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Reciis – Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde. 2020 jan.-mar.;14(1):90-111 [www.reciis.icict.fiocruz.br] e-ISSN 1981-6278
ARTIGOS ORIGINAIShttp://dx.doi.org/10.29397/reciis.v14i1.1988
Antivacina, fosfoetanolamina e Mineral Miracle Solution (MMS): mapeamento de fake sciences ligadas à saúde no Facebook
Anti-vaccine, phosphoethanolamine and Mineral Miracle Solution (MMS): mapping of health-related fake sciences on Facebook
Antivacina, fosfoetanolamina y Mineral Miracle Solution (MMS): mapeo de fake sciences relacionadas con la salud en Facebook
Thaiane Moreira de Oliveira1,a
[email protected] | http://orcid.org/0000-0002-8588-3548
Rodrigo Quinan Ribeiro Martins1,b
[email protected] | http://orcid.org/0000-0002-5344-0574
Janderson Pereira Toth1,c
[email protected] | http://orcid.org/0000-0002-0931-9785
1 Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Niterói, RJ, Brasil.
a Doutorado em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense.b Mestrado em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense.C Graduação em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense.
ResumoA partir de uma abordagem multimetódos baseada em pesquisa qualitativa de observação não-participante, análise de conteúdo e técnicas de snowballing de recomendação algorítmica, a proposta deste artigo é mapear a circulação de três disputas de informação científica ligadas à saúde em páginas e grupos brasileiros no Facebook – movimento antivacina, fosfoetanolamina e Mineral Miracle Solution (MMS). Os resultados apontam para um campo de disputa no qual a autoridade científica é um valor relevante, sendo recorrentemente acionada como signo de convencimento junto ao público. Ainda, as fake sciences são um campo de disputa que envolvem 1) interesses comerciais em torno da crença em soluções rápidas e alternativas, 2) implicações jurídicas em torno do discurso pelo direito à informação e acesso a esses tratamentos alternativos, 3) sistema de reputação na busca por interseção na formulação de políticas e a alocação de recursos públicos e 4) uma descrença nas instituições epistêmicas, fazendo os sujeitos acreditarem apenas em experiências individuais baseadas no discurso de testemunho.
Palavras-chave: Fake sciences; Conflitos de interesse; Desinformação; Crise epistêmica; Facebook.
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Abstract
From a multi-method approach based on qualitative research of non-participant observation, content analysis and snowballing techniques with algorithmic recommendation, the purpose of this article is to map the circulation of three scientific information disputes related to health on pages and groups on Facebook – anti-vaccine movement, phosphoethanolamine and Mineral Miracle Solution (MMS). The results point to a field of dispute in which scientific authority is a relevant value in these spaces, being repeatedly used as a sign of convincing the public. Still, fake sciences are a field of dispute that involve 1) commercial interests around the belief in quick and alternative solutions, 2) legal implications around the discourse for the right to information and access to the alternative treatments, 3) system of reputation in the search for intersection in the formulation of policies and the allocation of public resources and 4) a disbelief in epistemic institutions, making subjects believe only in individual experiences based on the testimony discourse.
Keywords: Fake sciences; Conflicts of interest; Misinformation; Epistemic crisis; Facebook.
Resumen
Desde un enfoque de métodos múltiples basado en la investigación cualitativa de observación no participante, análisis de contenido y técnicas de snowballing con recomendación algorítmica, el propósito de este artículo es mapear la circulación de tres disputas de información científica relacionadas con la salud en páginas y grupos en Facebook: movimiento antivacunas, fosfoetanolamina y solución de milagro mineral (MMS). Los resultados apuntan a un campo de disputa en el que la autoridad científica es un valor relevante en estos espacios, y se usa repetidamente como un signo de convencer al público. Aún así, las fake sciences son un campo de disputa que involucra 1) intereses comerciales, en torno a la creencia en soluciones rápidas y alternativas, 2) implicaciones legales en torno al discurso sobre el derecho a la información y el acceso a estos tratamientos alternativos, 3) sistema de reputación en la búsqueda de intersección en la formulación de políticas y la asignación de recursos públicos y 4) una incredulidad en las instituciones epistémicas, haciendo que los sujetos crean solo en experiencias individuales basadas en el discurso del testimonio.
Palabras clave: Fake sciences; Conflictos de intereses; Desinformación; Crisis epistémica; Facebook.
INFORMAÇÕES DO ARTIGO
Contribuição dos autores:Concepção e desenho do estudo: Thaiane Oliveira.Aquisição, análise ou interpretação dos dados: Thaiane Oliveira, Rodrigo Quinan, Janderson Toth.Redação do manuscrito: Thaiane Oliveira, Rodrigo Quinan.Revisão crítica do conteúdo intelectual: Thaiane Oliveira
Declaração de conflito de interesses: não há.
Fontes de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Bolsa Produtividade, Processo: 311258/2019-0). Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Recém-Contratado [ARC], Processo: 253110), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Bolsa de mestrado de Rodrigo Quinan).
Considerações éticas: não há.
Agradecimentos/Contribuições adicionais: não há.
Histórico do artigo: submetido: 15 dez. 2019 | aceito: 12 mar. 2019 | publicado: 31 mar. 2020.
Apresentação anterior: não houve.
Licença CC BY-NC atribuição não comercial. Com essa licença é permitido acessar, baixar (download), copiar, imprimir, compartilhar, reutilizar e distribuir os artigos, desde que para uso não comercial e com a citação da fonte, conferindo os devidos créditos de autoria e menção à Reciis. Nesses casos, nenhuma permissão é necessária por parte dos autores ou dos editores.
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Introdução
Nos últimos anos, tem sido recorrente uma preocupação no debate público e político sobre temas
como “pós-verdade”, “fatos alternativos” e “notícias falsas”, tanto nos meios de comunicação como também
nas discussões acadêmicas¹,². Frequentemente associados a disputas sobre a produção de verdade, as
chamadas fake news podem ser associadas à contestação da informação como forma de desautorização
da veracidade informacional³ ou ataques geopolíticos no qual a informação tem sido o alvo de conflitos
entre potências internacionais4. Ainda que tais enquadramentos sobre a circulação de desinformação
expliquem parte do fenômeno, pouco tem se discutido sobre a responsabilidade das próprias comunidades
epistêmicas5 no processo de descredibilização de sua autoridade. Quando os conflitos de interesses são
constantemente midiatizados, aumenta o sentimento de desconfiança da população sobre estas instituições
consideradas produtoras de conhecimento socialmente legitimado e que exercem algum tipo de influência
na esfera pública.
Neste espaço de disputa sobre a verdade, as teorias da conspiração e outras narrativas que se apropriam
de discursos científicos emergem como um fenômeno de grande repercussão nas redes sociais digitais,
sobretudo quando ocorrem acontecimentos de grande impacto para a sociedade, como na área de saúde.
