Aristoteles e Wittgenstein Direito e Logica.pdf

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DIREITO, LÓGICA, ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA EM ARISTÓTELES E WITTGENSTEIN: A SOLUÇÃO DA APORIA HERMENÊUTICO-DECISÓRIA NO DISCURSO COMO PRAKT?R DO MYTHOS E NO USO DA LINGUAGEM COMO RHETOR DO ERGON. LAW, LOGIC, RHETORIC, ARISTOTLE AND WITTGENSTEIN: SOLVING HERMENEUTICAL PROBLEMS WITH SPEECHING AS PRAKT?R OF MYTHOS AND USING LANGUAGE AS RHETOR OF ERGON. Daniel Oitaven Pamponet Miguel RESUMO O presente trabalho objetiva estudar a influência dos pensamentos de Aristóteles e Wittgenstein na filosofia do direito e na hermenêutica jurídica, em busca de um modelo interpretativo inspirado nos referidos filósofos e idôneo a garantir a união dos ideais de justiça, objetividade e eqüidade democrática. Inicialmente, expõe-se a concepção de linguagem aristotélica, bem como o projeto do filósofo de expressar o pensamento em uma estrutura lingüística formal, desiderato que culminou na decisiva influência do raciocínio demonstrativo na jusfilosofia. Em seguida, aborda-se a relação entre lógica e linguagem na teoria da figuração de Wittgenstein como último exemplo da tradição lingüística platônico-aristotélica, bem como a influência do Tractatus na Teoria Pura do Direito. Após, retornamos a Wittgenstein, agora com sua filosofia da linguagem ordinária e sua utilização como matriz teórica por Hart, que acaba incorrendo em problema hermenêutico semelhante ao do momento ametódico kelseniano. Mais à frente, como reação à insuficiência hermenêutica do discricionário modelo normativista, apresentamos o resgate dos entimemas no direito por Viehweg e Perelman, inspirados na argumentação retórica aristotélica. Chegamos a momento decisivo do escrito quando abordamos a possibilidade de uma relação entre a retórica aristotélica e as Investigações Filosóficas do segundo Wittgenstein e apontamos, com Kvond, a reunificação das atividades discursiva, cognoscitiva e prática pela filosofia da linguagem ordinária. Subsiste, no entanto, a insatisfação com os modelos jusfilosóficos originados com base em Aristóteles e nas duas filosofias de Wittgenstein, visto que o tipo de consenso proposto pela tópica e pela retórica não afasta a discricionariedade do julgador, estimulando, ao contrário, a colonização do mundo da vida (Habermas). Como superação dessa aporia, concluímos com a tese jusfilosófica de Aulis Aarnio, que reúne como matrizes teóricas os pensamentos de Perelman, Wittgenstein e Habermas, a fim de solucionar a insuficiência jurídico-hermenêutico-decisória dos modelos anteriores baseados em Aristóteles e Wittgenstein mediante uma dupla exigência de racionalidade formal e material, sem abandonar o pensamento filosófico de ambos os autores. PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS-CHAVE: DUPLA DIMENSÃO DA LINGUAGEM; RETÓRICA ARISTOTÉLICA; NEOPOSITIVISMO LÓGICO; TEORIA PURA DO DIREITO; FILOSOFIA DA LINGUAGEM ORDINÁRIA; UNIFICAÇÃO DE DISCURSO, RETÓRICA E LINGUAGEM EM WITTGENSTEIN II; DIREITO COMO NARRATIVA; KELSEN, HART, VIEHWEG PERELMAN, E ARBITRARIEDADE; AULIS AARNIO; A RACIONALIDADE COMO RAZOÁVEL; ADEQUABILIDADE FORMAL E MATERIAL. ABSTRACT This work aims to study the influence of the philosophical thoughts of Aristotle and Wittgenstein's on legal interpretation, in search of an interpretative model inspired in those philosophers and suitable to ensure the union of the ideals of justice, fairness and objectivity. Initially, we analyze the Aristotelian conception of language as well as the design of the philosopher to express thoughts in a formal linguistic structure, a desideratum which culminated in the decisive influence of demonstrative reasoning on philosophy of law. The article then addresses the relationship between logic and language in Wittgenstein I’s theory as a last example of the Platonic-Aristotelian linguistic tradition, as well as the influence of the Tractatus in Kelsen’s Pure Theory of Law. After, we return to Wittgenstein, now with his philosophy of ordinary language and its use as a theoretical framework for Hart, who ends up incurring hermeneutic problem similar to Kelsen’s. Later on, as a reaction to the failure of the discretionary positivist hermeneutics, we present the rescue of the enthymemes in legal interpretation by Viehweg and Perelman, inspired by the Aristotelian rhetorical argumentation. Decisively, we address the possibility of relating Aristotelian rhetorics and Wittgenstein’s Philosophical Investigations and point, with Kvond, the reunification brought by philosophy of ordinary language to activities of knowing, acting and speeching. There remains, however, a hermeneutical problem as we note the kind of consensus proposed by Viehweg and Perelman does not avoids discretion. To overcome this stalemate, we conclude with the thesis of legal philosopher Aulis Aarnio, which includes theoretical frameworks as the thoughts of Perelman, Wittgenstein and Habermas, in order to surpass the flaws identified a problem on the other interpretative models based on Aristotle and Wittgenstein by uniting formal and material appropriateness, without denying the philosophical works of both philosophers. KEYWORDS: KEYWORDS: LANGUAGE; RHETORICS; NEOPOSITIVISM; PURE THEORY OF LAW; PHILOSPHY OF ORDINARY LANGUAGE; SPEECHING, KNOWING AND ACTING UNIFIED BY WITTGENSTEIN II; KELSEN, HART, VIEHWEG, PERELMAN AND DISCRETION; AULIS AARNIO; RATIONALI AS REASONABLE; FORMAL AND MATERIAL APPROPRIATENESS. 1. QUADRO GERAL DA INFLUÊNCIA DOS PENSAMENTOS DE ARISTÓTELES E WITTGENSTEIN NA FILOSOFIA DO DIREITO E NA HERMENÊUTICA JURÍDICA Aristóteles e Wittgenstein foram autores que, cada qual a sua maneira, revolucionaram o papel da linguagem como expressividade do pensamento lógico. De um lado, Aristóteles, em sua busca por uma * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 5973

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  • DIREITO, LGICA, ARGUMENTAO E RETRICA EM ARISTTELES E WITTGENSTEIN:A SOLUO DA APORIA HERMENUTICO-DECISRIA NO DISCURSO COMO PRAKT?R

    DO MYTHOS E NO USO DA LINGUAGEM COMO RHETOR DO ERGON.

    LAW, LOGIC, RHETORIC, ARISTOTLE AND WITTGENSTEIN: SOLVING HERMENEUTICALPROBLEMS WITH SPEECHING AS PRAKT?R OF MYTHOS AND USING LANGUAGE AS RHETOR

    OF ERGON.

