericana não foi a e lite in te lec tua l e u ­

ropéia, m as, ao con trário , rep re sen tan te s de um a cam ada social

bem pouco favorecida pelos valores sociais de suas cu ltu ras de o ri­

gem - ou m esm o d issid en tes d esses - e talvez p o r isso m esm o

p ron to s a abandoná-los e a co n s tru ir novos valores, in sp irados

pelo novo m odo de vida que ado ta ram e pelo sucesso m ateria l e prático que ele lhes trouxe. Q u an d o a cu ltu ra européia , sob a for­

m a de rep resen tan tes do trab a lh o in te lec tual e científico, foi im ­

portada para a A m érica, já en co n tro u um a e s tru tu ra ideológica que d ispensava a im portação de ideologia; seu desenvo lv im en to na

A m érica, ao con trário , foi m arcado p o r essa e s tru tu ra , (p .9)

Essa análise, se considerada correta , ajuda a esclarecer um a das críticas m ais com um ao behaviorism o radical. É a cham ada "crítica da o rigem ”. Segundo ela, a trad ição objetiv ista do b eh a ­viorism o radical excluiria de sua análise os sen tim en tos, sen sa­ções, em oções, percepções etc. s im p lesm en te po rque essa é um a escola su rg ida num berço cap ita lis ta e afeiçoada, desde o início da colonização am ericana, às benesses do m undo m a te ­rial que proporcionariam descu ido para com o espírito . V isto de ou tro m odo, a crítica sugere que o behaviorism o só poderia acontecer po liticam ente d en tro do con tex to cap ita lista n o r­te-am ericano: a herança cu ltural ob jetiv ista norte-am ericana estaria, p o rtan to - ao dem arcar-se pela característica de con­quista do N ovo M undo, do p ragm atism o dos resu ltados neces­sários im ed ia tam en te à sobrevivência da nova sociedade e do u tilitarism o d isso decorren te - , ce rtam en te im plicando, para o escopo da Psicologia, forte rejeição a técnicas e m étodos que d iscordassem desses p ressupostos. O behaviorism o, nesse sen ­

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tido, te ria sido u m resu ltado natural da cu ltu ra norte-am ericana tendo o Zeitgeist para o seu su rg im en to acontecido por volta do com eço do século XX. Daí o m anifesto w atson iano de 1913.

O dualism o, nesse con tex to cu ltural, não perm aneceria, sem dúvida, com chances de sobrevivência. A rejeição confir­m ou-se com o behaviorism o, sendo que seus analistas d iscu ti­ram em diversas o p o rtun idades a m esm a questão , denom inan ­do-a po r d iferen tes dicotom ias, tais com o em Ribes (1982): objetiv idade-subjetiv idade; in terno-ex terno ; privado-público; im plíc ito -m anifesto . H á discussões especialm en te sem ânticas a acom panhar a aceitação ou não dessas dicotom ias, m as Skinner refere-se, m orm en te , ao conceito de eventos privados.

O s eventos in te rn o s perm item seu conhecim ento aproxi­mado pelo refinam en to das técnicas de introspecção, na verdade m etodo log icam ente convertidas em rela tos verbais. Skinner a rg u m en ta que o conhecim ento do estofo ou dos m ecanism os pelos q u a is os eventos privados se dão é tarefa das ciências do cérebro e não reduz a im portância de um a análise funcional do com portam ento .

Para A lcaraz (1978), os avanços tecnológicos parecem p er­m itir cada vez m ais um conhecim ento acurado da privacidade, p o rque as inferências acerca dos p rocessos encobertos to r­nar-se-iam cada vez m ais passíveis de com provação. Para esse au to r, no fu tu ro , a incursão ao m undo privado se am pliará na m edida em q u e se descubram novas técnicas de registro da observação, o que não significará invadir a privacidade, mas um a ab ertu ra de novas vias de com unicação en tre os seres hum anos.

Inúm eros autores já lidaram com a questão (inter-relacionada) do es tu d o da consciência, da in trospecção e dos estados in te r­nos no behaviorism o. Z uriff (1986), p o r exem plo, em sua im ­p o rtan te ten ta tiv a de reconstrução conceituai do behaviorism o, encon tra dificuldades no que designa u m a rejeição à in trospec­ção, sob o a rgum en to de que esses dados, em geral, podem nao

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alcançar a objetiv idade necessária à ciência. U m a segunda ob je­ção é a de que a própria consciência não é abso lu tam en te ob je ti­va m as Z uriff ad ian ta que talvez resida aí o p rob lem a de desco­brir-se, prim eiro , a que tipo de conceito de consciência se está referindo: pergun ta se ela pode ser definida objetivam ente ou se o term o está na tu ra lm en te fadado a discussões m etafísicas. A terceira objeção diz respeito ao fato de que os dados da in trospec­ção só seriam atestáveis por um a única pessoa e, nesse sentido, equaliza-se o conceito de subjetivo a privado e de objetivo a público.

N este pon to , abrir p arên teses para re to m ar a qu estão do dualism o é im prescindível. T em causado polêm ica o a trib u ir ou não a S kinner um a concepção teórica dualista , em função das contraposições relativas a e stes term os: objetivo, subjetivo, pri­vado, público, físico e mental. Q uando d iscu te o au toconheci- m ento na Psicologia com portam enta l, T o u rin h o (1995) p o n ­dera que a concessão ao evento privado de um cará ter de inaces­sibilidade à observação (d ireta) cria em baraços ao m odelo skin- neriano. N esse sen tido , “d is tin g u ir os eventos en tre públicos e privados pode significar a perm anência de um certo traço d u a ­lista na abordagem sk inneriana, a despeito do esforço para que este tipo de p rob lem a seja superado" (p .33). Para T ourinho , o problem a da acessibilidade (d ireta ou ind ireta) aos eventos p r i­vados rem ete a um cará ter dualista , a inda que Skinner (1984) insista sem pre em falar apenas de eventos físicos:

E verdade que falar de um m u n d o público e de um m u n d o p ri­vado "leva a um a in te rp re tação d u a lis ta ”, m as o dua lism o é s im ­p lesm en te aquele en tre o público e o privado, não en tre o físico e o m ental; e a d is tinção de público e p rivado é um a d is tinção de fron­teiras, não de n atu reza , (p .658)

Para Skinner, em bora haja reconhecim ento do sério p ro ­blem a do acesso aos eventos privados (no qual as pesqu isas pouco progred iram até o p resen te ), a expressão dualismo se refere apenas à su p o sta d ico tom ia físico-m ental (um dualism o

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de substânc ia ),em que tal díade se referiria à ex istência de dois estofos, duas e s tru tu ras , duas d im ensões. N a verdade, en ten ­da-se q u e a recusa sk inneriana ao dua lism o susten ta -se na con- ceituação orig inal da expressão, que se refere à existência de dois estofos (dualism o de substância): com isso não concorda Skinner, que acred ita apenas em um a única d im ensão: física.

É por tal razão que S kinner sem pre in siste em d izer que não se pode equalizar inexoravelm ente objetivo e físico, ou mental e subjetivo, ou público e objetivo, ou privado e subjetivo. N a verdade, en ten d e que to d a in stância de ação é física, independen tem en te de ser pública ou privada e que esta ú ltim a d ico tom ia (públi- co-privado) pode corresponder, no m áxim o, a um dualism o de fron teiras. C on tudo , em bora todo o seu esforço (na obra in ter- p re ta tiva Verbal behavior, po r exem plo), não chega a explicitar, em sua vasta produção, os m ecanism os de acesso objetivo ao privado, com o arg u m en ta T ourinho (1995, p .48-9):

Por ú ltim o , in d ep en d en tem en te da con trad ição m arcada pelas

duas posições acim a citadas, res ta um p rob lem a não resolvido por S k inner ao tra ta r da privacidade. T ra ta -se do traço dualista que

perm anece com a d is tinção dos even tos en tre públicos e privados, sendo o p rivado concebido e n q u an to um even to inacessível à ob ­

servação púb lica d ire ta . E ste p rob lem a refle te-se na form ulação dos even tos privados e n q u an to even tos físicos, sem q u a lquer indi­

cação de com o verificar a su p o sta n a tu reza física. Ele fica evidente q u ando se indaga a respe ito de ind icadores da topografia de um

co m p o rtam en to privado e não se en co n tra re sp o sta nas p roposi­

ções de Skinner.

Já para R achlin (1984), a ex tensão na qual será possível ou não adm itir a análise de eventos privados por um a ciência behavio- rista relaciona-se com a idéia de con tex to (o am bien te am pliado n a sua m aior ex tensão , o que é v isto po r a lguns com o tau to ló ­gico, na m ed ida em que a idéia de am bien te já im plicaria a sua d im ensão com pleta). A ssim , para esse au to r, se os te rm os refe­

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rentes ao m ental se repo rtam ao con tex to am biental aberto (em relação ao com portam en to im ed iato ), é possível estudá-lo num a ciência com portam enta l. N a m edida em que os term os m entais se referirem a con tex to in te rn o ou encoberto , eles não têm lugar nu m a ciência do com portam en to , o que configuraria certo resquício do behaviorism o m etodológico .

A nalistas p ru d en tes do cam po dos eventos privados exem ­plificados no Verbal behavior (cf. D ’01iveira, 1984) assim ava­liam as classificações e os principais conceitos aí ap resen tados

(mando e tacto, po r exem plo):

Uma análise mais específica e esmiuçada das classificações de Skinner, em contextos empíricos, permitiu, em última análise, o levantamento de "críticas” ao próprio sistema de classificação e à descoberta de termos mais precisos para descrever fenômenos mais complexos - como aquele proposto por Michael, em 1982 - o da operação estabelecedora. E parece-me que é nesta direção que deveríamos seguir, enquanto analistas do comportamento, inte­ressados na área do comportamento verbal: realizar, num primeiro momento, "críticas de dentro”, analisando e testando, empirica­mente, o grande número de conceitos e análises que já temos dis­ponível com o livro "O Comportamento Verbal”, ao invés de ado­tarmos, sem suficientes testagens e confrontos empíricos, novas maneiras de se analisar e novos referenciais de observação, (p.34)

Para a lguns críticos exasperados, não apenas q u an to ao com portam ento verbal o behaviorism o radical tenta, de m aneira infrutífera, inclu ir a m en te no escopo do seu objeto de estudo . Todavia, "a ciência com portam en ta l te n ta provar que as pessoas nao são livres, d ignas e m oralm en te responsáveis", e essa a ti­tude resu ltaria , em grande parte , "da p o stu ra an tim en ta lis ta de Skinner, que secciona parte vital do ser h u m an o ” (D ennett, 1978, p .54 do seu pican te Skinner skinned). O an tim en ta lism o skinneriano é s in te tizado po r Keat (1972) em cinco pon to s fu n ­dam entais. S k inner re je itaria o m en ta lism o porque: 1. ele d im i­

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nui o poder explicativo; 2. envolve o em prego de teorias; 3. tende a invocar o homem interior ou agentes in ternos, vendo o homem com o agente autônom o; 4. afasta a atenção do estudo do com ­portam ento ; 5. envolve a ontologia dualista do mental e do físico.

R eiterando , s in te ticam en te , o que já se d iscu tiu sobre o tem a: 1. a q u es tão do poder explicativo refere-se fundam enta l­m en te ao cará te r inferencial que acabaria vinculando-se à idéia da m ente; 2. as teorias a que se refere Keat devem ser aqui com ­preend idas em conform idade com o artigo de S kinner (1950) e analisadas em C arrara (1994); 3. o prob lem a de se apelar para a m etáfora do homúnculo in te rio r faz recair na falácia da causação re troa tivam en te infinita, ou seja: se o homem interior determ ina as ações ex ternas, o que d e te rm in a as ações de tal homúnculo?; 4. o com portam en to , com essa perspectiva m en ta lista , deixaria de enfocar as classes de respostas identificáveis, para cen trar-se em con stru c to s inobserváveis; 5. passa-se, fo rçosam ente, a ad m itir um dualism o cartesiano sim ples, com a existência real do m ental e d o físico en q u an to estofos d iferen tes, com perm is­são visível para um possível re to rno ao parale lism o psicofísico.

In terp re tação em te rm os de o rganocen trism o e d im ensões p ré-com portam en ta is v isualiza-se na proposição de M oore (1981), que assegura que para os behavioristas radicais o m enta- lism o pode ser considerado com o um a orientação particular para a explicação do com portam ento envolvendo os seguintes fatores im plícitos ou explícitos: 1. a bifurcação da experiência hum ana em d im ensões com portam entais e pré-com portam entais; 2. o uso de te rm o s psicológicos para se referir a en tidades organo- cêntricas de d im ensão pré-com portam ental; e 3. o uso de en ti­dades organocên tricas com o an teceden tes efetivam ente causais na explicação do com portam ento .

Para Hayes & B row nstein (1986, p. 181):

Sem dúvida, m u ita s das objeções à A nálise do C o m p o rtam en ­to referem -se a even tos privados e su a investigação. A alternativa

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predominante à análise comportamental é o mentalismo. Obje- ções ao mentalismo podem ser localizadas em duas categorias bá­sicas: objeções metafísicas e objeçoes metateóricas. As metafísicas são dirigidas ao conceito literal de dualismo ... as metateóricas di­zem respeito à incompletude do mentalismo para a mensuração no sentido de atingir os objetivos da predição e do controle.

Para Bertalanffy (1964), a qu estão fundam enta l não é a de seccionar ou não o ser hum an o em partes com o a mental e a física, nem a de te n ta r re sp o n d er de u m a vez p o r todas se a P si­cologia deve ad o ta r u m a posição d u a lis ta ou m o n ista , e sim que não se com pare o estu d o do co m p o rtam en to anim al com a Psicologia:

O campo da cultura, os símbolos, os valores... são tanto físicos quanto mentais, embora possuam suas leis autônomas... novos de­senvolvimentos em ambos os campos são esperados na esfera es­pecífica do comportamento humano, (p. 44)

A in tenção favorável, porém , som ada às d ificuldades que o behaviorism o radical ainda possu i em lidar com eventos priva­dos, gerou d iscussões acerca da influência da ep ifenom enologia na concepção filosófica da A nálise do C om portam en to . O epife- nom enalism o (Locke, 1966, p .203)

é a doutrina segundo a qual os conteúdos mentais, por exemplo idéias, opiniões, emoções e similares, são incidentalmente sub­produtos de processos físicos ou fisiológicos e eles não possuem eficácia causal sobre o comportamento ou outras idéias (sic) que o indivíduo possua.

Por certo , a concepção do ep ifenom enalism o não é a que Skinner m an tém , em bora tam bém não adm ita a efetiv idade causal dos eventos privados sobre os co m portam en tos abertos, enquan to configurem algum a espécie de teleologia. A verdade p roem inen te no rastream en to retrospectivo da análise crítica

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acerca do tóp ico do m en ta lism o é a de q u e a área tem estado confusa e re ssen te -se de incu rsões m ais sérias de pesqu isa para q u e se d esb as te o cam inho. E o q u e ap o n ta S chnaitte r (1978, p. 172):

A am pla ob ra de S k inner sobre os even tos privados consti­

tu i-se n u m á rb itro equivocado n esse p o n to . Sua d iscussão dos even tos p rivados é difícil de en ten d e r, m esm o após ex tenso es tu ­

do. M uitas das d ificu ldades d izem resp e ito à con junção de dois

p ressu p o sto s que parecem ap o n ta r em d ireções d iferen tes. Isto é, "o behav io rism o ra d ic a l ... não pode re legar a possib ilidade de au-

to -observação ou de au to co n h ec im en to ou suas possíveis u tiliza­ções ... Ele re s tau ra a in trospecção" (Skinner, 1974, p .16). M as, de

o u tro lado, "isso não s ig n ific a ... que o que é sen tid o ou in trospec-

tivam en te observado sejam as causas do co m p o rtam en to " . Skin­

n e r nos fala q u e os even tos privados são cognoscíveis e que tal co­

n h ec im en to pode se r usado pelo conhecedor. C om a ressalva de

que o q u é é conhecido não são causas...

Se se ap o n ta (com o em S chnaitter), p o r um lado, certa inconsistência na assertiva sk inneriana, p o r o u tro , às vezes se co n sta ta com esta algum a su rp resa com a crítica. Em "Ten inner causes", Z u riff lista aspectos fundam enta is em que Skinner a ten ta ria à im portância das causas in te rn as (em bora o próprio S kinner não os adm ita com o causas). Z u riff revela que, revendo essas dez classes de causas in ternas, to rn a-se claro que o beha­v iorism o radical não pode ser criticado po r negligenciar causas in te rnas do com portam en to . P ergun ta p o r que, então, Skinner tem sido freq ü en tem en te criticado pela sua objeção a essas cau­sas in ternas. Providencia a resposta ind icando que Skinner ob jeta a certas espécies de teorias que postu lam causas internas, o que é incom patível com o sen tido apon tado por Keat (1972), referido an te rio rm en te .

Enfim , as proposições são inúm eras acerca do assun to . Nat- sou las (1978a, 1978b) sugere um m odelo de consciência (no

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Behaviorismo radical

sentido da acepção 4 do Oxford English Dictionary) à luz do m odelo sk inneriano . Esse au to r (1978a) escreve que, segundo tal dicionário, a p rim eira vez que o te rm o consciência aparece im presso rem o n ta a 1681. Seu sim ilar, consciente ou cônscio apa­receu antes, em 1601, para referir-se a coisas inan im adas ou referentes de ações hum anas privadas. A nuncia que, depois de quase q ua trocen tos anos, um a variedade de significados m u ito grande aparece en tre os psicólogos. De fato, se te en tradas estão listadas no Oxford English Dictionary de 1933, com m ais um a entrada su p lem en ta r na edição de 1972. C ontudo, N atsoulas reporta-se à análise da quarta entrada, que inform a que a cons­ciência vincula-se a um “estado ou faculdade de to rnar-se cons­ciente, com o condição ou evento concom itan te ao pensam en to , sen tim en to e volição”, ou seja, esta rá ocupado com a q u estão dos eventos privados na perspectiva sk inneriana, q u estão essa que finalm ente m obiliza, hoje, vários g rupos de pesquisa.

A lston (1974) preocupa-se em arg u m en ta r con tra a possib i­lidade de que o behaviorism o e a Psicologia, de m odo geral, p o s­sam sobreviver sem o uso de dados privados; S taddon (1983), ao d iscu tir a noção de causa e suas aplicações ao behaviorism o, suspeita que "supersim plificações do behaviorism o, com o m ovim ento h isto ricam en te derivado das polêm icas posições de J- B. W atson , têm provocado reações em diversos seto res quanto à form a de re tra ta r a vida m en ta l” (p.48); Kheen (1964) procura dar um a interpretação funcional à análise da consciência e seus papéis no behaviorism o; Creel (1980) acen tua o cará ter em inen tem en te físico dos eventos privados, reafirm ando o m aterialism o m on ista de Skinner; A llen (1980) te n ta fazer algum a aproxim ação do operacionism o de Bridgman ao behavio- rismo radical, analisando a obra de am bos os au to res no tocan te a experiência privada; M oore (1980) re tom a a d istinção en tre o behaviorism o radical e ou tras versões do behaviorism o, especial­m ente a verten te m etodológica, ten d o em vista d iscern ir am bos os edifícios teóricos q u an to ao prob lem a dos eventos privados e

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questões sim ilares; F odor (1981), n u m artigo para a Scientifíc American, ilu strado com charges inusitadas, supõe (em frontal d iscrepância com o que efetivam ente S kinner defende) que o behaviorism o radical "é a filosofia da m en te que nega a ex istên­cia da p róp ria m en te e dos estados, p ropriedades e operações m entais. O behaviorista radical acredita que o com portam ento não tem causas m entais. Ele considera o com portam ento do organism o com o respondendo a estím ulos. O papel da Psicologia é catalogar [grifo nosso] as relações en tre estím ulos e respostas” (p.125); N atsoulas (1983) re tom a o assun to dos estados in ter­nos para concordar com Skinner em que “talvez o problem a mais difícil jam ais enfrentado pelo behaviorism o seja com o tra tar o conteúdo da consciência”; B urton (1984), Killeen (1984), Moore(1984), S chnaitter (1984) e N atsoulas (1985, 1986) retom am sob diversos ângulos a questão do conceito e do conteúdo da consciência nesse paradigm a teórico, deno tando um a preocupa­ção com o que talvez seja o m ais controvertido - e talvez mais nebuloso - assun to a gerar controvérsias na literatura, até por­que o fato de consolidar-se com o questão sobre a qual se tem m enos dados observáveis abre espaço para am pla especulação.

Essa am o stra rep resen ta exem plo de que esse assun to , por si só, pode co n stitu ir-se em tem a para dezenas de trabalhos, com variações específicas. Todavia, o tra tam en to aqui proposto, por p re ten d er-se abso lu tam en te geral e incip ien te quan to à densidade da crítica e q u an to a um sim ples perfil dessa m esm a crítica, restringe-se à análise de um a parcela de argum entos que se supõe fundam ental. N essa direção, resum e-se ap ropriada­m en te a qu estão a p a rtir do que ap resen tou Abib (1985). A sse­gura, a respeito da questão da eventual existência de um apare­lho psíquico, ou seja, um a m en te responsável pela in term ediação do com portam en to , que:

A m etáfo ra do apare lho psíqu ico não indica d im ensões físicas que possam su g erir m étodos de observação d ire ta do aparelho, en ­

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Behaviorismo radical

tão não é possível desenvolver um a ciência em pírica da m en te e, con seq ü en tem en te , um a segunda ciência qu e relacionasse o s fatos e conceitos co m p o rtam en ta is a um a ciência em pírica da m en te . N esse sen tido , pode-se afirm ar que explicar o co m p o rtam en to através da m etáfo ra do apare lho psíqu ico é com prom eter-se com m ais redundância de in form ações do q u e explicá-lo po r m eio da m etáfora da tran sm issão sináp tica . A m etáfo ra do apare lho p s íq u i­co é, pois, rigo rosam en te p a ra lisan te para o conhec im en to do com portam en to , u m a vez q u e se o apare lho psíqu ico não é p a ss í­vel de observação d ire ta , em princípio, en tão o conhec im en to q u e se pode te r dele é apenas e sempre inferencial.

Por outro lado, é nesse aspecto paralisante da metáfora do aparelho psíquico que Skinner vê um dos grandes méritos de Freud, pois, desse modo "o próprio Freud apontou que nem toda a vida mental era acessível à observação direta, que muitos eventos men­tais no aparelho psíquico eram necessariamente inferidos” (Skin­ner, 1976, p.80). Em vista disso, Freud representava cada desco­berta que realizava através de uma relação causal constituída por três eventos. Um sintoma comportamental era produzido por ação do aparelho psíquico que por sua vez era afetado por alguma con­dição ambiental, que freqüentemente ocorria na vida anterior do indivíduo... (p.71)

Com relação à p rob lem ática da in tencionalidade, A bib(1985) faz alicerçada análise. Inform a que o co m portam en to hum ano ap aren ta e s ta r do tado de in tencionalidade, no sen tid o de parecer dirig ido para o fu turo , "carregado de crenças e expec­tativas q u an to ao que pode acontecer em um tem po que não é o de hoje, m as o de am an h ã” . C om isso, os eventos que poderão, talvez, ocorrer no fu tu ro acabariam determ inando , sob a form a de representação, o co m portam en to subseqüen te , ou seja, aca­ba parecendo que o que vai acontecer é causa do que ocorre no presente. A princípio, um con tra-senso . M as esclarece a q u e s­tão com os argum en tos que se seguem :

Seria ingenuidade achar que estas são afirmações facilmente descartáveis visto que introduzem a idéia de causas finais, que a

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Física e a Biologia, por exemplo, já descartaram há certo tempo. Certamente, a ciência não pode explicar o ocorrido pelo não ocor­rido, pois o que ainda não aconteceu não pode explicar o que agora acontece. Entretanto, quando se pensa ou se imagina um aconteci­mento futuro, introduz-se, através da subjetividade, uma repre­sentação do futuro que é anterior à ocorrência da própria ação. A representação fornece o elo que permite inverter a ordem tempo­ral dos fenômenos, posicionando-os numa seqüência apropriada ao trato científico. Ou seja, se a representação do evento futuro é algo que acontece antes da própria ação, torna presente o evento futuro antes da própria ação; então ele é causa antecedente da ação. (p. 74)

Esclarece A bib que, even tualm ente , em bora não estejam sem pre p resen tes fisicam ente, ob jetos e coisas podem esta r p re ­sen tes no cam po sensorial do indivíduo. N esse sentido , o “tea ­tro in te rn o da sub jetiv idade” perm ite a rep resen tação de algu­m as d im ensões perceptíveis do objeto, de m odo que essa rep re­sen tação pode defin ir a experiência d ire ta e im ed ia tam ente conhecida pela pessoa, "en quan to o m u n d o das coisas e objetos será conhecido ind ire ta e m edia tam ente , através da rep resen ta ­ção” . Fica aí colocada, en tre o su jeito e o objeto, a subjetividade com o e lem en to m ediador que perm ite o conhecim ento inferen- cial do objeto.

A bib aprofunda o polêm ico assun to , assegurando que even­tos fu tu ros não se dão na experiência sensorial do sujeito , já que se co n sta ta um a lacuna tem poral en tre o que pode ocorrer no fu tu ro e o que acontece no presen te .

Mais uma vez, a representação de eventos futuros preenche essa lacuna, tornando-os imediatos e diretos na subjetividade. Portanto, os eventos e acontecimentos futuros, quando ocorre­rem, terão sido, na sua relação com o sujeito, mediatizados pela subjetividade. A representação corrige então a lógica defeituosa introduzida pelas causas finais na explicação do comportamento e, conseqüentemente, pode substituí-las nessa função.

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[Para Skinner] quando se diz que a classe de respostas operan­te tem sua probabilidade de ocorrência aumentada porque no pas­sado pelo menos um membro da classe produziu resultados favo­ráveis ou positivos para o organismo, reconhece-se um efeito do futuro no comportamento (um membro da classe produziu resul­tados favoráveis para o organismo) que é conceituado no passado (porque no passado pelo menos um membro da classe...) pois não existe um plano na natureza.

E n tre tan to , o fato de que não ex is te um p lano na n a tu reza não

significa que a evolução da espécie e o com p o rtam en to dos o rga­

nism os não se d irijam ao fu tu ro . Pelo con trário , pois "... ca rac te rís­

ticas selecionadas por even tos passados parecem delineadas para

te r um efeito no fu tu ro" (Skinner, 1978, p. 19). Essa o rien tação

para o fu tu ro im plica todo o sen tid o das conseqüências p roduz idas

pelo co m p o rtam en to operan te , pois, de fato, elas se s itu am após a

ocorrência do op e ran te e, po rtan to , são fu tu ras em relação a ele.

C om efeito, as conseqüências do co m portam en to , em bora não

funcionem com o causas finais [grifo nosso] do co m portam en to ,

são, po r o u tro lado, even to s que revelam a o rien tação que ele

tom a, pois “po r sua p róp ria n a tu reza ele se d irige para o fu turo :

um a pessoa age a fim de que algo aconteça, a finalidade aqu i sign ifi­

cando o rdem tem pora l de ev en to s” (Skinner, 1974, p .55). U m o r­

ganism o d ian te de u m a situação p resen te o rien ta -se para o fu tu ro ,

isto é, busca ou procura u m a conseqüênc ia p o rque em algum m o ­

m en to no passado , d ian te de u m a situação sim ilar a esta , foi bem -

sucedido, isto é, p roduz iu a conseqüênc ia que agora “p rocura". N a

situação p resen te ele se en co n tra pe ran te estím u los d isc rim in a ti­

vos, sob os efeitos de algum a condição m otivacional e com um a

h is tó ria passada em relação a essa situação , que são e fe tivam en te

os verdadeiros d e te rm in an tes de seu co m p o rtam en to de b uscar ou

p rocurar um a conseqüência , is to é, de o rien ta r-se p ara o fu tu ro .

P ortan to , com o se vê, não ex is te incom patib ilidade algum a en tre

d izer que o com p o rtam en to o p e ran te e s tá o rien tad o para o fu tu ro

e s im u ltan eam en te su s te n ta r que não é o even to fu tu ro q u e o d e ­

term ina , m as sim os eventos an teced en tes associados com as con ­

seqüências de reforço e a h is tó ria passada do o rganism o, (p .75-6)

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C om esses argum entos, esclarece-se a crítica relativa à in tencionalidade. Parece claro que o co m p o rtam en to é, efetiva­m ente , causado com o qualquer o u tro even to na natureza. Ou seja, algum even to que ocorre tem p o ra lm en te antes dele o d e te r­m ina, o que confirm a a tipologia lógica se, en tão. O que, por o u tro lado, leva m u ito s a acred itarem na determ inação teleoló- gica, ou seja, um a orientação direcionada para o fu turo m ediante um a perspectiva in te rna corresponderia à aparência da busca de objetivos. O responder, no p resen te , de m odo sim ilar ao res­ponder do passado e não em função de um a busca de eventuais conseqüências fu turas, é m u ito claro. Bato à po rta an tes de en ­tra r (ainda que seja um a po rta verde, e não envernizada, ainda q ue d iscrim ine que não será a m esm a pessoa que está no apo­sen to para o qual dá tal porta); no exem plo, suponham os que o b a te r à p o rta ten h a sido funcionalm ente seguido da (positiva) conseqüência de au torização para en trar. N ão é difícil v islum ­b rar que, d ian te de um a situação nova, absolu tam ente desconhe­cida, não sèria possível "agir em função da in tenção”, de vez que não se poderia im aginar, em tese, o que esperar com o conse­qüência de q u a lquer co m portam en to n essa situação desconhe­cida. N a prática, não é assim que as coisas ocorrem , até porque não há o “abso lu tam en te desconhecido": em term os extrem os, há um co n tínuo de sim ilaridade en tre cada p arte do contexto com portam en ta l, o que leva a o u tra d iscussão im portan te , que inclui form ação de conceitos, classe de estím u los, classe de res­postas, generalização, d iscrim inação, variabilidade e por aí afora. R etom ando, com A bib (1985) fica clara a influência das conseqüências sobre algum elem ento de um a classe de respostas que no presen te m om ento tem sua probabilidade de ocorrência aum entada. É nesse sen tido e nesse m om ento que a h istória pas­sada de inter-relação organism o-am biente provê inform ações para com preender com o o organism o está m otivado para a açao, isto é, de que m aneira o com portar-se p a ra ou tendo em vista ou visando a ou objetivan do ou querendo ou buscando algum a coisa, na

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verdade refere-se à repetição (aqui tam bém com variações, cer­tam ente, porque não se pode conceber dois com portam en tos, na prática, ab so lu tam en te iguais) de um co m p o rtam en to (sim i­lar) em razão das conseqüências passadas. Por certo , nos casos de com portam entos ainda não ex is ten tes no repertó rio - e sobre os quais não se viabiliza a rg u m en ta r em term os de repeti­ção, a inda que com a necessária variabilidade - a explicitação de sua ocorrência su sten ta -se no conceito de m odelagem .

A existência da m ente , p o rtan to , com o e s tru tu ra de ex is tên ­cia real, m as d iferen te da com posição física de q u a lquer o u tra parte do corpo, ou do próprio com portam en to , sendo rejeitada pelo behaviorism o radical, leva consigo, na m esm a rejeição, a idéia do p ropósito en q u an to causa. N ão se deve com preender, todavia, que Skinner rejeite o que é cham ado de vida m ental. Ao contrário, d ivergindo do behaviorism o m etodológico , ele p riv i­legia e conclam a para o estu d o do que d enom ina eventos priva­dos, aos quais a tribu i na tu reza tal que confirm a seu m onism o fisicalista.

E n trem entes - e isso se to rn a fundam enta l na construção de um perfil da crítica e na visualização de um eventual realinha- m ento de tendências do behaviorism o radical não tem sido conseguida u m a atenção m ais am pla, em te rm os de pesquisa, ao projeto de S kinner sobre even tos privados. N esse sen tido , contrariando o que sem pre defende, ou seja, o envolv im ento da Análise do C o m p o rtam en to no específico cam po da vida men­tal, se houve p rog ressos, e s te s se deram no cam po da lite ra tu ra conjectural, q u e se fixa no cam po ab so lu tam en te teó rico , tal com o no exem plário u tilizad o nas referências d es te traba lho . Espera-se, assim , um a defin ição p rog ram ática do behavio- n sm o radical e da A nálise do C o m p o rtam en to na d ireção da realização efetiva de p esq u isas e na form ação de g rupos de estudo da q u es tão dos even tos privados, de re s to tem a e x tre ­m am ente re levan te e cen tra l nas d ivergências com o u tra s abordagens.

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Área 3 (Ético-social)

A prática do controle gera relação de manipulação unilateral: a questão dos valores e o behaviorismo radical como reacionário e antidemocrático

E m bora S kinner ten h a d ito inúm eras vezes que o controle, na realidade, es tá associado à idéia de de term inação do com por­tam en to , a lite ra tu ra crítica acerca desse tem a é in tensa e con­troversa. O s esclarecim entos de S kinner constitu íram -se em artigos em in en tem en te técnicos, de m odo que não foram sem ­pre bem absorvidos, especialm ente pela crítica leiga ou que, ao m enos, não tivesse boa fam iliaridade com o rol de pressupostos da abordagem . N as suas publicações para o grande público, S kinner efetivam ente não se esforçou para esclarecer o conceito de contro le . De certo m odo, usou freq ü en tem en te um a lingua­gem provocativa, o que au m en to u a in tensidade da crítica. Nas suas duas m ais con trovertidas obras (Walden Two - um a novela em que nem poderia (pela época) e à qual nem caberia ser escla­recedora a respeito - e Beyond freedom and dignity) Skinner sem ­pre acen tuou a restas nessa área conceituai.

Pergun tas prelim inares p recisam ser feitas an tes que se incursione pelo cam po do con tro le e suas conseqüências sobre as concepções acerca do behav io rism o radical com o reacioná­rio e an tidem ocrático . Q uem con tro la o que, com o, quando e por quê?

O prob lem a tem níveis de com plexidade reconhecíveis em Psicologia e n ecessariam en te sua análise foge aos estre ito s lim i­tes das conceituações de dicionários e enciclopédias. A am pli­tu d e de significados da palavra controle é hoje im ensa e diversifi­cada, p roduzindo , até po r isso, as confusões m ais notáveis en tre profissionais de variada form ação.

O sen tid o p rim eiro em que o te rm o é em pregado em qual­q u er ciência diz respeito à m etodologia e técnicas de pesquisa

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Behaviorismo radical

utilizadas v isando à ob tenção de conclusões válidas, precisas e fidedignas, isto é, quando o c ien tista , po r exem plo, p re ten d e concluir a respeito dos efeitos da variável A sobre a variável B, precisa exercer con tro le sobre o u tras even tuais variáveis que possam som ar (ou sub tra ir) seus efeitos aos da variável A. Esse controle de variáveis estranhas, no sen tido dado po r M cGuigan (1981), pode ser ob tido po r diversos p roced im entos m eto d o ló ­gicos ou esta tís ticos (aleatorização, balanceam ento , contraba- lanceam ento, random ização e o u tro s). Esses p roced im entos precisam ser em pregados, necessariam ente, na pesqu isa experi­m ental tradicional com grupos de su jeitos, visando au m en ta r significativam ente a probabilidade de acerto das conclusões. N esse sen tido , o controle tem um significado especial de que as eventuais variáveis estranhas, num experim ento , estão sob o domínio do pesqu isador, ou seja, ele conseguirá, ao chegar às conclusões ou in terp re tações dos resu ltados, quantificar e q u a ­lificar a influência de todas as variáveis em jogo na d e te rm in a ­ção do objeto de estu d o da pesquisa .

Em particu lar na m etodologia recom endada po r Skinner por in term édio da A nálise E xperim ental do C om portam ento , com o uso do delineam ento de su je ito único, o con tro le é exer­cido pelo p lanejam ento e program ação da pesqu isa e em p a rti­cular pelo estabelec im ento de um seguro grau de com parabili- dade en tre o que ocorre antes e o que ocorre depois de algum tipo de procedim ento adotado . Esse conhecim ento prévio das cond i­ções sob as quais as variáveis estão agindo (ou in terag indo , con­forme o caso) assegura ao pesqu isad o r o con tro le no sen tido m etodológico da ciência.

Um segundo u so fundam enta l do te rm o controle refere-se ao contexto das relações in terpessoais. N esse caso, o behavio- n sm o radical assegura que, in tenc iona lm en te ou não, conscien­tem ente ou não, d iscrim inando seus a tos ou não, as pessoas detêm contingências que determ inam , em m aior ou m enor 8rau, o co m portam en to de seus sem elhan tes. Esse tipo de con­

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tro le inclui e stím u los d iscrim inativos, refo rçam ento ou p u n i­ção, en tre o u tras possib ilidades, com binados de form as com ­plexas pelos esquem as de reforçam ento e que têm papel funda­m enta l n a m u ltid e te rm in ação das re lações in te rp esso a is . Essa é u m a fon te de confusão in term inável. C onform e C arrara (1992, p .111-2):

In te rp re tações incorre tas tam bém acon tecem n essa área da

concepção behav io rista , ou seja, m u ito s equalizam o sim ples enten­

dimento da m ú tu a determ inação com portam en to -com portam en to com o um a su p o sta (e absurda) recomendação para o exercício do con­

tro le pessoa l em d iversas in s tân c ias . U m a ex ten são do u so do te r ­

m o controle é aque le q u e envolve as agências co n tro lad o ras , no

sen tid o em que S k inner considerou (1953). T ais agências, que in ­

c luem governo, relig ião e to d a so rte de in s titu içõ es (educacionais,

econôm icas, filantrópicas, etc.), e s tão organ izadas sob a égide de

um a série de no rm as que possuem m aio r ou m en o r p oder de con­

tro le sob re o co m p o rtam en to hum ano .

E sse po’d e r varia de s im p les reco m en d açõ es ("o cigarro é p re ­

jud ic ia l à sa ú d e ”) a té d e te rm in açõ es legais m ais severas ("se­

q ü e s tro é crim e inafiançável”), de m o d o q u e o an ú n c io das con ­

tin g ên c ias q u e aco m p an h am os co m p o rtam en to s m o s tra que as

conseqüênc ias estão , em m aio r ou m en o r grau, sob controle in s ti­

tuc ional. T am bém n esse sen tido , m al-en tend idos d iversos têm

acontecido , com acusações de que o B ehaviorism o estaria , de for­

m a excepcionalm en te reacionária, a favor do exercício desse tipo

de con tro le , tal com o ele ex is te in stituc iona lizado hoje, na m edida em que rep resen ta r ia u m a concepção positiv ista do conhecim ento .

T odavia, no m ín im o trê s aspectos p recisam se r m ais bem analisa­

dos: p rim eiro , em que m ed ida o B ehaviorism o se co nstitu i num a

concepção p o sitiv is ta (leia-se Abib, 1985; Sm ith , 1987); segundo,

em caso afirm ativo, que positiv ism o é esse (veja-se d is tinções im ­

p o rtan te s no artigo de C upani, 1990); e te rce iro , o m oderno Beha­v io rism o m o stra ex a tam en te o con trário , ten tan d o desenvolver form as de co n traco n tro le ao p oder tal com o hoje in stituc ionaliza­

do (H olland, 1974, 1978a, 1978b; Skinner, 1953, 1971, 1989).