Movimentos como antivacina, por exemplo, vêm ganhando espaço nas redes sociais digitais, e vários grupos
corroboram para que mitos em torno de campanhas de vacinação sejam propagados em diversos canais,
ganhando cada vez mais adesão da comunidade não-científica, colocando em risco a saúde da população
e aumentando a probabilidade para a ocorrência de surtos de doenças até então controladas. Vimos
recentemente um aumento de casos de sarampo no Brasil, ocasionado por esse fenômeno de propagação
de notícias falsas sobre a vacinação. Os números6 monitorados pelo Ministério da Saúde são alarmantes:
677 casos nos seis primeiros meses de 2018 e mais de 2.000 sob investigação. Este crescimento também
é observado nos relatórios da Organização Mundial de Saúde que apontam para o aumento de casos de
sarampo, difteria, poliomielite e síndrome de rubéola congênita7.
Para além dos movimentos antivacina, outros assuntos se tornaram presentes na agenda midiática no
cenário nacional: a polêmica sobre o uso de Fosfoetanolamina – um composto químico mais conhecido
como a ‘pílula do câncer’ no Brasil, com grande repercussão em 2016 – e sobre o uso do supositório MMS
– sigla de Mineral Miracle Solution – para a cura de autismo, que em 2018 ganhou atenção da mídia após a
publicação do livro da homeopata Kerri Rivera8, ‘Curando os sintomas conhecidos como Autismo’, a partir
de pesquisas realizadas pelo astrofísico americano Jim Humble e do cientista alemão Andreas Kalcker
sobre o uso de dióxido de cloro para a saúde.
Os três casos apontam para questões que envolvem conflitos de interesses entre cientistas, a indústria
farmacêutica, o governo e a própria mídia, a qual exerce um papel importante na midiatização dessas
controvérsias, aumentando a desconfiança da população sobre essas instituições. Para além desses
atores, cuja relação com a universidade tem sido cada vez mais intrínseca, as disputas sobre a informação
científica, especialmente em redes sociais, têm se tornado cada vez mais evidentes, sobretudo em função
de constantes apropriações de discursos científicos para a propagação de informação que vai contra as
próprias pesquisas científicas, o que tem sido chamado de fake science9-10. Nestes espaços digitais de disputa
pela atenção, a influência em rede tem se tornado um valor importante para a construção de autoridade e
reconhecimento junto ao público. Visibilidade, autoridade e reputação são valores sociais importantes nas
redes sociais digitais11, relacionados a dinâmicas tecnossociais específicas desses ambientes, como a própria
recomendação algorítmica que tende a moldar a influência dos atores junto a uma rede.
Diante do cenário apresentado, torna-se cada vez mais necessário entender o campo de disputa sobre
a informação científica, buscando identificar quem são os atores, os discursos produzidos, desvelando as
redes que se formam para a disseminação da desinformação científica em sites de redes sociais. Assim, a
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proposta deste artigo é mapear a circulação dessas três disputas sobre a informação (movimento antivacina,
fosfoetanolamina e MMS) em páginas e grupos no Facebook, buscando identificar os canais brasileiros que
disseminam as fake sciences, os tipos de conteúdo utilizados e os atores de influência nas redes que se
formam a partir da recomendação algorítmica sobre a desinformação relacionada à saúde.
As fake sciences: conflito de interesses e descrença institucional
No século XIX, devido a um progresso acelerado de desenvolvimento tecnológico e industrial, a ciência
foi elevada a um lugar de destaque e de prestígio como uma das principais instituições com conhecimento
socialmente legitimado para atuar junto ao Estado na proposição de políticas públicas5. Contudo, este
prestígio legitimado sobre a ciência, desde a década de 1970, passa a ser contestado devido à percepção
de conflitos de interesses e politização da ciência na esfera pública12, provocando uma crise de confiança
nas instituições científicas. Mooney13 aponta que esta percepção da politização da ciência passou a ser
observada na década de 1970, com a ascensão de uma Nova Direita, grupo cético sobre a neutralidade
científica, alinhado com o direito religioso, forte defesa nacional e proteção dos valores tradicionais.
Vivemos em um momento caracterizado pela dependência de enormes recursos financeiros, privatização
e sigilo de pesquisa, mercantilização dos resultados científicos, burocratização de instituições científicas
e instrumentalização da ciência, sujeitando-a a interesses extra-científicos14, próprios do capitalismo
acadêmico15-16, em que há uma mudança do valor do conhecimento como bem comum para uma mercadoria
a ser comercializada em benefício de grandes corporações. Tais mudanças sobre o papel da universidade
têm causado complexas discussões sobre conflitos de interesses, percepção pública sobre a ciência e sobre
o aumento do sentimento de desconfiança da população quanto a instituições consideradas produtoras de
conhecimento socialmente legitimado.
É no meio dessa reconfiguração sobre o papel da universidade e centros de pesquisa e a entrada desses
novos atores de interesses diversos para o financiamento e investigações que emergem movimentos que
provocam grande preocupação mundial, sobretudo na área de saúde pública: as fake sciences. Tal como as
fake news, as fake sciences podem se espalhar com tanta eficácia que, mesmo quando as informações são
corrigidas, permanecem dentro do conjunto não verificado de conhecimento comum17. Mais ainda, tal como
as fake news18, as fake sciences derivam de uma disputa sobre a desinformação que não surge de agentes
externos ao sistema, mas está associada a uma rede complexa que envolve conflitos de interesse e declínio
da credibilidade das instituições produtoras de conhecimento e de verdade – a mídia (no caso das fake
news) e a ciência (no caso das fake sciences).
Segundo Grech19, as fake sciences podem ter duas origens: fraude científica ou a politização da ciência.
No entanto, não se trata apenas de condutas dentro da comunidade científica, mas compreendemos as
fake sciences como uma apropriação dos discursos científicos para a propagação de uma informação que
vá contra as pesquisas científicas, implicando uma série de disputas em prol do controle e da verificação
da informação. Nesse cenário, emergem teorias da conspiração relacionadas à ciência, pseudociências,
tratamentos alternativos, entre outros discursos que vão ganhando contornos político-partidários em um
momento em que o conservadorismo é evidenciado. Segundo Almeida20 este conservadorismo é observado
a partir de 1) valores morais reguladores, com a retomada de questões voltadas para a valoração da
nucleação tradicional, como a família; 2) vetores jurídicos e econômicos, decorrentes de lógicas liberais
sobre os indivíduos, em que combinam menor presença do Estado na economia e mais regulação jurídica
da moralidade pública; 3) controle repressivo, a partir do aparelhamento de instituições de vigilância e
punitivas; e 4) intolerância social, a partir de dinâmicas voltadas para o compartilhamento de experiências
individuais como parte das lógicas de personalização do consumo própria das redes sociais digitais.
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Em meio ao imbróglio sobre as disputas de informação científica, que implicam questões relacionadas
a conflitos de interesses e apropriações de discursos científicos, três casos são abordados nessa pesquisa:
o movimento antivacina, a Fosfoetanolamina e os supositórios Mineral Miracle Solution (MMS).