    Daniel Oitaven Pamponet Miguel

    RESUMOO presente trabalho objetiva estudar a influncia dos pensamentos de Aristteles e Wittgenstein na filosofiado direito e na hermenutica jurdica, em busca de um modelo interpretativo inspirado nos referidos filsofose idneo a garantir a unio dos ideais de justia, objetividade e eqidade democrtica. Inicialmente, expe-sea concepo de linguagem aristotlica, bem como o projeto do filsofo de expressar o pensamento em umaestrutura lingstica formal, desiderato que culminou na decisiva influncia do raciocnio demonstrativo najusfilosofia. Em seguida, aborda-se a relao entre lgica e linguagem na teoria da figurao de Wittgensteincomo ltimo exemplo da tradio lingstica platnico-aristotlica, bem como a influncia do Tractatus naTeoria Pura do Direito. Aps, retornamos a Wittgenstein, agora com sua filosofia da linguagem ordinria esua utilizao como matriz terica por Hart, que acaba incorrendo em problema hermenutico semelhante aodo momento ametdico kelseniano. Mais frente, como reao insuficincia hermenutica dodiscricionrio modelo normativista, apresentamos o resgate dos entimemas no direito por Viehweg ePerelman, inspirados na argumentao retrica aristotlica. Chegamos a momento decisivo do escritoquando abordamos a possibilidade de uma relao entre a retrica aristotlica e as Investigaes Filosficasdo segundo Wittgenstein e apontamos, com Kvond, a reunificao das atividades discursiva, cognoscitiva eprtica pela filosofia da linguagem ordinria. Subsiste, no entanto, a insatisfao com os modelosjusfilosficos originados com base em Aristteles e nas duas filosofias de Wittgenstein, visto que o tipo deconsenso proposto pela tpica e pela retrica no afasta a discricionariedade do julgador, estimulando, aocontrrio, a colonizao do mundo da vida (Habermas). Como superao dessa aporia, conclumos com atese jusfilosfica de Aulis Aarnio, que rene como matrizes tericas os pensamentos de Perelman,Wittgenstein e Habermas, a fim de solucionar a insuficincia jurdico-hermenutico-decisria dos modelosanteriores baseados em Aristteles e Wittgenstein mediante uma dupla exigncia de racionalidade formal ematerial, sem abandonar o pensamento filosfico de ambos os autores.PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS-CHAVE: DUPLA DIMENSO DA LINGUAGEM; RETRICAARISTOTLICA; NEOPOSITIVISMO LGICO; TEORIA PURA DO DIREITO; FILOSOFIA DALINGUAGEM ORDINRIA; UNIFICAO DE DISCURSO, RETRICA E LINGUAGEM EMWITTGENSTEIN II; DIREITO COMO NARRATIVA; KELSEN, HART, VIEHWEG PERELMAN, EARBITRARIEDADE; AULIS AARNIO; A RACIONALIDADE COMO RAZOVEL;ADEQUABILIDADE FORMAL E MATERIAL.

    ABSTRACTThis work aims to study the influence of the philosophical thoughts of Aristotle and Wittgenstein's on legalinterpretation, in search of an interpretative model inspired in those philosophers and suitable to ensure theunion of the ideals of justice, fairness and objectivity. Initially, we analyze the Aristotelian conception oflanguage as well as the design of the philosopher to express thoughts in a formal linguistic structure, adesideratum which culminated in the decisive influence of demonstrative reasoning on philosophy of law. Thearticle then addresses the relationship between logic and language in Wittgenstein Is theory as a last exampleof the Platonic-Aristotelian linguistic tradition, as well as the influence of the Tractatus in Kelsens PureTheory of Law. After, we return to Wittgenstein, now with his philosophy of ordinary language and its useas a theoretical framework for Hart, who ends up incurring hermeneutic problem similar to Kelsens. Lateron, as a reaction to the failure of the discretionary positivist hermeneutics, we present the rescue of theenthymemes in legal interpretation by Viehweg and Perelman, inspired by the Aristotelian rhetoricalargumentation. Decisively, we address the possibility of relating Aristotelian rhetorics and WittgensteinsPhilosophical Investigations and point, with Kvond, the reunification brought by philosophy of ordinarylanguage to activities of knowing, acting and speeching. There remains, however, a hermeneutical problem aswe note the kind of consensus proposed by Viehweg and Perelman does not avoids discretion. To overcomethis stalemate, we conclude with the thesis of legal philosopher Aulis Aarnio, which includes theoreticalframeworks as the thoughts of Perelman, Wittgenstein and Habermas, in order to surpass the flaws identifieda problem on the other interpretative models based on Aristotle and Wittgenstein by uniting formal andmaterial appropriateness, without denying the philosophical works of both philosophers.KEYWORDS: KEYWORDS: LANGUAGE; RHETORICS; NEOPOSITIVISM; PURE THEORY OFLAW; PHILOSPHY OF ORDINARY LANGUAGE; SPEECHING, KNOWING AND ACTING UNIFIEDBY WITTGENSTEIN II; KELSEN, HART, VIEHWEG, PERELMAN AND DISCRETION; AULISAARNIO; RATIONALI AS REASONABLE; FORMAL AND MATERIAL APPROPRIATENESS.

    1. QUADRO GERAL DA INFLUNCIA DOS PENSAMENTOS DE ARISTTELES EWITTGENSTEIN NA FILOSOFIA DO DIREITO E NA HERMENUTICA JURDICA Aristteles e Wittgenstein foram autores que, cada qual a sua maneira, revolucionaram o papel dalinguagem como expressividade do pensamento lgico. De um lado, Aristteles, em sua busca por uma

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  • regularidade do pensamento, desenvolveu estudos lgicos capazes de organiz-los com base em estruturasformais. O filsofo considerou que a cada tipo de argumentao correspondia um tipo diferente de relaesexpressas em linguagem, chamadas de silogismo, dentre os quais o apodctico (cientfico), de influnciadecisiva no pensamento racionalista e no que entendemos contemporaneamente por lgica formal (analtica,na terminologia aristotlica). De outro lado, Wittgenstein (1994), na primeira fase de seu pensamento,considera o mundo como algo formado por objetos que possuem apenas propriedades formais, de forma aencarar a lgica como elemento a priori que determina as condies de significabilidade da linguagem,reflexo predicativo do mundo. Essa concepo Wittgensteiniana o principal expoente da corrente filosficade pensamento conhecida como Neopositivismo Lgico, albergada pelos membros do chamado Crculo deViena. A teoria da afigurao como correspondncia estrutural entre frase e estado de coisas deWittgenstein justamente a ltima forma do tradicional reconhecimento ocidental de uma isomorfia entrerealidade e linguagem, ou seja, a idia de que a palavra pode designar todos os tipos de objetos que tenhamuma essncia comum (conceito). Essa concepo de linguagem originou-se com Plato e foi disseminada natradio a partir dos desenvolvimentos realizados por Aristteles, que elabora uma teoria da significao tidacomo afirmativa da distncia entre linguagem e ser. Podemos, pois, identificar aqui, ainda que mediatamente,uma primeira relao entre as obras dos dois filsofos, o que, por si s, j justificaria um estudo filosficodas suas obras mediante uma abordagem de interpenetrao. A contribuio de Aristteles para uma estruturao lingstica do pensamento tambm identificadaem seu resgate da retrica, to criticada por Plato. Aristteles, ao abordar a argumentao retrica,distingue-a da sofstica e caracteriza sua expressividade lingstica por meio de silogismos no-demonstrveis, chamados de entimemas. Wittgenstein, por sua vez, em Investigaes Filosficas (1994), vaimodificar totalmente sua compreenso da linguagem, afastando-se da concepo lgico-verificacionista evislumbrando os cernes dos problemas lingsticos na dimenso pragmtica da linguagem, com destaque paraa idia de que os emissores das mensagens, mediante distintos modos de significar, direcionam o sentidocomo elas sero compreendidas pelos seus interlocutores. Kari Palonen (2003, pp. 134-35) relata que nuncaencontrou discusses sistemticas sobre a relao entre a retrica antiga ou moderna e a obra deWittgenstein, mais costumeiramente relacionado lgica gramatical, como faz Mark Bevir. No entanto,Palonen observa que Perelman, seus alunos e alguns retricos americanos das cincias humanas costumamcitar Wittgenstein e, mais especialmente, sua metfora do jogo de linguagem, o que pode, mais uma vez,indicar pontos de contato entre seu pensamento e o de Aristteles. Diversas concepes jusfilosficas foram influenciadas pelos aportes de Aristteles e Wittgensteinnos temas da lgica, da argumentao, da retrica e da linguagem. Dentre elas, podemos destacar: a Escolade Exegese e a Jurisprudncia dos Conceitos (Puchta, Windscheid), caudatrias do racionalismo cartesianode inspirao na analtica aristotlica (LARENZ, pp. 21 e ss.); a Tpica de Theodor Viehweg (1979); e aNova Retrica de Cham Perelman (1999), ambas de inspirao na argumentao retrica de Aristteles; ONormativismo de Hans Kelsen (1995), que tem como matriz terica a teoria da figurao do primeiroWittgenstein; e o positivismo de Herbert Hart (2001), baseado na filosofia ordinria da linguagem dosegundo Wittgenstein. Nenhuma dessas teses, no entanto, constitui um modelo capaz de, simultaneamente,reconhecer o carter prtico-axiolgico da aplicao do direito, afastar seu cariz discricionrio edesencorajar o proferimento de decises construdas com base em premissas arbitrariamente eleitas.Somando-se a isso a relevncia das concepes de filosofia do direito mencionadas, faz-se imperativo umestudo, pelos juristas, do papel que as matrizes tericas aristotlica e wittgensteiniana cumpriram na histriado pensamento jurdico. Diante dos pontos de contato entre a obra do primeiro Wittgenstein e a analtica aristotlica, dainconcluso a respeito da possibilidade de relacionar a filosofia da linguagem ordinria argumentaoretrica estudada por Aristteles e da influncia desses autores sobre a filosofia do direito; configura-secomo relevante uma abordagem didtica conjunta de suas obras, inclusive com a verificao de uma soluocompositiva, elaborada por Aulis Aarnio (1991), entre suas filosofias para a aporia jurdico-hermenutico-decisria resultante dos insuficientes modelos justericos nelas inspirados. O cumprimento desse desideratoenglobar a resposta s seguintes questes orientadoras.