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A inda o u tro sen tido em que se usa com um en te a expressão controle envolve situações terapêu ticas e o u tras em que haja im plicações dos conceitos da A nálise do C om p o rtam en to sendo utilizados. N o em prego de técnicas de m odificação de com por­tam ento , po r exem plo, a responsab ilidade profissional depende de dois aspectos inseparáveis: p reparo técnico e form ação ética do analista. C onform e C arrara (1992, p .l 12):

L am entavelm ente, essa form ação é tico-técn ica n em sem p re é

a m elhor e a lguns abusos acabam sendo p ra ticados em n o m e da m odificação de co m portam en to . P or exem plo, não é incom um que

m odificadores ten h am com o p re ssu p o sto que o e stabe lec im en to

de m etas a serem ating idas pela m odificação seja de sua exclusiva com petência. P ior que, no estab e lec im en to dessas m etas, o p arâ ­

m etro de esco lha sejam seus valores pessoais de vida. Todavia, a boa

form ação em m odificação de co m p o rtam en to deve recom endar

exatam en te o con trário . E é aí que o sen tid o do te rm o controle p re ­cisa se r analisado . O u seja, m odificar o co m p o rtam en to ou e s tab e ­

lecer condições sob as quais o co m p o rtam en to se a ltere não s ign i­fica estabelecer condições na d ireção que o m odificador deseja,

gosta, prefere. N a verdade, esse con tro le despótico , às vezes não

d iscrim inado (ou não “conscien te") pelo m odificador, pode ser concre tam en te ev itado a través de u m a série de m ed idas. E, em b o ­

ra se este ja (aqui) u sando com o básica a s ituação clínica, ad ap ta ­ções podem ser feitas para a m odificação em situação educacional, de relações do traba lho e ou tras.

Vários críticos acabam en tendendo que Skinner e o behavio- nsm o radical recomendam con tro le, no sen tido de decisão e d e ­term inação do que deve acontecer com as pessoas, que ficariam a m ercê do profissional behaviorista da Psicologia com o se fos­sem marionetes (por vezes, é exa tam en te essa a m etáfo ra em p re ­gada). Segundo a percepção de m u ito s críticos, a arma do con­trole funcionaria com o um in s tru m e n to à d isposição do beha- v iorista (ou colocado por este nas m ãos de alguém que d e tém o poder), que teria im plícita na sua form ação um a su p o sta a u to ­

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nom ia para contro lar. O u tras análises críticas, m ais bem funda­das em dados e afirm ações da área, estão exem plificadas nas co letâneas de artigos feitas por Burgess & Bushell Jr. (1969) W heeler (1973) e Ishaq (1992).

A inda m ais com plexa, in fundada e corroborativa dessa im a­gem m aquiavélica (no sen tido m ais negativo da expressão) de profissional, é a idéia de que Skinner e os behavioristas radicais recom endam o con tro le aversivo. N ada m ais incorreto . Skinner (e inúm eros colaboradores) fizeram grande núm ero de estudos acerca de com o funcionam as contingências aversivas. O que é a b so lu tam en te necessário , u m a vez que as relações in te rp es­soais pun itivas ocorrem de form a natu ra l no cotidiano: apenas isso já justificaria a necessidade de te r seu funcionam ento e s tu ­dado e com preendido , se o objeto de estu d o da Psicologia p er­m anece sendo a na tu reza hum ana. M as daí a recomendar o uso do con tro le aversivo existe grande distância , que Skinner, aliás, nunca percorreu . Ao contrário , em seus vários artigos sem pre condenou tal uso. O s problem as com a q u estão do controle v isto do lado de d en tro do behaviorism o são ou tro s. O u seja, é necessário , com grande urgência, o desenvolv im ento e a coloca­ção, à disposição da população, dos benefícios sociais provenien­tes de u m a p ropalada (e irreal) sociedade igualitária, de um a tecnologia de contracontrole aos m ecanism os de opressão social. Um traba lho denso e fundam ental sobre a q uestão dos eventos aversivos, da punição, da coerção, que além de fazer um a aná­lise funcional de ta lhada do assu n to explicita com clareza com o a A nálise do C om portam en to de B. F. S kinner o concebe, foi publicado po r S idm an (1995).

R etom ando a ironia p o r vezes incôm oda de Skinner e sua convicção acerca dos efeitos das contingências sobre o com por­tam en to , observe-se o que afirm a (1971b, p .35):

a lu ta pela liberdade está p reocupada com estím u lo s in tenc iona l­m en te fo rnecidos p o r o u tro s indiv íduos. A lite ra tu ra da liberdade

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tem identificado esses ind iv íduos e tem sugerido m eios de fugir deles, ou de en fraquecer ou d e s tru ir seu poder. T em tido êx ito na redução dos e stím u lo s aversivos em pregados no con tro le in ten c io ­

nal m as errou ao defin ir a liberdade em te rm o s de estados de e sp í­

rito e sen tim en to s. Por isso, não tem sido capaz de lidar eficaz­m en te com técn icas de con tro le q u e não provoquem a fuga ou a re ­

volta, m as, no en tan to , p roduzem conseqüências aversivas. T em sido forçada a ro tu la r to d o con tro le com o errad o e a d e tu rp a r m u i­

tas das van tagens ex tra ídas de um am b ien te social. E stá d esp rep a ­rada para o passo segu in te , que não será o de lib erta r o ho m em do

contro le, m as sim analisar e m odificar os d iversos tipos de c o n tro ­

le a que se en co n tram subm etidos.

N a m esm a direção, críticas exacerbadas, com o as de Elm s (1981), con tra Walden Two, acabam considerando aquela obra como um a p roposta efetiva para toda a sociedade, quando , na verdade, na época em que foi escrita (a p a rtir de 1945) e p u b li­cada (1948), rep resen tava a idéia experim ental, reform ulável, de um a novela ficcional acerca de um a com unidade pequena, inacabada, com o a que hoje existe, d enom inada Los H orcones, onde, aliás, se pesqu isa e se p roduz conhecim ento derivado da própria vivência de realidade de u m a com unidade baseada nos princípios da análise com portam en ta l (e onde as m udanças de estilo sociocultural são constan tes , gerando in té rm in a re tro a li­m entação à p rópria organização experim ental-experiencial com unitária).

As análises têm todo tipo de alvo, m as sem pre são cen tra li­zadas pela idéia de contro le. Essa ênfase no contro le, especial­m ente vinculada à program ação de contingências e à prev isib ili­dade do com portam en to (m itos da descrição e da pred ição), acaba por fazer d e to n ar sobre o behaviorism o radical a pçcha de visao reacionária e an tidem ocrática . R eacionária na m ed ida em que serviria sem pre aos in te resses do poder dom inan te , a té p o r­que agiria sem pre na vertical (de "cim a para baixo”) e p o rque a idéia de con tro le se identificaria com a concepção de dom ín io

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in stituc iona l sobre a m aioria da população, com o a concepção que se revela na p rática do m u n d o capitalista . O u seja, onde capital e traba lho vivem um a d ico tom ia em que, evidente­m ente , o p rim eiro tem todo o p red o m in an te uso da tecnologia e da organização adm in istra tivo-burocrática em prejuízo do se­gundo. Para esse processo todo con trib u iria o behaviorism o, p o rq u an to forneceria técnicas e p roced im en tos para a m an u ten ­ção do po d er dom inan te . Do m esm o m odo, o cará ter an tidem o­crático do behaviorism o sobreviria na m edida em que suas téc­nicas, por suposto , não podem ser usadas em favor da m aioria populacional desfavorecida, estando apenas ao alcance das m ino­rias privilegiadas, deten to ras do poder político e econômico.

O percurso h istó rico da crítica à qu estão do con tro le e adja­cências é longo. A crítica q uestiona se a ciência pode servir a algum po d er político (Lasswell, 1970), refere-se a um suposto "jogo de ad es tram en to ” praticado na m odificação de com porta­m en to com es tu d an tes em sala de au la (W inne tt & W inkler, 1972) ou-defende a m odificação de co m portam en to dessa m es­m a acusação ( 0 ’Leary, 1972), en tre o u tras varian tes tem áticas. A crítica tam bém ora passa pela d iscussão do contro le com o idéia inalienável do de te rm in ism o científico (V orsteg, 1974), ora pela responsab ilidade m oral ou ju ríd ica (W alton, 1974), ora pelo levan tam en to da op in ião pública acerca do contro le com- p o rtam en ta l (U lrich, 1967).

A diversidade da lite ra tu ra é in ten sa e inalcançável sua com ­pleta cob ertu ra neste espaço, m as vale re to m ar o tem a do con­tro le a p a rtir de Ulrich, que assegura que o controle do com por­tam en to hum an o é um fato. P re tender que ele não ex ista é não cam inhar adiante: "... o desconhecim ento sobre os fatores causais do com portam ento intensifica o encam inham ento do hom em para um a situação em que será sim p lesm en te o objeto de controle p or o u trem ou po r c ircunstâncias am bien ta is casuais” (p.231).

E studar a q uestão do contro le, po r si, não leva à m ultip lica­ção, necessariam ente , de um con tro le m ais ou m enos despotico

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sobre as pessoas: o u tras variáveis estão em jogo. A h is tó ria da civilização está rep le ta de form as de con tro le (aversivo, nas guerras, por exem plo) que independeram do estu d o científico desse tem a. C on tudo , po r evidente, todo avanço no conheci­m ento do que seja con tro le pode levar (felizm ente) a um co rres­pondente increm ento no desenvolv im ento de conceitos e p ro ­cedim entos de contracon tro le. Esse equilíb rio (en tre con tro le e contracontrole) parece te r um cará ter até m esm o ecológico se se pensa na preservação filogenética (e m esm o on togenética) da

espécie hum ana.O uso do contro le, é claro, pela p róp ria organização p o líti­

co-econôm ica hoje prevalecente, fica m ais facilm ente acessível aos grupos d om inan tes. M as isso tam bém acontece com q u al­quer o u tra espécie de conhecim ento ou tecnologia. O u seja, tam bém estão m ais facilm ente à disposição dos grupos d o m i­nantes objetos, institu ições, decisões etc. O que resta à grande maioria da população - e é o que se parece procurar hoje, especial­m ente no Terceiro M undo - é apoderar-se, po r ações coletivas, dos m ecanism os de controle disponíveis e do conhecim ento científico produzido, para estabelecer form as de con tracon tro le e criar m ecanism os de defesa para a equalização de condições de sobrevivência social d igna para todos.

Com efeito, po r certo as im plicações do con tro le e sua com ­preensão in te ira são problem as que perdu rarão p o r b astan te tem po, com o já p erdu ra a noção de ciência u tilita ris ta versus ciência desin teressada , ou seja, se a ciência deve es ta r com pro ­m etida im ed ia tam en te com m udança social ou não (e é sim ilar ao problem a freq ü en tem en te d iscu tido de ciência básica versus ciência aplicada). Essa q u estão transfo rm a-se de um prob lem a científico em um prob lem a de po lítica das in stitu ições financia­doras de pesquisa , isto é, são esses in s titu to s e, em ú ltim a in s­tancia, o poder co n stitu ído (e g randem en te alienado d a partici- Paçao d ire ta dos p róprios c ien tistas, parcam ente rep resen tados nesses órgãos) que acabam decid indo que tipos de pesquisa

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financiarão. A inda que toda a isenção possível possa ser atribuída aos pareceristas de pro jetos, a p rópria organização institucional e as políticas públicas no se to r de ciência e tecnologia acabam se so b rep o n d o a q u es tõ es com o esta , da relação dom inador- d o m inado , varrida sob o tap e te com o in ú m ero s o u tro s prob le­m as re levan tes no se to r.

M as, in sis tin d o na questão do contro le, observem -se os considerandos de Lacey (1984, p.32-3):

O prob lem a que surge aqui é saber se há um quadro de refe­

rência d e n tro do qual as teo rias fo rm uladas no co n tex to das dife­

ren tes concepções de hom em possam se r d ire tam en te com paradas ou se são efe tivam en te incom ensuráveis. A q u estão é com plexa

dem ais p ara se r resolvida aqui. A responsab ilidade ainda recai so­b re a concepção sk inneriana do hom em . Sem ela, as teses e o p ro ­gram a de S k inner to rnam -se in in telig íveis, com o tam bém a afir­

m ação de que a p red ição e o con tro le do com p o rtam en to são c rité ­

rios ex te rn o s p ara avaliar teo rias psicológicas.

E sses a rg u m en to s levan tam um a série de q uestões difíceis,

com im plicações de longo alcance:

1) C om o pode o com prom isso com um a concepção de hom em se r rac io n a lm en te ju s tificado? É ele su je ito a um a ju stificação ra­cional, o u ap en as a u m a explicação psicológica, socio lógica ou

h is tó rica?

2) Será possível levar ad ian te a p esqu isa em Psicologia sem com prom issos com u m a concepção de hom em ? Em caso positivo,

seria isso desejável? N esta pergun ta , não estão em jogo os com ­p rom issos conscien tes de um pesqu isado r, m as o p rob lem a de se a in te lig ib ilidade do p rogram a do qual a p esqu isa faz parte deve em-

basar-se n u m a concepção de hom em .

3) Pode-se defender algo com o a d is tinção dos em p iristas logi- cos en tre o co n tex to da descoberta e o co n tex to da justificação? Poder-se-ia en tão su s te n ta r que a ex is tência de qu a lq u e r program a deriva de um a concepção de hom em ou é m otivada p o r ela, m as que se deve deixar para um a reso lução em pírica even tua l tu d o o que não rep re sen ta um envo lv im en to ten ta tiv o n u m program a? Se

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um a proposição com o essa pudesse ser su s ten tad a , parece que re ­quereria um a m etodo log ia que não re s trin g isse de an tem ão as op ­

ções em p iricam en te concebíveis. U m a ta l m etodo log ia poderia,

por exem plo, incen tivar o desenvo lv im en to de teo rias e p rogram as conflitan tes, nos casos em que o conflito não fosse su jeito , nos e s­

tágios p re lim inares de desenvo lv im en to , a q u a lq u er form a de re ­

solução d ire ta . Q uais seriam , d o p o n to de v is ta da leg itim idade das

aplicações, as conseqüências de tal posição?

A ten ta tiv a de fornecer u m a resp o sta a essas perg u n tas deve

ser deixada para o u tra o p o rtu n id ad e ... A lguns d irão , sem dúvida, que o p resen te artigo , ao invés de fornecer esc larec im en tos acerca

do papel m etodológico da p red ição e do con tro le do co m p o rta ­

m en to , apenas lançou m ais confusão sobre o a ssu n to . P refiro d izer que ele revelou dificu ldades de que não se tin h a consciência e

levan tou p e rg u n ta s q u e po d erão nos levar p ara m ais p e rto da v e r­dade. E ste é o cam in h o a través do qual p ro g rid em a C iência e a

Filosofia.

Lacey está se referindo, d u ran te toda sua argum entação nesse artigo, à com plexidade dos problem as da predição e do controle. O prim eiro , um a qu estão a que se pode responder p ro ­porcionalm ente ao desenvolv im ento tecnológico da A nálise do C om portam ento . O segundo, m ais de fundo que de superfície, um problem a ético e conceituai m ais que im portan te : vital para o behaviorism o m oderno . O contro le, na acepção que significa “influência sobre o u tre m ”, co nstitu i qu estão para a qual não se deveria p re ten d er solução, já que, nesse sen tido , é parte da n a tu ­reza hum ana. C om Sá (1983, p .141), que exercita um a análise sobre sim ilitudes en tre a q uestão do poder em Foucault e o con­trole em Skinner, tem -se que:

O in s is ten te em prego do te rm o controle po r S k inner proVém basicam ente do que ele considera um a cien tificam en te necessária h ipó tese de trabalho" , qual seja a co n je tu ra inicial de q u e o co m ­

po rtam en to (anim al ou hu m an o ) com o variável d ep en d en te o b ­servável é sem pre controlado p or variáveis in d ep en d en tes a tual ou

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p o ten c ia lm en te identificáveis. M unido d essa convicção, Skinner

chegou à d escoberta de que as p rincipais de ta is variáveis con tro la­doras são as assim cham adas "con tingências de reforço" (isto é as conseqüências de respostas operan tes que retroagem sobre o orga­

n ism o que as ten h a em itido , a lte rando a probabilidade de em issão

fu tu ra dessa classe de respostas po r esse o rganism o); contingências essas que podem se r n a tu ra lm en te providas pelo am b ien te físico

ou h is tó rico , cu ltu ra lm en te d ispostas po r am b ien tes sociais espe­cíficos... C aracterizando esses d ife ren tes níveis ou instâncias de con tro le in terpessoal, um a pessoa com porta-se de um a m aneira

que a lte ra o com p o rtam en to de o u tra p esso a p o r causa das conse­

qüências que o com p o rtam en to d essa seg u n d a tem p ara a p rim e i­ra (ou seja, refo rça-a); no co n tro le típ ico do grupo , duas ou m ais

p esso as, m an ip u lan d o variáveis que têm um efeito com um sobre o

co m p o rtam en to de um indivíduo, su b m etem -n o a um contro le m ais poderoso ; e, finalm ente, para su p rir as deficiências dos con­tro les pessoal e grupai, certas agências con tro lado ras m elho r orga­nizadas - com o o governo, religião, psico terap ia , econom ia e edu ­cação *- m an ipu lam variáveis específicas m ais com plexas, conse­

gu indo ass im o p erar com m aio r sucesso.

Esse conceito de con tro le do co m portam en to hum ano tem sido percebido pelos o p o nen tes de S kinner de form a freqüen te­m en te enviesada. H isto ricam ente , foi assu n to para Rogers (1956, 1958), por exem plo. N esse ú ltim o artigo, que se conven­cionou cham ar Debate Rogers-Skinner, e s te coloca:

É certo , o con tro le do co m p o rtam en to h u m an o nunca foi um

tem a popu lar. Q u a lq u er esforço no sen tid o do con tro le com um en- te faz su rg irem reações em ocionais. N ão hesitam os em adm itir, m esm o para nós p róprios, que estam o s em penhados no contro le e podem os recusar-nos a contro lar, m esm o q u an d o isso poderia ser ú til, p o r m edo de crítica. A queles que exp lic itam en te m ostraram in te resse no con tro le foram tra tad o s ru d em en te pela h istó ria . Ma- quiavel é o g rande p ro tó tip o . C om o d isse dele MacAulay, de seu n om e cu n h aram um ep íte to p ara um patife e de seu sobrenom e

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um sinônim o para o dem ônio". H ouve razões óbvias para isso. O contro le que Maquiavel analisou e recom endou, assim com o a m aior

parte do con tro le político , u tilizava técn icas aversivas à pessoa contro lada. As am eaças de pun ições do tirano , com o as do governo

operando no m esm o p lano, não têm com o fim - q u a lq u e r que seja

o seu re su ltado - serem apreciadas p o r aqueles que são co n tro la ­

dos. M esm o q u ando as p róp rias técn icas não são aversivas, o con ­

tro le é com u m en te exercido para os p ropósito s ego ístas do c o n tro ­

lador e, daí, tem efeitos in d ire tam en te pun itivos sob re os o u tro s. A inclinação n a tu ra l do h om em p ara se revo ltar co n tra o con tro le

egoísta tem sido exp lorada com b ons p ro p ó sito s naqu ilo q u e cha­m am os a filosofia e a li te ra tu ra da dem ocracia. A d o u tr in a dos d i­

re itos do h om em tem sido efetiva no sen tid o de d esp e rta r os in d i­víduos para a ação co n ju n ta co n tra a tiran ia governam en ta l e re li­

giosa. (R ogers & Skinner, 1958, p. 1060)

A discussão en tre Skinner e Rogers é ev iden tem en te m ais am pla e p rofunda do que o trecho acim a pode sugerir. Todavia, centra-se na defesa que faz S kinner de um a certa naturalidade com que se precisaria encarar a ex istência do contro le, em bora seu im plícito (?) reconhecim ento , no ú ltim o parágrafo, acerca da necessidade de m u d ar as m ãos em que se deposita tal con­trole. A am plitude dessa d iscussão e a d iscordância de Rogers podem ser exem plificadas no trecho subseqüen te , do m esm o artigo:

C reio que na ap resen tação feita aqui p o r S k inner e em seus e s­critos prévios, há um a séria su b es tim a do p rob lem a do poder.

E sperar que o p oder que se e s tá to rn an d o possível pelas ciências

do co m p o rtam en to seja exercido pelos c ien tis tas, ou p o r um grupo benevolente, parece-m e um a esperança com pouca base tan to n a h is tó ria m oderna q u an to na an tiga. Parece bem m ais p o s s ív e ^ u e os c ien tis tas do co m portam en to , m an ten d o suas a titu d es a tuais, ficarão na posição dos c ien tis tas de foguetes alem ães especializa­dos em m ísse is te leguiados. N o início, eles trabalhavam a rd u a ­m en te para que H itler d e s tru ísse a URSS. Se os c ien tis tas do com ­

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p o rta m e n to e s tão in te re ssad o s apenas em fazer avançar a ciência

parece m u ito provável que eles servirão aos p ro p ó sito s de qual­q u e r ind iv íduo ou g rupo que te n h a o poder. M as a falha principal

que eu vejo n e s ta revisão daqu ilo que está envolvido no contro le

científico do co m p o rtam en to h u m an o é a negação, incom preen­são, ou a lta su b es tim a do papel de finalidades, objetivos, ou valo­res em su a relação com a ciência. E ste e rro (com o parece a m im )

tem tan ta s im plicações que eu gostaria de ded icar a lgum espaço a ele... (R ogers & Skinner, 1958, p .1064)

R ogers bem apo n ta a in transigência sk inneriana nessa questão . Skinner, q u ando com enta M aquiavel, deixa entrever que, se o con tro le en tão p ro posto em O príncipe se assem elhasse a um con tro le positivo, essa sim ples inversão de polaridade ju s ­tificaria seu uso. N a verdade, essa é im p o rtan te falácia na p ro ­p o sta sk inneriana: não é po rque o con tro le seja positivo que se justifica adm iti-lo com o form a de dom ínio ou de d itam e organi­zacional em todas as situações e - p rinc ipalm ente - m ãos. A tiran ia tam bém se faz - e m u ito - p o r alguns tipos de contro le positivo: benesses que são um engodo estão sendo constan te ­m en te ap resen tadas à população pelos governos despóticos (salário m ín im o mínimo, salário-fam ília sim bólico, aposen tado ­rias e loterias, para exem plificar essa prática). Se esse argu­m en to for verdadeiro - e assim parece n este con tex to - então e s tá havendo equívoco que envolve dois arrazoados: um a coisa é ad m itir que o con tro le existe, é inevitável, é im anen te às rela­ções in terpessoais (com o que se concorda); o u tra coisa é adm i­tir que o contro le, se positivo, é sempre aceitável e justificável (do que, no lim ite, se d iscorda p ro fundam en te). N a verdade, o que deve esta r em jogo para o behaviorista radical (como, de resto , para q u a lq u er profissional da Psicologia) é o fato de que - sendo o con tro le ineren te à na tu reza hum ana, m as perm itindo in tervenção que pode m u d ar suas características e efeitos - e possível e necessária a construção de defesas con tra o controle despótico , seja ele veiculado por punição ou po r reforço posi­

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tivo Para exem plos banais: 1. no caso de esco lha necessária entre técnicas de ensino que usem proced im en tos positivos ou negativos (reforçam ento ou punição), é óbvia a esco lha da p ri­m eira estratégia, dado que a finalidade (aprendizagem ) é e leita como consensualm en te desejável; 2 . no caso da esco lha possível entre técnicas positivas ou negativas de con tro le po r p arte da parcela do em presariado que q u er o b te r conform ação da classe trabalhadora aos seus in teresses corporativos (m aior p rod u tiv i­dade versus m enor custo de m ão-de-obra), e ticam en te não cabe a m esm a liberdade de escolha, po rquan to , se se p re ten d e um a sociedade igualitária e ju sta , não está p resen te um a finalidade consensualm ente desejável. Mas isto é apenas um exem plo pífio onde o consenso é adm issível. N em sem pre é o caso. N em sem pre o consenso justifica um a ação. N as buscas de consenso, maiorias podem consegui-lo por coerção, a inda que as m inorias possam ter idéias e reivindicações legítim as. O que co nstitu i nova questão provocativa, não exclusiva do behaviorism o rad i­cal, mas que alcança to d a a Psicologia.

De qualquer m odo, as situações an tes m encionadas são diferentes, ao m enos en q u an to se coloca, na análise, com o efe ti­vam ente p resen tes as instâncias que podem decidir sobre a in ­tervenção con tro ladora (aluno, pais, p rofessores, no caso da situação de aprendizagem ; trabalhador, patrão , sindicato , go­verno, no caso da situação concreta de produ tiv idade em presa­rial). Em bora óbvio, faz sen tido m encionar que, no p rim eiro exemplo, a desejabilidade do co m portam en to de ap render, adqui- n r/co n s tru ir conhecim ento passa pela parcela com un itá ria que determ ina esse cará ter de desejável ou não (dá-se p o r en tend ido que o analfabetism o da m aioria perm ite um con tro le despótico 9ue im plica técnicas de contro le an tidem ocráticas de m ais baixo custo e de m ais fácil aplicação).

Além disso, o que se deve p rocurar é a Psicologia com o ciên- c*a a serviço da busca de um a sociedade ju s ta (m ais do que ape- nas a serviço de um a suposta , v irtual e im possível compreensão

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neutra da na tu reza hum ana); nesse caso, não se tem no segundo exem plo a possib ilidade de um a escolha dicotôm ica, ju sta e equilib rada, en tre contro le positivo ou negativo. A procura do equilíb rio nas relações in terpessoais passa, necessariam ente, pelo colocar nas m ãos do con tro lado perdedor novos procedi­m en to s que lhe p erm itam ascender à condição de controle m ú tuo , is to é, onde se delineiem situações de aproxim ação a um equilíb rio . C om isso, é o p o rtu n o aduzir que esse equilíbrio perfeito é n a tu ra lm en te inalcançável. T ra ta-se de um a u topia a ser sem pre perseguida, a té porque, se defin itivam ente (em tese) alcançada, te rm in aria com o cará ter d inâm ico das relações in terpessoais , de resto para a lguns um paradoxo acerca da p ró ­pria vida, para o u tro s nada m ais que um a n a tu ra l relação dialé­tica. Se tal raciocínio geral é aceitável, a busca da igualdade, nesse sen tido , deveria levar sem pre o m ais próx im o possível a ela, em bora q u a lquer igualdade ab so lu ta e defin itiva seja ape­nas um a desejável utopia.

R etom ando a crítica, alguns poucos behavioristas fizeram incip ien tes esforços e ainda nada m enos que engatinharam no trabalho de te n ta r fazer sua abordagem to rn ar-se útil à m aioria oprim ida da população, seja assegurando a ten d im en to clínico à cam ada de renda insuficiente, seja colocando-se com um conjunto de técnicas e procedim entos bem estabelecidos de contracontrole, seja por um elenco de vias similares possíveis. N o prim eiro caso, enquadra-se , para exem plo, o trabalho de Sam paio (1981, p. 1):

U m a grande parcela da população de nosso país, a classe so-

c io-econôm ica m ais baixa, não tem recebido, a não ser em q u an ti­dade m ín im a, o devido cu idado com relação à saúde, em especial a cham ada saúde m e n ta l ... n es te trabalho , o a u to r p ropõe-se a des­crever u m a form a de in tervenção psicológica, em m odificação de

co m p o rtam en to de crianças de baixa renda...

N o segundo caso, ev iden tem en te de am plo alcance, e p re­curso r o conhecido esforço de Jam es H olland (1974, 1976,

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1978a 1978b), com seus especialm ente desafian tes trabalhos como “A re behaviorial princip ies for revo lu tionaries?", "Beha- viorism: part o f the p roblem o r p a rt o f th e so lu tion?" e "To Cuba w ith the V encerem os Brigade", trê s m odelos de com o o behaviorism o pode e deve com eçar a preocupar-se em se colo­car à disposição da lu ta das classes oprim idas v isando a sua libertação política, econôm ica e social, a d espe ito da existência real da d iscussão acerca de um a p re ten sa neu tra lidade ideoló­gica da ciência. Tal con tribu ição se pode dar quando se alm eja a participação da Psicologia num p ro je to dirig ido à construção da verdadeira cidadania (cf. C arrara, 1995).

A inda o u tras ten ta tivas, de so rte d iferen te , m ais p reocupa­das com o nível teórico que com o de engajam ento , são as de Staats (1980), com seu behaviorism o social; en tu s ia s ta de novo modelo de convivência in terpessoal é T odd (1970), com sua versão de Walden Two; e m ais am bicioso parece A rdila (1980), com sua ten ta tiva de aproxim ação e n tre behaviorism o e m ar­xismo, um a tarefa sobejam ente com plicada. D o próprio Skin- ner, alguns esforços foram feitos em artigos específicos, além dos já citados, com o "Tow ard th e cause o f peace: w h a t can Psychology co n trib u te?” (1985a) e "B etw een freedom and des- potism " (1977b), em bora com p rudência a lguns au to res anali­sem o su rg im ento dessas ten ta tivas e de o u tras com o um a q u es­tão de tem po e de lim ites oferecidos pelo incip ien te desenvolvi­m ento da ciência com portam enta l (S tillm an, 1975). A isso se deve acrescentar que não se tra ta exclusivam ente do fato de que a Psicologia em geral e a A nálise do C om p o rtam en to em p a rti­cular sejam im púberes. T rata-se, fundam en ta lm en te, de que as tentativas de reverter esse quad ro de colocação da ciência do com portam ento m ais d isponível ao poder do que à m aioria da população é um a questão tam bém h istó rico-cu ltu ral. As p o p u ­lações que sofrem hoje m ais fo rtem en te as conseqüências do Poder econôm ico centralizado, da m á d istribu ição de renda, das desigualdades sociais, da corrupção, do uso da m áqu ina ad m i­

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n istra tiva para m anu tenção ad aeternum do status socioeconô- m ico de alguns, são a latino-am ericana, a africana e parte da asiática, en tre o u tras. O u seja, deve-se esperar, descartando nacionalism os exacerbados, m as ao m enos por coerência, que os c ien tis tas que convivem nesses con tex tos este jam natural­mente m ais m otivados a p roduzir técnicas e p rocedim entos de contracon tro le, em vez de se esperar que essa facilidade prove­nha dos con tex tos onde há m aior equilíb rio social e preservação de d ire ito s civis. Todavia, à vista do exem plo de H olland, isso não justifica um afastam en to científico (sob severos critérios de seleção) em relação à com unidade e à produção científica dos países tutelares, a té po rque conhecer a lite ra tu ra pelas vias uni- versalizan tes dos m odernos recursos da docum entação asse­gura ap ropriar-se a tem po (para elim iná-los) da lógica de even­tuais m ecanism os de dom inação. Parte desse esforço parece es ta r ao alcance da abordagem behaviorista radical, todavia ape­nas se rem odelada por algum a renovada ve rten te teórica (con- tex tualista?) e por um ap ro fundam en to ético-técnico. Não se tra ta , todavia, de um em p reend im en to isolado: há m u ito que com partilhar com o u tras abordagens, certam en te possu idoras de sim ilar fatia de contribuição.

O campo da Análise Aplicada do Comportamento: o behaviorismo radical, quando presente na prática clínica, educacional e de relações humanas, baseia-se em análise superficial e é necessariamente antiético

E m bora p arte do que se d irá aqui m an ten h a vínculo, no cam po da argum entação , com o que já se an tecipou na subseção an terio r, supõe-se que haja suficiente especificidade que faça o tem a ser m erecedor de espaço particu lar na construção de um perfil da crítica.

Q ueixa-se freq ü en tem en te a crítica de que a A nálise A pli­cada do C om portam en to é, po r definição, superficial, na m edida

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em que leva em con ta apenas aspectos extrínsecos do com p o rta ­m ento e resum e o am bien te às d im ensões físicas palpáveis im e­diatas dos objetos que con tex tualizam as ações hum anas. Para esclarecim ento desse pon to , não é dem asiado recuperar parte das proposições m ais com uns subjacentes à análise funcional do com portam ento que é p re lim inar à in tervenção clínica e ed u ­cacional (Skinner, 1977a; D anna & M atos, 1982; R im m & M as- ters, 1983). Tal in tervenção pode perm itir: a) a instalação de novos com portam entos; b) a elim inação de com portam en tos existentes; c) o au m en to ou dim inuição, em algum a m edida, de um com portam ento específico (quan to à sua duração, freqüên ­cia, in tensidade); d) a elim inação de inconven ien tes constitu íd a pela correção m orfológica de algum co m p o rtam en to (em rela­ção à sua topografia, po r exem plo).

De toda m aneira, o que se p re ten d e é algum tipo de a lte ra ­ção no repertó rio de com portam en tos do cliente. Indo aos p res­supostos, já que se supõe que os co m portam en tos têm sua ocorrência contro lada pelo am bien te (no sen tid o am plo que inclui variáveis organísm icas, com o explícito em K anfer & Phil­lips, 1974), o te rap eu ta com portam en ta l na situação clínica e o educador co m p o rtam en ta lm en te o rien tad o costum am partir, no seu encadeam ento de trabalho, para a ten tativa de com preen­são adequada das situações am bien ta is m an tenedoras da ocor­rência dos co m portam en tos em questão .

Na clínica, n essa fase, a p reocupação é m ais ou m enos a seguinte: dado que a situação é com posta , tem pora lm en te , por eventos físicos e sociais que ocorrem im ed ia tam en te an tes e depois dos com portam entos-alvo , cabe ao profissional um tra ­balho de análise s is tem ática dessa seqüência de eventos que se repetem quando da ocorrência do com portam en to , de m odo que se conheçam os eventos con tro ladores do m esm o. C onheci­dos esses eventos, o passo subseq ü en te , além de um a análise do esquem a de contingências que relaciona am bien te e com porta ­m ento, é a elaboração de um p roced im en to terapêu tico que,

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basicam ente , envolve o rearran jo de contingências. Esse rear- ranjo, se bem que dependa fundam en ta lm en te de cada caso em particular, n o rm alm en te tem sua construção facilitada pelo conhecim ento que o te rap eu ta tem de um con jun to de técnicas razoavelm ente desenvolvido e, por replicações bem -sucedidas, considerado com o funcional na análise aplicada do com porta­m en to e na terap ia com portam enta l. D epois de coletados dados que perm itam u m a avaliação do repertó rio do clien te an tes do p roced im en to (o que constitu i, via de regra, um a linha de base), a in tervenção te rap êu tica é en tão iniciada, tom ando-se m edidas d u ran te e após a aplicação, de m odo que se ten h a inform ações suficientes sobre os resu ltados do p roced im ento , que em geral são com parados aos an terio res a ele.

As diferenças en tre essas m edidas (se tom adas as devidas cautelas do p o n to de v ista m etodológico no con tro le e s trito de even tuais variáveis estranhas) devem refletir os efeitos do p ro ­ced im ento adotado . Encerrado o caso, sugere-se um trabalho de acom panham ento , a espaços de tem po sucessivam ente m ais pro longados, de m odo a o b te r inform ação sobre a durabilidade e consistência dos efeitos ob tidos e sua generalização à situação n a tu ra l em que vive o clien te (tra ta-se do p roced im ento conhe­cido com o follow-up).

N esse pon to a crítica parece e sta r parcialm en te justificada. Parcialm ente porque, do pon to de v ista ético, o behaviorism o radical ab so lu tam en te não sinaliza com p ressu p o sto s segundo os quais em q u a lquer aplicação p rática da A nálise E xperim ental do C om p o rtam en to seja recom endado um d irec ionam ento p re­v iam ente estabelecido pelo terapeu ta , e sim , ao inverso, é noto- ria a recom endação de que sem pre sejam respeitadas todas as escolhas do cliente, para cuja clara consciência o terapeu ta , evi­

den tem en te , pode e deve contribu ir.E n tr e t a n to , a c r í t ic a te m ra z ã o e m q u e (e m b o ra ta m b e m

h a ja r e c o m e n d a ç ã o a o c o n tr á r io n a s b o a s fa c u ld a d e s e c u r s o s d e

te o r ia s e té c n ic a s p s ic o te rá p ic a s ) a A n á lis e d o C o m p o r ta m e n to

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tem sido feita (por a lguns exem plos não p ro p riam en te exempla­res de profissionais, com o ocorre em qua lq u er profissão) de m aneira superficial. S kinner recom enda que a análise funcional deve abranger todas (na acepção literal da palavra, isso é inviá­vel) as contingências possíveis que tenham algum a função determ inadora sobre o com portam en to . Todavia, po r com odi­dade ou negligência, ou m esm o por deficiência na form ação éti- co-profissional, a lguns psicólogos têm to rn ad o essa análise fu n ­cional m u ito re s tr ita aos eventos relatados pelo clien te e - m ais ainda - re s trita a contingências que o te rap eu ta suspeita te rem efeito sobre o com portam ento . A ssim , a A nálise A plicada do C om portam ento precisa, valendo-se de sua crítica in te rn a e m esm o da crítica ex te rna que pensa ser essa superficialidade decorrência de p ressu p o sto s da ciência do com portam en to , for­talecer m ed ian te os cursos oferecidos a idéia de am pliação da análise de contingências. C onform e m encionado p o r C arrara (1984, p .3-4):

A título de exemplo, tomemos um problema relatado por uma informante, a mãe de uma criança em idade escolar. Na clínica, ela diz ao terapeuta que está muito preocupada com a repetência esco­lar da criança, diz que já falou com a professora, mas que não vê maneira de conseguir fazer com que o desempenho dela melhore. O modificador programa sessões com a criança, onde em situações pré-arranjadas de ensaio comportamental observa a criança em si­tuações (artificiais, porque na clínica) cooperativas, competitivas, de desempenho de atividades acadêmicas diversas. Observa uma certa lentidão, um desempenho incerto e frágil. Um profissional menos experiente ficaria impressionado com a possibilidade de al­gum déficit. Poderia imaginar a localização do problema numa di­mensão individual, isto é, como resultante de algum tipo de defi­ciência orgânica, de desenvolvimento, em última análise decorren­te de inabilidade intra-indivíduo.

Outro profissional, no entanto, poderia duvidar dessa possibi­lidade. E, considerando-a simplista e pouco provável, procuraria mais detalhes a respeito das circunstâncias que cercam os compor-

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tamentos-alvo. Isso significaria um esforço no sentido de investi­gar eventos que poderiam ser apontados a partir de um estudo das relações funcionais entre o comportamento e suas conseqüências.

Assim, o terapeuta poderia preocupar-se (como na maior par­te das vezes realmente acontece) em elaborar investigação rele­vante acerca das relações do indivíduo com sua família, com seus professores, com seus amigos, com os colegas de sala de aula, en­fim com seu ambiente social próximo; investigaria, ainda, as mu­danças circunstanciais de seu ambiente físico, de modo que pode­ria estar identificando novas possíveis razões para o fracasso aca­dêmico do seu cliente.

Esse modificador, naturalmente, encontraria novas bases para formular hipóteses acerca do problema. Ele poderia suspeitar, mas ainda não argumentar com dados suficientes - e também é o que geralmente acontece - que o comportamento do cliente está sendo mantido por inadequações na seqüenciação instrucional da escola, por falta de habilidade em liberar contingências reforçadoras por parte dos professores, por falta de um sistemático acompanha­mento em casa, através dos pais, por uma questão de estigmatiza- ção do aluno em razão de alguma diferença em relação à classe, etc. E é muito provável que o modificador tenha certa dose de razão. Ele poderá, até, ter suas hipóteses de trabalho aparentemente con­firmadas, geralmente de modo equívoco, com base na análise fun­cional que fez, de modo que elaborará um procedimento para o caso e os resultados, em curto prazo e sob uma avaliação superficial e imediata, sejam positivos.

