Artigo efeito crioscopico

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Artigo efeito crioscópico - experimentação no ensino de físico-química

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29° ENCONTRO DE DEBATES SOBRE ENSINO DE QUÍMICA 29° EDEQ

*Professor Adjunto do Curso de Química do Centro Universitário Franciscano **,***Acadêmicas do Curso de Química do Centro Universitário Franciscano

DESCOMPLICANDO CONCEITOS DE FÍSICO-QUÍMICA: EFEITO

CRIOSCÓPICO

Uncomplicating physical chemistry concepts: cryoscopic effect

MÁRCIO MARQUES MARTINS*; ANDRIELLI LEITEMBERGER NUNES

**, VALÉRIA MACHADO

SIQUEIRA CAVALHEIRO***

RESUMO: Este trabalho descreve uma etapa do projeto de pesquisa desenvolvido em disciplinas de

Química Geral e Físico-Química da UNIFRA. As etapas do projeto consistem em: identificar tópicos de

físico-química que são considerados difíceis pelos estudantes; desenvolver um estudo teórico sobre o

mesmo e, a partir do estudo teórico, desenvolver uma atividade experimental que não siga os moldes

tradicionais dos experimentos dessa área, ou seja, que seja instrutivo e ao mesmo tempo instigante. Com

relação ao tópico “efeito crioscópico”, adaptou-se um experimento onde sorvete é produzido com

materiais do cotidiano como: gelo, sal de cozinha, leite integral, açúcar e aroma artificial. A redução no ponto de congelamento da água é mediada pelo sal de cozinha, um soluto não-volátil, e o sistema gelo-

água-sal atinge temperaturas inferiores a -10OC. Com tais temperaturas, é possível congelar o leite e, com

o auxílio de agitação, produzir sorvete.

Palavras-chave: físico-química, efeito crioscópico, ensino de química, experimentação no ensino

INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa desenvolvido no ano de 2009 no Centro Universitário

Franciscano, intitulado “Descomplicando conceitos de Físico-Química”, tem por

objetivo trazer à discussão conteúdos de físico-química à luz da abordagem CTS

(ciência, tecnologia e sociedade).

Do ponto de vista das teorias modernas de ensino de ciências, a abordagem

“ciência, tecnologia e sociedade – CTS” vem de encontro a essa filosofia de trabalho. A

abordagem CTS aproxima da sala de aula a ciência que está por trás de cada pequeno

fenômeno e facilita a compreensão e a explicação do mesmo através da

contextualização, instigando o estudante a aprender e a sentir-se à vontade com o

conhecimento científico moderno, favorecendo uma aprendizagem significativa.

De acordo com Bazzo (BAZZO, 2003):

Os estudos sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade (habitualmente

identificados pelo acrônimo CTS) apresentam-se como uma análise crítica e interdisciplinar da Ciência e da Tecnologia num contexto

social, com o objetivo de compreender os aspectos gerais do

fenômeno científico-tecnológico. Hoje, as questões relativas à

Ciência e à Tecnologia e suas importâncias na definição das

condições da vida humana, extrapolam o âmbito acadêmico para se

converterem em centros de atenção e de interesse do conjunto da

sociedade. Ciência, Tecnologia e Sociedade configuram uma tríade

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mais complexa que uma simples série sucessiva, e sua combinação

obriga a analisar suas relações recíprocas com mais atenção do que

implicaria a ingênua aplicação da clássica relação linear entre elas.

(BAZZO, 2003, p.5)

Dentro dessa abordagem, optou-se por estudar uma série de fenômenos físico-químicos

que atendem pelo nome coletivo de “propriedades coligativas”.

As propriedades coligativas surgem quando da adição de solutos não-voláteis a certos

solventes. O solvente é o componente de uma mistura que está presente em quantidades

maiores, enquanto que o soluto está presente em quantidades menores (existem

exceções à esta regra).

De acordo com BALL

Compare as propriedades de uma solução que tem um soluto não-volátil

com as mesmas propriedades do solvente puro. Em certos casos, as

propriedades físicas são diferentes. Estas propriedades diferem por causa das moléculas do soluto. As propriedades são independentes da

identidade das moléculas do soluto, e a sua mudança está relacionada

apenas ao número de moléculas do soluto. Essas propriedades são

chamadas coligativas. A palavra coligativa vem do latim e significa

“amarrada”, que é, num certo sentido, como estão as moléculas do soluto

e do solvente. As quatro propriedades coligativas usuais são: diminuição

da pressão de vapor, elevação do ponto de ebulição, pressão osmótica e

diminuição do ponto de congelamento. (BALL, 2005, p. 193)

Um exemplo bem claro da aplicação da aplicação das propriedades coligativas é a

explicação do porquê não ocorre congelamento da água do mar nas regiões polares, a

despeito das temperaturas extremamente baixas que lá costumam ocorrer. Na Estação

Antárctica Comandante Ferraz, por exemplo, pode variar entre -4,0OC e -1,0

OC (INPE,

2009). A água marinha, sendo salgada, tem o seu ponto de congelamento deprimido

para valores abaixo de 0OC devido a esta alta concentração salina, o que impede a

organização das moléculas de água e a formação de cristais.