    1) Como Aristteles pensa a estrutura lingstico-expressiva do pensamento?2) Como a teoria da figurao do primeiro Wittgenstein relaciona-se dimenso designativa da

    linguagem e qual a sua influncia sobre a obra de Kelsen, inclusive na relao entre direito emoral?

    3) Como a retrica, inclusive a jurdica, encaixa-se no sistema filosfico aristotlico e relaciona-secom a Tpica de Viehweg e a Nova Retrica de Perelman?

    4) Qual a relevncia da pragmtica e dos jogos de linguagem na filosofia da linguagem ordinria dosegundo Wittgenstein? Como ela determina o posicionamento de Herbert Hart em relao linguagem dos textos jurdicos e ao carter vinculante das normas jurdicas?

    5) Como a filosofia da linguagem ordinria rene as atividades discursiva e prtica separadas pela

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  • filosofia grega?6) possvel traar um paralelo entre a retrica aristotlica e os modos de significar da filosofia da

    linguagem ordinria? Qual o papel dos topoi e dos jogos de linguagem nesse processo?7) Quais problemas de tica judiciria a assuno de uma concepo puramente retrico-narrativa

    do direito pode ocasionar?8) Qual a aporia hermenutica resultante das insuficincias das teses jusfilosficas inspiradas em

    Wittgenstein e Aristteles at aqui? possvel resolver ou superar tal problema sem abandonar asfilosofias dos dois autores?

    2. A CONCEPO DE ARISTTELES SOBRE A LINGUAGEM E A LGICA ANALTICACOMO EMBRIO PARA O SURGIMENTO DE CORRENTES JUSFILOSFICAS LOGICISTAS

    A compreenso da influncia do raciocnio aristotlico no direito pressupe uma adequadacaracterizao da concepo de linguagem do filsofo. Um dos motes da filosofia aristotlica aapresentao de um discurso racional fundamentado como uma resposta aos sofistas, perigosos para opensamento por fora de sua indiferena em relao verdade e pela sua nfase na eficcia persuasiva dodiscurso, arma capaz de fazer o falso parecer verdadeiro ou verossmil[1]. A concepo lingstica dossofistas retratada por Plato em Crtilo (1980), obra na qual Hermgenes representa o convencionalismoe seu fechamento da linguagem em si, deixando o espao outrora respectivo intencionalidade essencial queapontava para as coisas e substituindo essas prprias coisas (OLIVEIRA, 2001, p.27). A tal respeito, explicaStreck (2004, p.115)

    Crtilo um tratado acerca da linguagem e, fundamentalmente, uma discusso crtica sobre a linguagem.So contrapostas duas teses/posies sobre a semntica: o naturalismo, pela qual cada coisa tem nomepor natureza (o logos est na physis), tese defendida no dilogo por Crtilo; e o convencionalismo,posio sofstica defendida por Hermgenes, pela qual a ligao do nome com as coisas absolutamentearbitrria e convencional (...)

    Plato, em seu embate contra os sofistas, atribui a Scrates uma posio intermediria no conflitoentre Hermgenes e Crtilo, a qual consiste no entendimento de que os nomes so convencionais, mas a suaescolha no completamente arbitrria, e sim orientada por um modelo ideal (inato) que funciona comoreferencial comum entre nome e coisa e coloca-os em uma relao de adequao natural. Essa concepoacarreta a atribuio de um papel instrumental, secundrio, linguagem: a palavra tomada como merarepresentao, desprovida de carter constitutivo, da coisa, cuja realidade (mundo das idias) s verdadeiramente conhecida sem o uso da linguagem (STRECK, pp. 118-9). Como discpulo de Plato, Aristteles no aceitava que a linguagem pudesse ter uma autonomia emrelao s coisas, mas tampouco aceitava que esta fazia parte da physis pr-socrtica (Garcia-Roza, apudStreck, 2004, p. 120). Aristteles busca elaborar uma teoria da significao que, simultaneamente, afirme adistncia entre linguagem e ser e tematize a relao entre ambos. Sofistica, assim, a crtica contra os sofistas,contrapondo-se a sua viso da linguagem como simples ente entre os outros, instrumento dosrelacionamentos intersubjetivos (OLIVEIRA, 2001, p.27). Aristteles preocupa-se com a relao dalinguagem com o ser na base da significao, o que pressupe a negao da linguagem como coisa entre ascoisas. Afasta, assim, a aderncia entre palavra e ser e aponta o carter significativo, e no meramentemanifestativo, da linguagem. Manfredo Oliveira (2001, pp. 29 e ss.) aponta duas dimenses no posicionamento aristotlico sobre alinguagem. A primeira delas diz respeito acentuao da distncia entre linguagem e ser e aoaprofundamento, por meio de sua teoria do juzo, da concepo designativa da linguagem elaborada porPlato, que termina concebendo a linguagem como algo secundrio em relao ao conhecimento do real.No h relao imediata entre palavra e ser, pois h a mediao necessria dos estados psquicos; a palavrano tem significao em si mesma. Em verdade, a linguagem smbolo do real, instrumento convencional, eno natural, da designao; aproxima-se das coisas apenas caso seja verdadeira, assemelhada ao real. Osmbolo (linguagem) no toma o lugar da coisa, mas sim exprime, simultaneamente, ligao e distncia. Essaconcepo permite-nos, com Oliveira, vislumbrar que, como em Aristteles a essncia das proposieslingsticas no est em seus termos, mas no ato compositivo do estado de alma, a funo judicativa no funo da linguagem, mas sim da alma, cabendo ao discurso apenas significar o ato judicante, nosubstituindo a verdade do julgamento, mas sendo seu substituto necessrio e imperfeito, j que as coisas sosingulares e o homem fala sempre no universal. Essa idia influenciou decisivamente o pensamento jurdicoocidental, sendo o ponto de apoio para a concepo platnico-aristotlica de linguagem intensamentedifundida nos estudos jusfilosficos da Modernidade. A outra dimenso da linguagem em Aristteles preleciona, a despeito da distncia entre linguagem eser, a inacessibilidade imediata ao ser pelo homem sem a mediao lingstica, posicionamento que remontaaos filsofos gregos e sua noo de unidade entre logos e n e antecipou a principal tese da filosofiacontempornea da linguagem: toda reflexo sempre reflexo mediada lingisticamente. Essa linguagempressupe uma ontologia como condio de possibilidade da comunicao humana; embora seu discurso no