O problema fundamental desse tipo de enfoque está numa análise incompleta das relações funcionais entre comportamento e ambiente, que leva a resultados fictícios, aparentemente corretos, mas que em bom número de casos podem ser considerados próte­ses, correções provisórias e específicas de alguns padrões compor- tamentais. Portanto, se se pretende produzir mudanças duradou­ras, permanentes e generalizadas nos padrões do comportamento mudado, é de se supor que, se não todas, pelo menos a maior parte das variáveis relevantes deve ser investigada - o que não se deve confundir com investigação de causas profundas ou remotas dos atuais comportamentos em foco. (Ressalve-se, no exemplo, que a situa-

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ção abstrata usada provavelmente não se referiria, sequer, a um caso clínico, mas a uma simples questão de reorganização de con­tingências em situação acadêmica básica).

Assim , cabe ao profissional da área aplicada u m papel m uito mais significativo do que por vezes se encontra: o de estud ioso , nessa situação aplicada, do todo social, econôm ico e político que, den tro de um a realidade com o a brasileira, são fatores da mais crucial im portância . E specialm ente na situação te rap êu ­tica, deve-se p a rtir para considerações m ais concretas a respeito de dois ângulos da questão : o problema ético de u m a análise m ais abrangente das variáveis envolvidas no processo terapêu tico e o problema prático da m ontagem de estra tég ias adicionais para esse m esm o processo. C om relação ao prim eiro aspecto , supõe-se, de início, que analisar m elhor as variáveis envolve duas q u es­tões: um a análise mais ampla das contingências e um a análise de contingências mais amplas, o que são duas coisas significativam ente distintas e com plem entares en tre si. Q uan to à am plitude da aná­lise, é apenas um esforço de estudo sobre a eficácia dos profissio­nais, o que se pede não encarar com o um ju lgam ento , que caberia m elhor aos clientes desses m esm os profissionais e à com unidade a que servem. N a análise já citada (Carrara, 1984, p.5):

O que se quer enfatizar, tão-somente, é que uma análise mais ampla envolve toda uma postura profissional: por um lado ele, ine­vitavelmente, despenderá mais tempo, porque analisará mais da­dos, para decidir sobre um procedimento específico (ou, ao invés de mais tempo, mais esforço em menos tempo); por outro lado, isso supõe a necessidade de desenvolvimento, nos cursos de gra­duação, de programas mais extensos e estruturados com vistas a essa ênfase na condução terapêutica; de outra parte, pelo fato de que é possível que se entre mais tarde em procedimento, é preciso trabalhar, em contrapartida, os mecanismos que garantam nível de motivação alto para permanência do cliente: se ele não vê resulta­dos e ao mesmo tempo não se trabalha para que vislumbre essa possibilidade, será comum que abandone a terapia; além disso, re­

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com endação adicional é necessária no sen tid o de que os te rapeu ­tas se ob riguem a reco rrer à lite ra tu ra rela tiva ao caso e que se ha­b itu em a e s tim u la r a criação e partic ipação em reun iões clínicas- fi­na lm en te , essa p o s tu ra do profissional, se ju lgada relevante, pode es ta r sendo in iciada de m aneira a, em função d essa necessidade to rn a r-se u rg en te a realização de pesq u isas n essa linha. N esse caso, se e s ta rá pen san d o especia lm en te em investigações que reve­lem com o essa m udança de p o s tu ra do pro fiss ional se reflete no bem -esta r do clien te e de que tipos de técn icas e estra tég ias pode­ria se valer para, ob je tivam en te e com boa probab ilidade de acerto, consegu ir tal finalidade.

Com relação à análise de contingências m ais am plas, supõe-se, iden ticam ente , a existência de algum as necessidades e identifica-se a p resença de algum as áreas conflituosas, ou, ao m enos, de difícil acesso. E possível, ao se fazer a análise funcio­nal dos co m portam en tos do repertó rio do clien te a serem m udados, u m a variação na m aneira de p roceder à coleta dos dados que configuram eventos an teceden tes e conseqüen tes ao com portam ento , de m odos que variam quan to à eficácia e fide- dignidade dos dados registrados. A ssim , o A-B-C - eventos ante- cedentes-com portam ento-eventos conseqüentes - é coletado:

1. A p a rtir de verbalizações do cliente, que diz o que geral­m en te acontece an tes e depois do com portam ento-alvo (esses dados são falíveis, po rque o cliente pode esta r com dificuldades em ocionais q u a isq u er que m ascarem sua habilidade de auto- observação). Fica aqui visível um con jun to de m otivos para con­siderar apenas após m u ito cuidado m etodológico o recurso ao relato verbal (que pode incluir a in trospecção).

2. A p a rtir de re la tos de terceiros, em que especialm ente nos casos de crianças, o trabalho terapêu tico é conduzido se­gundo um m odelo triádico (terapeu ta-m ediador-clien te); m es­m os prob lem as q u an to à fidedignidade dos dados ocorrem .

3. A p a rtir de observação sistem ática dos com portam en- tos-alvo, feita pelo profissional na situação natu ra l e na clínica;

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pIp a té faz observações, m as na situação n a tu ra l ficancsi2) ^im pedido por um a série de fatores, com o dificuldade de loco­moção, custo financeiro para o cliente, núm ero de clientes, p ri­vacidade de alguns com portam en tos e, particu larm en te , in te r­ferência nos resu ltados da p rópria observação, pela sua sim ples

presença.N a realidade, um pouco das trê s m aneiras, reun idas, tem

sido o usual em m odificação de com portam en to , levando a r is ­cos que con tinuarão ex istindo , por bom tem po, de form a que a visualização clara de um problem a, que deveria ser derivada da análise funcional, fica freq ü en tem en te contam inada.

Parece evidente, então, que alguns cuidados essenciais preci­sam ser tom ados no m om ento da aplicação prática dos conceitos derivados da A nálise do C om portam en to . P rim eiro, cu idados de m odo que seja especialm ente respeitada a von tade do clien te (não se tra ta de en tra r aqui na qu estão da idade ou das cond i­ções sob as quais o clien te pode decid ir sobre as m etas da sua própria m udança te rapêu tica), com eventual ajuda dos que con­vivam com ele. D ito de o u tro m odo, deve-se, sim , levar em conta a preocupação rogeriana com respeito à q uestão da d ire ti- vidade: o te rap eu ta é quem possu i (e, nesse sen tido , contro la) o conhecim ento profissional q u an to às técnicas científicas, m as abso lu tam ente não deve dirig ir (apesar de que d iretiv idade zero seja im possível) p erem p to riam en te a escolha de metas te rap êu ­ticas, em bora seja ineren te e na tu ra l que guie o processo te ra ­pêutico en q u an to profissional d e ten to r de conhecim ento técni- co-teórico.

U m segundo aspecto im p o rtan te é o de que a análise de con­tingências deve am pliar-se: tan to deve am pliar-se a próp ria an á ­lise, com o o espectro das contingências analisadas. Para colabo­rar nesse sen tido , to rna-se necessária m odificação nos p ro g ra­mas dos diversos cursos e a construção de tex tos m ais abertos no sen tido do con tex to socioeconôm ico-político em que vive o usuário da análise do com portam ento .

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Finalm ente, com U lrich (1975), “ainda creio que vale a pena a judar as pessoas e, se for necessário , protegê-las da nossa ajuda [grifo nosso], porém não devem os enganar-nos, pensando que tem os algo assim com o a resposta final para todos os pro­blem as" (p. 141).

Com a m esm a o rien tação já se m anifestaram o u tros au to ­res: desde K rasner (1962), com um a das m ais tradicionais revi­sões acerca do con tro le do co m portam en to e responsabilidade social; K anfer (1965), sobre algum as q uestões éticas da m ani­pulação com portam enta l, sugerindo, na d ireção que já se anali­sou aqui, que a com unidade social com o um todo e não particu ­larm en te os psicólogos devem estabelecer regras den tro das quais a m odificação de com portam en to precisa ser conduzida; e W exler (1973), com sua análise porm enorizada dos conceitos da legislação norte-am ericana em relação à utilização de refor- çadores arb itrários, especialm ente encontráveis nos trabalhos em in stitu ições fechadas com o hosp ita is psiqu iátricos.

A ética na m odificação do co m portam en to é um a questão fundam enta l a ser red im ensionada na perspectiva do behavio- rism o radical, a té po rque é o ram o da ciência do com porta­m en to que - m esm o não sendo tão de perto aceita pelos profis­sionais da ciência básica - está im ed ia tam en te em con ta to com o usuário d essa ciência. E a ele que se devem dirig ir todas as considerações da m elho r ética e da m elho r análise. A m plitude m aio r dessa análise e m elhor form ação profissional na área são

im prescindíveis, po rtan to .

O behaviorismo negligenciaria instintos, sentimentos, motivos, emoções, dons inatos e criatividade: o behaviorismo radical seria desumanizante

C onform e já se frisou na subseção an terio r, um dos grandes líderes do que se convencionou cham ar " terceira força da Psico­logia" foi Cari R. Rogers, po r longo período um dos m ais conhe-

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eidos críticos do behaviorism o com o filosofia de um a ciência considerada desumanizante. Identificado na lite ra tu ra por suas preocupações com o cará ter d iretivo das relações te rap eu ta- d ien te , com a lim itação das liberdades pessoais nas relações sociais e com o m odo vigente do fazer científico, Rogers em preen­deu esforço significativo, a p artir da década de 1950, para colo­car em foco o tipo de abordagem psicológica que m elho r re s­pondesse a suas preocupações.

A publicação do fam oso debate que m anteve com Skinner acerca do con tro le do com portam en to hum ano , com o já se fri­sou, levou o público profissional e leigo a cen trar-se especifica­m ente em q uestões com o: Q uem será contro lado? Q uem exer­cerá o controle? Q ue tipo de con tro le será exercido? Em busca de qual valor será exercido o controle? Coloca em xeque a posi­ção de Skinner sobre as finalidades com que se desenvolve a experim entação na ciência em geral e, ainda, os próprios ob je ti­vos de um a visão bem-sucedida de sociedade que Skinner p u b li­cara em 1955. D iscordando veem en tem en te de Skinner, afirm a Rogers (Rogers & Skinner, 1958, p .1061):

assim , m esm o ao ten ta r evitar tal escolha, parece im possível esca­

par ao fato de que um a escolha anterior [grifo nosso] de valor é neces­sária para qualquer em presa científica, ou para qualquer aplicação

do conhecim ento científico. D esejo to rnar claro que não estou dizen­

do que valores não possam ser incluídos com o tópicos da ciência.

Rogers analisa a posição de S kinner afirm ando que este parece esta r convencido de que o próprio desenvolv im ento científico é que vai d e te rm in ar quais os novos rum os da ciência, ° que considera um engano, po rque considera o pesqu isador como um elem en to vital nesse desenvolv im ento con tínuo , ou seja, a escolha pessoal subjetiva in terfere a cada p o n to em que a orientação m uda. O s resu ltados de um a ciência, os resu ltados de um experim en to , para Rogers, não podem e n unca poderão d itar qual é o próxim o objetivo científico a seguir.

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M ostra o exem plo do átom o, em que fica, para ele, m uito ev iden te que o conhecim ento científico em desenvolvim ento sobre a e s tru tu ra atôm ica não traz consigo n en h u m a escolha necessária q u an to ao objetivo a que esse conhecim ento servirá de m odo que a ciência fica, de novo, a critério de um a escolha pessoal subjetiva que deve ser feita por m uitos indivíduos. Acau­tela para o perigo de que, sem rever os conceitos de poder e de contro le , este jam os próxim os a versões d iversas das utopias cu lturais, com o em 1984 e Walden Two: “N ão é sim plesm ente um a fantasia. Algo desse tipo pode m esm o ser o fu tu ro mais provável. M as é um fu tu ro inevitável?". Ele próprio responde, vo ltando-se para o cam po da psicoterapia, que considera desu- manizante, n u m p roced im ento que equaliza com lavagem cere­bral, o tipo de terap ia em que há um a d iretiv idade acentuada; seria o caso, por exem plo, da psicoterapia em que há um controle deliberado do cliente, com o te rap eu ta m oldando-o de confor­m idade com seus valores pessoais. N esse caso, o indivíduo se to rn aria um ser su bm isso de m odo ex trem o, n u m exem plo de desin tegração da perso n a lid ad e e refo rm ulação da pessoa do clien te nos te rm os desejados pelo indivíduo que controla. E nessa d ireção que Rogers encam inha sua terap ia cen trada no clien te com o solução para a qu estão da desum anização, o que se faria no segu in te sentido:

estam o s p ro fu n d am en te em penhados na p red ição e influência no co m p o rtam en to , ou m esm o no contro le do com portam ento . Como

terapeu tas , in s titu ím os certas condições de a titudes, e o cliente tem re la tivam en te pouca participação no estabe lec im en to dessas con­dições. P red izem os que, se certas condições estabelecidas se efeti­varem , conseqüênc ias específicas se seguirão ao com portam ento

do c lien te . A té aqui, é um con tro le am p lam en te ex terno , em nada d ife ren te do que S k inner descreveu, m as aqui te rm in a toda e qual­q u e r sem elhança . As condições que esco lhem os p red izem conse qüências com p o rtam en ta is com o estas: o c lien te to rnar-se-a au to d iretivo , m enos rígido, m ais ab erto à ev idência de seus sentidos.

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m ais bem organizado e in teg rado , m ais sem elh an te ao ideal que escolheu para si próprio . Em o u tra s palavras, estabelecem os por contro le ex te rn o as condições que pred izem os, sendo seguidas po r contro le in te rn o pelo indivíduo, em busca de objetivos in te rn a ­

m ente esco lh idos, (p. 1062)

N essa perspectiva, fica claro que Rogers opõe-se ao behavio­rismo, no seu próprio en ten d im en to , por esco lher valorizar o hom em com o au to -rea lizador do seu devir, p o r valorizar a cria­tividade, po r reduzir ao m ín im o o poder de contro le. Rogers m anifesta preocupação com o desenvolv im ento fu tu ro da ciên­cia: sua direção, no cam po da Psicologia, precisaria ser p rox im a­m ente revista, para ev itar que o poder de con tro le caia em m ãos

inábeis.Todavia, na verdade, o que Skinner p re ten d e não co rres­

ponde ao que Rogers en ten d e com o desum anização do hom em . Skinner e o behaviorism o radical p re tendem , de fato, um a deso- munculização, ou seja, rejeita-se defin itivam ente a figura do homem interior en q u an to p ro tó tip o das explicações causais en ­volvendo sen tim en tos, estados da m en te e processos ou e s tru ­turas m entais. O ptam , Skinner e os behavioristas radicais, pelas alternativas da h is tó ria genética e, p rincipalm ente, da h is tó ria am biental. R ejeitam a convicção da Psicologia da terce ira força (de Rogers e M aslow) que, ao te n ta r explicar o com portam en to , acabaria por ressusc ita r a idéia de homem interno.

Skinner (1972, p. 18) tam bém dep lo ra a crítica de M atson (1971), que acusa o behaviorism o de au to rita rism o , quando informa:

as críticas rem o n tam à época de Pavlov e W atson , m as essas visões

estão c in q ü en ta anos atrás. O s b ehav io ristas que eu conheço (e os p rofessores M acC orquodale e Day estão en tre eles) são pessoas gentis, p reocupadas com os p rob lem as do m u n d o a tual, p reo cu p a­das com o colocar os m éto d o s científicos a serviço de reso lver n o s­sos p rob lem as e p reocupadas com o m au u so do p oder derivado

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das d escobertas do behaviorism o. E com o eles colocam , o behavio-rism o é um a form a de hum an ism o ...

N a sua visão particu lar, Sk inner esclarece ainda que é possí­vel defin ir com o h u m an is ta quem , po r causa do am bien te a que tem sido exposto , e s tá de algum m odo preocupado com o fu tu ro da hum anidade.

O u tra área na qual o behaviorism o é criticado, e, até por isso, acaba sendo considerado u m a abordagem que negligencia parte fundam en ta l das ações hum anas, é a área que tra ta da questão da criatividade. O percurso da crítica m o stra um a desconfiança significativa acerca da com petência do behaviorism o para traba­lhar com essa questão . A crítica, resum idam en te , tem conside­rado que o behaviorism o não é capaz de explicar as realizações criativas em n en h u m a área (arte, m úsica, lite ra tu ra , ciência, educação etc.) e, de o u tra parte , que a aplicação dos p ressupos­to s behavioristas, especialm en te na corren te skinneriana, não perm ite o desenvo lv im ento da criatividade; ao contrário , a A ná­lise A plicada do C om p o rtam en to levaria o educando à repetição rep rodu tiv ista do que lhe é passado pelo professor, em vez de p e rm itir e incentivar a criação e a inventiv idade no processo de aprendizagem .

Skinner diz que as contingências de reforço tam bém se assem elham às con tingências de sobrevivência na produção de coisas novas. Diz que a palavra-chave no títu lo de D arw in era origem e que a seleção natu ra l explicava a origem de m ilhões de espécies d iferen tes que povoam a superfície da Terra, sem recorrer a um a m en te criadora. S kinner faz referência a dois conceitos caros para os críticos e que são po n to com um nas diversas o u tras restrições ao behaviorism o, ou seja: energia cria­do ra e mente criadora, am bos com o form a ou expressão de algum a força d ifusa ou algum a e s tru tu ra não palpável, o que ele, na tu ra lm en te , considera com o proposições lingüísticas nao aceitáveis. A firm a (1968) que os psicólogos cognitiv istas ten

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dem a confinar-se à e s tru tu ra dos p ensam en tos expressos em vez de ao próprio pensar e que as variáveis com que o pen sa­m ento enquan to estrutura es tá ligado não podem , em geral, ser m anipuladas. Skinner (1972, p.381) assegura que o com porta ­m ento criativo pode, com o tan to s ou tro s , ser ensinado:

aprender com as técnicas dos demais é algo que não interfere com o descobrimento de técnicas próprias. Pelo contrário, o artista que tem adquirido toda uma variedade de técnicas, herdadas de seus predecessores, encontra-se em situação ótima para realizar autên­ticos descobrimentos originais. E é mais provável que seja original se se procurar ensiná-lo a ser original.

A tentativa de produzir um artista criador pode parecer contra­ditória. Como pode o comportamento ser original e criador tendo sido "produzido"? A produção pressupõe alguma forma de contro­le externo, porém a criatividade, tomada literalmente, nega tal controle. Essa é a razão que explica por que tendemos a associá-la com uma vida interior. Arthur Koestler adota essa postura em seu livro The act of creation. Para Koestler, uma análise comportamental da criatividade não somente é impossível, senão ridícula, posto que não pode surgir a originalidade partindo de um sistema “me- canicista". Uma mente criadora não explica nada, embora para os críticos devesse estar em atividade na hora da criação. E como o pedido de um milagre: solicita-se que a mente faça o que o corpo não sabe fazer. Porém, devemos explicar como a mente o faz e, se aceitamos tal missão, descobrimos que simplesmente colocamos nosso problema original em termos muito mais complicados.

A novidade ou a originalidade podem produzir-se dentro de um sistema totalmente determinista. Um esquema arquetípico conveniente é a teoria da evolução. As formas vivas da Terra mos­tram uma variedade que está muito acima da variedade das obras de arte. A diversidade se atribuía tempos atrás a divagações de uma mente criadora, porém Darwin propôs outra explicação. A pa­lavra "origem” em A origem das espécies é importante, posto que o li­vro e essencialmente um estudo da originalidade. A multiplicação e a multiplicidade de formas vivas é explicada pela mutação e pela seleção natural, sem recorrer a um projeto prévio. No comporta-

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m en to do a rtis ta que p roduz obras orig inais ex is tem elem entosque podem com parar-se a isso.

S kinner en tende, po rtan to , que o ensinar a pensar, com o en sin ar o cam inho para a aquisição de novas habilidades, sejam elas consideradas criativas ou não, dem anda program as de con­tingência que podem ser s istem aticam en te estabelecidos por m eio de um a tecnologia com portam enta l. A criação desses tipos de p rogram a é, provavelm ente, o que m ostra ram factível H olland e t al. (1976), que citam , en tre ou tros, program as que to rn aram possível ensinar, com a instrução program ada, crian­ças a escreverem poesia com reconhecida criatividade.

Em acréscim o, u m a revisão crítica dos estu d o s behavioris- tas acerca da criatividade é feita por W insto n & Baker (1985), que m ostram o resu ltado de treze anos de estudos experim en­tais sobre o assun to : m esm o ind icando progressos im ensurá­veis, a ten tam para a perm anência de problem as na definição com portam en ta l de criativ idade e a necessidade de um aprim o­ram en to na análise do processo criativo; referem -se, en tretan to , a em preend im en tos bem -sucedidos com o os de Cam pbell & W illis (1978), realizados em situação natu ra l. A lém do artigo já m encionado , S kinner m an ifestou-se especificam ente sobre o

tem a em o u tra op o rtu n id ad e (1970).Ficam claros dois tipos d is tin to s de crítica com relação a

qu estão da criatividade. O prim eiro , de que o behaviorism o nao seria com peten te para construir o com portam en to criativo, o que fica respond ido pelas observações an terio res, ou seja, ha inú­m eros exem plos nos quais o desenvolvim ento de com portam en­tos socialm ente reconhecidos com o criativos fez parte de progra­m as de contingência. O segundo, de que a utilização de procedi m en tos behavioristas na situação de ensino m ecanizaria a ap rendizagem e im pediria o su rg im en to natu ral dessa aprendi zagem de form a criativa. Essa questão , igualm ente im portante tam bém de cunho filosófico-m etodológico, precisa ser mais

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bem cuidada. O corre que para o behaviorista a criação decorre da transform ação das inform ações (ou coisas, ou fatos etc.) pree­xistentes em eventos a té en tão desconhecidos para o indivíduo ou para a sociedade m ais am pla. O u seja, criar não im plicaria “fazer surg ir do nada” algum a coisa nova, m as transfo rm ar eventos p reex isten tes em eventos até en tão não fam iliares, sendo esse reconhecim ento do novo proporcionado pelo con­texto social à volta do criador (na verdade, um a m aneira, em bora aparen tem ente pragm ática, de se falar n u m a espécie de "usos não u sua is”). Essa form a de raciocínio, em bora m enos ro m ân ­tica e aparen tando-se u tilita rista , não desm erece em nada o valor da criatividade. A o contrário , ao p reocupar-se em expli- cá-la funcionalm ente, ressa lta as d iferenças individuais (decor­rentes da h istó ria filogenética e on togenética) e m o stra que alguns serão m ais criativos que ou tro s , no sen tido .de que estão mais habilitados a realizar transform ações reconhecíveis pela sociedade do que ou tros.

Dada essa concepção de criatividade, a questão de o behavio­rismo supostam ente tolhê-la, em sala de aula, du ran te o processo de aprendizagem , torna-se um problem a relacionado com a dire- tividade do ensino (no sen tido rogeriano). O u seja, caso esteja o professor exigindo do educando um direcionam ento exclusivo em torno de determ inados objetivos educacionais, sem que se assegure ao aluno incursões extraprogram áticas, to lhe-se de fato a criatividade e, po r conseguin te , im pede-se a construção do conhecim ento. O m esm o ocorre (e é freqüente) nas situações em que alguns p rofessores exigem que o a luno decore o conte- udo, em vez de ap render a lidar com ele, com preendendo-o .

O corre que em n en h u m m om en to o behaviorism o reco­menda p rocedim entos do gênero. A o contrário , é p erfe itam en te Possível assegurar que o a luno possa te r o desenvolv im ento de sua aprendizagem d e te rm inado por contingências n a tu ra is em

CZ a rtificiais. A inda assim , há que fazer a ressalva de que a qUestão n ã° se con trapõe a qualquer p ressu p o sto behaviorista

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(o behaviorism o radical não con tém postu lados ou corolários que pre tendam in ibir a criatividade). Trata-se, quando eventual­m ente ocorrer q u a lquer program ação de ensino que im peça o a luno de co n stru ir seu conhecim ento ou criar, de um problem a de com petência do profissional que estiver envolvido na elabo­ração de tal p ro je to /p lan o /p ro g ram a. O que é um risco para q u a lquer abordagem , de m odo que to lh e r a criatividade não parece ser um privilégio do behaviorista , m as um risco a que está su jeito qua lq u er profissional.

M ais um a vez, n esse sen tido , o behaviorism o radical não leva, in trin secam en te , na sua form ulação, um a tendência desu- manizante, em bora seja possível (com o o é em o u tras correntes) que seu uso sofra desvios não recom endáveis. A questão , nesse caso, perm anece m u ito m ais na form ação profissional do que na reform ulação de princíp ios básicos da linha teórica.

O behaviorism o tem sido tam bém criticado, indiscrim ina­dam ente, por não levar em con ta m otivos, em oções, instin tos, dons ina tos e, p rincipalm ente , po r d esdenhar sen tim entos (Ishaq, 1992), além de valores m orais. Por certo , cada um a das palavras-conceito aí citadas precisaria de um trabalho especial, na linha da etim ologia, para m elho r com preensão de seu signifi­cado, an tes que se pudesse incursionar po r qualquer o u tra con­sideração. São conceitos que estão espalhados pela literatura psicológica e que m an têm significados d iferen tes conform e sejam utilizados em con tex tos particu lares e por au to res d istin ­tos. Todavia, para os p ropósitos d esta análise, e apesar do alerta para possíveis confusões, não se p re ten d e aprofundar essa d is­cussão, até pelo fato de que se tom arão os term os no seu sen­tido m ais coloquial, com o em geral são utilizados pela critica.

T êm con stitu íd o grande obstácu lo para o behaviorism o a ex istência e a exigência de que sejam absorvidos por essa abor­dagem o que se convencionou cham ar de termos d isp o s ic io n a is ,

que indicam algum a direção à ação de te rm inada por algum a in tencionalidade ou p ropósito . S kinner tem sido fortem ente

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criticado por negar c laram ente a u tilidade desses conceitos dis- posicionais d en tro de u m a ciência do co m portam en to (o assunto, aqui, não deve confundir-se com a idéia de operações estabelecedoras, um arran jo con tex tuai que a ltera a p robab ili­dade de ocorrência de d e te rm inados com portam en tos).

O tipo de crítica m encionada, que está explícita em obras diversas (1953, 1969, 1971, 1974), leva os críticos a repúd ios como os de P ritchard (1976) ou de Scribner (19 7 2 /1 9 7 3 ), e o principal problem a parece ser o de que os behavioristas e seus críticos aparentam estar sem pre falando a partir de referenciais com pletam ente d iferentes. Skinner, por sua parte, ten ta explicar (1974) que não se tra ta de negar a existência de com portam entos (encobertos ou abertos) que reflitam sen tim en tos ou em oções, mas a negação refere-se à explicação de am bos com o resu ltan tes de determ inação através de eventos in ternos ou de algum a es tru ­tura m ental ou tam bém de utilizá-los com o m ecanism os explica­tivos de ou tros com portam entos sem lhes a tribu ir o estofo m ate­rial (físico) necessário. Skinner com a palavra (1974, p. 188):

E difícil co m preender p o r que se diz tão freq ü en tem en te q u e o

behaviorism o negligenciaria a do tação inata. A observação d escu i­

dada de W atson, de que poderia tom ar qualquer recém -nascido sau­dável e tran sfo rm á-lo em m édico, advogado, a rtis ta , com ercian te ,

com o tam bém em m endigo ou ladrão, d ific ilm ente poderia re s ­ponder po r isso, já que o p róp rio W atson rep e tid am en te se referia

a "h ered itariedade e ao eq u ip am en to de h áb ito s" das pessoas. U ns poucos behavioristas, pa rticu la rm en te J. R. K antor, m in im izaram , se e que não negaram , um a contribuição genética, e em seu en tu s ias­m o por aqu ilo que poderia ser feito pelo am bien te , o u tro s agiram sem dúvida com o se a do tação genética não tivesse im portância;

poucos, porém , afirm aram que o co m p o rtam en to é " ilim itad a ­m ente m aleável".

A Etologia e a Psicologia E xperim ental - form a geral - co r­roboram a fala de Skinner sobre a im portância da herança gené­

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tica (em bora perm aneçam divergências q u an to à form a dessa influência), com estu d o s diversos m ostran d o a im portância da bagagem genética. G ould & M arler (1986, p .74), por exem plo a ssum em que "u su alm en te v istos com o d iam etra lm en te opos­tos, ap rendizagem e in stin to são parceiros: o processo de apren­dizagem , em cria tu ras de todos os níveis de com plexidade m en­tal, é freq ü en tem en te iniciado e con tro lado in stin tivam en te”. S kinner adm ite a influência genética, m as não a prioriza como o u tro s au to res. Isso incom odou m u ito s críticos. H errnstein (1977) p rocu rou saída inusitada, porém sistem aticam ente rejei­tada, p ara a q u es tão da h erança genética. Ele acaba isolando inap ro p riad am en te afirm ações de Skinner, com o se este igua­lasse conceitos ta is com o co m portam en to adjuntivo , repertório filogênico e co m portam en to ina to para d izer que nenhum dá con ta das suas preocupações, que envolveriam um a terceira categoria de com portam entos, aduzida ao operan te e ao respon- dente, que seria um a instância de auto-reforçam ento, com status

de im pulso próprio de cada espécie e responsável pela explica­ção de m u itas ações. A utores behavioristas diversos deploram afirm ações de tal gênero, pela confusão conceituai que sugerem.

O que o behaviorism o radical nega, po rtan to , não são os sen tim en to s , em oções ou influência genética. A quilo com que S kinner e seguidores não concordam é com a utilização de sen­tim en to s e em oções com o repositó rios ou fontes causais ou explicativas do com portam ento , bem com o com a influência genética com o única ou p rio ritá ria de te rm in an te do m odo de com portar-se . Ele procura, em diversos tex tos, incluir nas preo­cupações da A nálise do C om portam en to a necessidade de pes­qu isas com as d iversas q uestões arro ladas nesta subseção, mas faz q uestão de reje itar sua condição causal. C om o em Science and

hum an behav ior (1953, p .97), q u an to às em oções:

Se o p rob lem a da em oção for conceb ido apenas com o questão de e stados in terio res, não é provável que se consiga progressos em

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tecnologia prática . N ão é de qu a lq u er auxílio , na so lução de um

problem a prático , d izer-se q u e a lgum aspec to do com p o rtam en to do hom em se deve à frustração ou à ansiedade; p rec isam os ta m ­bém saber com o a fru stração ou a ansiedade foram induzidas e

com o podem se r alteradas. N o final, nos en co n tram o s lidando com

dois even tos - o co m p o rtam en to em ocional e as condições m an i­puláveis das quais esse co m p o rtam en to é função - q u e co n stitu em

o objeto p róp rio do es tu d o da em oção... N ão se con funda a em oção

com o um “estado" h ipo té tico , com o co m p o rtam en to observado

d u ran te um a em oção; não se confunda com a fom e nada além do

com er. O h om em encolerizado , com o o h om em fam into , m o s tra

um a tendênc ia a agir de ce rta m aneira . Pode nunca chegar a agir daquela m aneira , m as, não o b stan te , podem os lidar com a p ro b a ­

bilidade de que o fará.

De qualquer m aneira, res ta ev iden tem en te m u ito ao b eh a­viorism o radical a inda po r fazer no cam po das em oções, dos sen tim entos, dos m otivos, da criatividade. N ão ex istem m uito s program as de p esqu isa sistem atizados nessas áreas. Poucos são os estudos publicados em periódicos especializados em arte, por exemplo, que tenham características de análise com portam ental. Nessa direção, o behaviorism o radical é incipiente e realm ente - não no sen tido teórico, m as no de escassa produção de pesquisa em certas áreas, em contrapartida à ex tensa produção em ou tras - não dá conta da explicação de grande parte do com portam ento , apesar dos esforços conjecturais de Skinner. O que não se encara como dem érito , de vez que os esquem as conceituais ap re sen ta ­dos indicam auspiciosa chance de explicação desses tem as.

Ao negligenciar a dignidade e o livre-arbítrio, o behaviorismo radical seria uma ameaça aos ideais libertários

Particu larm ente pelo tipo de redação que deu ao seu Beyond freedom and dignity (1971b), para o português vertido com o O mito

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da liberdade (1972), ao tra ta r das noções fundam enta is de liber dade e d ign idade hum anas, Sk inner recebeu críticas inúm eras p roven ien tes não só da m íd ia com o tam bém de profissionais dá área de Psicologia, Filosofia e C iências Sociais. Sk inner tam bém faz sua crítica ao que denom inou de tradicional “lite ra tu ra da liberdade e da d ign idade” pela conceptualização não-objetiva desses dois ideais ex trem am en te caros à hum anidade. Im porta recuperar parte de suas afirm ações para avaliar o m odo com que encara essas questões. Para tan to , supõe-se justificada a trans­crição de longa citação (1971b):

A im p o rtân c ia d essa lite ra tu ra d ific ilm ente pode ser questio ­nada. Sem ajuda ou o rien tação , as pessoas se su b m etem a condi­

ções aversivas de um a form a sem dúvida su rp reen d en te . Isto é ver­dadeiro a té m esm o q uando ta is condições fazem p arte do am bien­

te n a tu ra l. D arw in observou , p o r exem plo, que h ab itan tes da Terra do Fogo pareciam não fazer q u a lq u e r esforço para se p ro teger do

frio; usavam p o u qu íssim as roupas, a té m esm o nas in tem péries. E

um dos fatos m ais su rp reen d en tes na lu ta pela liberdade de um

con tro le in tencional é a freqüen te consta tação da om issão. M uitos se su b m ete ram , d u ran te séculos, às m ais ev iden tes form as de con­

tro le q u e r relig ioso , q u e r esta ta l ou econôm ico, lu tan d o pela liber­dade apenas esporad icam en te , se é que o fizeram . A lite ra tu ra da liberdade tem co n trib u íd o sign ificativam ente para a elim inação de m u ita s p rá ticas aversivas no governo, na religião, na educação, na v ida fam iliar e na p rodução de bens. N o en tan to , as contribu ições

d essa espécie nem sem pre são descritas n esses te rm os. Pode-se d i­zer que algum as teo rias trad ic ionais co n ce itua lm en te defin iram a

liberdade pela au sência de con tro le aversivo, m as a ênfase recai na m aneira pela qual esta condição se faz sen tir. Já de o u tra s teorias trad ic ionais, poderíam os d izer que conceituaram a liberdade com o condição onde o ind iv íduo se co m p o rta sem con tro les aversivos, m as o que se en fa tiza n esse p o n to de v is ta é um estad o de espan to associado ao fato de se fazer o que se quer. S egundo John S tuart Mill, "a liberdade consiste em fazer o que se dese ja”. A lite ra tu ra da liberdade tem sido im p o rtan te na m odificação das p ráticas ...

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m as apesar d isso , não defin iu su a m issão com o sendo a m udança

de estado de esp írito e sen tim en to s .

A liberdade é, p o r assim d izer, u m a "p rop riedade" . A lguém

escapa ou destró i o p oder de um agen te de con tro le com o in tu ito

de se sen tir livre; e um a vez que o consiga e possa fazer o que d ese ­ja n e n h u m a ação além d essa é recom endada ou p rescrita pela lite ­ra tu ra da liberdade, salvo u m a vigilância e te rn a para que o c o n tro ­

le não volte a se in sta lar, (p.28-9)

O prob lem a é lib e rta r os h o m en s, não do con tro le , m as de cer­

tos tipos de con tro le , e só po d erá ser so lucionado se nossa análise puder considerar todas as conseqüências em jogo. R efletir sob re o

sen tim en to do povo em relação ao con tro le , an tes ou depo is da

atuação da lite ra tu ra da liberdade sobre ele, não conduz a d iscu s­

sões ú teis. N ão fosse pela in justificada generalização de q u e todo

contro le é ru im , poderíam os lidar com o am b ien te social com o li­dam os com o não-social. E m bora a tecno log ia te n h a libertado o

hom em de certos aspectos aversivos do con tro le , não o libertou do

am bien te . A ceitam os o fato de que d ependem os do m u n d o que

nos cerca, e s im p lesm en te m odificam os a n a tu reza da d ep en d ên ­cia. Do m esm o m odo, para to rn a r o am b ien te social tão livre q u a n ­

to possível de estím u lo s aversivos, não prec isam os d e s tru ir esse

am bien te ou fugir dele; p rec isam os rem odelá-lo .

A lu ta do h om em pela liberdade não se deve ao desejo de ser livre, m as há certos p rocessos carac terísticos de co m p o rtam en to

do o rgan ism o, cuja conseqüência principal é ev itar ou fugir dos

cham ados aspectos aversivos do am b ien te . A s tecnologias físicas e biológicas têm estado in te ressad as p rinc ipa lm en te nos e s tím u lo s aversivos na tu ra is; a lu ta pela liberdade e s tá p reocupada com e s tí­

m ulos in ten c io n a lm en te fornecidos p o r o u tro s indiv íduos. A lite ­ra tu ra da liberdade tem iden tificado esses ind iv íduos e tem su g e ri­do m eios de fugir deles, ou de en fraquecer seu poder. T em tido ex ito na redução dos e stím u lo s aversivos em pregados no con tro le

in ternacional, m as e rrou ao defin ir a liberdade em te rm o s dos e s ­tados de e sp írito ou sen tim en to s . Por isso, não tem sido capaz de lidar eficazm ente com técn icas de con tro le que não p rovoquem a fuga ou a revolta, m as, no en tan to , p roduzem conseqüênc ias aver-

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sivas. Tem sido forçada a rotular todo controle como errado e a de turpar muitas das vantagens extraídas do ambiente social. Está despreparada para o passo seguinte, que não será o de libertar os homens do controle, mas, sim, analisar e modificar os diversos ti­pos de controle a que se encontram submetidos, (p.35-6)

Com relação à qu estão da dignidade, afirm a Skinner:

Qualquer evidência de que o comportamento de uma pessoa pode ser atribuído a circunstâncias externas, parece ameaçar sua dignidade ou valor. Nossa tendência é não valorizar alguém por suas realizações que, na verdade, se devem a forças sobre as quais não tem controle. Toleramos, em parte, algumas evidências nesse sentido, ao aceitarmos sem alarde alguns indícios de que o homem não é livre. Ninguém se inquieta quando importantes detalhes de obras de arte ou literatura, carreiras políticas e descobertas cientí­ficas são atribuídos a “influências exercidas na vida dos artistas, escritores, estadistas e cientistas, respectivamente”. Como, po­rém, a análise do comportamento traz outros indícios, as reali­zações pelas quais se é valorizado quase que se anulam e tanto a evidência quanto o conhecimento que a produziu passam a ser questionados.

A liberdade é um problema referente às conseqüências aversi- vas do comportamento, mas a dignidade diz respeito ao reforça- mento positivo. Quando alguém se comporta de um determinado modo, que consideramos reforçador, aumentamos a probabilidade de que venha a agir novamente assim, através de elogios ou de aprovação... A recompensa e a aprovação são geralmente reforça- dores porque se alguém elogia uma pessoa ou aprova um ato seu, tende a reforçá-la de outras formas também. O reforço pode ser a redução de uma ameaça, ao mesmo tempo que aprovar uma resolução muitas vezes se resume simplesmente em deixar de se lhe opor.

