Apocalipse - apostila

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PRIMEIRA PARTE Introdução Geral

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Apocalipse - apostila

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PRIMEIRA PARTE

Introdução Geral

CAPITULO PRIMEIRO

1. - O gênero literário do Apocalipse

Indicações Bibliográficas:JONES, B. W., "More about the Apocalypse as Apocalyptic, in Journal of Biblical Literature

87 (1968) 325-327.

KALLAS, J., The Apocalypse - an Apocalyptic Book?, in Journal of Biblical Literature 76 (1967) 69-80.

O Apocalipse entra obviamente no quadro da apocalíptica. Mas, mais do que o título puro e simples - nunca antes usado para indicar um livro - é a forma literária que, para lá de qualquer certeza, faz colocar o Apocalipse de João no gênero literário apocalíptico.

Quando é colocado no quadro da Apocalíptica neotestamentária, o Apocalipse adquire um relevo totalmente próprio. Os elementos proféticos e apocalípticos, que no Antigo Testamento se tinham sucedido no tempo, aqui são simultâneos e coexistentes. O autor, mesmo escrevendo um apocalipse, se sente profeta (cf. 10,11). Exatamente no prólogo, depois de ter chamado sua obra de "apocalipse", a designa como "palavras de profecia", e esta expressão retornará, com insistência particular no epílogo (cf. 20,7.10.18.19).

O Apocalipse apresenta-se, portanto, como uma síntese nova entre apocalíptica e profecia.

É o Apocalipse uma grande carta? A resposta corrente é afirmativa, mas os indícios que se encontram a propósito no próprio livro obrigam a redimensioná-la. O autor se dirige no seu livro "às sete igrejas que estão na Asia" (1,4), augura-lhes "graça e paz": estes dois elementos aparecem em todo o epistolário apostólico. Mas são suficientes para determinar o gênero literário de CARTA? A ausência, no apocalipse, de tutodos os outros elementos específicos que constituem uma carta (ou uma epístola), o fato de que a forma literária epistolar seja antes estrana à apocalíptica, deixa perplexidades. Por que, então, dirige explicitamente o livro às "sete igrejas da Asia" o augúrio de "graça e paz"? Outros indícios nos permitem uma resposta: a relação típica entre alguém que lê e muitos que escutam, expressa no início do livro, no prólogo (1,3), e lembrada a modo de conclusão no epílogo (20,21), nos colocam claramente no âmbito da assembléia litúrgica. O Apocalipse aparece-nos assim como escrito enviado às igrejas e destinado a ser lido, escutado, interpretado na assembléia litúrgica. A abundância e a freqüência dos apelos litúrgicos que ocorrem no decurso do livro confirma esta intencionalidade do autor. E é exatamente no vivo da assembléia litúrgica que o Apocalipse se torna plenamente profecia.

2. - A estrutura literária

Indicações bibliográficas:

VANNI, U., La Struttura Letteraira dell'Apocalisse, Morcelliana, Napolis 1980.Ver lá a Bibliografia completa, indicada nas pp. 313-317.

O problema, que já havia sido colocado indireta e fragmentariamente, desde os primeiros comentários patrísticos, encontrou, no início do século, uma formulação precisa: a reação à crítica literária alemã do século 19, que tinha seccionado o Apocalipse em diversas fontes, as mais disparatadas, chama gradativamente a atenção sobre o conjunto da obra, que então é estudada como um fato literário global.

As tentativas de precisar a estrutura literária do Apocalipse foram muitas e complexas. Os resultados a que até agora se chegou, parcialmente discordantes, indicam que ainda se está longe de uma solução definitiva do problema. Podemos, porém, fixar com um certo grau de probabilidade uma estrutura do Apocalipse, que se obtém somando as várias indicações de natureza literária que o próprio livro fornece a respeito.

O Apocalipse apresenta-se como uma obra unitária, precedida de um prólogo (1,1-3) e concluída por um epílogo (22,6-21).

Consta de duas partes, de tamanho desigual, mas claramente definíveis: 1,4-3,22 e 4,1-22,5. A primeira parte se constitui pelo assim chamado setenário das Cartas às igrejas. A segunda tem uma articulação literária mais complexa: consta de cinco seções:

4,1-5,14: seção introdutória: "visões do trono, do Cordeiro, entrega do livro dos sete selos.

6,1-7,17: Caracterizada pela abertura progressiva dos primeiros seis selos pelo Cordeiro. O sétimo selo abarca toda a parte subseqüente.

8,1-11,14: seção das trombetas. Caracterizada pela abertrua sucessiva das primeiras seis trombetas. A setima abarca toda a parte que segue. `As últimas tres trombetas se sobrepõem tres "ais" (8,13), criando um notável clima de tensão literária. A sétima trombeta, paralelamente ao terceiro "ai", abarca toda a seção que segue.

11,15-16,16: a seção mais complexa. Pode ser denominada de "seção dos tres sinais", com base na característica literária de fundo que ela apresenta: um primeiro "sinal", a mulher (12,1), um segundo, o dragão (12,2), um terceiro, os anjos com sete taças (15,1), tudos interligados entre si. A sétima taça engloba a parte sucessiva.

16,17-22,5: seção conclusiva. É praticamente uma apresentação do "grande dia" da intervenção final de Cristo, que, por sua parte, julga e anula todas as forças hostis, por outra parte, prepara e realiza o triunfo da "noiva", a Jerusalém celeste.

As cinco seções da segunda parte estão interligadas entre si por um desenvolvimento linear, temporal e progressivo: determina-se um crescendo contínuo que desemboca na conclusão final. Mas ao longo do livro, alguns elementos são subtraídos mendiante um sutil jogo dos tempos verbais, pelo eixo do desenvolvimento temporal, e andam livremente, para frente e para trás, com referência ao desenvolvimento linera, dando assim certo caráter "meta-histórico" ao choque das forças positivas e negativas.

2. - A língua e o estilo do Apocalipse.

Indicações bibliográricas:

LANCELLOTTI, A., Sintassi ebraica nel greco dell'Apocalisse I, Uso delle forme verbali, Assis, 1964.

MUSSIES, G., The Morphology of Koine Greek as used in the Apocalypse of St. John, Leiden 1971.

SCHOTT, R.B., The Original Language of the Apocalypse, Toronto 1928.

TORREY, C.C., The Apocalypse of John, New Haven 1958.

Numa primeira leitura, o grego do Apocalipse desconcerta e emergem imediatamente duas características de fundo: um substrato semítico evidente e uma série de anomalias, gramaticais e sintáticas, que tocam o limite do inexprimível.

Ao problema que de conseqüência se põe sobre a língua do Apocalipse, foram dadas variadas respostas. Foi dito que o texto atual do Apocalipse é uma tradução do aramaico (Torrey) ou do hebraico (Schott), mal feita, ao ponto de mostrar ainda traços não absorvidos do texto original; o autor pensa em hebraico e escreve em grego (Charles, a tal ponto de muitas anomalias se explicarem exatamente mediante a permanência, como corpo estranho, de estruturas gramaticais hebraicas em um contexto grego (Lancellotti).

Mas estas soluções, lógicas e às vezes brilhantes quanto a problemas particulares, não persuadem se aplicadas ao conjunto. É difícil pensar no Apocalipse como uma tradução: o autor aí aparece, pelo conhecimento e uso do Novo Testamento, como um intelectual e uma pessoa culta, e mostra uma personalidade excepcional. Não é um mestre em grego, mas mostra conhecer a língua: tem um vocabulário rico, tem também a sua personalidade gramatical desconcertante, mas autêntica e irrepetível. Parece, portanto, mais lógico, pensar que para exprimir a sua mensagem, único n o seu gênero, se tenha valido de uma língua igualmente original e única, com o intento de chocar o leitor, provocando neste último ativamente reações. O Apocalipse é obra consciente de uma personalidade originalíssima, também no plano expressivo.

Há um limite claro. O autor do Apocalipse, também com relação à sua linguagem, tem falta de criatividade: se dá conta das exigências expressivas, mas as satisfaz só parcialmente e de maneira brusca e sem beleza.

O estilo é reconhecido por tofdos como uma característica excepcional do autor do Apocalipse, Boismard o define "inimitável".

É difícil precisar-lhe as características, algumas das quais se movem no quadro mais geral da apocalíptica, outras, porém, são estritamente pessoais.

Há um ritmo particular que, mesmo não obedecendo seguramente a leis fixas de caráter métrico, exercita uma "tomada" toda sua, envolvendo o leitor no seu movimento. Um procedimento particular particular, típico do ritmo literário do autor, é a repetição insistente, e o entrelaçamento, em um mesmo trecho, de vários termos característicos ou e uma mesma expressão ("motivos literários"): p.ex. trono, sentado, livro e cordeiro em 4-5, mulher e dragão em 12,1...

O autor tem uma notável capacidade evocativa. Sugere pelos indícios, pelo material que depois o leitor desenvolve espontaneamente. É típico, a este propósito o seu modo de usar o Antigo Testamento: não tem nunca uma citação explícita, mas insere, muitas vezes literalmente, com algum leve retoque, inteiras expressões vétero-testamentárias, fazendo reviver o contexto do Antigo Testamento com aquela prospectiva que lhe foi acrescentada pelo Novo.

O estilo do autor tem a sua fineza: isso se vê pelo uso insistente mas nunca mecânico dos esquemas (por exemplo os setenários), pelos elegantes jogos de palavras, pelo recurso aos criptogramas (cf. 13,18), pelo uso do simbolismo que aparece, ao mesmo tempo, ousadíssimo e comedido.