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  • seja imediato sobre o ser, a linguagem s compreensvel a partir de seu fundamento, o ser, e vice-versa.Assim, pois, na maneira como falamos das coisas, j se mostra uma pr-compreenso das coisas, e a tarefa dafilosofia consiste exatamente na explicitao, mediada lingisticamente, dessa pr-compreenso do real. Os estudos de Aristteles iniciam a lgica como um ramo particular do saber. Como explica AlaorCaff (2005, p. 156), partindo da lgica dialtica de Plato e atribuindo-lhe uma estrutura formal, Aristtelesreduziu a leis a passagem de uma afirmao seguinte no movimento dialtico da razo. Mediante talprocedimento, o filosfo intentava alcanar certa regularidade formal do pensamento e fix-la em relaesexpressas em linguagem. Aristteles vislumbrava diversos tipos de argumentao, a cada qual se aplica umaespcie de silogismo, entendido o termo como uma forma de expresso verbal dedutivo-argumentativa pelaqual de um antecedente (premissas), relacionando dois termos (extremos) a um terceiro (o mdio), tiramosum conseqente (concluso) que une esse dois termos (extremos) entre si. Na argumentao cientfica,emprega-se o silogismo cientifico (premissas verdadeiras e absolutamente primeiras); na argumentaodialtica, o silogismo, chamado de epiquirema, dialtico, parte de premissas provveis; na argumentaosofstica, emprega-se o sofisma, que apresenta como provveis premissas que, em verdade, no o so ousimula concluses, a rigor, improcedentes; e a argumentao retrica, em que podem ser aplicados dois tiposde silogismo, o entimema e o exemplo. A tradio lingstica ocidental, por s perceber a primeira dimenso da filosofia da linguagemaristotlica, desenvolveu um apreo quase obsessivo pelos silogismos cientficos, mormente na obra de RenDescartes, desprezando os demais tipos de silogismo. A linguagem como instrumento secundrio deexpressividade das relaes entre o esprito humano e a essncia, tida esta no mais de forma realista, comoem Aristteles, mas como objeto lgico, deu margem criao de concepes jurdicas como a Escola deExegese e a Jurisprudncia dos Conceitos. A primeira dessas linhas de pensamento, primeira manifestao terica do pensamento juspositivista,baseia-se no brocardo in claris cessat interpretatio, negando a possibilidade de interpretao da lei, sob penade afronta segurana jurdica; numa iluso racionalista, o pensamento da Escola de Exegese pregava apreviso da totalidade de casos concretos possveis. Restaria ao juiz a boca da lei, a mera funo de aplicaro direito silogisticamente, tendo como premissa maior a norma e premissa menor o fato, juridicizado pelaincidncia da hiptese normativa sobre a realidade, sem qualquer tipo de juzo axiolgico. A segunda dessasvertentes, de pensamento de cunho abstracionista baseado no mtodo lgico-dedutivo como caminho paraestruturao de um sistema hermtico de conceitos, teve em Bernhard Windscheid e Puchta dois grandesexpoentes, alcanando significativa expresso no Pandectismo alemo, responsvel pela elaborao degrande parte dos conceitos clssicos de Direito Civil (LARENZ, 1997, pp. 21 e ss.) 3. O TRACTATUS COMO MATRIZ TERICA DA AXIOLGICO-CETICISTA TEORIA PURADO DIREITO Analisemos agora a primeira fase da filosofia de Wittgenstein, retratada em seu Tractatus Logicus-philosophicus (1994), em que segue a tradio ocidental nascida com Crtilo e estabelecida com a primeiradas dimenses do problema da linguagem trabalhadas por Aristteles. Admitindo a existncia de uma relaoentre linguagem e mundo realizada por meio do carter designativo da linguagem as palavras sosignificativas na medida em que designam objetos , o Wittgenstein I vai abordar a linguagem comocondio de possibilidade da comunicao do resultado do conhecimento humano, mas, sem perceber asegunda dimenso do estudo lingstico de Aristteles, no vai reconhecer a linguagem como condiomesma do conhecimento humano. A teoria da afigurao como correspondncia estrutural entre frase eestado de coisas de Wittgenstein justamente a ltima forma do tradicional reconhecimento ocidental deuma isomorfia entre realidade e linguagem, ou seja, a idia de que a palavra pode designar todos os tipos deobjetos que tenham uma essncia comum (conceito). Sem negar o carter designativo da linguagem, o autor expe, no Tractatus, uma crtica tradioocidental por tratar essa como a principal e, qui, nica funo da linguagem. Radicaliza, pois, essatradio, afirmando ser decisiva a estrutura ontolgica do mundo que a linguagem, como reflexo dessemundo, deve anunciar. A essncia da linguagem, assim, depende da estrutura ontolgica do real. Existe ummundo independentemente da linguagem, mas funo dessa linguagem exprimi-lo. Com base nessepressuposto, Wittgenstein passa a buscar um ideal de linguagem perfeita, capaz de reproduzir com absolutaexatido a estrutura ontolgica do mundo. Persegue, assim um ideal de linguagem artificial construdasegundo o modelo de um clculo lgico, livre das imprecises da linguagem comum e capaz de atingir apreciso absoluta no carter designativo das palavras; a lgica a priori e determina as condies designificabilidade da linguagem que espelha o mundo. Wittgenstein concebe o mundo como algo formado porobjetos que possuem apenas propriedades formais, sendo os fatos caracterizados pela combinao dessesobjetos simples, alcanando uma ontologia que prescinde de qualquer caracterstica subjetiva. Encontramos expresso da teoria da figurao wittgensteiniana no campo do direito na obra de HansKelsen (1995), que erige a teoria da figurao como nvel de axiomatizao dos sistemas significantes. Como