É possível que haja u m a tendênc ia n a tu ra l para reforçarm os aqueles q u e nos reforçam , assim com o parece haver um a inclina­ção p ara a tacarm os q u em nos ataca; m as esse co m p o rtam en to e gerado p o r m u ita s con tingências sociais. E logiam os os que traba­

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lham em nosso beneficio, p o rq u e som os reforçados por c o n tin u a ­

rem a fazê-lo. Q u an d o dam os valor a a lguém p o r algum a coisa, a s­sociam os um a conseqüência refo rçadora adicional. E logiar u m a

pessoa por ganhar um jogo é en fa tizar que a v itó ria d ependeu de

algo que ela fez, e assim a v itó ria se to rn a m ais reforçada ainda,

(p.37-8)

Pode p arecer não haver ganhos com pensado res q u an d o a d ig­

n idade ou o valor são descaracterizados p o r u m a análise científica fundam ental, não se considerando as aplicações tecnológicas. É

ineren te ao p rog resso científico que as funções do h om em a u tô n o ­

m o sejam assum idas um a a um a, à m edida que o papel do am bien te

vai sendo m ais bem com preendido. U m a concepção científica p a re ­ce degradan te , p o rque nada re s ta ev en tu a lm en te p ara o m érito do

hom em au tônom o . E q u an to à adm iração no sen tid o de d e s lu m ­

bram en to , o co m p o rtam en to q u e adm iram os é o que não som os capazes de explicar ainda. A ciência n a tu ra lm en te busca um a exp li­

cação m ais am pla d esse co m p o rtam en to , seu objetivo é a e lucida­ção do m istério . O s defensores da d ign idade p ro testa rão ; ao fa-

zê-lo, con tudo , esta rão ad iando u m a realização pela qual, trad ic io ­

nalm en te falando, receberam os m aio res reconhec im en tos e pela qual seríam os adm irados.

R econhecem os a d ign idade ou o valor de alguém q u an d o o va­lorizam os pelo que fez. O grau d essa valorização é inversam en te

p roporcional à ev idência das causas do seu co m p o rtam en to . Se não sabem os p o r q u e um a pessoa age de d e te rm in ad o m odo, a tr i­bu ím os en tão o co m p o rtam en to à p róp ria pessoa. T en tam os o b te r

m aior reconhec im en to de nós m esm os, ocu ltan d o as razões de cer­tos co m p o rtam en to s ou a legando razões m enos poderosas para agirmos. Evitam os passar por cim a dos m éritos alheios, controlando as pessoas sutilm ente. A dm iram os as pessoas até onde não som os capazes de explicar o que fazem , e en tão a palavra "ad m ira r” s ign i­fica "m arav ilhar-se co m ”. O que podem os cham ar de lite ra tu ra da d ignidade diz respe ito à p reservação do m érito alheio . Pode-se opor aos p rogressos da tecnologia, inclusive de u m a tecnolog ia do

com portam en to , pois ta is p rog ressos d es tro em as possib ilidades de ser adm irado e de um a análise fundam en ta l po r o ferecer um a

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explicação a lte rna tiva ao com p o rtam en to do qual o p róprio ind iv í­

d u o a n te r io rm e n te se vang lo riou . P o rtan to , a li te ra tu ra se coloca no cam inho de u m a realização h u m an a m ais am pla. (p. 46-7)

E o p o rtu n o in te rro m p er a citação, neste pon to , para sim ­ples constatação das razões fundam enta is pelas quais Skinner p roduziu tan ta rejeição quando tra to u das q uestões da liber­dade e da dignidade. Seu raciocínio cam inha por um a análise de d esm erec im en to da lite ra tu ra a respeito e deságua na conclusão de que tal lite ra tu ra chega m esm o a im pedir "um a realização hu m an a m ais am p la”. D esnecessárias explicações m aiores para se en ten d e r po r que to d a a m íd ia e to d a a ciência, que sem pre estiveram às voltas com q uestões tão im ensam en te caras com o liberdade e d ign idade hum anas, se revoltaram e passaram a publicar recensões críticas, réplicas e artigos diversos. N ão sem m otivo, já que, m esm o que S kinner estivesse tecn icam ente cor­re to em sua análise, não o esta ria po liticam ente, um a vez que, em bora tal lite ra tu ra possa não levar ob jetivam ente a efetivas conqu istas no sen tid o da m udança ou elim inação do controle social au to ritá rio , ela m anteve com o sua finalidade básica, d u ran te to d a a ex istência da hum anidade, a ten ta tiv a de encon­tra r os cam inhos do bem com um . De m odo que não seria tal finalidade, a lu ta pela liberdade e pela dem ocracia, senão a m etodologia envolvida, a q uestão fundam enta l sob avaliação crítica por Skinner.

Do p o n to de v ista técnico, S kinner q u estio n a a lite ra tu ra da liberdade no sen tido de que esta ten ta ria abolir o contro le e, para ele, não há com o elim iná-lo, m as apenas alterá-lo, já que e p arte ineren te à n a tu reza das in terações hum anas. R essaltando um a vez m ais que, do p o n to de v ista da filosofia behaviorista radical (com seu p re lim inar d e te rm in ism o), o com portam ento (tan to em grupo q u an to ind iv idualm ente) e s tá inevitavelm ente su je ito ao contro le , en ten d id o este com o to d a so rte de in flu ê n c ia

que receba e exerça sobre o am bien te em geral, m as particu lar­

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m ente Sobre o am bien te social. Para Skinner, p o rtan to , o con­trole é inevitável. A afirm ação choca, porém o que ele es tá q u e ­rendo afirm ar é que o con tro le não deve ser identificado, com o geralm ente é feito pelo leigo, com o con tro le aversivo. A lgum controle, no sen tido da m ultide term inação , inevitavelm ente existe. O que ele propõe, in abstracto, é a substitu ição do con­trole por contro le sem pre positivo, com o já se explicitou em outro lugar deste trabalho . D ito m ais porm enorizadam en te , o que Skinner p re ten d e é um p lanejam ento cu ltu ra l no qual a sociedade, organizada, eleja quais serão as form as das regras, norm as, acordos e leis que m an terão contro ladas as condu tas hum anas, ao m esm o tem po que prescreve con tro le positivo do com portam ento .

É nesse po n to que se chocam , para os críticos, os seus con­ceitos e os de S kinner acerca da liberdade. E n tra aí a q uestão do livre-arbítrio, não adm itido por Skinner com o sendo algo ine­rente ao ser hum ano , m as um a qu estão un icam ente de arranjo de contingências. A ssegura ele que, n esse sen tido , m aior ou m enor liberdade dependem de um arran jo m ais, ou m enos, bem elaborado de contingências.

No m om en to em que declara que o con tro le é inevitável, Skinner es tá (supostam en te , diga-se) se colocando em oposição frontal à sua crítica, que po r trad ição nega o con tro le e en ten d e que este é abom inável, já que to lh e as liberdades individuais. N esse sen tido , en ten d e a crítica que S kinner e seu behavio­rism o radical são defensores do con tro le social. O caso, e n tre ­tanto , é que o in tu ito de S kinner é m o stra r que o con tro le inevi­tavelm ente existe e que suas form as precisam ser alteradas, pelo rearranjo de contingências sociais, rep resen tadas pelas condutas individuais e das in stitu ições (governo, religião, e d u ­cação, agências de con tro le em geral).

D iscussão sem elhan te , m as de m en o r in tensidade , se ap re­sen ta na análise sk inneriana da dignidade. Diz S kinner que o fato de se pensar n u m a ciência do co m p o rtam en to em que se

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to rn a possível a identificação das contingências que determ i­nam as condu tas consideradas d ignas sim p lesm en te retira ou reduz m u ito o m érito de quem executa tal ação (digna). Ou seja, q u ando se desconhece, ou quando se vive sob condições em que não há in te resse em conhecer as reais razões pelas quais um a pessoa foi levada a p raticar um a ação digna (ou qualquer o u tra aprovável: benevolente, a ltru ís ta etc.), acaba-se por a tri­bu ir todo o m érito a qualidades in ternas, in trínsecas, a caracte­res id iossincráticos da pessoa. N o caso de u m a ciência do com ­p o rtam en to , a com preensão das contingências se faria de tal m odo que m u ito da m eritocracia cairia po r terra. O que, no e n ten d e r da crítica, re tiraria m u ito da qualidade humana do ser h um ano , ou seja, a co n d u ta se encam inharia para um a insossa com preensão m ecanicista . R etom ando Skinner (1971b):

H á u m a tendênc ia co rren te de su b s titu ir con tro le p o r resp o n ­

sabilidade, e p rovavelm en te o con tro le não é v is to com o um a p ro ­

priedade do h om em au tônom o , pois exp lic itam en te se refere a condições ex te rnas. A afirm ativa de que só “um h om em livre pode ser responsável p o r sua co n d u ta" con tém dois significados, depen­

den d o de em que estam os in teressados: se na liberdade ou se na responsab ilidade . Se q u erem o s d izer que as pessoas são re sp o n sá ­veis, nada devem os fazer p ara in fring ir su a liberdade, po is se não

forem livres para ag ir não poderão ser consideradas responsáveis. Se q u e rem o s d izer que são livres, devem os considerá-las responsá­veis po r seu co m portam en to , m an ten d o as contingências, pois se ag issem do m esm o m odo em con tingências não punitivas, ficaria

claro que não seriam livres, (p .57-8)

A té certo p o n to , as lite ra tu ra s da liberdade e da d ignidade co n trib u íram para a a tenuação len ta e irregu la r dos aspectos aver-

sivos do am b ien te h um ano , inc lu indo os aspectos em pregados no

con tro le in tencional. M as a ta re fa foi re fo rm u lad a de tal form a que, hoje , não po d em ace ita r o fato de q u e to d o o co n tro le é exer­cido p e lo am b ien te e q u e o cam in h o a se r d e lin ead o é o e s tab e ­le c im en to de melhores ambientes em vez de melhores homens, [grifo

n osso ] (p .63)

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N esse trecho, fica evidente o en tusiasm o desm edido de Skin­ner com a possib ilidade de que sua ciência do co m portam en to seja capaz de servir, tão im edia tam ente , com o o in s tru m en to ideal para que se rearran jem as contingências que abririam o cam inho em direção à liberdade. Fica evidente, tam bém , que sua discrepância m ais aguda está em ap o n ta r o rearran jo de con­tingências com o fato r crucial na d ireção de m u d ar o hom em . O u seja, para que se consiga m u d a r o ho m em é necessário , p a ra ­doxalm ente , m u d ar as condições sob as quais ele p ró p rio vive, m ovido pelas a tu a is c ircu n stân c ias desfavoráveis. A firm a

(1971b):

O melhor governo é aquele que menos governa, ou seja, quan­do tem à disposição outras formas de controle. Na medida em que o governo é definido pelo seu poder de punir, a literatura da liber­dade tem sido útil ao promover a transferência para outros méto­dos, mas em nenhum outro sentido tem libertado as pessoas do controle governamental. Economia livre não significa ausência de controle econômico, pois nenhuma economia será livre enquanto os produtos e o dinheiro permanecerem como reforçadores. Quan­do nos recusamos a estabelecer qualquer controle sobre salários, preços, usos de recursos naturais, com o objetivo de não interferir na iniciativa privada, deixamos o indivíduo sob o controle de con­tingências econômicas não planejadas. Também não existe escola "livre”. Se o professor não ensina, os alunos somente aprenderão se contingências menos explícitas, mas ainda assim eficazes, pre­valecerem. O terapeuta não diretivo pode libertar seu paciente de certas contingências prejudiciais de vida, mas o paciente "encon­trará sua própria solução" somente se contingências éticas, gover­namentais, religiosas, educacionais, ou de qualquer outra ordem o induzirem a fazê-lo. (p.75) Uma pessoa não age pelo bem ao próxi­mo ou por causa de um sentimento de posse, ou se recusa a fazê-lo por causa de um sentimento de alienação. Seu comportamento de­pende do controle exercido pelo ambiente social, (p.85)

[Assim] a luta pela liberdade e dignidade tem sido entendida muito mais como uma defesa do homem autônomo do que propria­

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mente como uma revisão das contingências de reforçamento sob as quais as pessoas vivem. Uma tecnologia do comportamento será útil no sentido de reduzir de forma satisfatória as conseqüên­cias aversivas do comportamento, próximas ou retardadas, e de ampliar as possibilidades de realização do que o ser humano é ca­paz, mas os defensores da liberdade se opõem ao seu emprego. A oposição pode suscitar algumas questões que dizem respeito a "valores”.

A quem cabe decidir o que é bom para o homem? Como uma tecnologia mais eficaz será empregada? Por quem e com que obje­tivo? Estas são, na realidade, questões referentes a reforços. Du­rante o curso da evolução, para algumas espécies algumas coisas se tornaram “boas" e podem ser usadas para induzir as pessoas a agi­rem "pelo bem dos outros”. Quando usadas em excesso, podem ser desafiadas e o indivíduo pode se voltar para coisas boas apenas para si. O desafio pode ser respondido pela intensificação das con­tingências que geram o comportamento em direção ao bem alheio, ou salientando os benefícios individuais negligenciados anterior­mente, tais como os conhecidos por segurança, ordem, saúde, ri­queza e sabedoria. Possivelmente de forma indireta, outras pes­soas trarão o indivíduo sob o controle de algumas conseqüências remotas de seu comportamento e o bem do outro, então, resultará no bem do próprio indivíduo, (p.95-6)

Q uando d iscu te Walden Two, A ndery (1993) re tom a a q u es­tão da substitu ição do con tro le aversivo po r reforçam ento posi­tivo, a p a rtir de S kinner (1978). Para a au to ra , Skinner en tende qu e a chave da qu estão do p lanejam ento cu ltu ral estaria na for­m ação de um a cu ltu ra em que seus m em bros m an ten h am fortes relações in terpessoais, assegurando con tro le m aior po r con tin ­gências de reforçam ento do que por regras m ediadas institucio- nalm ente. N a lite ra tu ra crítica, todavia, freqüen tem en te encon­tram -se severas críticas à u to p ia sk in n erian a de Walden Two, po r vezes advindas, no en ten d e r de Rakos (1992), de m al­en ten d id o s de do is tipos: o prim eiro , que vê o behavionsm o radical concebendo o hom em com o um au tô m ato apenas pos­

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suidor de reflexos, cuja cria tiv idade a tecno log ia com porta - m ental p rocuraria to lh e r em favor de um a conform idade ao am biente; o segundo derivado de um a falha dos behavioristas em m ostrar aos dem ais e s tud iosos sua apreciação da com plexi­dade das relações sociais e do co m portam en to hum ano , em conseqüência de suas asserções dogm áticas e ex trem adas. Para Rakos, os behavioristas estão apenas com eçando a tran s ita r dos fenôm enos sim ples para os com plexos. N esse sen tido , assevera que Walden Two é obra que precisa ser en ten d id a com o m ais um a utopia, acrescen tando que não deve ser en ten d id a com o um m odelo defin itivo de p ro p o sta de vida em com unidade. Para ele, essa não deve ser en ten d id a com o a grande contribu ição de Skinner: "De um a só pessoa não se pode esperar um a u top ia rea­lizável, a so lução para os problem as educacionais, a descoberta do cam inho para a paz e h arm on ia no m undo, ou a elim inação da pobreza”. O legado de Skinner, diz Rakos (1992), é “m uito mais valioso que suas p róprias so luções”, e, referindo-se de novo ao livro: "Ele nos ensinou um cam inho fru tífero e lu m i­noso para analisar o co m portam en to d en tro do seu co n tex to ” (p. 1505). N a prática, inúm eras aplicações da ciência do com ­portam ento estão sendo im plem entadas, m u itas sob as ressa l­vas que já se com entaram neste livro. Q u an to ao d e lineam en to cultural, m u ito há que ser feito. N o estilo Walden Two, po r exem plo, apenas um a com unidade experim ental, no m u n d o inteiro, sobrevive até hoje: tra ta -se de Los H orcones, localizada em H erm osillo , estado de Sonora, no M éxico, fundada em o u tu ­bro de 1973 por u m grupo de se te pessoas in teressadas na p re ­venção e solução de problem as sociais m ed ian te u m a sociedade alternativa baseada na cooperação, igualdade, não-violência, com partilham ento e respe ito ecológico. Tais ideais são m an ifes­tados pelos p róprios m em bros da com unidade, que conduzem experim entos sociais, publicam artigos científicos e m an têm Um Slte na in te rn e t (h ttp ://w w w .lo sh o rco n es.o rg .m x ) em que se pode saber de ta lhes sobre com o vivem seus m em bros q u an to

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à educação pessoal e de seus filhos, relações in terpessoais código de contingências com unitárias, s is tem a econôm ico, d is­tribu ição igualitária de bens, s istem a de adm issão de m em bros trabalho , s is tem a de governo (personocracia), busca da auto- suficiência, características da fam ília com unitária , saúde, reli­gião e m u ito s o u tro s aspectos (Los H orcones, 1997). O s lim ites para um a eventual generalização d ire ta dos achados de um a com unidade experim en ta l d im in u ta para a população de todo um país podem se r v islum brados em o u tra novela utópica, Wal- den Três, que A rdila escreveu em 1979 e que foi recen tem ente v ertida ao po rtu g u ês (2003).

As m udanças necessárias na p rática social para a construção de um a nova cu ltu ra são m uitas, n a tu ra lm en te . N a perspectiva de Skinner, to rna-se im prescindível um rearran jo de con tingên­cias sociais. D ito de m odo coloquial, um a m udança nas regras do jogo é indispensável. Para m uitos, essa m udança deve com eçar com o ensino de novos valores m orais e éticos, a p a rtir da escola, o que corresponde ao p ro jeto de preparação para a cida­dania. N a perspectiva de G oldiam ond (1968), a reconstrução da idéia de d ire itos e deveres, possivelm ente pela reorganização das contingências sociais, pode ser um cam inho. Q ue deve levar em conta as críticas de Mills (1982), acerca dos conceitos do que é bom ou positivo ou mau ou negativo na perspectiva skinneriana.

A qu estão da d ignidade e da liberdade, que faz que, para os críticos, S k inner pareça a esses conceitos um a séria am eaça, recebeu tra tam en to sem elhan te em diversos au to res (Berlyne, 1972; P latt, 1972; G ianotti, 1974; A udi, 1976; Begelm an, 1978; McGray, 1984; G arrett, 1985; Segai, 1987). Seria im praticável, ao m esm o tem po que não co nstitu i objetivo específico deste ensaio , por não se p re ten d er um estado da arte, a análise parti­cularizada do tem a aqui colocado. A lm eja-se, po rtan to , te r um a idéia panorâm ica do con tex to e do perfil am plo da crítica, de m odo que um a visão geral da m esm a pode co n trib u ir para um a reavaliação de tendências.

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Não é dem ais, todavia, reafirm ar que a densidade da crítica, especialm ente no item da liberdade e da dignidade, sem pre foi m uito grande. Q u an d o a lite ra tu ra é e sc rita p o r não -c ien tis tas , m as pelo s ta ff dos jo rn a is e rev istas, em geral há u m a lin g u a ­gem m ais sensac iona lista , p o rque o periódico d irige-se ao grande público e o objetivo é a venda de m u ito s exem plares. Num desses artigos (Time, 1971, p .5), lê-se:

A mais grave ameaça de Skinner é o seu autoritarismo, na vi­são dos seus críticos. Eles rejeitam a idéia de que o homem não pode mais se dar ao luxo da liberdade, e acreditam no fato de que ele não se pode dar mais ao luxo do oposto. Diz Herbert C. Kel- man, psicólogo social de Harvard: "para aqueles de nós que sus­tentamos o encarecimento da liberdade de escolha do homem, como um valor fundamental, qualquer manipulação do comporta­mento, independente da ‘boa intenção’ da causa que essa manipu­lação possa ter, essa sempre será má proposta”.

Para Kelman, a "ambigüidade ética" da manipulação compor- tamental é a mesma, quer a limitação na escolha venha "através da punição ou recompensa, ou mesmo através de um arranjo tão per­feito na sociedade, que as pessoas não possam mais escolher". Rollo May, psiquiatra existencialista, acredita que Skinner é um ditador totalitário, sem sabê-lo plenamente. "Nunca encontrei ne­nhum lugar para o rebelde no sistema de Skinner", diz ele, "entre­tanto a capacidade de rebelião está na essência de uma sociedade construtiva". Richard Rubenstein, professor de religião na Florida State University, pergunta-se o que poderia acontecer aos possíveis rebeldes que surgissem na sociedade de Skinner: “suponha que algum futuro controlador diga a grupos dissidentes: ‘compor­tem-se, malditos!’. O que impediria o controlador de empregar a sua própria decisão final?”.

Skinner é cético com respeito à democracia. Observando que a sociedade já está usando tais meios ineficazes de controle compor- tamental, como persuasão e educação convencional, ele insiste que os homens de boa vontade devem adotar técnicas mais efica­zes, usando-as para "bons propósitos”. Em sua sociedade planifi-

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cada, d iz ele, o con tro le seria equ ilib rado pelo con tracon tro le pro vavelm en te fazendo "do co n tro lad o r um m em bro do grupo que ele con tro la" . Isso a judaria a assegu rar que a pun ição nunca seria aplj

cada, m an tém Skinner, ressa ltan d o "que foi o uso do controle

aversivo que d e s tru iu H itler: o s is tem a n az is ta tin h a constru ído em si m esm o a sua p róp ria destru ição . Q uando se contro la desse m odo as p essoas e stão p ro n tas a reagir".

A fora os exageros do senso com um , depreende-se da crítica que o behaviorism o radical de Skinner deve dedicar especial a tenção à tarefa de desenvolver tecnologias a serem colocadas à d isposição da m aioria excluída da população, no sen tido de aju­dá-la a se in stru m en ta liza r para a conqu ista de m ais am plo equ ilíb rio social. O u seja, apenas analisar tecn icam ente o fato de q u e os con tro les são inevitáveis não assegura a colocação, no lugar desses con tro les ex isten tes, de form as alternativas que sejam favoráveis à m aioria.

N essa direção, é preciso lem brar que o trabalho a ser desen­volvido não é apenas técnico, o que pode ser suprido por pes­quisas de a lternativas de con tracon tro le a serem utilizadas n u m a psicologia com un itá ria verdadeiram ente engajada. E necessário , ainda, que se con tinue procedendo à especulação teórica, m ecan ism o suscitado r de férteis a lternativas, em p rin ­cípio, com as quais o behaviorism o radical possa m o stra r que, de fato, pode não ficar ao lado do poder dom in an te (nem ser u n icam en te u tilizado por este ), m as que pode te r um projeto para e s ta r ao alcance da pessoa com um em busca de sua verda­d eira cidadania.

N esse sen tido , um a das coisas m ais im p o rtan tes a que o behaviorism o radical deve d ar atenção é a d ifusão dos conheci­m en to s acerca das relações funcionais en tre o com portam en to e even tos do m eio e sobre com o esse con tro le pode ser (e é) cons­tru íd o socialm ente. C om partilha-se com O m ote (1995) que “o co n h ec im en to (ou a " tran sp arên c ia") acerca dos m ecan ism os de co n tro le social é, seg u ram en te , um in s tru m e n to fu n d a­

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m ental para as populações even tua lm en te subm etidas ao con­trole to ta litário" (p.7).

N a tu ra lm e n te , o s a n a l i s ta s d o c o m p o r ta m e n to já d e r a m

d e m o n s tra ç ã o d a s p o te n c ia l id a d e s d a a b o rd a g e m p a ra o e n c a ­

m in h a m e n to a p ro p r ia d o d e s o lu ç õ e s a v á r ia s q u e s tõ e s so c ia is .

A n á lise c r i te r io s a d a s p u b lic a ç õ e s d e a lg u n s d o s m a is r e le v a n te s

p e r ió d ic o s c ie n t íf ic o s e m q u e o s b e h a v io r is ta s e s c r e v e m (Journal of Applied Behavior Analysis, Behaviorists for Social Action Journal, Behavior Analysis and Social Action e Behavior and Social Issues) fo i

fe ita p o r R illo (2002), l i s t a n d o g ra n d e v a r ie d a d e d e q u e s tõ e s

c o m u n i tá r ia s a b o rd a d a s e ra z o á v e l n ú m e r o d e p u b lic a ç õ e s .

E n tre ta n to , é c e r to q u e r e s ta a in d a u m a g ra n d e g a m a d e in d a g a ­

çõ es s o b re q u a is a s m a n e i r a s c o n c re ta s p e la s q u a is o b e h a v io -

r is ta p o d e c o n t r ib u i r n a p e r s p e c t iv a d o d e l in e a m e n to c u l tu r a l .

E ssa , a n o s s o v e r , é a á r e a d e a tu a ç ã o m a is im p o r t a n te p a r a a

P sico lo g ia , d e m o d o g e ra l , n o s p ró x im o s a n o s .

Miscelânea: outras críticas e temas polêmicos

Inúm eras o u tras com parações, críticas, recensões e p o ssí­veis com parações estão p o stas na lite ra tu ra científica a p a rtir do behaviorism o em geral e, p articu larm en te , do behaviorism o radical. M uitas aproxim ações e d istinções foram ten tadas, como a de U lm an (1991), en tre M arx e Skinner. E n tre tan to , com o o escopo deste ensaio cobre lim itadam en te algum as ca te ­gorias e critérios a rb itra riam en te sugeridos, apenas m ais a lguns exem plos serão abordados para am pliar a am ostra de possib ili­dades que o le ito r encon trará d ire tam en te na lite ra tu ra .

Algumas dimensões da divergência Freud x Skinner

De m odo oposto a Freud, S kinner privilegia, no behavio- n sm o radical, a influência do m undo ex terio r sobre o com porta-

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m ento , em bora, com o já se frisou, adm ita a significativa im por­tância das condições corporais in ternas. Por essa preferência p o r um in terac ion ism o organ ism o-am bien te que se reflete n u m a concepção p robab ilística qu an to à freqüência de ocorrên­cia do com portam en to , S kinner tem sido criticado veem ente­m en te . Tal se dá no tocan te a sua recusa em acred itar na ex istência de e s tru tu ra s in te rnas da personalidade. Sua concep­ção em relação ao que cham a de “m u n d o in te rio r da em oção e da m otivação" à v ista da análise freud iana , é dada em About behaviorism (1974):

[O s m ecan ism os de defesa] têm sido defin idos com o "as rea­

ções de persona lidade por m eio das quais um ind iv íduo ten ta sa­

tisfazer suas necessidades em ocionais; po r exem plo , harm onizar esforços conflitan tes: reduz ir sen tim en to s de ansiedade ou de cul­

pa o riu n d o s de desejos, p en sam en to s e em oções que não são acei­táve is” . C onceituações a lternativas podem se r deduzidas das con­

tingências responsáveis pelo com p o rtam en to do qual se inferem

os d inam ism os. C onsiderare i trê s exem plos, u sando definições do Third International Dictionary, de W ebster.

Repressão: "U m processo ou m ecan ism o de defesa do ego pelo

qual desejos e im pu lsos incapazes de ser sa tisfe ito s são m an tidos fora da consciência ou to rn ad o s inacessíveis a ela". Em vez de "de­

sejos ou im pulsos”, leia-se "probabilidade de com portam en to"; em vez de "incapazes de ser sa tisfe ito s”, leia-se "ex tin to s ou pun idos" e em vez de "m an tid o s fora da consciência ou to rnados inacessíveis

a ela", leia-se “não observado in tro sp ec tiv am en te” ... T em os en tão o segu in te: o co m p o rtam en to que é p u n id o to rn a-se aversivo e ao não ado tá-lo ou não "vê-lo" um a pessoa evita estim u lação aversiva

condicionada. H á sen tim en to s associados a isso, m as os fatos são explicados pelas con tingências. A palavra "rep ressão ” faz parte de u m a com plexa m etáfo ra q u e dá um cará te r d inâm ico ao efeito da punição . Q u an d o os sen tim en to s não podem ser expressos, diz-se q u e a p ressão au m en ta a té ocorrer u m a explosão. U m jo rnal afir­m a que "o que a ssu s ta em pessoas caladas com o B rem er, S irhan e O sw ald é que deve haver m ilhões com o eles nos E stados U nidos,

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guardando a raiva dentro de si até - por falta da válvula de seguran­ça que a maioria dos indivíduos possui - explodirem". Mas o que acontece quando uma pessoa “guarda a raiva dentro de si" e o que é a "válvula de segurança" por via da qual muitas pessoas descarre­gam a pressão emocional? As respostas hão de ser encontradas nas condições em que o comportamento se torna muito forte porque não pode ser emitido.

Muitas vezes temos consciência de uma forte tendência a fazer ou dizer alguma coisa, embora nos falte ocasião para tal; podemos estar "arrebentando de boas notícias", mas não temos a quem con- tá-las. Mais freqüentemente, todavia, não respondemos porque fo­mos punidos; “reprimimos nossa raiva" porque fomos castigados ao “expressá-la". Se ocorre subitamente algo assim como uma ex­plosão, é porque a situação se modificou. Encontramos alguém com quem falar e então liberamos um “fluxo constante de pala­vras” ou nosso comportamento se torna mais forte do que os com­portamentos incompatíveis que o deslocaram anteriormente. Se uma explosão tem conseqüências indesejáveis para outrem, po­dem-se tomar medidas apropriadas para evitá-la. A "pressão” pode ser reduzida criando um ambiente no qual o comportamento seja livremente emitido ou então "os impulsos possam ser canalizados para escoadouros mais úteis". "Armas de brinquedo”, diz um psi­quiatra, "permitem que as crianças resolvam seus conflitos e libe­rem algumas de suas necessidades agressivas". Em vez disso, de­veríamos dizer que elas permitem às crianças comportarem-se agressivamente de formas impunes, (p. 134-5)

Skinner p rossegue em sua análise com os conceitos de con­versão e sublimação, na m esm a linha do que fez com repressão. Não é difícil v isualizar sua tendência a su b stitu ir to d a form a de controle ou de term inação in te rn a do co m portam en to (através da d inâm ica das e s tru tu ra s in te rnas e da libido freudianas) por condições em que se encontram arranjados eventos antecedentes e conseqüen tes do com portam en to . Em v irtude d essa tendência Skinner tem sido criticado, po r te r abandonado o "m u n d o in te ­rior”, de certo m odo relegando o hom em a um a condição desu-

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m anizan te . Form ulações com portam en ta is dos pressupostos freudianos foram analisadas p o r C handra (1976) e M esser & W in o k u r (1980), com m ais riqueza de porm enores.

Behaviorismo e pressupostos neurológicos sob suspeição

A ronson (1976), en tre o u tro s au to res, coloca em dúvida o que caracteriza com o um certo descaso do behaviorism o radical para com os dados da fisiologia dos organism os. A ênfase de tal tipo de crítica é a de que, ao fazer a p on te en tre com portam ento e am biente, Skinner negligencia todo o processo biológico in ter­no. O u tras defesas são na d ireção do tradicional conceito de arco reflexo, segundo o qual possu ím os vias aferentes, centros nervosos e vias eferen tes m ed iando essa relação com portam en- to -am bien te . A cusa-se S kinner de abandonar essa e s tru tu ra e de te n ta r explicar o co m portam en to sem sua existência, com evidente supersim plificação. Posiciona-se Skinner (1974, p.23):

Uma pequena parte do universo está contida dentro da pele de cada um de nós. Não há razão de ela dever ter uma condição física especial por estar situada dentro desses limites, e eventualmente haveremos de ter uma descrição completa dele, descrição que nos será fornecida pela anatomia e pela fisiologia. Todavia, no momen­to, não dispomos de uma descrição satisfatória e por isso parece ser mais importante que entremos em contato com ela de outras maneiras. Nós a sentimos e, num certo sentido, a observamos e se­ria loucura negligenciar tal fonte de informação só por ser a pró­pria pessoa a única capaz de estabelecer contato com seu mundo interior. Não obstante, nosso comportamento, ao estabelecer esse contato, precisa ser examinado.

Respondemos ao nosso próprio corpo com três sistemas nervo­sos, dois dos quais estão particularmente relacionados com traços internos. O chamado sistema interoceptivo transmite a estimula­ção de órgãos como a bexiga e o aparelho digestivo, as glândulas e seus canais, e os vasos sangüíneos. E de fundamental importância

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para a econom ia in te rn a do organ ism o . O cham ado sistem a proprio- ceptivo tran sm ite a estim u lação dos m úscu los, a rticu lações e te n ­dões do esq u e le to e de o u tro s órgãos envolvidos na m an u ten ção

da p o stu ra e na execução dos m ov im en tos. U sam os o verbo "sen ­tir" para descrever nosso co n ta to com esses do is tipos de e s tim u la ­ção. U m te rce iro s is tem a nervoso, o ex terocep tivo , es tá basica­m en te envolvido no ver, ouvir, d egusta r, cheirar e sen tir as coisas

do m undo que nos cerca, m as desem p en h a tam bém papel im p o r­

tan te na observação de nosso p róprio corpo.

Com efeito, o desin te resse sk inneriano para com a com ple­xidade do sistem a neuro lógico subjacen te ao co m portam en to tem soado com o um a negativa a respeito da p rópria existência de um estofo dessa ordem . N ão é o caso. Tal im pressão é decor­rente do fato de que o behaviorism o radical tem focalizado p rio ­ritariam ente as interações com portam ento-am biente, sem en ten ­der que seja possível, com a b iotecnologia v igente, com preender de m odo cabal as exatas funções dos m ecanism os in terio res de processamento dessas in terações. Daí à m etáfo ra da "caixa p reta" é apenas um passo. Por essa p o s tu ra é que Skinner tem sido acusado de tra ta r com um organism o vazio, com o se isso fosse possível. C om o já se d isse em o u tro s m o m en to s d este trabalho , o lugar das variáveis organísm icas, biológicas, neurológicas, in ternas, es tá ce rtam en te reservado no que considera de m ais im portan te o behaviorism o radical, sob abrigo da q u es tão dos eventos privados. E n tre tan to , deixa a exploração de um a parte disso (o escopo es tru tu ra l e funcional biológico) ao encargo e à sorte do desenvolv im ento fu tu ro dessa biotecnologia. Por certo , a Genética, a Inform ática, a C iência da C om putação, a In te ligên ­cia Artificial, a N euro logia e m u ito s o u tro s cam pos têm p rog re­dido de tal form a que o vaticín io de Skinner, de que o fu tu ro m ostrará cada vez m elho r o que está sob a pele, e s tá se cu m ­prindo gradativa e rap idam ente , sem pre m an tida a convicção de que o m aterial de que se com põem co m portam en to e cérebro sao os m esm os, am bos rep resen tan tes do m onism o fisicalista.

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C ontudo , as críticas de A ronson (1976) devem se r conside­radas com o ten d o reflexos im p o rtan tes em pelo m enos um a o u tra direção: o behaviorism o radical não pode perm anecer e te rn am en te à espera de que um com pleto e final desenvolvi­m en to da área neurofisio lógica se consolide. Deve, hoje, re to ­m ar um espaço de pesqu isa na d ireção de um a integração teórica com o u tras áreas, o que tendências recentes, com o a abordagem b iocom portam enta l, têm buscado consolidar. O conhecim ento não se dá apenas sob o ró tu lo do veículo teórico que cada profis­sional escolhe: d eba te r sua qualidade e seus fundam entos é um a v irtude, m as d ar de om bros ao que o u tro s p roduzem , p o r­q u e não re sp o n d em ao m esm o nom e e so b ren o m e do que particularm ente batizam os de ciência constitui, no limite, precon­ceito e p resunção in justificados.

As relações entre behaviorismo e etologia

D úvidas recaem sobre a generalidade dos proced im entos de cond ic ionam ento anim al u tilizados por S kinner d u ran te suas pesquisas. Seus ex-discípulos, os Breland, u tilizaram sua m eto ­dologia para realizar o tre in am en to de m u ito s anim ais, em geral com finalidades com erciais (especialm ente na área da publici­dade). Todavia, as observações feitas pelos Breland, no decurso do ad estram en to de m u itas espécies de anim ais, levaram -nos a se afastarem dos pon to s de v ista sk innerianos sobre o condicio­nam en to operan te . B reland & Breland (1961), num fam oso artigo ("T he m isbehavior o f o rgan ism s"), assinalaram diversos inciden tes de fracasso no ensino dos com portam en tos operan ­tes a algum as espécies anim ais, su spe itando que a continu idade filogenética p roposta por S kinner pudesse e s ta r sob risco. Por exem plo (conform e M arx & Hillix, 1976, p .402):

O s guaxin ins, porcos, m acacos-de-cheiro e o u tro s anim aism ostra ram , freq ü en tem en te , te r d ificuldade em so lta r u m a ficha

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que estavam aprendendo a inserir num distribuidor de comida, do mesmo modo que os humanos inserem moedas em máquinas. Os Breland acreditam que os comportamentos mais primitivos, rela­cionados com alimento, foram ativados em ensaios anteriores e que esses comportamentos mais primitivos interferem no desem­penho da resposta operante.

Breland & Breland (1961, p .684) descreveram essa te n d ê n ­

cia, que cham aram de inclinação instintiva:

O princípio geral parece ser que, quando um animal tem fortes condutas instintivas na área da resposta condicionada, o organis­mo - depois de uma operação contínua - tenderá para a conduta instintiva, em detrimento do comportamento condicionado e até com retardamento ou exclusão do reforço.

Os B reland, fo rm ad o s n a tra d iç ã o a m b ie n ta lis ta sk in n e - riana, transfo rm aram -se em psicólogos que foram , m ais tarde, responsáveis por um a certa reviravolta de alguns behavioristas no sen tido do nativ ism o, in iciada pelos e to log istas e a inda m an ­tida em alguns g rupos de p rofissionais da Psicologia am ericana. Q uanto à con tinu idade en tre espécies e o fracasso na experi­m entação, resta replicação sistem ática para se saber as verdadei­ras razões para o in sucesso dos ex p erim en to s dos Breland: 1. ou há realm ente discrepâncias significativas en tre espécies; 2. ou existiram falhas de p roced im en tos na program ação das p esq u i­sas; 3. ou se exigiram respostas a serem condicionadas im p ró ­prias para a espécie (exem plo pelo absurdo , não se pode en s i­nar, por m ais reforço que se lhe dê, um ra to a voar); 4. e /o u algum a espécie de impulso na m anu tenção de respostas básicas de sobrevivência existem .

C ríticas sim ilares são ap resen tadas em artigo po ste rio r (Bailey & Bailey, 1980), que re tom a o velho a rgum en to da con- trapreparação, segundo o qual algum as características filogené- ticas sobressaem em de te rm inadas condições, acarretando um a

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espécie de resistência ao condicionam ento: se isso se confir­m asse em larga escala - e adm itido o princípio da continuidade in terespécies estaria aí configurada a retom ada da q uestão do livre-arbítrio. Reiterando, no caso das dem ais espécies, a contra- preparação dar-se-ia pela sobreposição do in stin to às co n tin ­gências, ao passo que no hom em tal resu ltado se daria pela capacidade de recusar-se aos efeitos do condicionam ento .

Behaviorismo e espiritualidade: considerações sobre alguns apontamentos da crítica

E nquan to ciência, a A nálise E xperim ental do C om porta­m en to com patib iliza-se com a corren te filosófica do behavio­rism o radical. Isto posto , fica re iterada a idéia de que tal ciência lida, exclusivam ente, com o estofo físico e, p o rtan to , abso lu ta­m en te m ateria lis ta do fenôm eno que estuda, ou seja, o com por­tam en to dos organism os. N esse sen tido , já se frisou aqui que o behaviorism o radical pode se r considerado com o um a espécie de monismo fisicalista, em oposição a q u a lquer o u tra form a de conceber caracteres, ações e consciência h u m an a que se articule com o defesa de um dualism o cartesiano.