O autor, no plano da linguagem, e mais em geral, no plano do material que recolhe e por cada uma de suas intuições que tem, pela sua originalidade irrepetível, poderia ser uma notável personalidade literária: um Franz Kafka, se não exatamente um Dante. Faltou-lhe a faísca genial da criatividade.

CAPITULO SEGUNDO

Autor e data de composição

1. - O Autor

Indicações bibliográficas

BEEL, A., "Traditionis testimonium circa authentiam Joanneam Apocalypsis", in CollBrug 34 (1934) 109-113.

HELMBOLD, A., "A Note on the Authorship of the Apocalypse", in NTS 8 (1961s) 77-79.

KÄSEMANN, E., "Ketzer und Zeuge, zum johanneischen Verfasserproblem", in ZThK 48 (1951) 292-311.

Podemos dar um nome da esta personalidade original?O problema é antigo, debatido ainda hoje e não apresenta ainda soluções definitivas.

A. FEUILLET fornece um panorama claro da questão (L'Apocalypse. État de la question , Paris-Bruges, 1963, pp. 81-90).

1. O Apocalipse é de João, o apóstolo, autor do quarto evangelho. É a opinião prevalente no meio católico. Os que a sustentam são entre outros: Allo, Braun, Camps, Féret, Gelin, Tillmann, Sickenberger, Vaganay, Feuillet, Stramare, de la Potterie, como também os não católicos Behm, Michaelis, Menoud.

2. O Apocalipse e o quarto evangelho são, ambos, de um único autor desconhecido, diverso de João o apóstolo: Harnack, Lohmeyer, (Goguel).

3. O Apocalipse é de João, o apóstolo, que porém não é considerado autor do quarto evangelho: De Wette, Reuss, Holtzmann, Kiddle.

4. O Apocalipse não é de João, o apóstolo, que é considerado ou não autor do quarto evangelho. Apocalipse e quarto evangelho são, de qualquer maneira, de mão diversa: é a opinião mais difundida no meio protestante: Loisy, Charles, Baldensperger, Windisch, Renan, Kraft. Entre os católicos é sustentada por Boismard, Wikenhauser e, na antiguidade, por Dionísio de Alexandria.

Como orientar-se neste problema? O primeiro ponto a ser esclarecido é a consistência histórica a respeito.

No arco do 2º século, o Apocalipse é atribuído concordemente a João, o apóstolo. Citamos os exemplos mais significativos: Justino (+150), Ireneu (+202 mais ou menos), Clemente Alexandrino (+211/215), Tertuliano (+222/223).

Não faltam vozes dissidentes: mas essas são mais devidas à negação da canonicidade ou a expedientes polêmicos contra os hereges (p.ex. Gaio). Papias atribui o Apocalipse a João, "o presbítero".

No arco do 3º século, por uma parte a atribuição a João, o apóstolo, continua, repetindo as expressões que encontramos no 2º século (assim Orígenes, Hipólito, Cipriano...); por outro lado afirma-se a tendência de considerar o Apocalipse canônico, mas distinguindo-o do quarto evangelho e das Cartas de João.

O representante mais típico desta tendência é Dionísio de Alexandria "Não posso facilmente conceder que este (o autor) seja o apóstolo, o filho de Zebedeu,

o irmão de Tiago, a quem se deve o evangelho intitulado, justamente, de João e a epístola católica" (Em Eusébio, Historia Ecclesiastica, 7,24 (7) ).

"Conjeturo a partir do caráter dos dois escritos, da forma da dicção e do plano de execução, como se diz, da obra, de que não se trate de um memo autor" (Idem (8) ).

"O Apocalipse é de um gênero totalmente diverso e diferente destes escritos. Não há entre eles contato nem parentesco. Ele não tem com eles, por assim dizer, nem mesmo uma sílaba em comum" (22).

Para uma avaliação crítica destes dados, notamos: os testemunhos a favor não acrescentam nada a quanto se encontra no livro mesmo, donde parecem derivarem. O simples nome "João" sugeria espontaneamente a atribuição a João o apóstolo, como o nome "Pedro" induziu Clemente de Alexandria a atribuir mesmo a Pedro o apócrifo Apocalipse de Pedro (cf. Eusébio, His.Eccl. 6,14,1).

Não aparece portanto uma tradição histórica verdadeira e própria, confiável, que vá além da atribuição espontânea de quem lia e das notícias deduzidas do próprio livro.

O argumento, portanto, da tradição, permanece inevitavelmente genérico e não constringe. O mesmo deve dizer-se a respeito do argumento lingüístico-teológico. Todas as semelhanças e as correspondências notadas têm um aspecto (risvolto) negativo que as limita e as relativiza: o simbolismo, por exemplo, é próprio tanto do Apocalipse quanto do quarto evangelho, mas sua colocação (impostazione) e seu desenvolvimento são diversos; ambos os escritos têm estilo rítmico e grecidade semitizante, mas não se encontram no quarto evangelho nem o martelamento literário típico do Apocalipse, nem as suas asperezas gramaticais; o Cordeiro é um tema cristológico comum a ambos, mas - mesmo prescindindo do termo diverso: áìvoò no quarto evangelho, áñvéov no Apocalipse -, o conteúdo e o desenvolvimento são desproporcionados entre si. A exemplificação poderia continuar, mas já se impõe uma conclusão: permanece, mesmo do ponto de vista das afinidades lingüístico-teológicaas, certa ambigüidade e assim um certo vazio, que não permitem a identificação dos dois autores.

É possível, no intento de preencher este vazio, uma solucção "literária" do problema?O fenômeno da pseudonímia apocalíptica fornece alguns elementos esclarecedores.

Este se encontra documentado em quase todos os escritos apocalípticos, ao ponto de ser considerado com direito uma característica constante deles. O autor real do livro apocalíptico se refere a um personagem célebre do passado, próximo ou remoto, com o qual sente uma afinidade particular. A revelação apocalíptica é colocada diretamente na boca deste personagem no passado, que assim fala e age em primeira pessoa. Não é uma falsificação literária, não é um plágio, mas é uma simples relação ideal que o autor estabelece com este personagem famoso. E este fato tem um significado porque indica já uma direção hermenêutica.

Citamos alguns exemplos: II Henoq: "naquele tempo, quando eu tinha completado 356 anos, em um certo dia do

segundo mes eu estava sozinho em casa..." (Charles, Pseudepigrapha of the O.T., p. 431).II Baruc: Se refere a Baruc, ao tempo de Jeconias: depois de uma introdução, fala em

primeira pessoa.Apocalipse de Pedro: "... Eu, Pedro, insisti..." (Erbetta, vol. III, p. 219).IV Esdras: "No trigésimo ano depois da queda da cidade santa, eu, Salatiel - que sou

igualmente Esdras - estava na Babilônia..." (Charles, p. 561).

Encontramos o fenômeno da pseudonímia literária também no Apocalipse? As primeiras palavras do livro - "ao seu servo João" 1,1 -, o discurso constantemente em primeira pessoa, sujerem uma resposta afirmativa. O autor do Apocalipse, então, seria diverso de João, o apóstolo. Exatamente porque se apresenta com o nome de João, não seria ele, mas se trataria de um admirador de João, talvez um discípulo, o qual, mesmo apresentando material próprio, se coloca na trilha ideal do mestre.

2. - Data e lugar de composição

Indicações bibliográficas

NEWMAN, B., "The Fallacy of the Domitian Hypothesis. Critique of the Irenaeus Source as a Witness for the Contemporary-Historical Approach to the Interpretation of the Apcalypse", in NTS 10 (1962s) 133-139.

SCHÜTZ, R., Die Offenbarung des Johannes um Kaiser Domitian, Göttingen 1933.

A conclusão de que o autor seja um possível discípulo de João o apóstolo nos desloca ao menos para o fim do primeiro século. Um testemunho de Irineu parece ser uma confirmação clara:

"Se houvesse sido o caso de proclamar o nome abertamente hoje, este seria revelado por aquele que viu o Apocalipse. Não passou muito tempo de quando este foi visto, mas quase na nossa geração, lá pelo fim do reino de Domiciano (... ðñoò ôù ôåëåé Äoìåôéávoõ áñçò, Adv Haer V,30)."

Este testemunho parece historicamente sólido mesmo se não faltam dificuldades de outro gênero (por ex. o uso arcaico do termo euaggelion em 14,6). Ulteriores precisações - que por exempo os capítulos 13-17 tenham sido escritos entre julho de 97 e o início de 98 (cf. Kraft, p. 10) - são discutíveis e talvez arbitrárias.

CAPITULO TERCEIRO

Mensagem teológica do Apocalipse

I. Temas teológicos gerais

Indicações bibliográficas

GUTZWILLER, R., I misteri dell'Apocalisse (Tr. di B. Nicolini), Roma 1963.

LADD, G. E., "The Theology of the Apocalipse", in Gordon Review 7,2s (Beverly Mass. 1963s) 73-86.

NICOLAINEN, A.T., "Über die theologische Eigenart der Offenbarung des Johannes", in Theologische Literaturzeitung 93 (1968) 161-170.

No quadro da teologia do Apocalipse adquirem relevo alguns temas gerais. Esses são comuns a todos os escritos do Novo Testamento. No que diz respeito ao Apocalipse, porém, constituem como que pontos de cristalização característicos e já lhe especificam a mensagem: Deus, Jesus, o Espírito, a Igreja.