Compreendemos que a ascensão do movimento antivacina é exemplo central do questionamento
contemporâneo da medicina, exemplificando desconfiança de indivíduos comuns em relação às instituições
científicas e constituindo uma das grandes preocupações mundiais21. Porém, o interesse dessa pesquisa
não é olhar cenários globais, mas estudos de casos específicos de relevância nacional que implicassem
na apropriação de discursos científicos para a propagação de uma informação que vai contra as próprias
pesquisas científicas, a fim de que pudéssemos mapear as disputas de informação científica no Facebook
e seus contextos políticos locais. Para além do movimento antivacina, os casos da pílula que cura câncer
(Fosfoetanolamina22) e supositório que cura autismo (Mineral Miracle Solution23) emergiram na pauta
midiática nos últimos anos, como exemplos de disputas políticas sobre a informação científica que
representam a emergência das fake sciences funcionando como amplificador de discursos que propõem
práticas anticientíficas como solução para problemas ainda não plenamente tratados pela medicina.
O movimento antivacina nasce dentro da própria academia e foi creditado ao pesquisador Andrew
Wakefield24, que publicou na The Lanceti uma pesquisa que associava a ocorrência de autismo à vacinação. O
artigo sofreu duras críticas da comunidade acadêmica, sendo retratado na própria revista, e, após uma série
de investigações do jornal britânico The Sunday Times, foi descoberto que algumas crianças voluntárias do
estudo haviam sido indicadas por um escritório de advocacia sob a intenção de entrar com ações contra a
indústria farmacêutica. Segundo pesquisa realizada por Anna Kata25, os argumentos antivacina relacionam-
se com temas como segurança e eficácia, medicina alternativa, liberdades civis, teorias da conspiração e
moralidade. Ainda, de acordo com a autora26, as táticas utilizadas pelos defensores da antivacina implicam
em distorção da ciência, mudança de hipóteses e ataques conjuntos aos defensores da vacinação. Para a
autora, o movimento antivacina surge a partir de um novo paradigma pós-moderno de assistência médica,
no qual há uma transferência de poder sobre a informação de médicos para pacientes, em que a legitimidade
da ciência é questionada e a autoridade sobre a especialização é redefinida.
Da mesma forma que o movimento antivacina nasce dentro da comunidade acadêmico-científica,
a substância fosfoetanolamina começou a ser produzida no laboratório do Grupo de Química Analítica
e Tecnologia de Polímeros do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP)ii e distribuída no campus
da universidade gratuitamente, sem consentimento da instituição. A polêmica ganhou forte repercussão
nas redes sociais, a partir de relatos de supostas curas, junto com notícias de óbitos. Diante de uma crise
jurídico-política que havia se instaurado no Brasil desde as manifestações de 2013, de acordo com Márcia
de Cássia Cassimiro e colaboradores27, o movimento pela aprovação da distribuição da medicação foi
visto como uma meta por muitos congressistas e parlamentares de diferentes partidosiii, pressionando o
governo pela aprovação de lei a fim de conseguir a simpatia de parte da população que sofre com câncer.
Desconsiderando todos os procedimentos próprios da autorregulamentação científica, como testes pré-
clínicos e clínicos exigidos na comprovação de qualidade, segurança e eficácia de medicamentos28, a Lei
n. 13.269/201629 foi editada, autorizando o uso da substância por pacientes diagnosticados com neoplasia
maligna, e juízes começaram a conceder liminares determinando o fornecimento da substância. Conforme
i Em 2010, o pesquisador teve sua licença cassada pelo Conselho Britânico de Medicina.
ii A fórmula está protegida sob as patentes PI 0800463-3 e PI 0800460-9.
iii PL 4639/2016, assinado por Adelmo Carneiro Leão - PT /MG; Arlindo Chinaglia - PT/SP; Carmen Zanotto - PPS/SC; Eduardo Bolsonaro - PSC/SP; Jair Bolsonaro - PP/RJ; Paulo Foletto - PSB/ES; Antônio Jácome - PMN/RN; Diego Garcia - PHS/PR; Conceição Sampaio - PP/AM; Dulce Miranda - PMDB/TO; Eduardo Barbosa - PSDB/MG; Miguel Lombardi - PR/SP; Zenaide Maia - PR/RN; Laura Carneiro - PMDB/RJ; Weliton Prado - PMB/MG; Professora Dorinha Seabra Rezende - DEM/TO; Flavio Nogueira - PDT/PI; Celso Russomanno - PRB/SP. PL. Informação disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2078864
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apontam Alves e Bem30, o procedimento jurídico desorganizou o sistema regulatório de saúde nacional
ao rechaçar a legislação já consolidada desde a década de 197031-33 sobre vigilância sanitária e registro
de medicamentos. Após a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5501, movida pela Associação
Médica Brasileira34, em 19 de maio de 2016, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a lei que autorizava
a distribuição da fosfoetanolamina35. Em 2018, a Procuradoria Geral da República se manifestou contra
a comercialização da substância por trazer risco à saúde pública36, porém continua sendo comercializada
como suplemento e com a promessa de cura até hoje em sites de redes sociais.
Ambos os casos, antivacina e fosfoetanolamina, apontam para conflitos éticos de interesses científicos,
que envolvem a indústria farmacêutica, o governo e a mídia, instituições vistas com desconfiança pelos
adeptos de teorias da conspiração7,37. De acordo com pesquisa em que se analisaram páginas antivacinação
australianas no Facebook, os discursos identificados concentravam-se em indignação moral e opressão
estrutural por parte do governo institucional e da mídia, sugerindo uma forte lógica de crenças e de
teorias de conspiração38, fruto de uma crise epistêmica sobre as instituições legitimadas como produtoras
de conhecimento. Constantemente associada à desinformação e ao excesso informacional39 e a uma
agenda conservadora religiosa de direita40-41, esta crise epistêmica é o reflexo de um regime regulado pela
crença individual e pela experiência pessoal42 e uma desconfiança generalizada nas instituições basilares
da democracia, muito em função da própria midiatização de controvérsias43 e dos próprios conflitos de
interesses entre esses atores. Neste cenário, emergem movimentos conspiratórios em que a informação é
um campo de disputa sobre a produção de narrativa.
É no seio desses espaços de circulação de teorias da conspiração, e não no campo científico, como no
caso da antivacina e da fosfoetanolamina, que surge a polêmica sobre o uso do supositório MMS – sigla de
Mineral Miracle Solution – para a cura de autismo. O MMS é um dióxido de cloro utilizado nas indústrias
de papel a fim de clarear a polpa da madeira, de alto nível tóxico. Inicialmente propagado a partir dos
trabalhos do bispo Jim Humble, autor de A Solução Mineral Mestre do 3º Milênio, publicado em 201144, o
MMS tem se espalhado por diversos países, sobretudo após a criação da Genesis II Church of Health and
Healing, fundada pelo próprio bispo e com mais de 300 ministérios, segundo informa o site45.