Hayes (1984b) percorre um cam inho que não é o de preocu- par-se com a defesa da ex istência ou não de dois estofos, um m ateria l e o u tro im aterial. O que esse au to r p re tende é a com ­preensão cada vez m aio r das razões que m otivam as pessoas a ficarem apegadas à idéia dualista . N esse sen tido , sugere a necessidade de estu d o s acurados dos com portam en tos su p ers­ticiosos, das crenças, das expectativas pós-vida e das norm as sociais e religiosas adotadas, pois é provável que tal tipo de ana­lise perm ita m elho r com preensão das razões pelas quais as con­tingências desse gênero têm tão forte poder de contro le sobre o com portam ento .

N a verdade, o behaviorism o radical, ao assu m ir um a posi­ção efetivam ente m onista , ap aren ta exigir de seus seguidores,

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em te rm os de convicções pessoais (crenças religiosas, por exem plo), um certo ad estram en to à suposição de que, finda a m aterialidade, es ta rá finda a h is tó ria pessoal do indivíduo. De certo m odo, no en tan to , os behavioristas têm ten tado , por vezes sem sucesso (no que são atacados com o incoeren tes), separar o que se convenciona cham ar de m undo da ciência do m u n d o das crenças pessoais associadas à religiosidade, a té pela im possib i­lidade física da realização de um “experim en to defin itivo" que prove ser verdadeira ou falsa a idéia da ex istência de o u tra dim ensão, pós-organísm ica. Esse cam po, em bora rep le to de im ensa densidade de d iscussões desde a ex istência e origem do próprio hom em , perm anece co m pletam en te sem solução. Por ou tro lado, a lguns au to res têm ten tad o associar as convicções pessoais dos behavioristas (na idéia de contro le e de term inação científica, po r exem plo) com a sua vida pessoal particu lar (exem plo com um : “os behavioristas são insensíveis”, “os b eh a­vioristas não têm sen tim en to s" , "os behavioristas são a u to ritá ­rios, reacionários, a teus, incapazes de valorizar a criatividade, a arte etc ."). O que, ev iden tem ente , é idéia das m ais p rim árias, até porque transfere para a vida particu lar sup o stas críticas a tr i­buíveis (?) à concepção teórica (e aqui já analisadas nas seções co rrespondentes).

Este é, con tudo , um fascinante cam po aberto para a refle­xão: em que p o n to se d istanciam e se separam (se é que o fazem) a ciência e a fé? Q u an to de dogm a ex iste no que se con­venciona cham ar de ciência? Q u an to de científico ex iste nas concepções religiosas acerca da origem do universo? Q uão fu n ­dam entadas estão as d iversas h istó rias da H istó ria que su s te n ­tam a atual civilização?

Não são questões, por óbvio, que possam ser respond idas por qualquer área nem por te s te científico isolado, por tra ta r-se de questão de convicção individual e não de avaliação de n a tu ­reza em pírica. T am bém n en h u m a decisão parece possível a p ar­tir das suposições de q u a lquer facção religiosa. N em viáveis por

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qualq u er traba lho in tro d u tó rio , com o o p resen te . M as é neste exato po n to que se im bricam os in teresses de tan to s quantos p re ten d am am pliar conhecim ento , seja factual, seja dogm ático N ão será q u a lq u er das psicologias que, iso ladam ente, sem o auxílio da Física, da Q uím ica, da H istória, da A ntropologia poderá d ar con ta da explicação de todas as d im ensões do hom em . N esse sen tido , tam bém o behaviorism o radical perm a­necerá ab so lu tam en te incom pleto: não se pode im aginar factí­vel q u a lq u er com pleta Psicologia do hom em , m as apenas de p a rte s d este . E spera-se q u e a Psicologia, p o rtan to , se ocupe cada vez m ais de aspec tos h u m an o s v e rd ad e iram en te signifi­cativos.

Behaviorismo, situacionismo, am bientalism o, contextualismo

O behaviorism o em geral e a ciência do co m portam en to que aplica seus p ressupostos, em particu lar, têm sido acusados de cen trar-se especificam ente, quando de suas análises, na s itu a­ção que está sendo estudada, m ais do que no p róp rio sujeito. Em o u tro s term os, a A nálise do C om portam en to , por exem plo, revelar-se-ia cen trada na situação onde o com portam ento ocorre e não na pessoa do clien te com seus valores m orais, sen ­sações, em oções e sen tim en to s in trínsecos.

D esde Bowers (1973), o s ituacion ism o vem sendo conde­nado po r pe rm itir um a com preensão do co m portam en to h u ­m ano que se circunscreve às condições de um de term inado m o m en to apenas parcial e que tem baixo grau de generalidade. O u seja, cen trar-se nas condições am bientais, para a crítica, faz o behav io rista p re te rir o p róprio hom em e suas condições p a rti­culares com o ob jeto de estu d o da ciência do com portam ento .

A crítica, sem dúvida, é abso lu tam en te vaga, a té po rque não há com o conceber o e s tu d o do co m portam en to qua com porta­m ento , ou seja, sem pre o co m portam en to esta rá ocorrendo em

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dado m om ento , sob de te rm inadas circunstâncias, n u m a in te ra ­ção organ ism o-am bien te indissociável e in in te rru p ta ao longo da vida. V ista desse m odo a ação do organism o, não há, sequer, como falar-se em situ ac ion ism o , m esm o p o rque , sem pre que se analisa o co m p o rtam en to , tal análise to rn a necessária refe­rência ao am b ien te e, sem p re que se ana lisam as con tingências am bientais, faz-se necessária referência ao c o m p o rtam en to que opera sob re o am b ien te ou sob a su a in fluência. N a m esm a direção, tam b ém há crítica freq ü en te ao cará te r am b ien ta lis ta do behaviorism o, que, assim , re legaria a segundo p lano as questões in te rn as do o rgan ism o . E claro que cabe aí a ressalva de que o am b ien ta lism o d esposado pelo behav io rism o - se en tendido no sen tido con tex tuai, que im plica eventos in tra e ex tra-organism o - abrange todo e q u a lquer tipo de evento que, de qualquer form a, afete o com portam ento .

A ssim , o in terac ion ism o refletido na com preensão sk inne- riana rep resen ta um a visão que de há m u ito superou a p reocu ­pação com a possib ilidade de que, ao o lhar o am bien te , o p ro fis­sional se esqueça do que p rim ariam en te p re ten d ia ver, o organism o. Por certo , o behaviorism o radical precisa, is to sim , aperfeiçoar esse o lhar. Sua atenção para com a necessidade de am pliação do contex to enfocado, por exem plo, é questão crucial.

As relações (im)possíveis entre behaviorismo e fenomenologia

D iferenças básicas já foram apon tadas em o u tro po n to deste trabalho en tre o behaviorism o m etodológico e o behaviorism o radical. A fundam enta l en tre essas diferenças é a restrição rasan te que o behaviorism o m etodológico faz em relação aos eventos que não sejam publicam ente observáveis. Brody & O ppenheim (1966), traba lhando com o conceito de behavio- n sm o m etodológico, para o qual a experiência privada não seria adm issível en q u an to dado, m as apenas seus sin tom as publica­

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m en te observáveis, apon tam um a situação de tensão teórica en tre a abordagem behaviorista e a fenom enológica. O u seja, as relações de aproxim ação en tre am bas as abordagens to rnam -se im praticáveis, dada a convicção d iferen te de cada qual quanto ao ob jeto de estudo .

Brody & O ppenheim (1966) conceituam tam bém a fenom e- nologia no sen tido sim ilar à in terp re tação de M acLeod, ou seja, ex istiria um a Psicologia pu ram en te fenom enológica, que privi­legiaria a experiência im ediata com o dado básico na abordagem e que, ao con trário do behaviorism o m etodológico, se valeria da in trospecção e dos relatos pessoais em geral para analisar a d inâm ica das relações hum anas.

Todavia, se essa aproxim ação é im praticável, um a o u tra foi considerada factível e envolve não o behaviorism o m etodo ló ­gico, m as o behaviorism o radical, no que se ten ta encon tra r saí­das para as diferenças m etodológicas apon tadas p o r Brody & O ppenheim (1967). T rata-se da p ro p o sta de Day (1969b), que no seu “Radical behaviorism in reconciliation w ith phenom e- nology" m o stra o behaviorism o radical com o um a linha psicoló­gica que adm ite o e stu d o dos eventos privados e que, principal­m en te p o r essa razão, adm ite a existência e a qualificação, para um a análise científica, dos dados da experiência pessoal e in terna . A qu estão tam bém é analisada po r G reaves (1972), Giorgi (1975) e D ooley (1982), com o levan tam ento de conver­gências e divergências en tre as duas teorias. Essa é um a questão ab so lu tam en te indefin ida e cujos estudos se a lastram na lite ra­tu ra das duas tendências.

O m o te básico é o de que, q u ando se e s tu d a o com porta­m en to na perspectiva behaviorista , se es tá fundam en ta lm en te p reocupado com o "fenôm eno em si", m ais que em qualquer e s tru tu ra sub jacen te e n u m passado rem oto com o agente cau­sal. A preocupação fenom enista seria com partilhada pelo beha­v io rista radical, n essa direção, com seus colegas fenom enólo- gos. C on tudo , m u ita d iscrepância, inclusive m etodológica, se

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dá en tre as duas v erten tes, desde que H usserl, pelo lado da fenom enologia, e W atson , pelo lado do behaviorism o, corporifi- caram dois tipos de acesso às ações hum anas. A aprox im a­ção /d istanciam en to en tre as duas linhas teve d iscussão fo rte ­m ente im pulsionada a p a rtir do sim pósio Behaviorism and pheno­menology: complementary bases for modern Psychology, que, en tre outros expoentes, inclu iu a participação de Rogers e Skinner, e teve os diálogos ed itados em 190 páginas do livro de T. W .

W ann (1964).

As relações entre behaviorismo e humanismo: aproximação e distanciamento

A focalização p red o m in an tem en te objetiva do behavio­rism o radical sobre even tos concre tos, na su a p erspec tiva obje- tivo-fisicalista, tem p ro d u z id o reações d iversas. E n tre elas, um a co rren te q u e reiv ind ica a m udança do foco da análise do fazer para o ser. E nesse sen tid o q u e os q u e se au to d en o m in am hu m an ista s têm escrito em relação ao behav io rism o. U m exem plo particu la r é o de Shoben Jr. (1965, p .212), que assim se expressa:

A grande o p o rtu n id ad e da Psicologia não e s tá em desca rta r o

g rande desenvo lv im en to dos apara to s m etodológ icos, m as em u ti­

lizá-los n u m a visão h u m an ista , de m odo que a q u estão passe a ser

a descoberta das “leis do h o m em ”, em vez das “leis das coisas". O

que essa tran sfo rm ação m ais p ro fu n d am en te req u e r é u m a revisão

do foco de análise das fon tes de p roblem as. Em lugar de te n ta r

um a e s tru tu ra de ciência ten d o com o m odelo a Física, o foco deve

derivar da experiência d ire ta - do “e u ”, das relações in te rpessoa is,

da sociedade, da educação, da arte , da ciência, da relig ião etc. Se

esse é o esto fo de que os poem as são feitos, essa é tam b ém a base

de que o exam e da experiência h u m an a deve ser feita, à luz da h is ­to ria e no con tex to ;de valores explícitos. E spera-se q u e a Psicolo-

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gia d iga m ais resp e ito ao co nhec im en to h u m an o do que sirva aos

objetivos de um a ciência form al, devendo os re su ltad o s da obser­vação em pírica à com preensão da condição hum ana .

A idéia que perm eia tal a rgum en to é a m esm a já encontrada em o u tras áreas da crítica, isto é, rejeita-se o que é m ais p rim á­rio e caro ao behaviorism o: a colocação do com portam ento h u m an o com o ob jeto de estu d o de um a ciência na tu ra l. A velha qu estão da Psicologia com o ciência natural ou ciência social (ou humana) encon tra-se aí de form a ren iten te . A posição do behavio­rism o radical já é velha conhecida e a da sua oposição tam bém , de m odo que o u tro ângulo deduzido dessa polêm ica é o que argúi ser ou não o behaviorism o um a form a de hum anism o. Já se viu, po r o u tro s críticos, que alguns sugerem um a caracterís­tica desu m an izan te ao behaviorism o, ao que refutam os behavio- ristas. R etom ando S kinner (1971b, p .35):

U m a ciência do co m p o rtam en to n ã o ... d esu m an iza o hom em ;

ela o desom uncu liza . Ela re je ita exp lanações do com portam en to

h u m an o baseadas em sen tim en to s , estados da m en te e processos

m en ta is e p ro cu ra a lte rna tivas nas h is tó rias genética e am biental.

Ela tra ta , talvez, a pessoa com o objeto, m as com o um objeto ex tra­

o rd inariam en te en g en h o so e com plexo e, ao fazê-lo, te n ta com ­

p re e n d e r o h om em no sen tid o em que o u tra s ciências o fazem em relação aos seu s ob je tos de estu d o . U m a tecno log ia do com porta ­

m en to baseada em tal ciência não é so m en te re levan te para os p ro ­

b lem as h u m an o s , e la é possivelm en te capaz de resolvê-los. Isto

e s tá em forte co n tra s te com o hu m an ism o e n q u an to "terce ira for­

ça"... O s behav io ristas que eu conheço ... são pessoas gentis, fre­

q ü en tem en te preocupadas com os p rob lem as que p reocupam todo

m u n d o hoje em dia, que vêem a o p o rtu n id ad e de u sa r os m étodos

da ciência para co m p reen d er esses p rob lem as e que e s tão p lena­

m en te conscien tes dos perigos do uso inadequado do poder que

eles e stão criando. C om o d isseram M acC orquodale e Day, o beha­

v io rism o é hum an ism o , nesse sen tido .

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Behaviorismo radical

Em artigo posterior sobre o mesmo assunto, manifesta-se Skinner (1972, p.18):

Parece haver duas fo rm as de conhecer, ou de conhecer a respei­

to de algum a pessoa. U m a e s tá associada ao ex is tencia lism o , à fe- nom enologia, ao E stru tu ra lism o . T ra ta -se de conhecer o que u m a

pessoa é, ou do qu e é feita, ou o que ela vai to rnar-se . T en tam o s co­

nhecer o u tra pessoa, n esse sen tido , ta l com o conhecem os a nós

m esm os. E ncaram os seu s sen tim en to s com sim p atia ou em patia . Pela in tu ição descob rim os suas a titu d es , in tu ições e o u tro s e s ta ­

dos da m en te . C om un icam o-nos com ela no sen tid o etim ológico

de to rn a r idéias ou sen tim en to s com uns a am bos. N ós o fazem os

tan to m ais e fe tivam ente q u an to m elh o r estabelecem os boas re la­ções in te rpessoa is. E ssa é um a form a passiva e con tem p la tiva de conhecim en to . Se p re ten d em o s p red izer o que a p essoa fará, a ssu ­

m im os que , com o nós, ela se co m p o rta rá de acordo com o que ela é [grifo nosso ]; seu co m p o rtam en to , com o o nosso , será a expressão dos seus sen tim en to s , e stad o s da m en te , in tenções, a titu d es e a s­

sim p o r d ian te .

O o u tro sen tid o do conhec im en to é um a q u estão do q u e a p e s­

soa /az . P odem os observar isso tão d ire tam en te com o qu a lq u er o u ­

tro fenôm eno no m undo ; não é necessária n en h u m a espécie espe­

cial de conhecim en to . Explicam os p o r que u m a pessoa se co m p o r­ta tal com o o faz a través de suas relações com o am b ien te , em vez

de b asearm os em estados ou a tiv idades in te rn as. O am b ien te in ­

flui na evolução das espécies e cham am os o re su ltad o de h is tó ria genética... Pela análise dos efeitos d esse am b ien te , nó s nos d irig i­

m os à pred ição e ao con tro le do com portam en to .

Em bora não rejeite a possib ilidade de que a vida in te rn a do organism o tem o principal papel nas ações de um organism o visto com o um todo, Skinner, n esse artigo , m esm o m ostran d o algum a sensib ilidade para com as ten ta tivas de aproxim ação teórica das perspectivas ex istenc ia lis ta -hum an ista e behavio- n sta , faz q u es tão de m o s tra r a lgum as d iferenças m e to d o ló g i­cas que a ssu m e com o im prescind íveis. A q u estão perm anece

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irreso lv ida, em b o ra as análises, de tem p o s em tem pos, bem com o o modismo (e seus nefastos efeitos sob re a Psicologia e a ciência em geral) freq ü en tem en te te n te m aprox im ações ou d is tan c iam en to s e n tre as duas v isões. T en ta tiv as bem elabora­das são as de M atson (1971), W ollner (1975), K rasner (1978) e Jenk ins (1985).

Behaviorismo social e behaviorismo radical

O behaviorism o tem m uitas faces, com o já se frisou anterior­m ente. A lgum as delas, com o o behaviorism o w atson iano e o

hulliano, não sobreviveram efetivam ente na h is tó ria da Psicolo­gia, em bora possam te r deixado suas m arcas. N ão é o caso do behaviorism o social de S taats, con tem porâneo de Skinner, que,

se não obteve o m esm o reconhecim ento (e a m esm a crítica) do behaviorism o radical, possu i nas suas p ropostas (em bora não em sua m etodologia) v irtudes essenciais que deveriam ser ap ro ­veitadas para um a reavaliação do m oderno behaviorism o.

S taats é um crítico de Skinner, sob re tu d o no que diz respeito ao con teúdo de Beyond freedom and dignity, e seu behaviorism o social co nstitu i resp o sta sa tisfa tó ria em alguns aspectos, m as in sa tisfa tó ria em ou tro s , àquela obra. Inclui conceitos deriva­dos do cognitivism o, tais com o personalidade, in tencionalidade e propósito . Do po n to de v ista teórico, m u ito s problem as decor­rem d essa perspectiva. Todavia, na d ireção de um pensar o behaviorism o radical de acordo com suas m etas (um a am pla com preensão do co m portam en to h um ano), ce rtam en te a crítica

do behaviorism o social de S taats é valiosa.U m trecho em que tra ta da q uestão da personalidade é

rep resen ta tivo da posição de S taats (1980, p .106):

É trad icional, no behaviorism o, ignorar o conceito de pe rso n a­lidade. A persona lidade é considerada com o um a palavra que se re-

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Behaviorismo radical

fere à m aneira com o u m a pessoa se com porta . O behav io rism o sim p lesm en te p ressu p õ e que a personalidade (leia-se co m p o rta ­

m ento) é um efe ito e, com o tal, deve e pode se r explicada pela h is ­

tó ria ind iv idual de aprend izagem . E sta p ressuposição afasta o con ­

ceito de personalidade de qualquer consideração. N o B ehaviorism o

Radical não é considerada, s is tem aticam en te , a possib ilidade de

que a personalidade tem um papel causal sobre o que o ind iv íduo

faz, no que ele exp e rim en ta e no que ele, m ais ta rde , se to rna .

Todavia, o fato é q u e m u ita s pessoas que têm e s tu d ad o de for­

m a sistem ática o co m p o rtam en to h u m an o estão convencidas de

que to d a pessoa tem características, um a persona lidade que a au ­

xilia no como e la d e te rm in a suas ações, experiências e resu ltad o s

ao longo de su a vida. A á rea de m ed idas psicológicas e s tá funda­

m en tad a sobre a p ressuposição de que as carac terísticas da p e rso ­

nalidade podem se r descritas, de que a avaliação de ta is ca rac terís­

ticas oferece in form ação relativa aos p rocessos causais q u e aco n te ­

cem na v ida do indiv íduo. S k inner exclu iu tu d o q u e se referia a

esse nível de p esqu isa e, de fato, re je itou que tal ativ idade seja im ­

p o rtan te para a co nstrução de u m a ciência do co m p o rtam en to .

Este é um bom exem plo da m etodo log ia de exclusão que tem

caracterizado e ssa abordagem . M as é difícil um a teo ria c ientífica

te r sucesso q u an d o re je ita os fatos. E é um fato que as ca rac te rís ti­

cas de persona lidade que são m ed idas parecem te r um s ta tu s cau-

sativo. G rupos de crianças podem ser separadas, p o r exem plo, de

acordo com seu s re su ltad o s n um te s te de in teligência. O b ser­

var-se-á, en tão , q u e o g rupo de crianças que ap resen ta um alto QJ

terá, no fu tu ro , u m d esem p en h o m elho r e execu ta rá m elh o r m u i­

tas a tiv idades que exigem aprendizagem . C om o o u tro exem plo

podem se r u sados te s te s de in te resse sem elh an tes às p essoas que

tiveram sucesso n u m a tarefa e aquelas cujos in te re sses são d ife­

ren tes daquelas pessoas. O u tra vez, os te s te s parecem m ed ir um a

causa, p o rq u e os in te resses que foram m edidos p red irão o sucesso

dos g rupos na execução daquela ativ idade particu lar.

T ais fa tos e o in te resse na personalidade e na sua m ensu ração não deveriam se r an tité tlco s a um B ehaviorism o m ais com plexo. A divisão en tre os do is cam pos é um a conseqüência dos conflitos cau-

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sados pela revolução behav io rista , m as não es tá envolvido nenhum princíp io n es ta divisão. A reaprox im ação en tre a teo ria tradicional

da ap rend izagem e a teo ria trad icional da personalidade é possível q u an d o se aceita que ex is tem personalidades individuais. As ca­

rac terísticas da persona lidade a judam a d e te rm in a r os co m p o rta ­m en to s p resen tes e fu tu ro s do indivíduo.

N ão se pode deixar de n o ta r a linha que S taats persegue: p reconiza um a re tom ada da velha idéia de personalidade subja­cen te com o d e te rm in an te causal do com portam en to , o que S kinner e os behavioristas radicais efetivam ente abandonaram há tem po. Tal perspectiva confronta-se com a qu estão com plexa de adaptar-se , em tese, à idéia de um dete rm in ism o científico, m as na prática esbarra em sérios obstáculos, ou seja, o p ro ­blem a de um a determ inação in terna , no sen tido de que a perso ­nalidade passa a constitu ir-se de características de um estofo não palpável. M as S taats con tinua , a seu m odo, defendendo um behaviorismo psicológico ou paradigmático e o apo n ta com o a lte rn a­tiva vantajosa em relação ao cognitiv ism o para o avanço da Psi­cologia (Staats, 1994).

C om A. R. A lm eida (trad u to r do tex to citado de S taats e seu ex-aluno), em n o ta à tradução , é viável concordar que, "com relação à p ro p o sta de S taats de que sua teo ria seja, num futuro breve, um novo parad igm a a o rien ta r toda a Psicologia, prefiro fazer, com o os fenom enologistas husserlianos, um a ‘suspensão de ju ízo ’ e esperar que o p o ste rio r d esdobram en to do Behavio­rism o Social seja efetivo em term os experim en tais ou na p ró ­pria form ulação dos seus conceitos e novos princíp ios” (p.98).

O papel da teoria no behaviorismo radical: polêmica perene

D u a s r e s p o s ta s c o n d ic io n a is s ã o a p r e s e n ta d a s p o r S k in n e r a

q u e s tã o d a n e c e s s id a d e o u n ã o d a u ti l iz a ç ã o d e te o r ia s . U m a e

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positiva, no sen tid o da utilização de teo rias que sejam a exp res­são de relações un iform es, com significação form alizada de dados em abreviado núm ero de term os. O u tra é negativa, caso se queira dar explicação a q u a lq u er fenôm eno apelando a ações ou eventos que ocorrem em o u tro nível de observação e em ou tra d im ensão que não aquela em que a situação e o com porta ­m ento envolvidos estão em jogo.

Pela p rim e ira vez de m odo sis tem ático , o a ssu n to da n eces­sidade das teo ria s foi tra ta d o por S k inner no seu “A re theo ries o flearn ing necessary?" (1950). C onform e C arrara (1994, p .42), nessa ocasião Skinner

alinhava críticas severas ao fazer científico en q u an to processo que

se valha, em in en tem en te , de certo gênero de elucubrações te ó r i­cas. C om o quase to d a a sua ex tensa obra, esse a rtigo ap o n ta um a posição polêm ica, que a inda hoje perm anece e se agudiza, q u es tio ­

nando, já a p a rtir do títu lo , a necessidade de elaboração de teo rias da aprend izagem na form a com o en tão trad ic io n a lm en te se p roce­

dia. À p rim eira v ista, S k inner estaria , no artigo , re je itando a te o r i­

zação em ciência, m as a le itu ra a ten ta do tex to esclarece e con tex-

tualiza a q uestão , m o s tran d o com precisão o tipo de elaborações

teóricas q u e o a u to r re jeita . Todavia, a publicação gerou fo rtes rea ­ções e levou m esm o m u ito s a fazerem generalizada referência a

Sk inner com o em in en tem en te ateó rico ou m esm o an titeó rico .

C om efeito , ele conduz seus a rg u m en to s para a rejeição a um certo tipo de co nstrução teórica , m as é p reciso rever que tip o de p re ssu ­

posto s teó ricos estavam sendo desaprovados no a rtigo ... Sk inner

ob jeta a trê s tip o s de teorias: as neurofisio lóg icas, as m en ta lis ta s e as conceituais , que, respectivam en te , ou 1) apelam à explicação do

com p o rtam en to com base num a concepção não-em pírica de funcio­nam ento do s is tem a nervoso cen tral, ou 2) fazem referência a cau ­sas do co m p o rtam en to localizadas na m en te (para ele um constru -

to h ip o té tico co n s tan tem en te associado a razões teleológicas para o co m p o rtam en to ) ou, finalm ente, 3) se m ovem n u m cam po onde não há fatos observáveis d ire tam en te .

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A q u estão da e laboração de teo rias e seus desd o b ram en to s vem de há m u ito sen d o d iscu tid a na Psicologia (Boring 1953b; D allenbach, 1953; Jo h n so n , 1963; H ayes, 1978; W illi­am s, 1986), p o rém seu espec tro d e n tro do behav io rism o rad i­cal é um caso p articu la r. R ecen tem en te , S chlinger Jr. (1992) a tr ib u iu certo sucesso às investidas teo rizan tes de Skinner, an a lisan d o a área do desenvo lv im en to in fan til. M enciona, con­co rdando com ela, u m a asserção de Z u riff (1986), segundo o qual a teo ria sk in n erian a co n sis te em conceito s q u e expressam relações funcionais e n tre co m p o rtam en to e variáveis am b ien ­tais. A crescen ta q u e a teo ria de S k inner dá-se sobre um p an o ­ram a de e s tru tu ra ú n ica e física (m o n ista fisica lista), p o rque a A nálise do C o m p o rtam en to p ressu p õ e m ate ria lism o o n to ló ­gico, segundo o qual o m u n d o consis te de o b je to s e eventos m ateria is , em co n trap a rtid a , po r exem plo, à Psicologia C ogni­tiva, q u e p ressu p o ria , além disso , a inc lusão de ob je tos e even­to s n ão -m ateria is . T odavia, para as finalidades p resen tes , a po lêm ica q u e se in s ta la é: S k inner é teórico , a teó rico ou an ti- teórico? E ssa é u m a q u es tão relativa, conform e se consta ta , re to m an d o C arra ra (1994, p .46-7):

não cabe carac terizar Sk inner de m odo ab so lu to (e, po r ex tensão , a

A nálise do C om portam en to ) com o defin itivam en te teórico , a teó ­

rico ou an titeó rico . É necessário con tex tua liza r a questão , levando

em con ta que a ob ra do au to r, quase toda, se com põe de um a linha­

vo com plexo de con je tu ras e dados de p esqu isa que ap o n tam para

a possib ilidade de um a elaboração teórica ta n to m ais consis ten te

q u a n to m ais seguros forem os dados e resu ltad o s das investiga­

ções. Por o u tro lado, no sen tid o da conceituação da teo ria com o

in ic ia lm en te o fez no artigo de 1950, S k inner é necessariam en te

antiteórico, já que o m odo de p esq u isa r em A nálise do C o m p o rta ­

m en to e a p róp ria Filosofia de ciência que a su s te n ta (o B ehavioris­

m o Radical) p re ssu p õ em a exclusão de ape lo s a q u a isq u e r variá ­

veis de d im en sõ es e s tran h as à do co m p o rtam en to sob análise.

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Behaviorismo radical

Portan to - e sob qua lq u er c ircunstância - há que se pensar Skinner, no que se refere ao fato de que este ja ou não afeto à ela­boração teórica, de m odo apenas relativo: tra ta-se , p revia­m ente, de se d e lim ita r o conceito de teo ria em jogo, para em seguida p en sar em defin ir suas convicções.

E m bora a priorização sk inneriana aos dados em píricos, o processo de teorização, com o prá tica científica, e s tá freqüente­mente p resen te na A nálise do C om p o rtam en to q u ando se faz articulação dos dados de p esqu isa com os princíp ios sob an á ­lise, m as está sempre p resen te quando se es tá na instância da filosofia de ciência que é o behaviorism o radical. N esse sen tido , a m etafísica sk inneriana, seja um dia consolidada em pirica­m ente (daí um a eventual morte do behaviorism o radical) ou seja constan tem en te m utável e e te rn am en te d ep en d en te da F iloso­fia, sem pre dependerá , ela própria, a m etafísica, de o u tro s p re s ­supostos (teóricos), em regressão infin ita . Por exem plo, a ssu ­m ir o dete rm in ism o probabilístico com o p ressu p o sto im plica assum ir variabilidade em pírica, im plica assu m ir lim ites em p íri­cos da observação e assim po r d ian te . N essa perspectiva, ainda que o behav io rista radical p rocure descrever com certa acuidade os p ressu p o sto s de sua filosofia de ciência, sem pre estarem os sujeitos a um processo de regressão infinita, um a busca in te rm i­nável de "p ressu p o sto s dos p ressupostos" . Em o u tro s term os, sem pre precisam os afirm ar um a condição, um p ressu p o sto atrás de o u tro para que cheguem os a um p anoram a defin ido do que co nstitu i to d a a m etafísica subjacente à A nálise do C om ­portam ento? Por exem plo, se um d ia qu ise rm os d em o n stra r em piricam ente o p ressu p o sto do dete rm in ism o probabilístico , na este ira da construção de um a ep istem ologia em pírica, não estarem os su jeitos a ad o ta r algum m étodo para tal? O u seja, será que, se ado tarm os a p o s tu ra de um a m etafísica m utável não correm os certo risco de cair na esparre la de exacerbado relativ ism o científico? Algo com o ad m itir que todo conheci­m en to ob tido na AEC sofre de algum relativ ism o, a depender

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dos p ressu p o sto s adotados. É certo que o c ien tis ta deve ser cui­dadosa e pond erad am en te relativ ista . M as não pode ser comple­tamente relativ ista . Se o fosse, seria absolutamente relativista. Logo, paradoxalm ente - pela adoção do abso lu to - , deixaria au tom aticam en te de ser relativista. O cuidado, po rtan to , não parece e sta r em ad m itir defin itivam ente a necessidade de p res­su p o sto s em regressão infinita, m as esco lher a lguns deles, fun­dam enta is, e descrevê-los clara, objetiva e funcionalm ente , na este ira da influência lógica de E rnst M ach, talvez.

As relações entre behaviorismo e cognitivismo: do antagonismo explícito à proximidade possível

C aso se p a rta do co n tex to b rasile iro de lite ra tu ra psico ló­gica co n tem p o rân ea , a conclusão p re lim in a r é, n a tu ra lm en te , a de q u e n e n h u m a aprox im ação é possível e n tre behav io ristas e cogn itiv istas. De fato, acom p an h an d o S k inner e levando em co n ta ex clu sivam en te as q u es tõ es da in tencionalidade, da adm issão ou não de p ropósito s e a aceitação ou não de um a e s tru tu ra m en tal, essas abordagens são efetivam ente inconci­liáveis.

Em razão de tu d o que já foi exposto q u an to às carac terísti­cas do behaviorism o radical, os grandes obstácu los para qual­quer aproxim ação dessas duas co rren tes são os conceitos m en- ta listas, rechaçados pelo behaviorism o desde os tem pos de W atson . Todavia, m u ita confusão se tem feito em to rn o do que co n stitu a um real parad igm a do behaviorism o e esse tem sido o fator essencial para que esse d istanciam en to (que por vezes se con stitu i em choque passional nos m eios acadêm icos) aconteça em todos os níveis de discussão.

A q uestão da teleologia já foi analisada em seção anterior, m as não se d ispensa re to m ar S kinner (1989a) q u an to a esse a ssun to , para clarificar even tuais d iferenças (barreiras) en tre as duas abordagens:

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Behaviorismo radical

C om o a A nálise E xperim en ta l tem dem o n strad o , o co m p o rta ­

m en to é m odelado e m an tid o p o r suas conseqüências, m as apenas

pelas conseqüências que p erm anecem no passado . N ós fazem os o que fazem os po r causa do que aconteceu, e não d o que acontecerá. In felizm ente o que aconteceu deixa poucos traços observáveis e a

razão pela qual fazem os o que fazem os, bem com o o quão d isp o s­tos estam o s a fazer algo, estão , co n seq ü en tem en te , m u ito além do

alcance da in trospecção . Talvez p o r isso, com o verem os m ais adian­

te, o co m p o rtam en to tem sido tão freq ü en tem en te a tr ib u íd o a um

a to ou desejo in iciador, o rig inário ou criativo ... M uitos te rm o s cognitivos descrevem estados co rpora is que aparecem q u ando

c o m p o rtam en to s fo rtes não podem ser execu tados p o rque um a condição necessária e s tá au sen te . A origem da palavra genérica

para desig n ar e stados d essa n a tu reza é óbvia: q u an d o algo é d ese ­

jado d izem os que o queremos. Em te rm o s de dicionário , querer é “so ­frer o desejo de". Sofrer o rig ina lm en te significava “su p o rta r" , m as

hoje q u e r d izer "padecer”, e um q u ere r m u ito in ten so com certeza

pode ser penoso . F ugim os d isso fazendo q u a lq u e r coisa que ten h a sido reforçada p o r aqu ilo que agora estam o s dese jando e que d ese ­jam os no passado .

... A credita-se am plam ente que os analistas com portam en ta is não lidam com os processos cognitivos cham ados pensam en tos. Em geral, u sam os pensar com referência a um com portam en to fraco. Se

não estam os to ta lm en te d ispostos a dizer: “Ele está errado", d ize­

mos: “Penso que ele esteja errado". P ensar é, freq ü en tem en te , um a palavra m ais suave, usada em lugar de saber; d izem os: "P enso que esta é a m an eira de fazer isto", q u an d o não estam o s to ta lm en te

d isposto s a d izer "Eu sei que esta é a m aneira" ou "E sta é a m anei­ra". T am bém usam os pensar quando um com portam en to m ais forte

não está disponível. A ssim , pensam os sobre aquilo com que algo se parece quando esse algo não está p resen te para ser visto, e pensa­m os em fazer algum a coisa que, no m om ento , não podem os fazer.

Porém vários p rocessos de p en sam en to nada têm a ver [grifo nosso] com a d is tinção en tre co m p o rtam en to forte e fraco, ou e n ­tre particu la r e público , ab erto e encoberto . P ensar e fazer algo to r­na possível o co m p o rtam en to . U m prob lem a é a situação que não

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Kesler C arrara

evoca um a resp o sta efetiva; nós o reso lvem os m u d an d o a situação até que a re sp o sta ocorra. T elefonar para um am igo é um problem a

se não sabem os o n ú m ero e nós o reso lvem os p rocu rando o n ú m e­ro. E tim ologicam ente, resolver (solve) co rresponde a "so lta r" ou “li­berta r" , com o o açúcar é dissolvido (dissolved) no café. É nesse sen ti­

do que p en sa r é o responsável pelo fazer [grifo nosso ]. “É o m odo

com o as p essoas pensam q u e d e te rm in a com o elas agem ." P o rtan ­to, fica clara a hegem on ia da m en te . M as, novam ente , os term os

que usam os com eçam com o referência ao com portam en to .

... O que há de errado n essa reflexão não é o que os filósofos,

psicólogos, c ien tis tas do céreb ro e c ien tis tas da com putação en ­

co n tra ram ou encon trarão ; o erro reside na d ireção para a qual es­tão o lhando . N en h u m a explicação sobre o que acon tece d en tro do

corpo hum ano , p o r m ais com p leta que seja, explicará as origens do

com p o rtam en to hu m an o . O que acontece d e n tro do corpo não é um início [grifo nosso ].

... C on tingências verbais de re fo rçam en to explicam o que d es­crevem os que sen tim o s ou observam os in tro spec tivam en te . A cul­

tu ra verbal que a rran ja ta is con tingências não te ria evo lu ído se isso não tivesse sido ú til. C ondições corporais não são causas [grifo

nosso ] do co m p o rtam en to , p o rque são efeitos co laterais das cau­sas. As re sp o stas das pessoas a q u estõ es sobre o q u e sen tem ou

pensam freq ü en tem en te nos d izem algo sobre o que aconteceu com elas ou sobre o que fizeram . Podem os en ten d ê -las m elhor e

an tec ipar o que farão. As palavras que usam são pa rte de um a lin ­guagem viva que pode se r u sada sem prob lem as ta n to po r psicólo­gos cogn itiv istas com o p o r analistas do co m p o rtam en to em suas

vidas d iárias, (p .30-42, passim )

Em co n trapartida a Skinner, para os cognitiv istas em geral, em bora o conhecim ento seja construído respeitando-se o papel in teragen te do organ ism o em relação ao seu m eio, o eu iniciador e a mente teleológica desem penham um papel fundam enta l. Skin­n er m anifestou-se no sen tido de que, m an tidas inalteradas essas convicções básicas, q u a lquer conciliação to rna-se im pra ti­cável. Isso se fez de m odo decisivo em seu artigo sob o provo­

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Behaviorismo radical

cante títu lo de "W hy I am n o t a cognitive psychologist" (1977a) e seus argum en tos se com pletaram em "C ognitive Science and behaviourism ” (1985b), "The orig ins o f cognitive th o u g h t" (1989b) e "C an Psychology be a Science o f m in d ?” (1990).