Damos para cada um destes temas um sumário analítico com alguma indicação conclusiva de síntese.

1. Deus

Bibliografia

HOMMEL, H., "Pantokrator", in ThVat 5 (1954) 322-378.

Os elementos mais característicos aparecem nos "títulos" dados a Deus.Deus: sem outros acréscimos é o título mais freqüente (65 ocorrências); sugere o significado dado a Deus (Jhwh, 'Elohim...) no Antigo Testamento, compreendido no mais das vezes genericamente e que o contexto de alguma maneira especifica (cf. 1,1.9; 2,7; 3,14; 5,6.9.10; 8,2.4; 9,13; 11,16, etc.). Tem toda esta carga de profundidade de significado própria do Antigo Testamento.

Senhor, Deus, o onipontente: 1,8; 4,8; 11,17; 15,3; 16,7.14; 18,8; 19,6.15; 21,22; 22,56). Apesar de não se um equivalente fixo de "Senhor, Deus dos exéricitos", a expressão tem suas raízes no Antigo Testamento e se refere à energia divina, que remove qualquer obstáculo, empregada por Deus na história da salvação, especialmente nos seus momentos cruciais.

Santo: (hágios)é dito de Deus (4,8; 6,10), mas não é reservado exclusivamente nem principalmente a Ele: santo (hágios) é Cristo (3,7), o são os anjos (14,10), os cristãos (8,3.4; 11,18; 13,7.10; 14,12 etc.), o é Jerusalém (11,2; 21,2.10 etc.). Indica a "sacralidade" em geral. Santo, (hósios) porém, é aplicado somente a Deus, em sentido exclusivo, mesmo ocorrendo somente duas vezes ( monos hósios, 15,14; ho hósios, 16,5): exprime a retidão suprema, a coerência consigo mesmo que Deus tem no desenvolvimento da história da salvação.

Justo referido a Deus pessoalmente (16,5) ou às suas "vias" (15,3) e aos seus juízos (16,7; 19,2), indica a retidão de Deus que, aplicada à história, restabelece o equilíbrio perturbado entre bem e mal. É como o correspondente objetivo daquela retidão pessoal, expressa pelo título hósios.

Sentado: se diz de Deus que "senta" subre o seu trono, indica o seu domínio sobre tudo (6,16; 7,10 etc.).

Pai de Cristo (1,6; 2,28; 3,5.21; 14,1): é o epíteto que ocorre sempre na boca de Cristo. Cristo é e se exprime como Filho do Pai, no sentido mais profundo do termo. Mas Deus, Pai de Cristo, é posto em relação com os cristãos; estes são sacerdotes para o Deus e pai dele (1,6); Cristo reconhecerá o nome deles diante do Pai (3,5); os fiéis têm sobre suas frontes escrito o nome do Pai(14,1).

Deus meu, dito por Cristo (3,2.12ter) exprime a relação de pertença recíproca, real e afetiva, que intercorre entre Cristo e Deus.

Deus nosso (11,10; 19,1.6; 21,3), tem o valor de recordar o pacto, mas indica a tendência para um modo de pertença completa, que supera o pacto (cf. 21,3).

Vivente, ou aquele que vive (4,9.10; 7,2; 10,6; 15,7): na linha do Antigo Testamento, se indica Deus que, na plenitude da vida supera qualquer elemento humano, qualquer limitação de tempo.

Recolhendo todos estes elementos analíticos em uma visão sintética mais geral, poderemos afirmar que para o Apocalipse Deus é aquele que é, aquele que era e aquele que vem (1,8; 4,8; 11,17; e 16,5 só que é, era), em sentido transitivo e ativo em relação à história da salvação. Dominando tudo com a sua potência, Ele põe em movimento todo o processo salvífico, o faz desenvolver-se no tempo, remove e aniquila, mediante a contraposição dialética entre forças ativas e negativas, todo o mal, tanto moral quanto físico. Por fim, eliminados todos os obstáculos, poderá renovar tudo e estar tanto com a comunidade salva, a Jerusalém celeste, quanto com cada indivíduo em uma relação de particular intimidade (cf. 21,7; 21,22 e ss.).

2. Cristo

Bibliografia

BOVON, F., "Le Christ de l'Apocalypse", in RThPh 105 (1972) 65-80.

COMBLIN, J., Le Christ dans l'Apocalypse, Paris 1965.

GUTZWILLER, R., Herr der Herrscher; Christus in der Geheimen Offenbarubng, Einsiedeln 1951.

HOLTZ, T., Die Christologie de Apokalypse des Johannes, Berlin 1971.

SABUGAL, S., "El titulo Christós en el Apocalypsis", in Augustinianum 12 (1972) 319-340.

A cristologia do Apocalipse é particularmente rica e aprofundada, sem dúvida uma das mais elaboradas do Novo Testamento. O autor tem um senso agudo de Cristo, não menos de quanto o tem de Deus.

Os "títulos" dados a Cristo e que permitem uma primeira panorâmica sobre o material cristológico do Apocalipse, são particularmente numerosos e muitos são característicos.

Jesus ( ocorre sozinho 9 vezes (1,9bis; 12,17; 14,12; 17,6; 19,10bis; 20,4; 22,16. A freqüência indica uma atenção particular ao Jesus histórico (Charles, Comblin), ou, talvez preferencialmente, uma insistência sobre a relação com a pessoa.

Jesus Cristo: 1,1.2.5; 22,21), Cristo (11,15; 12,10; 20,4.6): indica, genericamente, a função messiânica; o contexto às vezes (cf. 11,15; 12,10) especifica e indica Cristo que, associado a Deus, toma posse do reino.

Senhor, Rei (Senhor Jesus ): 22,20.21, Senhor (11,8; 14,13; 22,20.21), Senhor dos Senhores, rei dos reis (17,14; 19,16). O título tem às vezes uma acentuação litúrgica (cf. 22,20.21). Normalmente indica, especialmente na forma acentuada típica do Apocalipse (17,14; 19,16), a energia irresistível de Cristo explicitada (esplicata) contra as forças hostis.

Cordeiro: fazendo seu um tema tomado provavelmente do êxodo e do Deutero Isaías, o autor nos apresenta Cristo como o cordeiro pascal resgatador, morto (5,6.12), glorificado (5,6), que, vencendo, sobe ao trono de Deus (6,1.16; 7,9.10.11.15.17 etc.: as ocorrências são num total de 29).

Semelhante a um filho de homem: 1,12; 14,14: Mesmo se, substancialmente coincide com o título cristológico muito difundido nos evangelhos, não parece derivar destes últimos, mas diretamente de Daniel (cf. Dn 7,13) e ocorre em um contexto de glorificação e de juízo em que algumas características próprias de Deus no Antigo Testamento são transferidas para Cristo.

o Verbo de Deus: 19,13: é nome característico de Cristo, dado a Ele com grande solenidade literária; indica a sua realidade transcendente, na trilha do prólogo do quarto evangelho, mas vista no contexto dinâmico da conclusão da história da salvação.

o Filho de Deus: 2,18: Cristo é dito Filho de Deus no sentido mais pleno da palavra, assim como Deus é dito Pai de Cristo (cf. supra).

o Verdadeiro: 3,7; 6,10; 19,11: o título qualifica ao máximo o testemunho de Cristo.

o santo ( ho hágios): 3,7: indica a pertença toda especial de Cristo à esfera própria de Deus.

o que vive: 1,18: próprio de Deus (cf. supra), o título "o que vive" é dado também a Cristo em base à sua ressurreição.

o primeiro e o último, o alfa e o ômega: 1,17; 2,8; 22,13): ditos a respeito de Deus c(cf. 1,8; 21,6), estes títulos são transferidos a Cristo que, em relação com o mistério pascal, é indicado como estando no início e na conclusão da série homogênea representada pela história da salvação.

a testemunha fiel: 1,5; 3,14; cf. 19,11: Cristo é a testemunha fiel enquanto é uma atestação continuada, perfeita e plenamente digna de fé (credibile), de Deus e do seu projeto salvífico. Neste sentido Cristo é no Apocalipse também chamado ( o ) amém (3,14; 1,7?).

o príncipe dos reis da terra: 1,5: o título indica a supremacia de Cristo sobre todas as forças hostis a Deus, organizadas historicamente e por isso mesmo chamadas reis da terra (1,5; 6,15; 17,2.18; 18,3.9; 19,9; 21,24; as forças hostis se transformam radicalmente). O título ocorre também de modo reforçado ( rei dos reis: 17,14; 19,16) unida a senhor (kyrios) e exprime então propriamente a supremacia dinâmica de Cristo.

o leão da tribo de Judá: 5,5: a expresão põe em relação a plena realização messiânica da descendência davídica (cf. 3,7: o que tem a chave de Davi, 22,16: o rebento e a descendência de Davi, com a energia messiânica que deriva do mistério pascal.

o primogênito dos mortos: 1,5: é o Cristo ressuscitado, primeiro de uma série de filhos de Deus ressuscitados.

Aquele que possui os sete espíritos de Deus 3,1: indica a supremacia de Cristo também sobre os anjos superiores, aqueles que estão diante do trono de Deus (4,5). É uma supremacia dinâmica: Cristo envia os anjos-espíritos sobre toda a terra (5,6). Ou, talvez preferível, se trata de Cristo que envia o espírito nas várias operações e aspectos que este depois assume na sua missão.