Conforme relata Werner46, o MMS se tornou conhecido depois da publicação do livro Curando sintomas
conhecidos como autismo, da homeopata norte-americana Kerri Rivera, publicado em 2016 pela editora
BvBooks, e divulgado em veículos de grande circulação, como a Revista Exame47. Em seu livro, a autora
descreve procedimentos de introdução do produto diluído diretamente no intestino da criança, por via
anal – os supositórios de MMS. Segundo relata a homeopata, o uso da substância provoca a descamação
das paredes do intestino e libera um tipo de muco, que é apontado pela autora e outros defensores da
prática como vermes causadores do autismo. Para além de promessa de cura de malária e autismo, tem sido
recorrente a indicação do MMS para tratamento de doenças diversas em animais domésticos.
Estudos apontaram os perigos do uso da solução48,49, inclusive a US Food and Drug Administration.
No entanto, a circulação desse tipo de desinformação continua sendo realizada em espaços digitais.
Recentemente, ela tem ganhado adeptos como Dr. Lair Ribeiro, que defende publicamente o uso da
substância, alegando que sua proibição tem relação com interesses de grandes empresas contrariadas com
a venda de “um negócio que cura tudo, sem efeito colateral e a preço de banana”50. Dr. Lair Ribeiro é um médico
com passagem pela Harvard Medical School, mais famoso por ser escritor de best-sellers de autoajuda. Ele
defende abertamente o uso do MMS, com vídeos propagando a substância compartilhados em páginas fake
science, que evocam sua autoridade científica como fator legitimador dos argumentos.
A circulação de fake sciences tem sido motivo de preocupação de diversos setores, inclusive as próprias
plataformas digitais, diante do enfrentamento de críticas da sociedade sobre a responsabilidade dessas
empresas em dar visibilidade às desinformações científicas. Segundo informado pelo CanalTech51 em julho
de 2019, o Facebook anunciou que iria rebaixar postagens que contivessem afirmações não oficiais sobre
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a saúde, ou mesmo anúncios e publicações que trouxessem promessas de cura ou milagre relacionados ao
tratamento de doenças, entre eles o MMS, o que tem levado a uma série de discussões sobre controle e
formas algorítmicas de censura on-line, incluindo a extensa vigilância de comunicações e o uso de sistemas
de aprendizado de máquina com a possibilidade distinta de erros e preconceitos.
Controle e desinformação em redes sociais
Estudos anteriores nos EUA52, Europa53 e Brasil54 revelaram que as mídias sociais se tornaram uma
importante fonte de notícias e informações para o público, mais do que o jornalismo tradicional, que tem
sido entendido como um dos meios pouco confiáveis devido a um histórico de posicionamentos políticos que
se afastavam do modelo ocidental anglo-americano de objetividade e imparcialidade18. Tal como a ciência,
o jornalismo – e a mídia massiva como uma das instituições das comunidades epistêmicas – baseado em
valores e normas próprias consensuadas entre a comunidade, tornou-se progressivamente distintivo da
sociedade. Segundo aponta Camila Tavares55, os valores distintivos no qual o jornalismo fora consolidado
o afastaram da esfera política, mas, por outro lado, acabou se tornando dependente da esfera econômica,
tornando-o vulnerável a fluxos econômicos.
Segundo aponta Nielsen56, para além de crises financeiras do jornalismo, há uma crise de confiança
pública, potencializada pelo desenvolvimento de tecnologias da comunicação e informação, sobretudo os
sites de redes sociais digitais. A partir de uma lógica de mercado neoliberal57 voltada para a personalização
de consumo informacional, essas plataformas de redes sociais digitais têm se tornado um espaço primordial
para a informação – e desinformação – na atualidade, visto que 57% dos brasileiros que mantêm contas
ativas no Facebook informam-se pela plataforma, de acordo com o relatório publicado em 2018 pela Digital
News Report53.
Embora haja uma ocorrência desde muito antes da Internet58, a desinformação é amplificada com
a ascensão das mídias sociais uma vez que nestes espaços autoridades tradicionais sobre a informação
convencional médica, como jornalistas e especialistas, têm um alcance limitado59, contando com uma forte
concorrência de canais informais pela competência destes conhecimentos. Isso tem resultado em uma
fácil exposição de grande parte dos usuários de redes sociais a conteúdos que promovem desconfiança em
instituições médicas, teorias da conspiração e narrativas pessoais pautadas em discursos anticientíficos60.
Essa desconfiança sobre as intenções de instituições tem se intensificado desde a segunda metade do
século XX, quando uma série de crises públicas no ocidente envolvendo, por exemplo, escândalos públicos
estadunidenses como o Watergate, a Guerra do Vietnam e o assassinato de JFK, e a instauração de
ditaduras na América Latina por meio de violentos golpes de estado, expuseram fragilidades de governos e
democracias. Quanto à mídia, tem-se observado um aumento da dependência dos meios de comunicação61
em relação aos setores econômicos, cada vez mais alinhados com o lucro, engajando-se em reportagens
sensacionalistas e duvidosas62. Já em relação às instituições científicas, as crises estão relacionadas à
incapacidade da ciência em tratar de problemas sociais10, com a academia cada vez mais afastada de seu
propósito de bem comum à sociedade para atender às demandas da esfera econômica, como vem discutindo
Signates63. Para além da incapacidade da ciência de cumprir as promessas da modernidade de resolver
as mazelas sociais, as mensagens dissonantes da própria ciência e as disputas epistemológicas dentro do
campo científico percebido pelo público impulsionam sentimentos de desconfiança sobre as informações
relacionadas à ciência64. Junto a esses fatores, o declínio de confiança sobre a ciência tem sido observado
ao longo das décadas, sobretudo em função de uma percepção sobre conflitos de interesses e politização da
ciência65.
Esta crise de credibilidade de instituições legitimadas como produtoras de verdade – como a ciência
e a mídia – aliada ao espaço de circulação de informações disponível na Internet para novos agentes dá
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visibilidade a pensamentos não-validados que sempre existiram, mas outrora não possuíam tal alcance,
como as teorias da conspiração, o terraplanismo e o próprio movimento antivacina.
Inúmeros têm sido os trabalhos que buscam entender o fenômeno das fake news66-70. Estes estudos, na
maior parte das vezes, pautam-se pela preocupação com a ameaça que as fake news representariam para a
autoridade jornalística idealizada e não costumam avançar em relação às implicações sociais desta ferramenta
política. Por exemplo, quando os fake news são replicadas por agentes representativos do governo e por
movimentos políticos extremistas, autoridades e pessoas públicas71, como o presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, usando as próprias redes sociais para questionar a vacinação72; o autoproclamado filósofo
Olavo de Carvalho repetindo a atitude73, e o recente corte de 500 milhões do programa de imunização feito
pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro74, é preciso abordar o tema com cautela para o enfrentamento da
desinformação. Nesse sentido, duas vertentes recorrentes desse enfrentamento emergem nesse cenário: as
ações de controle sobre a informação e as ações de campanhas pró-informação.