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  • explica Luis Alberto Warat (1995, pp. 37 e SS.), Kelsen, baseado em uma semitica pura, negligencia adimenso pragmtica da linguagem, por entender que a linguagem cientfica no padece do desviocomunicativo da vagueza, tpico da linguagem natural. Pauta-se, pois, na realizao de uma anlise sinttico-semntica, qual est inerente a assuno de que todo enunciado que no possa ser relacionado com ocritrio de verdade carece de sentido. Essa relao mtica com a verdade exige a busca de condiessemnticas de verificabilidade como critrios de significao. Kelsen, seguindo rigorosamente seu programa epistemolgico, entende que os enunciados jurdicos,deonticamente modalizados, s sero semanticamente significativos caso estejam integrados a um sistemacientfico dotados de princpios terico-metodolgicos e sejam empiricamente verificveis, adotando-se,assim, uma concepo de verdade como correspondncia e reduzindo-se a significao ao campo referencial,desenvolvendo o mito do referente puro. A aferio da validade das normas tem como critrio o postulado gnoseolgico da norma hipottico-fundamental, o qual determina a pertinncia de uma norma jurdica ao sistema de direito positivo, motivopelo qual podemos dizer, com Warat (1995, pp. 48-52), que a validade uma preocupao metalingstica.Essa norma fundamental, justamente por ter um carter axiomtico, no posta, mas sim pressuposta, ejustamente por isso no se submete aferio de validade, evitando o problema lgico do paradoxo domentiroso. Henrique Smidt Simon (2006, pp. 97-98) considera que a grundnorm, cujo sentido, segundoKelsen, o de que Deve-se obedecer Constituio (ou Para o direito, as coisas esto assim), espelha aforma geral proposicional do primeiro Wittgenstein, cujo sentido As coisas esto assim e que necessria e suficiente caracterizao da essncia da estrutura das proposies, unificando as condies defigurabilidade de qualquer linguagem. Representa, como explica Paulo de Barros Carvalho (2008), o corteepistemolgico da Dogmtica Jurdica, permitindo a Kelsen o alcance da autonomia da Cincia do Direito. Simon (2006, pp. 86-8) identifica tambm na obra de Kelsen a recepo dos pensamentos dofilsofo da linguagem a respeito da tica no contexto da linguagem cientfica. Wittgenstein, em sua anliselingstica do mundo no Tractatus, afirma a relatividade dos juzos ticos, os quais sempre dependem depercepes do indivduo e no so traduzveis na linguagem enunciativa cientfica. A cincia, pois, veiculaapenas proposies que indicam significados e sentidos naturais sobre fatos, no sendo, pois, possvelestudar a tica atravs dela. Kelsen, na mesma esteira, entende que a existncia de uma moral absolutapressuporia o estabelecimento axiomtico de um contedo moral apriorstico, capaz de funcionar comocritrio de verificabilidade para os enunciados sobre a moral, sob pena de um regresso ad infinitum na escalade fundamentao das normas morais, no afeitas cientificidade positivista. Seria, pois, necessariamentearbitrria, variando de acordo com a subjetividade de quem a estabelece. Diante disso, imperioso, paraKelsen, o reconhecimento de que o sistema jurdico, construdo cientificamente, independente de contedosmorais que o relacionem justia, bem como dos princpios morais ou polticos que inspirem a produo dostextos normativos; conserva-se, assim, a separao entre direito, moral, poltica e costume, prescindindo-seda busca por uma racionalidade material de valoraes e admitindo-se, ceticamente, a discricionariedade dojulgador como elemento determinante de qual sentido denotativo, dentre aqueles extrados da molduranormativa, ser conotado em concreto (SIMON, 2006, pp. 119-126).4. A FILOSOFIA DA LINGUAGEM ORDINRIA E O APORTE DA DIMENSO PRAGMTICADA LINGUAGEM COMO LOCUS DA DISCRICIONARIEDADE HERMENUTICA DE HART Apesar de haver considerado, poca da publicao do Tractatus, ter resolvido todos os problemasfundamentais da filosofia, Wittgenstein, muitos anos depois, vai abandonar a sua concepo do mundo comocomposto por estruturas lgicas espelhveis lingisticamente. Em sua obra Investigaes Filosficas (1994),deixa de lado a concepo lgico-verificacionista do Tractatus e adota prope uma concepo radicalmentedistinta a respeito da linguagem. A pedra de toque dessa nova compreenso a idia de que a linguagemnatural correta e as dificuldades de origem lingstica surgem porque os filsofos a reconstituemdeficientemente. O pensamento do Wittgenstein II substitui o desiderato do Wittgenstein neopositivista desuprimir a metafsica por meio da semitica pela necessidade de separar a semitica descritiva da prpriafilosofia, incapaz, at ento, de abordar adequadamente o uso ordinrio da linguagem; sai, pois, a nfase nasdimenses sinttica e semntica, dando-se destaque, agora, pragmtica. O cerne dos problemas lingsticos,pois, est no como se utiliza a linguagem. Warat (1995, pp. 65 e ss.) explica que a anlise semitico-descritiva adota a premissa de que fatoresintencionais dos usurios provocam alteraes na relao designativa-denotativa dos significados de base daspalavras ou expresses. H, pois, um deslocamento significativo redefinitrio em razo do uso concreto deum conceito ou expresso, o que importa no reconhecimento de uma zona de interpenetrao entre asdimenses semntica e pragmtica da linguagem, processo por meio do qual o significado de base(meramente semntico-gramatical, definies lexicogrficas) d origem ao significado contextual. Osegundo Wittgenstein rejeita qualquer ideal de preciso e afirma que os conceitos podem ser abertos eindeterminados, j que a linguagem naturalmente vaga e a preciso depende do contexto. A existncia deregras para o uso das palavras no fixa todas as possibilidades de uso, consistindo, isso sim, em meros

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  • padres de significabilidade. Wittgenstein admite que muitas vezes um conceito inexato mais adequado s necessidades dalinguagem, tese que evoca, no campo do direito, o papel dos tipos e das pautas carecidas de preenchimentona obra de Karl Larenz (1997). Tambm Herbert Hart, jurista ingls, segue essa idia quando reconhece aexistncia de casos em que o legislador opta deliberadamente por termos abertos. Pretende, portanto, traarelementos distintivos que sirvam como critrios gerais para delinear as fronteiras entre o jogo de linguagemdo direito e outros jogos de linguagem de carter normativo.

    Hart entende que a aceitao das regras jurdicas pelos indviduos no pressupe uma concordnciacom seu contedo e o conhecimento de seus critrios de validade, mas sim a mera participao em um jogode linguagem em que essas regras tenham sido institucionalizadas mediante uma observncia regular,adquirindo, assim, vinculatividade. Como explica Simon (2006, pp. 109-18), essa tese coaduna-seperfeitamente com a assertiva wittgensteiniana de que uma regra de um jogo de linguagem passvel dedvida, motivo pelo qual seus sentidos devem ser buscados na vivncia do prprio jogo de linguagemjurdico, sendo desnecessria uma conceituao rgida do direito e impossvel a realizao de interpretaesnicas com base em meras anlises sinttico-semnticas.

    O jurista de Oxford trata da interpretao como anlise da textura aberta do direito. Defende que osignificado de uma regra deve ser interpretado pelo juiz com base no fim social quando h expresses legaisque no se aplicam diretamente ao caso concreto; dir-se-ia que o caso encontra-se em uma zona cinzenta,no se caracterizando como o caso padro previsto na norma geral e abstrata, devendo o juiz compreender otexto e o caso de forma contetxtualizada (interseco entre os planos semntico e pragmtico). Nessacircunstncia, h de se reconhecer que, embora o direito e moral tenham jogos de linguagem prprios, ainterpretao depender do modo de significar do sujeito emissor da mensagem, levando concluso de quea aplicao normativa depende da escolha de critrios morais. No entanto, o autor no busca um critriotico de fundamentao dessa interveno moral, reconhecendo-a como albergada por um determinadopadro de conduta costumeiro, independentemente de uma aferio de seu contedo. Dessa forma, apesar deHart, diferentemente de Kelsen, reconhecer, alm da ambigidade, a inafastabilidade, em abstrato, davagueza lingstica, acaba, da mesma forma que o professor nascido em Praga, relegando ao ato de vontadediscricionrio da conotao decisria, desprovido de critrios materiais fortes, a determinao do sentidojurdico a ser validamente constitudo (SIMON, 1996, pp. 126-30).

