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C AD . S AÚDE C OLET ., R IO DE J ANEIRO , 15 (4): 467 - 482, 2007 – 467 AVALIAÇÃO DE ARSÊNIO TOTAL, DE ELEMENTOS TRAÇOS E BACTERIOLÓGICA EM ÁGUAS DE CONSUMO NA COMUNIDADE DO ELESBÃO, MUNICÍPIO DE SANTANA, ESTADO DO AMAPÁ, BRASIL Total arsenic, trace elements and bacteriologycal evaluation in drinking water at Elesbão district, Santana city, Amapa state, Brazil Marcelo de Oliveira Lima 1 , Kleber Raimundo Freitas Faial 2 , Edilson da Silva Brabo 3 , Elisabeth Conceição de Oliveira Santos 4 , Rômulo Simões Angélica 5 , Rosivaldo de Alcantara Mendes 2 , Bruno Santana Carneiro 6 , Lena Lílian Canto de Sá 7 , Elivam Rodrigues Vale 8 , Iracina Maura de Jesus 9 RESUMO A mineração de manganês na Serra do Navio-AP foi desenvolvida pela empresa ICOMI Indústria e Comércio de Minérios S/A no período de 1957 a 1997 e o minério transportado até o Porto de Santana, às margens do rio Amazonas, a 30 km de Macapá, capital do Estado do Amapá. Entre 1973 e 1983, a empresa manteve em funcionamento uma Usina de Pelotização nesta área, e os rejeitos gerados, contendo arsênio (As), depositados numa lagoa artificial, atingiram as águas superficiais de drenagens próximas. A possibilidade de exposição das populações levou a determinação de arsênio total nas águas de consumo humano coletadas a partir de 52 residências localizadas no entorno da área industrial nos meses de maio e novembro de 2003 e março de 2004. O trabalho se desenvolveu a partir de cinco grupos organizados geograficamente pela proximidade da área industrial: Comunidade do Elesbão (ELB), Rua Delta (DEL), Comunidade do Matapi (MAT), Rua da Olaria (OLA) e Bairro da Hospitalidade (HSP). As residências foram investigadas a partir do tipo de tratamento, residencial (RES) ou público (PUB), e captação, rio Amazonas (AMA) ou poços artesianos e/ou amazonas (PCO). Os teores de As foram quantificados por Espectrometria de Absorção Atômica com Sistema de Geração de Hidretos (HG-AAS), apresentando ótima recuperação analítica e reprodutibilidade. 1 Mestre em Geoquímica Ambiental. SEMAM/IEC/SVS/MS. End: Rodovia BR-316 km 7 s/n – Levilândia – Ananindeua/Pará - CEP: 67030-000 - E-mail: [email protected] 2 Mestre em Química, IEC/SVS/MS. 3 Mestre em Geoquímica, IEC/SVS/MS. (In Memorian). 4 Especialista em Virologia. IEC/SVS/MS. 5 Doutor em Geoquímica. UFPA/MEC. 6 Mestre em Geoquímica, IEC/SVS/MS. 7 Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários, IEC/SVS/MS. 8 Mestre em Patologia das Doenças Tropicais, IEC/SVS/MS. 9 Especialista em Vigilância e Saúde Ambiental. IEC/SVS/MS.

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AVALIAÇÃO DE ARSÊNIO TOTAL, DE ELEMENTOS TRAÇOS E BACTERIOLÓGICA EM ÁGUAS

DE CONSUMO NA COMUNIDADE DO ELESBÃO, MUNICÍPIO DE SANTANA, ESTADO DO

AMAPÁ, BRASIL

Total arsenic, trace elements and bacteriologycal evaluation in drinkingwater at Elesbão district, Santana city, Amapa state, Brazil

Marcelo de Oliveira Lima1, Kleber Raimundo Freitas Faial2, Edilson da SilvaBrabo3, Elisabeth Conceição de Oliveira Santos4, Rômulo Simões Angélica5,Rosivaldo de Alcantara Mendes2, Bruno Santana Carneiro6, Lena Lílian Cantode Sá7, Elivam Rodrigues Vale8, Iracina Maura de Jesus9