A tra je tó ria das d iscussões em to rn o da aproxim ação e do d istanciam ento que envolvem behaviorism o e cognitiv ism o é m otivo de in ten sa divulgação na lite ra tu ra psicológica. Para exem plificar: K endler (1971) am plia as d istinções en tre a visão pavloviana de prim eiro e segundo sistem a de sinais, a piagetiana com o sensó rio -m o to r e os diversos processos de pensam en to , a freudiana sobre processos p rim ários e secundários e a behavio- rista sobre a análise de casos levando em con ta o con tro le de contingências; Boneau (1974) te n ta aproxim ar-se de um a form a que com patib ilize as duas co rren tes, para acom odá-las no que denom ina de behaviorism o cognitivo; Ledwidge (1978) incursiona pela área aplicada da análise e p e rg u n ta se o que se convencionou cham ar de m odificação do co m p o rtam en to cog­nitivo (a tualm en te te rap ia cognitivo-com portam ental) é efe ti­vam ente um passo na d ireção correta, um a vez que um levan ta­m ento de estu d o s de casos clínicos não m ostrou , no seu estudo , nenhum progresso quanto à efetividade de tal terapia; G reenspon & Lamal (1978) re je itam a necessidade do uso de constructo s cognitivos na A nálise A plicada do C om portam en to , m ostran d o que, em sín tese , a análise das bases fisiológicas, filosóficas e s is­tem áticas d esta e da Psicologia C ognitiva indica algum as dife­renças significativas. A duzem , ainda, que as diferenças na ê n ­fase bem com o na o rien tação geral das duas abordagens suge­rem que as posições não são su fic ien tem ente com patíveis para justificar um a inclusão de construções cognitivas na análise com portam ental. C onceituar o c o m p o rta m e n to verbal com o um fen ô m en o em vez de com o um ^p ifen ô m en o , em c o n ju n ­ção com o u tra s variáveis específicas, assegura ao analis ta não- cognitivo com preender o com portam en to e as m udanças com - p o rtam en ta is . D á-se por esclarecido que os analistas têm sido

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produ tivos na investigação de fontes in tra-organísm icas de con­tro le com portam en ta l que são com patíveis com a e s tru tu ra sis­tem ática da Psicologia operan te:

assim , a com binação de fon tes am b ien ta is e in tra-organ ísm icas (re lacionadas a co n stru c to s cognitivos) de con tro le do com porta­m en to prova se r inadequada e inefetiva na com preensão do desen ­

volvim ento , m an u ten ção e m odificação do com portam en to , de m odo que e s ta não p recisa de co n stru c to s cognitivos, (p .350)

Segai (1978), ao contrário , destaca a grande im portância da utilização, se não de um a teoria, pelo m enos de um a term ino lo ­gia cognitiva na com preensão do co m p o rtam en to e adm ite a necessidade de um po n to de un ião en tre as duas correntes; Jarem ko (1979, p .552) en ten d e que o m ovim ento cognitivo- com portam en ta l

é um im p o rtan te avanço na ciência do co m p o rtam en to , m as seus "flertes" com o m en ta lism o são a razão po tencia l do a fastam en to

dos p ro fiss ionais da análise o p eran te ... e spera-se que o conheci­m en to m ais claro das objeções de u m a para com o u tra abordagem

p e rm ita a conso lidação de um a aprox im ação en tre os profissionais

das duas áreas...

Lacey (1980) p rende-se à específica qu estão do deba te cog- n itivo-behav io rista en tre C hom sky e S kinner e te n ta m ostra r que apenas o estabelec im en to de um referencial sobre a concep­ção de na tu reza h u m an a de am bos pode pe rm itir m elho r com ­preensão dos do is pon to s de v ista con trastan tes; W essells (1981, 1982) analisa obras de Skinner en tre 1953 e 1977 e cri­tica sua posição pelo que considera explicações inadequadas das teo rias cognitivas; m ais tarde, Landw ehr (1983) critica o artigo de W essells; Pierce & Epling (1984) en ten d em que as duas áreas precisam progred ir m u ito para u m a com preensão com pleta do com portam en to , auxiliando-se tam b ém das contri-

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buições da Biologia; Shim p (1984) vê a A nálise Experim ental do C om portam en to com o p ro d u to ra de u m a técnica especial (o delineam ento de su je ito único) que se afigura m aneira p ro m is­sora de se aprox im ar da com preensão de m u ito do co m p o rta ­m ento, o que não propiciaria o cognitivism o; S chnaitte r (1987) en tende que behaviorism o e cognitiv ism o possuem diferenças in transponíveis (in titu la seu artigo: “Behaviorism is no t cogni­tive and cognitiv ism is n o t behavioral”), m o stran d o que, ao passo que o ob jeto do behaviorism o consiste em estabelecer relações en tre co m portam en to e o con tex to de sua ocorrência, o objeto do cognitiv ism o é estabelecer o d e lineam en to da m aq u i­naria in te rn a po r m eio da qual os organ ism os se com portam nesse con tex to . Para ele, tan to behaviorism o q u an to cogn iti­vism o são exem plos rep resen ta tivos de instâncias m ais inc lusi­vas que podem ser designadas, a lte rnativam ente , de contextua- lismo e organocentrismo; W hite , M cC arthy & F an tino (1989) e Legrand (1990) são exem plos que analisam a qu estão m o s­trando que o deba te p rossegu irá na lite ra tu ra científica, todavia sem q u a lquer so lução definitiva.

E certo , po r ora, que am bas as co rren tes têm enorm es con­tribu ições a serem aproveitadas na com preensão do com porta ­m ento hum an o individual e em grupo e que, a té po r con ta das d iscussões acrim oniosas e passionais, não se têm to rn ad o rea li­dade. Em artigo recente, Slocum & B utterfield (1994) contextua- lizam a p roxim idade en tre as duas co rren tes, su s ten tan d o que a m aior d issensão na Psicologia científica m oderna ocorre en tre analistas com portam en ta is e psicólogos cognitiv istas, porém aduzindo que, em bora os dois g rupos falem em linguagens m uito d iferen tes, m u itas sim ilaridades em ergem quan d o se vai d ire tam en te aos resu ltados de pesqu isa e aos problem as e s tu ­dados. C oncordam com os prevalecentes arg u m en to s de C ata­nia (1973, 1989) de que os cognitiv istas tendem a resp o n d er a questões estruturais e os behavioristas p riorizam questões/uncio- nais, de m odo que suas análises com plem entam u m a à o u tra e.

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caso se ignorem m u tu am en te , estão fadadas a m an te r grande lacuna teórica na Psicologia.

M aiores esforços para d iscussões verdadeiram ente científi­cas e p rofjssionais são necessários n essa direção, especialm ente no con tex to un iversitário brasileiro , onde a form ação de grupos que se isolam em razão u n icam en te de convicções teóricas é um a realidade a trasada e m arcadam ente negativa no panoram a da ciência nacional. M ais que isso, a organização de fóruns para d iscussão das divergências ora a ludidas tem sido sem pre su p er­ficialm ente efetivada. Isto significa d izer que, m u itas vezes por falta de um investim en to na verticalidade da análise, tem -se esco lh ido divergir em função de ru p tu ra s na ho rizon ta lidade ou na linearidade a tribu ídas aos fenôm enos em d iscussão. O deba te acerca das divergências en tre estra tég ias teóricas de acesso ao psicológico, na un iversidade brasileira, precisa passar po r um a - por assim dizer - reform a ética e de con teúdo . Em geral, tal realidade carece, em p rim eiro lugar, de um a am pliação teó rica sobre os tem as e parâm etros em d iscussão, que pode ser conseguida a p a rtir de reform ulações curricu lares e de ações efetivas na d ireção de um ap ro fundam en to em questões episte- m ológico-m etodológicas das diversas linhas, já nos cursos de form ação das un iversidades. Em segundo lugar, to rna-se neces­sário um efetivo p rofissionalism o quando se d iscu tem d iver­gências teóricas sérias. São co m pletam en te an tié ticas - e, sob re tudo , im produ tivas - as m ú tu as acusações passionais que fazem alguns articu listas e, m ais freq ü en tem en te , alguns confe­rencistas quan d o se defendem na sua abordagem (em vez de a rg u m en ta r para defender a abordagem ). As platéias, p o r vezes incau tas e em form ação, especia lm en te quando com postas pelos calouros, estão em geral sequ iosas para ouvir a verdade sobre o psicológico: não lhes é difícil convencer-se pelo em ocio­nal do d iscu rso e pela sua chance de aprovação social na com u­nidade acadêm ica, a inda que os preju ízos da fragilidade teórica sobrevenham inevitavelm ente no fu turo . Do exposto , supõe-se

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c o m o im p o r ta n te s a s c o n tr ib u iç õ e s d a s d iv e r s a s a c e p ç õ e s t e ó r i ­

cas . N ã o é d i f e r e n te e m re la ç ã o a c o g n it iv is m o e b e h a v io r is m o :

a m b a s p re c is a m s e r a n a l i s a d a s c o m p r o f i s s io n a l i s m o p a r a q u e

a P s ic o lo g ia p o s s a c o n v a lid a r p a r t e s d e s u a s d e s c o b e r ta s e n ­

q u a n to v a lio s a s à m a io r ia d a p o p u la ç ã o .

Críticas ao behaviorismo radical e confusões de endereço: os diferentes behaviorismos

C onform e já se d iscu tiu an te rio rm en te , significativo por- centual da crítica es tá erro n eam en te encam inhado. G rande parte da bibliografia acerca das deficiências de um a ciência com - portam ental não tem um destin a tá rio certo: não se dirige a qualquer form a específica de behaviorism o, m as a este de m a­neira geral. As críticas ao behaviorism o, nesse caso, ten d em a dirigir-se a Skinner, na m ed ida em que esse au to r a inda é hoje considerado o grande líder do m ovim ento . Todavia, em in ú m e­ras ocasiões, na prática, referem -se a q uestões que, ab so lu ta ­m ente, nada têm a ver com as proposições sk innerianas.

Enfim , seria no m ín im o descuidado, do pon to de v ista ético, adotar S kinner com o um a espécie de bode expiatório . Porém , seria igualm ente um a afron ta im aginar que Skinner não fosse o responsável por grande p arte do peso adqu irido pela m aior parte das afirm ações e convicções ob jetiv istas acerca do com ­portam ento .

A ssim , ao m esm o tem p o q u e críticas d irig idas ao b eh av io ­rism o de S k inner (quando , via de regra, d izem resp e ito ao co n ­teúdo das convicções de W atso n ) devem se r dev id am en te p o n ­deradas, as críticas genera lizadas ao behav io rism o pod erão serv ir com o ocasião p ara o su rg im en to de a lte rn a tiv as in te re s ­san tes na d ireção de au x ilia r q u a lq u e r análise teó rico -p rá tica pre tend ida .

De m odo específico, é preciso re ite ra r o que já se d isse a re s ­peito das convicções teóricas essenciais que receberam a

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n o m encla tu ra behaviorista . De um lado, tem -se a crença de que ab so lu tam en te nada que fuja à possib ilidade de identificação e e s tu d o n a tu ra is e de acesso aferido por consenso , po r acordo in tersub jetivo , pode se r ob jeto de estu d o da Psicologia, sentido com o qual se identifica, na verdade, m u ito m ais o behavio- rism o m etodológico . Com M atos (1997), pode-se ver que essa verten te behaviorista , influenciada tam bém pelo positivism o lógico do C írculo de Viena, acaba abandonando os eventos pri­vados de consideração, sob p re tex to de que são convencional­m en te inobserváveis: "C onsiderando que eu só ten h o acesso às inform ações que m eus sen tidos m e trazem , o positiv ista lógico conclui que não posso te r inform ações sobre m inha consciên­cia, cuja na tu reza difere da de m eu corpo” (p .57). D essa suposta d up la n a tu reza depreende-se um a espécie de dualism o que, evi­den tem en te , não com bina com a posição sk inneriana, que adm ite e cu ltu a o e s tu d o dos eventos privados, apenas que com ­preend idos com o tendo o m esm o estofo (físico) que qualquer o u tro evento.

C om o já se c itou an te rio rm en te , não se pode falar num único behaviorism o. C om o conseqüência, tam bém não se pode endereçar qualquer crítica que não especifique a que tipo de com- po rtam entalism o se dirige. Com isso, o que se constata entre professores, alunos e tam bém na grande lite ra tu ra é um erro de destinatário, ou seja, parte significativa da crítica que se dirige ao behaviorism o radical não se refere ao aparato teórico defendido p or essa corrente. N a verdade, seria conveniente, sem pre, e s tu ­dar o contexto histórico das influências recebidas pelas diversas variantes behavioristas. C om Lopes J r .(1992, p.28):

N este sen tido , passaríam os a caracterizar estas d ife ren tes ver­

sões de “b ehav io rism os” a p a rtir das d ife ren tes influências ep iste- m ológicas às quais ta is versões estiveram expostas, bem com o a p a rtir da investigação das incidências destas influências no m odo com o cada versão abo rdou q u estõ es que pe rd u ram ao longo de

to d a a h is tó ria e evolução da trad ição behaviorista .

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Isso a b so lu tam en te não livra o behav io rism o radical de c rí­ticas. Ao con trário , conform e se pôde aco m p an h ar nas seções an terio res, ce rta parcela é p ro ced en te e, in ad v ertid am en te ou não, co n tribu i p ara um rea lin h am en to possível do behavio­rism o radical. Há o u tras críticas, porém , em que seus au to res estão vivendo o tem po das convicções de W atson , Boring, Ste- vens, H ull e T olm an (sem sabê-lo exatam en te) ou são tão desestru tu radas de m odo a fazer p en sa r que não estão vivendo

tem po algum do behaviorism o.A lém das d iversas d istinções en tre behaviorism os an te rio r­

m ente ap resen tadas a p a rtir de K antor, bem com o as de cunho em inen tem en te ep istem ológico (em co n trap artid a a psico ló­gico) d iscu tidas po r R orty (1995, especialm ente cap ítu los IV e V), aqui m ais in te ressa a principal d istinção que precisa ser feita e que se dá en tre o behaviorism o m etodológico e o behavio­rism o radical. O prim eiro exclui de consideração q u a lq u er fenô­m eno que não possa ser publicam ente conhecido e o segundo, ao contrário , adm ite e p reocupa-se com os fenôm enos localiza­dos sob a pele, a que d enom ina eventos privádos. A inda para distinção, o metodológico do prim eiro refere-se à preocupação em aplicar à Psicologia o m étodo científico usado nas ciências n a tu ­rais, em que não haveria lugar para acontecim entos não-públicos. Por ou tro lado, o radical do segundo a tribu i ao co m portam en to e suas in ter-re lações com o am bien te a raiz da com preensão da condu ta hum ana. Por vezes, radical tem sido erro n eam en te en tend ida com o um a posição de in transigência de Skinner. O term o behaviorism o radical não foi cunhado com esse sen tido , mas com o de a trib u ir ao co m portam en to u m a im portância especial en q u an to raiz para a com preensão do ser h u m an o e, por isso, radical. T am bém represen ta , no lim ite, um a rejeição aos eventos in te rnos com o causa do com portam en to . Em todo caso, as posições teóricas an tim en ta lis tas têm sido defendidas pelos behavioristas de m odo p e rsisten te . P o rtan to , com o em ou tras co rren tes teóricas da Psicologia, o behaviorism o, ao ser

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analisado, precisa an tes ser qualificado, bem com o com preen­d ido p re lim in arm en te a respe ito de q u e p ressu p o sto s efetiva­m en te defende ou não, sob risco de erro de endereço e confusão desnecessária.

T ex tos esclarecedores acerca desses fundam entos teóricos e a tra je tó ria dos d iferen tes behaviorism os podem ser en co n tra ­dos em Schneider & M orris (1987), que traçam a h is tó ria da expressão behaviorismo radical, com vasta bibliografia sugerida. F un d am en to s básicos são bem descritos por Z uriff (1980) com relação ao behaviorism o skinneriano; por Spence (1948) com re­lação ao behav io rism o clássico de W atson , ao seu p róprio e ao de H ull e T olm an (todavia, S tephenson (1953) reanalisa o tra ­balho de Spence); por A gudelo & G uerrero (1973), que d iscu­tem princ ipa lm en te d iferenças en tre co m portam en to operan te e responden te ; p o r W illiam s (1931), que descreve nada m enos do que cinco tipos de behaviorism os rep resen tados por W at­son, W eiss, Lashley, H u n te r e T olm an, já nessa época; por K endler & T errace (1970), que, ao fazerem um a recensão de Contingencies o f reinforcement: a theoretical analysis, destacam as principais convicções teóricas de S kinner (m as pergun tam , em trocadilho , por causa do artigo de 1950 deste , se o títu lo não deveria ser Contingencies o f reinforcement: a theoretical analysis).

Para d irim ir as d iferenças en tre o behaviorism o m eto d o ló ­gico e o radical, os escritos de M oore (1981) e Day (1983), já citados, são essenciais, m as con tribuem igualm ente Kidd & N atalício (1982a, 1982b); Hayes (1984); N atalício (1985); P aniagua (1986) e M ahoney (1989).

T o u rin h o (1987, p.5) sum aria d iferenças en tre behav io ris­m os:

R esum indo essas q u estõ es, o B ehaviorism o Radical tra ta dos even to s privados com o even tos físicos (en q u an to os behavioristas

m etodo lóg icos ten d em a a tr ib u ir-lh es o u tra na tu reza) e acredita se r ta re fa da Psicologia tra ta r d esses even tos, m esm o que de form a

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inferencial (en q u an to os behav io ristas m etodológicos in s is tem no

princíp io da verdade p o r consenso público).

N ota-se, em v irtude de co n stan te m á com preensão do b eh a­viorism o radical, em larga escala confundido com o u tras v e rten ­tes, m u ita crítica inapropriada (ressalve-se, um a vez m ais, a existência de m u itas análises pertin en tes , já aqui citadas). Bower (1986) oferece um exem plo de artigo escrito n u m a p e rs­pectiva chargista, partilhando de um a tendência que já foi designada no Psychological Record (1975) de an tibehav io rism o (vide Sw artz, 1970), ao qual se associaram psicanalistas, cogni- tivistas, fenom enólogos e e to log istas, num a queda-de-braço que não parece episódica, m as du radoura . D essa d ispu ta , que se tem prolongado de form a ap aren tem en te im produ tiva e, por vezes, tem -se co n stitu ído em g ra tu ito an tagon ism o, espera-se com eçar a colher algum as lições. É esse objetivo que se p re te n ­deu dar com o no rte a este incip ien te trabalho.

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Os efeitos da audiência crítica: novas tendências para o programa

behaviorista radical?

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R eitere-se, p re lim inarm en te , que um efetivo rea linham en to do behaviorism o radical não pode ser p lenam en te alcançado un icam ente a p a rtir de um a análise isolada com o a p resen te . E ntre tan to , o exam e do cenário crítico e do percurso h istórico do behaviorism o, ten tad o na tese que orig inou este livro, incita a ousar algum as considerações e p ropostas, cuja apreciação pelo leitor supõe-se com o cam inho p re lim inar para um a com preen ­são m ais clara do q u an to e com o poderia um behaviorism o rad i­cal reavaliado serv ir à o rien tação de m etas dos program as de pesquisa e estu d o s teóricos em curso. N essa direção, é certo que ao longo da h is tó ria transfo rm aram -se os com prom issos da Psicologia e hoje ex iste a evidente necessidade de que qua lq u er corren te que p re ten d a ser um a ciência do co m p o rtam en to está ineren tem en te com prom etida com a construção de p rocedi­m entos que a ten d am às aspirações da m aioria da coletividade. Com isso, algum as d im ensões do behaviorism o radical p reci­sam ser reavaliadas para colocá-lo a serviço de um a visão p ro ­gressista de sociedade, apesar da pecha que se lhe a tribu i fre­qü en tem en te com o corren te positiv ista reacionária.

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E ste breve ensaio p re tende não m ais do que reu n ir sob um perfil razoavelm ente com preensível as principais v e rten tes da crítica sobre as deficiências do behaviorism o. Ao reuni-las, to r­na-se possível te n ta r nova tarefa, que é a de, aproveitando-as q uan d o p e rtin en tes (a p a rtir de um a visão in te rn a e com os esclarecim entos m etodológicos an tep o sto s na in trodução do trabalho), fazer sugestões, quando couberem , na direção de um a rem odelação das práticas behavioristas, especialm ente com relação à sua possível participação nos delineam en tos cul­tu ra is . Tais m udanças po r vezes se referem à filosofia, po r vezes à m etodologia, p o r vezes à aplicação dos conceitos e da tecnolo­gia d isponíveis.

Foram feitos a lguns esclarecim entos acerca dos d iferen tes behaviorism os e da im precisão de alguns conceitos m uitas vezes detu rpados, para te n ta r ev itar o que A. R. A lm eida, em n o ta de tradução no já m encionado artigo de S taats (1980), consta tou :

co m o em n o sso p a ís se id e n tif ic a o B eh av io rism o com S k in n er,

e com o são pouco conhecidas as con tribu ições dos behavioristas n ão -operan tes . S uspeito qu e esse viés no conhec im en to tem sido a

causa de m u ita s e im profícuas d iscussões em to rn o do behav io ris­m o, já que poucos conseguem acom panhar o seu desenvo lv im en to

na A nálise E xperim en ta l do C o m p ortam en to . Et pour cause, as d is­cussões que ocorrem nos m eios acadêm icos são p recárias e pass io ­nais, com o se o p ro b lem a p u d esse se r tra tad o com os radicalism os

das d iscussões de um a ta rd e de fu tebol no M aracanã, (p .98)

As fontes de confusão não se restringem às salas de au la e corredores das un iversidades, podendo ser encon tradas em res­peitáveis periódicos e - o que é fonte d issem inadora incom pará­vel - nos liv ros-tex to de Psicologia. T odd & M orris (1983) e M orris (1985), po r exem plo, analisando vários escritos acadê­m icos, concluíram que, por serem os livros-texto com um en te o m aior m eio de in teração en tre o público e o behaviorism o, os

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analistas do co m p o rtam en to p recisam esforçar-se m u ito para reparar esses erro s e prevenir possíveis conseqüências n egati­vas da m á com preensão assim d issem inada. Para o e s tu d o das d istorções, é in te ressan te acom panhar o re la to de T u rk a t & F euerstein (1978, p. 194) sobre a lguns ep isódios encon trados na lite ra tu ra . Eles inform am , particu la rm en te , sobre a clássica m odificação de com portam ento :

T odos os artigos indexados sob a rub rica m odificação de co m ­

p o rtam en to no New York Times nos ú ltim o s cinco anos foram exa­

m inados ... em ap ro x im ad am en te 48% dos artigos, a m odificação de co m p o rtam en to foi ap resen tad a in ap ro p riad am en te ... p o r ve­

zes m odificação de co m p o rtam en to foi equalizada com psicocirur- gia, lavagem cerebral, privação sensoria l e a té to r tu ra . P or exem ­

plo, na edição de 28 .5 .1974 , N o rd h e im er re la ta m odificação com o

um p ro ced im en to de "conversão da personalidade . Isso pode ser

ob tido p o r privação sensorial, is to é, ob rigar o su je ito a ficar confi­

nado em u m a sala escu ra à p rova de som ... ou sub m etê -lo a um som ou luz inexoráveis ... a fam osa to r tu ra ch inesa da água (com ­

p ara tivam en te) cai n u m a segunda categoria".

U m resp e itad o co lun ista (Tom W icker) em 1974 defin iu m o­dificação de co m p o rtam en to com o "um te rm o disfarçado que pode

significar q u a lq u e r form a de c irurg ia cerebral do tipo Clock-work orange ... ele u sualm en te inclui experim entação com drogas e a m aio­ria dos casos p re ten d e p ro d u z ir p risioneiro s dóceis e c idadãos cer-

tin h o s" . O tí tu lo do artigo de W icker era A bad idea persists.

T urk a t & F euerste in p rosseguem exem plificando a m á com preensão do behaviorism o com o u tro s absu rdos ceímo os já citados. Isso confirm a o que já se d isse an te rio rm en te , ou seja, que parte da crítica, po r im p ertin en te (o p róp rio B. F. Sk inner já reclam ou disso, n u m a en trev ista dada a Evans, em 1972, que foi intitulada “I have been m isunterstood..."), está sendo necessaria­m ente descartada. Todavia, m u ito s críticos sérios e co m p eten ­tes foram exam inados e é a p a rtir dessa via que o behaviorism o pode progredir, no sen tid o de ap rim orar-se . E é com esse ob je­

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tivo que este cap ítu lo se dedica a absorver as observações d o ta ­das de parcim ônia e argum entação consisten te . A títu lo de im perfeito perfil, destinado a p ream bular as considerações finais deste trabalho , seguem -se, s in tetizadas, algum as áreas de atrito a serem consideradas:

1. E m bora não sejam com pletam en te convincentes os argu­m en to s da crítica acusando o behaviorism o radical de reducio- n ista , em certa m edida essa m esm a crítica pode ser vista com o im p o rtan te alerta , sugerindo reavaliação num certo sen tido . Ou seja, é seguro que te r o co m portam en to com o ob jeto de estudo, na perspectiva sk inneriana, não leva necessariam ente a relegar a segundo plano e m u ito m enos em negar a im portância do e s tu d o do que se convenciona cham ar de vida interna. Em in ú ­m eras opo rtun idades, S kinner já se m anifestou sobre a im por­tância de se desenvolverem proced im entos nessa área, con­form e se analisou na seção apropriada. E n tre tan to , em bora o behaviorism o não sofra de um reducionismo de princípio (derivado de seus p ressu p o sto s teó ricos), ele padece de um reducionismo de prática. O u seja, parece ex istir um a tendência à explicação dos co m portam en tos m ais com plexos (especialm ente os encober­tos) de um a m aneira sim plificada, que não é recom endada pela p róp ria teoria, deixando de lado, inadvertidam ente, grande p arte do con tex to e das contingências que delim itam o com por­tam en to . N esse sen tido , d en tro dos objetivos d este trabalho , o behaviorism o deve co n trap o r aos lim ites da pesqu isa re s tr ita às condições u ltracon tro ladas do laboratório o d irec ionam ento de p esq u isa e artigos teóricos acerca de eventos privados enq u an to co m portam en to hum an o com plexo. M aior in v estim en to nessa área certam en te am pliará o espectro da com preensão das in trin ­cadas contingências e regras im plicadas nas redes de relações en tre organ ism o e con tex to am bien tal. Todavia, para ev itar o que se d enom ina aqui de reducion ism o (ingênuo) na prática, reform ulações im p o rtan tes devem ser feitas nos cursos de for­m ação profissional.

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2 . É h isto ricam en te p roem inen te , na lite ra tu ra crítica, a questão da generalidade com que o behaviorism o tra ta ria seus resu ltados em relação a hom ens e dem ais espécies. As re s tr i­ções básicas referem -se à alegada im propriedade da tran sfe rên ­cia de resu ltados de p esqu isa em labora tó rio (freqüen tem en te utilizando o ra to albino) para o co m p o rtam en to hum ano . Por essa via, p arte significativa da crítica é avessa à idéia da continu i­dade en tre espécies, sendo que a in tensidade (e verticalidade) das rejeições varia desde a dúvida acerca da d istância qualita tiva en tre com portam en tos h u m an o s e an im ais a té a aversão (m u i­tas vezes em ocional) no tocan te ao que se convencionou cha­m ar pejora tivam ente de "psicologia de ra tos". O fato é que, se foi valioso para o behaviorism o um am plo período de pesqu isa básica com anim ais, em que m u ito s p ressu p o sto s agora já te s ta ­dos com h u m anos foram classicam ente estabelecidos, não pode perm anecer hoje essa m esm a realidade de pesquisa . Em term os de validação, ao m enos, o próprio m odelo replicativo de delinea­m ento de p esqu isa p ro posto po r S kinner prevê a tes tag em de p ressupostos em novos seres e sob novas condições situacio- nais, de m odo que a cada m udança replicativa se possa v isuali­zar o que ocorre nos resu ltados de pesquisa . Seja m ais ou seja m enos in tensa a continu idade filogenética, os resu ltados da pes­quisa é que podem dem onstrá-lo efetivam ente. Todavia, a rea li­dade p rática apo n ta m ais u m a v irtude a ser desvelada na crítica, esteja ela co rre ta ou não: a am pliação da p esq u isa inclu indo seres h u m an o s e - so b re tu d o - co m portam en to verbal e re la­ções in terpessoais de m odo geral (com portam en to social) é cada vez m ais o cam inho apontado . ^

D epreende-se d isso que, em bora a p esqu isa com anim ais possa prosseguir, po rque de fato ajuda m u ito a com preender processos básicos e a gerar paradigm as a serem testad o s com hum anos, deve-se am pliar o investim en to e a form ação de g ru ­pos de p esqu isa vo ltados d ire tam en te para o co m p o rtam en to hum ano. M esm o po rque a tecnologia básica até aqui desenvo l­

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vida assegura hoje um acesso m ais bem su s ten tad o em todas as áreas. A títu lo de exem plo, devem m ultip licar-se os g rupos que es tu d am co m portam en to verbal e equivalência de estím ulos e os que fazem o exercício crítico das análises teóricas. Essa é um a seg u n d a re fo rm u lação de ru m o s q u e p ode se r reco m en ­dável ao b eh av io rism o rad ical, n o ra s tro do q u e a c rítica cons­cien te aponta . N ão se tra ta , po rtan to , de invalidação de p ressu ­postos, m as de red irec ionam en to de tendências de program as acadêm icos.

3. O behaviorism o tem sido acusado de mecanicista e, nesse caso, a con tribu ição da crítica não im plica que seja possível (ou necessária) m udança no paradigm a básico do behaviorism o radical. N o sen tid o da m etáfo ra da "caixa p re ta”, sem dúvida, o behaviorism o já não pode ser acusado, a té p o rque o Skinner teórico (e não o do laboratório) acena com sua d issidência ao behaviorism o m etodológico, que exclui de cena os even tos pri­vados po r sua inacessib ilidade pública. M as a crítica é m ais um a vez útil, po rque estim u la a p rocu ra de um m odelo que fuja ao padrão considerado sim p lista do paradigm a das relações estí- m ulo-resposta , para exigir um a análise de con tingências m ais ab rangen te . Todavia, essa am pliação da variabilidade causal do co m p o rtam en to não significa um a fuga ao m odelo básico da relação an tecedentes-com portam ento-conseqüentes e, portanto , não descaracteriza o behaviorism o radical.

4. A pecha de positivista, no sen tido m ais negativo do term o, foi con tex tualizada em u m a das subseções do cap ítu lo an terio r e pôde-se concluir que o behaviorism o, inclusive o radical, sofreu influência das teses positiv istas, sem , con tu d o e po r isso, in trin secam en te rep resen ta r am eaça à institu ição do livre-pen- sam en to ou um a m ensagem de apoio às in stitu ições to ta litá ­rias. M as a crítica con tribu i para to rn a r claro que os analistas do com portam en to , em boa m edida, pouco cederam de su a ciência p ara as finalidades m ais am plas da consolidação da lu ta d em o ­crá tica e para serv ir com o in s tru m e n to (de um a tecnologia do

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com portam ento ) ú til para as populações m arginalizadas. Está claro que o objetiv ism o não co nstitu i m al em si. Ao con trário , é m eta alcançável tam b ém na Psicologia, m as deve servir aos in teresses m aiores da com unidade. Sk inner m o stra em diversas ocasiões, en tre tan to , que não se deve confund ir essa influência e esse rum o com o que p ropuseram os positivistas lógicos do C ír­culo de Viena, que in flu íram fundam en ta lm en te na configura­ção do behaviorism o m etodológico.

5. A q u estão da circularidade lógica dos conceitos de e s tí­m ulo e resp o sta e suas in ter-relações percorreu , na crítica, igualm ente um cam inho circular: é um beco sem saída, na m e­dida em que, m esm o que algum a circularidade seja adm itida, não há com o negar a efetividade prática dos conceitos e a sua com provabilidade em todas as c ircunstâncias em que foram te s ­tados. A ssim , essa não é qu estão fundam ental a incom odar o behaviorism o radical e a A nálise do C om portam en to , po r ora. As definições pelas conseqüências superam , em m uito , as defi­nições do tipo tho rnd ikeano , m ed ian te certo grau de agradabili- dade ou o u tras dotações in trínsecas dos eventos, o que, aí sim , são eventos não testáveis. N essa linha, p o rtan to , em bora o debate seja saudável, o corpo teórico do behaviorism o parece m o m en taneam en te inalterado .

6 . O p rob lem a da intencionalidade é tem a b astan te sério e razão en tre as m aiores que divorciam behaviorism o radical e cognitivism o. Publica-se em liv ros-tex to e divulga-se nas salas de aula, freqüen tem en te , que os behavioristas têm um m odelo de hom em passivo, is to é, que ficaria sem pre à m ercê das influências do m eio, com o que esperando o m undo agir sobre ele. N ada m ais incorreto . N a verdade, o privilégio da^nfluência a tr i­buída ao am bien te não vai po r esse cam inho. O q u e o behavio­rism o radical p re ten d e é considerar o am bien te (sociocultural, biofísico e bioquím ico) com o condição fundam enta l para que se insta lem ou se a lterem , ou se e lim inem co m p ortam en tos. Mas isso se dá n u m a concepção de hom em in teragen te , e não p as­

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sivo. Para o cognitivism o, a visão de na tu reza h u m an a deve ser a do hom em ativo, daí a qu estão do p ropósito , da teleologia, da in tencionalidade. O que o behaviorism o nega é um a função cau­sal para o in tencional que se passaria sob a pele e a que ele dá um status de condição corporal sen tida, por vezes equivalendo a um co m portam en to encoberto . Essa é um a posição da qual, cer­tam en te , o behaviorism o radical não abrirá m ão tão facilm ente - ao m enos não na d ireção em que a crítica é feita - , a té porque um a das características v itais do behaviorism o é o seu an tim en- ta lism o exacerbado. N o que o behaviorism o deve, contudo, observar e valer-se da crítica é em abrir m aior espaço para a pes­q u isa dos eventos privados - e, para tan to , não te rá d iferen te a lternativa do que a de en co n tra r algum a objetivização nas novas versões da velha in trospecção e relato verbal. Pesquisa m etodológica com esse objetivo tam bém será im prescindível.

7. N a área aplicada, som am -se artigos acusando a A nálise do C om portam en to , po r exem plo, de ineficaz, especialm ente q u an to ao fenômeno da substitu ição de sin tom as. Já se a rgum en­to u que a idéia de s in tom as parte de um m odelo m édico psico- d inâm ico com o qual não concorda o behaviorism o. Todavia, os com p o rtam en to s que são assum idos com o sintomas apenas ocorrem em consequência de erros de procedimento. O u seja, ao p lanejar um p roced im ento terapêu tico , o psicólogo (no caso, um analista do com portam en to ) pode te r deixado de prever a instalação de co m portam en tos desejáveis que teriam a função de prover os reforçadores que an tes eram ob tidos m ed ian te com p o rtam en to s indesejáveis. A questão , aí, circunscreve-se à (in) com petência profissional na elaboração da program ação de contingências. Todavia, a área p rática (não apenas clínica), com o em q u a lquer o u tra profissão, d esafo rtunadam en te , con­tém exem plos de p rofissionais que a tu am utilizando o que se poderia cham ar de um behaviorism o ortodoxo, is to é, ao pé da letra, um a versão não crítica, ética e socialm ente inconsisten te . Esse tipo de deficiência, re itere-se, está p resen te na form ação

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p ro f is s io n a l e n v ie s a d a d e q u a lq u e r c o r r e n te p s ic o ló g ic a . D e v e

s e r c o r r ig id o p o r a ç õ e s c o n c re ta s n o s c u r r íc u lo s d o s c u r s o s d e

P s ic o lo g ia , n a e la b o r a ç ã o d e te x to s e m e s m o p o r u m a n o v a p o lí­

tic a d e p u b lic a ç õ e s e t r a d u ç õ e s d a l i t e r a tu r a c ie n t íf ic a .

A títu lo de exem plo do que costu m eiram en te ocorre nos cursos de form ação de Psicologia, os p rim eiros co n ta to s dos alunos com a A nálise do C om p o rtam en to dão-se, de m odo frag­m entado , pela d iscip lina Psicologia Geral. D epois dessa visão dicotôm ica, vieses críticos são passados, via de regra, através de ou tras d iscip linas obrigadas a escolher e s ta ou aquela linha de atuação. F inalm ente, o aluno, quando en tra em efetivo con ta to com a A nálise do C om portam en to , o faz nas aulas de Psicologia E xperim ental (onde o E xperim ental é - e rro n eam en te - equ ip a­rado a behaviorism o) e /o u nos de exercícios de labora tó rio em com portam en to operan te , com ra tos alb inos wister. Daí a sen sa­ção efetiva de que se tra ta , m esm o, de um a psicologia de ratos, ou seja, a aparência - logicam ente com preensível - é a de que esse paradigm a se circunscreve à realidade de o u tra s espécies an i­m ais. Em geral, os tex tos são im portados de u m a realidade abso lu tam en te d íspar em relação à brasileira, m an ten d o até m esm o a e s tru tu ra frasal em inglês (com o algum as das citações traduzidas que se m encionaram no p resen te trabalho) e os exem plos orig inais. A lém disso, em geral os currícu los não têm m antido d iscussão (den tro de um a discip lina com o Filosofia(s) da Psicologia) acerca de p ressu p o sto s ep istem ológicos das diversas abordagens. O aluno, em geral, acaba apegando-se - sem te r op o rtu n id ad e de analisar vertica lm en te as diversas te o ­rias e sem poder debatê-las em am bien te acadêm ico aberto - aos paradigm as com que m ais concorde pela ernoção do que pela razão deco rren te do debate . C on tudo , tal preju ízo não é carreado exclusivam ente para o behaviorism o, senão para toda a Psicologia: se tal ocorre nos cursos de Psicologia, ainda m ais se dá nos cursos em que ela funciona apenas com o disciplina com ­plem entar, com o é o caso de Pedagogia e d iversas licenciaturas.

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8 . O behaviorism o tem sido acusado de superficialidade na sua análise, especialm ente po rque se circunscreveria às ações sim ples dos organism os, m as esbarraria nas explicações do co m p o rtam en to com plexo. A pesar dos esforços dos diversos au to res para o b te r um a com preensão behaviorista m ais am pla de sociedade (o próprio S kinner o ten to u por d iversas vezes), é com preensível a queixa da crítica no sen tido de que o behavio­rism o ainda está devendo n essa área. Essa acepção do conceito de superficialidade só deverá ser corrigida pela proposição de um deba te crítico m u ito am plo e do exercício de u so e produção de um a lite ra tu ra conjectural acerca do funcionam ento da socie­dade a p a rtir das con tribu ições da Psicologia, um a vez dada a im possib ilidade de am plos “experim entos sociais”. A atom iza- ção da visão de con tex to , nesse sen tido , é um risco ex isten te e q ue pode ser parcialm en te evitado m edian te a adoção de a lgum a espécie de A nálise C om portam enta l C ontex tualista , q ue se propõe ao final d este ensaio . Todavia, não parece haver o u tro cam inho que não seja um a teorização prelim inar, vista aqui com o fonte de h ipó teses que possam ser consideradas fér­te is para fu tu ras pesquisas. Q uando, por o u tro lado, o conceito de superficialidade se refere à q uestão do não dar con ta do com ­p o rtam en to integral, refu tações são necessárias. N a verdade, já se d em o n stro u que o que e s tá novam ente em jogo é a convicção a n tim en ta lis ta do behaviorism o radical. A via de acesso ao com ­p o rtam en to mais amplo reiv indicado pela crítica foi apon tada por Skinner em vários artigos e, a tua lm en te , g rupos de pesquisa com eçam a ad en tra r a d im ensão privada do com portam en to com m ais vigor (e rigor).

9. A lite ra tu ra crítica é densa ao falar sobre a q u estão do con­trole e suas im plicações, acusando o behaviorism o de um a su p o sta un ila tera lidade na q u estão do con tro le e de, po r isso, gerar um a posição n ecessariam en te reacionária e an tidem ocrá­tica. A h is tó ria da p rática não nega que algum as experiências desastro sas foram ten tadas, especialm en te nos E stados U nidos.

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Tal se deu em h osp ita is psiqu iátricos e clínicas, com o já é sobe­jam ente conhecido. E n tre tan to , os usos inapropriados do con­tro le são tam bém um a qu estão de desresp e ito ou desconheci­m ento da ética fundam enta l dos profissionais da área. U m a sólida form ação técnica, associada a um a consisten te form ação ética, im pediria que usos anti-sociais fossem tornados concretos.