A brilhante estrela da manhã: 22,16; cf. 2,28): Jesus ressuscitado é a estrela luminosa da manhã, que, em prospectiva escatológica, "desponta no coração" (cf. 2Pd 1,19) dos seus fiéis.

Uma apresentação sintética da cristologia do Apocalipse se tem antes de tudo na "visão" inicial (1,12-20): morto e resuscitado, dotado de todas as prerrogativas de Deus, vivendo na sua igreja e por ela, Cristo a segura pela mão e a empurra adiante energeticamente. Ele antes de mais nada a julga com a sua palavra, purificando-a desde o seu interior (caps. 1-3), a ajuda então a discernir a sua ora, a sua relação com as forças históricas hostis. As derrota juntamente com ela, tornando-a assim completamente esposa (caps. 4-21). Assim Cristo sobe ao trono de Deus, prolongando na realização histórica da igreja aquela que tinha sido sua vitória pessoal, obtida pela ressurreição. Neste sentido Ele é, para o autor do Apocalipse, o Cordeiro (cf. supra), título característico da Segunda Parte.

3. O Espírito

A teologia do Espírito Santo no Apocalipse se apresenta com indicações sóbrias, escarnadas à primeira vista, recolhidas juntas, constituem um quadro particularmente interessante.

O Espírito, como em geral no Antigo Testamento, pertence a Deus, é uma sua prerrogativa: é o Espírito de Deus que está, na sua plenitude, diante dEle (os "sete Espíritos de Deus", conforme uma interpretação provável de 1,4; 4,5). O Espírito de Deus na totalidade das suas manifestações concretas, torna-se - como parece indicar também o complexo simbolismo dos æùá - uma energia que parte da transcendência divina e opera a nível da história humana: é a energia que invade o autor do Apocalipse (cf. 1,10; 17,3; 21,10), que dá a vida da ressurreição (11,11).

O Espírito, totalidade da energia divina transcendente, que entra em contato com a história humana, pertence a Cristo, que "tem os sete Espíritos de Deus" (3,1), o Espírito na sua totalidade e o envia sobre a terra (cf. 5,6).

Enviado sobre a terra, o Espírito se manifesta e age como pessoa, torna-se simplesmente "o Espírito", (to pneuma). Mas isto se verifica em contato com a igreja: o Espírito revela (14,13), anima a igreja no seu amor de esposa e lhe sustenta a espera escatológica (22,6).

4. A Igreja

Indicações bibliográficas

AUNE, D.E., "St. Johne's Portrait of the Church in the Apoc." in The Evangelical Quarterly 38 (1966) 131-157.

CERFAU, L., "L'Église dans l'Apoc." in Recherches Bibliques 7 (1965) 111-124.

MINEAR, P.S., "Ontology and Ecclesiology in the Apocalypse", in NTS 13 (1965s) 351-361.

NIKOLAINEN, A.T., "Der Kirchenbegriff in der Offenbarung des Johannes" in NTS 9 (1962s) 351-361.

STRAMARE, T., "La Chiesa nell'Apocalisse" in Tabor 38 (1965) 38-53.

Deus se revela, se exprime em Cristo, testemunha fiel; Cristo envia o seu Espírito que é recebido na Igreja: se passa assim, de Deus a Cristo, ao Espírito, à Igreja, sem solução de continuidade.

O autor conhece e usa o termo ekklesía: esse designa para ele a igreja local, bhem identificada na sua circunscrição geográfica (2,1 etc.). Mas se fala de "igrejas", também no plural (cf. 22,16), e então o discurso se faz repentinamente mais geral. Não só: mas também quando insiste sobre as dteterminações locais, exprime, mediante o número 7, uma totalidade generalizada: "as 7 igrejas que estão na Asia" (1,4.11.20) constituem o conjunto perene das igrejas para além das concretizações espácio-temporais.

São características do autor do Apocalipse algumas imagens que exprimem ou ilustram o seu conceito de Igreja: a igreja é uma totalidade litúrgica em que está presente Cristo ( os 7 candelabros de ouro: 1,20; 2,1); a igreja, terrestre, tem uma sua dimensão transcendente (anjos das sete igrejas; cf. 1,20, etc.); a igreja celeste e terrestre ao mesmo tempo deve exprimir no contexto (travaglio) das perseguições, o seu Cristo ( a mulher envolta

de sol cf. 12,1ss). A igreja é o conjunto do povo de Deus com toda a carga que este conceito tem no Antigo Testamento, tanto no estágio de peregrinação, quanto na situação final é a Jerusalém terrestre (cf. cap. 11) e a Jerusalém celeste (21,1 - 22,5), fundada sobre os apóstolos do Cordeiro (cf. 21,14); é ligada a Cristo por um vínculo indissolúvel de amor, é a "esposa" (cf. 21,2.9; 22,17).

É exatamente na união destas duas imagens, cidade e esposa, que se realiza no final do Apocalipse (21,1 "... como esposa"; 22,9-10: a cidade-esposa) a síntese da eclesiologia do Apocalipse: a igreja é ligada a Cristo por um amor que não deve cair de nível (cf. 2,4), que deve crescer até à intimidade familiar (3,20), vencendo todas as negatividades interiores; é o aspecto mais pessoal, que interessa às pessoas individuais; mas a igreja é também cidade: tem um aspecto social, que se desenvolve na sua linha, vencendo as negatividades hostis exteriores.

Quando este duplo processo, interno e externo, se tiver ultimado, então, e só então, se terá uma síntese perfeita entre os dois: a igreja, "santa", "amada", esposa capaz de amar, será a cidade na qual não poderá entrar nada de contaminado. Estaremos na fase escatológica final.

II. Temas específicos

Alguns temas teológicos, mesmo ocorrendo em medida mais ou menos extensa também em outros escritos do Novo Testamento, assumem no Apocalipse uma colocação (impostazione) e uma estruturação típicas.

1. A Escatologia

Indicações bibliográficas

BANDSTRA, A.J., "History and Escatology in the Apocalypse", in Calvin Theological Journal 5 (1970) 180-183.

BARTINA, S., "La Escatología del Apocalipsis", in Estudios Bíblicos 21 (1962) 297-314.

FIORENZA, E., "The Escatology and Composition of the Apocalypse", in CBQ 30 (1968) 537-569.

Le FROIS, B.J., "Escatological Interpretation of the Apocalypse", in CBQ 13 (1951) 17-20.

A eclesiologia desemboca na escatologia. A escatologia é, a juízo unânime, um dos temas teológicos mais característicos do Apocalipse: a insistência sobre o tempo que passa e que não tem mais prorrogação, as ameaças, o simbolismo das agitações (sconvolgimenti) cósmicas, o desenvolvimento literário para frente em direção a uma conclusão final, etc., falam-nos todos de escatologia.

Mas não é fácil recolher estes elementos dispersos em uma síntese precisa. Podemos fixar alguns traços fundamentais.

O arco da história da salvação, abarca, explicitamente, no Apocalipse, todos os tempos: o presente, o passado, o futuro: isto é expresso, além de outras, pela frase característica aquele que é, que era e que vem (cf. 1,4.8 etc.).

Existe, no Apocalipse, um a tensão em direção a um ponto de chegada final: no-lo indica a análise da estrutura literária, que nos revela um suceder-se em crescendo das várias seções: no-lo diz também o tempo que, conforme a concepção do Apocalipse, tem um ritmo de decorrência veloz: o tempo (kairós) está próximo(1,3).

A última seção, que inicia quando chegou o grande dia (cf. 16,14): a seção inicia com 16,17), é como que uma descrição simbólica disto: nos apresenta o ponto de chegada: o mal, personificado pela prostituta, pelos reis da terra, pelos dois monstros, por satanás, pela morte e atualizado historicamente pelos homens que se colocaram em posição de hostilidade a Deus, é debelado definitivamente: segue a renovação geral, o triunfo da võìöç, a Jerusalém celeste.

Existe a respeito desta fase cronológica final, uma antecipação de salvação reservada a uma parte do povo de Deus mas funcional em relação ao conjunto, que é expressa nos 144.000 assinaldaldos das doze tribos de Israel (7,1-8), nos 144.000 com o cordeiro sobre o monte Sião (14,1-5), nas "duas testemunhas" (11,1-13), naqueles que participam do reino milenário de Cristo (20,1-6).

2. Teologia da história

Indicações bibliográficas

FÉRET, H.M., L'Apocalypse de S. Jean, vision chrétiènne de l'histoire, Paris 1943.

GIET, S., L'Apocalypse et l'Histoire, Paris 1957.

RISSI, M., Was ist und was geschehen soll danach; Die Zeit- und Geschichtsauffassung der Offenbarung des Johannes, Zürich- Stuttgart 1965.

TOUILLEUX, P., L'Apocalypse et les Cultes de Domitien et de Cibèle, Paris 1935.

A escatologia do Apocalipse, com esta riqueza e complexidade de elementos, não permite uma fuga para frente em relação à realidade em que a igreja vive. A escatologia está ancorada na história.

O Apocalipse, de fato, tem como sua matéria específica "aquilo que deve acontecer", exatamente a história, entendida no seu conteúdo concreto.

Qual história? A história contemporânea ao autor, nos dizem com diversas nuances Giet (guerra judaica), Touilleux (culto de Cibele, culto do imperador), Feuillet (conflito com o judaísmo, com o paganismo, triunfo subseqüente), etc. O Apocalipse exprime, a respeito desta história, uma interpretação religiosa: a comunidade que ouve estará em condições de compreendê-la e apreciá-la.