RESUMO

A mineração de manganês na Serra do Navio-AP foi desenvolvida pela empresaICOMI Indústria e Comércio de Minérios S/A no período de 1957 a 1997 e ominério transportado até o Porto de Santana, às margens do rio Amazonas, a 30 kmde Macapá, capital do Estado do Amapá. Entre 1973 e 1983, a empresa manteve emfuncionamento uma Usina de Pelotização nesta área, e os rejeitos gerados, contendoarsênio (As), depositados numa lagoa artificial, atingiram as águas superficiais dedrenagens próximas. A possibilidade de exposição das populações levou a determinaçãode arsênio total nas águas de consumo humano coletadas a partir de 52 residênciaslocalizadas no entorno da área industrial nos meses de maio e novembro de 2003 emarço de 2004. O trabalho se desenvolveu a partir de cinco grupos organizadosgeograficamente pela proximidade da área industrial: Comunidade do Elesbão (ELB),Rua Delta (DEL), Comunidade do Matapi (MAT), Rua da Olaria (OLA) e Bairro daHospitalidade (HSP). As residências foram investigadas a partir do tipo de tratamento,residencial (RES) ou público (PUB), e captação, rio Amazonas (AMA) ou poçosartesianos e/ou amazonas (PCO). Os teores de As foram quantificados porEspectrometria de Absorção Atômica com Sistema de Geração de Hidretos(HG-AAS), apresentando ótima recuperação analítica e reprodutibilidade.

1 Mestre em Geoquímica Ambiental. SEMAM/IEC/SVS/MS. End: Rodovia BR-316 km 7 s/n – Levilândia– Ananindeua/Pará - CEP: 67030-000 - E-mail: [email protected]

2 Mestre em Química, IEC/SVS/MS.

3 Mestre em Geoquímica, IEC/SVS/MS. (In Memorian).

4 Especial ista em Virologia. IEC/SVS/MS.

5 Doutor em Geoquímica. UFPA/MEC.

6 Mestre em Geoquímica, IEC/SVS/MS.

7 Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários, IEC/SVS/MS.

8 Mestre em Patologia das Doenças Tropicais, IEC/SVS/MS.

9 Especialista em Vigilância e Saúde Ambiental. IEC/SVS/MS.

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C O N C E I Ç Ã O D E O L I V E I R A S A N T O S , R Ô M U L O S I M Õ E S A N G É L I C A , R O S I V A L D O D E A L C A N T A R A M E N D E S , B R U N O

S A N T A N A C A R N E I R O , L E N A L Í L I A N C A N T O D E S Á , E L I V A M R O D R I G U E S V A L E , I R A C I N A M A U R A D E J E S U S

Para complementação das análises, foram avaliados os teores de elementos traços(Ba, Cd, Cr, Cu, Fe, Mn, Na, Pb e Zn) e padrões bacteriológicos. Os resultadosdemonstraram que as águas de consumo das comunidades investigadas nãoapresentaram níveis anômalos de As e outros elementos traços, diferente dos padrõesbacteriológicos, que estavam inadequados em cerca 60% das amostras, segundo Portaria518/2004 do Ministério da Saúde.

PALAVRAS-CHAVE

Arsênio, água de consumo, comunidades ribeirinhas, Amapá

ABSTRACT

The mining of manganese in Serra do Navio-AP was developed by the companyICOMI - Industry and Trade of Ore S/A between 1957 and 1997. The ore was thentransported to Santana’s port, at the banks of the Amazon River, 30 Km fromMacapá, capital of the Amapá State. Between 1973 and 1983, ICOMI kept a Plantof pelletization in this area and the waste containing arsenic (As) was dumped into anartificial pond, reaching the superficial waters of close drainages. The risk of populationexposure was the motivation to determine level of total As in the water for humanconsumption, collected from 52 residences around the industrial area, during themonths of May and November of 2003 and march of 2004. Analyses were performedaccording to 5 groups geographically organized by the proximity with the industrialarea: Elesbão Community (ELB), Delta Street (DEL), Matapi Community (MAT),Olaria Street (OLA) and Hospitalidade Neighborhood (HSP). The results were evaluatedaccording to the water treatment type, residential (RES) or public (PUB); and watercapitation, Amazon River (AMA) or artesian wells (PCO). The levels of As werequantified by Atomic Absorption Spectrometry with Hydride Generation System (HG-AAS) presenting great analytical recovery and assurance. In addition, bacteriologicalstandards and levels of several trace elements (Ba, Cd, Cr, Cu, Fe, Mn, Na, Pb e Zn)were also evaluated. The results demonstrated that the water at the investigatedcommunities did not present anomalous levels of As and other trace elements. However,bacteriological standards were inadequate in 60% of the samples, according to 518/2004 Regulation from Ministry of Health.