Segundo o livro “Quimica e Sociedade” () Nos países não- tropicais, é comum no

inverno a temperatura ambiente atingir valores inferiores a 0OC. Isso pode causar

diversos problemas por conta do congelamento da água: encanamentos d’água podem

romper-se, motores de automóveis podem não funcionar adequadamente, etc.

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Como evitar problemas desse tipo? No caso de água de refrigeração dos motores, alguns

produtos químicos comerciais podem ser acrescentados para evitar seu congelamento.

Esses aditivos têm a finalidade de diminuir a temperatura de fusão do líquido de

refrigeração, evitando que o carro amanheça com o motor congelado. Além disso, o

aditivo eleva a temperatura de ebulição do líquido de refrigeração, dificultando que ele

ferva se o motor se aquecer além do normal.

Vamos, agora, voltar ao caso dos oceanos. Como o sal diminui a temperatura de

solidificação da água, o mar não se congela em locais perto dos pólos, apesar de a

temperatura ali atingir valores inferiores a 0 OC.

Diferentes quantidades de solutos não-voláteis, quando dissolvido na água, causam

diferentes variações de temperatura de congelamento das soluções. Entretanto, se

dissolvemos a mesma quantidade de matéria de diferentes solutos não-voláteis na água,

a variação na temperatura de fusão da água será sempre a mesma.

A partir dessa constatação, podemos concluir que a variação de temperatura está

relacionada à quantidade de espécies dissolvidas e não à sua natureza.

Essa informação permite determinar a massa molar de substâncias em função da

variação na temperatura de fusão que determinada quantidade do soluto provoca.

Segundo a obra “Físico-Química”, do autor Peter Atkins, (ATKINS, 2008, p. 134), a

depressão no ponto de congelamento (T) pode ser matematicamente descrita, pela

equação 1.

(1)

Onde ∆T é o abaixamento crioscópico, T*–T, e ∆Hfus é a entalpia de fusão do solvente.

Os abaixamentos maiores são observados para os solventes que têm entalpia de fusão

baixas e pontos de fusão elevados. Quando a solução é diluída, a fração molar (xB) é

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proporcional à molalidade de soluto, b (equação 2), e é comum escrever a equação

anterior como:

(2)

Onde Kf é a constante crioscópica (ATKINS, 2008, p. 134-136). Da equação 2,

depreende-se que a magnitude da variação da depressão do ponto de congelamento

depende da constante crioscópica e, principalmente, da concentração. Esse resultado

final é muito importante para o trabalho desenvolvido, pois utilizaremos esse

conhecimento para promover uma grande depressão no ponto de congelamento da água

usando uma quantidade pequena de gelo e uma quantidade elevada de sal de cozinha, a

fim de obter uma elevada concentração molal e, produzir assim uma temperatura baixa

o suficiente para a realização do experimento.

OBJETIVOS

Os objetivos desse trabalho são em número de três:

1) Estudar de forma diferenciada a físico-química, abordando inicialmente o

aspecto teórico de um conteúdo específico (neste caso, uma propriedade

coligativa, conhecida como efeito crioscópico);

2) Desenvolver um experimento de fácil execução, que permita observar

rapidamente o fenômeno físico-químico escolhido, de forma descomprometida e

lúdica. No caso em questão, optou-se por estudar o efeito crioscópico de

diminuição do ponto de congelamento da água,

3) Testar esse experimento em sala de aula, com estudantes do ensino superior e

avaliar o seu uso como recurso didático.

4) Promover um debate sobre as condições de realização do experimento e sobre a

validade do mesmo para o aprendizado do tópico selecionado.