A história futura, a história universal da igreja, nos dizem Giocacchino de Fiori e Nicolau de Lira. O Apocalipse é uma profecia no sentido usual do termo: revela as grandes constantes históricas concretas, nos instrui sobre aquilo que será o desenvolvimento evolutivo

dos grandes períodos. A comunidade eclesial de cada tempo poderá portanto prever, ouvindo, o desenvolvimento de fato da história e tirar assim as suas próprias conclusões.

São inegáveis no Apocalipse as chamadas (richiami) e conexões (agganci) com fatos contemporâneos do autor, tanto na primeira quanto na segunda parte. Mas não parece que o autor se atenha a eles. O simbolismo arranca estes fatos da sua concretude histórica isolada e lhes dá ao mesmo tempo uma leitura teológica paradigmática. Daí emergem "formas" de inteligibilidade teológica. Tais "formas" têm como transfundo genérico o eixo do desenvolvimento linear da história da salvação e neste sentido se referem ao futuro de qualquer tempo; mas, tomadas singularmente, podem ser deslocadas para frente e para trás em relação ao desenvolvimento cronológico; tomadas no seu conjunto, constituem como um grande paradigma de inteligibilidade teológica que se pode aplicar à realidade histórica concreta.

A história concreta não é portanto o conteúdo próprio do Apocalipse; mas aí estão contidas formas de inteligibilidade quase "a priori" com respeito ao fato histórico: deverão depois encher-se do conteúdo histórico concreto, iluminando-o, e esvaziar-se deles logo em seguida.

Mas quem fará a aplicação das formas de inteligibilidade à matéria histórica? A comunidade eclesial que ouve.

3. O tema teológico unitário de fundo no Apocalipse: a igreja purificada, discerne a sua hora.

Indicações bibliográficas

BROWNLEE, W.H., "The priestly Character of the Church in the Apoc.", in NTS 5 (1958s) 224s.

BRINKMANN, B., "De visione liturgica in Apoc. S. Ioh.", in Verbum Domini 11 (1931) 335-342.

DELLING, G., "Zum gottesdienstlichen Stil der Johannes-Apocalypse: Delling, Studien zum Neuen Testament und zum hellen. Judentum, hrsg. v. Ferd. HAHN, (G 1970) 425-450, in Novum Testamentum 3 (1959) 107-137.

LÄUCHLI, S., "Eine Gottesdienststruktur in der Johannesoffenbarung", in Theologische Zeitschrift Basel 16 (1960) 359-378.

PIPER, O.A., "The Apocalypse of John and the Liturgy of the Ancient Church", in Church History 20 (1951) 3-14.

PRIGENT, P., Apocalypse et Liturgie, Neuchâtel 1964.

A comunidade eclesial, situada no desenvolvimento linear da história da salvação entre o "já" e o "ainda não", se põe antes de tudo em um estado de purificação interior, submetendo-se ao "juízo" da palavra de Cristo. Renova-se, tonifica-se interiormente, torna-se apta a perceber ("quem tem ouvido..." 1,7...) a voz do Espírito.

Nesta situação interior ela é convidada a subir ao céu (cf. 4,1) e a considerar lá de cima os fatos que do exterior lhe dizem respeito.

Aplicando aos fatos os esquemas de inteligibilidade correspondentes, a igreja estará em condições de compreender, mediante um tipo de reflexão sapiencial, a sua hora em relação às realidades históricas que lhe são simultâneas.

Esta reflexão sapiencial e atualizante é o último passo na hermenêutica do Apocalipse e atualizante é o último passo na hermenêutica do Apocalipse (segue a decifração do símbolo) e se realiza no contexto litúrgico da assembléia que ouve e discerne (cf. 1,3; 13,18 etc.).

E este é o ponto focal, a chave (chiave di volta) do edifício teológico do Apocalipse.O autor o põe em relevo com o caráter marcadamente litúrgico que imprime a todo o

livro: os elementos litúrgicos mais exteriores ("dia do Senhor", 1,10) são levados pelo autor a uma profundidade de experiência litúrgica sem precedentes: a liturgia se desenvolve sobre a terra mas tem um influxo determinante no céu; constitui a expressão da comunidade eclesial, consciente da presença de Cristo e do Espírito Santo (cf. o "diálogo litúrgico de 22,6-21).

Nesta situação litúrgica a igreja se purifica e discerne a sua hora. Isto significa a possibilidade e a capacidade de uma leitura religiosa, em profundidade, da história simultânea. A história simultânea, por sua vez, se enquadra no grande contexto da escatologia.

Mais em geral, nesta ação de purificação antes do discernimento, portanto, a comunidade descobre a sua identidade com todas as implicações e toma consciência disso; compreende que é animada pelo Espírito Santo, descobre, então, o Cristo do mistério pascal presente que a purifica, a ilumina, combate e vence com Ela; descobre, através de Cristo e da sua obra, a imensidão inefável do Deus "santíssimo", "que domina tudo", mas que é, ao mesmo tempo, Pai de Cristo e Pai nosso.

CAPITULO QUARTO

Critérios Hermenêuticos

Bibliografia

CAIRD, G.B., "On Deciphering the Book of Revelation", in ExpTim 74 (1962/3) 13-15. 51-53. 82-84. 103-105.

CAMBIER, J., "Les images de l'Ancien Testament de S. Jean", in NRTh 77 (1955) 113-122.

FEUILLET, A., "Les diverses méthodes d'interpretation de l'Apocalypse et les commentaires récents", in Ami du Clergé 71 (1961) 257-270.

FÖRSTER, W., "Bemerkungen zur Bildsprache der Offenbarung Johannis", Fs. für G. Stählin, Wuppertal 1970, 225-236.

Para que a mensagem teológica do Apocalipse possa ser compreendida e assimilada pela comunidade eclesial em oração, se requer uma mediação hermenêutica. Isto vale para todos os livros da Bíblia, mas vale de modo particular para o Apocalipse: a sua linguagem, o seu simbolismo difícil pode dar lugar, se não for adequadamente compreendido, àquelas interpretações fantasiosas que muitas vezes lhe desfazem o valor.

A mediação hermenêutica do Apocalipse passa através de várias fases, que compreendem o aspecto literário, o simbolismo, a atualização.

1. O aspecto literário

É necessária uma aproximação (approccio) literária. A linguagem difícil e desconcertante do Apocalipse (cf. supra cap. I, n. 3: A língua e o estilo do Apocalipse) requer um controle (messa a punto) acurado de todos os elementos gramaticais e lingüísticos para que o texto possa ser percebido na sua força de choque.

Em particular se requer uma tomada de consciência da arquitetura de conjunto do livro, da sua estrutura literária. Quando este problema, ao menos nos seus elementos essenciais, é afrontado seriamente, alcança-se un notável nível de conjunto (cf. Allo, Charles, Lohmeyer); quando se subestima este aspecto (Brütsch) ou é descuidado (Kraft), se permanece, apesar de tantas agudas observações, inevitavelmente na superfície, e o conjunto escapa facilmente.

2. O Simbolismo

Intimamente ligado ao aspecto literário, não menos desconcertante do que esse, é o simbolismo do Apocalipse.

Para compreendê-lo, são necessárias precisações.

O discurso simbólico é sempre destacado daquela que é a expressão nua e crua da realidade. Mas o distanciamento tem no Apocalipse uma estrutura própria, um mecanismo particular: acontece em disparos sucessivos que se afastam assim sempre mais da expressão realística. Sobre o que podemos chamar de base realística, tem-se como que um crescimento, às vezes mesmo uma fuga para o alto: se forma, por assim dizer, toda uma coluna simbólica, com vários níveis sucessivos.

Ilustramos com um exemplo:

5,6: a intuição de base é Cristo redentor, apresentado como Cordeiro. Sobre esta base temos um primeiro nível: cordeiro em pé : Cristo é apresentado como Cordeiro e se allude à sua ressurreição.Um segundo nível: "como imolado" exprime a morte de Cristo.Um terceiro nível: "tendo sete chifres" sete chifres: indica a totalidade da força: é a força messiânica.Um quarto nível: "tendo sete olhos" que, como o autor explica, exprimem os "sete espíritos de Deus" (a totalidade da ação do Espírito) mandados sobre toda a terra.Os diversos níveis são pensados e interpretados sucessivamente, um após outro, sem querer construir um quadro visual de conjunto. O equivalente realístico final será: Cristo morto e ressuscitado, com a plenitude da sua potência messiânica, que possui e envia o Espírito. Tudo isto será relembrado pelo autor com o único termo Cordeiro.

Além da estrutura, o simbolismo do Apocalipse tem outros elementos próprios: é, em geral, um simbolismo reflexo, não espontâneo, e às vezes descamba no tortuoso. Além disso, material simbólico é simplesmente recolhido e acumulado junto e requer, para ser plenamente utilizado, uma elaboração ulterior: o Apocalipse fornece o material simbólico em estado bruto.

Como passar do estado bruto ao estado de elaboração, como decifrar o simbolismo do Apocalipse?

Deve-se, antes de tudo, ter presente a equivalência realística das principais cifras simbólicas. Tal equivalência não é um simples substitutivo do símbolo, que tem sempre uma força de concentração e de expressão superior, mas é um auxílio indispensável para poder compreendê-lo e decodificá-lo.

Damos um elenco das principais cifras simbólicas usadas pelo Apocalipse, com as suas equivalências realísticas.