Há exem plos a m o stra r que isso é possível. D en tro do b eh a­viorism o, m u ita gente e s tá igualm ente p reocupada com a q u e s­tão das desigualdades sociais, com a qu estão da d istribu ição in justa de renda e de todas as o u tras o p o rtun idades, com a questão especial do poder de contro le que e s tá nas m ãos de g ru ­pos m inoritários em desfavor da m aioria da população. E n tre ­tan to , essa é um a via de duas m ãos: passa pelo es tu d o científico da questão do controle e passa por efetivas ações políticas nas quais todos os interessados devem se envolver, enquanto m ilitan­tes da cidadania. O behaviorista H olland (1974, p.280) dizia que:

Se q u e rem o s que u m a ciência do co m p o rtam en to este ja a se r­

viço de u m a nova sociedade igualitária , tem o s que fazer g randes

m udanças em n o ssa form a de trabalhar. Em p rim eiro lugar, é n e ­cessário que in te rro m p am o s o traba lho que te n h a a lta p robab ilida­

de de e s ta r a serviço da riqueza e do poder. Em segundo lugar, te ­

m os que ad ap ta r n o sso trab a lh o às necessidades d ire ta s d o povo que lu ta p o r liberta r-se do con tro le e da exploração p o r p arte da

e lite que se in s ta la no poder. Is to im plica ta n to u m a análise das

form as de con tro le q u e a sociedade usa, com o o desenvo lv im en to de form as de co n traco n tro le que possam se r usadas po r pessoas com recu rsos m u ito lim itados. E, em te rce iro lugar, tem o s q u e ex ­

p lo rar as fo rm as de m odificação de co m p o rtam en to q u e sejam

com patíveis com u m s is tem a igualitário , não m a teria lis ta e não

e litista , senão constru tivo , q uando m enos no to can te aos m eios para p ro d u z ir um a m udança revolucionária do hom em .

D esde que H olland escreveu esse artigo (“A re behavior principles for revo lu tionaries?”) e o u tro s na m esm a linha,

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algum a coisa tem sido feita, m as não o suficiente, na A nálise do C om portam en to , para a produção de um traba lho engajado n u m a espécie de psicologia com unitária , onde o conhecim ento possa se r constru ído , tam bém q u an to ao com portam en to , para benefício da m aioria. E n tre parên teses, coloque-se abreviada­m en te aqui que a idéia de um a atitude construtivista não tem necessariam ente a ver com um a visão teórica constru tiv is ta no sen tid o em que o e s tru tu ra lism o a veicula: configura-se tal a ti­tu d e com o m ecanism o que avaliza o caráter de represen tativ i- dade social de tal conhecim ento elaborado. O cará ter de cons­trução do co n h ec im en to pode dar-se em perspectivas teóricas d ife ren tes , co n q u an to a idéia de in teração o rgan ism o-am - b ien te (espec ia lm en te social) es te ja p resen te . Por certo , ainda qu e as condições p ara um trab a lh o n essa direção sejam in e ren ­tes a um parad igm a ob je tiv izan te e concre to da realidade, pouco de p rá tico tem sido fe ito para valorizá-las e colocá-las à so rte das decisões da com unidade: para tan to , u m a reo rien ta - ção p rog ram ática do behav io rism o radical ex ig iria franco envo lv im en to em pesqu isa e debates na área. Exem plo in te res­san te , em bora isolado, de com o os conceitos derivados da A ná­lise do C om portam en to podem servir, de m odo essencialm ente prático , à busca de um a sociedade cooperativa, ju s ta e igualitá­ria, pode ser encon trada, com o m encionado, na com unidade Los H orcones.

10. N a área aplicada a análise de contingências é lim itada, acusa a crítica. C om boa dose de razão, a lite ra tu ra crítica m os­tra que a A nálise do C om p o rtam en to em clínica, po r exem plo, do m esm o m odo que o u tras corren tes, tem -se apegado ao con­tex to lim itado das relações diádicas. E m bora em tese a m odifi­cação de co m portam en to p regue o acesso a o u tras fontes de inform ação, a verdade é que, po r com odism o de m u ito s m odifi­cadores (e sua conseqüen te dificuldade em consegu ir re su lta ­dos ainda m elhores), essa resistência em am pliar o con tex to da análise de contingências traz sérios preju ízos à abordagem .

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C om o já se ressa ltou , todas as considerações m ostram , irre ­fu tavelm ente, se r im prescindível um a am pliação do con tex to de análise, ou seja, a área aplicada precisa passar a considerar, com mais profund idade, as q uestões relativas à am pliação das con­tingências levadas em consideração. O con tex to social, político, econôm ico, da fam ília, do trabalho , da nu trição , do estado de saúde e tan to s o u tro s são tam bém parte do am bien te e na m aio ­ria das vezes são co n ju n tam en te d e te rm in an tes de grande parte do com portam en to . N ovas perspectivas d en tro de um behavio­rismo contextualista com eçaram a su rg ir na lite ra tu ra (Biglan, 1988; Hayes, 1988; M orris, 1988; Hayes & Hayes, 1992) e reve­lam fundadas esperanças n u m a reconstrução positiva.

1 1 .0 behaviorism o tem sido acusado de desumanizante, por relegar conceitos caros ao hom em , com o sen tim en to s , ta len tos, m otivos, criativ idade e ou tros. A questão , analisada no cap ítu lo anterior, m o stra que há um falseam ento , pela crítica, das p ro ­postas do behaviorism o radical. N a verdade, um a retrospectiva da pesqu isa e dos escritos conjecturais acerca do assu n to m o s­tra o inverso. O que há é, ocasionalm ente , confusão conceituai, decorren te da concepção an tim en ta lis ta e de u m a visão pré- objetiv ista do behaviorism o, que descartam en tidades m en ta is e construc tos h ipo té ticos in te rn o s com o explicativos do com ­portam en to . Pouco, n esse sen tido , pode-se exigir em te rm os de m udanças, a té p o rque é ped ra angu lar do behaviorism o o com ­po rtam en to com o un idade básica de análise de todas as a tiv ida­des hum anas.

12. A enum eração das críticas aqui sum ariadas é ab so lu ta ­m ente arb itrária . C om o já se esclareceu, tal lite ra tu ra se co n sti­tui, na realidade, de um em aranhado de pon tos de vista. Essa teia se en trec ru za em todas as d im ensões, a té po rque há grande dificuldade em se separar, na lite ra tu ra científica, tex to s ou p ar­tes de tex tos que co n stitu am análise teórica s istem ática d aq u e­les que se configurem com o livre opinião. Todavia, seguindo essa (im perfeita e in térm ina) seqüência, acusa-se tam bém o

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com portam en ta lism o com o um flagelo aos ideais libertários e dem ocráticos. Essa crítica decorre especialm en te de dois livros de Skinner (1971b, 1972), que chocaram seus opositores, po r­que S kinner põe em xeque os conceitos de liberdade e d igni­dade, tal com o freq ü en tem en te veiculados na lite ra tu ra , sendo por isso confund ido com o sendo con trário a esses ideais. Na verdade, a linguagem e o estilo perspicaz e irônico de Skinner foram coadjuvantes da sua rejeição, em bora não responsáveis d ire to s pela sua m á com preensão. O que ele p re ten d e não é um a lu ta con tra os ideais dem ocráticos, em bora u m a le itu ra apres­sada possa levar a tal in terp retação . P retende, isso sim , to rnar concretas q u a isq u er ten ta tivas de m udança e en ten d e que isso apenas um a ciência objetiva pode assegurar. Seu m odo prático, en tre tan to , foi co n tu n d en te e gerou pro liferada discórdia. C om o já se frisou an te rio rm en te , tem -se de an tem ão que a ciên­cia não é neu tra: dela lançam m ão os m ais poderosos, em pri­m eiro lugar. M as é preciso co n stru ir espaços onde o conheci­m en to sirva com o m odo de d e te r tal uso d iscric ionário em rela­ção à m aioria da população.

M uitas o u tras críticas e suas conseqüências foram ap resen ­tadas no corpo deste trabalho , sem que se ju lgue necessário repeti-las n es te resum o. E n tre tan to , algum as palavras à guisa de discussão (m as não de conclusão) to rnam -se necessárias.

Supõe-se que o desenvolv im ento do es tu d o ten h a m ostrado que o behaviorism o radical tem sido atacado acertadam en te em alguns aspectos e inco rre tam en te em ou tros, so b re tu d o quando se co n sta ta a lgum a m iscelânea dos d iversos tipos de behavio­rism o. Por o u tro lado, supõe-se que ten h a ficado tran sp a ren te e irrefutável a necessidade de algum as m udanças significativas nas tendências con tem porâneas do em p reen d im en to skinne- riano e que elas devem se refle tir fu n d am en ta lm en te em m u ­danças de postura m ais do que de postu lados. O u seja, supõe-se que essa corren te d ispõe de um corpo teórico, u m a filosofia de ciência e um a tecnologia su fic ien tem ente desenvolvidas (m as

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não to ta lm en te p ron tas) e que essa e s tru tu ra possa ser so lida­m ente aproveitada para a reconstrução do em p reend im en to behaviorista radical, nas direções já apon tadas. N ovos esforços, por exem plo, são sugeridos por G uerin (1992, p. 1429), na aná­lise experim en tal do co m portam en to social:

Os pontos assinalados neste artigo têm implicações sobre como a análise experimental do comportamento social pode ser conduzida. O mais importante desses pontos é que a pesquisa em análise do comportamento tem sido predominantemente sobre contingências ambientais diretas não mediadas por outras pessoas, em contrapartida àquelas sobre propriedades especiais do com­portamento verbal. Isso significa que precisamos conhecer mais sobre como o controle social é manipulado na prática através das comunidades verbais... os numerosos estudos sobre representa­ções sociais, feitos por psicólogos sociais, indica a existência de um importante fenômeno social esperando para ser abordado pela análise do comportamento.

C om partilhando dessa citação, n a tu ra lm en te , supõe-se que este trabalho (an tec ipadam ente com a certeza de que não se co nstitu i em solução às dem ais polêm icas em curso na lite ra ­tu ra da área) pode ao m enos se configurar em pon to de apoio para novos investim en tos de p rofissionais in teressados, com o o au tor, em q u e a Psicologia se consolide com o ciência e este ja a serviço de to d a a população, e não apenas a alguns segm entos privilegiados.

A lém dos esforços in te rn o s ao behaviorism o na busca de ajustes co n stan tes dos enfoques dos program as de pesqu isa e estudos teóricos, ce rtam en te os co n stan tes esclarecim entos, através da lite ra tu ra , à parcela equivocada da crítica, ou a aná­lise c rite riosa (com o em R odrigues, 2000) de ocasionais d is to r­ções acerca da abordagem , devem prosseguir, caso se esteja convencido das po tenciais con tribu ições behavioristas radicais à solução de a lguns dos problem as sociais re levantes da atuali-

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dade. D ois in te ressan tes e recentes livros (R obinson, 2003a e 2003b, respectivam ente) exem plificam tal esforço e m erecem ser lidos pelos que buscam form ação behav io rista consisten te: Trece trucos de magia: el origen verbal de los mitos en Psicologia e Lo que el cognoscitivismo no entiende dei conductismo.

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Palavras finais

N en h u m a novidade existe, m as, paradoxalm ente, toda novidade ex iste no fato de que o conhecim ento científico pode ser u tilizado ao sabo r de d iferen tes concepções éticas, quando sob dom ín io de d iferen tes in teresses. N en h u m a novidade, na m edida em que a ciência, em si m esm a, não d ispõe de qualquer m ecanism o ético au top ropu lso r: não consiste , em princípio, em in s tru m en to de d iscricionária posse deste ou daquele e stra to social. Toda novidade existe, con tudo , no sen tido relativo de que, apesar da ausência de um m ecanism o ético au to-regulador, a a tualidade enseja m ais que nunca o m o m en to de a te n ta r p ro ­funda e seriam en te para os tipos de utilização de tal conheci­m ento , em co n trap artid a a um a a tropelada busca de inovações científico-tecnológicas.

Tal assertiva não p re ten d e reiv indicar, p o r óbvio, que se p roceda a um a estagnação do p rocesso de d esco b erta ou q u a l­q u er ab su rd o sim ilar. C o n tudo , o que se supõe u rg en te é cen ­tra r o foco de a ten ção no e s tu d o dos m ecan ism os através dos quais as desco b erta s cien tíficas ficam d isponíveis a certos seto-

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res da sociedade e, sob re tudo , em com o colocá-las a serviço de p ressu p o sto s igualitários. O cam inho aqui percorrido não am biciona o b te r consenso com as idéias do leitor: seu d iscern i­m en to a respeito dos encam inham en tos que deveriam ser dados às polêm icas levantadas pode ser d iverso do deste autor. Todavia, ainda que ap resen te m ais pergun tas que respostas ao leitor, espera-se e s ta r apon tando tem as provocativos para novos estu d o s e pesquisas.

Tal com o a idéia de que não basta m ais negar con to rnos de neu tra lidade à ciência. Isso já estaria posto de um a vez por todas. H á que se red irec ionar m etas científicas, acrescen tando à ciência do por quê? e do como? um a ciência do para quê? e do para quem?. O u seja, em bora seja m u ito con troversa a tese da ciência socialm ente com prom etida, p rocurar-se fazer u m a ciência neu­tra não passaria de - co n trad ito riam en te - um m odo de to rná-la in s tru m en to provavelm ente a serviço das classes dom inan tes. Mais precisam ente, o que se espera, no m ínim o, não da ciência, m as antes de seu produtor, o cientista, não é com prom isso dassis- ta-corporativista, m as com prom isso com a idéia de que a ciência só pode es ta r a serviço da eqüidade in terpessoal. Se há algum com prom isso adm issível e desejável do c ien tista , es te se refere ao seu vínculo ético q u an to à procura de um a sociedade equâ­nim e e igualitária . C om prom isso , nesse sen tido , não deve ser confundido com com prom etim en to . A quele con tex tualiza e socializa o locus da descoberta . Este d iscrim ina, c ircunstancia e individualiza o privilégio do d om inar o saber.

De d iferen tes m aneiras, a qu estão das finalidades da ciência já percorreu am pla lite ra tu ra , in felizm ente sem pre p roduzindo m ais calor que luz. As fricções do d iscurso acerca da ética cien tí­fica, no en tan to , pouco deram im portância ao papel da Psicolo­gia na questão . E é em razão, no m ínim o, de sua ab so lu ta p e rti­nência à p roblem ática dos usos das descobertas da Psicologia que essa quere la é aqui re tom ada. U m relevante e s tu d o sobre variados aspectos da filosofia política do behaviorism o radical,

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das finalidades da ciência, das q u estõ es éticas e teóricas do com prom isso social da A nálise do C om p o rtam en to com o p la­n ejam ento cu ltu ra l pode ser en con trado em D ittrich (2004).

O p resen te ensaio , em bora d iga respeito à Psicologia em geral, aflora, em seus fundam entos, de um a realidade acadê­m ica de ensino , o q u e to rn a parte das reflexões au to m atica­m ente vo ltada para a realidade educacional. N essa perspectiva, é crucial to rn a r claro quan to o paradigm a behaviorista tem sido (mal) veiculado no cam po educacional, lam entavelm ente a partir de um a a titude de discreta ausência crítica, po r vezes praticada ou aceita de form a passiva por m uitos que se in titu lam analistas.

R etom ando o cerne da argum entação inicial, p roced im en­tos científicos (em Psicologia) têm p roduzido eno rm es desco­bertas, sem que, con tudo , se esteja sequer im aginando a p o ssi­bilidade de que o co m p o rtam en to h u m an o possa ser to ta lm en te desvendado. Todavia, a par desse p rocesso de descoberta, não se identifica paralelo desfecho à p e rg u n ta do para quê? e /o u para quem?. N o caso behaviorista , a m aioria dos segu idores parece ter-se co n ten tad o com descobrir com o as coisas funcionam , o que é valioso, m as lim itado. Via de regra, por m ais corre tos e dem onstráveis que sejam os p ressu p o sto s do paradigm a, o e s tu d o de sua u tilização precisa agora ser aprofundado. E m bora n isso não vá n en h u m a novidade conceituai, es tá im plícita um a necessidade de revisão e reo rien tação da linha (propiciada pelo exercício da lite ra tu ra crítica e tam bém da consta tação prática da utilização inadequada de grande parte de ta is p re ssu p o s to s) .

A Psicologia, talvez a m ais ru id o sam en te subdiv id ida das áreas de conhecim ento , possu i hoje, apesar d isso, um corpo de descobertas re la tivam ente am plo, considerando-se o cu rto período de su a busca sistem ática pela cientificidade. A pesar de sua am pla subdivisão de abordagens, qua lq u er profissional m aduro reconhece hoje que há inegáveis con tribu ições de cada um a das m atrizes psicológicas (na acepção de F igueiredo, 1991): em cada fenôm eno, em bora possa haver conjecturas te o ­

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ricam ente d ivergentes sobre as particu laridades, tem havido consenso q u an to a certos aspectos gerais. Esse consenso m ín im o indica, pelo m enos, dois im p o rtan tes aspectos: 1. as ações hum anas são, apesar de com plexas, passíveis de um es tu d o sistem ático e, n isso , não constitu em ob jeto de estofo sui generis ou inacessível; 2. ex iste a inegável possib ilidade de que os p roced im entos de análise sejam d iferen tes no acesso a tais ações, op o rtu n id ad e essa conferida pelo cará ter dinâm ico e m u ltid e te rm in ad o dos repertó rio s com portam enta is .

A ssim , tam bém o behaviorism o radical tem evidentes con­tribu ições a dar à com preensão do processo social, em particu ­lar no que se refere aos m ecanism os de origem , m anutenção e alteração dos padrões com portam enta is . O aproveitam ento d esse conhecim ento com o in s tru m en to dirig ido à equalização in terpessoal ap aren ta ser o que carece de priorização, a té po r­que - m orm en te na prá tica da Psicologia brasile ira - o que se fez a té aqui foi im p o rta r behaviorism o, cognitivism o, fenom enolo- gia, psicanálise integrais: as variáveis de cará ter cu ltural, econô- m ico-social e político-ideológico têm sido sufic ien tem ente h ipo te tizadas e pouco pesquisadas. Nesse caso, pesquisa e amplia­ção da consciência ética devem , pois, andar ju n ta s na m esm a direção. E é n essa direção que um redelineam en to program ático gradativo do behaviorism o radical pode dar-se. N a perspectiva d este ensaio, talvez a p rioridade acabe por ser a am pliação do con tex to de influência sobre o com portam ento : um a A nálise C om portam en ta l C o n tex tu a lis ta deve prover condições para um a con tribu ição a um só tem po tecn icam ente co m peten te e e ticam en te dem ocrática na área educacional. A equalização infeliz e p reconceituosa e a p o s tu ra defensiva in tran sig en te (de p arte a parte , dos behavioristas e de seus críticos) acerca de um a atuação p rá tica baseada nas idéias de m anipu lação , de superd i- re tiv idade , de comércio de recom pensas e co isas do gênero, pode te r seu réqu iem m u ito p róxim o. Por certo , há u m papel m a io r a ser desem penhado pela Psicologia no p rocesso educaci­

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onal: m aior, ce rtam en te , que as d ife ren tes p ro p o s itu ra s te ó r i­cas podem oferecer, iso ladam ente . Sobre tudo na realidade b ra ­sileira, espera-se que esse papel este ja com prom etido com a construção da cidadania (a despeito da vulgaridade a que esse conceito tem sido exposto recen tem en te), que não pode p res­cindir de q u a isq u er contribu ições concretas da Psicologia, re s­peitadas as dificuldades que tal realidade sob reconstrução apresen ta. C om Laranjeira, em análise p e rtin en te e relevante a partir de enfoque teórico d is tin to (1995, p .26):

C erto é que a educação não se faz sobre os dados dos sonhos, m as sim , da realidade. E ntão , ce rto é que, com o h ab itan tes de um

país que os p ess im ista s cham am de subdesenvo lv ido e os o tim is ­

tas de em vias de desenvolvim ento m as que todos sabem que a m aio­

ria da população vive em condições de ex trem a d is tânc ia das con­dições ideais, tem o s que ap ren d er e en s in a r a sobrev iver na adver­

sidade e is to significa não es ta rm o s a serviço d essa adversidade (o

que fazem os q u an d o a co n sta tam o s e lam en tam o s), m as bem ao contrário , colocá-la a nosso serviço (o que fazem os q u an d o a co n s­

ta tam os e buscam os transfo rm á-la).

E necessário rep risar a concepção de que é d inâm ico e não-consensual o papel que a Psicologia pode e /o u deve d esem ­penhar nas várias áreas aplicadas, especialm en te na Educação. Todavia, esse cará te r d inâm ico e não-consensual não pode m ais ser igualado a um a m ixórd ia qualquer: ex iste razoável concor­dância teórica - se bem que a prática nem sem pre confirm e - acerca do que é preciso fazer ou deixar de fazer para que se possa abrir cam inho para um a Educação vo ltada para a cidada­nia. O exem plário de ex celen tes reflexões críticas, n o caso b ra ­sileiro , passa - sob risco inevitável de m u ita s om issõ es - po r M. C hauí, L. A. C unha, P. Freire, M. G adotti, J. C. Libâneo, M. H. S. Patto , D. Saviani, A. J. Severino e F. F ernandes. D essas reflexões resu lta um n o rte para a atuação educacional que pode resum ir-se nas palavras de Severino (1986, p .100):

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A práx is dos educadores , se fundada em e co eren te com um a visão crítica da realidade social, se desenvolv ida com v istas a ob je­tivos po lítico -educacionais re lacionados com os in te re sses reais da un iversa lidade da população despossu ída e, fina lm en te , se in stru - m en tad a com o saber com peten te , poderá c o n tr ib u ir e fetivam ente para a tran sfo rm ação social e, co n seq ü en tem en te , para a co n stru ­ção, no Brasil, d e u m a sociedade m ais ju sta .

Configura-se, aqui, apenas m era insistência d izer que o co m portam en to ético em Educação deve p au ta r-se p o r tais recom endações, m as h á que se re ssa lta r a visível in co n sis tên ­cia com que os d iferen tes p ro jetos educacionais (quer tenham co n stitu íd o sim ples rum ores, quer tenham sido consolidados com o oficiais pelo E stado) ten tam ating ir esses ideais. Se, de um lado, poucos analistas do co m portam en to têm estado p re ­sen tes en tre os que, na lite ra tu ra , estudam criticam en te os p ro ­blem as educacionais da atualidade, por ou tro , os teóricos de o u tras abordagens, em geral, tam bém freqüen tam m enos que o desejável o âm bito dos p ro jetos de pesqu isa e a lite ra tu ra even­tu a lm en te re su ltan te que recom ende in tervenções concretas na d ireção sugerida p o r Severino (1986).

Essas d ificuldades são identificadas em q u a isq u er parad ig­m as teóricos da Psicologia: n en h u m está a tal p o n to e s tru tu rad o que possa ser tom ado com o m odelo estável a su s te n ta r um ver­dadeiro pro je to educacional. De m odo particu lar, en tre tan to , o behaviorism o é a abordagem que, na prática, tem estado m ais afastada da consolidação de um a escola transfo rm adora (assim com o, em geral, de p ro jetos de d e lineam en to cu ltu ra l m ais ab rangen tes). C om o já se explicitou neste ensaio , tal se dá por variadas razões, en tre as quais: 1. sua preocupação h istórica com questões m etodológicas em pesqu isa básica, em vez de a um investim en to em áreas com plexas do com portam en to hum ano; 2. sua focalização exacerbadam ente específica em con­tingências im ediatas p resen tes na situação sob estudo , em d e trim en to de um a am pliação de análise que leve em con ta de

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m odo m ais enfático as variáveis de ordem social, econôm ica, política e ideológica, tam bém p resen tes na situação, m as a ex i­gir que sejam com ple tam en te desveladas, em particu lar quando se tra ta de con tingências de sobrevivência, a longo prazo; 3. sua origem objetiv ista , que faz ap aren ta r verdadeira a quem o estude superfic ia lm en te a idéia da im possib ilidade de análise do que está sob a pele; 4. seu su p o sto cará ter an tidem ocrático e reacionário, derivado de um nascedouro filosoficam ente p o s iti­v ista e po liticam ente capitalista , com o que se constitu iria , sem escapatória, em incom patível, ainda que hoje tão d is tan te dessa origem , com os ideais de u m a sociedade dem ocrática; 5. sua desatenção para com parcela bem es tru tu ra d a e co m peten te da crítica (questão que e s tá sob a ótica deste trabalho ), o que acaba resu ltando em ap aren te não-concordância com os ideais lib ertá ­rios e igualitários da m aioria dos dem ais com ponen tes da com unidade acadêm ica.

Sobre tudo po r essas razões é que o behaviorism o tem sido confundido, bona fide, com um parad igm a in trin secam en te inca­paz de servir aos objetivos da transfo rm ação social: na verdade, tal in terp re tação se deduz da prá tica co rren te com que os d e ri­vativos behavioristas têm sido em pregados. C onfund ir docili­dade e obediência em sala de au la com progresso e desenvolvi­m en to acadêm ico (cf. W in n e tt & W inkler, 1972), con fund ir a instalação de co m p o rtam en to s que obedecem às regras in s titu ­cionais de um hosp ita l psiqu iá trico com co m portam en tos que se incom patib ilizem com os sin tom áticos de um q uadro geral de desvio (cf. A yllon & A zrin, 1968) e reduzir m etas de d esen ­volvim ento educacional a objetivos in strucionais desvinculados do con tex to po lítico e socioeconôm ico (cf. Popham , 1976; Pop- ham & Baker, 1976) podem ser am ostras de áreas d iferen tes que apon tam situações clássicas da procura de um a eficiência descon tex tualizada do social. Infelizm ente, o exem plário seria m ais am plo, em bora ex istam valiosas ten ta tivas que levam em con ta o con tex to m ais ab rangen te do com portam ento .

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C om o conseqüência , o behaviorism o em geral (e, por herança h istórica , o behaviorism o radical) acabou p o r configu­rar-se com o parad igm a incongruen te com um a visão social p ro ­gressista . C on tudo , é exa tam en te o oposto que se reivindica n este ensaio. O u seja, tom a-se com o tese que o behaviorism o pode oferecer p roced im en tos auspiciosos para a construção de um a escola e de to d a um a sociedade dem ocrática e progressista . E po r essa via que as ú ltim as pesqu isas e ensaios teóricos b u s­cam recaracterizar o m odelo skinneriano.

Em particular, a Educação brasileira tem enfatizado um m odelo reprodutiv ista, que resulta, conform e Severino (1986), da form ação capitalista predom inan te nessa sociedade. As clas­ses dom inantes, com isso, têm m anifestado, consciente ou inconscientem ente, sua clara opção pela instauração e /o u m an u ­tenção d essa característica educacional reprodu tiv ista , já id en ti­ficada po r tan to s au to res. A escola, en ten d id a com o in stitu ição que proporciona a cada indivíduo do coletivo social a o p o rtu n i­dade de am pliar co n ta to com o saber elaborado, tem estado, com isso, em m uitas ocasiões, a serviço da m an u ten ção do estado de dom inação estra tég ica pelas m in o rias econom ica­m en te priv ilegiadas. E m bora não se m a n te n h a m ais ho je o ingên u o so n h o de q u e a escola, so z inha e d ire tam en te , possa se r responsável pe la transfo rm ação social, h á co n sen so em que ela pode colocar-se a serviço de u m a análise crítica das c o n tra ­dições de um a sociedade de classes. A té p o r isso, o foco nas re lações cap ita l/trab a lh o , seu fu n c io n am en to e o papel de ind iv íduo e co letiv idade nessa relação devem se r p ro p o sto s hoje com o cen tro da a tenção acadêm ica. À esco la é reservado um papel oposto ao que tem desem penhado , consoan te Seve­rino (1986, p .96):

A ssim , se de um lado a educação pode d isfarçar - leg itim an ­do-as ideo log icam en te - e ab randar as con trad ições e os conflitos reais que acon tecem no processo social, de o u tro ela pode tam bém

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desm ascarar e aguçar a consciência dessas contradições - d e n u n ­

ciando-as criticam en te , negando-lhes leg itim idade.

Por certo , a superação das m azelas sociais, especialm ente da Educação brasileira, não pode ser alcançada por via única, por paradigm a teó rico ditado pelo E stado, tal com o tem , via de regra, acontecido. A lém disso, não há m odelo teórico sequer próxim o de acabado que dê con ta de um a com preensão e tra n s ­form ação da Educação brasileira. M ais que isso, até por tra tar-se de q uestão de in te resse coletivo, os espaços para d iscussão de d iferen tes (e d ivergentes) p ro jetos devem ser dem ocratica­m en te garan tidos, is to é, as alternativas educacionais precisam ser asseguradas sob respaldo do próprio E stado. O que, re ite- re-se, con tra ria a p rópria política recente de, a cada gestão adm in istra tiva, anunciar-se a solução (em geral, apenas teórica) para as q u es tõ es da educação. Pela h is tó ria da Educação b rasi­leira, com essa prática, passaram professores autoritários, altru ís­tas, bu rocra tas e desautorizados, respectivam ente pelos m odelos de escola trad icional, nova, tecn ic ista e libertária: os m odelos teóricos, a cada m om en to desses, em bora obviam ente com patí­veis com cada qual, acabaram indo para além do que o rig inal­m en te p ropunham , para a ten d er à m e ta im posta . Do m esm o m odo não se duvide que, apesar do to m co n stru tiv is ta esta ta l hoje enunciado , o real modus operandi dos educadores no co tid i­ano e s tá longe de com patível com m u ito s dos p ressu p o sto s requeridos.

E de se supor, com isso, que a Educação siga para a iden tifi­cação de um novo cam inho que lhe perm ita , a um só tem po, plei­tear a em ancipação social sem precisar tem er ou fechar os o lhos a todas as novas descobertas e p roced im en tos científicos. Estes, caso não sejam encarados com o dados reais aos quais se pode dar o tra tam en to que in te ressa aos ideais de u m a sociedade igualitária e, ainda, caso não sejam (a p a rtir do m u n d o acadê­m ico) por ela apropriados, fa ta lm en te se vo ltarão um a vez m ais

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con tra ela própria. Por ou tra , caso se ado te com o verdadeiro o p ressu p o sto de que o conhecim ento pode advir de m últip las fontes, pau tadas em diferentes procedim entos, m étodos e técn i­cas, po r óbvio, tem er um behaviorism o (ainda que redelineado) em v irtude, por exem plo, "de suas origens vinculadas ao berço cap ita lista n o rte -am ericano” configura-se fuga a u m a realidade que, ao contrário , pode to rnar-se in s tru m en to ú til para u m con- tracon tro le ao processo de dom inação social.

Por o u tro lado, nem o behaviorism o, nem o cognitivism o, nem a fenom enologia - e com certeza nem um behaviorism o con- textualista ou qualquer ou tro m odelo - poderão constitu ir-se, isoladam ente, em panacéia para os p roblem as da Educação e os p rob lem as de qua lq u er área aplicada da Psicologia. Todavia, todas e cada um a dessas abordagens - sem que isso im plique a defesa de m iscelânea teórica sob o am paro frágil do ecle tism o - podem dar im portan tes contribuições na direção da transfo rm a­ção social. Sem dúvida, a té pela própria natu reza de sua form ação profissional, todo psicólogo deve m an te r algum a u top ia social. Talvez, d ian te do clam or po r soluções para os conflitos sociais v igentes, a Psicologia ten h a um papel im po rtan te e o m om en to reque ira a viabilização da u top ia de A rdila, de um a S íntese E xperim ental do C om p o rtam en to (indicações bibliográficas a p a rtir da recensão de C arrara, 2 0 0 4 c).

C o n trib u ir para a am pliação do conhecim ento , aliás, é o que define o próprio papel do pesquisador: se se concorda com o fato de que o conhecim ento científico é cum ulativo e de posse coletiva, tem -se com o certa, do m esm o m odo, a convicção de q u e toda nova descoberta , desde que cu idada sob padrões bási­cos q u an to ao m étodo , to rn a-se passível de aglu tinação ao con­ju n to desse conhecim ento científico. D escartá-lo por não convir a u m a acepção teórica ado tada é m ero preconceito . Essa in te n ­ção de co n trib u ir é igualm ente bem exem plificada pelo títu lo de u m conhecido livro o rganizado po r E. S. de A lencar (1993) - Novas contribuições da Psicologia aos processos de ensino e aprendiza­

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gem - em que au to res de d iferen tes linhas reúnem artigos com o objetivo p roposto , com o tam bém se exem plifica num trecho da apresen tação do livro de E. Ferreiro (1986, p .8):

Todas as nossas investigações sobre a psicogênese da lingua­gem escrita são orientadas pelo interesse em compreender melhor e aju­dar a superar esse mal endêmico da maioria dos países lati­no-americanos, que é o fracasso escolar no início da escola de Io grau. [grifo nosso]

O behaviorism o tradicional, d esafo rtu n ad am en te - e com o se explicitou no com eço deste traba lho - , não reservou tem po suficiente para exam inar o u tras con tribu ições teóricas e a lite ­ra tu ra que o critica. E ssa postu ra , en tre o u tras razões, lhe cus­tou relevantes perdas ao longo do tem po. H oje co n stitu i-se ine­vitável a necessidade de ser reavaliado en q u an to linha teórica, na trilh a das razões já apon tadas. N a prática, o behaviorism o m enos adm itiu influências do que seus an tagon istas o fizeram . Por exem plo, a inda que con testad a parcialm ente, a instrução p rogram ada foi alvo de significativas pesqu isas e debates na escola psicológica soviética: T alízina (1988) dedica u m dos seis capítu los de seu livro à d iscussão dos prós e con tras desse in s­tru m en to . Segundo Luria (1994), an tes que V ygotsky pudesse op ta r (com seu g rupo de colaboradores, que inclu ía Luria) pelo seu m odelo socioconstrutivista, debruçou-se em análise in tensa e ex tensa dos au to res da época:

E provavelmente impossível avaliarmos todas as influências que sofremos quando, em 1925, empreendemos uma grande revi­são da Psicologia. Mas tenho consciência de alguns recursos de que nos valemos. Para a base da ciência natural, recorremos ao es­tudo que Pavlov havia feito sobre a "atividade nervosa superior’’... As unidades estruturais básicas que produziam ajustamentos adaptados ao ambiente estavam então sendo estudadas por Pavlov e colaboradores em seu laboratório experimental perto de Lenin-

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grado. A psicofisiologia pavloviana proporcionou um apoio mate­rialista a nosso estudo da mente. (p.21-37, passim)

Diga-se, de passagem , que Luria, nesse tex to , inadvertida­m en te ou não, acaba p o r confirm ar as bases que levariam , na devida época, a um a divisão clara en tre behaviorism o m eto d o ­lógico e behaviorism o radical. A nuncia que W u n d t e Ebbing- haus, na segunda m etade do século XIX, acabaram po r a tribu ir à Psicologia o status de ciência na tu ra l, com o que processos e aspectos com o valores, desejos, a titudes, raciocínios abstra to s não poderiam - sob os critérios da época - ser explicados d ire ta ­m en te por tal m odelo científico. Segundo Luria.

Examinando essa situação, Vygotsky mostrou que a divisão do trabalho entre os psicólogos da ciência natural e os psicólogos fenomenológicos havia produzido um acordo implícito, segundo o qual as funções psicológicas complexas, aquelas mesmas funções que distinguiam os seres humanos dos animais, não podiam ser estudadas cientificamente. Os naturalistas e os mentalistas haviam artificialmente desmembrado a Psicologia. Era sua meta, e nossa tarefa, criar um novo sistema que sintetizasse estas maneiras con­flitantes de estudo, (p.21-37, passim)

N ão re s ta dúvida, ao m enos, q u an to à c lareza com que V ygotsky, já no com eço do século XX, an tev ia p rob lem as com relação ao que S k in n er v iria m ais ta rd e p ro p o r com o cará te r d is tin tiv o do behav io rism o radical: a necessidade de se e n co n ­tra r um a a lte rn a tiv a de e s tu d o aos even tos privados. V ygotsky a en co n tro u através de seu socioco n stru tiv ism o e ce rtam en te a aperfe içoaria a inda com m aior b rilh an tism o (não fosse seu desaparecim ento p rem atu ro ), ao passo que S kinner o fez p e r­correndo cam inho b astan te diverso, até por con ta das d ificulda­des que as d issensões en tre os respectivos países im puseram à ciência.

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Hoje estão defin itivam ente tran sp o stas as barreiras da com unicação em função do fim da G uerra Fria e, m esm o, do em ergen te desenvo lv im ento da m u ltim íd ia . O acesso às bases de dados e biblio tecas do m u n d o in te iro ap o n ta a direção fu tu ra com o sendo a da in tegração (sem perda de iden tidade) c ien tí­fica. C ertam ente , se tal se pode dar no âm bito m undial, tan to m ais fácil de ocorrer (em princípio) em realidades particu lares. No caso brasileiro , conclui-se, ex expositis, pela superação da época de im p ertin en tes d issensões en tre os pequenos grupos da academ ia, o que deve dar-se por um a d iscussão efetivam ente profissional em busca de cam inhos alternativos para a Psicolo­gia e a Educação. N esse sentido , se o behaviorism o pretende tam bém con tribu ir para a consolidação de um a nova prática cien­tífica e ético-política em favor de um a sociedade ju s ta e equili­brada, há que se desfazer de qualquer postu ra defensiva ou de retaliação, para ru m ar a um partilham ento crítico com as dem ais abordagens. Destas, por evidente, é esperada igual prática.

A ssim , especia lm en te algum as m udanças de ênfase to r­nam -se necessárias. O con teúdo es tru tu ra l do behaviorism o radical co n stitu i con tribu ição sólida, nos m oldes em que foi ap resen tado por M atos (1993). A essa e s tru tu ra básica os ana­listas do co m p o rtam en to têm , recen tem en te , ten tad o p ropor a lguns reparos, na concepção deste au to r b a s tan te auspiciosos para a consolidação de um parad igm a que se p ro p o n h a a verti- calizar sua visão das in terações sociais com plexas.

Sem dúvida, é p re lim inar a um a com preensão da eventual im portância da contribu ição de um cará te r con tex tu a lis ta à A nálise do C om p o rtam en to a própria delim itação dos conceitos de contexto e circunstância. C onform e C arrara & G onzalez (1996, p .207-8):

Dizer em que medida a Análise do Comportamento pode ou não ser considerada contextualista, entretanto, depende de como se concebem algumas unidades teóricas que servirão de instru-

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mento nessa análise. Duas dessas unidades estão contidas na idéia de contexto e circunstância. A raiz latina de contexto aponta, obvia­mente, para a representação de conjunto, de todo, de totalidade, de ligação entre partes. A etimologia de circunstância aponta para o caráter do particular, do único, da condição específica. Natural­mente, porque se trata aqui de uma análise epistemológica e não filológica, é suficiente ficar claro que a idéia de contexto, na ver­tente psicológica, estará representando um conjunto de condições (quer sejam internas ou externas ao organismo, quer sejam condi­ções físicas, químicas, biológicas ou sociais) sob as quais o com­portamento acontece. Em contrapartida, a idéia de circunstância se fará acompanhar da representação de uma única condição, num sis­tema de vínculo linear onde se desconsidera a implicação de que o próprio modo de interligação entre condições influi no comporta­mento sob análise. Em outras palavras, a idéia de contexto, de todo, de conjunto de condições, aponta para um modo causal mais am­plo e complexo do que a simples soma de circunstâncias isoladas.