As ações de controle e classificação normativa sobre a veracidade da informação emergem tanto no
cenário do jornalismo, quanto no da ciência. Agências regulatórias baseadas em definições de verdade
pela verificabilidade propõem medidas de controle, sobretudo para aqueles veículos comprometidos
com a promoção de perspectivas diferentes da mídia tradicional18, no caso do jornalismo, e para aquelas
vertentes epistemológicas que se diferem dos princípios da ciência moderna – como no caso de tratamentos
alternativos de saúde.
No campo do jornalismo, o modelo de checagem da veracidade dos fatos dos veículos de informação
tradicionais busca quebrar com a lógica neoliberal descentralizada da produção de conteúdo em mídias
sociais58, retomando discursivamente a importância da mídia massiva como ator de confiança em um cenário
de circulação de desinformação. Por sua vez, as ações pautadas em campanhas pró-informação partem de
um modelo linear da comunicação, ignorando as lógicas próprias das redes sociais digitais, por onde seu
conteúdo circula75, mais do que o próprio movimento antivacina, por exemplo76. A lógica de big data e todas
as dinâmicas derivadas dos avanços tecnológicos em torno da algoritmização pela experiência do usuário,
próprios do sistema neoliberal do consumo personalizado de informação, têm permitido que a informação
e a desinformação avancem a partir de escolhas, hábitos e preferência de consumo de usuários. Estamos
nos isolando em “bolhas informacionais” e “câmaras de ecos”77), metáforas utilizadas para compreender o fluxo
informativo limitado a grupos coesos, sem acesso a um amplo espectro da informação que vá de encontro às
visões de mundo do usuário. Além disso, outras dinâmicas próprias desses espaços digitais são ignoradas,
como páginas controladas por bots no Twitter, canais não-destacados no YouTube, grupos fechados no
WhatsApp, entre outros.
Recentemente, a plataforma de vídeos YouTube declarou esforços em cercear o conteúdo extremista78 e
desinformativo, limitando o alcance, a monetização ou até mesmo deletando-o. Entretanto, é difícil identificar
efetividade nessas políticas, com outras redes como Facebook e Twitter também limitando a visibilidade
de tais conteúdos, mas mantendo-os públicos79, deixando o conteúdo vivo para o compartilhamento, sob
a égide discursiva de democracia e liberdade de expressão. Mark Zuckenberg, fundador do Facebook, em
um esforço contra a antivacinação, compartilhou em sua rede social uma foto levando sua filha80 para a
vacinação; a postagem recebeu uma chuva de comentários antivacinação. Em entrevista para a revista
Forbes sobre o tema, Zuckenberg respondeu: “Se alguém quiser postar um conteúdo antivacina, ou entrar em um
grupo com essa discussão, não os impedimos de fazer isso. Mas tentamos fazer que o nosso sistema de recomendação
não encoraja ninguém a entrar nestes grupos. [...] Nos importamos profundamente em dar às pessoas uma voz, uma
liberdade de expressão”81.
A citação evidencia um posicionamento complexo das gigantes plataformas de redes sociais sobre a
desinformação: enquanto a postura pública é admitir o problema e tentar timidamente endereçá-lo, as
políticas capitalizadas posicionam as empresas numa forte não-intervenção, que efetivamente faz do espaço
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digital um ambiente permissivo e desregulado, propício para o discurso persuasivo, emotivo e populista que
emergem no cenário de disputa de informação.
Mapeamento no Facebook
A Internet é um importante espaço de busca de informações82-83 e tem tido um papel significativo na
formação de comportamentos em saúde84-85. No contexto das mídias sociais, o Facebook tem sido considerada
uma plataforma relevante nesse cenário para buscas e compartilhamento de conteúdo relacionado à saúde,
principalmente devido à sua natureza interativa que facilita a troca de apoio social86, com grande capacidade
de influenciar o discurso público sobre saúde de maneira viral, tanto positiva quanto negativamente87.
Diante disso, esta pesquisa busca levantar páginas brasileiras e grupos de Facebook que possam ser
potenciais espaços de disseminação de desinformação sobre os tópicos contemplados por esta investigação.
Por meio de uma pesquisa qualitativa de observação não-participante88, análise de conteúdo89 e a partir de
técnicas de snowballing de recomendação algorítmica90, foram identificadas páginas com maior número
de seguidores e grupos com maior número de inscritos de cada um dos tópicos desta pesquisa: antivacina,
fosfoetanolamina e MMS.
A busca sobre antivacina nos retornou apenas um resultado de página e um resultado de grupo em
português, podendo indicar um esforço do Facebook em excluir perfis e espaços que compartilhem
informações contra vacinação. Já a busca por fosfoetanolamina teve um retorno de 74 páginas e 96 grupos,
enquanto a busca por MMS (e combinações com sódio e autismo) teve um retorno de 18 páginas latino
e ibero-americanas, sendo apenas duas brasileiras (Mms - solução mineral milagrosa, com 441 curtidas
e Movimento MMS Brasil, com 400 curtidas), as únicas utilizadas em nosso corpus de análise. Convém
ressaltar que, como as palavras-chaves utilizadas (MMS OR solução mineral milagrosa OR Mineral Miracle
Solution) nos retornaram uma busca para além da utilização do termo em português, nossa coleta se
deparou com resultados advindos de outros países, que foram excluídos da nossa amostra para análise.
Os países relacionados à busca sobre MMS no Facebook e que foram demarcados sobre a localidade em
seus títulos são: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Costa Rica, Espanha, Guatemala, México e Peru. Além
disso, também foram identificados seis grupos de Facebook sobre o tema, também com demarcações de
localidades evidentes em torno de cidades como Arica e Santiago no Chile e Monterrey, no México. Uma das
possíveis leituras sobre essas demarcações de localidades reside na própria atuação midiática desses países
na midiatização da cura milagrosa. No Chile, o MMS foi amplamente divulgado pelo Canal 13, no programa
Bienvenidos, pelo Dr. Ricardo Soto, médico integrativo e diretor do instituto Medicina Consciente, que
tinha um quadro na TV aberta sobre tratamentos alternativos. Após o ocorrido, o médico foi afastado da
televisão pela Seremi de Salud Metropolitana. Contudo, outros médicos e autoproclamados agentes de
saúde permanecem em outros canais da televisão aberta e no YouTube propagando a venda do suplemento
amplamente nesses espaços e em seminários voltados para o tema91. Já o México abriga o cientologista Jim
Humble, principal difusor do MMS no mundo, que devido a perseguições e acusações foi obrigado a sair dos
Estados Unidos e refugiar-se no país, onde a comercialização da substância é livre. Ainda que o tema não
seja de grande repercussão nos sites de redes sociais, essas demarcações de localidades indicam a formação
de redes de interesse na América Latina, abrindo para possibilidades de investigações futuras a partir de
contextos locais.
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Tabela 1 - Resultado quantitativo do mapeamento no Facebook
Buscas n. de páginas n. de grupos
Antivacina 1 1
Fosfoetanolamina 74 96
MMS 2 0
Fonte: Dados da pesquisa (2019).Nota: n.= número. Quadro com informações de retorno por meio de busca no Facebook.