KEY WORDS

Arsenic, drinking water, communities riverine, Amapa

1. INTRODUÇÃO

Os recursos minerais subsidiam o progressivo desenvolvimento tecnológico,necessitando a aplicação de técnicas modernas e refinadas que permitam descobrir,obter e transformar bens minerais em bens manufaturados, que tornam a vidamais confortável. Nos primórdios da civilização, os humanos utilizavam lascas dequartzo para confeccionar instrumentos rudimentares de caça ou luta e, hoje,ainda, utiliza-se este mineral, tanto como matéria-prima na construção civil (areiae seixo) como para produzir minúsculos transistores e fibras ópticas, que sãousados em equipamentos sofisticados (Drumond, 2001).

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C O M U N I D A D E D O E L E S B Ã O , M U N I C Í P I O D E S A N T A N A , E S T A D O D O A M A P Á , B R A S I L

Daquela época até hoje, uma grande diversidade de tipos de minerais erochas vem sendo usada em quantidades crescentes e as substâncias minerais,sejam elas metálicas ou não-metálicas, combustíveis fósseis ou pedras preciosas,passaram a fazer parte inalienável de nosso cotidiano, e essa dependência, àsvezes imperceptível, mantém e aprimora a qualidade de vida.

Nesse contexto, quantidades gigantescas de bens minerais estão sendorapidamente extraídas de seus depósitos naturais, o que pode levar ao longo dotempo à escassez ou à exaustão. Por outro lado, essas atividades mineradoras,combinadas com manuseios indevidos ou inadequados e agentes intempéricos,ocasionam também impactos ambientais, que se transformam em passivosambientais, gerando riscos aos seres humanos como, por exemplo, a presençade valores elevados de arsênio em solos, sedimentos e águas devido a atividadesmineradoras (Williams, 2001).

Na região Amazônica, os últimos trinta anos foram marcados pelaimplementação de empreendimentos produtivos adotados através de planos epolíticas de desenvolvimento pelo governo federal, com destaque para os grandesprojetos de mineração. Entre os mais importantes estão o da Mineração Rio doNorte (MRN), Albrás-Alunorte, Projeto Ferro-Carajás, Projetos de Caulim noAmapá e região do Capim, no Estado do Pará, e um dos mais antigos, a atuaçãoda Indústria e Comércio de Minérios S/A (ICOMI), explorando minério demanganês na Serra do Navio, no Estado do Amapá.

Nesse contexto específico, estão inseridos os impactos ambientais geradospor esses grandes projetos, as possibilidades de exposição das populações adiferentes agentes no processo produtivo e, de forma indireta, as comunidadesresidentes no seu entorno.

Segundo levantamentos preliminares realizados por Santos et al. (2003), aolongo dos últimos 50 anos, a empresa ICOMI, Indústria e Comércio de MinériosS/A, realizou atividades no Estado do Amapá ligadas à extração do minério demanganês na Serra do Navio, descoberto em 1946 por Mário Cruz. Como aSerra do Navio localiza-se na região central do Estado do Amapá, já no final dadécada de 50, foi construída a Estrada de Ferro do Amapá, com 19 km lineares,usada para o transporte de pessoal e escoamento da produção do minério demanganês. Iniciando-se na Serra do Navio, a ferrovia atravessa os municípios deArapari e Porto Grande até chegar ao porto do município de Santana, localizadono Canal Norte do rio Amazonas. Esse local foi escolhido pelas condiçõesgeográficas adequadas, como profundidade e fácil navegabilidade de navios degrande calado, facilitando o transporte fluvial/marítimo com destino ao merca-do externo. Assim, foi instalado um cais flutuante em frente à Ilha de Santana(Governo do Estado do Amapá, 2002).

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C O N C E I Ç Ã O D E O L I V E I R A S A N T O S , R Ô M U L O S I M Õ E S A N G É L I C A , R O S I V A L D O D E A L C A N T A R A M E N D E S , B R U N O

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Durante a década de 70, a ICOMI, para atender à demanda de enriquecimentoe melhor aproveitamento do minério fino de manganês, manteve em funcionamentouma usina de pelotização e sinterização dentro da área industrial e portuáriacontrolada pela empresa no município de Santana. Porém, por questões econômicas,essa atividade foi encerrada em meados de 1980. Os rejeitos desse processo, ricosem manganês, ferro e arsênio, foram depositados em uma bacia de decantação emantidos nesse local até recentemente.