Pode-se dizer, com segurança, que as análises que permanece­ram na superfície dos rótulos, antes de Morris (1988) e Hayes (1988), não conseguiram visualizar a possibilidade de que a Análi­se do Comportamento se redirecionasse pelo caminho contextua- lista. Na verdade, grande parte dos analistas do comportamento (notadamente os modificadores de comportamento) contribuíram para que pechas como as de positivista, mecanicista, reducionista ou atomista - para exemplificar - recaíssem sobre qualquer proje­to que ousasse ampliar a objetividade científica em Psicologia. Isso se deu através da reificação do conceito paradigmático da tríplice contingência e da supersimplificação das condições sob as quais ocorrem os fenômenos comportamentais nas diversas situações do cotidiano. Por exemplo, ao se debruçar sobre uma análise funcio­nal qualquer, o analista visualizava: 1) a instalação de novos com­portamentos, ou 2) a eliminação de comportamentos existentes, ou 3) o aumento ou diminuição, em alguma medida, de um com­portamento específico (duração, freqüência, intensidade), ou 4) a correção morfológica de algum comportamento (quanto à topo­grafia, por exemplo). Para tanto, limitava-se à procura de circuns­tâncias particulares (mas raramente reconstruindo toda a sua tra-

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ma de conexões) que se apresentavam associadas à ocorrência dos comportamentos-alvo. Embora naturalmente salva a idéia concre­ta de relação funcional entre comportamento e contingências em razão da freqüência de ocorrência concomitante de ambos, preju­dicava-se, especialmente nos casos mais complexos de causalidade intercruzada, a possibilidade de intervenção mais segura e direta no contexto onde acontecia o comportamento. Ou seja, uma par­te das mudanças esperadas deveria acontecer por conta da idéia de generalização (de estímulos e de respostas). Nem a todos os analistas do comportamento passaria despercebida a questão: muitos relatos apontam para uma preocupação com o apro­fundar-se nos famosos levantamentos do tipo A-B-C (Antece- dents-Behavior-Consequences) antes de apressar-se na programa­ção de contingências.

Com o já se frisou antes, o redelineam en to do behaviorism o radical tam bém é fundam en ta lm en te de escolha program ática da direção das pesqu isas e am pliação da abrangência da análise, m uito m ais que paradigm ática: ao longo de sua h istória , te n ta ­tiva de dar m aio r com pletitude à análise de contingências se fez m ed ian te o acréscim o de sím bolos às relações contingenciais, com o em K anfer & Phillips (1970), com o conhecido (?) p ara ­digm a S-O-R-C-K. A té então , não se tin h a claro q u an to um a represen tação paradigm ática de sím bolos podia co rresponder a um a lím pida explicitação de variáveis d e te rm in an tes de com ­p o rtam en to s com plexos. T inha-se p o r ingênuo su p o sto que dem arcar sim bolicam ente o biológico (O ), por exem plo, era suficiente para considerar ap rop riadam en te todas as variáveis d essa o rdem que con tribu íam na de term inação do co m p o rta ­m ento . E n tre tan to , o tem po e as situações incum biram -se de m o stra r que a p esqu isa experim en tal é o cam inho apropriado para a identificação de quais sejam e em que m edida são funcio­nais os tipos particu lares de variáveis a con tingenciar o com por­tam en to . A necessidade freq ü en tem en te apon tada de am plia­ção da análise de contingências (cf. C arrara, 1984) deu-se não apenas po r con ta das ev identes necessidades deco rren tes de

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ap rim oram en to ético-técn ico na área aplicada, m as com o con­seqüência natu ra l do desenvolv im ento e progresso na área de pesqu isa básica. Por certo , não foi sem d iscern im en to dessas e de m ais razões que Sidm an (1986) alertou para a p rem ência da am pliação da un idade de análise dos fenôm enos com portam en- tais hum anos e p ioneiram ente polarizou as iniciativas de pes­qu isa na área de equivalência de estím ulos. A am pliação da com ­plexidade do paradigm a que se utiliza no controle contextuai é decorren te da própria funcionalidade com plexa de m uitos com ­portam entos, especialm ente onde o uso da linguagem esteja p re ­sente. É com o in stru m en to de acesso ao com portam ento com ­plexo que a tríplice relação de contingências am plia-se para q u á­d rup la ou qu ín tup la dim ensão: além do estím ulo discrim inativo, da resposta e das conseqüências, som am -se o e stím u lo condicio­nal (ou instrucional) e o con tro le condicional de segunda o rdem . N a análise de situações sociais com plexas, a noção de m etacon tingências parece auspiciosa, a inda que este ja exigindo m aio r sistem atização.

A tualm ente , a área de equivalência de estím u los é das m ais p rom isso ras e, p articu la rm en te no Brasil, con ta com p esq u isa­d o res dedicados na UFSCar, UNESP e USP (ver De Rose et al., 1992; De Rose, 1993; Lopes Jr. & M atos, 1995). E ste ú ltim o artigo veicula ponderações fundam enta is para os p ropósitos deste trabalho , vez que, em bora recom endando m aior núm ero de "elucidações experim en ta is convincentes... [que] poderão fornecer m elhor caracterização do contro le co n tex tu a i” (p. 38), aduz im portan tes esclarecim entos acerca do estado atual das investigações sobre o assunto . N a área educacional, são prom is­soras, em bora incipientes, as investigações acerca do com porta­m en to de le itu ra com com preensão, "considerada a partir do tre i­no e da em ergência de um a rede de relações condicionais en tre estím ulos" (p.35). Investigam -se, tam bém a p artir da m esm a m etodologia, im plicações da equivalência para dificuldades de le itu ra e problem as de ind iscip lina (Peres & C arrara, 2004).

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Todavia, re tom e-se aqui, por opo rtuna , a idéia do contextua- lismo h isto ricam ente originário da concepção de Pepper (1942), em bora através de um novo cam inho, que não é, ce rtam en te , o m esm o trilhado p o r T olm an, que acom panhou d ire tam en te a produção pepperiana. É claro que, em bora os cursos de ação sejam obviam ente d iferen tes (a idéia con tex tu a lis ta advinda de um m odelo estético-filosófico de concepção de m u n d o - as h ipó teses cosm ogônicas de S tephen C oburn Pepper - , por um lado, e a idéia da necessária am pliação do con tex to contingen- cial sob análise ao se te n ta r explicitar c laram en te um a dada classe de respostas, po r o u tro ), com pouco esforço são iden tifi­cáveis algum as s im ilitudes no objetivo final de am bas as tra je tó ­rias. O u seja, o que se p re tende, por fim, é um a A nálise do C om ­p o rtam en to que se configure m ais ab rangen te e vertical no ana­lisar as condições sob as quais se dão os com portam en tos. A té porque se adm ite o con tex tualism o pepperiano com o le itu ra filosófica ap ropriada ao m oderno behaviorism o radical. Em com unicação pessoal a este au to r, A bib (1995) aponta , com propriedade:

Acho que as raízes do pensamento filosófico de Skinner são o naturalismo, positivismo e pragmatismo norte-americano. O con­textualismo parece-me uma expressão do pragmatismo. Penso também que o pragmatismo e o contextualismo representam um itinerário mais produtivo do que o naturalismo e o positivismo para instruir a leitura da obra de Skinner, especialmente o Verbal behavior.

Sem dúvida, há m u ito em que se exercitar o debate m ecani- c ism o-con tex tualism o na A nálise do C om portam en to . Todavia, pode-se an tec ipar que o cam inho ap aren tem en te m ais p rom is­sor para o behaviorism o radical m o d ern o p assa p o r u m red i­m en sio n am en to q u e p re ten d e ap ro x im ar - em b o ra nunca sin o n im izar - seu m odelo analítico à idéia de am pliação do co n tex to em q u e o co rre o co m p o rtam en to . N essa direção, a

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idéia de contexto ta lvez seja m elhor, no m ín im o q u a n to à sem ân tica , do que a idé ia de ambiente. Em te rm o s ideais, o co n ­tex to am plia o am b ien te para além das condições ex te rn as ao o rgan ism o e para além dos eventos causais p resen tes no exam e do ato -no-con tex to , ou seja, am plia a busca da causalidade (leia-se: das relações funcionais) para eventos que corroboram a construção h istó rica do com portam ento . E xpondo por ou tro ângulo , a am pliação da análise q u an to ao con tex to em que se insere o co m p o rtam en to p retende, sem p erder objetiv idade ou lançar m ão de eventos de o u tra na tu reza e s tru tu ra l (portan to , m an tido o m o n ism o fisicalista), ganhar em alcance explicativo e em capacidade de a te n ta r para a realidade da m u ltide te rm ina- ção com portam enta l. Há, n essa perspectiva, um papel im por­ta n te para a Psicologia (e, talvez, para a A nálise do C o m p o rta ­m en to ) no cenário nacional:

Uma ciência da Psicologia, portanto, diante de um quadro de desigualdade social indiscutível hoje prevalecente no mundo todo, não pode mais omitir-se de compromisso por conta de um duvido­so ideal de neutralidade. Tal neutralidade tem representado um constructo ficcional alinhado com o ideal de uma ciência acima de quaisquer outros empreendimentos mundanos, mais do que um traço compatível com o importante e intransferível papel dessa mesma ciência, ao lado da educação, da economia, da política (no melhor sentido que essas expressões possam assumir) para a bus­ca do maior bem-estar possível para a maioria da população. Parece que, sem nacionalismos exacerbados, sem pontuar confrontos de classe evitáveis, bem como sem deixar de continuar aperfeiçoando suas técnicas de controle de variáveis para assegurar resultados cada vez mais válidos e procedimentos mais transparentes, é per­feitamente realizável um empreendimento científico da Psicologia (e, em particular, da AEC e do Behaviorismo Radical) comprome­tido com a disponibilização de instrumentos conceituais e práticas teóricas que permitam, também, por parte das populações despro­tegidas, o acesso a condições mais dignas de existência. Condições de tal natureza, evidentemente, implicam uma série de ações que

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n io são típicas da Psicologia (ações na política econômica, na polí­tica educacional, na ética política). No entanto, estar atenta para tais condições que compõem o contexto mais amplo onde ocorre o comportamento, de modo cada vez mais sistemático e competen­te, parece ser tarefa e desafio valioso e relevante. E nesse sentido, no sentido de um compromisso com o assegurar o acesso mais di­reto e mais fácil dessa parcela da população ao uso do conhecimen­to científico gerado na Psicologia, que parece possível e, embora sem ingenuidades, faz-se vislumbrar a oportunidade de que a pes­quisa na área aplicada se amplie cada vez mais para a compreensão e a mudança das condições de vida das pessoas que atualmente vi­vem dentro de contextos sociais deletérios, sob variado aspecto. (Carrara, 2003, p. 137-8)

Por certo , não se pode im ag inar n u m a A nálise C om porta- m enta l C o n tex tu a lis ta um a saída defin itiva, fácil ou im ed ia ta para o acesso prec iso , ético e com pleto ao co m p o rtam en to . E n tre tan to , a m u ltip licação de publicações após os a rtigos p io ­neiros de H ayes (1988) e M orris (1988) é visível e ausp iciosa. Esses au to res , bem com o R eese (1996), B arnes & R oche (1994) e o u tro s , têm liderado o d eb a te sob re o co n tex tu a lism o na A nálise C o m p o rtam en ta l. M orris, q u e ap ro fu n d a a qu estão em artigos (1993) e conferências (1994a, 1994b, 1995a, 1995b, 1995c), afirm a, em tex to ap resen tado em congresso realizado em Palerm o (1994a), que:

Talvez o caminho mais frutífero para estruturar o atual debate não seja a discussão opondo mecanicismo e contextualismo, mas outros dois debates: um entre a Análise do Comportamento e o mecanicismo e outro entre a Análise do Comportamento e o pró­prio contextualismo... (p.32)

O que p re ten d e M orris é que não basta a rg u m en tar que o behaviorism o radical difere do behaviorism o w a tson iano (clara­m en te m ecanicista), m as ap rim orar a análise de q u an to e em que o parad igm a atual pode configurar-se con tex tualista . E

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nessa direção (de q u an to serve a um m odelo revigorado de A ná­lise do C om p o rtam en to a idéia de contex to) q u e o professor M orris tem escrito com freqüência, conform e a te s ta em com u­nicação pessoal ao au to r d este ensaio (M orris, 1995a). Em artigo diverso, no qual a au to ra (M atos, 1997) não está d iscu­tin d o im plicações do con tex tualism o (nem , talvez, do m esm o con tex tualism o alud ido por M orris), m as com q u e ob jeto o behaviorism o radical trabalha, está clara a im portância funda­m en ta l da idéia de contingência (e, em conseqüência, do con­tex to no qual e s ta se dá): “Ao final das contas, o behaviorista radical não trabalha p rop riam en te com o com portam en to , ele e s tu d a e trabalha com contingências com portam en ta is , isto é, com o com portar-se d en tro de contex tos".

Por fim, idéia básica de um con tex tualism o na A nálise do C om portam en to v incula-se ao p ressuposto de que a ciência, pau tada n u m a filosofia behaviorista radical, deve fundar-se, m u ito m ais do que n u m a sem pre incom pleta concepção am bien­talista (em con traposição à nativ ista), p rim ord ia lm en te num a concepção de que é da exploração de cada um a das partes e de todo o con tex to que se pode m elho r com preender as raízes do com portam en to . H isto ricam en te (C arrara & G onzalez, 1996, p .209-10):

Quando Pepper (1942) delineou seu mais amplo trabalho orientador com relação ao contextualismo, não tencionava genera­lizar influência ao campo da Psicologia, especificamente. Propôs, basicamente, um modelo orientado pelo que chamou de metáfo- ras-raiz e que pretendiam servir de quadro teórico para interpreta­ção de fenômenos de diferentes naturezas (o que até justifica o tí­tulo de seu principal trabalho. World hypotheses: a study of eviden- ce). Pepper enuncia apenas quatro hipóteses com certo vigor para a explicação de qualquer fenômeno: formismo, organicismo, me- canicismo e contextualismo. O escopo do presente trabalho cen- tra-se apenas nas contraposições básicas de mecanicismo e con­textualismo. Na análise de Hayes (1988), o mecanicismo, obvia-

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mente baseado na metáfora da máquina, atinge parte do Behavio­rismo e parte do Cognitivismo: no primeiro, exemplifica-se com clareza no Behaviorismo ortodoxo de Watson e outros behavioris- tas pré-skinnerianos; no segundo, em todas as vertentes que de al­gum modo utilizam a metáfora do computador (e os conceitos cor­respondentes de input, output, hardware, software e os diversos tipos de memória) para simular uma compreensão do que se convencio­nou denominar de funcionamento mental. Fica claro que a metáfo­ra da máquina não é aplicável a todo Cognitivismo e nem a todo Behaviorismo. No presente caso, o interesse reside particularmen­te na orientação mais moderna da Análise do Comportamento, sustentada pelo Behaviorismo Radical skinneriano, no qual a lite­ratura recente tem identificado características contextualistas.

Retomando a dicotomia contextualismo-mecanicismo, emer­gem como características deste último, na Psicologia, as tentativas de definir estímulo e resposta, entre outros conceitos, mediante uma perspectiva atomista, elementarista, reducionista, em detri­mento de uma visão funcional; também é típica a concepção de que as partes ("peças”) envolvidas na conduta humana têm signi­ficado em si mesmas, ainda que analisadas separadamente do todo, de modo que a idéia da análise particularizada do comporta­mento acaba prevalecendo; o conceito de justaposição, contigüida- de ou associação de estímulos, quando apenas obedecidas relações de linearidade, como no caso de partes das chamadas teorias S-R, seguramente implica uma espécie de mecanicismo, sobretudo sob influência da pressuposição de uma certa passividade do orga­nismo (diferentemente da Análise do Comportamento, onde se pressupõe interação organismo-ambiente e não simples sujeição do organismo, como por vezes se veicula); no mecanicismo, as par­tes não são estudadas enquanto presentes e em funcionamento no todo comportamental, e sim isoladas para análise sob o argumento da maior facilidade de compreensão. Todavia, é importante que se ressalvem, aqui, os riscos de se denominar de modo absoluto qual­quer orientação teórica em Psicologia: atribuída, por exemplo, a designação de mecanicista ao Behaviorismo watsoniano, corre-se o risco de incluir aí partes de sua obra que foram essencialmente descritivo-funcionais e que, respeitado o contexto histórico de seu

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trabalho, poderiam ser dispensadas desse e de outros rótulos. Tais riscos se derivam da impossibilidade de relativização que qualquer designação taxativa impõe (especialmente as negativas, como a de mecanicista): todo rótulo é absoluto, por certo. Mais prudente será falar, sempre, em características mecanicistas ou características contextualistas.

C om efeito , características d is tin tas de d iferen tes abo rda­gens são às vezes exacerbadas pelos seus seguidores ou críticos, o que pode refrear as in te rm iten tes referências à busca de um a in tegração teórica em Psicologia. O s exageros, refletidos tan to n a busca do ecletism o teórico em vista da le itu ra incom pleta acerca das d iversas abordagens q u an to no apaixonado arraiga- m en to a algum enfoque teórico sem levantar os o lhos para o re stan te da ciência, co n stitu em erros m etodológicos com igual prejuízo. O profissional, nessas condições, ou fica tom ado de u m a espécie de co n d u ta m aníaca d estin ad a a defesas incondicio­nais e acríticas de determ inado p o n to de vista, ou, então, fica con tam inado p o r um a espécie de banzo que o to rn a incapaz de fazer le itu ras razoavelm ente im pessoais e independen tes do seu objeto de estudo . N este ú ltim o sen tido , talvez se pudesse o u sa r falar n u m a espécie de psychological blues, parafraseando o valioso conceito p ro p o sto po r Da M atta (1978) q u an to ao ofício de e tnó logo (anthropological blues). A busca de explicações pelo ser h u m an o (a princíp io , para com preender-se e, em seguida, para com preender tam b ém o coletivo) é im em orial e foi sem pre incessan te e envolvente, em bora jam ais ten h a desfru tado de consensualidade. Em o u tro trabalho , fez-se referência ao tem a (C arrara, 1995a):

Ao contrário, tal consensualidade parece definitivamente inal- cançável, no sentido estrito de se imaginar uma teoria única que dê conta da explicação precisa de todo o psicológico. Essa virtual im­possibilidade é decorrente da complexidade do objeto de estudo da Psicologia: para a construção desse fenômeno confluem variáveis

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de toda natureza, de intensidades diversas e em momentos tempo- ralmente diferentes. Além disso, constitui-se em fator especialís- simo o conjunto de variáveis de natureza social (no sentido distin­tivo em que as variáveis sociais - aqui incluídos o ideológico, o po­lítico, o cultural, o econômico, o familial, o institucional etc. - não interferem nos objetos de estudo da maioria das outras ciências, como a Física, a Química, a Astronomia, por exemplo). Dessa maneira, por sua natureza complexa, pode-se depreender do psi­cológico a necessidade de uma trajetória sempre incompleta de explicações, procedimentos e modos de abordagem. Embora os esforços já feitos na tentativa de consensualidades parciais (exem­plificadas culturalmente até pelo surgimento de certos regionalis­mos, como uma psicologia "americana" ou “soviética”), a natureza complexa do objeto de estudo da Psicologia não permite identifi­car em futuro próximo a existência real de uma teoria unificada.

Entretanto - e isto é parte do argumento central aqui apresen­tado - não há razão ético-científka para a rejeição mútua de resul­tados de pesquisa e reflexões teóricas que se pautem por certos cui­dados metodológicos reconhecidamente aprimorados e ampla­mente aceitos. Certamente, cabe intensa discussão sobre o que seja ciência e sobre o que seja metodologia científica, mas aqui se faz referência, em particular, a certas realidades acadêmicas primi­tivas ainda prevalecentes nas universidades, que levam igualmen­te a "regionalismos" sem similares em outros campos da ciência. Ou seja, armam-se situações que se aproximam de conflituosas, a despeito de que cada concepção empírico-teórica possa dar conta, isoladamente, do todo psicológico e, por conseqüência, do psicoló­gico todo. Afortunadamente, esse tipo de atitude, ainda que por inúmeras razões se tenha instalado fortemente na universidade, está perto de ser amplamente desmontada. E o fundamento para esse desmonte é irresistível, porque independe de concepção teó­rica, político-ideológica, filosófica ou epistemológica; trata-se da realidade das pesquisas, como se verá a seguir... (p.1-2)

A té recen tem en te , no tava-se um crescim ento no n ú m ero de abordagens em Psicologia e suas proposições eram encaradas, an tes de q u a lq u er d iscussão prévia, com o abso lu tam en te para-

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leias, antagônicas e d ivergentes. Hoje em erge clara um a te n d ê n ­cia ao esvaziam ento na form ulação de novas co rren tes teóricas (sérias) e um m ovim ento m aciço nas ten ta tiv as de conheci­m en to vertical dos fenôm enos m edian te a valorização do pes­q u isa r com o form a de solidificar a argum entação teórica:

Nessa direção, este final de século defronta-se com a inter­nacionalização do conhecimento e, por conseguinte, com a pos­sibilidade de identificação mais ágil de resultados similares ou divergentes em todo o mundo e sob estruturas diferentes quan­to ao método e à filosofia de ciência. Entretanto, essa mesma am­plitude da multimídia conduz à possibilidade, cada vez mais pre­sente, de aprimoramento de linguagens e unidades conceituais que permitam comunicação razoável inter-abordagens, de modo que, efetivamente, se possa visualizar descobertas convergentes, por mais diversos que tenham sido os mecanismos de sua desco­berta. Nessa perspectiva, pelo menos dois cuidados emergenciais precisam ser tomados, antes de concluir pela possibilidade de uma ciência da Psicologia que seja universalizante (sem ser universal), objetivizante (em contrapartida a objetiva) e integradora (sem pretender ser integrada):

1) Manutenção de identidades - aparenta ser impraticável qualquer tentativa de estabelecer uma abordagem única, em fun­ção das origens cultural e filosoficamente diferentes das correntes atuais, bem como do status hoje instituído para cada qual. Assim, embora unificada pelas tendências acima descritas (universalizan­te, objetivizante e integradora) a Psicologia agora emergente não necessita (nem deve) prescindir de suas origens demarcatórias. A manutenção das identidades teóricas que notabilizaram Freud, Pia- get, Skinner, Rogers e Vygotsky, para exemplificar, são mantidas até como mecanismo de compreensão (e fonte de novas elabora­ções) dos caminhos teóricos possíveis para o acesso ao psicológico;

2) Fuga ao sincretismo - uma emergente Psicologia moderna não se constrói, todavia, pelo simples arranjo ou acomodação de forças explicativas que por vezes são efetivamente conflitantes. A questão que se coloca não é a da busca de verdade mediante con­

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senso ou mediante conflito: o que se procura é um compartilha­mento não sincrético de contribuições. Nesse sentido, comparti­lhar descobertas, corolários teóricos e resultados de pesquisa não é o mesmo que justapô-los sem critérios: dá num caminho próxi­mo do que seja uma visão interdisciplinar, em oposição a multidis- ciplinar. (Carrara, 1995a, p.4)

Se tais objetivos estão longe de ser ating idos, ao m enos recí­procos cu idados para com a d iscussão tran sp a ren te e desapai­xonada, so b re tu d o vinculada à identificação de vantagens para a m aioria da população, to rnam -se im prescindíveis. N esse sen ­tido, a um program a behaviorista radical redelineado sob a ótica do co n tex tualism o ético-teórico , cabe d ar o passo inicial, com o p ropor-se a redefin ir sua con tribu ição à com preensão do com ­p o rtam en to hum ano , especialm en te no panoram a educacional. C om o se expõe em Contextualismo, contracontrole e cidadania (Carrara, 2001, p.37):

É muito cedo para que o contextualismo pepperiano possa mostrar-se contribuição definida para acentuar o distanciamento do behaviorismo contemporâneo em relação às análises meramen­te circunstanciais das relações comportamento-ambiente (daí sua característica incipiente que carece de muita pesquisa para even­tual consolidação), mas ao mesmo tempo não parece tão distante e sem propósito conjecturar sobre que, com seu auxílio conceituai (portanto, talvez não seja, nesse sentido, insipiente), os instru­mentos do contracontrole possam ser disponibilizados à maioria da população na sua luta em busca da cidadania.

Provavelm ente, é na Educação e nos p ro jetos de p laneja­m en to cu ltu ra l que residem os cam pos m ais férteis para um a atuação transfo rm adora da Psicologia, em bora não haja um nom e genérico a designar d is tin to s cam pos de aplicação a rticu ­lados pela idéia de d e lineam en to cu ltural. M esm o as ten ta tivas de conceituação da Psicologia C om un itária ainda são inc ip ien­tes, passando po r um a caracterização m ín im a dessa área de a tu a ­

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ção: ênfase no p ragm atism o, m elhoria da qualidade de vida das com unidades e prim ado das questões in terpessoais , em con tra ­partida ao tradicional foco da Psicologia sobre o indivíduo (G om es, 1999). N en h u m a dúvida p ersiste acerca de que a Psi­cologia tem papel in substitu ível em q u a lq u er pro je to de cons­trução da cidadania. P rioridade tal se m o stro u em iniciativa do C onselho Federal de Psicologia, que in s titu iu prêm io nacional para con tem plar traba lhos que d e lim itassem a atuação dessa área do conhecim en to acerca das q u estõ es fundam en ta is do co m portam en to h u m an o envolvidas num pro je to de construção da cidadania brasileira. Por essa via - e em consonância com os p ressu p o sto s cen tra is aqui eleitos - o au to r deste ensaio , em trabalho com que partic ipou desse concurso (C arrara, 1995b), explicita:

Tão antiga quanto o próprio ser humano, a busca da igualdade talvez seja o propósito mais complexo e controvertido que se im­põe na vida em sociedade. Ser igual implica, por pressuposto, a existência do plural: ao menos duas pessoas são necessárias, inte­ragindo no mesmo espaço de vida. E essa convivência interpessoal, que tem sua significação afetada por uma multiplicidade de variá­veis, é o objeto de estudo fundamental da Psicologia.

A compreensão do conceito de igualdade social conduz a um inevitável exame dos modos de organização social do Estado, a uma percepção necessária das relações entre participação e eman­cipação e à constatação de sua indissociabilidade em relação às idéias de liberdade e cidadania. Não sem o risco de algum reducio- nismo involuntário, é possível analisar essas vinculações concei­tuais à luz do papel que a Psicologia pode desempenhar como área detentora de conhecimento promissor para a compreensão e mes­mo a militância no contexto da cidadania. Esclarecer esses meca­nismos, todavia, torna-se impossível se se ousa prescindir das con­tribuições dos antropólogos, dos sociólogos e dos historiadores, para dizer o mínimo. Qualquer tentativa apenas vertical dentro da Psicologia torna-se inócua em razão da própria natureza do fenô­meno: o aprofundamento da análise está condicionado a um míni-

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m o de horizon talidade d itado pela in terdiscip linaridade. N essa d i­reção, o p resen te ensaio incluirá, p re lim inarm en te , um a incursão às raízes h istó ricas daquilo que constitu i o tipo de organização só- cio-política m ais com um na sociedade con tem porânea , sem pre b u scando desvelar im plicações para a com preensão da cidadania.

... Privilegiar a participação e rejeitar a cidadania concedida são procedimentos estratégicos para assegurar legitimidade ao processo, mas são igualmente instrum entos para se compreender que outra díade, moral ização-educação, embora condição neces­sária, não pode ser vista como constituindo solução única e isola­da para a instituição de uma sociedade igualitária. A defesa ingê­nua da educação como mecanismo isoladamente suficiente para a transformação social constitui raciocínio que elide a questão do poder (Arroyo, 1988) e se reduz a um pedagogismo estéril, desco­lado do econômico, do político, do ideológico.

... Uma das brechas fundamentais, mas não a única, através da qual a população pode aprimorar seus projetos de conquista da cida­dania é a educação. Não se pense, todavia, no processo educacional como veículo único para tal conquista. Se assim fosse, qualquer projeto que mudasse certas estatísticas brasileiras seria suficiente: embora desejável, não será o fato de que deixemos de ter trinta mi­lhões de analfabetos funcionais e vinte milhões de analfabetos abso­lutos que concederá ao país o título de Brasil-cidadão. Claro está que a reversão desse quadro só pode resultar de um esforço de toda gente séria e comprometida com mudanças, mas, além disso, existe muito trabalho a ser feito. A educação formal, pelo menos, não pode eliminar completamente as tentativas de "domesticação ideológi­ca", apesar de que funcione como espaço seguro de discussão.

... Definitivamente, a função precípua da educação é de ordem política, como condição ao desenvolvimento da participação e no melhor sentido que o conceito de política possa ter. Num bom pro­jeto de cidadania, alguns componentes básicos incluem a noção de formação e não de adestramento; a noção de sujeito social e não de recipiente passivo do saber; a noção de conquista e não de conces­são da cidadania; a noção de direitos e deveres do cidadão; a noção de democracia como forma de governo mais bem habilitada a tor-

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nar possível a participação; a noção de liberdade, de igualdade e de comunidade, que levam à consolidação de ideologias comprometi­das com a redução de diferenças sociais, (p.1-13)

D iante desse quadro , resta ainda a lertar para o fato de que;

Afortunadamente, não há excesso de zelo em se delimitar com clareza as razões e implicações, menos estratégicas que éticas, dos principais mecanismos em jogo no processo. Em particular no caso brasileiro, onde a Psicologia tem curta história e, via de regra, sofre as mazelas das adaptações teóricas importadas, não é sem tempo que a consciência ética do psicólogo seja estimulada para agir de modo conseqüente. A partir da concepção de que constitui cidadania a qualidade social de uma sociedade organizada sob a forma de direitos e deveres majoritários e não - o que é engodo corriqueiro - uma série de valores do psicólogo enquanto pessoa (por mais virtuosos que possam parecer), o profissional deve bus­car suas fontes, de qualquer natureza teórica, de modo a pensar um projeto que implique o desenvolvimento coletivo.

Respeitados os pressupostos sócio-políticos do projeto, o pas­so seguinte consiste na escolha da natureza teórica do trabalho. Será mais progressista, mais "engajado”, politicamente correto, trabalhar com esta ou aquela abordagem? Há alternativas teóricas que são incompatíveis com um trabalho comunitário? Desafortu­nadamente ou felizmente, não há respostas prontas para essas questões. No entanto, seguramente não é a linha teórica apenas que delimita a amplitude e alcance de um projeto de construção da cidadania, mas uma demarcação clara da conquista pretendida. Ajuda muito tentar responder com nitidez à tradicional e sempre atual questão: a quem a Psicologia estará servindo nesse momen­to? Se a resposta representar avanços coletivos na direção da de­mocracia, da igualdade e da cidadania, qualquer obstáculo relacio­nado à natureza teórica poderá ser superado.

O trabalho básico do profissional estará centrado no colocar integralmente o conhecimento acumulado em Psicologia a serviço dos setores majoritários da população que reivindicam mudança: nessa direção, todas as vertentes teóricas têm contribuições a ofe-

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recer, sem distinção. Ainda que nenhuma delas, isoladamente, possa responder completamente a todas as dúvidas formuladas, o conhecimento em Psicologia possui hoje argumentos sólidos para inúmeros problemas. Além disso, cabe ao bom profissional a ne­cessidade de ser transparente às contribuições teóricas divergen­tes, desde que assentadas em pelo menos uma de duas virtudes: bons dados e argumentação sólida. Qualquer outra postura pode implicar ortodoxia infrutífera: já se disse que a Psicologia atual possui diversas construções teóricas sérias, porém igualmente possui alguns modismos perigosos. Finalmente, nessa questão da preferência teórica, a própria multiplicidade de concepções é uma questão de direitos e liberdade de pensamento implícita na própria idéia de cidadania. Aliás, inserida na constituição brasileira: há psicólogos de todas as formações e espera-se que a pluralidade das teorias adotadas possa representar uma vocação democrática da própria área. (p. 14-6)

N a prática, um pro je to da Psicologia para a Educação e ou tras áreas aplicadas - e, de m odo precípuo, u m pro je to beha- v iorista radical (com ênfase, talvez e m elhor, co n tex tua lis ta ), deve inclu ir in iludível revisão de algum as de suas carac terísti­cas criticadas. C on tudo , perm anece clara a possib ilidade de que d iferen tes vias sejam u tilizadas para a com preensão do ser hum ano . N esse sen tido , behavioristas, fenom enólogos, es tru - tu ra lis tas e tan to s o u tro s devem abrir m ão da ilusó ria exclusivi­dade que a té aqui advogaram , de m odo a es ta rem preparados para um a nova era na Psicologia: precisam p ergun tar-se o que a Psicologia tem a fazer, em conjunto, em favor da construção da cidadania. N a verdade, parece um tem po de aproxim ação dos psicólogos à idéia de utopística de W allerste in (2003, p .8), para con tribu írem com su a ciência para a elaboração de pro je tos não de um fu tu ro perfeito , m as "de um fu tu ro cujas m elhoras sejam verossím eis e que seja h isto ricam en te possível".

C om o toda a Psicologia, a A nálise do C om p o rtam en to e o behaviorism o radical perm anecem sob as indagações críticas a

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respeito de qual o perfil político-ideológico e, m esm o, quais os a linham en tos verdadeiram en te éticos com os quais deverá com ­partilh ar suas descobertas científico-tecnológicas. As respostas a esse tipo de indagação podem ser várias, m as, no m ínim o, p as­sam por um exam e das políticas públicas (A quais p ro jetos o indivíduo-psicólogo ou a categoria-psicólogo se a linharia, num dado m om en to h istó rico do avanço da dem ocracia?), passam por um a análise dos docum en tos legais (O que prescreve a C onstitu ição brasileira, especialm ente seu q u in to artigo , sobre d ire ito s e deveres do cidadão? O que prescrevem os códigos de ética profissional dos C onselhos de Psicologia? O que p rescre­vem os docum en tos no rteado res de pesqu isa com seres h u m a­nos do C onselho N acional de Saúde?), bem com o se subm ete a um processo dem ocrático consultivo dinâm ico e in term inável (O que p re ten d e o cliente, em particular? Q uais as expectativas éticas, em casos específicos - com o q u ando se trab a lh a com crianças dos pais da criança, de seus professores, da escola, da com unidade próxim a? O que esperam os pares dos po tenciais clientes (represen tados pelas organizações diversas, associações de bairros e ou tras), sejam indivíduos, sejam grupos de pessoas?

E evidente que o psicólogo precisará sem pre ficar a ten to às dem andas éticas de to d a ordem , para que não sejam prevalecen­tes na sua atuação seus próprios valores individuais. Todavia, não é nada sim ples, nem com pletam en te possível, qualquer in tervenção asséptica, em que o profissional possa agir com neutra lidade , in d ep en d en tem en te de sua p rópria h is tó ria de vida. A ssim , esse exercício ético será sem pre p arte do com pro­m isso do psicólogo pesqu isador, do psicólogo teórico e do p si­cólogo da área aplicada. Para ainda m aior com plexidade dessa decisão, a A nálise do C om portam en to tam bém se defron ta com o cenário da lite ra tu ra crítica a seu respeito , que, com o se exa­m inou até aqui, é su fic ien tem en te denso para exigir dos analis­tas cada vez m ais dedicação à orien tação ética. E, au m en tan d o a inda m ais o rol de d ificuldades, aduz-se a q u estão da p e rtin ên ­

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cia ou im pertinênc ia do behaviorism o radical na lu ta po r refo r­m as ou po r revoluções sociais, so b re tu d o em situações (a m aio­ria) com plexas im plicadas no d elineam en to cu ltural, em que o processo de to m ad a de decisões sem pre se d efron ta com a velha díade das fundam en ta is q uestões da É tica e da M oral. Para exem plo, a inda que sim plista , a p a rtir do exam e de u m tex to clássico de H olland (Servirão os princípios comportamentais para os revolucionários?):

... A pergunta de Holland remeteria ao comportamento de to­mar decisões, em cuja tarefa o analista do comportamento pode auxiliar explicitando as condições para o arranjo de contingências e a previsão de possíveis conseqüências para cada opção disponí­vel. A liberdade assim entendida remete à idéia de que as decisões que visam à emancipação econômica, social e política da popula­ção em relação aos modelos sociais fortemente estratificados im­plica ações em várias frentes, uma delas sendo de responsabilidade do psicólogo, qual seja uma intervenção no limiar da articulação entre o individual e o coletivo. No caso do analista, via atuação no nível da ampliação do acesso às variáveis que controlam o compor­tamento.

Na trilha dessa concepção, indaga-se sobre como tomamos decisões: a partir de nossa vontade individual, intrínseca, imanen­te? A partir das contingências que cercam os comportamentos en­volvidos na própria decisão? Para exemplo: a adição às drogas re­sulta, de fato, de uma livre opção? O aluno de psicologia pode fazer quaisquer disciplinas e compor a formação curricular que desejar, a seu livre gosto, ou esse comportamento é eminentemente con­trolado por regras? Alguém constrói moradias na favela e favelas às margens de locais de iminente risco de deslizamento de terra simplesmente porque quer, porque está intimamente motivado para tal? O masoquista, por certo, escolhe o que designamos, numa primeira avaliação, como sofrimento, não em virtude de um mecanismo decisório interior chamado livre-arbítrio, mas prova­velmente porque sua tomada de decisão, num rol possível de for­mas diferentes de manifestação de sua sexualidade, é compatível

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exatamente com comportamentos com os quais aprendeu a obter conseqüências reforçadoras. Os grandes idealistas podem até es­colher morrer fuzilados do que abdicar de suas causas (apenas sua história pessoal de interação com um ambiente particular, via re- forçadores e eventos aversivos, explica as diferenças individuais nos comportamentos apresentados). É a história individual que está em jogo e, por conta disso, os exemplos podem ser divergen­tes: Galileu Galilei, num certo momento, abjurou suas descobertas (no sentido de que nem o homem nem a terra seriam o centro do universo) para escapar da condenação à morte. Parece insuficiente uma explicação da liberdade dirigida à busca do agradável, do bem pessoal, de uma motivação privada inacessível. Na verdade, as contingências são complexas e determinam ações, por vezes auto- mutiladoras, mas funcionais em virtude da história filogenética e/ou ontogenética. Um exemplo enigmático e provocativo poderia ser apreendido de Gõethe: "... Não te detêm as distâncias/ O, ma­riposa! E nas tardes,/ Ávida de luz e chama,/ Voas para a luz em que ardes". (Carrara, 2002, p.223)

C om o anunciado no início deste livro, ap rox im ar-se de alternativas para os problem as com plexos do avanço do behavio- rism o em direção à construção de p ro jetos com prom etidos com o d elineam en to cu ltu ra l co n stitu iu um a das m etas d este sem ­pre incom pleto ensaio . C om efeito, a form alização de seu encer­ram en to não tem a p re ten são de ocorrer oferecendo definitiva solução aos prob lem as que fez em ergir. Por certo , o tex to não responde a n en h u m a expectativa de respostas p ro n tas aos com ­plexos problem as que aponta. Ao contrário, lim itou-se a incipien­tes sugestões e p re ten d eu ensejar o d esdobram en to de questões cruciais para a Psicologia e a form ulação de novas indagações acerca de com o colocá-la a serviço da verdadeira ju stiça social. Se o fez, ainda que m oderadam ente , terá cum prido seu objetivo central.

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SOBRE O LIVRO

Formato: 1 4 x 2 1 cm Mancha: 23 x 40 paicas Tipologia: lowan O ld Style 10/14 Papel: Offset 75 g /m 2 (miolo)Cartão Supremo 250 g /m 2 (capa)1B ed ição: 2005

EQUIPE DE REALIZAÇÃO

Coordenação Geral Sidnei Simonelli

Produção Gráfica Anderson Nobara

Edição de TextoTúlio Kawata (Preparação de Original)Sandra Regina de Souza e Márcio Guimarães de Araújo (Revisão)

Editoração EletrônicaLourdes Guacira da Silva Simonelli (Supervisão)R2 Criações/Cláudio R. - Jovani R. (Diagramação)