As agitações cósmicas (sol negro, lua que se torna sangue, estrelas que caem, terremotos, devastações, etc.). O seu equivalente realístico, aquilo que exprimem, é a presença imediata de Deus na história, aquela mesma presença que advertiríamos se as agitações narradas no símbolo acontecessem realmente.

O simbolismo teriomorfo: é expresso pela intervenção de animais como protagonistas de acontecimentos, tanto em sentido positivo quanto negativo (cordeiro, leão, cavalos, gafanhotos, os dois monstros, etc.). O equivalente realístico do símbolo teriomorfo é uma realidade situada acima do homem e abaixo de Deus, em certo sentido transcendente e que se desenvolve segundo leis de desenvolvimento igualmente transcendentes. Uma intuição semelhante a esta se encontra em várias obras de F. Kafka (por exemplo: A metamorfose).

O simbolismo aritmético. Os números têm normalmente um valor qualitativo que vai além da pura quantidade que eles indicam. Assim, 7 e os seus múltiplos indicam a totalidade;

o número 1.000 indica uma pertença qualitativa a Deus; 3½, metade de 7, e as frações em geral indicam a parcialidade etc.

O simbolismo cormático: as cores têm o seu significado: o branco indica pertença ao mundo sobrenatural, com provável referência à ressurreição; o vermelho significa "sanguinário" etc.

O simbolismo veterotestamentário genérico: muitas cifras simbólicas são tomadas da linguagem comum do Antigo Testamento, e têm as mesmas equivalências realísticas: assim o céu indica o nível de Deus, a sua transcendência; a terra o nível típico do homem; o ar a zona ideal das forças que operam acima do homem e abaixo de Deus; vindima o juízo escatológico de condenação; a messe o prêmio escatológico.

Mas o contato com o Antigo Testamento não se limita a retomar as imagens, quase a peso. Há um contato, muito freqüente e sutil, com o próprio texto do Antigo Testamento. `As vezes o Apocalipse se mantém no genérico, retomando talvez só um esquema, uma imagem de fundo: temos um contato contextual. `As vezes o contato se torna mais aderente: se retomam termos ou frases, palavra por palavra: o contato se torna literal.

Seja quando se trata de contatos contextuais, seja quando se trata de contatos literais, o autor não cita nunca a fonte, com uma só excessão (15,3: o cântico de Moisés servo de Deus), sobre cerca de cinqüenta casos. Ele insinua o contexto e o texto do Antigo Testamento no seu discurso, como se fosse seu. Algumas variações mínimas, que passam facilmente inobservadas em relação ao texto original (provalvelmente hebraico-aramaico), permitem ao autor integrar o sentido do Antigo Testamento com o do Novo. Será necessário, portanto, na elaboração hermenêutica, tomar consciência do valor do valor que tem um trecho do Antigo Testamento , no seu contexto original, para perceber depois, a interpretação cristã que dele faz o autor, mediante o seu jogo sutil de alusões e substituições.

De tudo quanto foi dito, emerge um terceiro elemento essencial para uma elaboração hermenêutica do simbolismo. O autor apresenta o material simbólico, assinala-o talvez com durezas gramaticais. As imagens (isoladas) devem ser decifradas e esplicitadas mentalmente, e então, ao menos por um momento, deixadas de lado para tornar possível a percepção e a elaboração da imagem subseqüente. Daí deriva um ritmo de leitura lento, intercalado por longas pausas para reflexão. Isso encontra a sua expressão ideal na assembléia litúrgica, à qual o livro é destinado.

PARTE SEGUNDA

Introdução especial às partes e seções

PRIMEIRO CAPITULO

A primeira parte do Apoc.: 1,4 - 3,22

I. O "setenário das cartas em uma visão de conjunto

Indicações bibliográficas

BARCLAY, W., Letters to the Seven Churches, London 1957.COMBLIN, J., Le Christ dans l'Apocalypse, Paris 1965 (passim).HOLTZ, T., Die Christologie der Apokalypse des Johannes, Berlin 1971 (pp. 116-128).HUBERT, M., "L'architecture des lettres aux Sept Églises", in RB 67 (1960) 349-353.LECONTE, R., "Les ksept églises de l'Apocalypse", in Bible et Terre Sainte 46 (1962) 6-14.LUND, W.N., Chiasmus in the New Testament, Chapel Hill, 1942 (pp. 321 e ss).RAMSAY, W.M., The Letters to the Seven Churches of Asia, Grand Rapids 1963 ( nova

estampa da edição 1904).

1. A estruturação literária O trecho 1,4-3,22 se apresenta como uma grande unidade literária, constituída

sobretudo pelo "motivo literário" ekklesia (igreja). Este ocorre na forma sete igrejas (1,4.11), anjos das sete igrejas (1,20), às igrejas (2,7 etc.). É exataamente o alternar-se dialético destas últimas duas formas, uma no singular, a outra no plural, que determina um desenvolvimento literário para frente, que aparece claramente também a partir deste esquema:ao anjo da .... igreja 2, 1 8 12 18 3, 1 7 14às igrejas 7 11 17 29 6 13 22

Mas, pode-se falar de "setenário"? As outras séries setenárias do Apocalipse (selos, trombetas, taças) têm uma sucessão progressiva nos seus elementos ( primeiro, segundo ...) que aqui não aparece. Uma disposição estrutural de outro tipo (quiástica: Lund; segundo as qualidades das igrjas: Hubert) não aparece suficientemente demonstrada. Em todo caso o esquema dialético geral indicado, como também aquele de cada carta, indicam um notável nível de elaboração literária, que chega a ser um requinte.

2. O significado teológico do conjunto

O Cristo da aparição inicial (1,12-20) e da primeira celebração doxológica (1,4-6), é aquele que fala a cada uma das igrejas.

E a sua palavra não é somente revelação: Cristo penetra no íntimo e julga cada uma das igrejas (cf. 2,23), avalia os aspectos positivos e negativos; encoraja, exorta, faz promessas. As exortações variam, mas emerge uma constante: é necessária uma ação contínua de discernimento sapiencial ( quem tiver ouvidos ) para compreender aquilo que o Espirito diz à igreja. E é exatamente o Espírito que atualiza para cada uma das igrejas a palavra de Cristo.

Daí se conclui: o tema teológico de fundo é essencialmente eclesiológico e diz respeito às igrejas a partir de dentro. Cristo presente e agindo nelas mediante o Espírito requer um

acertar os ponteiros (messa a punto), uma conversão permanente, uma união progressiva com ele.

3. O simbolismo próprio das cartas

Se parte do concreto, determinado geograficamente e historicamente. Esta é como um primeiro nível imediato. Se sobre então a um plano mais geral a um segundo nível. Isto é sugerido pela passagem literária da igreja local às igrejas em geral e da universalização dos fatos locais obtida mediante nomes simbólicos (Jezabel 2,20; Nicolaitas ( nikolaós = ba'al-'am? ), 2,6.15; Balaão, 2,14...

Passando através dos acontecimentos (vicenda) contingentes de cada uma das igrejas locais (Éfeso, Esmirna...) se chega a um nível geral que diz respeito mesmo à Igreja na sua totalidade, simbolizada pelo número 7.

SEGUNDO CAPITULO

Segunda Parte: Seção introdutória:Ap 4-5

I. A seção introdutória em geral

1. Perfil literário

Há alguns "motivos literários" típicos que ocorrem com particular freqüência:tronosentadoos viventes (animais)os anciãoslivrocordeiro

O seu desenvolvimento e entrelaçamento característico que se intuem a partir deste esquema, as suas variações indicam a articulação de fundo de todo o trecho compreendido nos caps. 4-5. Se tem assim uma apresentação "extática" do trono divino e dos elementos que o circundam: 4,1-8; a essa se segue a celebração doxológica de Deus que está sentado sobre o trono: 4,9-11. Se tem assim a seguir a apresentação do livro dos sete selos: 5,1-5; a tomada de posse do livro por parte do Cordeiro: 5,6-7; segue a reação doxológica conclusiva: 5,8-14.

2. O perfil teológico

Cada um dos motivos indicados tem um seu significado teológico particular, referido a todo o livro.

Trono (personagem) sentado indicam a soberania absoluta de Deus sobre todo o desenvolvimento da história da salvação.Os vinte e quatro anciãos em torno do trono de Deus fizeram pensar num resíduo de imagens pagãs (divindades inferiores em torno da divindade superior), mas a tendência aguda do autor em distinguir-se de tudo quanto é pagão torna esta interpretação improvável.

Procurou-se, então, interpretar os vinte e quatro anciãos à luz do Antigo Testamento: falou-se de anjos, de justos do AT glorificados. Mas a explicação permanece genérica. Levando em conta os elementos mais claros, e precisos (24 resultado de 12+12; 12 indica as tribos de Israel e os apóstolos: cf. 2,12 especialmente 21,12-14, onde se fala tanto das 12 tribos quanto dos 12 apóstolos; "vestes brancas": indica a transcendência; "tronos" uma função autoritativa; "coroa de ouro": o prêmio obtido (todas as prerrogativas a nível divino) se pode dizer talvez que não se trata de personagens verdadeiros e próprios, que se possam individuar, mas quase que de "esquemas simbólicos" que exprimem o povo de Deus na sua "situação" transcendente. Tal "situação" se funda sobre os apóstolos, sobre as tribos de Israel; se realiza (atua) mediante um troca entre céu e terra; encontra uma sua expressão nas doxologias. A comunidade eclesial individual que ouve poderá preencher estes esquemas com seus personagens concretos (santos, mártires...)."Os quatro seres vivos":

Deixando de lado um improvável significado mitológico (resíduo pagão), interpretam-se os seres vivos ou como um símbolo da natureza, ou como seres angélicos particularmente próximos (vizinhos) a Deus.