Dentro da área industrial registra-se a ocorrência de duas drenagens, os igarapésElesbão 1 e Elesbão 2, cujas nascentes localizam-se próximo à bacia de decantaçãoe suas águas migram em direção ao rio Amazonas, passando através da comunidadedo Elesbão (cerca de 2.600 habitantes), ali instalada há mais de 30 anos.

A possibilidade de exposição humana a teores elevados de arsênio levou aodesenvolvimento do presente estudo, que tem como objetivo principal a determi-nação de arsênio total nas águas de consumo das populações residentes no entornoda área industrial da ICOMI, sem descartar a importância de avaliar a possívelexposição a outros elementos traços que possam também ser carreados a partirdo inadequado armazenamento dos efluentes do processo de pelotização/sinterização. Nesse caso, recomenda-se também a avaliação bacteriológica daságuas de consumo como complemento desses estudos, referendado pelas condiçõesprecárias de higiene e saneamento na Comunidade do Elesbão.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. ÁREA DE ESTUDO

Este trabalho foi realizado em uma área de aproximadamente 129 hectares,dentro do município de Santana, Estado do Amapá, localizado à frente da margemesquerda do rio Amazonas, distante cerca de 12 km da capital Macapá. O acesso àárea pode ser realizado por via terrestre ou fluvial e nessa micro-região predomina oclima quente e úmido com duas estações bem definidas durante todo o ano: estaçõesmais e menos chuvosas. A estação mais chuvosa é caracterizada pelas fortes descargaspluviais que vão desde fins de dezembro até agosto, e a estação menos chuvosa pelapredominância dos ventos alísios e vai de setembro a dezembro. O relevo caracteriza-se por ser pouco acidentado, apresentando planícies aluviais como unidade morfológica.O município de Santana é banhado pelo rio Matapi, que deságua em frente àIlha de Santana, próximo à foz do rio Amazonas, destacando-se, ainda, os igarapésElesbão 1, Elesbão 2, Elesbão Grande e Matapi-Mirim, que deságuam nas proxi-midades do porto de Santana numa área habitada por cerca de 2.600 pessoas,conhecida como comunidade do Elesbão, cujas principais atividades econômicassão a coleta de açaí, a olaria e a pesca (Governo do Estado do Amapá, 2002).

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2.2. AMOSTRAGEM

No período compreendido entre 2003 e 2004, foram realizadas três campanhasde amostragem de águas de consumo nas residências localizadas no entorno daárea portuária e industrial. A distribuição da amostragem foi organizada por áreade abrangência, seguindo a codificação: Vila do Elesbão (ELB); Vila do Matapi-Mirim (MAT); Rua Delta (DEL); Rua da Olaria (OLA); Bairro da Hospitalidade(HSP), conforme observado na Figura 1. A Tabela 1 apresenta o número total deamostras coletadas em cada campanha de amostragem, distribuídas nas respectivasáreas geográficas. Observa-se que, na primeira campanha de amostragem, realizadaem maio de 2003, foram avaliadas as águas de consumo de 50 domicílios distribuídosem cinco comunidades/região. Nas campanhas subseqüentes, em novembro de2003 e março de 2004, foram coletadas 52 amostras por campanha deamostragem, aumentando-se a representatividade amostral nas comunidades RuaDelta e Matapi-Mirim.

Figura 1Mapa de amostragem de águas de consumo para avaliação de arsênio total, elementostraços e bacteriológica no município de Santana, Estado do Amapá, a partir de áreas deamostragem: Vila do Elesbão (ELB), Vila do Matapi-Mirim (MAT), Rua Delta (DEL),Rua da Olaria (OLA) e Bairro da Hospitalidade (HSP).

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A seleção das amostras na primeira campanha de amostragem priorizou osdomicílios das comunidades Vila do Elesbão, 21 amostras, e Matapi-Mirim, 10amostras, consideradas áreas de maior risco, devido à proximidade das bacias dedecantação, localizadas dentro da área industrial e portuária da ICOMI, e proxi-midade dos igarapés Elesbão 1, Elesbão 2 e Elesbão Grande, impactados peloextravasamento a partir das mesmas bacias.

Tabela 1Distribuição geográfica das amostras de água de consumo coletadas por comunidade/região no município de Santana-AP, em três campanhas de amostragem, nos anos de2003 e 2004.