Recomendação algorítmica
Para uma classificação do tipo de página derivada da recomendação algorítmica, e baseado nas
discussões previamente apresentadas, é possível analisar os materiais coletados a partir das seguintes
questões: 1) os elementos de autoridade científica e as apropriações de discursos científicos que emergem
no fenômeno entendido como fake sciences (7), baseado na imitação de signos científicos como estratégia
de convencimento. Tais estratégias têm sido adotadas para a 2) comercialização de produtos e serviços para
o bem-estar e a saúde, vendidos como curas milagrosas e terapias alternativas, buscando preencher lacunas
não desvendadas pela ciência. Esses produtos milagrosos refletem um anseio da população não apenas na
crença de soluções para demandas sociais não atendidas pela ciência, como também apontam para uma
descrença institucional na qual os conflitos de interesse sobre as indústrias farmacêuticas e as instituições de
pesquisa são criticados pela sociedade. 3) Dentre as prestações de serviços, vetores jurídicos ascendem em
prol dos direitos do cidadão, sobretudo pelo direito à informação e acesso a esses tratamentos alternativos.
4) Para além do caráter de mercantilização de dogmas e crenças na oferta de produtos e serviços, as lógicas
de busca por reputação nos espaços sociais digitais permitem surgir não apenas os prestadores de serviços,
mas também ativistas e advocacy, como práticas políticas de indivíduos ou organizações, no interior das
instituições do sistema político, com a finalidade de influenciar a formulação de políticas e a alocação de
recursos públicos. 5) A partir da quebra de confiança nessas instituições epistêmicas que balizam noções
como verdade, os sujeitos passam a acreditar apenas em suas próprias experiências individuais, nesses
sujeitos cuja reputação nos espaços digitais os levam a exercer algum tipo de influência na esfera pública
e econômica, e o discurso do testemunho passa a ter grande valor na sociedade como parte das lógicas de
personalização do consumo própria das redes sociais digitais e parte de formas contemporâneas de relação
da cultura da crença baseada no self.
Mediante essas definições de lógicas e dinâmicas que estão implicadas na circulação da informação
científica em sites de redes sociais, a partir das páginas coletadas inicialmente no mapeamento, foi realizado
um levantamento das recomendações do algoritmo para páginas relacionadas, traçando uma rede para a
identificação dos atores de influência.
A partir da única página brasileira identificada na busca inicial sobre o movimento antivacina (O lado
obscuro das vacinas91), foi possível mapear nove páginas relacionadas de primeiro nível, indicadas pelo
algoritmo do Facebook, que podem ser agrupadas nos seguintes temas:
• Autoridade científica e tratamentos alternativos (n=5) - Médicos que Ensinam a Prevenir Doenças, Criação Neurocompatível por Márcia Tosin, Admiradores Do Professor Afonso De Vasconcelos Lopes, Naturopata Rc e Coletividade Evolutiva;
• Política, Conservadorismo e valoração da família (n=4) - Brasil Sem Aborto, Nunca Houve Ditadura Militar No Brasil e RED ALERT Almagesto; Tisquinho de Gente.
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Como a busca sobre Fosfoetanolamina retornou um resultado de 74 páginas, foram selecionadas as seis
páginas com maior número de curtidas para a identificação de recomendações algorítmicas sobre o tema.
Para tanto, foram selecionadas as seguintes páginas: Fosfoetanolamina Testimonials93 (44.972 curtidas);
Fosfoetanolamina94 (32.566 curtidas); Fosfoetanolamina A Esperança Proibida95 /(19.862 curtidas),;
Fosfoetanolamina Oficial96 (13.976 curtidas), Fosfoetanolamina Sintética Goiás97 (6.487 curtidas) e
Fosfoetanolamina Sintética - Pela continuidade da pesquisa contra o câncer98 (4.734 curtidas).
Foram identificadas 35 páginas, agrupadas nos seguintes temas:
• Autoridade científica e tratamentos alternativos (n=14) - Fosfoetalonamina, Pílula Contra O Câncer; Fosfoetanolamina Sintética, Fosfoetalonamina; Dr Renato Meneguelo; Fosfoetanolamina, Fosfo a cura proibida, Suplementos e Fosfoetanolamina, Fosfoetanolamina Sintética Goiás, Phospho Ethanolamine - Brasil, Alcool Perilico na luta contra tumor cerebral, Fosfoetanolamina sintética - a cura, Ozônio Terapias Complementares, Rosane Cincinatus Nutricionista, Entendendo a dependência química;
• Prestação de serviços jurídicos e previdenciários (n=9): Fábio Motta - Advogado Imobiliário, Notarial e Registral, BRS Explica, Oratória Jurídica, Servidores de Conselhos de Classe, Guilherme Portanova / Assessoria, Abreu Advocacia, Escola de Previdenciaristas, Dindin Finanças Pessoais;
• Ativismo (n=5) - Fosfoetanolamina Sintética - Para Todos, Chris Morais Ativista Fosfoetanolamina, Eu Apoio a Liberação da Fosfoetanolamina, Diego Rodriguez e Rosangela da Silva;
• Comércio de Saúde e bem-estar (n=5) - Viva Vida, Revista Bem Viver, Rede de Viveiros de Mudas Nativas do Vale, Revista Viver Saúde e Geradores de Ozônio;
• Política, Conservadorismo e valoração da família (n=2) - Primeira Igreja Batista Maná Renovada, Inteligência Emocional para Pais.
Observando as duas páginas identificadas no mapeamento no Facebook sobre MMS (Mms - solução
mineral milagrosa99, com 441 curtidas e Movimento MMS Brasil, com 400 curtidas), foi possível coletar 19
páginas relacionadas indicadas pelo algoritmo do Facebook, agrupadas sobre os seguintes temas:
• Autoridade científica e tratamento alternativos (n=11) - Andreas Kalcker in RIO, Prata coloidal, A Cura Proibida mms, EU USO ORMUS e GANS, Caneta da saúde, plasma magrav, Gans & Ormus Brasil, Maria Helena Rossi Homeopata, Fazendo Ozonioterapia, Oxygen Therapy, MMS;
• Comércio de Saúde e Bem -estar (n=4) - Geradores de Ozônio, Geradores de Ozônio OZOXI, Beleza e Ozonoterapia, OzonAr- Equipamentos para o Meio Ambiente;
• Ativismo (n=2) - ONG Bem Estar Animal e ONG Proteção Animal Brasil;
• Política, Conservadorismo e valoração da família (n=2) - MpuForteServidorValorizado e Breno vereador 2020.
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Figura 1 - Temática encontrada em cada categoria analisadaFonte: Dados da pesquisa (2019).
Tipos de conteúdo, interações sociais e atores de influência
Na página identificada como parte do movimento antivacina é recorrente o uso de argumentos lógicos
e uso de artigos científicos para refutar ideias. Alguns dos periódicos mencionados são considerados de
prestígio no campo científico, indexados no Pubmed ou parte do acervo de empresas editoriais científicas
como Springer-Nature. Constantemente são publicados vídeos do YouTube com cientistas vestidos de
jalecos, demarcando suas performances condicionadas à atuação profissional.