O autor do Apocalipse, mesmo retomando a imagem do Antigo Testamento (Ez 1,5-10; Is 6,2), apresenta em 4,6b-8, uma elaboração literária própria, que se desenvolve em quatro estágios sucessivos na mesma "coluna simbólica" (cf. intr. p. ): "repletos de olhos": primeiro nível; "semelhante a leão, águia, homem, bezerro...": segundo nível; "seis asas": terceiro nível; "repletos de olhos": quarto nível. Inicia e conclui com os "olhos" que, para o autor, simbolizam o Espírito (cf. 5,6).

Além disso, os seres vivos intervêm do alto da transcendência em direção aos homens (cf. 6,1-7) e louvam a Deus junto com a criação (cf. 5,13-14 etc.).

Se pode então pensar que, analogamente a quanto foi dito a respeito dos anciãos, os seres vivos são como que esquemas que exprimem por uma parte a ação múltipla de Deus, que, saindo da sua transcendência, vem tomar contato concreto com a história da salvação, expressa e realizada de modo particular pela atividade do Espírito; por outra parte, a reação de toda a criação à iniciativa divina, reção sempre animada pelo Espírito.Livro: é o livro que contém o projeto misterioso de Deus sobre a criação. É inacessível ao homem. Só Cristo o pode revelar e atuar.Cordeiro : conforme a clara indicação de 5,6 é o Cristo morto e ressuscitado, na plenitude da sua eficiência messiânica, com posse completa do Espírito, que empurra adiante o desenvolvimento da história da salvação.

Recolhendo estes elementos em uma visão de conjunto podemos dizer: Deus tem a iniciativa absoluta e o domínio exclusivo no desenvolvimento concreto da história da salvação.Revela e atua este desenvolvimento mediante a ação de Cristo Cordeiro.Participam desta revelação e atuação os vários elementos situados em torno do trono de Deus.Notamos, enfim, no desenvolvimento dos caps. 4-5, o lugar que aí ocupam as doxologias; fazem pensar em um esquema litúrgico subjacente, que porém é difícil precisar nos detalhes.

TERCEIRO CAPITULO

Segunda Parte: Seção dos SelosAp 6,1 - 7,17

I. Aspectos gerais

1. O perfil literário em 6,1 (“o primeiro dos sete selos”) é retomada a menção dos selos como conjunto

(sete) que encontramos já em 5,2.5.9.Seguem depois cada um dos selos, com uma concatenação ordinal progressiva

(6,1.3.5.7.9.12; 8,1). Tem-se assim uma estrutura do setenário.

Ao lado deste fato literário fundamental, notamos outros particulares.A seção dos selos, apesar de estreitamente concatenada e estruturada mediante o

suceder-se progressivo dos seus elementos, não apresenta um desenvolvimento narrativo que vá para além do "conteúdo" de cada um dos selos.

Uma vez que há identidade no esquema literário que se atua em cada um deles (intervenção de um ser vivente - aparição de um cavalo - apresentação do cavaleiro), podemos agrupar em um único bloco os primeiros quatro selos, que assim são distinguidos dos outros tres.

Um tênue fio de ligação literária entre o quinto e o sexto selo pode ser dado pelo "motivo literário" veste branca, que, com variação, ocorre em 6,11; 7,9.13.14.

O sétimo selo, aparentemente vazio de conteúdo, engloba o setenário das trombetas: isto resulta da ligação aconteceu que... vi os sete anjos : ambos os verbos são coligados com oôáv çvoéîåv (8,1-2), pelo que o "conteúdo" do selo é fornecido tanto pelo silêncio de meia hora quanto pelos sete anjos com as trombetas. Um esquema análogo, para o que diz respeito à relação entre abertura do selo e a percepção audio-visiva do seu conteúdo, se re-encontra em todos os outros selos.

Privados de um desenvolvimento narrativo que os interligue, os selos são esplicitamente interligados com a seção final (cf. 6,2 e 19,11; 6,8 e 20,13-14; 6,10 e 19,2, onde a correspondência é particularmente evidente).

2. O perfil teológico São aqui representados, estaticamente e separados entre si, alguns traços característicos

da história da salvação, que, selo por selo, representam formas de inteligibilidade teológica que a comunidade eclesial deverá depois aplicar à sua realidade histórica concreta.l

Os quatro cavaleiros (6,1-8) constituem, provavelmente, a expressão de uma reflexão sapiencial sobre o desenrolar da história sob o influxo divino. Há, neste desenrolar, algumas forças negativas (a guerra: as várias formas de carestia; a morte, com todo o seu cortejo de males), às quais é contraposta uma força positiva (a energia de Cristo ressuscitado, simbolizada pelo cavalo branco), que, no final terá o domínio completo.

O quinto selo (6,9-11) sempre como expressão de uma reflexão sapiencial, apresenta a ação exercida sobre o desenvolvimento da história da salvação pela oração dos santos. E, ao mesmo tempo, precisa a natureza teológica do arco cronológico intermediário: espera-se o cumprimento da plenitude querida por Deus (... mais um pouco de tempo, até que se completasse o número dos seus companheiros": 6,11b).

O sexto selo tem uma articulação mais complexa (6,12 - 7,17). A intervenção, por si já presente e contínua de Deus na história, é considerada no seu desembocar final conclusivo ( o grande dia: 6,17. A intervenção final antes é vista em um contexto punitivo (6,12-17); depois, com um deslocamento oposto típico do Apocalipse, se fala de uma salvação antecipada em relação à intervenção punitiva final (7,1-8); finalmente se fala da salvação definitiva, completa sob todos os aspectos (7,9-17).

QUARTO CAPITULO

Seção das trombetas: 8,1 - 11,14

I. Vista panorâmica sobre a seção

1. O perfil literárioO setenário das trombetas se apresenta primeiro num quadro global (8,2.6);

sucessivamente se desenrola em uma articulação detalhada até ao sétimo elemento (8,7 - 11,15).

`As sucessões das últimas tres trombetas se sobrepõem três "ai": eles têm, na sua personificação literária, a fisionomia e ameaças vivas. Conferem assim às últimas tres trombetas uma acentuação literária que se resolve num crescendo dramático.

A fisionomia geral do setenário que daí resulta, é, assim, a seguinte: as primeiras quatro trombetas têm um esquema e uma extensão praticamente iguais. A quinta e a sexta têm um desenrolar indeterminado, a sétima, conincidindo com o último "ai", abarca toda a matéria subseqüente. Deve-se relevar dois "motivos literários" típicos: "tocar a trombeta: este, com as suas ocorrências - exclusivas desta seção em todo o Apocalipse -, determina o desenvolvimento det todo o setenário (8,6.7.10.12.13; 9,1.13; 10,7; 11,15).A terça parte: as suas ocorrências, típicas em sentido quase exclusivo da presente seção (8,7.8bis.10.11.12quinquies; 9,15.18; 12,4), lhe dão um certo tom unitário.

2. O perfil teológico As "orações dos santos" dão o impulso dinâmico ao desenrolar do setenário (cf. 8,1-

6). É um elemento teológico característico.O simbolismo das trombetas exprime, como no AT, o anúncio de uma proximidade, de

uma presença ativa de Deus (cf. também 1,10 e 4,1).É a presença ativa de Deus na história: indicam-na as agitações cósmicas das primeiras

quatro trombetas. O seu simbolismo retoma e unifica elementos e temas teológicos próprios do Antigo Testamento: há intervenções de Deus ao interno da história; esses são direcionados para a destruição do mal para a salvação do seu povo (Exodo), têm uma clara prospectiva escatológica (Joel, Ezequiel), mas se realizam já na história atual (Daniel). Estes tres elementos constituem a "fórmula" de inteligibilidade teológica expressa no simbolismo das primeiras quatro trombetas.

Paralela à intervenção de Deus há uma intervenção das forças demoníacas. Isso é simbolizado antes de tudo pelo episódio dos gafanhotos que exprime o conteúdo da quinta trombeta e do primeiro "ai" (9,1-12). Isto é depois retomado e ampliado na descrição da "cavalaria infernal" (9,13-21) com a qual inicia a sexta trombeta e o segundo "ai".

Diante destas intervenções, tanto da parte de Deus, quanto das forças demoníacas, os homens podem reagir negativamente; não compreendendo nem umas nem outras, permanecem na sua posição sem mudar de conduta ( os restantes homens .... não se converteram 9,20). À intervenção das forças demoníacas segue a intervenção das forças poisitivas: isso é expresso pela aparição ddo anjo em 10,1-11; pelo seu juramento soleníssimo que o plano de Deus (mysterion tou theou) se encaminha ao cumprimento; pela entrega do "pequeno livro" ( biblarion). O episódio das duas testemunhas (11,1-14) com o qual se conclui a sexta trombeta e o segundo "ai", e que representa provavelmente o conteúdo do "pequeno livro", exprime uma experiência (prova) esquemática de salvação obtida superando

as dificuldades. A reação dos homens é positiva ( ficaram apavorados : 11,13): os outros foram tomados pelo temor e deram glória a Deus.

Todas estas intervenções, com as vicissitudes, apresentam um início de desenrolar, sem uma conclusão; a insistência particularmente acentuada nos números que exprimem parcialidade e limitação ("cinco meses: 9,5; "quarenta e dois meses", a metade de sete anos: 11,2; a décima parte da cidade: 11,13) e a insistência nas frações (um terço) sugere certa idéia de parcialidade, que é característica de todas as seções: é a história da salvação nas suas vicissitudes alternadas, vista no seu desenrolar pré-escatológico.