Outra amostragem significativa abrangeu a comunidade Rua da Olaria, noveamostras, devido ao tipo de captação nessas residências, que utilizam águas paraconsumo captadas principalmente a partir de poços artesianos e/ou amazonascom tratamento nas próprias residências. Essa amostragem justifica-se pelaproximidade das bacias de decantação e registro de estudos anteriores que alertampara o comprometimento das águas subterrâneas com teores elevados de arsêniototal dentro da área industrial e portuária (Lima & Angélica, 2003).

A prioridade amostral diminuiu em Rua Delta, quatro amostras, e Bairro daHospitalidade, seis amostras, devido ao significativo distanciamento das bacias dedecantação e ausência de drenagens próximas, cuja qualidade das águas fosseinfluenciada pelos efluentes oriundos das bacias de decantação.

Durante as amostragens nas comunidades investigadas, foram identificadastrês formas de captação e tratamento das águas de consumo humano: 1) A partirde poços artesianos e/ou amazonas, com tratamento domiciliar utilizando métodoscomo filtração simples, fervura ou aplicação de produtos químicos, soluções deAl

2(SO

4)3 e NaClO para decantação e desinfecção; 2) Bombeamento a partir do

rio Amazonas até a Estação de Tratamento de Água (ETA) da Companhia deÁgua e Esgoto do Estado do Amapá (CAESA), localizada na Vila do Elesbão, eque, após tratamento com soluções de Al

2(SO

4)3 e NaClO, distribui para algumas

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residências localizadas na vila do Elesbão e Matapi-Mirim; 3) Coleta domiciliardiretamente do rio Amazonas durante a maré cheia, com recipientes de plásticoou metálicos, utilizando eventualmente soluções de Al

2(SO

4)3 e/ou NaClO, quando

fornecidas pelos órgãos públicos locais. Esse tipo de coleta abrange residênciasdas vilas do Elesbão e Matapi-Mirim que não são atendidas pela rede de abaste-cimento da CAESA e estão localizadas nas margens do rio Amazonas em zonaalagada a maior parte do ano, impossibilitando a captação também por poçosartesianos ou amazonas.

A partir dessas informações, detectamos ser relevante nesse estudo a avaliaçãodas águas de consumo a partir da organização por forma de captação etratamento, como proposto na Tabela 2.

Tabela 2Distribuição das amostras coletadas de água de consumo por tipo de captação etratamento no município de Santana-AP, em três campanhas de amostragem, nos anosde 2003 e 2004.

2.3. ANÁLISE DE ARSÊNIO E ELEMENTOS TRAÇOS

2.3.1. COLETA E PRESERVAÇÃO DAS AMOSTRAS

As amostras de águas de consumo foram coletadas em frascos de polietilenode 500 mL previamente lavados com solução de HNO

3 a 10%. As amostras

foram imediatamente acidificados (HNO3, pH < 2) e acondicionadas a 4o C até o

momento das análises para determinação de arsênio total e elementos traços pormétodos espectrométricos.

2.3.2. INSTRUMENTOS ANALÍTICOS

Os equipamentos utilizados consistiram de um espectrômetro de absorçãoatômica (VARIAN, modelo SPECTRAA220), acompanhado de gerador de

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hidretos (VARIAN, modelo VGA-77), espectrômetro ótico de emissão com plasmainduzido (VARIAN, modelo Vista-Pro), banho de areia em chapa aquecedoracom temperatura regulada de 0 a 220o C (NOVA ÉTICA, modelo 208), centrífuga(KOKUSAN, modelo H-18), balança analítica (CHYO, modelo JK-200) e siste-ma de purificação de água (MILLIPORE, modelo MILLI-Q Académic).

2.3.3. SOLUÇÕES E REAGENTES

Todas as soluções aquosas foram preparadas a partir de dissolução com águaultrapura: HNO

3 concentrado (MERCK, 65%), HCl concentrado (MERCK, 37%),

H2O

2 concentrado (MERCK, 30%), solução aquosa a 10% de KI (MERCK, 98,5%),

solução aquosa a 10% de uréia ultrapura (LIFE TECHNOLOGIES, 98%), soluçãoaquosa a 0,6% de NaBH

4 (RIEDEL-DE HAËN, 95%) e 0,5% de NaOH

(PANREAC, 98%), solução aquosa de HCl (1:1), solução estoque de As, Ba, Cd,Cr, Cu, Fe, Mn, Na, Pb e Zn a 1000 ± 10 mg/L (HACH, rastreada ao NIST), esoluções aquosas dos padrões analíticos preparadas diariamente antes de cada análise.