Já as interações apontam para um discurso contra mídia e contra a ciência, sobretudo acionando
discursos sobre conflitos de interesses, como por exemplo, nos casos abaixo que ilustram a desconfiança
dos sujeitos em relação não só às instituições e associações científicas e a mídia (Figura 2), mas também aos
próprios mecanismos de controle das agências de checagem de fatos.
Figura 2 - Comentários postados na página O lado obscuro das vacinasFonte: Dados da pesquisa (2019)iv.
Dentre as 35 páginas identificadas na coleta sobre Fosfoetanolamina, foi gerado um grafo em Gephi,
buscando identificar os nós de influência a partir do grau de entrada dos 41 nós e 83 arestas reconhecidos.
Destaca-se que a recomendação algorítmica para quatro (n=04) páginas que se encontram como nó de
influência a partir do procedimento aplicado, conforme é observado na Figura 3.
iv Tais comentários são apenas ilustrativos, nos fornecendo insumos para desdobramento de pesquisas futuras, a partir de recortes temporais e metodologias próprias para a análise de conteúdo e dinâmicas interacionais nesses espaços.
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Figura 3 - Gráfico de recomendações algorítmicas Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Os nós de maior influência são:
1. Suplementos, Fosfoetanolamina e Tratamentos Alternativos - Instituto100, página do Instituto É
seu direito saber101, de Renato Meneguelo que atualmente possui 7.400 curtidas, e que tem como
propósito divulgar temas relacionados a tratamentos alternativos a partir de discursos científicos.
Como é apontado na capa da página, a questão de direito à informação é latente a partir dos dizeres
‘É seu direito saber’, que leva o nome do instituto. Os temas publicados neste espaço relacionam-se
aà informações científicas sobre doenças como fibromialgia, indicações de tratamentos alternativos
como biomagnetismo e óleos essenciais, além de acompanhamento de etapas jurídicas sobre as
ações de fosfoetanolamina;
2. Fosfoetanolamina102, página com 4.346 curtidas que se descreve como um espaço voltado para
divulgação de Ações Judiciais para a obtenção ao direito de o paciente de câncer ter acesso ao uso
da substância fosfoetanolamina sintética desenvolvida pela USP. Dentre as publicações, o post fixo
indica um propósito claro: venda de suplemento PhosphoEthanolamine, produzido pela Quality
Elements. Para além disso, tem servido como um espaço de divulgação científica de membros do
grupo da Unicamp que desenvolveu pesquisas sobre a substância, além de utilizar vídeos postados
no YouTube e depoimentos de testemunhos como estratégia de divulgação do tratamento;
3. Dr. Renato Meneguelo103, com 11.809 curtidas, membro restante do grupo da Unicamp que
desenvolveu pesquisas sobre a substância e continua atuante no ativismo sobre o uso da
fosfoetanolamina junto à esfera política, com publicação sobre encontros com membros
congressistas e parlamentares que defenderam o movimento pela aprovação da distribuição
da medicação em 2016. Nesta página, o discurso de cientificidade é mais evidente pela própria
formação de Renato Meneguelo na área da saúde (Medicina) e mestrado em Bioengenharia104;
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4. Diego Rodriguez105, página com 7.185 curtidas, que tem como proposta, em sua descrição, “lutar
contra a Indústria do CÂNCER. Indústria mais lucrativa do planeta”, expondo “o andamento dos testes da
substância fosfoetanolamina sintética (síntese Dr. Gilberto Chierice - USP) e todas as falcatruas”. Nesta página
são recorrentes postagens de denúncia à indústria farmacêutica e celebração aos congressistas,
sobretudo ao atual presidente Jair Bolsonaro, pelo apoio à causa.
Destacam-se ainda duas páginas, que exercem influência dentro de suas redes. Fosfoetanolamina
Sintética Goiás, com uma atuação política forte, apresentando conteúdos sobre CPI da Pílula do Câncer,
que apontou falhas na condução dos testes clínicos realizados pelo ICESP (Instituto do Câncer de São
Paulo) para checar a segurança e a eficácia do remédio no tratamento do câncer106 a se apresentar como
“finalidade única promover a continuidade da pesquisa da Fosfoetanolamina, substância sintética, desenvolvida pela
USP em São Carlos - SP”. Com diversos links107 direcionando para o YouTube, há uma predominância de
discurso jurídico com Jeff Vaz (Anjo Negro), advogado especialista em direito da saúde (fosfoetanolamina),
e direito criminal.
Já nas páginas observadas sobre MMS, o tipo de conteúdo produzido é baseado em tutoriais e
receitas para preparação da substância de maneira caseira (Figura 4). Por sua vez, as interações refletem
a polarização sobre o tema. Por um lado, um conjunto de adeptos da substância reflete o descrédito da
mídia e das instituições científicas. Por outro lado, outros sujeitos recorrem às instituições regulatórias
ou produtoras de conhecimento, próprias das comunidades epistêmicas, como é o caso da Polícia Federal,
Anvisa, Dr. Drauzio Varella e Globo News, além de influenciadores digitais como a página Lagarta Vira
Pupa, marcando-os nas publicações na esperança de que estas instituições derrubem a página (Figura 5).
Figura 4 - Vídeos tutoriais da página Mms- solução mineral milagrosaFonte: Mms- solução mineral milagrosa (2019).
Figura 5 - Comentários extraídos da página Mms- solução mineral milagrosaFonte: Dados da pesquisa (2019).
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Discussão
A triangulação derivada do exercício de abordagem multimétodos nos permitiu inferir que as fake
sciences ocupam um campo de disputa no qual a autoridade científica é um valor relevante nesses espaços,
sendo recorrentemente acionado como signo de convencimento junto ao público. Em todas as páginas
analisadas e procedimentos realizados nesta pesquisa mista, algumas observações nos levam a entender
que a algoritmização pela experiência tem permitido que a informação e a desinformação avancem a partir
de escolhas, hábitos e preferência de consumo de usuários. As bolhas informacionais são reforçadas pelos
algoritmos de personalização por meio da recomendação de páginas relacionadas. Contudo, apesar de ser
uma metáfora poderosa para compreender o fluxo informativo limitado a grupos coesos, sem acesso a um
amplo espectro da informação que vá de encontro às visões de mundo do usuário, tais canais ainda são
usados, mesmo que timidamente, como espaço de embates entre ideias.
Nesses espaços interacionais, observam-se discursos de descrença institucional que fica manifesta nos
comentários. Os sujeitos demonstram não confiar nem na ciência, nem na mídia. Apesar disso, acionam
elementos próprios de signos científicos, como jalecos, textos acadêmicos publicados em espaços de
prestígio e reforço pela titulação de quem produz conteúdo, como uma forma de validar seus argumentos.
Por sua vez, as notícias que circulam nesses espaços variam entre a mídia tradicional massiva, que publica
as controvérsias científicas sobre esses temas e os imbróglios econômicos, políticos e jurídicos derivados
de disputas sobre o desenvolvimento de medicação de um lado, e entre vídeos caseiros de testemunho de
cura e de receitas para a manipulação das substâncias em casa, sob um discurso de democratização da
informação relacionada à saúde.