    5. O RESGATE DA RETRICA ARISTOTLICA NO DIREITO: VIEHWEG E PERELMAN

    Retornemos lgica aristotlica deixando um pouco de lado seus silogismos apodticos e abordandoagora seus silogismos retricos. Conforme explica Shimote (in: CORRA, 2008, pp. 1 e ss.), a retrica, paraAristteles, uma forma lgica de pensar dotada da funo de produzir convencimento, induzir crena, emcircunstncias que a demonstrao apodtica seja inexeqvel. Opem-se, pois, a lgica retrica e a lgicaanaltica. A Retrica aristotlica foi dividida em trs livros distintos, cada um deles dedicado a um doselementos retricos: o ethos (orador), o pathos (auditrio) e o logos (discurso). O sistema retrico divide-seem duas partes: a escrita, em que temos as fase da inventio (descoberta/escolha das premissas, topoi), dadispositio (ordenao das diferentes partes do discurso) e da elocutio (expresso estilstica de adequao aocontedo resultante da inventio); e a oral, fortemente dependente da escrita e compreendida pelas etapas damemria (preservao da estrutura e do contedo escritos na transio para a oralidade) e da exposio(transformao do discurso em oratria, dotada de carter teatral). Aristteles reconhece a retrica como techn, produto da inteligncia humana, legtimo instrumentoracional em que o discurso concebido como meio de produzir o que pode ser e o que pode no ser.Considera-a desprovida de carter moral em essncia, criticando a oposio platnica entre a retricasofstica e a dialtica socrtica, considerando que ambas esto no mesmo nvel, podendo, inclusive, funcionarcomo arte fortalecedora da justia, na aproximao ao verdadeiro e ao bom. A dialtica, em Aristteles, um jogo especulativo no qual se visa a provar ou refutar uma tese e que comporta a retrica como techn dodiscurso persuasivo que, entre outros meios de convencer, utiliza a prpria dialtica como instrumentointelectual (CORRA, 2008, pp. 17-8). Distinguem-se, pois, a retrica m descrita por Plato e a legtimapersuaso, entendida como uma obrigatria e significativa rendio linguagem, operacionalizada por meiodos silogismos argumentativos (entimemas, ligados ao ethos), e dos argumentos indutivos consubstanciadosnos exemplos (ligados ao pathos). No campo do direito, a retrica aristotlica foi revigorada nas obras de Viehweg (1979) e Perelman(1999), como tentativas de reao ao pensamento positivista. Viehweg prope um estilo de abordagem dofenmeno jurdico denominado tpica jurdica, caracterizado por um padro de verossimilhana depremissas (topoi, lugares-comuns argumentativos, como endoxa), as quais podem ser (mas nonecessariamente o so) normas jurdicas e so eleitas pelo orador como ponto de partida de entimemasdestinados a solucionar problemas jurdicos. Viehweg busca resolver o problema positivista mediante odeslocamento do foco da aplicao do direito do sistema para o problema. Ora, as premissas da operao

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  • aplicativa do direito, que eram normativas na Escola de Exegese (raciocnio apodtico) e no Normativismokelseniano (raciocnio lgico-dedutivo complementado por um ato de vontade) so substitudas pelos topoi,redundando em um pensar dialtico tipicamente inspirado em Ccero e Aristteles. Como indica Atienza(2006, pp. 45 e ss.), Viehweg entende que a impossibilidade de, nos moldes exegticos, axiomatizar odireito, estabelecendo proibies de interpretar as normas in claris cessat interpretatio, requerendo umainterveno contnua do legislador e sendo forado a reconhecer o non liquet, teria na tpica uma alternativaenriquecedora. Ademais, em relao ao positivismo de Kelsen e Hart, o solipsismo do julgador seriaamenizado pelo carter intrinsecamente dialtico de uma busca do justo, da qual emana o Direito positivo eque continua apresentada pelo Direito positivo (Viehweg). Perelman, por sua vez, visa a recuperar a vertente mais material e criativa da retrica aristotlica,enquanto racionalidade argumentativa, destacando a importncia dos laos entre aquilo que se quer admitir,por um lado, e aquilo em que partida o auditrio acredita. A composio e a caracterizao do auditrioso, pois, condicionantes do discurso do orador, reavivando a trade ethos, pathos e logos no mbito dodiscurso jurdico, tido por Aristteles como o exerccio de uma arte reconstrutiva de uma factualidadepassada com o intuito de influenciar a ao julgadora de seu auditrio. Perelman, conforme explica Atienza (2006, pp. 59 e ss.), estudou, durante o perodo de ocupaonazista, a justia e as teses positivistas de Frege, as quais advogavam a neutralidade axiolgica. A taispropostas, Perelman contrape uma concepo de justia de carter formal, enunciada da seguinte forma:Deve-se trata do mesmo modo os seres pertencentes mesma categoria. No entanto, essa caracterizaodos seres em uma mesma categoria requer critrios materiais de justia, os quais o autor tambm vem aelaborar. Nesse ponto, surge o problema de como raciocinar a respeito dos valores, os quais sonaturalmente introduzidos na discusso jurdica ao assumirem-se esses critrios materiais de justia. Aquiencontramos uma colaborao de Perelman contra o positivismo: ora, o autor retorna filosofia do direitopreocupada com a justia material, assumindo a necessidade de que a aplicao do direito concretize a idiade justo, no descambando para um mero ato de vontade ctico garantia de ideais de objetividade justa.Igualmente, sua noo de aplicao do direito afasta o raciocnio apodtico, buscando, isso sim, o que elechama de lgica do razovel, nica adequada ao direito. Nesse contexto, Perelman desenvolve uma teoria daargumentao inspirada na retrica aristotlica, diferindo-se, no entanto, de Viehweg por sua maiordensidade filosfica, por sua preocupao em elaborar diversos tipos de argumentos aos quais se poderecorrer e, por fim, pela sua nfase noo de auditrio, motivo pelo qual trata propriamente a sua tesecomo retrica, e no meramente dialtica. O autor busca, especialmente, a possibilidade de convencer umauditrio universal (e, nesse ponto, distingue o convencimento da persuaso, a qual s vale para umauditrio particular), o qual, assim, concretizaria a sua busca por justia, evitando a discricionariedadepositivista, pela prpria noo de consenso nsita ao conhecimento que qualquer um, como auditrio,poderia reconhecer racionalmente. 6. ARISTTELES E O AQUILES DE CAMBRIDGE: O SEGUNDO WITTGENSTEIN E AREUNIFICAO DAS ATIVIDADES COGNOSCITIVA, RETRICA E PRTICA Vejamos agora os pontos de encontro entre as filosofias de Aristteles e do Wittgenstein da filosofiaordinria. Karl Palonen (2003) afirma desconhecer debates especficos a respeito da relao entre a retricaantiga ou moderna e a obra de Wittgenstein. Apesar disso, nota que Perelman, seus alunos e alguns retricosamericanos das cincias humanas como exemplo, poderamos mencionar Stephen Toulmin (1958) recorrem a Wittgenstein em diversos momentos de suas construes filosficas, mormente mediante aadoo da idia de jogo de linguagem. Poderamos, pois, vislumbrar uma relao entre a retrica aristotlica,inspirao do pensamento perelmaniano, e a filosofia da linguagem ordinria do segundo Wittgenstein? Uma interao desse tipo pode ser encontrada no artigo The Rhetor and the Knower: Wittgensteinand Achilles, cujo autor responde pelo pseudnimo de Kvond (2010). O autor parte da premissa de que arejeio, pelo segundo Wittgenstein, da epistemologia verificacionista, com o reconhecimento do discursocomo um ato, reunifica os reinos do conhecimento e da persuaso, separados pela filosofia grega. Os gregosentendiam, segundo Ccero, que havia, de um lado, o emitente do discurso (rhetor do mythos),metonimizado na lngua, e, de outro, o praticante de atos racionais (prakt?r de ergon), consubstanciado naimagem do crebro. Ccero, ao denunciar a diviso, acusa-a de atrofiar as dimenses pblica e prtica(pragmtica) do conhecimento. Kvond estabelece uma analogia entre Wittgenstein e Aquiles, quem, na Ilada de Homero, aindacriana, foi ensinado por Fnix, seu tutor, a fundir as habilidades da fala e do conhecimento, resultando emsua grande performance, ao mesmo tempo, como guerreiro e como poltico. Tratando Cambridge como anova Tria, Kvond afirma que Wittgenstein, mediante as noes de jogo de linguagem e modo de significar(uso da linguagem), transmuda o discurso em ato (prakt?r do mythos); o uso da linguagem rhetor deergon. Assim, usar a linguagem um modo de fazer; saber como usar as palavras e como seguir as regras aptido de conhecimento, mediante a produo do significado (significado como prtica).