2.3.4. DETERMINAÇÃO DE ARSÊNIO EM ÁGUA

Uma alíquota de 100 mL das amostras de água acidificadas com HNO3

(pH < 2) é transferida para um béquer com capacidade de 1000 mL, adiciona-se3 mL de HNO

3 concentrado, leva-se a chapa com banho de areia previamente

aquecida à temperatura de 95o C e, em seguida, cobre-se com vidro de relógiopara internamente promover um refluxo. Após a redução do volume da soluçãopara 5 mL por processos de evaporação e condensação, adiciona-se um volumede 10 mL de HCl (1:1), lavando-se as paredes do béquer e do vidro de relógiopara evitar perdas por adsorção do analítico. O béquer é levado novamente aaquecimento a 95o C por um período de 15 minutos. Após o resfriamento, asolução é transferida para um balão volumétrico e aferida para um volume finalde 100 mL. Uma alíquota que pode variar de 1 a 5 mL é transferida para umbalão volumétrico de 50 mL, seguida de adição de 4 mL de HCl concentrado ebanho de gelo por 5 minutos. Adiciona-se mais 5 mL de solução aquosa a 10% deuréia e deixa-se em repouso por mais 5 minutos em banho de gelo. Adiciona-semais 2,5 mL de solução aquosa a 10% de KI, agita-se e deixa-se em repouso pormais 5 minutos em banho de gelo. Retiram-se as amostras e deixam-nas em repou-so à temperatura ambiente por mais 45 minutos, para completa redução de As5+

para As3+, e, em seguida, afere-se com água ultrapura. Na etapa de análise, asamostras são purgadas através de bomba peristáltica em um fluxo de 7 mL porminuto e misturadas automaticamente com soluções aquosas de NaBH

4

(0,6%)+NaOH (0,5%) e HCl(1:1), para que ocorra a reação de geração dos hidretos.Em seguida, em um separador gás-líquido, os hidretos são carreados com gás

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argônio até uma célula de quartzo, com aquecimento contínuo em chama de ar/acetileno, colocada sobre o queimador do espectrômetro de absorção atômica,onde ocorrem as etapas de atomização e detecção (Figura 2). A recuperaçãoanalítica da metodologia para amostras de águas previamente contaminadas com20, 50 e 100 µg/L de arsênio total foi, na mesma ordem, de 99,14%, 102,13% e99,62%, utilizando métodos de adição-padrão.

Figura 2Desenho esquemático do espectrômetro de absorção Atômica com sistema de geração dehidretos (HG-AAS).

2.3.5. DETERMINAÇÃO DE ELEMENTOS TRAÇOS EM ÁGUA

Somente foram possíveis as análises de elementos traços nas campanhas deamostragem de novembro de 2003 e março de 2004, pois nos períodos anterioresas metodologias ainda estavam sendo otimizadas.

Uma alíquota de 10 mL de cada amostra de água de consumo é filtradamomentos antes da análise, utilizando-se filtros de 0,45 µm. Essa alíquota é levadapara análise direta utilizando um sistema ótico de emissão com plasma induzido(ICP-OES). Para todas as análises são preparadas diariamente curvas de calibraçãoa partir de soluções estoques de 1000 mg/L.

2.4. ANÁLISE BACTERIOLÓGICA

Durante as etapas de coleta de amostras de água de consumo foram observadasinúmeras situações que delineiam erros de manipulação e tratamento inadequadodas águas de consumo desde a etapa de captação até a forma de armazenamentonas residências investigadas.

Essas observações conduziram a ampliação dos estudos nas amostragens denovembro de 2003 e março de 2004 para avaliação bacteriológica das águas

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de consumo a partir da quantificação de Coliformes Totais e presença de Escherichia

Coli nas 52 residências das famílias que vivem no entorno da área portuária eindustrial no município de Santana, Estado do Amapá.