Assim, os resultados desta pesquisa apontam que as fake sciences são um campo de disputa intermediada
de interesses econômicos e comerciais, políticos e jurídicos nos quais a informação e a descrença institucional
derivada da crise epistêmica são o eixo central dos embates. De um lado, os avanços científicos, como já
apontava Thomas Kuhn108, se dão a partir de longos embates dentro do próprio campo científico em um
sistema autorregulado pelos próprios cientistas cada vez mais dependentes da midiatização da ciência para
a obtenção dos escassos recursos financeiros. Esses embates e controvérsias naturais próprios da ciência
são constantemente midiatizados, influenciando no declínio da confiança da população pela ciência. Por
sua vez, a sociedade, cada vez mais descrente nas instituições produtoras de conhecimento, passa a buscar
saídas em torno da crença em soluções rápidas e alternativas para temas que a ciência da saúde ainda está
se desdobrando para entender, fazendo emergir fenômenos como as fake sciences.
Dessa ânsia por resultados rápidos, combinada à midiatização de controvérsias na ciência, as discussões
acerca do direito à informação e acesso a esses tratamentos alternativos são acionadas como discursos
baseados em argumentos jurídicos, que reforçam a complexidade do fenômeno referente à disputa
pela informação científica e, consequentemente, a um sistema de reputação na busca por interseção na
formulação de políticas desses atores. Nesse sistema de reputação em ambientes digitais, o testemunho
é um tipo de produção de narrativa recorrente entre esses sujeitos, um tipo de linguagem apreciada por
aqueles que, descrentes das instituições, valorizam as narrativas pessoais.
Por sua vez, as recomendações algorítmicas exercem uma conexão relevante na influência em redes
sociais digitais. Tais recomendações tendem a reduzir o contato com visões divergentes, crucial para o
fortalecimento do debate, restringindo caminhos de usuários e limitando os vieses de confirmação de
sujeitos que estão em busca da cura para si ou de seus familiares. Se as instituições consideradas produtoras
de verdade se encontram em crise devido a seus próprios conflitos de interesses com entrada de outros atores
no desenvolvimento da pesquisa, como atores políticos e econômicos, os sujeitos passam a acreditar apenas
em suas experiências pessoais e buscam informação em seus próprios fluxos informacionais conduzidos
por recomendações algorítmicas.
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Em um momento em que o conservadorismo tem sido observado tanto na esfera política e social, os
valores morais reguladores de nucleação tradicional se encontram com as lógicas neoliberais sobre os
indivíduos, voltadas para um consumo personalizado próprio das redes sociais digitais como parte de
formas contemporâneas de crença baseada no self. Esta dinâmica social baseada em seus consumos e
crenças individuais gera intolerância para informações divergentes, princípio necessário para a ordem
democrática sobre a informação.
Considerações finais
Buscamos neste artigo mapear espaços responsáveis pela circulação de teorias da conspiração
pseudocientíficas, recentemente referidas como fake sciences. Fake sciences são tradicionalmente
repudiadas no campo acadêmico, sendo pouco estudadas seja pela sua estranheza, por violar agressivamente
o cânone científico ou mesmo pelos seus comprovadamente perigosos efeitos na sociedade. Entretanto,
uma análise sobre as fake sciences revela evidências ricas de uma complexa desconfiança dos indivíduos
modernos nas instituições de um caótico mundo pós-globalização e de crise democrática.
Atravessamos um momento de crise epistemológica, no qual a relação dos indivíduos com as instituições
da modernidade é cada vez mais conturbada. Como resultado, a posição de autoridade institucional do
saber ocupada por entidades como a ciência e a medicina não pode ser mais dada como garantida. Grande
parte desta descredibilização da ciência é derivada de um momento da própria crise democrática, em que
tomadas de decisão baseadas em evidências derivadas de estudos científicos já não tem tanto valor na esfera
política. Tem sido cada vez mais recorrentes posições de representantes mundiais que vão de encontro aos
conhecimentos científicos em diferentes áreas do conhecimento, como por exemplo, defensa de políticos
na produção e distribuição de fosfoetanolamina, como demonstrado neste trabalho, ou de Cloroquina para
combate ao Covid-19, mesmo que testes clínicos ainda estejam em fase experimental109.
Contudo, pudemos perceber nesta pesquisa que esta crise de credibilidade da ciência não é apenas
fruto de irresponsabilidade política, mas também de um afastamento do indivíduo comum das instituições
científicas, em que a percepção de controvérsias e conflitos de interesses têm sido a causa mais recorrente
deste distanciamento. Evidentemente, não existem consensos científicos, pois a ciência avança a partir de
controvérsias dentro do próprio campo científico. Porém, quando estas controvérsias são midiatizadas,
outros contornos são adquiridos e a credibilidade científica abalada junto à população. Tanto o movimento
antivacina e da fosfoetanolamina se desenvolvem em espaços universitários altamente validados na
hierarquia do saber, enquanto o avanço do MMS, difundido inicialmente por integrantes da igreja da
cientologia, mostra tanto a falta de regulação para a circulação de conhecimento anticientífico quanto a
ascensão do extremismo religioso fruto desta mesma crise epistemológica.
Regulação é o principal problema nas mídias sociais, responsáveis centrais pela amplificação recente
destes conteúdos (entre outras teorias da conspiração, fake sciences e movimentos extremistas). Plataformas
digitais sociais, como YouTube, WhatsApp e Facebook têm se mostrado, como aponta nosso mapeamento,
um grande abrigo para redutos onde fatos alternativos são validados. Torna-se, portanto, necessário
discutir a responsabilidade desses espaços para a propagação de desinformação relacionada à ciência.
Enquanto as providências tomadas por estes grandes conglomerados de comunicação permanecerem
tímidas, maquiando uma postura mercadológica como ‘liberdade de expressão’, meramente diminuindo
recomendações para o conteúdo e pouco moderando efetivamente, os espaços tendem a permanecer
favorecendo perigosas práticas de desinformação e má informação. Por outro lado, torna-se importante
reconhecer que a regulação não deve vir dessas plataformas, pois a precedência desta autonomia regulatória
como responsabilidade destas empresas multinacionais poderá infringir o próprio regime democrático das
nações.
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Lidando com um cenário onde a academia disputa autoridade científica com grupos conspiratórios cada
vez menos marginais, e com a proliferação de senso comum e de uma sociologia do desconhecimento e
ignorância, como aponta José de Souza Martins110, tem-se um campo aberto para a indagação científica
como forma de manutenção popular da ordem em um mundo inserido em intensas disputas sobre a
informação. É necessário enfrentar o desafio de não apenas denunciar, mas buscar entender as causas,
encontrar os espaços e decifrar a postura destes grupos que estão envolvidos nas disputas pela informação
científica para que a ignorância e o desconhecimento não seja a única certeza possível em uma sociedade
repleta de incertezas e desconfianças.
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