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  • Segundo a definio aristotlica de retrica, esta a capacidade, entendida como poder, de cadasujeito compreender-se como persuasivo (ethos) perante outrem (pathos) por meio do logos. Consiste emuma dupla interpretao imersa no poder de convencer os outros na esfera social. O exerccio dessa artepossui como elemento intrnseco a habilidade de discernimento como um poder que proporciona, mediante aidentificao e eleio de topoi, premissas de entimemas, com o fulcro de criar uma adeso no auditrioresultante em consenso com o orador, ou, na linguagem wittgensteiniana, uma unio entre seus jogos delinguagem. Correspondem, pois, os topoi na argumentao aristotlica s regras do jogo de linguagemwittgensteiniano; com o segundo Wittgenstein, a retrica, ou seja, o efetivo uso das palavras, torna-se ohorizonte do conhecimento e coloca todo significado no horizonte do poder por meio de um processolingstico-comunicativo. A retrica trata do poder da linguagem, do poder do uso da palavra e do discursopela racionalidade humana (KVOND, 2010). A essa concepo, poder-se-ia objetar que Palonen vislumbra em Investigaes Filosficas um tomsimilar s crticas que os sofistas faziam sobre as filosofias de Plato e Aristteles. O Segundo Wittgensteinrejeita a idia realista de que as coisas e os fenmenos so, de alguma forma, independentes da linguagemmediante a qual so faladas. Essa idia atribui, no entanto, a Aristteles, apenas a noo de linguagem comoelemento secundrio, designativo das coisas. Mas no percebe a dupla mo do pensamento aristotlico: se alinguagem pressupe uma ontologia, a significao dessa ontologia tambm pressupe a linguagem. Por isso,a mais adequada leitura de Aristteles no no sentido de um estudo sobre uma linguagem que aponta parauma coisa externa a ela, mas sim para o modo complexo de como falamos das coisas, ponto em queconvergem a retrica aristotlica e os usos, modos de significar, da dimenso pragmtica wittgensteiniana. Michel Meyer (1993, apud Palonen, 2003, p.135) estabelece uma relao entre Austin, autor quedesenvolve a filosofia da linguagem ordinria de Wittgenstein, e Aristteles. Em termos retricos, os atos defala referem-se a diferentes dimenses da retrica: se os topoi funcionam como as regras do jogo delinguagem, a dimenso ilocucionria da linguagem corresponde ao ethos, a locucionria, ao logos e aperlocucionria, ao pathos. Para Wittgenstein, como no h regras estritas para o uso apropriado da linguagem, ns temos umleque de escolhas por vrios modos de usar a linguagem (na terminologia de Austin, podemos falar em usosperformativos e constatativos da linguagem). Essa contingncia da linguagem pode ser detectada na metforados jogos de linguagem; a diferenciao entre os jogos, sua maleabilidade e a interpretabilidade nos casosconcretos expressam essa contingncia. Kvond (2010) vai explicar que esse leque de escolhas est dadocomunicativamente assim como os topoi aristotlicos, lugares-comuns passveis de figurar como premissas(regras) escolhidas pelo utente da linguagem, de forma a buscar uma convergncia entre o jogo de linguagemem que se sente inserido e aquele do receptor da mensagem, permitindo a unio de ethos e pathos no logos.Nesse contexto, pertinente a remisso noo de conceito wittgensteiniana, cuja condio de compreenso a multidimensionalidade do significado, o qual pode ser modificado dependendo do contexto dos jogos delinguagem em que eles so usados, assim como os conceitos aristotlicos so as diferentes funes dalinguagem enquanto presentificao dos diferentes aspectos do real. No bojo do discurso em um dado jogode linguagem, essa multidimensionalidade semntico-funcional pode ser manejada pelo utente a fim dealcanar a adeso do auditrio, ponto em que voltamos remisso dos perelmanianos obrawittgensteiniana, podendo, ainda, incluirmos aqui o pensamento de Stephen Toulmin (1958), autor de umateoria da argumentao que busca uma concepo retrica a partir da filosofia do Segundo Wittgenstein. Wittgenstein e Austin introduziram uma perspectiva de ao linguagem que criticava a concepocontemplativa da filosofia, assim como faziam os sofistas e a crtica retrica antigas. Segundo Palonen (2003,pp. 136-7), embora Wittgenstein no demonstre muito interesse nas dimenses histrica e poltica do uso dosconceitos e do jogar os jogos de linguagem (sofistas), a perspectiva da filosofia da linguagem ordinriaproporciona uma inteligibilidade da contigncia poltica sem redundar em abordagens reducionistas como associolgicas e colocando a retrica como conhecimento prtico de atos de poder significativos. Como diriaKvond (2010), o rhetor gnstico. 7. A PERSISTNCIA DA APORIA HERMENUTICA: OS VCIOS HERMENUTICOSCARACTERSTICOS DA NARRATIVIDADE JURDICA TPICO-RETRICA Ao menos no campo do direito, abordado recorrentemente por Aristteles em seus estudos retricos(1998) a estrutura da petio inicial , at hoje, deveras ilustrativa da noo de dispositio podemosidentificar que Aristteles reconhece o carter prtico da retrica, j que, ainda que a veja originariamentecomo techn, o discurso jurdico tem uma vinculao direta com a poltica e a tica, compreendidas nocampo da prxis (CORRA, 2008, pp. 25 e ss.). Esse carter tico-poltico do discurso jurdico suscita,obviamente, discusses no tocante ao problema do poder da manipulao discursiva. Edwin Meese, BoydWhite e Paul Gerwitz (apud SILVA, 2001, pp. 41-42) questionam o carter tico de narrativas advocatciasdeliberadamente mentirosas em relao compreenso dos fatos albergadas, em suas conscincias, pelosadvogados. Propem, at, a construo de uma tica narrativa do advogado, que delimite at onde sua