2.4.1. COLETA, PRESERVAÇÃO DAS AMOSTRAS E ANÁLISE

As mesmas amostras utilizadas para determinação de arsênio total e elementostraços foram submetidas a análises bacteriológicas a partir da coleta utilizandobolsas esterilizadas (NASCO®). Após a coleta, as mesmas foram acondicionadasem caixas isotérmicas com gelo e transportadas imediatamente ao laboratóriode campo montado no município de Santana, localizado a cerca de 5 km dolocal das coletas. No laboratório de campo, foram realizados os procedi-mentos necessários para a análise bacteriológica imediatamente após a chegadadas amostras.

Para a determinação do número de coliformes totais e E. coli nas amostras deágua de consumo coletadas, foi utilizada a técnica do substrato cromogênicodefinido ONPG-MUG (COLLILERT/QUANTI-TRAY®), de acordo com asrecomendações do fabricante e do Standard Methods for the Examination of Water and

Wastewater (APHA/AWWA/WEF, 1998).

3. RESULTADOS

3.1. ARSÊNIO EM ÁGUA

O teor médio de arsênio total em todas as comunidades na campanha demaio de 2003 foi menor do que o valor máximo permitido (VMP) recomendadoatravés da Portaria 518/2004 do Ministério da Saúde (10 mg/L), conforme podeser observado na Tabela 3, sendo registrado apenas um valor próximo a estelimite na comunidade do Elesbão (ELB). Nas campanhas subseqüentes, emnovembro de 2003 e março de 2004, os teores médios de arsênio foram menoresque os valores registrados em maio de 2003.

Os níveis médios de arsênio total por tipo de captação e tratamento nascampanhas de maio de 2003, novembro de 2003 e março de 2004 são apresentadosna Tabela 4, não sendo observadas diferenças significativas nos teores de arsênionas águas de origem subterrânea ou coletadas diretamente do rio Amazonas,independente do tipo de tratamento utilizado.

3.2. ELEMENTOS TRAÇOS EM ÁGUA

Os resultados são apresentados na Tabela 5 e são comparados com os valoresmáximos permitidos da Portaria 518/2004 do Ministério da Saúde. As análisesdos teores médios de Bário (Ba), Cádmio (Cd), Cromo (Cr), Cobre (Cu), Ferro (Fe),

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Manganês (Mn), Sódio (Na), Chumbo (Pb) e Zinco (Zn), quando comparadosaos respectivos valores máximos permitidos, não demonstram nenhumaalteração significativa.

Tabela 3Resultados dos teores médios de elementos traços (mg/L) nas águas de consumo de 52residências da população que reside no entorno da área industrial e portuária do municípiode Santana-AP, em três campanhas de amostragem, nos anos de 2003 e 2004.

* Valor máximo permitido para águas de consumo humano (Portaria 518/2004-MS).

3.3. AVALIAÇÃO BACTERIOLÓGICA

Os resultados de coliformes totais e presença de Escherichia Coli demonstraramque 58% das amostras avaliadas apresentaram padrão microbiológico inadequadoe foram consideradas impróprias para o consumo humano, quando comparadosaos critérios estabelecidos na Portaria 518/2004 do Ministério da Saúde.

4. DISCUSSÃO

A principal rota de exposição ambiental ao arsênio, que representa risco àsaúde da população, se dá através do consumo de águas contaminadas de formacontínua e por longos períodos de tempo (Valberg et al., 1997), como observado

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na contaminação de águas de consumo na década de 70 em Bangladesh, consideradoo principal caso de envenenamento por arsênio a partir do consumo de águassubterrâneas (Smith et al., 2000).

A influência de fatores ambientais na distribuição geográfica de problemas nasaúde humana tem promovido a interação entre as diversas áreas do conhecimentopara avaliar as origens e efeitos de elementos traços como, por exemplo, o arsênio(Dissnayake & Chandrajith, 1999). Nesse sentido, o acompanhamento das águas deconsumo no município de Santana, Estado do Amapá, avaliando-se de forma sazonalos teores de arsênio total, representa ação importante de vigilância ambiental emsaúde, considerando-se a existência de sítios contaminados em áreas próximas.

Apesar de estudos anteriores caracterizarem a área industrial e portuária daICOMI como impactada e sinalizar como iminente risco de exposição a compostosde arsênio toda população localizada em áreas próximas a esse sítio, todos osvalores médios de arsênio total em águas de consumo estiveram dentro dos limitesmáximos recomendados (10 mg/L) pela Portaria 518 do Ministério de Saúde(Brasil, 2004), nas três campanhas de amostragem, delineando-se que as águas deconsumo nas cinco comunidades investigadas não representam uma possível rotade exposição (ATSDR 1993; Goering et al., 1999), podendo-se associar esse fato afatores regionais e ambientais, como a enorme diluição do rio Amazonasconcomitante ao regime de marés que inunda diariamente os igarapés impactados(Lima & Angélica, 2003).