METODOLOGIA

Os materiais utilizados são: leite integral, essência de baunilha, açúcar, gelo, sal de

cozinha e sacos plásticos do tipo zip loc, de dois tamanhos diferentes. Em primeiro

lugar, um saco zip loc de tamanho pequeno recebe meia xícara de leite integral, quatro

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colheres de café de açúcar e cinco gotas da essência de baunilha. O zíper do saco

plástico é fechado e este é deixado reservado. Em outro saco plástico zip loc de tamanho

grande, coloca-se duas cubetas de gelo previamente quebrado, e de seis a oito colheres

de sopa de sal de cozinha. O objetivo de tal mistura ser feita é obter uma mistura água-

gelo-sal com temperatura de aproximadamente -10 OC, bem abaixo da temperatura de

congelamento da água. Então sobre o gelo quebrado e o sal, acomoda-se o primeiro saco

pequeno, contendo o leite, o açúcar e a essência. O saco maior é fechado e agitado até a

obtenção de uma mistura com consistência de sorvete. Após a agitação, o saco maior é

aberto, o saco menor é retirado e lavado rapidamente em água corrente, a fim de retirar

o excesso de sal. Após a lavagem do exterior do saco pequeno, o sorvete é retirado e

consumido. Enquanto os estudantes consomem o sorvete, o professor pode questionar

acerca dos fenômenos físico-químicos envolvidos no processo de fabricação do sorvete

caseiro.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a realização do experimento em diferentes disciplinas: Química Geral (curso de

Química) e Química Inorgânica de Materiais (Engenharia de Materiais), pode-se

observar que os estudantes ficam extremamente empolgados com o experimento. Os

mesmos querem saber, enquanto degustam o sorvete que eles mesmos fizeram, o porquê

da simplicidade do mesmo. Perguntas comuns são:

Por quê somente a adição de leite, açúcar e essência permite fazer um sorvete com gosto

tão bom?

Por quê é tão rápido fazer um sorvete assim?

Por quê adicionamos sal ao gelo?

Por quê fica tão frio na mistura gelo e sal?

À luz da Físico-Química, este artigo se propõe a discutir e explicar cada uma dessas

perguntas frequentes.

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Com relação à primeira pergunta, pode-se explicar porque um número tão reduzido de

reagentes resulta em um sorvete aparentemente tão gostoso. De forma bem simples, o

leite é classificado como uma emulsão, ou seja, pequenas partículas de gordura animal

estão suspensas em água, misturadas à proteínas (caseína do leite) e açúcares (lactose).

As partículas de gordura são pequenas o suficiente para não serem observadas a olho

nu, e as usinas de leite fazem um processo chamado de homogeneização que mantém a

mistura coesa. Se houver uma diminuição brusca na temperatura do leite, a água

presente começa a congelar e a formar cristais de gelo e a gordura começa a solidificar e

a separar-se da água. Sorvete nada mais é que um leite que sofreu resfriamento sob

agitação, mantendo essas duas fases (gelo e gordura) homogeneizadas. O resto da

mistura é açúcar e um sabor natural ou artificial. Como a maioria das pessoas aprecia o

sabor do leite, do açúcar e da baunilha, o experimento vai produzir uma mistura

cremosa e com um sabor agradável.

Com relação à segunda pergunta, é rápido porque o processo depende apenas do

congelamento da água do leite e da mesclagem das fases gelo e gordura. Como a

mistura gelo+água+sal atinge muito rapidamente temperaturas em torno de -10OC, o

processo de produção do sorvete vai depender da intensidade da agitação produzida.

A terceira e quarta perguntas estão bastante relacionadas ao conteúdo da introdução

teórica desse artigo. Basicamente, qualquer substância que dissolva-se em um solvente e

que não seja volátil (não evapore facilmente), vai necessariamente reduzir sua

temperatura de congelamento. Isso porque o solvente puro necessita reduzir sua entropia

para produzir uma forma cristalina mais ordenada. À medida que energia é retirada do

solvente, suas moléculas vão assumindo configurações mais e mais ordenadas, até

atingir uma estrutura cristalina. No caso da água, essa passagem de líquido para sólido

ocorre, em condições normais, à temperatura de 0OC. A adição de um sólido como o

NaCl, vai impedir que as moléculas de água organizem-se sob uma forma cristalina, ou

pelo menos vai dificultar em muito a tarefa de diminuir a entropia do sistema. O

resultado final, é que a água não vai conseguir cristalizar à temperatura de 0OC, ou seja,

a água vai permanecer líquida a temperaturas inferiores a -10OC. Dependendo da

concentração de sal na mistura, a temperatura pode chegar a -17OC (em torno de 20% de

sal).

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REFERÊNCIAS

BAZZO, Walter, A.. Introdução aos estudos CTS (Ciência, Tecnologia, Sociedade).

Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura

(OEI), 2003.

ATKINS, Peter W.; de Paula, Julio. Físico-Química, vol.1. Rio de Janeiro: Editora

LTC, 2008, p.136-136

INPE. Climatologia de Ferraz. Disponível em: <

http://antartica.cptec.inpe.br/~rantar/data/resumos/climatoleacf.xls > Acesso em: 14 de

setembro de 2009.

BALL, DAVID. W.; Físico-Química, vol.1.; São Paulo: Editora Pioneira Thomson,

2005, p. 193