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  • narrativa pode buscar tornar-se mais atrativa, banindo o carter sofstico da postura de grande parte dosadvogados, que Posner, juiz, pejorativamente chama de peritos em equivocar. o velho agir estratgicodenunciado por Habermas (2003) e que coloniza o mundo da vida, identificado por Plato, ainda que combase em pressupostos diversos, em Grgias, obra de acusao contra os sofistas, que desenvolviam aretrica como mera atividade estilstica de manipulao das palavras com o intuito de persuadir outrem; aprevalncia da elocutio e da exposio sobre a inventio e a dispositio. Segundo Richard Weisberg (apud SILVA, 2001, p.75), comum o registro pejorativo, at aviltante,com que a moderna fico literria narra, fazendo metalinguagem de segundo grau, a narrativa judicial doadvogado, por sua vez, metalinguagem sobre o fato relatado. So inmeros os casos de obras que conotamas artes retricas e processuais do jurista, vendo na sua efetiva presena uma provvel ausncia deconscincia tica e emptica e tornando sria aquela graa. Por outro lado, uma transposio da posturaretrica para a deciso judicial transmuda-a em ajuste narrativo compositivo entre as narrativas estratgicasdas partes, a ser autoritativamente reputado como verdadeiro, ainda que os topoi escolhidos o tenham sidoarbitrariamente; a fixao convergente do resultado da compreenso entre enunciado ftico e enunciadojurdico de que trata Larenz (1997, pp. 391-9). Atienza (2006, p.55), alis, denuncia as insuficincias da tpica, atribuindo-lhe a mera exortao dovalor da justia, sem propor uma metodologia racional capaz de expressar nas decises judiciais a relevnciadas leis, dos precedentes e da dogmtica como instncias paramtricas determinantes na busca por umaaceitabilidade no apenas formal, mas tambm material e democrtica, das decises judiciais. DenunciaAtienza (2006, p. 90), tambm, que a concepo perelmaniana cumpre uma funo ideolgica, muitas vezesconservadora, de justificar estrategicamente o direito positivo, precisamente apresentando, como imparciaise aceitveis, decises que na realidade no o so. Diante de tudo exposto at ento, temos uma aporia: como transcender, de um lado, o positivismojurdico de Hart e a indeterminao normativa no contexto de um direito que assume a validade como padrode legitimidade, e, de outro, a sofstica dos advogados e o carter autoritativo da deciso judicial, ainda quetomada como narrativa, sem negar as filosofias aristotlica e do segundo Wittgenstein? 8. CONCLUSO: O DISCURSO COMO PRAKT?R DO MYTHOS E O USO DA LINGUAGEMCOMO RHETOR DO ERGON NA RACIONALIDADE COMO RAZOABILIDADE DE AULISAARNIO Reconstruamos o curso do nosso trabalho at agora, de forma a indicar como chegamos a nossaaporia hermenutico-jurdico-decisria. Inicialmente, apresentamos a justificativa para o nosso desgnio de realizar um estudo conjunto dospensamentos filosficos de Aristteles e Wittgenstein e seus aportes na filosofia do direito e na hermenuticajurdica. O segundo tpico da exposio iniciou-se com a concepo de linguagem aristotlica, passou pelaintroduo do seu projeto de expressar o pensamento em uma estrutura lingstica formal e culminou nainfluncia do raciocnio demonstrativo na filosofia do direito. O terceiro aspecto abordado englobou a relao entre lgica e linguagem na teoria da figurao deWittgenstein como ltimo exemplo da tradio lingstica platnico-aristotlica, bem como a influncia doTractatus na Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen. O quarto objeto a ser apresentado consistiu na filosofia da linguagem ordinria do segundoWittgenstein e a sua utilizao como matriz terica por Herbert Hart. O quinto tpico estudado foi a argumentao retrica na obra de Aristteles, a distino entre suaconcepo de retrica e aquela esposada por Plato e o resgate dos entimemas no direito pela Tpica deViehweg e pela Nova Retrica de Cham Perelman. O sexto ponto tratou da possibilidade de estabelecer uma relao entre a retrica aristotlica e asInvestigaes Filosficas do segundo Wittgenstein e apontou a reunificao das atividades discursiva eprtica pela filosofia da linguagem ordinria. O stimo ponto abordou as insuficincias dos modelos jusfilosficos originados com base nasfilosofias de Aristteles e das duas fases do pensamento wittgensteiniano. Propomos, a ttulo de concluso do trabalho, uma abordagem da tese jusfilosfica de Aulis Aarnio,que procura reunir como matrizes tericas os pensamentos de Perelman, Wittgenstein e Habermas, a fim desolucionar a insuficincia hermenutica dos modelos anteriores baseados em Aristteles e Wittgenstein semabandonar o pensamento filosfico de ambos os autores. Em sua obra Lo racional como razonable (1991), Aarnio busca uma combinao entre a NovaRetrica, a Filosofia da linguagem ordinria wittgensteiniana e, como novo aporte na equao, oracionalismo discursivo habermasiano, resultando numa concepo de interpretao como soma dos jogos delinguagem. Como explica cio Oto Ramos Duarte (2003, pp. 90-104), Aarnio, aps colher de Wittgenstein apossibilidade de interpretar o conceito de auditrio com a ajuda do conceito de forma de vida e assumir que

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  • expresses s tm sentido no contexto de um jogo de linguagem, busca as teorias da coerncia e doconsenso como critrios interpretativos. Assumindo a linguagem como prtica, entende que seus jogospossibilitam o processo de comunicao, entendido este como o processo em que as pessoas alcanam ocontedo mediante uma racionalidade comunicativa, no sentido habermasiano; a linguagem concebidacomo o resultado dessa ao comunicativa. A necessidade desse processo fica muito clara ante aambigidade e vagueza da lngua. Nesse sentido, o resultado da interpretao no seria a verdade nosentido tradicional de correspondncia com o real, mas uma verdade intersubjetiva criada por meio do debateno processo argumentativo, neutralizando eventual arbitrariedade da inventio e floreios manipuladores daelocutio. Aarnio encontra o fundamento para o uso do poder jurisdicional na aceitabilidade material de suasdecises, e no em sua competncia formal; transmuda-se, assim, de um padro de autoridade formal paraum padro de autoridade material, reaproximando o direito da moral. Nesse contexto, a necessidade deoferecer justificao, tambm levantada por Perelman, uma responsabilidade de maximizar o controlepblico da deciso no contexto de uma teoria da razo que objetiva aplicar o direito de forma a contar com aaceitao geral, num processo de reconciliao entre as atitudes legalista e antilegalista. Diferentemente dePerelman, e aproximando-se, nesse ponto, de Hart, distingue as perspectivas de justificao interna e externa,colocando nessa ltima o peso da aceitabilidade valorativa da deciso. Confere, assim, uma posio central teoria dos valores e, mais especialmente, teoria da justia na misso do julgador de satisfazer a expectativade certeza jurdica sem cair em arbitrariedade e mediante uma deciso correta, equilibrando assim a tensoentre faticidade e validade abordada por Habermas mediante um consenso valorativo democrtico oriundo daposio dos valores da maioria. Como diria Kvond, o rhetor gnstico. 9. REFERNCIAS AARNIO, Aulis. Lo racional como razonable - un tratado sobre la justificacin jurdica.

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  • KVOND. The Rhetor and the Knower: Wittgenstein and Achilles. Disponvel em:kvond.wordpress.com/tag/achilles. Acessado em: 06 de fevereiro de 2010.

    LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3 Ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1997,

    trad. de Jos Lamego. OLIVEIRA, Manfredo Arajo de. Reviravolta lingstico-pragmtica na filosofia contempornea. 2 ed.

    So Paulo: Loyola, 2001. PALONEN, Kari. Quentin Skinner: History, Politics, Rhetoric. Cambridge: Polity Press, 2003. PERELMAN, Cham; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentao: A Nova Retrica. So

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    [1] A palavra, para os sofistas, era pura conveno e no obedecia nem lei da natureza e tampouco s leis divinas (sobrenatural).Como era um inveno humana, podia ser reinventada e, conseqentemente, as verdades estabelecidas podiam ser questionadas.(STRECK, 2004, p.117)

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    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 5983