O estudo demonstrou que a variação sazonal entre período menos chuvoso(maio de 2003 e março de 2004) e mais chuvoso (novembro de 2003), característicosna região, implicou na diminuição dos níveis médios de arsênio em todas ascomunidades avaliadas (Tabela 3), associando-se esse fato ao aumento dovolume das águas do rio Amazonas no período mais chuvoso, com conseqüenteaumento da diluição.

As médias de arsênio total obtidas nas três campanhas, independente do tipode captação e tratamento utilizado, estiveram sempre abaixo do limite estabelecidopela legislação em vigor, da Portaria 518 do Ministério de Saúde (Brasil, 2004),não sendo observadas diferenças significativas nos teores de arsênio nas águas deorigem subterrâneas ou capitadas a partir do rio Amazonas, nas três campanhasde amostragem (Tabela 4).

Em estudos anteriores (Lima & Angélica, 2003), foi delineada a possibilidadede exposição a outros metais traços, constituintes da estrutura dos resíduos doprocesso de pelotização, e que poderiam ser carreados para o ambiente, ampliandoa exposição à presença de outros metais tóxicos que representam tambémrisco à saúde da população a partir da ingestão de águas contaminadas (Smedley& Kinniburgh, 2002).

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Tabela 4Resultados gerais e por comunidade dos teores de arsênio total (µg/L) em águas deconsumo da população residente no entorno da área industrial e portuária no município deSantana-AP, em três campanhas de amostragem, nos anos de 2003 e 2004.

Tabela 5Resultados gerais, por tipo de captação e tipo de tratamento, dos teores de arsênio total(µg/L) em águas de consumo da população residente no entorno da área industrial e portuáriado município de Santana-AP, em três campanhas de amostragem, nos anos de 2003 e 2004.

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As análises para avaliação dos teores médios de outros elementos traços(Ba, Cd, Cr, Cu, Fe, Mn, Na, Pb e Zn), nas amostragens de novembro de 2003 emarço de 2004, apresentaram teores médios em conformidade com o valor máximopermitido estabelecido na Portaria 518 (Brasil, 2004), descaracterizando a possibili-dade de contaminação das águas de consumo por outros elementos metálicos tóxicos.

A complementação da avaliação a partir de análises bacteriológicas queestabeleceu como impróprias 58% das águas de consumo nas campanhas denovembro de 2003 e março de 2004 revela a necessidade de ações que melhorema qualidade na forma de captação, na rede de distribuição e, principalmente, namanipulação e armazenamento nas residências avaliadas, implicando na necessidadede intervenção do poder público, através das esferas federais, estaduais e municipais,com ações específicas de educação ambiental, higiene e saúde, visando diminuirriscos à saúde da população (Tabela 6).

Tabela 6Resultados da avaliação bacteriológica nas águas de consumo de 52 residências dapopulação que reside no entorno da área industrial e portuária do município de Santana-AP,nas campanhas de novembro de 2003 e Março de 2004.

5. CONCLUSÕES

A proposta do trabalho foi a caracterização das águas de consumo quanto àpresença de elementos tóxicos, como arsênio e outros metais, que podem trazerriscos à saúde da população a partir da ingestão contínua de águas contaminadas.Os teores médios de arsênio e outros metais foram todos condizentes com os esmáximos permitidos estabelecidos na Portaria 518/2004, não sendo identificadarota de exposição a partir da ingestão de água.

O complemento dos estudos utilizando avaliação bacteriológica caracterizouuma realidade já diagnosticada em outras localidades da Amazônia, observando-se, nessa área de estudo, independente da comunidade investigada, condiçõesmicrobiológicas insatisfatórias, que podem estar relacionadas a fatores que vãodesde a captação, manipulação até ao armazenamento das águas de consumo.

Enquanto os resíduos permanecerem dentro da área industrial e portuária daICOMI, e as comunidades continuarem instaladas nas suas redondezas, recomenda-se que as mesmas continuem sendo acompanhadas a partir de programas devigilância ambiental em saúde.

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* Agradecimentos: À Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Amapá (SEMA),que, através de seus departamentos e laboratórios, contribuiu para o desenvolvimentodesse estudo.

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