QUINTO CAPITULO

Seção dos "três sinais": 11,15 - 16,16

1. Perfil literário A seção pode ser individuada como tal em base a indícios literários múltiplos que,

avaliados e somados juntos, dela nos dão um quadro suficientemente definido.Não faltam dificuldades, devidas sobretudo ao fato de que o fio condutor das séries

setenárias se interrompe depois de 11,15 para ser retomado em 15,1 (o setenário das taças).Houve várias tentativas de ordenar em um setenário o material compreendido entre

11,15 e 15,1 (sete visões, sete sinais etc.), mas os resultados alcançados são precários e discordantes; parece portanto preferível limitar-nos a uma divisão mais geral da seção, indicada literariamente pelo termo "sinal" (semeion) característico desta seção e pelos adjetivos que o acompanham. O termo "sinal" e os seus adjetivos constituem, nas suas chamadas e nos seus entrelaçamentos recíprocos, um esquema literário de fundo, que dá certa unidade à seção, que, conseqüentemente, pode ser dita dos "três sinais":12,1: e um sinal grande apareceu no céu12,3: e apareceu um outro sinal no céu15,1: e vi um outro sinal no ceu grande e maravilhoso.

Notamos outros elementos literários característicos.Encontramos alguns termos que retornam, no contexto em que são usados, com uma freqüência relevante, tanto que constituem verdadeiros "motivos literários": "mulher" ( 12,1.4.6.13.14.15.16.17), "dragão" (12,3.4.7bis.9.13.16.17), "foice" (14, 14. 15. 16. 17. 18. 19).

Há, além disso, uma contraposição constante entre "céu" e "terra".Sobretudo é típico desta seção um certo desenvolvimento narrativo: se parte da luta

entre a "mulher" e o dragão (12,1-18). A luta se protela nos dois "prolongamentos" do "dragão", o primeiro "monstro" (13,1-10) e o segundo (13,11-18) como também nos descendentes da "mulher" (12,12). Mediante a intervenção dos sete anjos com as taças se encaminha uma conclusão (15,1ss).

Este desenvolvimento narrativo é interrompido no seu desenrolar por um episódio que, mesmo tendo com ele ligames literários, aparece como estanque e isolado: o Cordeiro sobre o monte Sião (14,1-5). A mensagem dos tres anjos (14,4-13) em paralelo com a intervenção do Filho do homem (14,14-20) representam um "crescendo" do desenvolvimento narrativo, que desemboca depois no setenário das taças (15,1 - 16,16).

2. O perfil teológico O "dragão" e a "mulher", dois "sinais" contrapostos a serem interpretados, representam

por um lado, a igreja na sua dimensão transcendente e terrena, que, historicamente, dá à luz o seu Cristo; por outro lado, uma força antagonista de origem demoníaca e de caráter (dissacratore), que, encarnando-se em fatos e personagens históricos, persegue a igreja. O êxito da luta será positivo porque está sob o controle da transcendência divina.

Os dois monstros exprimem duas características diversas e interligadas pelo poder negativo do "dragão", o poder político que se faz adorar, e os seus profetas.

Os 144.000 sobre o monte Sion com o Cordeiro representam e exprimem uma salvação completa, realizada com antecipação funcional em relação aos outros.

Tanto os tres anjos de 14,6-13, quanto a cena da messe e vindima que segue - 14,14-20 - exprimem a salvação e a condenação definitiva, concernente à adesão ou não aos dois monstros, e a Babilônia, a cidade pagã, cuja relação com o "monstro" será desenvolvida na seção seguinte: 17,3ss.

Com o setenário das taças nos encaminhamos já à conclusão de toda a história da salvação: tem-se como que um novo êxodo, uma passagem definitiva à salvação (15,2-4); tem-se uma destruição do mal que atinge gradativamente o seu máximo em intensidade.

Em síntese: esta seção nos apresenta a igreja em uma situação de contraposição às forças negativas, nas suas várias formas. A contraposição é completa, radical e definitiva, com todas as implicações tanto de salvação quanto de não salvação.

SEXTO CAPITULO

Seção conclusiva - 16,17 - 22,5

1. O perfil literário O início da seção é determinado pelo sétimo elemento da série setenária das taças. A

sétima taça, diferentemente das precedentes, é derramada no ar, sede das forças hostis demoníacas: ao seu derramamento segue imediatamente a expressão "está realizado" (ou "aconteceu) por parte de Deus (16,17).

A seção tem seu desenvolvimento literário. Encontramos, no início, o motivo literário "prostituta" (porne), que ocorre só aqui em todo o Apocalipse: é freqüente exatamente no início da seção (17,1. 5.15. 16) e ocorre só uma vez depois, na grande doxologia do aleluia (19,2).

Encontramos em seguida um outro motivo literário: "noiva, a esposa do Cordeiro. Esse ocorre sobriamente na doxologia do aleluia, e, mais explicitamente na descrição da Jerualém celeste (21,2-9).

Emerge um terceiro elemento de relevo literário: Cristo Cordeiro (arníon) é chamado, com uma expressão única em todo o Novo Testamento "senhor dos senhores e rei dos reis": 17,14; 19,16) Em 17,14 ao Cordeiro tem a capacidade de vencer os reis, coligados com Roma-Babilônia, a qual simbolicamente se identifica com a prostituta: vencendo-as, Cristo-Cordeiro vence também a "prostituta" e o faz exatamente "pelo fato de" (hoti ) ele ser o senhor dos senhores e rei dos reis (cf. também 19,16).

Tem-se depois a intervenção do "Cordeiro" que, por um lado executa a condenação da "prostituta" e, por outro lado, prepara o triunfo da "noiva". As duas figuras estão unidas em um esquema de contraposição literária, em cujo centro está o "senhor dos senhores":

prostituta intervenção do Senhor dos senhores noiva

Este esquema abarca toda a seção, dando uma unidade literária de fundo aos vários elementos, às vezes heterogêneos, de que se compõe.

Todos estes elementos literários têm um engate coletivo: a "prostituta" e a "noiva" são todas as duas cidades: o senhor dos senhores se apresenta com os seus eleitos (17,14) ou com os que com ele combatem (19,14).

Podemos agora dar uma olhada no desenvolvimento literário do conjunto.Depois da introdução (16,17-21) temos a condenação da "prostituta": uma articulação

literária complexa nos apresenta primeiro um quadro simbólico da "prostituta" mesma (17,1-18) com várias indicações hermenêuticas destinadas a facilitar a decodificação do simbolismo e a sua aplicação concreta (cf. 17,6b-7.9, etc.); tem-se depois um hino celebrativo e re-evocativo , a queda da "prostituta-Babilônia" (18,1-24).

Segue uma doxologia (19,1-8) concentrada sobre o motivo literário-litúrgico aleluia, com uma dupla orientação: retrospectiva, com referência à condenação da "prostituta" (19,1-2), e prospectiva, com referência ao triunfo da "noiva" que terá lugar logo em seguida (19,7-8).

Babilônia, a "prostituta", não era mais do que uma concretização das forças do mal, a última emanação terrestre do demoníaco, depois do dragão, o primeiro e o segundo monstro e os reis da terra. Após uma intervenção solene de Cristo guerreiro (19,11-16), todas estas forças negativas, na ordem inversa da sua aparição na cena apocalíptica, são derrotadas e

anuladas: os reis da terra, o primeiro e o segundo monstro (19,17-21). O dragão é derrotado também ele definitivamente: a sua derrota é enquadrada no contexto mais geral do desenvolvimento - dialético e antitético - da história da salvação (20,1-10).

Segue um balanço definitivo no que tange aos homens e a destruição da morte, último inimigo (20,11-15).

Tem lugar portanto o triunfo da noiva (nymfe): primeiramente acenado e inserido no contexto de renovação geral, termo último de todo o desenrolar da história da salvação (21,1-8), é depois descrito com particular requinte literário na Jeruslém celeste (21,9 - 22,5).

2. O perfil teológico A característica fundamental desta seção é a sua projeção escatológica: é mostrado o

ponto de chegada da história da salvação, que, como tal, é capaz de iluminar o caminho de quem por ela é dirigido.

Os elementos fundamentais deste quadro escatológico são antes de tudo a superação de todas as forças histórico-sociais negativas: a cidade pagã e secular, a Babilônia- anti-igreja, é anulada; desaparecem os "reis da terra", os potentados em que se encarnam forças sociais negativas; a mesma sorte toca ao Estado que se faz adorar e sustenta a cidade pagã, como também àqueles que lhe criam o espaço político para existir: a raíz demoníaca de tudo isto será definitivamente neutralizada.

Tudo isto acontece pela força da presença de Cristo; não se tem uma descrição da parusia, mas antes a expressão da presença ativa de Cristo, o qual, já presente agora, então se manifestará completamente. Efeito desta manifestação de Cristo será o juízo individual de cada homem mediante uma avaliação das suas obras e da sua moralidade.

Desaparecida a morte, desaparecidas todas as forças hostis e negativas, ter-se-á uma renovação messiânica em uma comunhão face a face com Deus, numa plenitude de vida individual e social. Ter-se-á então, no mundo como será, a plena realização da obra criadora de Deus, no mundo como deve ser, entrevisto no primeiro capítulo de Gênesis.